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Transformação - Naasom A.

Sousa

TRANSFORMAÇÃO – PARTE 2

Você estaria disposto a deixar sua família para ir defrontar-se com o perigo
absoluto e fulminante numa missão ordenada pelo Senhor?

Na primeira parte da aventura, Alan Xavier, se dispôs sair de sua


casa e encontrar Carlos. Porém, acabou se envolvendo numa série de
acontecimentos que fizera de si um dos principais responsáveis pela
morte de um policial. Ligado a Carlos por uma algema, fugindo da
polícia e dos pelos membros da impiedosa quadrilha de Vip, ele tenta ao
mesmo tempo pregar a Palavra de Deus para o traficante.
Todos os caminhos tortuosos levaram Carlos e Alan a um
desmanche de carros onde vive um ex-patrão e agora amigo de Carlos,
Nick Gradinno. Sempre desconfiados de Alan, Carlos e Nick planejam
um contra-ataque à quadrilha e o resgate de Nicole.
O momento o confronto chegou e as indagações continuam:
O que irá acontecer?
Carlos e Alan sairão ilesos desse confronto?
Alan conseguirá alcançar o coração de Carlos e faze-lo entender que
Deus o ama?
E quanto a Carlos? Conseguirá ele resgatar sua noiva e derrotar
toda a quadrilha?
E o grande segredo da Quadrilha? Quem será o misterioso Vip?

Naasom A. Sousa

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Transformação - Naasom A. Sousa

TRANSFORMAÇÃO
Naasom A. Sousa

PARTE 2

Edição Letras Santas


© Copyright - 2001 by Naasom A. Sousa
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Parte Dois

REENCONTROS

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Capítulo 18

M ais uma vez estavam diante da placa que indicava os nomes das
ruas Treze e Clintel; a mesma esquina onde todo aquele pesadelo
havia se dado início. Carlos olhou ao redor e observou os prédios
escuros e a rua deserta, mais uma vez não haveria testemunhas para o
que iria acontecer dali a alguns minutos. Olhou para Alan e notou seus
olhos castanhos voltados para baixo como se houvesse uma edição do
jornal do dia jogado no chão. Aquilo era estranho. Aquela não era hora
para entrar em transe e pensar em coisas banais.
Visualizou o relógio e contou as horas: 24h e 20mim. Devem estar a
caminho, pensou Carlos. Talvez o fim esteja a caminho.

&&&

Alan pensava em Melina e seus três filhos. Com os olhos voltados


para o chão, indagava-se se voltaria a vê-los novamente, e suplicava ao
Senhor que permitisse que isso acontecesse. Sabia que o improvável
poderia acontecer e a qualquer momento.
Fez uma oração rápida, confessando ao Senhor que se encontrava
aflito, mas que, se era do interesse do Deus Altíssimo que passasse por
tudo aquilo, iria passar sem reclamar. Entretanto, lembrou-se de que
Carlos não havia se convencido de que sua vida nada era sem a

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intervenção de Deus, então pediu ao Senhor mais uma chance de poder


continuar a falar da Santa Palavra a ele.
É o que te peço, Senhor, em nome de Jesus. Amém.

&&&

A porta agora estava totalmente aberta e Caroline podia ver o


grande vulto segurando a maçaneta. Esforçou-se para discernir bem os
traços da pessoa, mas a escassa luz que o abajur produzia não permitia
que isso acontecesse.
Caroline olhou ao redor, procurando algo para que pudesse
empunhar e se defender, mas não enxergou nada. Era mesmo o fim,
pensou.
A pessoa adentrou o quarto e caminhou em sua direção e na de
Pablo. A respiração de Caroline parecia, de uma hora para outra, ficar
mais difícil do que nunca. O vulto parou e, parecendo fitá-la, colocou a
mão no bolso. A repórter pensou que provavelmente tiraria dali uma
arma. Ela tentou puxar o ar para dentro dos pulmões. Era-lhe quase
impossível. Foi então que, como se não tivesse outra coisa a fazer a não
ser baixar a guarda, perguntou com a voz fraca:
— Está aqui para matá-lo, não é?
A pessoa permaneceu firme, mas pareceu surpreso no tom de sua
voz quando disse:
— Matá-lo? Por que eu faria isso, Sta. Lima?
Caroline foi surpreendida. Era uma voz masculina conhecida aos
seus ouvidos. A pessoa permaneceu onde estava, e ela imediatamente
andou até o abajur e fez com que a luz atingisse o rosto do estranho, e
enfim pôde ver quem ele era.
— Dr. Stone… ?
— Sta. Lima.
— O que… o que o senhor está fazendo aqui?
— Acho que este é o hospital onde trabalho e esta é a hora de dar o
medicamento do meu paciente, aliás, já está passando da hora. Mas…
você parecia assustada.
Caroline enrubesceu envergonhada.
— Desculpe-me, Dr. Stone, mas… mas eu pensei, de uma hora para
a outra, que o senhor fosse alguém vindo para matar Pablo. Realmente
me assustei. Eu… estou com medo que alguém contratado por aquela
maldita quadrilha entre aqui e termine o serviço que ficou incompleto…
O Dr. Stone interrompeu-a:

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— Mas graças à sua reportagem, a vida dele está mantida em


segredo.
— Até quando, doutor? Até quando? Quero dizer… quando
descobrirem, só saberemos que isso aconteceu quando encontrarmos
Pablo morto, e não quero que isso aconteça, me entende?
O médico balançou a cabeça em compreensão.
— Então, o que mais sugere? — perguntou.
Caroline fez uma menção negativa e balbuciou:
— Eu não sei. Vivo imaginando alguém entrando aqui neste quarto
e matando-o. Sei que as pessoas que entram aqui foram escolhidas pelo
senhor, mas, e se entrar alguém por engano? Meu Deus! Irá se espalhar a
notícia por toda a cidade e cair nos ouvidos dos traficantes e… Pablo
morrerá!
O Dr. Stone segurou os ombros de Caroline.
— Acalme-se, Sta. Lima. Eu entendo o tamanho do perigo que a
questão envolve, mas…
— Nada de mais, doutor. Temos que tirar Pablo daqui o mais
depressa possível, antes que aconteça o pior.
— Sta. Lima…
Caroline meneou a cabeça e rogou:
— Por favor!
O doutor ficou em silêncio por alguns segundos fitando os olhos
verdes de Caroline, suspirou e falou devagar:
— Como fazer isso? Como tirá-lo daqui?
A repórter pressionou os lábios.
— Não sei ao certo, mas temos que arranjar um meio.
— Posso perder meu emprego por isso.
— Não se preocupe, dou-me diretamente com o público. Se o
senhor for despedido, imediatamente terá outro emprego, e lhe dou
minha palavra que será um muito melhor do que já tem.
O Dr. Stone sorriu e disse:
— Bem, então se for assim, acho que já tenho uma solução para o
problema. É um pouco arriscado, mas acho que pode dar certo.

&&&

O nervosismo, a ansiedade, a angústia e a impaciência contribuíam


para que o sangue se esvaísse das mãos de Carlos, deixando as palmas
esbranquiçadas. Ele caminhava desassossegadamente de um lado para o

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outro e Alan perguntou-se quanto tempo levaria para o chão começar a


afundar com suas passadas.
Carlos consultou seu relógio novamente, concluindo que Vip já
estava atrasado dez minutos. Indagou a si próprio como Nick Gradinno
estaria numa hora daquelas, pois ele mesmo se encontrava com os
nervos num verdadeiro turbilhão. Tentava permanecer calmo, mas isso
lhe era quase impossível.
Ligeiramente, viu luzes despontar ao longe, dobrando a esquina,
que foi se tornando mais forte à medida em que se aproximava. As luzes
eram projetadas pelos faróis de veículos — dois, para ser mais exato —
que dificultava a visão dos dois homens algemados lutando para
enxergar algo em meio à ofuscante claridade.
Os carros pararam à quinze metros de Carlos e Alan. Lucas foi o
primeiro a descer de um dos veículos e, como se tivesse sido tudo
ensaiado antes, todos os outros homens saíram ao mesmo tempo. Carlos
imediatamente reconheceu Tito e Bino entre eles, e alguns outros eram
desconhecidos. Mas a peça principal do xadrez não se encontrava sobre
o tabuleiro.
— Vip não veio? — indagou Carlos.
Lucas, o de maior autoridade entre os que estavam do outro lado,
falou:
— Infelizmente não. Você sabe que ele é um homem de negócios e,
como tal, vive sempre muito ocupado. Além do mais, o que você quer
não é ele e sim uma outra pessoa, estou certo?
Carlos concordou com a cabeça.
— Você está coberto de razão. Mas há um pequeno problema,
Lucas. Não estou vendo a pessoa que procuro.
Com um olhar de dar frio na espinha, Lucas respondeu:
— Não se preocupe, meu caro. Ela está em boas mãos. Logo você a
verá.
— Devo dizer que não confio em você, Lucas. Aliás, em nenhum de
vocês. Já confiei uma vez e o preço que paguei por isso foi uma arma
apontada para a minha cabeça, toda a polícia dessa cidade ao meu
encalço, e o pior de tudo, minha noiva raptada e ameaçada de morte.
Não serei tão tolo a ponto de deixar que façam isso comigo de novo. Por
isso, é melhor não arriscar e fazer tudo de acordo com o combinado…
— Já sei — interrompeu Lucas. — Você agora irá dizer: Ou então…
Carlos abriu um sorriso torto.
— Você sabe das coisas, Lucas, devo admitir isso. A verdade é que
se não fizerem o combinado, tudo estará acabado para a quadrilha dos

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milhões. O que quero dizer é que a fita cairá em mãos erradas… — ele
pensou rápido — ou seria nas mãos certas? Bem, o importante é que
vocês estarão no fundo do abismo.
— Isso é muito engenhoso — murmurou Lucas.
— Cara, será que não conseguem compreender?! — exclamou
Carlos. — Tudo o que eu quero é dar o fora desta cidade miserável com
a mulher que amo, droga! Isso é pedir de mais? Vocês já fizeram o que
queriam. Acabaram com os dois tiras e a culpa caiu em cima de mim! O
que querem agora?
Carlos fixou a expressão indistinta do rosto de Lucas e sentiu um
imenso impulso de cortá-lo em pedacinhos. Ele não dava a mínima para
o que sentia e nem para o que acabara de falar.
Desgraçado!
Voltou-se rapidamente para Alan. O que estaria se passando em
seu pensamento? Estaria esperando algum sinal de Lucas para mostrar
seu verdadeiro caráter? Não esperaria até que isso viesse acontecer.
— Muito bem, vamos logo acabar com isso — falou Carlos. —
Quero vê-la agora.
Lucas hesitou por um momento, até que disse com voz grave:
— Primeiro quero saber da fita. Ela está com você?
— Pode ter certeza que sim.
— Mostre.
Carlos permaneceu imóvel por alguns segundos, perguntando-se se
aquilo seria algo prudente a se fazer. Mas então se conscientizou de que
nada do que estava acontecendo ali o era. Meteu lentamente a mão no
bolso do paletó e tirou a fita k7, pondo à vista de Lucas.
— Agora a garota — esbravejou o homem algemado.
Lucas fez um sinal com a cabeça para um de seus homens atrás de
si, que se dirigiu até a traseira do carro em que viera e abriu o porta-
malas. Carlos pôde ver o homem retirar a moça de dentro do veículo e
lamentou. Ela se encontrava com um capuz preto cobrindo-lhe o rosto e
os pulsos presos, amarrados para trás. Podia-se ouvir seus gemidos e
concluiu que também estava amordaçada e, além disso — o pior de tudo
— estava visivelmente conturbada e assustada.
O coração do noivo fugitivo palpitava descompassado. Era
horrivelmente doloroso e angustiante vê-la naquele estado, sendo
transportada como uma carga qualquer, amarrada — ou melhor —
aprisionada sem ter culpa alguma. Carlos cerrava os punhos diante do
sofrimento que se acumulava dentro do seu ser.
O homem caminhou com Nicole até ladear Lucas, e este ordenou:

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— Bino, pegue a fita.


Carlos, ao ouvir tal ordem, não deixou que o subordinado se
movesse um só centímetro à frente e gritou com denodo:
— Não! Primeiro a garota!
Os olhos de Lucas se estreitaram.
— Por que isso, Carlos? Sabe que se eu quisesse fazer algo aos
dois… — seu olhar se encontrou com o de Alan — Aliás, aos três, já o
teria feito. Para lhe mostrar que o acordo não será quebrado, faremos a
troca ao mesmo tempo.
Alan fechou os olhos e iniciou uma breve oração, pois algo o tocava
por dentro. De alguma forma, parecia que o Senhor sussurrava-lhe e
indicava que tudo aquilo, de algum modo, estava terrivelmente errado.
Bino tomou o braço de Nicole e levou-a na direção de Carlos. Para o
noivo, pareceu uma eternidade até que ela chegasse próximo a ele.
Porém, inconvenientemente, Bino se interpôs entre os dois, puxou um
pequeno walkman do bolso traseiro da calça e falou em tom forte:
— Dê-me a fita. Preciso testá-la.
Houve um momento de hesitação da parte de Carlos, mas a visão
de Nicole amordaçada, encapuzada e amarrada amoleceu-lhe o íntimo.
Queria abraçá-la, libertá-la o mais rápido possível. Por fim, esticou o
braço e entregou a fita ao inimigo.
Bino abriu o compartimento do pequeno aparelho destinado à fita,
introduziu-a e fechou-o logo a seguir. Pressionou o play e escutou o
conteúdo por um breve instante. Desligou e virou-se para Lucas. Fez um
meneio de cabeça e foi retribuído por seu chefe com um movimento
semelhante. Virou-se outra vez para Carlos, fixou seus olhos e afastou-se
para o lado, abrindo caminho livre para que tomasse sua amada nos
braços.
— É toda sua — balbuciou o traficante, com um sorriso sarcástico
nos lábios.
Com alguns passos à frente, Carlos tocou o braço de Nicole, ansioso
e um tanto nervoso.
— Você está bem, meu amor?
Ela não conseguia falar coisa alguma, apenas gemia.
— Espere, vou desamarrá-la — fê-la virar e passou a trabalhar nos
nós dados nas cordas grossas. Alan permaneceu atrás dele, um tanto
apreensivo. Os olhos de Carlos se depararam com Bino a olhá-los ainda
ao seu lado e anunciou: — Pode dizer ao seu chefe para ficar tranqüilo.
Dei minha palavra que ele nunca mais me verá e essa promessa será
cumprida.

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Bino apenas meneou a cabeça e virou-se. Caminhou alguns passos e


subitamente parou. Olhou para Lucas e então para o chão sob seus pés.
Disse:
— Eu sei que fará isso, Carlos. Sei que nunca mais voltaremos a ver
você outra vez… e estou incumbido de garantir isso!
Um objeto surgiu na mão de Bino e ele o apontou para Carlos.
Numa fração de segundos o objeto pôde ser visualizado. Era um
revolver de cano curto, calibre 38.
Um tiro foi disparado e seguido de outro. O estampido que se
originou da arma de Bino pôde ser confundido com o que surgiu da
mini-metralhadora de Nick Gradinno em cima dos prédio de
apartamentos acima deles. O peito de Bino se transformou em líquido
vermelho que se esvaía aos galões. Carlos foi jogado para trás junto com
Nicole pelo impacto da bala e Alan gritou, rogando por uma intervenção
divina, levando as mãos à cabeça. Carlos sentiu o sangue no rosto e
contemplou seu paletó banhado da mesma substância, enquanto passou
os olhos por Bino e observou-o desvanecer ao chão, sem vida.
Os tiros vindos de cima dos prédios foram direcionados
repentinamente a Lucas e aos demais traficantes já com suas armas em
punho, prontos para o ataque a Carlos e aqueles com quem estava.
Todos foram pegos desprevenidos e se abrigaram atrás dos carros e suas
portas.
Alan aproximou-se de Carlos e tocou-lhe o corpo, sentindo o
sangue.
— Você está ferido!
— Não sei… — Carlos se esforçou com Nicole nos braços e sentou-
se. Tocou seu próprio corpo e não sentiu qualquer orifício; a dor era
mínima. — Acho que… — olhou para Bino no chão e pensou que seu
tiro não o acertara, mas o sangue dele havia espirrado em seu corpo.
Grande Nick! Agradeceu.
— Tudo bem? — indagou Alan.
Carlos voltou os olhos para Nicole em seus braços, ainda amarrada.
Oh, querida! Seu olhar deparou-se com as roupas dela cobertas de
sangue, então sentiu seu corpo sem movimento e, por fim, notou um
buraco no meio de seu corpo. Oh, não! Nicole… Não!
Os tiros continuavam explodindo. Alguns passavam zunindo nos
ouvidos de Alan, e este podia observar um outro traficante caindo no
chão, ensangüentado, graças aos disparos da metralhadora de Nick.
Outro fora-da-lei começava uma corrida na direção deles com uma arma
pesada na mão direita, pronta para diversos disparos.

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Alan fitou Carlos ao seu lado, com a cabeça baixa e olhos fechados.
Não se mexia, não dava mais atenção ao que estava se passando ao seu
redor; ao perigo que corria; o campo de batalha em que estava metido.
Nada mais importava; de nada mais a vida adiantava. O amanhã já não
existia sem Nicole.
— Carlos! — chamava Alan. — Carlos, vamos sair daqui!
Seus ouvidos já não escutavam coisa alguma, sua boca já não
respondia nem falava nada. Sua vida havia se acabado no momento em
que viu a de sua amada acabada. Nicole estava morta e ele queria partir
com ela.

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Capítulo 19

O quarto estava escuro e um pouco frio, por causa do vento que


soprava lá fora. Melina repousava deitada em sua cama, mas não
conseguia dormir. Algo afligia sua alma e apertava seu coração.
A porta do aposento foi aberta e a sombra da pequena Jéssica
apareceu por entre a minguada luz vinda da cozinha que sempre
passava às noites acesa. A menina adentrou o quarto e parou ao lado da
grande cama.
Melina se sentou, sorriu para a filha e chamou-a para os seus
braços. A pequena menina literalmente pulou sobre a mãe.
— O que foi? — perguntou Melina. — não está conseguindo dormir,
minha lindinha?
Em meio aos carinhos da mãe, Jéssica suspirou com
descontentamento e respondeu:
— O sono não veio, mamãe. Acho que é porque o papai não orou
comigo nem me deu o beijinho de boa noite para eu conseguir dormir
direitinho.
Melina abraçou-a fortemente e beijou-a na testa.
— Oh, meu amor, seu pai fez uma pequena viagem, por isso não
estava aqui para orar com você e nem lhe dar o seu beijinho de boa
noite. Mas eu posso fazer isso. Você quer?
Jéssica olhou para suas pequenas mãozinhas matraqueando com os
dedinhos, batendo uns nos outros.

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— Não quero não, mamãe. Eu quero o papai — voltou o olhar para


a mãe. — Quando é que ele volta, mamãe? Estou com muita saudade!
Pelo menos ele está bem onde está, não é?
Melina se deitou e puxou a filha para cima de si, o conchego do seu
corpo. Pensou por um momento e hesitou em falar algo.
— Não se preocupe, filhinha — falou então. — creio que ele está
bem, que logo estará aqui conosco e, principalmente, pertinho de você
para orar e dar grandes beijos.
A pequena menina apertou a mãe num abraço.
— Tomara que ele não demore a voltar — torceu ela.
Melina suspirou forte e sussurrou:
— Tomara mesmo, minha queridinha. Tomara que ele volte logo
para todos nós.

&&&

O traficante que corria na direção de Carlos, Alan e Nicole não teve


tempo para apontar a arma para eles e muito menos puxar o gatilho,
logo foi acertado pelas balas vindas de cima do prédio velho e cinzento
acima dele. Os homens de Lucas puseram-se a atirar para cima do
prédio, tentando eliminar o franco-atirador.
Um grito foi ouvido e logo Alan viu outro traficante sendo jogado
no chão pela rajada de fogo da mini metralhadora de Nick Gradinno.
Alan se voltou para Carlos e sacudiu-o.
— Carlos, desprenda-se desses seus pensamentos, por favor!
Estamos no meio de um campo de guerra e não podemos ficar aqui
parados, apenas esperando ser atingidos!
Carlos parecia não escutá-lo. Aparentava estar alheio ao mundo, e
só o que fazia era menear a cabeça de um lado para o outro e balbuciar:
— Não pode ser… Não pode ser… Não pode ser… Meu amor… me
leva com você… — ele passou a mão pela cabeça encapuzada da moça
sem vida e começou a desatar o nó de uma fina corda envolta em seu
pescoço. Uma bala ricocheteou no asfalto ao lado dos três, mas Carlos
nem se mexeu ou muito menos piscou. Continuou desamarrando a fina
corda, até que conseguiu. Respirou fundo antes de puxar o capuz. Puxou
o saco preto de veludo vagarosamente e fechou os olhos para não ver
imediatamente o rosto singelo de Nicole. Retirou o capuz, engoliu
amargamente um nó imaginário na garganta e abriu os olhos
lentamente, passando a ver o rosto do corpo em seus braços.
Lucas gritou histericamente para dois dos seus homens:

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— Peguem o walkman! A fita está dentro! Vão! Vão!


Os homens puseram-se a correr.
Ver aquele rosto fez Carlos gemer. Não era sua amada Nicole, mas
sim uma mulher muito parecida com ela. Uma dor repentina e estranha
de alívio misturado com uma ira avassaladora tomou conta se seu corpo
e o fez estremecer. Mais uma vez haviam-no enganado. Voltou os olhos
para Lucas e enxergou os dois subordinados se aproximando do corpo
de Bino por entre as balas que passavam por eles e chocavam-se contra o
asfalto.
— Mentirosos desgraçados! — gritou Carlos, que levou o braço
direito para trás e trouxe para frente à arma sete-meia-cinco automática e,
como um relâmpago, apontou para o par de bandidos já com o olho na
mira.
Blam! Blam!
Os tiros foram certeiros, um para cada homem. O primeiro caiu
para a direita com um buraco no peito, enquanto o outro se precipitou
para trás com uma mancha vermelha no pescoço.
— Luuuccaaaaaass!!!! — o eco do grito de Carlos se espalhou por
todo o quarteirão e chamou a atenção de todos, mas não a de Nick
Gradinno que continuou atirando em todos os que estavam ao lado de
Lucas e acertou mais um. O tiroteio recomeçou ainda mais intenso e
explosivo.
Logo os tiras chegariam, pensou Carlos. Alguém já deveria ter ligado
para a central, comunicando sobre a pequena guerra que acontecia ali.
Ele puxou Alan e caminhou agachado até o corpo de Bino, pegou
nas mãos o walkman e retirou a fita k7, colocando-a logo a seguir outra
vez no bolso do paletó.
Levantou os olhos e no mesmo instante se deparou com os de
Lucas, faiscando de pura cólera e nas mãos sustentava uma arma
apontada em sua direção. Não havia mais nada que pudesse fazer para
salvar-se, sua vida estava nas mãos do inimigo, concluiu. O fim.
O pára-brisa do carro ao lado de Lucas explodiu em centenas de
minúsculos pedaços com um tiro de Nick, mas isso não foi o bastante
para fazer com que Lucas se movesse um só centímetro ou com que
perdesse sua concentração. O alvo era certo; uma interceptação agora era
impossível; o impacto contra o corpo largo de Carlos era inevitável.
Lucas abriu um leve sorriso de satisfação e prazer antes de apertar o
gatilho.
O tiro foi disparado. — Isso! — disse Lucas ao mesmo tempo em
que a bala explodiu e zuniu ao sair do cano da arma.

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Transformação - Naasom A. Sousa

No mesmo segundo pôde-se ouvir um grito: — Não! — e o


inesperado aconteceu.
Alan colocou, num pulo, o corpo à frente do corpo de Carlos e, por
conseqüência, a bala perfurou-lhe o abdômen, fazendo
instantaneamente jorrar sangue e encharcar sua camisa.
— Maldição! — praguejou Lucas, desapontado. — Quem é esse
maluco, afinal!?
Carlos não acreditava no que seus olhos lhe revelavam. O pastor
havia salvo a sua vida. Alan caiu em seus braços, e então pôde sentir o
sangue quente em suas mãos e notar o corpo daquele homem se
contorcer de dor.
— Pastor, o quê… — não sabia o que pensar diante daquela atitude.
Voltou-se novamente para Lucas e viu-o mirando novamente em sua
direção. Ele dizia algo, então Carlos leu os seus lábios: Desta vez você não
escapa, miserável!
Mais uma rajada foi disparada de cima do prédio de apartamentos e
mais um traficante foi acertado, despencou para o lado deu de encontro
com o corpo de Lucas, tirando sua concentração e mira. Droga! — gritou
o chefe.
Foi tudo o que Carlos precisou. Posicionou a arma com os braços
firmes e abriu fogo contra Lucas e os demais adversários. As balas se
chocaram na carroceria dos veículos, fazendo os bandidos abaixarem
suas cabeças para protegê-las.

&&&

Espanto! Melina despertou de seu sono alterada e sentou-se na


cama sentindo a respiração ofegante, o suor cobrindo-lhe o rosto e um
aperto impregnado no peito. Enxugou o suor da face com o cobertor e
um terrível mal-estar tomou conta de seu corpo.
— Jesus… — sussurrou ela, levando as mãos à cabeça — o que está
acontecendo… ?
Mas sabia muito bem o que acontecia. Sentia que alguma coisa
estava acontecendo com Alan. Não sabia o quê e nem por quê estava
sentindo aquilo.
De repente, sentiu uma pequena mão tocá-la nas costas. Virou-se e
viu os olhos arredondados de Jéssica a especular sua aparência
visivelmente abalada.
— O que foi, mamãe? Está com dor de cabeça?
Melina tentou um sorriso.

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— Só um pouquinho, meu amor, mas nada que possa preocupar.


A menina olhava-a com ar de dúvida. A mãe tentou se
desvencilhar:
— Volte a dormir, querida. Estou com um pouco de sede, vou até a
cozinha beber água.
— Também quero um pouquinho — alegrou-se a menina.
— Está bem, deite-se e me espere.
Melina cruzou o corredor, passou pela sala de estar e entrou na
cozinha. Seguiu à geladeira e abriu-a, tomando na mão uma garrafa
cheia de água. Voltou-se para o armário e pegou um copo, começou a
enchê-lo.
Subitamente, sentiu uma pontada aguda no fundo do coração e
uma sensação insuportável de desespero tomou-lhe o íntimo por
completo. A garrafa se soltou de sua mão e espatifou-se ao se chocar
contra o piso, espalhando água para todos os lados.
Senhor Jesus… Não!!

&&&
— Melina… Melina… Melina…
O nome saía dos lábios de Alan quase incompreensível. O som era
áspero e parecia ser pronunciado com algum esforço.
Carlos pôs a mão sobre o ferimento.
— Droga, temos que sair daqui e estancar esse sangue! — apontou a
arma na direção de Lucas e tornou a atirar. Voltou o olhar para Alan. —
Vai ter que suportar a dor mais um pouco, pastor. Agüenta aí.
Segurou Alan pelo tronco do corpo e com cuidado — mas nem
tanto assim — colocou-o sobre o ombro e correu para o lado oposto dos
traficantes.

&&&

Nick Gradinno estava adorando aquela ação. Há muito tempo não


puxava um gatilho com tanta gana e segurança. Já havia acertado um
bom número de bandidos lá embaixo e, se dependesse dele, nenhum
escaparia da mira de sua mini metralhadora. Se não fossem aqueles carros,
já estariam todos no chão! Protestou.
Havia visto atirarem em Nicole e depois descoberto que a garota
não era ela e sim outra mulher parecida. Isso o deixara irado deveras e a
Carlos mais ainda.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Preocupava-se no momento somente em dar cobertura a Carlos,


mas por um segundo voltou o olhar para ele e viu-o colocar o pastor em
seu ombro e sair correndo. Por que estava fazendo isso agora? Resolveu
em se preocupar apenas em derrubar os bandidos ou pelo menos fazê-
los ficar abaixados para que Carlos saísse dali.

&&&

Nick estava fazendo um ótimo trabalho, pensou Carlos, mas mesmo


assim ainda sentia as balas ricochetearem no asfalto a centímetros dos
seus pés e passarem zunindo perto do seu corpo. Sentia o peso de Alan
empurrar-lhe para baixo, porém, seu instinto o impulsionava a sair dali
o mais rápido possível.
Ao longe, ouviu Lucas gritar para os outros: — Droga! Ele ainda
continua com a fita! — depois chamou: — Tito, Celino! — Não o viu
junto com os dois homens entrarem num dos carros e dar a partida.
Apenas ouviu primeiro um dos vidros do veículo sendo estilhaçado por
uma dezena de balas.
— Cuidem rápido desse atirador miserável ou todos morreremos!
— berrou Lucas para os demais traficantes.
Os movimentos das pernas de Carlos eram acelerados e contínuos.
Ele chegou à esquina e dobrou, conduzindo o corpo mole de Alan por
uma nova rua.
Lucas, ao volante, passou a primeira marcha e acelerou. O carro
jogou fumaça dos pneus para trás e correu adiante.
— Não vai me escapar, seu cretino, não vai me escapar mesmo! —
resmungou ele.
A terceira marcha já estava engatada e Lucas visualizava na mente a
manobra para dobrar a esquina sem desacelerar. Mas, subitamente, a
intenção foi destruída, pois os pneus explodiram por uma bala
disparada pela mini metralhadora nas mãos de Nick e o carro foi de
encontro à parede de um pequeno edifício de esquina.
Carlos olhou para trás e agradeceu a Nick Gradinno novamente
pela ajuda — ou melhor, por ter salvado sua vida. Ele desviou em outra
rua e sumiu da vista de Lucas e seus subordinados.

&&&

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Transformação - Naasom A. Sousa

O sangue ainda escorria e isso preocupava Carlos, que observava


Alan se contorcer e franzir o cenho constantemente por conseqüência da
dor.
Havia corrido mais alguns quarteirões e entrado em um beco
escuro, onde se encontravam até agora. Há momentos atrás, viu um
carro passar em frente ao beco e imaginou ter visto Lucas ao volante
procurando-os. Ficaram escondidos atrás de umas poucas latas de lixo e
passaram algum tempo atentos a qualquer sombra que deslizasse pela
entrada do beco.
Repentinamente, Alan soltou um gemido lúgubre e abafado. Carlos
notou o sangue ainda se esvaindo do ferimento no corpo do servo de
Deus.
— Você está perdendo muito sangue… — ele suspirou fundo, sem
saber muito que fazer àquela hora. Então se lembrou de algo. Pôs a mão
no bolso e puxou um lenço cinza. Dobrou-o e pressionou-o contra o
orifício, na intenção de amenizar o sangramento. Voltou o olhar para a
entrada do beco e replicou complacentemente consigo mesmo: — Temos
que ficar por aqui mais um pouco. Lucas ainda pode estar por perto.

&&&

Já se havia passado mais de meia hora e ainda se encontravam


naquele beco, protegidos pelas latas de lixo.
— Melina… Melina… Meli… na… — sussurrava Alan, a voz
sufocada, quase inconsciente.
Carlos chegou-se mais perto dos lábios de Alan e reconheceu o
nome; o mesmo que dissera ao receber o tiro. Seu olhar encontrou a
aliança no dedo anelar da mão esquerda e indagou:
— Melina… Ela é a sua esposa? Quer que lhe leve até ela?
Com extrema e visível dificuldade, Alan balbuciou:
— Rua… Josué… Golfinho… — tossiu e repetiu na esperança que
sua voz saísse mais compreensível: — Josué Golfinho… número 308…
Leve-me até… lá.
Alan silenciou e Carlos ficou a pensar com os olhos fixados no
ferido.
Josué Golfinho, número 308. E agora… aonde é que eu vou parar?

19
Transformação - Naasom A. Sousa

Capítulo 20

D espertou do sono e entreabriu os olhos ainda meio desligado de tudo


à sua volta. Foi então, que após alguns segundos, teve o
reconhecimento de onde estava: na cama da advogada Sandra Evans,
deitado com a própria ao seu lado. Levou os dedos à fronte. Uma
tremenda dor de cabeça surrava-lhe os miolos enquanto uma náusea
embrulhava suas entranhas. Fez uma careta retorcida pela dor e mexeu-
se para aliviá-la, mas tudo o que conseguiu foi acordar Sandra.
Ela abanou a cabeça tentando voltar ao mundo dos lúcidos e ergueu
suas delicadas sobrancelhas.
— O que foi? — perguntou.
Axel tentou dar uma impressão de que estava tudo bem.
— Nada. Desculpe-me se a acordei.
— Não tem problema. Alguma coisa o preocupa?
Ele fez um sinal negativo.
— Acordei um pouco antes de você, e… — apontou para o relógio
em seu pulso — notei que já está bem tarde, quero dizer… é hora de ir.
Sandra baixou o olhar e depois o direcionou ao rosto do agente
policial com um ar de necessidade e plena dependência.
— Por favor… fique o resto da noite comigo… Eu preciso de você.
Axel pôde ver nos olhos da linda mulher um brilho arrebatador e,
em seu rosto, traços de quem suplicava por uma anuição.

20
Transformação - Naasom A. Sousa

— Perdoe-me, mas não posso. Tenho que voltar para casa e ver
como Leonardo está. Tina fez um jantar e… bem, meu filho contava com
minha presença. Acho que ele ficou bem desapontado.
— Então temo que tenho culpa no cartório, já que a sua ausência lá
foi causada pela sua presença aqui.
— Ah, não, por favor. Não se culpe por isso. Eu quis vir e, se fiz
isso, é porque tinha necessidade de ficar com você.
— Mesmo? Não está falando isso apenas para me deixar tranqüila?
— Claro que não.
Um leve sorriso despontou nos lábios de Sandra, então sumiu
subitamente.
— Tem certeza mesmo que não quer ficar?
Axel tocou o rosto liso e macio da mulher.
— Você sabe que queria ficar e sabe também que não posso.
Realmente eu preciso ir.
Ela tornou a baixar a cabeça.
— Eu compreendo — disse.
O agente se levantou e começou a se vestir, enquanto Sandra ficava
a observá-lo deitada na cama. Ao acabar de amarrar os cadarços dos
sapatos, ele voltou o olhar para ela e indagou:
— Quando voltaremos a nos ver?
Sandra olhou para cima, dando a impressão de que estava
pensando concentradamente no assunto. Os dois riram.
— Não se preocupe — falou ela —, eu mando um recado pelo seu
pager assim que eu tiver um tempo livre novamente.
— Tudo bem — concordou ele sorrindo. — Me acompanha até a
porta?
— Claro.
Sandra ergue-se da cama e tomou o braço de Axel, encaminhando-o
à porta.
— Promete que vai pensar em mim? — perguntou a advogada.
Axel pegou a delicada mão e beijou-a.
— Mesmo que eu quisesse, não poderia tirar você da minha mente.
Tchau.
Beijaram-se e Axel se afastou. Olhou para trás e viu Sandra
fechando a porta. Ele suspirou fundo e percebeu que um súbito alívio o
invadiu. A dor de cabeça diminuira… ou desaparecera? Mas o estranho
era que a náusea havia sumido. Por quê? A verdade era que vinha se
sentindo um tanto sufocado nos últimos minutos, enquanto estava com
Sandra. Ele parou ao lado do carro e perguntou-se o que estaria

21
Transformação - Naasom A. Sousa

acontecendo consigo. Enfiou a chave na tranca e abriu a porta, deteve-se


por um instante. Olhou rua abaixo e rua acima, sentindo que algo o
incomodava. De alguma forma, de algum jeito sentia uma imensa
necessidade de voltar para casa… voltar para Leonardo e
principalmente para… Tina.
Entrou no carro, deu a partida e acelerou, a caminho de sua casa.

&&&

Nilton Cross não estava conseguindo dormir e dirigiu-se até o


escritório do templo da PIEM para organizar alguns papéis referentes às
despesas pagas pela igreja nos últimos meses, mas foi surpreendido no
exato em que entrou, pois naquele mesmo momento o telefone começou
a tocar.
Ele atendeu imediatamente. A voz e Melina era de enorme aflição:
— Pastor Cross, algo de muito ruim aconteceu ao Alan! Eu posso
sentir, pastor! Eu posso sentir! Meu Deus, ele está mal!
— Melina? Do que você está falando? Acalme-se, minha filha!
Acalme-se!
O pedido de Nilton pareceu não chegar ao outro lado da linha.
— Desculpe-me, pastor, mas tenho certeza que algo aconteceu com
Alan… Oh, Senhor!
— Minha querida… Por que você acha que isso aconteceu?
Melina tentou buscar palavras em sua mente momentaneamente
disturbada.
— Eu estava deitada e… de repente senti algo forte e… depois desci
até à cozinha para beber um pouco de água. Peguei o copo e fui até a
geladeira. Quando abri aporta, senti uma pontada forte no coração e
logo percebi que era alguma coisa que havia acontecido com Alan… o
meu pensamento foi direto nele, pastor! Eu… foi tão forte o que eu senti
que sem querer soltei a garrafa e ela espatifou no piso! Ainda estou
sentindo o aperto no meu peito… eu não sei o que fazer. — sua voz, ao
final, era um suave choramingado.
Nilton tentou acalmá-la. Suas palavras foram ditas bem devagar.
— Melina, isso pode ser algo ao acaso… Pode ser que você não pára
de pensar no Alan e isso pode levá-la a sentir o que sentiu.
— Não, pastor! Não! Eu posso sentir isso. Acho realmente que Alan
não está nada bem…
— Tudo bem, minha filha, já que você diz isso… Mas, tente se
acalmar, sim? O melhor que você tem a fazer, Melina, é deixar tudo nas

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Transformação - Naasom A. Sousa

mãos de Deus, confiar nEle, deixar que Ele faça segundo o Seu querer.
Sei que isso não é nada fácil para alguém que ama e quer seu amor
sempre perto, mas isso somente será capaz de acontecer se Deus assim o
permitir. Então ore e ore, minha querida irmã, e tenha fé, pois o nosso
Deus é misericordioso e nos ama como nenhum outro.
Houve um momento de hesitação por parte de Melina, mas quando
ela voltou a falar, seu tom de voz parecia bem mais racional e
controlado.
— Tudo bem, pastor, queira me desculpar, por favor. Estou muito
aflita com tudo o que anda acontecendo. Pensamos que somos forte na
fé, mas, quando algo acontece de verdade, vemos que temos muito mais
a aprender, vemos que nossa fé não é forte o bastante para suportar as
grandes tribulações da vida.
O pastor Nilton Cross com um leve sorriso suavizou a situação e
confortou sua ovelha:
— Estamos todos sujeitos a passar por isso, minha irmã — disse ele
—, o nosso Senhor Jesus disse que no mundo teremos aflições, mas que
tenhamos bom ânimo, pois Ele venceu o mundo e por isso, estando nós
ligados a Ele, podemos vencer também.
Então, Nilton pôde ouvir um suspiro vindo de Melina.
— Mais uma vez, você tem a razão, pastor Cross — admitiu ela.
— A palavra de Deus tem razão, Melina — corrigiu o pastor.
— Sim.
Dando o assunto por resolvido, Nilton mudou de área para dar
uma água com açúcar para sua ovelha e fazer com que seu coração se
recompusesse. Perguntou:
— Como está os pequeninos Jaime, Jair e Jéssica?
— Estão bem —respondeu Melina com a voz rouca. — Perguntam
constantemente pelo pai, perguntam quando voltará… principalmente
Jéssica. Ela sente muita a falta de Alan. Ele sempre ora com ela quando
vai dormir… Agora ela está em minha cama. Não conseguiu dormir sem
ter sido beijada por ele… Eu não sei mais o que falar para os três. Estou
com medo que esteja pecando quando digo que Alan está fazendo uma
viagem.
Nilton tornou buscar palavras de conforto.
— Não se preocupe com isso, Melina. O Senhor sabe que você está
fazendo isso para protegê-los.
— É, no fundo é exatamente isso que estou fazendo.

23
Transformação - Naasom A. Sousa

— Então? Bem… quanto a Alan, ore por ele e tenho certeza de que
tudo estará maravilhosamente bem, pois ele estará nas mãos protetoras
do Deus altíssimo.
Melina falou com ar audivelmente aliviado:
— Obrigada, pastor, já me sinto muito melhor.
— De nada, minha filha — disse Nilton. — Que Jesus a abençoe.

&&&

A festa na danceteria havia sido de arromba. Muitas mulheres, som


da pesada, bastante bebida e, para completar a noite, uma briga para
valer, pensava Ciro Sazze, um executivo da cidade. Ele estava em seu
carro conversível pensando na festa em que acabara de sair. A festa do
ano, concluiu. Olhou para o lado, onde sua esposa encontrava-se
adormecida no banco do passageiro. Está recuperando as energias, disse a
si mesmo.
Voltou os olhos para a pista e se deparou subitamente com duas
figuras da noite à sua frente. Seu instinto imediatamente fez com que
pisasse fortemente no pedal do freio, parando o carro alguns centímetros
dos dois homens. A esposa de Ciro despertou alterada no mesmo
instante em que ele saiu do carro para tirar satisfações com os homens.
— O que vocês pensam que estão…
Foi nesse momento que viu uma arma sendo apontada para o meio
da sua cabeça.
— Não quero machucar você nem sua mulher. Só quero o carro,
porque como pode ver, estou com uma emergência — disse Carlos, com
Alan debilmente apoiado em seus ombros.
Ciro Sazze notou Alan com a roupa coberta de sangue e balbuciou:
— Eu não… não…
Carlos engatilhou a arma ruidosamente.
— Não me faça usar isso. Seu carro estará em boas mãos — ele
olhou para a mulher de Ciro pelo cantos dos olhos e observou-a pôr a
mão sobre um aparelho celular. — Nem pense em fazer isso, se não seu
queridinho aqui irá ficar sem miolos!
— Mara, largue isso e saia desse carro! — gritou Ciro desesperado.
Imediatamente, a mulher soltou o telefone, abriu a porta do veículo
e projetou-se para fora, salvando a vida de seu marido.
Carlos fez sinal para que a mulher se juntasse a Ciro. Ela obedeceu.
Com algum esforço, fez Alan caminhar até o carro, mas sempre com o
casal sob a mira da sua arma. Abriu a porta do motorista e, com grande

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Transformação - Naasom A. Sousa

trabalho, ambos entraram no veículo. Carlos fechou a porta, colocou a


primeira marcha e acelerou, fazendo o carro decolar e deixando seu
proprietário com a esposa para trás.

&&&

Ele dirigia apenas com a mão direita e, ao passar a marcha,


rapidamente levava a mão à alavanca e trazia-a de volta ao volante. Um
movimento feito numa questão de segundos, uma prática adquirida nos
anos em que roubara carros.
Levou os olhos para Alan e observou o sangramento diminuir de
intensidade. Protestou proclamando um palavrão sussurrado. Fixou o
olhar na pista por algum tempo e então voltou-o para Alan novamente.
— Ei, pastor… — tentou uma comunicação. — Fale comigo! Fale
comigo e diga para que lado fica essa tal rua!
Esperou uma resposta. Nada saiu da boca de Alan.
Carlos tentou novamente:
— Pastor, volte para o mundo dos vivos! Responda para onde fica a
rua que você quer ir!
O homem ferido soltou um grunhido de dor e entreabriu os olhos,
concentrando-se na rua a qual seguiam, tentando reconhecer seu nome.
Carlos, observando-o, resolveu ajudá-lo.
— Estamos na avenida Milton Lira, passando no cruzamento com a
rua Laudir Reis.
Com imensa dificuldade, Alan abriu a boca e balbuciou em tom
quase incompreensível:
— Vá direto… por mais sete quarteirões e… dobre à esquerda,
seguindo… seguindo sempre em frente… até avistar uma grande placa
e…
Alan deu todas as informações necessárias para que chegassem até
a rua Josué Golfinho e então se calou outra vez, pondo com isso, o
silêncio para reinar dentro do carro.
Carlos continuava de olho na pista e podia ver somente três carros
ao longo da via onde estavam, mas isso não chamava muito a sua
atenção, pois encontrava-se com a mente ocupada de mais com outro
assunto.
— Por que você se atirou na minha frente e recebeu a bala por mim,
pastor? Por que resolveu salvar a minha vida? — indagou.
Nenhuma resposta foi dada. Alan havia apagado.

25
Transformação - Naasom A. Sousa

O orgulho de Carlos não o permitiu que repetisse a pergunta. Mas


sua cabeça estava abarrotada de questões a respeito da atitude de Alan.
Por que arriscar a própria vida para salvá-lo? Com isso posso descartar a
possibilidade de que ele pode estar trabalhando para Lucas? Mas-que-droga!
Claro que sim! O homem praticamente… seu pensamento foi cortado
quando voltou o olhar para o lenço cinza, agora totalmente vermelho.
Carlos levou a mão algemada ao lenço e constatou que estava
completamente encharcado. Pisou mais forte no acelerador, olhando
novamente para além do pára-brisa.
Suas idéias, então, se enfocaram em Vip. Repentinamente o sangue
ferveu dentro de si. Traiçoeiro! Mais uma vez tentou acabar comigo. Ainda
bem que tive a ajuda de Nick, senão… foi por um fio, disso não tinha dúvida
alguma. Pelo menos continuava com a fita em seu poder. Isso era
importante, pois com ela ainda tinha chance de resgatar…
Nicole… Como ela estaria? Morta? Viva? A única coisa que tinha
certeza era o fato de ela não estar ao seu lado. Uma dor forte apertou-lhe
o peito; um sentimento de perda. Não! Gritou ele intimamente. Ela
precisa estar viva! Eu necessito que ela esteja viva! Suspirou profundamente,
pensando em seus cabelos dourados, seus olhos verdes apertados, e em
sua boca fina com o lindo sorriso que era uma constante em seu dia-a-
dia. Carlos apertou o volante com grande pressão nos dedos e sentiu um
nó na garganta dificultar-lhe a respiração entrecortada.
Abanou a cabeça como se quisesse recobrar os sentidos ou
simplesmente colocá-los em ordem.
Tirou o olhar da pista e colocou-os sobre a figura moribunda ao seu
lado. Observou Alan e achou-o ainda mais abatido, mesmo estando ele
desacordado. A expressão dos olhos fechados refletia isso. Carlos fez o
carro correr o máximo que podia.
Agüente, pastor, só mais um pouco. Já estamos chegando! Desejou no seu
íntimo e, subitamente, Carlos se pegou surpreso e estarrecido, porque de
alguma forma; de alguma maneira, pela primeira vez, via-se preocupado
com daquele homem.

&&&

— Para onde eles foram? Diga-me! — inquiriu Lucas com a arma


em punho, o olhar voltado para baixo. Fitava Nick Gradinno sentado no
chão, muito ferido, ensangüentado e acuado pelos traficantes que o
rodeava.

26
Transformação - Naasom A. Sousa

— Abra logo o bico, seu idiota! — gritou Tito, pisando no ombro de


Nick, onde havia um ferimento aberto à bala. Instantaneamente,
puderam ouvir o grito de dor que ecoou pelo ar. — Fale logo!
O dono do desmanche mordeu os lábios e tentou falar:
— Vocês podem ir até a esquina e ver se o Papai Noel está
distribuindo presentes por lá — balbuciou. — Ou melhor, vão pro
quinto dos infernos!
Lucas sorriu e então, subitamente, sua expressão tornou-se sólida e
áspera. Puxou o gatilho e pôde sentir o coice no punho rijo. O joelho
esquerdo de Nick explodiu numa fumaça vermelha. Outro berro
tortuoso rompeu a noite.
— Eu sei o quanto isso dói, meu caro. Mas se não me disser o que
quero saber, vou atirar no outro joelho, e então no seu cotovelo, no outro
e vou continuar até que você não agüente mais e morra lentamente —
ele pausou tomando ar. — Agora vamos tentar de novo. Diga-me para
onde Carlos e aquele outro miserável foram?
Em meio a dores insuportáveis, Nick cuspiu sangue no chão,
limpou a boca com a manga de sua camisa já quase toda manchada e
disse:
— Não sei se você é surdo, mas já falei que eu não tenho a mínima
idéia para onde aqueles dois foram, eu…
Lucas o interrompeu com mais um tiro, desta vez no joelho direito,
como havia dito. Nick se contorceu no chão e conteve um novo grito,
deixando escapar somente um forte gemido. E, antes que Lucas dissesse
alguma coisa, denodadamente ele proferiu:
— Digam-me uma coisa, seus crápulas, já souberam alguma vez o
que alguém é capaz de fazer por amor? — não esperou que
respondessem. — Tudo. Mesmo que isso custe a própria vida.
— Você é apaixonado por Carlos? É isso o que você está querendo
nos dizer? — indagou Lucas.
— Não, não estou querendo dizer isso. O que estou querendo dizer
é que Carlos iria fazer sua parte no acordo como havia prometido,
mesmo que isso significasse viver fugindo da polícia pelo resto de seus
dias. Quanto a mim, sou alguém em quem Carlos pode confiar; um
grande amigo. Mas creio que vocês não sabem o significado das palavras
confiança e amizade.
Tito se aproximou encolerizado e desferiu um grande soco em Nick.
— Ora, cale-se! Fale de uma vez para onde os dois fugiram!
Nick tossiu, com dificuldade para respirar e falou:

27
Transformação - Naasom A. Sousa

— Eu estou falando numa língua desconhecida, por acaso? Assim


como você não sabem para onde eles se foram, eu também não sei. Há
muito tempo que eu não via Carlos, por isso não sei onde ele vive!
Lucas apenas olhou para Nick sem dizer uma palavra, estudando-o
por um longo momento. Chamou um palavrão e deu as costas para
todos, dirigindo-se para as escadas que levavam para os andares
inferiores.
Tito observou sua atitude e correu para alcançá-lo.
— Chefe… o quê…
— Vamos embora. Nosso momento aqui já acabou.
— E quanto àquele cara ali — perguntou com relação a Nick
Gradinno.
Lucas parou e fitou Tito nos olhos.
— Você sabe muito bem o que fazer — disse laconicamente. Tornou
a andar, deixando Tito sozinho a olhá-lo. Em sua mente só conseguia
pensar: Chegou a hora mais difícil do trabalho.

&&&

— O quê? — a voz de Vip, pelo aparelho celular, estava bastante


alterada e ameaçadora como sempre, e Lucas sabia bem o que isso
significava.
— Isso mesmo Vip. Carlos já esperava que fizéssemos algo e
colocou um atirador no alto de um prédio, pegando-nos de surpresa
quando iniciamos a segunda parte do seu plano. Infelizmente ele
escapou novamente com o tal cara estranho, que acabou salvando a vida
dele, recebendo uma bala destinada a Carlos. Perdemos alguns homens,
mas pegamos o atirador e o pressionamos para que revelasse para onde
os dois foram, mas ele não abriu o bico.
Houve um instante de silêncio na linha.
— Devo admitir que esse homem que está com Carlos vem se
tornando cada vez mais inconveniente — disse Vip abrupta e
indulgentemente. — Você pegou a fita, não pegou?
Lucas hesitou um pouco antes de responder:
— Ahn… quase. Bino a tinha nas mãos, mas foi acertado pelo
atirador e Carlos acabou pegando-a de volta.
— Isso é mal, Lucas. Você sabe muito bem o que isso significa, não
é? — Não houve resposta. — Temos que conseguir essa fita de uma vez
por todas, senão irá ser o fim e tudo estará acabado…
Lucas o interrompeu com extremo cuidado.

28
Transformação - Naasom A. Sousa

— Acalme-se, Vip, dou-lhe minha palavra de que a fita logo estará


em nossas mãos e Carlos à sete palmos debaixo da terra. Enquanto isso,
o que faremos com a noivinha dele?
A voz eletrônica que saiu do telefone celular de Lucas estava
impregnada de aversão.
— Vamos preservá-la por mais um tempo. Carlos é muito esperto, e
termos um trunfo debaixo da manga é sempre bom, principalmente
quando esse trunfo se trata de uma mulher bonita e indefesa. Com
certeza ela ainda nos será de muita utilidade até que tenhamos o que
queremos.
Repentinamente, uma lembrança surgiu na mente de Lucas.
— Carlos ameaçou que a fita iria cair em mãos erradas se não
cumpríssemos nossa parte no acordo. O que você acha disso?
— Não creio que ele fará tal coisa. Tenho certeza que tentará uma vez
mais conseguir o que quer. Certamente ainda tem esperança de ter a
mulher que ama ao seu lado e devemos explorar isso. Mas Lucas…
dessa vez temos que recuperar a droga dessa fita, porque sinto que, se
não fizermos isso, tudo o que executamos; todos os nossos planos e tudo
o que construímos até hoje se tornará em ruínas.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Capítulo 21

A sala estava escura quando Axel abriu a porta e entrou em sua casa.
Andou por entre os móveis e cruzou o recinto sem problemas, pois
sabia a ordem dos objetos espalhados pelo aposento. Dirigiu-se pelo
corredor e parou em frente ao quarto de Leonardo. Entreabriu a porta e
olhou para o seu filho, que dormia tranqüila e profundamente bem. Axel
sorriu satisfeito como qualquer pai coruja. Fechou a porta. Caminhou
novamente e foi até seu próprio quarto, girou a maçaneta da porta,
abriu-a e entrou no aposento iluminado apenas por um pequeno abajur.
A primeira coisa que viu foi Tina deitada na cama, coberta por um
grosso cobertor — sozinha. Ele chegou-se perto da cama e limitou-se a
observar sua esposa. Como posso… Fechou os olhos por um breve
momento e vagarosamente sentou-se na cama, certificando-se de que
não faria o menor ruído que pudesse acordar Tina. Começou a
desabotoar a camisa e logo após se encarregou de retirar os sapatos de
couro preto dos pés.
— Como foi a noite na central? — perguntou Tina, pegando Axel de
surpresa.
Ele se virou rapidamente para ela com expressão assustada.
— Oh, querida… está acordada a essa hora? — esticou o braço e
tocou-a no ombro, então, voltou a concentrar-se nos cadarços dos
sapatos. — Hoje foi uma noite de muito trabalho, cansativo. — devolveu
o olhar a ela novamente. — Olhe, eu… queria me desculpar por faltar no

30
Transformação - Naasom A. Sousa

compromisso dessa noite. É por causa disso que mais cedo ou mais tarde
irei acabar largando esse emprego.
Tina permaneceu em silêncio; Axel prosseguiu:
— Como Leonardo passou a noite? Ele está bem?
Ela hesitou durante um suspiro demorado. Então, sentou-se na
cama e segurou os joelhos.
— Agora ele está bem, mas ficou muito decepcionado com a sua
ausência. Na maior parte da noite ficou em silêncio, e nas vezes em que
falou, foi para perguntar se você não estaria preparando uma surpresa
para nós e se a qualquer momento romperia a porta para jantar conosco
a passarmos a noite como uma família.
Axel olhou para o cobertor e fixou a seguir o rosto moreno de Tina.
— Mais uma vez peço desculpas, querida. Reconheço que estou
faltando com minhas obrigações como marido e pai, mas prometo que
daqui para frente vai ser diferente, você pode confiar em mim.
Os lábios de Tina ficaram selados, enquanto seus olhos fitavam o
marido com traços céticos. Confiança? Poderia existir naquele momento
entre eles essa palavra? Podia ela voltar a confiar nele? Perguntava-se
Tina dubiamente.
De repente, o telefone tocou e Axel prontamente esticou a mão para
atender. Colou o fone no rosto e ouviu a voz chamar pelo seu nome na
linha. Era o policial Levi, da central.
— Desculpe-me acordá-lo a essa hora, Axel, mas aconteceu algo.
— Tudo bem, Levi. O que aconteceu?
— Uma coisa muito estranha, e advinha onde?
— Não tenho a menor idéia — respondeu Axel; Levi já esperava por
isso e disse:
— Tudo aconteceu no mesmo local onde mataram Pablo e pegaram
Caio, Clintel com a Treze. Este está se tornando o endereço das festas da
noite, hein?
— Onde você está agora?
— Estou aqui na central, mas eu e alguns outros caras da divisão
estamos indo para lá nesse instante.
— Certo, então nos encontramos lá. Até logo.
Axel desligou e olhou para Tina que já o fitava. Ele respirou fundo e
balbuciou:
— Houve algo de errado no mesmo lugar onde Pablo foi… morto —
pensou em não ter contado para Tina sobre o que na verdade tinha se
passado com o amigo —, e… tenho que ir. Mas eu…
Tina interrompeu-o bruscamente:

31
Transformação - Naasom A. Sousa

— Não precisa dizer nada, querido, eu compreendo — ela abriu um


sorriso torto e sem graça. — Pode ir, está tudo bem. — tornou a deitar-se
e cobrir-se com o cobertor até a cabeça. Não, definitivamente não estava
nada bem.
Axel sentiu um grande impulso de ir até ela e abraçar-lhe o corpo
fino e macio, mas, ao invés disso, calçou novamente os sapatos e pôs a
camisa por cima do corpo forte. Deu uma última olhada na esposa e
deixou o quarto em silêncio.

&&&

—Jesus te ama, Carlos… Ele morreu por você… Deu a própria vida
por você…
Carlos retirou os olhos da pista e fixou-os em Alan que havia
voltado a si novamente. Sua atonia parecia cada vez pior e era visível a
dificuldade que sentia para falar.
— Pare de falar um pouco... Olha aqui, pastor, se você não parar de
falar, quem irá morrer será você. Não fale nada, sim? Já estamos perto
do lugar que me indicou — notou a respiração de Alan arquejante, que
ainda insistia em tentar falar algo mais. — Mas será possível! Será que
nem com uma bala no corpo você não pára de falar essas coisas?
Alan tossiu e engoliu seco.
— São coisas que você precisa saber… precisa entender… porque…
conscientizando-se disso… você será… feliz. Só assim… você conseguirá
ser feliz… Carlos.
Carlos mordeu os lábios e voltou o olhar para a estrada. Ser feliz?
Será que aquelas palavra ainda tinham algum significado para ele?
Poderiam elas ainda se encaixarem em sua vida? Indagava-se. Não sabia
ao certo o que pensar sobre aquilo, mas de uma coisa sabia muito bem:
seria impossível ter a felicidade ao seu lado sem Nicole e com aquela
cidade inteira à sua procura, julgando-o por um crime que não havia
cometido.
Alan tossiu outra vez e atraiu a atenção de Carlos, falando algo
inteligível aos ouvidos.
— Pastor, pela última vez, não tente falar nada. Mas que droga!
Você é surdo ou o quê?
Não adiantou nada Carlos tentar impedi-lo de se pronunciar. Alan
gemia e suspirava ao encontro de forças preciosas para que pudesse
reproduzir o som necessário para que saísse de sua boca algumas poucas
palavras que Carlos viesse a compreender.

32
Transformação - Naasom A. Sousa

— Não fale nada! Não fale nada! — ordenava Carlos, para o bem de
Alan.
— Eu… Eu… — tentava o servo do Senhor.
— Pastor, pare!
Alan tossiu e continuou:
— Eu… sei, Carlos…
Carlos esbravejou:
— Que droga de teimosia! Cale de uma vez essa boca!
Alan puxou todo ar que pôde para dentro de seus pulmões e soltou-
o com frases entrecortadas em tom fraco, mas compreensível.
— Eu sei, Carlos… Eu sei o que contém na fita… Sei… sei o grande
segredo que… está guardado nela.
Carlos fitou-o atônito.
Como ele poderia saber?
— O quê… do que você está falando, pastor? Responda! — Carlos
se pegou sacudindo Alan de um lado para o outro. Agora ele queria
respostas. — Como pode saber disso? Como…
Mas percebeu que estava falando para si mesmo, pois Alan já havia
tornado a desmaiar com a cabeça caída para o lado.
Carlos voltou-se para a pista escura, mas seu pensamento
permaneceu em Alan e no que poderia ele mais saber a respeito do que
não lhe havia revelado.
Tudo era estranho demais para o seu gosto.

&&&

Apinhado de policiais, a rua Clintel com a Treze já se encontrava


como um verdadeiro formigueiro. Alguns homens destacados se
encarregavam do isolamento da área, enquanto os fotógrafos da polícia
clicavam pausadamente suas câmeras para os arquivos e relatórios que
mais tarde iriam ser redigidos, e ainda, se podia ver uns poucos policiais
e detetives em busca de pistas por toda a parte. O debate era constante
no momento entre todos os presentes em busca de soluções para o que
acontecera ali.
Axel estacionou o carro no meio-fio à quinze metros da fita amarela
de limitação e imediatamente foi abordado por Levi.
— Como está, Axel? — perguntou o policial.
— Estou bem, e você?
— Vou indo. Espero que não o tenha acordado no melhor do seu
sono.

33
Transformação - Naasom A. Sousa

Axel varreu a redondeza com os olhos antes de responder:


— Por incrível que pareça, não estava com o mínimo de sono. Já
sabem o que aconteceu aqui?
— Já — Levi guiou Axel além da faixa de isolamento.
— E então?
O policial pensou na resposta. Era um tanto exagerada, mas era o
que realmente pensava.
— O que aconteceu aqui foi uma verdadeira guerra.
Axel sorriu.
— Não é uma piada, cara — disse Levi. — Telefonaram para a
central e denunciaram que ocorreu um grande tiroteio neste local. Uma
batalha de grandes proporções mesmo. Chegamos aqui à uns vinte
minutos atrás e pelo que pudemos constatar, foi isso mesmo o que se
realizou aqui. Uma batalha mortal.
O agente fitou o policial.
— Sabe de uma coisa? Você deveria seguir carreira de âncora de
noticiário. Você narra muito bem os acontecimentos. Verdade! Você dá
ênfase às coisas.
Ambos riram. Axel continuou com a palavra:
— Acha que o que se encadeou aqui está ligado ao que aconteceu
com Pablo e Caio?
Levi hesitou.
— Sinceramente não sei o que pensar sobre isso, mas de uma coisa
estou certo: o que ocorreu aqui, com certeza, é tão misterioso e sinistro
quanto o que ocorrera naquela noite. Venha. — levou Axel a um corpo
coberto por um saco plástico preto.
— Fruto da batalha? — indagou Axel.
Levi fez que sim com a cabeça.
— Veja — revelou o corpo, retirando o saco plástico. — Tudo indica
que foi torturado. Com essas perfurações de bala nos cotovelos e
joelhos… Sabemos que são as partes que mais proporcionam dor intensa
sem que a pessoa venha a ter morte rápida.
— Pelo jeito ele demorou bastante para falar.
— O mais provável é que ele não tenha falado coisa alguma —
comentou Levi.
— É, isso é o mais provável — Axel anuiu.
— Mas, o que é estranho é a quantidade de sangue espalhado por
todo canto. Olhe.
Caminharam juntos dentro da área delimitada, isso era exatamente
um quarteirão inteiro. Axel pôde observar possas e filetes de sangue em

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Transformação - Naasom A. Sousa

cada perímetro do local e muitas perfurações no asfalto. Realmente era


um tanto estranho para ele. Andou mais alguns metros e notou pedaços
de borracha e vidro espalhados pelo chão. Abaixou-se e examinou
ambos os elementos, logo após voltou a se erguer.
— E então, o que você acha? — perguntou Levi.
O agente coçou o queixo, pensativo.
— O que acho? Bem… Primeiro: com todo esse sangue por todos os
lados, devo dizer que, ou aquele cara sob o saco plástico tem sangue pra
dar e vender ou estão faltando corpos aqui; segundo: deveria estar por
aqui, em algum lugar, um carro com os vidros despedaçados, muitos
buracos na carroceria e pneus totalmente esbandalhados; terceiro: isso
não está me cheirando nada bem.
Levi fitava o amigo quando indagou sinistramente:
— Se é isso mesmo, por que alguém iria esconder corpos, Axel? Por
que não deixá-los espalhados por aqui? Por que haveriam de deixar
apenas aquele infeliz sob aquele saco e ocultar o resto? E ainda, qual a
razão de levarem um carro que certamente nem a sucata haveria de
querer? — Levi suspirou desconsolado.
Axel olhou para o céu, como que estivesse tentando ver nas estrelas
algum mapa que pudesse levá-lo ao “xis” da questão. Por fim, disse:
— São muitas perguntas, meu amigo. Inúmeras na verdade.
Perguntas e mais perguntas. Mas então, para completar, eu lhe faço mais
uma pergunta: onde estão as respostas?
Se entreolharam e responderam ao mesmo tempo:
— Estão por ai em algum lugar. O que temos que fazer é procurar,
lutar, chegar na beira do abismo e encontrar.

&&&

A Josué Golfinho era uma rua de casas populares de todas as


formas, tipos e tamanhos que se estendia por muitos quarteirões, um
tanto distante do centro da cidade, por isso era suprido de duas frotas de
ônibus que subia e descia pela pista constantemente.
O carro dobrou a esquina derrapando o pneu e acelerou rebolando
desconcertadamente a traseira.
Carlos fixou os olhos nos números estampados nos muros de cada
residência e contou: 26… 70… 120… 186… 244 E então 308. Porém, não
desacelerou e passou direto, deixando uma simples, mas bonita casa de
alvenaria para trás. Tornou a olhar para Alan — ainda desacordado —
tempo suficiente para observar seu estado que não era nada bom.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Estacionou o carro a três quarteirões da tal casa e desligou o motor.


Abriu a porta do motorista e puxou Alan, do banco do passageiro para o
seu colo. Imediatamente, notou seu paletó manchar-se de sangue
quente. Agüente, já estamos aqui, a um passo de sua casa.
Pôs-se a andar rapidamente sob as estrelas da madrugada rua
abaixo, de volta à residência de número 308. Não sentia nenhum
movimento de Alan em seus braços e então andou mais depressa.

&&&

Senhor, prepara-me cada dia mais para fazer tudo de acordo com Teus
planos na minha vida. Não me deixe a mercê do vento, mas guia-me
seguramente pelos caminhos da vida, ó Deus meu, até que Tu venhas…
A oração era contrita e emocionada. No pé de sua cama, ela orava
com o fervor do Espírito Santo em sua vida ao Senhor Deus Todo
Poderoso. Clamava pela intercessão de Jesus em sua vida, pela
misericórdia do Senhor em todos os momentos, para que Suas bênçãos
caíssem sobre seu esposo e também para que livrasse seu lar dos
malfeitores do bairro e do inimigo. O momento era glorioso e confortante
até que foram ouvidas frenéticas batidas na porta. A oração foi
interrompida.
Ela ergueu a cabeça e olhou em direção da porta do seu Quarto que
dava para a sala e conseqüentemente para a porta de entrada que se
encontrava trancada. Pôs-se de pé e precipitou-se para fora do seu
aposentou. Foi então que sentiu uma mão forte apertar-lhe o braço e
puxar-lhe de volta para trás.
— O que foi, Fábio? — perguntou ela para seu marido, que
segundos atrás dormia deitado sobre a cama.
Fábio fitava-a com expressão cautelosa.
— Espere, pode ser algum ladrão. Eu vou com você. — num pulo
ficou de pé, e ambos saíram do quarto, seguindo para a porta da sala.
As batidas pareciam mais fortes e impacientes. Fábio conduziu sua
esposa por entre os móveis espalhados pelo grande cômodo, até que
ouviram uma grave voz do outro lado da porta envernizada.
— Abram essa porta! Abram! Um homem está morrendo aqui!!
Fábio não se comoveu. Sabia muito bem dos truques que os
bandidos da redondeza aplicavam para surrupiar as casas. Piscou para
Vitória, sua mulher, e mansamente levou o rosto ao olho mágico.

&&&

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Transformação - Naasom A. Sousa

Carlos estava de frente para a porta escalavrada da casa e notou


quando um globo ocular apareceu no olho mágico. O instinto foi
imediato. Puxou a arma e apontou na direção do olho de quem estava
do outro lado.
— Abra essa porta agora e não se afaste da porta ou você vai ficar
caolho! — proferiu.

&&&

O espanto de Fábio foi instantâneo. Estalou os dedos na direção de


Vitória com o pasmo nítido no rosto e, sem desgrudar a face do olho
mágico, gesticulou para que ela saísse de perto dele e a seguir começou a
destravar as trancas da porta.
— O que você está fazendo? — inquiriu Vitória espantada.
Sem responder, Fábio abriu a última tranca e se afastou quando
Carlos arremessou-se para dentro da casa e, sem perda de tempo,
indagou com voz grossa e enérgica, com a arma em punho:
— Onde tem um quarto por aqui? Temos que pô-lo numa cama!
Houve uma troca rápida de olhares surpresos e angustiantes entre
Fábio e Vitória. O marido foi quem falou: — Por aqui.
Fábio dirigiu-se velozmente para seu quarto, sendo seguido por
Carlos e Vitória logo a seguir.
O quarto era um cubículo confortável, preenchida por uma cama de
casal, um criado mudo, um guarda-roupa e uma pequenina estante
sustentando um micro-sistem e uma bíblia. A porta foi aberta e os
quatro romperam por ela. Carlos deitou Alan rápida, mas
cuidadosamente sobre a cama e então respirou fundo, tentado
restabelecer as batidas descompassadas do coração.
— Jesus! O que aconteceu com ele? Com… vocês? — perguntou
Vitória.
— Isso não importa no momento. O mais importante é que um
médico seja chamado, e depressa. Ele está muito mal — Carlos disse
bruscamente e voltou-se para fitar o casal. Seus olhos se depararam com
os dois a observar assombrados para seu braço. Ele acompanhou seus
olhares e deu-se por conta da algema à vista, presa em seu pulso. Pôs o
olhar sobre eles novamente e fez questão que vissem a arma em seu
poder. — Me arranjem alguma espécie de arame ou um grampo. Agora!
Sem se demorar, Vitória correu até a pequena estante e alcançou um
de seus grampos e jogou-o para Carlos. Este pegou o objeto no ar e

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Transformação - Naasom A. Sousa

levou-o ao orifício da algema em seu pulso esquerdo, abrindo-a com


isso, sem dificuldades.
— O quê… O que você irá fazer quanto ao Alan? — indagou Fábio,
cautelosamente.
Os olhos de Carlos se encontraram com os dele e ergueu o sobrolho.
— Eu nada. Já recebi algumas balas, mas não vi o que os médicos
fizeram porque eu estava desacordado, e… — pensou rapidamente. —
Espere um momento! Vocês o conhecem?
Foi Vitória quem respondeu prontamente:
— Sim, conhecemos o Alan muito bem. — então arriscou: — Por
favor… não nos faça mal. Deixe-nos cuidar dele, senhor.
Como se não tivesse ouvido as últimas palavras da jovem mulher,
Carlos murmurou em alta voz:
— Tragam um médico aqui, rápido! Telefonem para um… Façam
alguma coisa útil! Quero um médico de confiança. — ele pensou melhor.
— Ah! Traga o telefone para cá e telefone daqui.
Fábio andou até a sala e voltou com o telefone sem fio o mais
depressa que pôde.
— Disque — ordenou Carlos.
Fábio teclou o aparelho lentamente para não errar o número e não
encadear a fúria de Carlos, que parecia bastante alterado. Calmamente
esperou atenderem ao quarto toque.
— Alô, Andrey? — Carlos podia sentir uma certa tranqüilidade no
tom de voz do jovem homem, que continuou: — Aqui é Fábio. Quero
que venha até minha casa imediatamente. — houve uma breve pausa. —
Eu sei que é tarde, mas é uma questão de vida ou morte. — calou-se por
um momento e deu uma olhadela para Carlos que estava tirando a
algema de Alan. — Não, Andrey, não é alguma brincadeira… — a
paciência e a calma se esgotaram. — Escute! É Alan. Ele está aqui em
casa, está com um ferimento à bala e acho que perdeu muito sangue.
Precisa da nossa ajuda… da sua principalmente.
Um instante de silêncio.
— Sim — disse Fábio —, venha o mais rápido possível… — ouviu
ligeiramente a voz do amigo do outro lado da linha. — Isso mesmo,
Andrey. Chegou a hora do ajustes de contas.
A atenção de Carlos foi automaticamente despertada. Ajustes de
contas? O que significava aquilo? Seria um aviso camuflado alertando a pessoa
com quem falava de que haveria perigo na casa? Ele fitou o casal suspeito
com expressão especulativa.
Fábio cancelava a ligação com as últimas palavras ao telefone:

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Transformação - Naasom A. Sousa

— Venha rápido. Cada segundo será importante para Alan. —


desligou o aparelho e voltou-se para Carlos. — Está feito. — olhou a
seguir para Vitória e fez uma leve menção com a cabeça, tranqüilizando-
a.
Porém, no íntimo de Carlos, a tranqüilidade não existia, ainda mais
depois do telefonema. Estaria ele cavando sua própria cova? Perguntava a si
mesmo. O jeito era esperar e conferir. Mas, como sempre, ele estaria
preparado.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Capítulo 22

— Há quanto tempo ele está assim? —quis saber Andrey.


Ele estava junto a Fábio e Vitória ao pé da cama. Carlos se
encontrava encostado na porta como se bloqueasse a passagem por ela.
Respondeu ainda com a arma em punho:
— Umas duas horas, mais ou menos.
Andrey olhou com temor para o casal ao seu lado.
— Deus, é muito tempo! Pelo que posso ver ele perdeu muito
sangue, e… — Andrey coçou o queixo. — será preciso fazer alguma
coisa e rápido.
Enquanto isso, Carlos estudava Andrey. Era um tanto forte e alto.
Tinha um rosto quadrado e cheio, com profundos olhos negros e a
cabeça coberta por cabelos levemente ondulados.
O jovem recém-chegado debruçou-se um pouco sobre Alan e levou
o ouvido um tanto a cima do seu nariz.
— A respiração está fraca. Por sorte, a bala não perfurou o pulmão,
mas… a má notícia é que ela ainda continua alojada dentro de seu corpo.
— Você pode tirá-la de dentro dele? — perguntou Carlos.
— Temos que removê-lo para um hospital. O NR seria o mais
conveniente.
— Nem pensar! Daqui ele não sai!
— Por quê?

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Transformação - Naasom A. Sousa

— Ninguém vai tirá-lo deste lugar. Ele está correndo perigo de vida
lá fora, mais ainda do que corre aqui dentro. Ele mandou trazê-lo para
cá e é aqui que irá ficar.
Andrey olhou para ele e então para a sua arma.
— Podemos saber o seu nome, senhor?
Carlos hesitou.
— Carlos Lacerda.
Andrey balançou a cabeça.
— Sr. Lacerda… pode nos dizer o que aconteceu com Alan? Como
isso…
— Você pode curá-lo ou não? — cortou Carlos.
— Por que você o trouxe para cá? — adiantou-se Andrey.
A voz de Carlos soou áspera quando respondeu:
— Ele me deu o endereço daqui e pediu para que eu o trouxesse.
Andrey especulou:
— Se você o trouxe para cá, é porque você se importa com ele, não é
mesmo? — não deu tempo para que o outro homem argumentasse. —
Então, sendo assim, faça o favor de baixar essa arma, porque do jeito
como está, só está tornando as coisas mais tensas. O que nós queremos é
o mesmo que você: salvar a vida dele.
Carlos ficou em silêncio. Fitou os três, um por um, tentando
encontrar alguma coisa que revelasse uma ameaça, mas não encontrou
um resquício sequer. Voltou os olhos para a arma e então, aos poucos,
foi baixando-a até que a pôs de volta na cintura.
— Vai ser difícil tirar o projétil sem os instrumentos adequados,
mas temos que fazer isso de um jeito ou de outro e aqui. Só receio que a
bala possa correr e causar uma hemorragia interna. — Andrey informou.
Seus olhou se encontraram com os de Fábio e Vitória e falou a eles: —
Temos que orar para que ele suporte a operação, pois… no estado
delicado em que ele se encontra, qualquer coisa pode contribuir para sua
morte.
— Então vamos orar já — disse Vitória.
— Faríamos isso de qualquer jeito, não faríamos? — concordou
Fábio.
Os três se agruparam do lado da cama em linha, todos de frente
para Alan e deram-se as mãos num ato de aliança. Andrey olhou na
direção de Carlos e este entendeu prontamente que aquilo significava
um convite para uma “participação especial”. Carlos abanou a cabeça
negativamente. Andrey entendeu e demonstrou isso quando fechou os
olhos, esquecendo de tudo à sua volta.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Ergueram as vozes em oração, deixando que todas as suas emoções


fluíssem do mais profundo de seus corações. Primeiramente adoraram e
exaltaram ao Santo Deus de suas almas e então agradeceram por
estarem debaixo da Sua mão potente e da Sua graça majestosa.
Agradeceram pelo sopro de vida e pela transformação feita através de
Cristo Jesus com a graça do Pai Eterno. Enfim, profetizaram as bênçãos
do Senhor para Alan. Que o Deus Onipotente sustentasse as forças e a
vida do Seu servo.
Carlos somente observava sem ao menos piscar o olho. Uma loucura,
pensou ele sobre aquilo que estava acontecendo ali. Uma perda de tempo.
O homem pode morrer enquanto estão a gritar sobre ele. Sua paciência
começava a se esgotar novamente. Ele se conteve.
Fábio tomou a oração e terminou dizendo:
— Senhor, sabemos que podemos confiar plenamente em Ti, por
isso, contempla neste momento o Teu servo Alan. Não sabemos como
isso aconteceu e nem porquê, mas Tu sabes todas as coisas e na Tua
palavra está escrito que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Ti, ó
Pai. Deus querido, cuide do nosso irmão Alan e use o Andrey nas Tuas
mãos para que tudo ocorra bem, pois Tu és o Médico dos médicos.
Senhor, é no poderoso nome do Teu filho amado, Jesus, que tudo isso Te
pedimos e desde já Te agradecemos. Amém.
No final da Oração, a indagação na mente de Carlos era se todos
eles eram irmãos de sangue de Alan. Deveria ser por isso que pediu para que
eu o trouxesse para cá. Pensou consigo mesmo. Pelo menos, todos parecem ter
a mesma loucura dele no modo de falar. Os pensamentos de Carlos foram
interrompidos quando Andrey dirigiu a palavra à Vitória:
— Quero que ferva água numa panela e traga para mim — voltou-
se para Fábio. — Pegue minha maleta de instrumentos que deixei dentro
do meu carro, por favor. Ah, sim. Também pegue uma sacola branca lá.
Graças a Deus estava transportando para o banco de sangue alguns
instrumentos para transfusão. Alan irá precisar de uma.
— Vai mesmo tirar a bala dele? — perguntou Carlos.
Andrey fez que sim com a cabeça e falou:
— Foi para isso que fui chamado aqui. Foi você que mandou me
chamar, não foi?
Foi como se Carlos não tivesse ouvido isso, e apresentou uma nova
indagação:
— Você é mesmo médico?
— Com diploma e tudo. Qualquer outra hora eu lhe mostro — disse
Andrey com um sorriso torto.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Carlos não sorriu nem tampouco mudou sua expressão facial.

&&&

Poucos minutos depois, Vitória retornou com a panela cheia de


água fervente ao mesmo tempo em que Fábio voltou com a maleta de
instrumentos de Andrey.
— Muito bem, gostaria que só o Fábio ficasse aqui me auxiliando.
Os demais, por favor, esperem na sala. O menor número de pessoas aqui
será importante para a circulação do ar no aposento.
Carlos olhou pelo canto dos olhos para Vitória que prontamente foi
até seus dois amigos, tocou em seus ombros, dando uma força, e após
isso se retirou. Relutantemente, Carlos deu as costas e também deixou
Andrey e Fábio a sós com Alan.
Os dois jovens amigos trocaram um olhar com a certeza de que, o
que fariam a seguir seria algo delicadíssimo, e uma vida estaria em jogo.
Mas essa vida não o de alguém comum, e sim o de uma pessoa muito
especial. Alguém que um dia havia dado duro e até mesmo arriscado a
própria vida para salvar a deles.
— Agora é conosco, meu amigo — disse Andrey.
— Mãos à obra — reforçou Fábio.

&&&

Carlos estava com a cabeça entre as mãos, em pé, escorado na


parede da sala. Algo o corroia por dentro. Uma tensão íntima que o
deixava enjoado. A ansiedade tomava conta de si e contribuía para que a
dor de cabeça que sentira por todo o dia se acentuasse.
Ele consultou o relógio em seu pulso. Andrey e Fábio já estavam
trancados com o “pastor” no quarto a quase duas horas e isso deixava-o
mais perturbado. De repente se deu conta:
Ei! Por que estou assim? Nem conheço esse cara direito! Então por que
estou tão atormentado por ele estar à beira da morte? Eu deveria estar mais
preocupado no momento era com Nicole! Exclamou para si mesmo.
Mas sentia que algo o prendia àquele homem. Principalmente
porque uma pergunta variava de um lado para outro dentro de sua
mente: Por que ele arriscou sua vida para salvar a minha? E ainda sobre o
que o próprio Alan havia dito: “Eu sei, Carlos… Eu sei o que contém na
fita… Sei… sei o grande segredo que… está guardado nela”.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Ele estaria blefando? De que modo poderia ter descoberto o que contém na
fita? A confusão povoando a cabeça de Carlos o fez suspirar fortemente,
e foi nesse momento que a porta do quarto foi aberta. Ele ergueu a vista
e deparou-se com o jovem médico. Em seu rosto, um semblante cansado.
— E então? — perguntou Carlos, tão rapidamente que chegou a se
admirar.
Andrey olhou para ele e para Vitória que se aproximava e disse:
— Fiz o que estava ao alcance das mãos humanas. Fábio está
descansando. Tirei o sangue dele, que é compatível com o de Alan, e que
agora Alan está recebendo. Retirei a bala, mas… Bem, agora está por
conta do Senhor Deus.
Esse papo novamente, pensou Carlos. Só espero que esse médico de meia-
tigela não seja tão biruta quanto parece e tenha feito um bom trabalho. Quero
saber com certeza o que o pastor sabe de verdade.

&&&

Tocou cinco horas da manhã quando Carlos despertou de um


rápido cochilo tirado no pequeno sofá de dois lugares da sala. Passou os
dedos pelos olhos, que pareciam pesar cinco quilos cada e alisou o
cabelo escuro. Olhou à sua volta e lembrou onde exatamente se
encontrava. O pesadelo continuava. Suspirou profundamente e bocejou.
E agora, o que vem a seguir? Perguntou-se. Qual será o meu próximo passo?
Para onde seguirei e o que irei fazer? Estava num lugar desconhecido, com
gente desconhecida que nunca tinha visto antes. Sua vida não valia mais
muita coisa, pois a única fonte de vida que tinha para se sustentar talvez
não existia mais. Nesse momento ele viu a imagem de Nicole na sua
frente.
— Nicole… — sussurrou ele.
— O que foi que você disse? — indagou Vitória que estava
passando por detrás do sofá sem que Carlos notasse.
Ele enrubesceu um pouco.
— O quê?… Ahn… Nada, eu… estou apenas pensando em voz alta.
Como o pastor está?
Vitória levantou o sobrolho.
— Pastor? Não sabia que Alan havia sido consagrado pastor!
— Oh, não. Acho que você não entendeu. Eu é que o chamo assim.
A jovem mulher sorriu e balançou a cabeça em sinal de
compreensão.

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Transformação - Naasom A. Sousa

— Assim está certo. Bem… voltando à sua pergunta, não sei lhe
dizer muito sobre o estado dele. Nem Andrey pode dizer muita coisa
agora, porque Alan está em observação por enquanto. Até agora não
apresentou nenhuma melhoria concreta e fica difícil constatar qualquer
coisa sem aparelhos médicos adequados.
Com expressão invariável Carlos anuiu:
— Eu não entendo coisa alguma de medicina, mas posso
compreender. Eu queria… — ele hesitou.
— Sim? — ajudou-o Vitória.
— A arma era apenas para garantir que ele fosse atendido, eu…
Mais uma vez, ela assentiu com a cabeça.
— Não precisa dizer nada. Agradecemos que o tenha trazido o mais
rápido possível. Ahn… quer um pouco de café?
Carlos passou os dedos entre os cabelos e sentiu algo em sua
barriga grunhir e dizer sim em seu lugar.
Vitória sorriu.
— Não precisa dizer mais nada. Eu volto logo.
Os olhos de Carlos perseguiram-na até ela desaparecer ao passar
pela porta da cozinha, e então se depararam com Andrey vindo em sua
direção pelo estreito corredor que ligava o quarto com a sala onde se
encontrava.
Sem nenhuma palavra o jovem médico sentou-se ao seu lado.
— Por favor,… Carlos… me fale o que aconteceu com Alan, como
aconteceu e quando aconteceu. Precisamos saber. Somos muito amigos
dele e precisamos dessa informação para ver se conseguimos fazer algo
mais por ele.
Carlos levou as mãos ao rosto e declarou:
— Pelo que vi, realmente se importam com ele. Mas não posso falar
nada a esse respeito agora. Acho que o melhor é ele mesmo explicar para
vocês.
Vitória voltou à sala com uma bandeja com três xícaras contendo
um quente e aromoso café. Entregou uma nas mãos de Andrey e outra
nas de Carlos. Após isso, se encaminhou pelo corredor até o quarto em
que Alan estava, então, Carlos pôde ver rapidamente, quando a porta do
quarto foi aberta por ela, que Fábio estava sentado numa cadeira e de
olhos fechados ao lado da cama — a mesma em que Alan se encontrava
deitado com um curativo sobre o ferimento e com um soro ligado ao seu
braço direito. A porta foi fechada e a atenção de Carlos foi chamada por
Andrey.

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Transformação - Naasom A. Sousa

— Isso que aconteceu com Alan… dá para se notar logicamente que


ele não deve ter se metido numa boa coisa, não é?
Carlos sentiu que, de alguma maneira, aquilo que viu dentro do
quarto tinha lhe embrulhado o estômago. Terá sido a imagem do pastor
deitado na cama inconsciente? Perguntou-se. Ergueu-se e, no mesmo
instante, a porta do quarto foi novamente aberta e Vitória retornou à
sala.
Carlos colocou a xícara ainda cheia de café sobre a mesinha de
centro e seguiu na direção da porta que dava para a rua, sentindo que os
olhares dos dois jovens estavam em cima dele. Voltou-se para Andrey e
com ar de cansaço respondeu a pergunta:
— O seu amigo está metido numa encrenca das grandes. Para falar
a verdade, nós estamos. E pode apostar que não é uma coisa nada boa
mesmo.
Ele levou a mão à maçaneta e abriu a porta, mas foi impelido para
girar a cabeça e olhar para trás quando Vitória indagou
melancolicamente:
— Mas… você ainda volta, não é?
Carlos hesitou por um breve momento, fez um sinal afirmativo com
a cabeça e deu de ombros. Disse:
— Odeio ter que dizer isso, mas… eu não tenho mais para onde ir.
Com essas últimas palavras ele deixou a casa.

&&&

A grande poltrona em que estava sentado com um rei era de veludo


extremamente acolchoado e confortável, mas isso não era suficiente para
que pudesse deixar o chefão do narcotráfico de Melmar relaxado. Estava
com a cabeça escorada no encosto de da poltrona e seus olhos estavam
vidrados no teto branco de sua sala de vídeo, onde costumava ficar seu
tempo livre, na busca de um tempo de descanso e tranqüilidade.
Mas seu império se encontrava agora em perigo. Como poderia
então relaxar, ter descanso e tranqüilidade? Vip apertou o braço da
poltrona encravando as unhas no veludo escuro, tentando buscar
alguma solução rápida e prática para todos os seus problemas, aliás,
principalmente para o maior de todos no momento: Carlos Lacerda.
Levantou-se e pôs-se a andar de um lado para outro no aposento
luxuoso e confortável, mas ao mesmo tempo obscurecido pela maldade.
Seus pensamentos flutuavam sinistramente sob uma profunda nuvem
negra de morte; morte essa que seria destinada aos seus inimigos,

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Transformação - Naasom A. Sousa

planejava ele. Foi então que o telefone tocou, trazendo-o de volta de seu
mundo de sangue e punição.
Ele atendeu:
— Quem é?
A voz de um dos seus criados anunciou primeiro quem estava na
linha e depois perguntou se estaria disposto a receber a ligação, sempre
num tom de inferioridade.
— Pode passar — disse Vip.
Três segundos depois, o contato estava falando ao telefone.
— E então, como foi tudo? — perguntou o poderoso chefão. —
correu conforme o combinado?
Obteve uma resposta positiva que o fez suspirar como se estivesse
sido salvo de um grande problema.
— Que bom que completou todo o trabalho de acordo com o que
planejamos. Essa é uma excelente notícia para mim.
Ouviu uma piada não muito engraçada.
— Isso mesmo, meu caro. Amanhecerá quinhentos mil mais rico…
Pode ter plena certeza disso.
Escutou uma gargalhada contente do outro lado da linha e uma
despedida agradecida.
— Boa noite. Aguarde mais trabalhos.
Desligou e voltou a sombriedade dos seus pensamentos.
Pelo menos, até agora seu plano estava correndo perfeitamente
bem. Logo estaria completamente fora do alcance dos tiras e de quem
quer que fosse. Estaria acima da lei e de todos naquela cidade de nada.
Ele seria o deus daquela cidade e logo-logo estenderia o seu império por
todo o país e logo seria conhecido em todo o mundo.
Mas, para que isso acontecesse, teria que eliminar todos os riscos,
perigos e barreiras que existiam ou teimavam em existir para tentar
atrapalhá-lo e derrubá-lo. A maior dessas barreiras tinha nome e estava
solto pela cidade. Vivo, desaparecido, e portanto, longe de seu alcance.
— Fuja e se esconda o quanto puder, Carlos, pois logo não terá mais
buracos para se entocar. Você cairá nas minhas garras e será o seu fim e
de todos os que com você estiverem.

&&&

Pegou o carro e decidiu dirigir para vários quarteirões longe da casa


de Fábio e Vitória. A pista estava um pouco úmida e o vento soprava
contra a frente do veículo. Isso fez com que Carlos levantasse o vidro,

47
Transformação - Naasom A. Sousa

pois estava arrepiado com o frio. Ligou o aquecedor dos vidros e


concentrou-se na pista. Porém, sua mente se encontrava repleta de
pensamentos a respeito de Alan e dos três jovens, os quais o haviam
socorrido.
Qual seria a ligação entre eles? Perguntou-se Carlos. Será que fazem
parte de um complô contra mim? Ele suspirou. Achou que deveria estar
ficando louco. Agora, todos para ele representava uma ameaça. Vitória
não parecia representar perigo algum. Disse consigo mesmo. Ela tem muito
de Nicole. A mesma docilidade nítida no olhar enquanto transmite segurança e
confiança ao falar. Não, ela não era uma ameaça. E quanto aos outros dois,
Fábio e Andrey? Poderiam ser considerados uma ameaça? Hesitou por um
momento. E Alan? O que poderia esperar dele? No mesmo instante, Carlos
caiu em si. Que droga! Como posso pensar uma coisa destas?! O homem se
jogou na minha frente para levar uma bala em meu lugar! Ele se
compenetrou. Mas que motivo ele teria para fazer isso? Ele poderia ter
morrido! Aliás, ainda pode vir a morrer. Mas por que haveria de dar a vida por
mim? Isso era uma coisa que Carlos não compreendia. Ele analisou todas
as possibilidades, mas nada coerente se materializou no consciente.
Definitivamente não entendia.
Parou diante de um semáforo com o sinal vermelho. Olhou em
volta e não avistou nenhum guarda. Assim, passou a primeira marcha e
ultrapassou a luz que continuava com a cor de sangue.
Repentinamente, veio-lhe a mente o que Alan lhe havia falado
quando estava moribundo sentado no banco ao seu lado: Jesus te ama
Carlos… Ele deu a vida por você…
Estacionou o carro e parou ao lado de uma loja de departamentos.
Observou e concluiu que ali já estava bem distante de onde iria ficar por
algum tempo, isto é, na casa dos loucos. Ele sorriu diante da própria
piada. Mas logo a seriedade voltou ao seu semblante quando lembrou
de Vip e Nicole. Olhou ao redor, pensando em encontrar um telefone
público e telefonar para Vip. Pensou por um instante. Não, decidiu ele.
Achou melhor dar um tempo para pensar como fazer com que Vip
pagasse por tentar pela segunda vez matá-lo e brincar com a vida de
Nicole. Também decidiu descansar um pouco e tentar relaxar — o que
seria uma coisa, ao seu ver, impossível. Fechou os olhos e procurou ficar
sem pensar em nada por um curto espaço de tempo, mas nem isso
conseguiu. Conturbava-lhe saber que Nicole estava em poder dos seus
inimigos, isto é, se ainda estivesse… Não! Ela tem que estar viva. Se não
estiver, não tenho mais nenhum motivo para continuar a viver essa maldita
vida.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Jesus te ama… Carlos… lembrou outra vez. Carlos sorriu


sarcasticamente. Quem poderia amá-lo? Talvez até Nicole não olharia
mais para ele depois de passar pelo que estava passando. Ele levou a
mão ao bolso sentiu a fita k7 preenchendo o espaço dentro dele. Aquela
era a única garantia e a única esperança de ter Nicole novamente em
seus braços. Aquele seria seu passaporte para a vida ou para a morte. A
vida seria Nicole em seus braços; a morte seria ir ao encalço de Vip por
tê-la assassinado, ser pego pelos homens da quadrilha ou por um
policial que certamente estaria com Vip.
Eu sei o segredo que contém na fita, Carlos… seus pensamentos
imediatamente voltaram-se novamente para as palavras de Alan. Até o
quanto sabia sobre tudo o que estava acontecendo com ele?
— De um jeito ou de outro descobrirei — prometeu a si mesmo.

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Transformação - Naasom A. Sousa

Sobre o Autor e suas Obras


Naasom A. Sousa nasceu no dia 7 de janeiro
de 1978 na capital cearense, Fortaleza. Aos 13
anos mudou-se para Belém do Pará e logo após
para Ananindeua, no mesmo estado. Foi ali que
se encontrou verdadeiramente com o Cristo
Salvador e se interessou pela leitura depois de ler
“Este Mundo Tenebroso II” de Frank E. Peretti.
Daí então passou a escrever romances. Também
se tornou cantor e compositor, e se apresenta
apenas em templos evangélicos (por enquanto).

Atualmente, Naasom A. Sousa está casado


com Ivone Sousa e mora em Paragominas,
município à 300km da capital paraense. Seu e-mail para contato é
letrassantas@ieg.com.br / naasom@bol.com.br e seu site na rede é:
www.letrassantas.hpg.com.br

Outras obras publicadas:

“Do Deserto ao Oásis” é uma novela que foi inspirada nas tantas
dificuldades e tribulações que enfrentamos no dia-a-dia e que muitas
vezes pensamos que vamos perecer. Porém, por mais que pensemos que
estamos desamparados pelo Criador, Ele sempre tem um jeito de
provar-nos o contrário.

“O Amor da Minha Vida” é uma nova roupagem de sua novela


romântica escrita em meados de 1996, e este também é seu primeiro
trabalho integral distribuído pela Internet.

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