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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE LETRAS LIBRAS E ESTUDOS SURDOS
DISCIPLINA: LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

RELATO SOBRE CULTURA SURDA

FERNANDO ANTÔNIO SARAIVA MAIA

FORTALEZA
2019.1
No presente relato, elenco algumas visões que tinha da cultura surda e como
elas se modificaram após ter iniciado a disciplina de LIBRAS, ter assistido a um
documentário sobre a educação surda e lido um texto sobre a cultura surda, escrito
por uma surda em português.
Não posso dizer que tive contato com surdos em minha infância, tampouco
com a cultura dos surdos, mas seria errado dizer que ignorei sua existência até a
idade adulta, posto que, dentre muitos fatos que aprendi com minha mãe, aprendi
que ela mesma havia trabalho na secretaria do Instituto dos Surdos na década de
80, e lembro-me bem de tê-la pedido que me ensinasse algo de LIBRAS. Sua
resposta era sempre a mesma: não lembrava muita coisa. Recentemente, ao
indagá-la sobre a experiência de trabalhar com surdos, ela admitiu que somente
dois funcionários na escola inteira eram surdos, não soube explicar como os alunos
se comunicavam com os outros funcionários da escola. Isso me levou a crer que,
antigamente, pelo menos, o sistema era bastante defasado no quesito inclusão.
Após assistir ao documentário “Sou Surda e Não Sabia”, essa impressão se tornou
bastante mais séria e preocupante.
No documentário, conhecemos Sandrine, uma moça francesa surda filha de
pais ouvintes. Ela relata como foi seu processo de educação e desenvolvimento
pessoal como surda. Chamou-me atenção o fato de na França ainda haver escolas
oralizadoras, para utilizar um termo de Karin Strobel, sendo a França não somente
um país bastante desenvolvido como também o berço das línguas de sinais. Nesse
documentário tive acesso pela primeira vez ao termo “cultura surda”, mas não tive
estranhamento, isto é, não achei que tal cultura seja menos válida que uma cultura
ouvinte. Achei apenas uma pena ter demorado tanto a conhecê-la e só tê-la
conhecido através de um vídeo na internet, por nunca ter, de fato, vivenciado algo
no meio surdo.
Um outro aspecto que, apesar de esperado, é chocante, é a relação para
com a família. A perspectiva de que uma característica, uma diferença, será
“diagnosticada”, tratada como um doença, até certo ponto, curável, é triste, em se
tratando de surdez, assim como era em relação aos canhotos na idade média.
Strobel menciona que, se um médico age dessa forma para uma família surda, eles
voltarão para casa e continuarão a viver a vida normalmente, pois entendem
perfeitamente o filho surdo. Mas para uma família ouvinte, como a de Sandrine, a
notícia pode destroçá-los. Se os pais não sabem lidar bem com a surdez dos filhos,
este sofrerá tanto quanto aqueles, pois será isolado pela deficiência, não participará
da família, será privado da oportunidade - e do direito - de se expressar, de existir
linguisticamente no mundo.
A existência no mundo, bem como sua representação, perpassa os limites da
linguagem, chegam na perspectiva da relação interpessoal, relacionamento
amoroso, trabalho, lazer. Enquanto ouvinte filho de pais ouvintes, nunca havia
contemplado tais possibilidades para um surdo. Nesse ponto, o texto de Strobel foi
imensamente esclarecedor.
Nele somos apresentados a diversos âmbitos da cultura surda e como ela
podem ser expressas. Por exemplo, não sabia da existência de atores surdos/teatro
surdo, o que aparece tanto no documentário como no texto. Da literatura surda já
ouvira falar pouco, mas nunca havia compreendido bem o que significava, como se
construía. Sendo docente em formação, o conhecimento destes exemplos me são
fundamentais, posto que, ao encontrar um aluno surdo na escola regular - o que
ainda acontece com frequência no Brasil - poderei me valer desses textos para
contribuir com sua formação enquanto cidadão, enquanto falante de português e
enquanto surdo.
Sendo também um cientista da linguagem em formação, a aquisição da
LIBRAS/LSF e seus desenvolvimentos me pareceram interessantes e aptos a
comentar. O documentário é legendado em português, mas sinalizado em LSF -
Langue des Signes Française - o que me permitiu procurar perceber as diferenças
entre a língua francesa e a brasileira, mesmo sendo esta descendente daquela. Os
relatos presentes em Strobel trouxeram muita luz à perspectiva do desenvolvimento
e uso da linguagem gestual, bem como sua situação no Brasil. A associação da
língua de sinais à visão, exatamente como das línguas orais à audição me mostrou
como a cultura surda, como o ser surdo, é não só perfeitamente normal, como fácil
de ser incluído no cotidiano, sem impedi-los de ter a própria cultura, sem
restringi-los. Da mesma forma como se pode servir comida vegetariana numa festa
de aniversário sem prejudicar quem come carne, ou como se pode realizar um culto
ecumênico sem destratar uma religião específica, é possível incluir o surdo em
ambientes esportivos, nos meios de transporte, nas comemorações, no cinema,
sem prejudicar os ouvintes. É fundamental apoiar que a cultura surda seja
preservada entre eles, mas acredito que a sociedade só tenha a ganhar com uma
aproximação dos dois meios, surdo e ouvinte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

STROBEL, Karin. ​As imagens do outro sobre a cultura surda​.


Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.
https://www.youtube.com/watch?v=Vw364_Oi4xc (acesso em 14 de abril de
2019).

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