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e Direitos Humanos II
Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira
Sergio de Souza Salles
Waleska Marcy Rosa
(Organizadores)
Petrópolis, 2009
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPOLIS
1ª edição: 2009
Ficha Catalográfica
S587a
Silveira, Carlos Frederico G. C. da.
Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II. / Organizadores:
Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira; Sergio de Souza Salles; Waleska
Marcy Rosa. Petrópolis: UCP, 2009.
285 p. ; 14 x 21 cm
ISBN 978-85-60654-13-0
Índice 279
Cap. 1: A conexão existencial entre
direito e moral em Lon Fuller
Alejandro Alvarez1
I. Introdução
direito positivo.9
De forma sintética e precisa, ARAUJO afirma que “o jusnaturalismo
pode ser caracterizado como um tipo de teoria jurídica que se compromete
com a verdade de, pelo menos uma das seguintes teses”: primeira, “a tese da
inseparabilidade” segundo a qual o conceito de lei envolve necessariamente
o de justiça e o de direito é inseparável do conceito de moral, e segunda,
a “tese metafísica” contida na afirmação de que, além das leis positivas,
produto das instituições humanas, existem as leis naturais que são critério
de avaliação da qualidade moral das leis positivas.10 Esclarece: que as duas
teses são logicamente independentes entre si, razão porque pode admitir-se a
tese da inseparabilidade, sem implicar, na afirmação de que os princípios de
justiça ou moral sejam derivados da natureza. De toda forma, a elaboração
ou identificação de um tipo de moral que não deriva da natureza e que
necessariamente informa o direito positivo, não implica em excluir qualquer
lei natural.11 Em relação à segunda tese, formulada independentemente
da primeira, afirma a existência de normas morais independentemente de
instituições humanas, razão porque tais normas seriam naturais. Portanto,
conclui, a segunda tese, “não é uma tese que diga respeito a uma concepção
especifica de direito[...mas] é constitutiva de uma teoria jurídica apenas na
medida em que se assume que podemos recorrer a uma determinada lei moral,
Mais ainda, que “o estudo do seu uso implica no estudo do seu abuso”.ORREGO,S. Cristóbal.
Ob.cit. p. 25.
18 ORREGO,S.Cristóbal. Ob.cit. p. 26.
19 Para um estudo sobre a Regra de reconhecimento: PASCUA,José Antonio Ramos.
La Regla de Reconocimiento en la Teoria Jurídica de H.L.A.HART.Madrid:Tecnos,1989.
DE PARAMO,Juan.R.A. H.L.A.Hart y la Teoria Analítica del Derecho. Madrid:Centro de
Estúdios Constitucionales,1984.
16 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
à regra de reconhecimento”.20
Aparentemente a tese de um “conteúdo mínimo do direito natural”
formulada por um positivista, sob o aspecto conceitual parece uma contradição
porquanto o positivismo jurídico assume como tese central a teoria das fontes
sociais: o direito é produto humano, e portanto, não natural ou derivado
logicamente do natural. A teoria do conteúdo mínimo do direito natural, foi
formulada por Hart em diversas épocas e fases do desenvolvimento da sua
teoria jurídica.
A primeira referência à teoria, consoante RIVAYA,21 surgiu no texto
e contexto da formulação da teoria da separação conceitual entre direito e
moral. Com efeito, em Positivism and the Separation of Law and Morals
(1958), reconheceu que “certas normas jurídicas eram necessárias” por se
constituírem em condições da preservação e garantia de determinados bens
ou aspirações, mantidas as características e percepções adquiridas sobre os
seres humanos, razão porque nenhum direito poderia prescindir das mesmas.
Por outro lado, se não fossem preservados tais bens, o direito perderia sua
razão de ser.22 Por serem necessárias e imprescindíveis para a garantia dos
referidos bens, relacionados com a dimensão humana, tais normas integram
o conteúdo mínimo.23
Na obra “O Conceito de Direito” desenvolveu o tema como item
específico do Capitulo IX que trata do Direito e Moral. Pressupostos da
38 ESCUDERO ALDAY,Rafael.Ob.cit.p.242.
39 ESCUDERO ALDAY,Rafael. Ibidem.
40 ESCUDERO ALDAY,Rafael.Ob.cit.p. 251.
26 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
objetivos: (i) identificar “razões para sustentar que a presença das dimensões
de moralidade poderia permitir defender a existência de certa conexão
necessária entre Direito e justiça”; (ii) aquilatar o nível dessa conexão que
“não seria tão forte como a de Fuller nem, tão fraca como a de Hart, mas o
suficiente como para defender que a Moral interna poderia ser qualificada,
em certo sentido, como moralidade”; (iii) “oferecer bases políticas e jurídicas
para contextualizar e intentar melhorar a compreensão de alguns aspectos
centrais da dita teoria”.44
Cabe destacar que a pretensão de RAMIREZ é superar as conclusões
de ESCUDERO ALDAY. Com efeito, afirma que o autor, não obstante
analisar a necessidade ou não do concurso da moral interna para sustentar a
existência de um sistema jurídico, conclui que a moral interna é compatível
com o positivismo jurídico porque, não obstante apresentar a existência
de uma mínima eticidade de todo o sistema jurídico, não é suficiente para
sustentar a conexão necessária entre o Direito e a Moral. RAMIREZ, porém,
questiona que isso não obsta que se reconheça que a presença de elementos
da Moral Interna do Direito proporciona uma série de dimensões a valorar
e levar em consideração no momento de predicar a moralidade dos sistemas
jurídicos. Especificamente: constituição de justiça formal, limitação do
poder, respeito á autonomia individual.45 Isto posto, passa a analisar os
principais pontos de destaque no pensamento de Fuller:
direito. Este último é um elemento chave da proposta de Fuller, dado que não
se limita a postular o valor constitutivo, ao mesmo tempo em que moral dos
oito cânones, mas vincula ambas dimensões a um conceito teleológico de
ordenamento jurídico”[...] que define como “a empresa de sujeitar a conduta
humana ao governo de regras”.53
O professor Hart parece assumir que os fins maus podem ter tanta
coerência e lógica interna como os bons. Pelo menos eu, me recuso
a aceitar esta presunção[...]. Terei que apoiar-me na afirmação de
uma crença que pode parecer ingênua, a saber, que a coerência e o
bem tem mais afinidade que aquela e o mal. Aceitando esta crença,
também creio que quando os homens são compelidos a explicar e
justificar suas decisões, o efeito será o de arrastar essas decisões para
o bem.55
A crítica a Fuller não está na tese que afirma que os oito cânones
constituem condições de existência de um sistema jurídico, existindo
unanimidade em admitir que sem um mínimo respeito às diretivas do rule of
Law não pode afirmar-se a existência de um sistema jurídico. Todavia, alguns
autores consideram inaceitável a tese da conexão necessária sustentando que
nem os princípios da moral interna, nem seu seguimento possuem nenhuma
dimensão ética, razão porque não há conexão necessária entre o direito e a
moral58. Especificamente, 1º porque os princípios da moral interna fazem
referência a uma estrutura formal e funcional, razão porque não conduzem
a um critério material e 2º porque nem a observância da moralidade interna
se traduz necessariamente em justiça, nem a adesão á mesma, por parte do
tal como indica S.Harwood, que quando é superado desapareça”62. Uma das
melhores respostas para identificar esse valor moral, afirma RAMIREZ, é
oferecida por R. SUMMERS nos seguintes termos:
derrocar o regime” Cita: J. WALDRON, The Rule of Law in the Contemporary Liberal
Theory”, Ratio Júris, Nº 1, vol.2, Março, 1989, pp 93-94. RAMIREZ, Frederico Arcos.
Ob.cit. p. 12, nota 48.
65 MAcCORMICK, afirma RAMIREZ, “defende o valor independente do rule
of law indicando que tratar as pessoas como agentes racionais e aplicar-lhes com justiça
qualquer padrão de conduta é um valor real e um valor independente, inclusive onde o
conteúdo das leis se aproxime pouco a qualquer ideal relevante de justiça substantiva. É um
sinal de um mundo que caminha para a loucura que alguém possa dar boas-vindas a algo
que em si mesmo é perverso (a arbitrariedade é a maior das crueldades) como mitigação
parcial de um mal maior. Contudo, é nos casos de manifesta injustiça onde resulta mais
fácil apreciar que a imparcialidade através da legalidade pode ser um valor particularmente
redentor, inclusive quando a ordem jurídica em seu conjunto deve considerar-se injusta”. N.
MAcCORMICK.”The Separation of Law and Morals”.In: R.P. GEORGE,(ed),Natural Law
Theory. P. 147. Apud:RAMIREZ,Frederico Arcos. Ob.cit. p.12, nota 49.
66 G. CONSO, “ La certeza del diritto:ieri,oggi,domani”, Rivista di Diritto Procesuale,
1970, p.547.
67 Dada a contraposição hipotética, de dois regimes A e B, ambos igualmente
violadores de distintos tipos de direitos humanos, em que o regime A opera mediante leis
públicas e claras, aplicadas consistente e escrupulosamente, enquanto o regime B, com leis
retroativas, atos ilegais e violência pública, juízos e leis secretas, etc., Sismmonds indaga:
“Existe algum valor moral no respeito por parte de A do rule of law?”.A este respeito afirma
que “quando os poderes públicos agem em conformidade com os oito princípios, fazem com
que sua conduta seja publica e previsível”, o que possibilita que os cidadãos possam agir com
estratégia evitando as interferências oficiais, e “proporciona certo grau de ordem e regularidade
necessário para o desenvolvimento da atividade criativa e empreendedora”.N.SIMMONDS.
Central Issues in Jurisprudence, Sweet &Mawelt,London,1986,p.123..No mesmo sentido
RAWLS: mesmo tratando-se de leis e instituições injustas, “às vezes é melhor que sejam
aplicadas de maneira consistente”.As pessoas nessas condições, “ao menos sabem o que se lhes
exige e podem, nessa medida, proteger-se a si mesmos”; ao contrário, “haveria maior injustiça
se os que estão numa situação desvantajosa forem também tratados arbitrariamente em casos
particulares nos quais as normas lhes dessem alguma segurança”.RAWLS,J. Teoria de la
Justicia.trad. Mª Dolores González, Fondo de Cultura Econômica,México,1978,pp.80-81.Cf.
RAMIREZ,Frederico Arcos. Ob.cit. p. 12-13, nota 51.
68 Pela referência e importância do pensamento de diversos autores contemporâneos
,em castelhano, passo a reproduzir o teor da nota 52 do texto de RAMIREZ. Segundo Garzón
Direito e Moral em Lon Fuller 39
IV. Conclusão
Valdés, o valor da segurança jurídica, deve ser respeitado por todo sistema jurídico. De
fato a historia registra variedade de sistemas em que o respeito pela dignidade humana teve
variedade de intensidade, sem não obstante ter sido afetada a segurança jurídica. E. GARZÓN
VALDÉS, “Derecho y Moral”,em E.GARZÓN VALDÉS y F.LAPORTA(eds).El Derecho
y la Justicia.Enciclopedia Iberoamericana de Ciencias Sociales.Madrid: Trotta, 1996,
p.402 Pensam em sentido contrário, considerando absurdo e incompatível com o Estado
de Direito, denominar “segurança jurídica” esse tipo de predição perante a iniqüidade:A.E.
PÉREZ LUÑO.La seguridad jurídica; A. PECZENICK.Derecho y razón, trad. E.Garzón
Valdés,Fontanara,México,2000..Apud:RAMIREZ,Frederico Arcos.Ob.cit. p. 13,nota 52
69 Lembra RAMIREZ que Flávio López de Oñate, descrevia a segurança jurídica
como “ a especifica eticidade do direito” LOPEZ DE OÑATE, Flávio .La certeza del derecho.
Trad. de M.Ayurro y Sentís, Ediciones Jurídicas Europa -América, 1953. RAMIREZ,
Frederico Arcos. Ob. Cit. p. 13, nota 53
40 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
Referências Bibliográficas
http://e-archivo.uc3m.es/dspace/bitstream/10016/1394/1/Dyl-200-V-9-
Direito e Moral em Lon Fuller 43
Arcos.pdf
http://www.Uilpadirigentiministeriali.com/Documentazione/Articoli,20%in
terventi,20%contributi/2-Windows
SUMMERS.R.S.The Formal Characther of Law.Cambridge Law Journal,
Vol.51,nº 2,jul, 1992.
44 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
Cap. 2: A justiça segundo
Santo Tomás de Aquino
Partes integrais da justiça
{ fazer o bem a outro
{
justiça comutativa
Partes subjetivas da justiça
justiça distributiva
10 GILSON, Étienne. Saint Thomas moraliste. Paris: J. Vrin, 1974, pp. 288-289:
“Supposons par exemple qu’il s’agisse de conférer à quelqu’un la dignité et les fonctions du
professeur ; du point de vue de la justice distributive, cet homme n’y a droit qu’en proportion
exacte de sa science, car c’est sa science, qui définit sa place dans la hiérarchie sociale par
rapport à l’ordre de l’enseignement. Agir justement, en pareil cas, c’est donc ne tenir compte
que de la science du candidat ; faire acception de personne, au contraire, c’est considerer sa
personne, c’est-à-dire tout ce qui n’est pas la seule cause légitime que l’on puísse avoir de lui
conférer cette dignité: ses richesses, par exemple, ou la parenté qui nous unit à lui”. Tradução
livre do autor
52 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
{{ {
religião
para menos piedade
observância
Partes potenciais da justiça
gratidão
castigo
para mais liberalidade
afabilidade
epiquéia
{ { {
geral ou legal (trata da teoria geral da justiça)
Justiça
partes integrais
particular partes subjetivas
partes potenciais religião
justiça social
(as potenciais
restantes)
12 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 58, a. 12: “...si loquamur de justitia
legali, manifestum est quod ipsa est praeclarior inter omnes virtutes Morales: inquantum
bonum commune praeeminet bono singulari unius personae”.
54 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
13 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 120, que constra de dois artigos:
o primeiro discute se a equidade é virtude; o segundo, se ela é parte da justiça.
14 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 120, a. 2: “Et de ea iustitia per
prius dicitur (...). Unde epieikeia est quase superior regula humanorum actuum”.
15 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 71.
A Justiça segundo Santo Tomás de Aquino 55
16 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 71, a. 4: “Si autem per improbitatem
aliquid immoderate extorqueat, peccat contra iustitiam”.
56 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
IX. Conclusão
Referência Bibliográfica
I. Introdução
custas judiciais, a possibilidade das partes, os problemas especiais dos interesses difusos
e as barreiras ao acesso. Como solução para tais obstáculos, enumeram “a assistência
judiciária” (primeira onda renovatória), a “representação jurídica para os interesses
difusos” (segunda onda) e a terceira onda, que conjugaria as duas primeiras, indo além
delas, qual seja o “enfoque de acesso à justiça”.
62 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
II. Ação Civil Pública como instrumento de tutela coletiva dos direitos
2.1. Questões conceituais e terminológicas
Deste modo, pode-se verificar com clareza que, por mais que a
denominação “ação civil pública” seja compreendida, na prática, como o
meio adequado para a propositura de ações que visem à responsabilização
pelos danos elencados na Lei 7.347/1985, e todos os demais direitos
difusos e coletivos, entenda-se aqui direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, esta denominação é considerada um grande equívoco,
devendo-se, em seu lugar, ser utilizada a expressão “ações coletivas”
como se vê da seguinte colocação do doutrinador Pedro Lenza, já citado
(2005. p. 163).
Desta feita, propõe-se a utilização da terminologia
ação coletiva como gênero, abrangendo a tutela
dos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos. No entanto, na medida em que
os interesses difusos e coletivos só podem ser
tutelados coletivamente, poder-se-ia falar em
ação coletiva típica, ou ação coletiva strictu
66 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
8 Importante notar que atualmente vem se fortalecendo cada vez mais uma corrente
que propõe a ampliação da legitimidade para propositura da ação civil pública ao cidadão, tal
como já ocorre na ação popular.
Acesso à Justiça 69
do § 1º, desse mesmo art. 129. E nem seria razoável que o fizesse, pois não
seria razoável que a nova Carta Constitucional, ostensivamente marcada
pela abertura e ampliação dos espaços de participação democrática e de
efetivação dos direitos humanos, criasse restrição para o acesso à justiça
retrocedendo em conquistas que já haviam sido alcançadas no âmbito
infraconstitucional, como era o caso da Lei 7347/85.
Importante ainda ressaltar, que a Constituição veio também
aumentando a incidência destas ações, uma vez que se refere no artigo 129
supracitado a “outros direitos difusos e coletivos”, redação que à época
da entrada em vigor da Lei 7347/85, comporia seu inciso IV, mas acabou
sendo vetada, dentre outros dispositivos, pelo então Presidente Sarney,
sob o argumento de que a questão dos direitos difusos demandava ainda,
naquela época, maior reflexão e análise cujos pressupostos conceituais
deveriam ser objeto de um processo de elaboração doutrinária, com uma
discussão mais abrangente em todas as esferas da vida social11.
Após a Constituição, como se verá adiante, foram editadas
inúmeras leis disciplinando a tutela dos interesses difusos e coletivos em
áreas específicas do direito.
Já em 1989 foram editadas duas leis tratando sobre o tema, a
primeira foi a Lei 7.853/89 em relação às pessoas portadoras de deficiências
e a outra, Lei 7.913/89, que prevê a ação civil pública de responsabilidade
por danos causados a investidores no mercado de valores imobiliários,
esta considerada o primeiro diploma a tutelar de forma coletiva os direitos
individuais homogêneos.
desses indivíduos.
Finalmente, a Lei Maria da Penha (Lei nº 10.340/2006), que visa
coibir a violência doméstica, também contemplou a tutela coletiva em
seus artigos 26, inciso II e 37.
Defensoria Pública.
Para um melhor entendimento, as classificações e os conceitos
em relação aos interesses transindividuais a serem usados aqui serão os
que estão presentes no Código de Defesa do Consumidor. Assim, pode-se
dizer que os direitos transindividuais classificam-se em difusos, coletivos
e individuais homogêneos. Sabendo-se que cada uma dessas classificações
possui suas particularidades, necessário se faz, para um claro entendimento,
explicar detalhadamente suas características e diferenças.
Entende-se por interesse difuso uma espécie do gênero
dos interesses coletivos lato sensu, que ocupa o topo da escala de
indivisibilidade e falta de atributividade a um determinado indivíduo ou
grupo determinado, sendo a mais ampla síntese dos interesses de uma
coletividade, possui como características básicas a indeterminação de
sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa conflituosidade, uma
vez que deriva de situações de fato, contingentes e algumas vezes até
ocasionais e a sua duração efêmera. De acordo com o Código de Defesa
do Consumidor, em seu artigo 81, parágrafo único, I, os interesses difusos
são “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.
Quanto aos interesses coletivos em sentido estrito, são a espécie
de interesse meta-individual referente a um grupo ou coletividade com um
mínimo de organização, sendo que o caráter organizativo é traço básico
distintivo desta espécie de interesse. Como se verifica da leitura do art. 81,
II, da lei 8.078/90, estes interesses são definidos como “os transindividuais
de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica
básica”.
Em relação a esses interesses ensina Kazuo Watanabe (1992.
74 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
110) cita a ação civil pública que foi ajuizada em 11.11.2005 em nome
da Associação das Vítimas de Derramamento de Óleo da Ferrovia Centro
Atlântica S/A. destinada à reparação dos danos decorrentes do vazamento
de óleo na comunidade de Porto das Caxias, em que foi requerida, em
antecipação de tutela, a remoção total do óleo no local, e, como pedido
principal, o custeio do tratamento de desintoxicação, além da condenação
em danos materiais e morais causados.
Buscando a defesa dos direitos do consumidor, através do
NUDECON, e baseando-se no dispositivo do CDC, a Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro, como ente público autônomo sem
personalidade jurídica, propôs diversas ações civis públicas e em muitas
delas obteve resultado positivo, como se verifica dos seguintes acórdãos:
V. Conclusão
14 Cabe destacar que essa linha de interpretação já estava implícita na decisão do STF
em que foi discutida a constitucionalidade de dispositivos da Carta Constitucional do Estado
do Rio de Janeiro. No voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, na ADI 558-8/600,
de 1991, acompanhado pelos demais membros do colegiado, foi consignado que a assistência
jurídica aos necessitados consiste em “atribuição mínima compulsória da Defensoria Pública”
que não exclui a possibilidade “de outras iniciativas processuais em que se vislumbre interesse
social que justifique esse subsídio estatal”. Mais adiante, no bojo do mesmo voto, fica patente
que a preocupação a ser levada em conta diz respeito apenas a se evitar que a atuação da
Defensoria Pública acarrete violação à isonomia das partes no processo. Isto quer dizer que
não é necessariamente o aspecto econômico que deve ser levado em conta, pois a denegação
de justiça por insuficiência organizacional também representaria violação do principio da
isonomia jurídica.
Acesso à Justiça 97
Referências bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública. 4. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004.
LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2001.
1) Introdução
2) Considerações teóricas
FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2000. v. I, p. 42. Na doutrina
estrangeira, Eugênio Florian também distingue a verdade material da formal, in verbis: “En
este lugar podemos aludir al hecho de que la investigación de la verdad que tiene lugar en el
proceso penal es distinta de la que se lleva a cabo en el civil.” E termina por concluir, inclusive
fazendo menção a julgado da Suprema Corte italiana, que: “En el sistema de nuestro derecho
procesal penal rige el principio de la verdad efectiva o material.” FLORIAN, Eugênio.
Elementos de Derecho procesal penal. Tradução de L.Prieto Castro, Barcelona: BOSCH-
casa editorial, s/d. p. 59-60. Vale mencionar a posição, no mesmo sentido, de Jorge A. Clariá
Olmedo, embora referindo-se à verdade material como principio de investigación integral.
Cf. OLMEDO, Jorge A. Clariá. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni
Editores, s/d, t. I, p.236-240.
4 Essa é a lição de Pasquale Gianniti: “ Il giudice, sia civile che penale, per accertare
una situazione giuridica, deve risolvere un conflitto di interessi. Tuttavia, tale conflitto, in
materia civile, è una ‘lite’, cioè una controversia tra interessi privati, che, nella maggior parte
dei casi, concerne il patrimonio e comporta una sanzione meramente risarcitoria del danno
cagionato; mentre, in materia criminale, il conflitto stesso, da un lato, concerne l’interesse
pubblico all’accertamento del reato e allá punizione del colpevole, e [...]” Cf. GIANNITI,
Pasquale. Processo civile e penale a confronto. Padova: Cedam, 2003, p. 5.
Notas sobre a questão da verdade 103
prática.
Com efeito, qualquer ciência (e o Direito há de estar incluído9
enquanto ciência normativa) deve, sob pena de infindáveis percalços, primar
pelo uso de um vocabulário adequado a descrever seus fenômenos. Ou seja,
a precisão terminológica, no que tange a questões técnicas, longe de ser uma
filigrana, precisa ser observada. Não se trata de apego a futilidades, mas da
necessidade de fixação conceitual, sem a qual nenhuma ciência avança.10
Falar em verdade real e formal, indiscriminadamente, pode, dentre
outros problemas, conduzir à aplicação errônea de regras processuais penais.
Isso poderia resultar em invasões agressivas, e quiçá ilegais, por parte do
Estado, na esfera de direitos individuais do réu. Ou seja, na busca de uma
verdade real, o Estado poderia desrespeitar direitos e garantias fundamentais11
que custaram tão caro à humanidade.12
Rogério Lauria Tucci usa as expressões “verdade material” e
9 Não entraremos na discussão sobre ser (ou não) o Direito uma ciência. Ainda que
fascinante, não é o escopo do trabalho. Assumimos, pois, que o Direito é uma ciência: ciência
do dever-ser (normativa).
10 Barbosa Moreira já deixou assentado que: “Renegar a técnica decididamente não é
o melhor caminho para fazer avançar a nossa ciência, nem para converter o avanço científico
em fermento da Justiça.” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Efetividade do processo e
técnica processual. In: ____. Temas de Direito Processual. 6. série. São Paulo: Saraiva,
1997, p. 23. E, mais à frente (p. 27), arremata: “Nenhum processualista que preze a sua ciência
tem o direito de desinteressar-se pura e simplesmente das questões técnicas.”
11 FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione: Teoria del garantismo penale. 7. ed. Roma:
Laterza, 2002, p. 82. Confira-se, ainda, a lição de Agostino De Caro: “Nel versante probatorio,
il sistema previgente era ancorato alla ricerca della verità, affidata al giudice (art.299 c.p.p.
1930) il quale poteva e doveva porre in essere ogni iniziativa per trovare la corrispondenza
col fatto storico. Questa ‘missione’ riusciva a giustificare l’utilizzazione di ogni mezzo capace
di raggiungere l’obiettivo tanto che, nel passato, fondava anche la predisposizione di mezzi
violenti (come la tortura) ma capaci (cioè, idonei) a centrare il bersaglio: la verità.” Cf.
CARO, Agostino De. Poteri Probatori del Giudice e Diritto alla Prova. Napoli: Edizioni
Scientifiche Italiane, 2003, p.52-53.
12 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
Notas sobre a questão da verdade 105
17 Tratando, em excelente artigo, sobre o uso de sentença como meio de prova, conclui:
“Dato che in ogni processo le parti hanno il potere di rappresentare al giudice soltanto alcuni
aspetti della realtà, il valore storico dei giudizi di fatto enunciati dal giudice è in funzione di
quella rappresentazione: il giudice, nel processo a tipo dispositivo, non aspira ad accertare
la verità coll’iniziale maiuscola, che sia destinata a valere in eterno oltre le contingenze, ma
più modestamente si contenta di chiamar verità la somma logica di quelle allegazioni e di
quelle prove che quel processo gli offre, senza escludere che domani, se sugli stessi fatti le
allegazioni e le prove utilizzabili fossero diverse, la verità potrebbe apparirgli tutt’altra, com’è
nel travestimento francese di un titolo pirandelliano, che par fatto apposta per servir da motto
al processo dispositivo: ‘chacun sa vérité’.” Cf. CALAMANDREI, Piero. La sentenza civile
come mezzo di prova. In: ___. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1972. v. V, p. 571.
18 Cf. CALAMANDREI, Verità e verosimiglianza nel processo civile, op.cit., p. 615-
616: “1. – Aller Beweis ist richtig verstanden nur Wahrscheinlichkeitsbeweis: tutte le prove,
a ben guardare, non sono che prove di verosimiglianza. Questa affermazione di relativismo
processuale, fatta per il processo civile da un grande giurista (1), può valere ugualmente non
solo per il processo penale, ma, anche fuori dal campo più direttamente processuale, per ogni
giudizio storico su fatti che si dicono accaduti: quando si dice che un fatto è vero, si vuol dire
in sostanza che esso ha raggiunto, nella coscienza di chi tale lo giudica, quel grado massimo di
verosimiglianza che, in relazione ai limitati mezzi di conoscenza di cui il giudicante dispone,
basta a dargli la certezza soggettiva che quel fatto è avvenuto. Parlo, si intende, non delle
verità logiche o morali, ma delle verità dei fatti accaduti, delle verità cosiddette storiche, per
le quali già Voltaire avvertiva che ‘les vérités historiques ne sont que des probabilités’ (2).”
19 Ibid., p. 616.
20 Para um visão sobre as funções persuasiva e demonstrativa da prova, confira-se
TARUFFO, Michele. La Prueba de los Hechos. 2. ed. Tradução de Jordi Ferrer Beltrán.
Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 349-357
108 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
(ilícita).27
No processo (penal), busca-se convencer o juiz de que os fatos
se passaram de uma forma e não de outra. Embora, em linha de princípio28,
admita-se que a alegação das partes seja condizente com a verdade, jamais
saberemos se o é. Assim, o réu, v.g, tenta mostrar que matou em legítima
defesa, logo não cometeu crime, já o Ministério Público deseja convencer os
jurados de que não havia tal excludente de ilicitude. Saber como as coisas
se passaram, nos seus mínimos detalhes, se não for tarefa para os deuses,
com certeza seria hercúlea. É bem provável que não nos lembremos do que
almoçamos, ou do que jantamos. Ou, ainda, que roupa usávamos ontem.
Jamais lembraremos como as coisas ocorreram no dia anterior em seus
detalhes. Como então reconstruir algo que está tão longe? Como ser fiel a
fatos que não nos recordamos mais?
Valendo-nos da lição de Francisco das Neves Baptista, a busca
da verdade diz respeito à concordância do pensamento com o objeto, ou
com nós mesmos. E mais, será imutável ou tão somente útil e oportuna29 a
resolver a questão colocada a exame.
30 A subjetividade pode ser vista como “[...] as diferentes formas através das quais o
sujeito pensa, sente, deseja e representa a si mesmo e ao mundo que o cerca”. Cf. SOUZA,
Mériti de. A Experiência da Lei e a Lei da Experiência. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 18.
31 É comum, nos meios forenses, a afirmação de que o juiz decide primeiro e julga
depois, ou seja, busca meios de explicitar o que já tinha em mente.
32 Para um aprofundamento da interpenetração entre a ética e a justiça, cf.
PEGORARO, Olinto A. Ética é justiça. Petrópolis: Vozes, 1995.
33 Para um aprofundamento da ética e da atuação dos personagens do processo,
112 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
É certo que a maioria (senão todos) dos fatos alegados pelas partes
no processo ocorreu no passado e que sua reconstrução é extremamente
difícil. Assim a verdade há de ser uma verdade aproximada, o que, de forma
alguma, pressupõe sua fragilidade. Deve-se buscar uma correspondência,
infensa à metafísica, entre a verdade e a realidade39, no acertamento da
decisão.
Cabe, neste ponto, fazer uma breve correlação entre certeza e
verdade.
Revisitando a doutrina clássica (Malatesta e Mittermaier),
percebemos algumas incongruências.
Com efeito, a verdade, segundo Mittermaier, “[...] é a concordância
entre um fato real e a ideia que dele forma o espírito.”40 Interessa ao juiz, mais
precisamente, estabelecer a verdade histórica, “[...] que procuramos alcançar,
sempre que temos de nos certificar da realidade de certos acontecimentos, e
de certos atos passados no tempo e no espaço.”41 Diverso da verdade é a
convicção com a qual o juiz é instado a decidir. A convicção, propriamente
dita, nas palavras de Mittermaier, é um estado “[...] em que o espírito tem
os fatos por verdadeiros, apoiando-se em motivos plenamente sólidos.”42
Demais disso,
39 Cf. FERRAJOLI, op. cit., p. 22-23: “Una volta stabilito che il termine ‘vero’
può essere impiegato senza implicazioni metafisiche nel senso di ‘corrispondeza’, è infatti
possibile parlare dell’indagine giudiziaria come della ricerca della verità intorno ai fatti
e alle norme menzionati nel processo ed usare i termini ‘vero’ e ‘falso’ per designare la
conformità o la difformità da essi delle proposizioni giurisdizionali.”
40 MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. Tradução de
Herbert Wüntzel Heinrich. Campinas: Bookseller, 1997, p. 59.
41 Ibid., p. 60.
42 Ibid., p. 63.
Notas sobre a questão da verdade 115
43 Ibid., p. 64-65.
44 Ibid., p. 107.
45 Ibid., p. 66. Conclui que: “[...] se a legislação recusasse sistematicamente admitir
a certeza todas as vezes que uma das hipóteses contrárias pudesse ser imaginada, se veriam
impunes os maiores criminosos, e, por conseguinte, a anarquia fatalmente introduzida na
sociedade.”
116 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
4) Conclusão
Referências Bibliográficas
CARO, Agostino De. Poteri Probatori del Giudice e Diritto alla Prova. Na-
poli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2003.
LOPES JR., Aury; DI GESU, Cristina Carla. Falsas Memórias e Prova Tes-
temunhal no Processo Penal: em busca da redução de danos. Revista de Es-
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NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 6. ed. ver. atua. ampl. São
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TARUFFO, Michele. Idee per una teoria della decisione giusta. In: ____.
Sui Confini. Bologna: Società editrice il Mulino, 2002.
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2003.
I. Introdução
II. Desenvolvimento
9 1130 a.
10 Pp. 58-59 da tradução brasileira da Suma teológica: justiça-religião- virtudes
sociais, vol. 6, II Seção da II Parte – Questões 57-122.
Dimensão Dialógica e Institucional do Justo 127
(grifamos).
Paul Ricoeur aborda a questão da justiça na tradição desse entendimento
calcado na intersubjetividade, na consideração essencial do outro. No prefácio
a O justo, volume 1, Ricoeur assinala que “o lugar filosófico do justo situa-
se, assim, em Soi-même comme un autre, no ponto de intersecção desses
dois eixos ortogonais e dos percursos de leitura que eles demarcam.”11 Com
efeito, a estrutura teórica esboçada em Soi-même comme un autre pressupõe
a compreensão de um eixo horizontal, que corresponde à dimensão dialógica
do si (soi), ou seja da ipseidade perante a mesmidade; e de um eixo vertical,
que estabelece a hierarquização dos predicados identificadores da ação
humana ao nível da moralidade12.
Segundo o itinerário delineado por Ricoeur, o eixo horizontal
representa a predominância da ética sobre a moral, vale dizer, da
intencionalidade da vida boa sobre a norma. No sétimo estudo do Soi-même
comme un autre, denominado “Le soi et la visée éthique”, Ricoeur explica
essa supremacia com o aporte de um terceiro elemento – o justo – para a
caracterização de intencionalidade ética: “chamamos ‘intencionalidade
ética’ à intencionalidade da ‘vida boa’ com e para outro em instituições
justas”13 Nessa afirmação sobressai o reconhecimento do outro e a mediação
de instituições, formando-se o primeiro estágio para uma conceituação
filosófica sobre a Justiça baseada principalmente na superioridade da
dimensão dialógica sobre a monológica. Ricoeur demonstra no Prefácio ao
17 Cf. Paul RICOEUR, O justo, parte 1, pp. 9-20; Marcelíno Agís VILLAVERDE, op.
cit., pp 149-152.
18 Op. cit., p. 150.
Dimensão Dialógica e Institucional do Justo 131
22 Paul RICOEUR, Quem é o sujeito do direito? In: O justo, parte 1, pp. 24-25. Cf.
Olivier ABEL, Paul Ricoeur – a promessa e a regra, pp. 106-110.
134 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
diversas ordens...23
30 Ibid, p. 216.
138 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
sujeito de direito, que não se esgota no mero conceito jurídico de ser titular
de direitos e obrigações, mas pressupõe o emprego da liberdade, conforme
analisa Stephan Kirste, para quem o sujeito de direito assume a titularidade
de atribuições morais e jurídicas e, portanto, torna-se detentor de dignidade
humana. Assim sintetiza Kirste:
III. Conclusão
O detalhamento do roteiro apresentado por Paul Ricoeur remete-nos
à busca de um ponto intermédio em que a justiça localiza-se no cruzamento
de eixos permeados por considerações filosófico-jurídicas. É importante
Referências Bibliográficas
________. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta; Lenita M.R. Esteves.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Face mais proeminente do panorama político, o poder executivo
carrega a fardo existencial da ambivalência: incumbido de agir por meio
da virtude política que propicia a direção, a prosperidade e a segurança da
sociedade, não raro subverte as noções de justo e injusto, violando direitos e
liberdades em nome de um bem maior que julga proteger.
Essa duplicidade no agir não cessa de manifestar-se ao longo da
história. As lições extraídas das experiências políticas mais traumáticas – o
autoritarismo e o totalitarismo – são logo esquecidas, quando, por exemplo,
diante da pobreza endêmica ou da crise econômica, surge o líder carismático,
ou o chefe empreendedor, que clama por mais poder, a fim de levar a cabo
um projeto de transformação da sociedade.
A moderna teoria da separação de poderes procurou aplacar os riscos
2 John Locke, Segundo tratado sobre o governo, 2.ed., São Paulo: Abril Cultural,
1978, cap. XI, § 134, p.86.
146 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
6 John Locke, Segundo Tratado sobre o governo, cap. XIV, § 164, p. 99.
7 Idem cap. XIV, § 159, p. 98.
8 Idem, cap. XIV, § 166, p. 100. Grifo do autor.
9 Idem, XIV, § 159, p. 98.
10 Idem, XVIII, § 204, p. 115.
11 O próprio Locke reconhece as dificuldades para o exercício do direito de insurreição.
Veja-se, neste sentido, idem, cap. XIX, §§ 224, 225 e 226, pp. 122 e 123.
150 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
12 Idem, cap. XII, § 143, p. 91: “... não há necessidade de manter-se tal poder [o
legislativo] permanentemente em exercício, pois que nem sempre teria no que se ocupar”.
Passagem semelhante pode ser encontrada no cap. XIII, § 153, p. 94: “não é necessário,
tampouco conveniente, que o poder legislativo esteja sempre reunido; mas é absolutamente
necessário que o poder executivo seja permanente... (...) O mesmo se aplica ao poder
federativo...”.
13 Idem, cap. XIII, § 156, p. 95: “Reuniões constantes e freqüentes do legislativo, e
longa permanência das assembléias quando não fossem necessárias, só poderiam tornar-se
pesadas para o povo, devendo necessariamente com o tempo produzir transtornos perigosos
e contudo a mudança rápida dos negócios poderia muita vez ser de tal ordem que exigisse
imediato auxílio por parte do legislativo”.
14 Idem, cap. XIII, § 151, p. 93: “em algumas comunidades, em que o legislativo
não está sempre reunido, e o executivo está investido em uma única pessoa que também
toma parte no legislativo, esta pessoa única também pode chamar-se suprema, em sentido mui
tolerável...”.
15 Montesquieu, Do espírito das leis, livro XI, cap. VI, p. 153.
Reflexões sobre a hipertrofia do poder executivo 151
16 Idem, ibidem.
17 Conforme Montesquieu, “Sua pessoa deve ser sagrada porque, sendo necessária
ao Estado a fim de que o corpo legislativo não se torne tirânico, desde o momento em que for
acusada ou julgada, a liberdade desapareceria”. Idem, p. 152.
18 O que, segundo Montesquieu, não impede que os conselheiros do monarca possam
ser julgados: “Mas, como quem executa não pode executar mal sem ter maus conselheiros,
que, como ministros, odeiam as leis, apesar de favorecê-las como homens, estes últimos
podem ser perseguidos e punidos”. Idem, ibidem.
19 Idem, pp. 151 e 152.
20 Idem, p. 153
21 Jean-Claude Colliard, Séparation des pouvoirs, in Olivier Duhamel e Yves Mény
(dirs.), Dictionnaire Constitutionnel, Paris: PUF, 1992, p. 973.
152 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
23 De acordo com Rousseau, “assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto
sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre
todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, ganha, como já disse, o
nome de soberania”. Idem, livro II, cap. IV, p. 48.
24 De forma pragmática, Rousseau propõe a existência de um legislador, espécie de
homem extraordinário, a quem caberia a redação das leis. Não se trata, porém, do autêntico
legislador que faz aprovar as leis: “Aquele, pois, que redige as leis, não tem nem deve ter
qualquer direito legislativo. O próprio povo não poderia, se o desejasse, despojar-se desse
direito incomunicável, porque, segundo o pacto fundamental, só a vontade geral obriga os
particulares e só podemos estar certos de que uma vontade particular é conforme à vontade
geral depois de submetê-la ao sufrágio livre do povo”. Idem, livro II, cap. VII, p. 58.
25 Para Rousseau, a vontade geral é distinta da vontade de todos: “há comumente
muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse
comum; a outra, ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares.
Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os a-mais e os a-menos que nela se
destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral”. Idem, livro II, cap.
III, pp. 46 e 47.
26 Idem, livro III, cap. I, p. 74.
27 Idem, ibidem.
154 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
28 Ensina Rousseau que “... o poder executivo não pode pertencer à generalidade
como legisladora ou soberana, porque esse poder só consiste em atos particulares que não são
absolutamente de alçada da Lei, nem conseqüentemente da do soberano, cujos atos todos só
podem ser leis”. Idem, ibidem.
29 Sobre as formas de governo em Rousseau, vide livro III, caps. II a IX. Como afirma
o autor, “quando, pois, se pergunta, de modo absoluto, qual é o melhor governo, faz-se uma
pergunta tão insolúvel quanto indeterminada ou, em outras palavras, ela tem tantas obas
soluções quantas combinações possíveis há nas posições absolutas e relativas dos povos”.
Idem, livro III, cap. IX.
30 Idem, livro II, cap. X, p. 99
31 Idem, ibidem.
Reflexões sobre a hipertrofia do poder executivo 155
políticas.
Esse reconhecimento guarda, por sua vez, estreita relação com a
apreciação do lugar e da importância do poder executivo, quando confrontado
com os outros poderes estatais. Em que pesem as diligências da moderna teoria
da separação de poderes em prestigiar o legislativo e em alçar o judiciário à
posição de poder capaz de frear os outros poderes, o executivo acaba sempre
por despontar, no seu horizonte, como o centro político por excelência:
gravitam ao seu redor a eficiência governamental e a estabilidade política,
ou / e, inversamente, a ineficiência governamental e a instabilidade política.
Essa duplicidade governamental é explicada por Sergio Fabbrini a partir
da hercúlea tarefa do líder que precisa fazer promessas de mudanças aos
cidadãos e, simultaneamente, garantir, à frente do executivo, a segurança:
ele “deve ter um pé na desordem da descontinuidade e outro na ordem da
continuidade”.35
Sem se afastar do propósito da limitação do poder político, autores
contemporâneos não deixaram de expor os aspectos menos convencionais
do poder executivo, quando considerado da perspectiva da separação e do
equilíbrio entre os poderes. Ao examiná-lo, Jean Blondel põe em relevo
duas das suas características históricas que o distinguem vantajosamente
em face dos poderes legislativo e judiciário. Segundo ele, o governo36 – o
41 Idem, p. 357.
42 Josep M. Vallès, Ciencia Política: una introducción, 4.ed., Barcelona: Ariel, 2004,
p. 187
43 Idem, ibidem.
Reflexões sobre a hipertrofia do poder executivo 159
democráticas pelo caminho da livre participação do respeito aos direitos humanos fundamentais
e da prática da liberdade”. Idem, p. 25.
51 Neste sentido, as novas Constituições da Venezuela, de 1999, do Equador, de 2008,
e da Bolívia, de 2009, representam os casos mais expressivos.
164 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
60 Idem, ibidem.
61 Guillermo O’Donnell, Democracia delegativa?, Novos Estudos Cebrap, nº 31,
1991, p. 25.
62 Idem, p. 31.
63 Idem, ibidem.
64 Idem, ibidem.
65 Idem, ibidem.
Reflexões sobre a hipertrofia do poder executivo 167
69 La democracia delegativa.
70 Idem.
71 Sergio Fabbrini, El ascenso del Príncipe democrático: quién gobierna y cómo se
gobiernan las democracias, p. 234.
72 Idem, ibidem.
Reflexões sobre a hipertrofia do poder executivo 169
Referências bibliográficas
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. 2.ed. São Paulo: Abril Cul-
tural, 1978.
MONTESQUIEU, Do espírito das leis. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979
Sergio Salles1
I. Introdução
7 Cf. RICOEUR, Paul. O Si-Mesmo como um Outro. São Paulo: Papirus, p. 256. O valor da
regra de ouro como parte das éndoxa, reaparece em: RICOEUR, Paul. Entre filosofia e teologia
I: a regra de ouro em questão. In: RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São
Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 174.
8 Para uma síntese da crítica de Paul Ricoeur a Kant em torno do problema da regra de
ouro, confira: THEOBALD, Christoph. La règle d’or chez Paul Ricoeur. Une interpretation théologique.
Recherches de Science Religieuse. 83, 1, 1995, p. 43-59.
9 Cf. RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 293.
10 É por essa razão que Paul Ricoeur frequentemente afirma que o filósofo não deve
A regra de ouro em Paul Ricoeur 175
demonstrar a regra de ouro, mas refletir sobre o que precede ao próprio filosofar e, se possível,
formalizá-lo. Cf. RICOEUR, Paul. Entre filosofia e teologia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 174.
11 O mais extenso trabalho sobre a história da regra de ouro é a obra de Jeffrey Wattles,
The Golden Rule.
12 Essa interpretação contextualizada da regra de ouro é defendida por P. Ricoeur e
por outros autores, especialmente os que vinculam a interpretação da regra de reciprocidade
ao mandamento do amor. Cf. STANGLIN, Keith D. The historical connection between the
golden rule and the greatest love command. Journal of Religious Ethics, 33, 2, 2005, p. 357-
371.
176 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
13 Para uma visão mais ampla do vínculo histórico entre a regra de ouro e o mandamento
do amor na tradição cristã, confira: STANGLIN, Keith D. The historical connection between
the golden rule and the greatest love command. Journal of Religious Ethics, 33, 2, 2005, p.
357-371.
14 Para Paul Ricoeur, Kant subordina a intersubjetividade humana ao princípio da
autonomia, que sustenta de forma monológica a regra de universalização das máximas morais,
desconsiderando a fundamental e concreta relação entre as pessoas.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 177
outro sofre15.
A terceira razão, proposta nos termos kantianos, fundamenta-se no
fato de que a regra de ouro é formal sem ser vazia, ou seja, diz respeito aos
bens que não são postos arbitrariamente pelo exercício da ação de um agente
racional e responsável16. Nesta perspectiva, o próprio exercício da liberdade
fica condicionado à disposição de certos bens fundamentais e frágeis, cuja
obtenção depende do outro. A regra de ouro alude, assim, aos bens que cada
um desejaria ou não que lhe fossem proporcionados17.
Essa terceira razão, aliás, é o que permite Ricoeur sugerir, em
breve nota, que o momento teleológico da regra de ouro, representado pela
consideração racional dos bens, presidi a reconciliação por ele proposta entre
a ética de Aristóteles e a moral de Kant18.
As três razões aduzidas por Ricoeur lançam luz sobre a lógica da
reciprocidade que governa a regra de ouro, ao mesmo tempo que esclarecem
o seu afastamento da moral kantiana do imperativo categórico. Afinal,
nem a primeira nem a segunda formulação do imperativo categórico fazem
inteiramente justiça à riqueza de sentido da regra de ouro.
Embora não seja possível discutir aqui toda a sua argumentação
sobre esse tópico, é importante destacar a base antropológica da crítica
15 Cf. RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 294; Id. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 175.
16 Cf. RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 295.
17 Cf. RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 175.
18 Cf. RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 296, n. 5.
178 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
19 Cf. RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 176
20 Cf. RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 295.
21 Cf. RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 176.
22 RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 294.
23 RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
A regra de ouro em Paul Ricoeur 179
É aqui que emerge a força do não expresso paradigmaticamente na
formulação negativa da regra de ouro para evitar todas as formas de violência.
Se a principal tarefa moral (deontológica) da regra de ouro
é restabelecer a obrigatoriedade da simetria nas situações em que há
inicialmente uma dissimetria e potencialmente uma violência, a sua principal
tarefa ética (teleológica) consiste em antecipar, nas disposições interiores e
nas intenções dos agentes, a promoção de bens recíprocos. Ora, os problemas
decorrentes da dissimetria do poder dos agentes e a busca da simetria entre
os mesmos governa toda lógica da reciprocidade.
Não obstante, é preciso distinguir duas formas distintas de
entendimento e aplicação desta lógica. Para tanto, vale recordar a comparação
estabelecida por Paul Ricoeur entre a regra de ouro e o lex talionis24.
Por um lado, tanto a regra de ouro quanto a lex talionis pressupõem
uma regra de equivalência no plano da obrigação e, portanto, são devedores
da mesma lógica da reciprocidade. Por mais que se possa questionar a lex
talionis como princípio válido universalmente, é preciso reconhecer que se
trata de uma estratégia da lógica humana para impedir a vingança desmedida
ao impor ao agressor uma medida de justiça. Toda lógica da punição está
aqui de certo modo contida na própria origem da lógica da reciprocidade.
Por outro lado, em via oposta à da lex talionis, a regra de ouro
promove uma reciprocidade ativa, enquanto o direito de retaliação fomenta a
reciprocidade reativa ao garantir o direito da vítima à punição e à vingança,
ainda que limitada. Em outros termos, a lex talionis não garante a promoção
antecipada de bens recíprocos e não garante a simetria entre os protagonistas
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 296.
24 Cf. RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 394.
180 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
25 Além disso, a regra de ouro em relação à lex talionis tem a vantagem de permitir
que os agentes morais reconheçam-se como potenciais agressores e potenciais vítimas em
situações diversas.
26 Cf. RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 394.
27 RICOEUR, Paul. O Justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2008, p. 15.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 181
28 Cf. HALL, W.D. D. The poetic imperative: Paul Ricoeur, philosophy anthropology and
theological ethics. 318 f. Tese (Doutorado). The University of Chicago, 2000, p. 258-259.
29 RICOEUR, Paul. O Justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2008, p. 65.
30 RICOEUR, Paul. O Justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2008, p. 87.
31 RICOEUR, Paul. O Justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2008, p. 87.
182 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
34 RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In:
Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995, p. 299; RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em
questão. In: RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola,
1996, p. 178;
35 RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 178;
Cf. RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In: Figuring
the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress Publishers,
1995, p. 300.
36 É evidente a dívida de Paul Ricoeur com a interpretação do apóstolo Paulo da história
da salvação nos termos de uma lógica do excesso e da abundância. Aliás, é o próprio Ricoeur
que sugere essa ligação com o trecho de Rm 5, 17-20. Cf. RICOEUR, Paul. Entre teologia
e filosofia I: a regra de ouro em questão. In: RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da
filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 178, n. 1; RICOEUR, Paul. The Logic of Jesus, the
Logic of God. In: Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis:
Augsburg Fortress Publishers, 1995, p. 282-283.
184 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
outra. Procura, sob outro prisma, estabelecer o sentido novo da regra de ouro
no contexto do mandamento do amor aos inimigos.
Antes, porém, recorda que há dois fortes37 argumentos em favor da
tese segundo a qual a lógica evangélica do amor não só supera, mas também
abole porque contradiz a lógica da regra de ouro e da justiça. O primeiro é
um argumento exegético, enquanto o segundo é um argumento histórico-
doutrinal que deriva a regra de ouro da lex talionis.
O argumento exegético assumiria que, no Sermão da Planície, a
regra de ouro é apresentada em Lc 6, 31, imediatamente antes das radicais
exigências de Lc 6, 32-35. Desta forma, a regra de ouro seria suplantada
pelas novas exigências de Jesus para os seus discípulos, agora movidos por
uma nova lógica da não-reciprocidade que supera por negação a medida
própria da regra de ouro e da justiça.
O segundo argumento vincula o sentido da regra de ouro ao da lex
talionis. Lida sob essa ótica, a regra de ouro limitar-se-ia a sustentar uma
troca de favores, classicamente definida na fórmula latina “quid pro quo”,
ou seja, “eu dou com o fim de que dês”38.
Para Ricoeur, o que esses argumentos subestimam é a ampla margem
de interpretações que a regra de ouro está sujeita. Contra uma interpretação
unívoca da regra, Paul Ricoeur recorda que a recepção da Torah “ensina
que a mesma regra pode ser entendida literalmente ou de acordo com seu
37 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 393.
39 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 395.
40 Id., idbid. Cf. RICOEUR, Paul. Love and Justice. In: Figuring the sacred: religion,
narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress Publishers, 1995.
41 Lc 6, 32-35.
186 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
42 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 395.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 187
43 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 395; RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I:
a regra de ouro em questão. In: RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São
Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 179; RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on
the golden rule. In: Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis:
Augsburg Fortress Publishers, 1995, p. 300.
44 Cf. RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 179;
RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on the golden rule. In: Figuring
the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress Publishers,
1995, p. 300.
45 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 396.
188 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
46 Id., ibid.
47 Lc 6, 29-30.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 189
de justiça social”50.
Paul Ricoeur sugere que se trata de uma tarefa hermenêutica razoável,
difícil e interminável, pois a regra da reciprocidade, graças ao mandamento
do amor, está agora “situada de maneira concreta no centro de um conflito
incessante entre o interesse e o sacrifício de si mesmo”51.
A direção que a regra de ouro assumirá nesta tensão entre o interesse e
o sacrifício de si depende da resolução prática que lhe é dada — o que remete
à dimensão prudencial e sapiencial da ação humana, com a qual Ricoeur
havia terminado sua reflexão filosófica sobre os limites da universalização
formal da regra de ouro.
IV. O paradoxo ético
50 Id., ibidem.
51 Id., ibidem.
52 RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 177.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 191
53 Idem, ibidem.
54 RICOEUR, Paul. The Logic of Jesus, the Logic of God. In: Figuring the sacred:
religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress Publishers, 1995, p.
281.
55 Id., ibidem.
56 Id., ibidem.
192 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
dominante.
A imaginação é reorientada na direção de uma abertura às respostas
extremas, que são exigidas por situações não menos extremas. De acordo com
Paul Ricoeur, da lógica de Jesus não é possível deduzir propriamente uma
“regra”, mas é possível reconhecer um “padrão” de excesso das respostas em
relação àquelas que são normalmente esperadas. Com efeito, cada resposta de
Jesus dá mais do que seria exigido pela prudência, em seu sentido ordinário.
É esse “ato de dar a mais” que constituiria, segundo Ricoeur, o ponto central
da lógica do dom, da lógica de Jesus57. É também esse ato de excesso que
confrontaria a natureza e os limites da lógica da equivalência, que governa
as trocas cotidianas, a economia e a lei penal.
É essa mesma lógica que reorienta poeticamente o sentido da regra
de ouro, graças ao discernimento das possibilidades do seu conteúdo não-
literal, analógico. Esse conteúdo analógico da regra de ouro exige o poder
da imaginação, a abertura a novas possibilidades de significados. De forma
mais específica, a resolução poética da regra de ouro torna-se possível pela
transposição do com o fim de que, pressuposta pela lógica da reciprocidade,
pelo porque da economia do dom.
Esse momento fecundo da ética cristã é sustentado por Ricoeur por
uma única razão: “porque uma desorientação sem uma reorientação conduziria
ao vazio ético”58. É esse vazio ético uma das principais consequências das
filosofias da suspeita no século vinte.
Contra o vazio ético dos filósofos da suspeita, Ricoeur sustenta a
reinterpretação da regra de ouro nos termos do mandamento do amor e vice-
57 RICOEUR, Paul. The Logic of Jesus, the Logic of God. In: Figuring the sacred:
religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress Publishers, 1995, p.
281.
58 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 397.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 193
versa. Isso não significa que a regra de ouro e qualquer outro princípio de
reciprocidade possam coincidir com o mandamento do amor. Para Ricoeur,
o primeiro exige a lógica da reciprocidade, enquanto o segundo a do dom; o
primeiro é bilateral, o segundo é unilateral; o primeiro espera algo em troca,
o segundo não. Enfim, no primeiro há uma clara linha divisória entre amigos
e inimigos, enquanto no segundo tal linha é abolida.
Não obstante a distinção entre as duas lógicas, a justaposição da regra
de ouro e do mandamento do amor na narrativa bíblica exige uma resolução
poética, que se desenvolve ao menos em dois planos. No plano simbólico,
tanto o Sermão da Montanha quanto o Sermão da Planície desenvolve-se o
“primado do dom sobre a obrigação”59. No plano teórico-prático, há uma
articulação da economia do dom com a economia da genuína reciprocidade,
graças à qual o “dom gera a obrigação”60.
V. Considerações finais
59 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 397.
60 RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I: a regra de ouro em questão. In:
RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 178.
61 Lc 6, 38.
194 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
62 RICOEUR, Paul. The golden rule: exegetical and theological perplexities. New
Testament Studies, v. 36, n. 126, 1990, p. 397; RICOEUR, Paul. Entre teologia e filosofia I:
a regra de ouro em questão. In: RICOEUR, Paul. Leituras 3: nas fronteiras da filosofia. São
Paulo: Ed. Loyola, 1996, p. 180; RICOEUR, Paul. Ethical and theological considerations on
the golden rule. In: Figuring the sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis:
Augsburg Fortress Publishers, 1995, p. 302.
A regra de ouro em Paul Ricoeur 195
Referências bibliográficas
GENSLER, Harry (ed.). Paul Ricoeur. The golden rule and religion. In:
Ethics contemporary readings. New York: Routledge, 2004.
HALL, William D. The site of christian ethics: love and justice in the
work of Paul Ricoeur. In: WALL, John; HALL, W. (ed.). Paul Ricoeur and
contemporary moral thought. New York: Routledge, 2002.
RICOEUR, Paul. Love and Justice. In: Figuring the sacred: religion,
196 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
RICOEUR, Paul. The Logic of Jesus, the Logic of God. In: Figuring the
sacred: religion, narrative and imagination. Minneapolis: Augsburg Fortress
Publishers, 1995.
WALL, John. The economy of the gift. Paul Ricoeur’s significance for
theological ethics. Journal of Religious Ethics, 29, 2, 2001, p. 235-260.
WATTLES, Jeffrey. The Golden Rule. New York: Oxford University Press,
1996.
198 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
Cap. 8: Aplicação do direito internacional
humanitário em Guantánamo ou a
institucionalização do desrespeito
à pessoa humana?
Sidney Guerra1
I. Introdução
constituídos.5
detentos de Guantánamo
britânicos que haviam sido presos injustamente por mais de três anos.
Embora a Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos
Prisioneiros de Guerra disponha no seu artigo 17, §3º que “Nenhuma
tortura física ou moral, nem qualquer outra medida coercitiva
poderá ser exercida sobre os prisioneiros de guerra para obter deles
informações de qualquer espécie (...)”, a Corte Distrital determinou
que os detentos de Guantánamo não poderiam se beneficiar das
garantias previstas no Ato de Restauração das Liberdades Religiosas
(Religious Freedom Restoration Act). Ademais, a Corte determinou que
os oficiais não poderiam ser responsabilizados por tal prática, uma vez
que a tortura é uma conseqüência previsível na detenção militar de
suspeitos combatentes inimigos. Não menos absurdo foi o argumento
levantado pela Corte de que ainda que fosse a tortura e a os abusos
religiosos considerados ilegais pelas leis norte-americanas, os oficiais
ainda não poderiam ser imputados pela prática desses atos uma vez
que as leis americanas não têm aplicabilidade em Guantánamo.
O governo Bush considerou legítima a obtenção da confissão
mediante coerção física e psicológica. As próprias Comissões Militares
autorizaram o emprego da tortura para esta finalidade. Contudo, no
dia 13 de Fevereiro de 2008, o Senado Norte-Americano votou projeto
de lei, proibindo as agências de inteligência dos EUA, incluindo a
CIA (Central Intelligence Agency) de utilizarem procedimentos para
obtenção de confissão que não estivessem previstos no manual de
procedimentos dos militares norte-americanos, o Army Field Manual.
Contudo, como era de se esperar, houve forte oposição do Governo
Bush a este projeto de lei, especialmente no que tange a uma técnica
de tortura que consiste na asfixia da vítima mediante sacos plásticos
– waterboarding. O veto, que ocorreu no dia 9 de março de 2008,
216 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
Reports indicate that the treatment of detainees since their arrests, and
the conditions of their confinement, have had profound effects on the
mental health of many of them. The treatment and conditions include
the capture and transfer of detainees to an undisclosed overseas
location, sensory deprivation and other abusive treatment during
transfer; detention in cages without proper sanitation and exposure
to extreme temperatures; minimal exercise and hygiene; systematic
use of coercive interrogation techniques; long periods of solitary
confinement; cultural and religious harassment; denial of or severely
delayed communication with family; and the uncertainty generated
by the indeterminate nature of confinement and denial of access to
Direito Internacional Humanitário 217
V. Considerações finais
EUA.
Pôr fim, dentro deste lapso temporal de um ano, ao estado de
incomunicabilidade a que estão submetidos os detentos, extinguindo
o confinamento solitário e outras condições cruéis e desumanas
imediatamente.
Obama mostrou que é possível a convergência entre temas
que, à primeira vista, parecem irreconciliáveis: Segurança Nacional
e Liberdade. A desativação da prisão de segurança máxima de
Guantánamo representa mais que uma simples observância e
adequação aos preceitos legais internacionais. Representou, sem o
menor exagero, uma vitória da humanidade.
Referências Bibliográficas
2008.
Waleska Rosa1
3 A inter-relação entre esses diversos fatores pode ser verificada por meio de duas das
mais significativas e importantes obras a respeito da formação do Brasil. Remete-se o leitor a
PRADO JÚNIOR, 2000; HOLANDA, 1981. Ambas são obras fundamentais e clássicas para
a compreensão do processo de formação do país.
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 229
6 Sobre essa ação centralizadora no que se refere aos municípios, ver FAORO,
232 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
2000a, v. 1, p. 165-167.
7 Por informalidade nas ocupações urbanas, entendem-se aquelas ocupações que “se
originaram e se consolidaram por processos ‘espontâneos’, à margem das normas urbanísticas
e de edificações estabelecidas pelos códigos e leis” (SOUZA, 2003a, p. 415).
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 233
11 Ver também CAVALCANTE, 2006. Ambos os autores apontam que todos aqueles
que possuíssem terras de modo irregular deveriam ir às paróquias declarar a posse, a fim
de que ela fosse registrada. Isso seria o embrião do registro público no país. Entretanto,
houve grandes dificuldades, pois não havia medições nem demarcações confiáveis das terras.
Cavalcante aponta que a Lei de 1850 foi um grande fiasco, pois não conseguiu regularizar a
situação das terras no Brasil.
12 Embora houvesse um interesse específico em relação à fixação das pessoas à terra,
não se pode deixar de registrar que duas personalidades relevantes na história do Brasil eram
favoráveis a um acesso mais democrático à terra: José Bonifácio de Andrada e Silva e Padre
Diogo Feijó. Ambos atuaram de modo veemente e importante no reconhecimento das posses
que se consolidaram de modo irregular. Apesar disso, as propostas elaboradas por ambos, em
épocas diferentes, não foram levadas a efeito, embora tenham repercutido decisivamente na
elaboração da Lei de 1850. Ver CAVALCANTE, 2006. Ver também PEREIRA, 2003.
13 Sobre isso, ver SOUZA, 2003a, p. 412. Ver também DOURADO, 2003, p. 472.
236 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
urbano.
Verificar-se-á também como ocorreu a ocupação informal
das cidades no processo de urbanização e as conseqüências geradas
pela informalidade.
17 Ver PRADO JÚNIOR, 2000, p. 25-77. Sobre isso, ver também, HOLANDA, 1981,
especialmente o capítulo IV.
18 Ver, também, REIS FILHO, 1968, p. 185.
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 239
20 Obviamente que tal situação causa grandes impactos sobre a população local e
sobre a rotina da cidade, gerando crises. A primeira delas ocorreu no setor da habitação, pois
a chegada de pessoas de Portugal criou grande demanda por moradia, passando a se praticar
o confisco de residências para atender os cortesãos. Com isso, os habitantes locais pararam de
construir novas casas, o que provocou maior adensamento populacional e aumento no preço
dos aluguéis. Por outro lado, os recém-chegados passaram a procurar locais mais aprazíveis
para construir suas moradias, já que o núcleo da cidade naquele momento não era dotado de
serviços básicos, o que, já naquela época, ocasionava enchentes no verão devido à obstrução
das valas de drenagem por detritos jogados pela população (MARTINS; ABREU, 2004, p.
222-223).
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 241
21 Segundo o autor, tais dados devem ser vistos com cautela, pois somente a partir de
1940 as contagens de população passaram a separar a população urbana da população rural.
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 243
22 Sobre isso, ver FURTADO, 2000, especialmente o capítulo XXIV e CANO, 1977,
especialmente o capítulo I.
23 A noção de complexo aqui utilizada é a que foi proposta por Wilson Cano (1977,
p. 17): conjunto de atividades que interferem no surgimento de um conjunto econômico
integrado.
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 245
27 Sobre o papel desempenhado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) nos países
de Terceiro Mundo, ver DAVIS, 2006, p. 203. O autor denomina o período de atuação do FMI
como “o ‘Big Bang’ da pobreza urbana”.
28 Paralelamente a isso, pode-se verificar um movimento de retração na migração do
Nordeste para São Paulo e um movimento de retorno de muitos migrantes nordestinos para
suas origens. Sobre isso, ver CONSTANTINO, 2006.
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 253
29 Sobre isso, ver especialmente SOUZA, 2004a, p. 57-74. No artigo, o autor analisa
a situação da reversão da polarização apontada no presente trabalho. Importante salientar que
merece destaque no texto a afirmação de que a pobreza no Brasil é sobretudo metropolitana,
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 255
36 Há que se considerar que nem todos adotam o conceito de favela utilizado pelo
IBGE, segundo o qual só é favela o aglomerado que tenha pelo menos cinqüenta e uma casas.
Isso conduz a informações díspares no que diz respeito ao número de favelas nos municípios
brasileiros. Para se ter idéia dessa disparidade, segundo os dados do IBGE, a cidade do Rio
de Janeiro possuía, no ano 2000, 513 favelas. Para o Instituto Pereira Passos, havia 804, já
que se considerou como favela qualquer área de invasão em que ocorra assentamento urbano
(GOMES, 2002, p. 57).
264 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
38 Tal situação pôde ser verificada na elaboração desse trabalho. Enquanto são fartas
as obras sobre a questão urbana que possuem abordagens econômicas e sociológicas, no
campo jurídico há poucas obras.
268 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
Conclusão
39 Sobre a favela como alternativa de moradia para a população de baixa renda, ver
LORENZETTI, 2001, p. 10-11.
Ocupações Urbanas Informais no Brasil 269
Referências Bibliográficas
MAIA, César. Menos Barra, mais São Cristóvão. Veja Rio, São Paulo,
1949. ed., a. 15, n. 12, p. 38-39, 29 mar. 2006a, p. 38-39. Entrevista
concedida a Fábio Brisolla e Cristina Grillo.
PREFEITURA paga até R$ 5.000 para tirar sem-teto de SP. Folha de São
Paulo, São Paulo, 23 abr. 2006, Cotidiano, p. C6.
276 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
A
ação
ação civil pública 60, 61, 62, 64, 69, 70, 71, 75, 88, 90, 91, 92, 95, 96, 97,
98, 99, 100
ação coletiva 65, 66, 67, 71, 93
ação privada 66
advogado 54, 55, 79, 96, 210, 219
afabilidade 52
alteridade 124, 126, 133, 140, 180
amor
mandamento do amor 171, 172, 175, 176, 183, 184, 186, 188, 189, 190,
192, 193, 194
Aristóteles 46, 53, 54, 125, 126, 130, 131, 177, 180
autonomia
princípio da autonomia 176, 178
autoritarismo 143
B
Brasil 7, 67, 79, 83, 97, 105, 108, 163, 166, 227, 228, 229, 230, 231, 232,
234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 247, 248, 249, 250, 251,
254, 255, 256, 264, 267, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 277
C
castigo 52
cidade 131, 152, 229, 230, 231, 234, 239, 240, 242, 246, 247, 248, 253, 255,
258, 260, 261, 263, 265, 267, 270, 275
ciência 10, 11, 14, 15, 51, 59, 104, 110, 111, 118
Constituição 69, 70, 76, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 89, 91, 97, 101, 105, 118,
144, 267, 269
Convenção de Genebra 201, 205, 206, 209, 210, 211, 215, 218, 220
280 Ensaios sobre Justiça, Processo e Direitos Humanos II
D
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 144
defensoria pública 6, 59, 60, 61, 63, 67, 69, 70, 73, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84,
85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100
democracia 63, 136, 141, 162, 164, 166, 167, 168, 170, 235, 264, 266
Deus 52, 194
dever
dever ser 22, 29, 30
direito 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25,
26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 39, 40, 41, 46, 47, 51, 55,
56, 61, 64, 66, 70, 72, 77, 78, 82, 83, 86, 87, 88, 95, 96, 97, 104, 105,
106, 107, 108, 109, 118, 121, 123, 124, 125, 133, 134, 136, 138, 139,
140, 141, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 153, 160, 179, 199, 200,
201, 203, 204, 205, 207, 210, 211, 212, 213, 220, 223, 225, 227, 233,
269, 270, 274
direito internacional 6, 199, 201, 203, 204, 205, 211, 220, 223, 225
direito natural 13, 14, 16, 19, 40, 41, 46, 47, 56, 149
direito processual 6, 87, 105, 106, 107, 121
E
economia
economia do dom 172, 183, 186, 187, 188, 190, 192, 193
equidade 32, 52, 54, 129, 131, 180, 181, 188, 189
epiquéia 45, 52, 54
Estatuto da Criança e do Adolescente 71
ética 33, 39, 105, 110, 111, 127, 130, 131, 132, 171, 172, 173, 177, 179, 186,
187, 188, 190, 191, 192
EUA 199, 206, 211, 213, 215, 222
F
filosofia 10, 20, 23, 106, 124, 128, 129, 136, 139, 141, 172, 173, 174, 175,
177, 178, 180, 182, 183, 184, 187, 189, 190, 193, 194, 195
filosofia moral 129, 136, 174, 180, 190
G
Índice 281
legislador 11, 28, 29, 30, 31, 34, 54, 115, 117, 153, 154
legislativo 29, 61, 145, 146, 150, 151, 153, 155, 156, 160, 163, 167
lei
lei positiva 13, 46, 47, 145
leis norte-americanas 206, 215
lex talionis 179, 180, 184
supremacia da lei 145
Lei Maria da Penha 72
liberalidade 52
Locke 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 155, 160, 170
lógica
lógica da punição 179
lógica da reciprocidade 172, 173, 175, 177, 179, 180, 183, 186, 190, 192,
193, 194
lógica do dom 172, 173, 185, 186, 190, 192, 193, 194
lógica evangélica 183, 184
Lon Fuller 6, 9, 10, 12, 13, 19, 21, 23, 26, 33, 37, 41, 42
M
mercado
mercado imobiliário 236, 258, 260
metafísica 12, 14, 114, 136
Military Commissions Act 207, 211, 213, 222
Ministério Público 61, 62, 64, 65, 66, 68, 69, 76, 83, 99, 110, 112, 120, 167
Montesquieu 145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 155, 160
moradia
moradia urbana 7, 227, 269
moral 9, 13, 16, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 29, 31, 39, 42, 124, 129
moralidade
moralidade administrativa 68
moral procedimental 23
N
Nações Unidas 204, 216, 255
natureza
Índice 283
V
valor
valor humanitário 118
verdade 6, 12, 47, 78, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111,
112, 113, 114, 116, 117, 118, 127, 129, 132, 135, 142, 176, 181, 186,
193
vida
vida política 157
vila 229, 230, 234
violência 16, 17, 19, 38, 72, 131, 134, 178, 179, 203, 214
virtude 28, 45, 46, 48, 51, 53, 54, 56, 62, 103, 106, 126, 128, 129, 135, 143,
202
prudência 129, 132, 181, 192
virtude política 143
vocação 168, 245, 253