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M.

Teixeira de Sousa

Personalidade judiciária: breve plaidoyer a favor da autonomia do processo civil


Anotação ao acórdão do STA de 1/10/2015 (Proc. 0556/15)

I - A personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na susceptibilidade


de ser parte traduzindo-se na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio
nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.
II - Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma acção
administrativa comum com vista a efectivar responsabilidade civil extracontratual.
III - Numa acção instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade
judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objecto de suprimento nos
termos do disposto no art.º 590.º, n.º 1, al. a) do CPC, determinando a absolvição da instância,
nos termos do preceituado no artigo 278.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………., devidamente identificado nos autos, inconformado com a decisão proferida, em 15
de Janeiro de 2015, no TCAS, no âmbito da acção administrativa comum intentada para
efectivação de responsabilidade civil extra contratual contra o Ministério da Defesa
Nacional/Exército Português, que negou provimento ao recurso e, confirmou o despacho/saneador
proferido no TAF de Leiria, que julgou verificada a excepção dilatória de falta de personalidade
judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, com a consequente absolvição da instância,
interpôs o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo.
Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
I. «O acórdão recorrido julgou, injustamente e sem fundamento válido, improcedente, o
recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, por falta de personalidade judiciária insusceptível
de sanação do Réu Ministério da Defesa Nacional – Exército Português, absolvendo este dos
pedidos contra ele formulados.
II. Tal acórdão assenta em dois pressupostos fundamentais, que são os de não atribuir
personalidade judiciária ao Ministério da Defesa Nacional, não admitindo igualmente a respectiva
sanação, e de entender que o n.º 2 do artigo 10.º do CPTA se não aplica no âmbito das acções
administrativas comuns.
M. Teixeira de Sousa

III. O artigo 10.º, n.º 2, foi, assim, erroneamente, interpretado visto não ter sido
considerado o n.º 1 do mesmo artigo, que amplia a legitimidade passiva a entidades com
interesses contrapostos ao do autor, como acontece com o Ministério da Defesa Nacional no caso
sub judice.
IV. Pelo que não pode nem deve ser levada a efeito qualquer interpretação restritiva da
norma constante do art. 10.º, n.º 2, do CPTA.
V. Tem de entender-se a presente ação como intentada contra o Estado Português.
VI. Pois, o Ministério da Defesa Nacional é o órgão a quem incumbe a prática do ato que
está aqui em causa na presente ação.
VII. Ao não decidir assim, a decisão recorrida violou o que se dispõe nos n.os 2 e 4 do art.
10.º, n.º 2, do art. 11.º, ambos do CPTA, n.º 1 do art. 20.º do CPC.
VIII. Na situação em apreço, o Ministério da Defesa Nacional, e em concreto o Exército
Português, ao decidir praticar, ou não, os atos, objecto do pedido, actua no exercício do ius
autorictatis que impõe àquele um dever especial de protecção dos cidadãos que prestam o serviço
militar.
IX. Assim, os factos fundamento do pedido levam o próprio Ministério do Exército
Nacional à necessidade imperiosa da prática de um ato administrativo.
X. E, conjugando a aplicação do art. 10.º, n.º 2, e o art. 11.º, n.º 2, conclui-se que a
legitimidade passiva na ação comum cabe, em princípio, aos ministérios.
XI. Exceptuando-se as acções de contratos e acções de responsabilidade pura, em que
a legitimidade passiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público.
XII. Ora, no caso em apreço, a responsabilidade pelo pagamento das quantias
peticionadas está intimamente relacionada com a prática de um ato administrativo (no caso com a
omissão do mesmo) por parte da entidade administrativa demandada originariamente.
XIII. Pelo que o Ministério da Defesa Nacional tem legitimidade passiva para ser
demandado na presente ação.
XIV. Por outro lado, como é jurisprudência assente, a personalidade judiciária pode existir
sem que a entidade que a detém goze de personalidade jurídica (cfr. Acórdão do STJ, 3 de
Outubro de 1991, BMJ n.º 410/684).
XV. Acresce que, ao não permitir a sanação da falta de personalidade judiciária do
Estado, a sentença recorrida violou o disposto no n.º 2 do art. 265.º do CPC, com prejuízo dos
interesses do aqui Recorrente e, pondo em causa os direitos deste, o qual os pode ver prescritos a
manter-se tal errónea decisão.
XVI. E tal como é sabido, demandado numa ação sobre responsabilidade, o Ministério em
vez do Estado, não deve, tendo em conta o princípio da prevalência das decisões de fundo sobre
as decisões de forma, ser proferida decisão de absolvição da instância, antes devendo ser
convidado o autor a corrigir a petição inicial, por força do princípio da economia processual –
artigos 7.º, 11.º, n.º 2, do CPTA.
M. Teixeira de Sousa

XVII. Seria excessivamente formalista e contrário ao princípio “pro actione”, consagrado no


art. 7.º CPTA de acordo com o qual o Tribunal deve interpretar as normas processuais num
sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas,
proferir uma decisão de absolvição da instância quando a falha da petição inicial se traduz,
eventual e unicamente, na errada identificação do sujeito processual.
XVIII. E, no caso em apreço, deve concluir-se que a única e eventual irregularidade que a
petição inicial pode apresentar consiste numa errada identificação do réu».
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e se julgue “que o réu na presente ação
é o Ministério da Defesa, com ele prosseguindo os demais termos do processo, ou se assim não
se entender, que o réu na presente ação é o Estado, sanando-se a irregularidade e procedendo-se
à ratificação do processado”.
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o n.º 5 do
artigo 150.º do CPTA], proferido a 22.05.2015, nos termos seguintes: (…)
3.2. O acórdão recorrido conformando a sentença proferida na primeira instância – embora
com fundamentação em parte diferente – entendeu que nas acções administrativas comuns para
efectivação da responsabilidade civil - extracontratual o Ministério da Defesa Nacional – Exército
Português não tinha personalidade judiciária.
Mais entendeu que a falta de personalidade judiciária não é suprível e ainda que não
deveria convidar-se o autor a corrigir a petição inicial.
3.3. A nosso ver deve admitir-se a revista, desde logo por se tratar de uma questão geral de
processo administrativo – falta de pressupostos processuais e sua sanação.
A questão tem alguma complexidade jurídica desde logo porque, com a entrada em vigor do
CPTA, os Ministérios “a cujo órgão seja imputável o acto impugnado” têm personalidade judiciária,
e portanto estas entidades terem personalidade judiciária nuns casos e noutros não.
Complexidade que advém ainda de saber se deve ou não distinguir-se entre as situações de
verdadeira falta de personalidade daquelas em que essa falta é aparente “como sucede nos casos
de errada identificação dos sujeitos processuais” (a que aludiu o acórdão do TCA Sul, citado no
acórdão recorrido de 22-4-2010, no processo 05901/10), casos em que se admitiria o convite do
autor a corrigir a petição inicial. Aliás, quanto a esta questão o acórdão recorrido deu conta da
divergência de posições jurisprudenciais».
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. Fundamentação
[2.1. Generalidades]
Com interesse para a decisão a proferir, importa ter em consideração o seguinte:
M. Teixeira de Sousa

1. O A. A………. intentou contra o Ministério da Defesa Nacional/Exército Português, a


presente acção administrativa comum, com vista à efectivação de responsabilidade civil
extracontratual, peticionando o pagamento do R. na quantia de € 245.402,19 respeitante aos
danos sofridos, que classifica de danos corporais, patrimoniais e não patrimoniais.
2. Em sede de despacho saneador, proferido no TAF de Leiria, foram julgadas procedentes
as excepções de falta de personalidade judiciária e de legitimidade passiva do R. Ministério da
Defesa/Exército Português, absolvendo-o da instância.
3. Interposto recurso deste despacho, o TACS, por acórdão proferido em 15/01/2015, negou
provimento ao recurso e manteve a decisão de absolvição do R. da instância, por verificação da
excepção dilatória de falta de personalidade judiciária insusceptível de sanação.
*
2.2. O Direito
O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida, invocando erro de julgamento, nos seus
dois segmentos decisórios, ou seja, na parte referente à verificação da excepção dilatória por falta
de personalidade judiciária do R. Ministério da Defesa/Exército Português, e na parte que julgou
impossível a sanação da referida excepção.
E argumenta, no sentido da sua tese que, o n.º 2 do art. 10.º do CPTA foi erroneamente
interpretado, uma vez que não foi considerado o disposto no seu n.º 1, dado que o réu Ministério
da Defesa tem interesses contrapostos aos do autor, sob pena de, se assim se não entender, se
estar a violar o disposto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Mais invoca que se tem de entender que a presente acção foi intentada contra o Estado
Português, porque o Ministério da Defesa Nacional é o órgão sobre quem recai o dever de praticar
o acto de atribuição de uma pensão de reforma extraordinária ou de uma pensão de invalidez ou
de reparar os efeitos das doenças contraídas ou agravadas em função da prestação de serviço
militar efectivo, devendo, por força do disposto no art. 265.º, n.º 2, e 8.º do Código Civil, e do
princípio da prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma, permitir-se a sanação
da falta de personalidade judiciária do réu, com o consequente convite a corrigir a petição inicial
[arts. 7.º, 11.º, n.º 2, e 88.º, n.º 2, do CPTA].
Vejamos, sendo que a questão a decidir se resume em determinar se a decisão recorrida ao
julgar procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária do R. e ao julgar inviável
a sua sanação enferma de erro de julgamento, bem como as consequências daí advenientes.
E, antes de mais, esclarece-se que, atento o disposto nos arts. 11.º e segs, 278.º, n.º 1, als.
c) e d), 595.º do CPC [versão actual] e 1.º e 42.º do CPTA, o que verdadeiramente importa tratar é
da excepção dilatória da falta de personalidade judiciária por parte do R, não devendo confundir-
se tal excepção com uma outra que respeita à falta de legitimidade passiva [art. 10.º do CPTA].
Resulta do art. 11.º do CPC, sob a epígrafe “Conceito e medida da personalidade judiciária”
[aplicável ex vi art. 1.º do CPTA] que “a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de
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ser parte” (n.º 1) sendo que, quem “tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade
judiciária” (n.º 2).
Temos, assim, que a personalidade jurídica se traduz na aptidão para ser titular autónomo
de relações jurídicas e que as pessoas colectivas são organizações constituídas por uma
colectividade de pessoas, que propendem a realização de interesses comuns ou colectivos, às
quais a ordem jurídica atribui personalidade jurídica.
Consiste, pois, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome,
qualquer das medidas de tutela jurisdicional reconhecida na lei, sendo que o critério geral fixado
no n.º 2 do art. 11.º do CPC para saber quem tem personalidade judiciária, corresponde a um
critério de correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica
(capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária, valendo esta equiparação, quer para
pessoas singulares, quer colectivas [de direito público ou privado] – cfr. Antunes Varela, in Manual
de Processo Civil, pág. 108.
Por outro lado, se é certo que quem tiver personalidade jurídica tem igualmente
personalidade judiciária, o inverso já não corresponde a uma proposição verdadeira, dada a
extensão da personalidade judiciária a entidades que não gozam de personalidade jurídica, como
previsto no art. 6.º do CPC.
Já a capacidade judiciária, definida no art. 15.º do CPC consiste na susceptibilidade de
estar, por si, em juízo e tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos.
Resumindo: quer a personalidade, quer a capacidade judiciárias, à semelhança da
personalidade e capacidades jurídicas, são “qualidades pessoais das partes”, ou nas palavras de
Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra
Editora, 1985, pág. 131 “ requisitos abstracta ou genericamente exigidos para que a pessoa ou a
organização possa estar em juízo ou possa actuar autonomamente em relação à generalidade das
acções ou a certa categoria de acções”.
Refere Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, 2.ª edição, vol. I, pág. 221,
que «apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão
em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios
pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as
direcções-gerais não têm personalidade jurídica”.
E acrescenta: «o Estado-administração é uma pessoa colectiva pública autónoma, não
confundível com os governantes que o dirigem, e nem com os funcionários que o servem, nem
com as outras entidades autónomas administrativas, também dotadas de distinta personalidade
jurídica, tais como as regiões autónomas, as autarquias, as associações, institutos, empresas
públicas, com personalidade jurídica, património, direitos, obrigações, atribuições, competências,
finanças, pessoal próprios e que são terceiros em relação ao Estado (…)».
M. Teixeira de Sousa

Os ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de


organização dos órgãos e serviços do seu órgão central Governo, dirigidos pelos respectivos
ministros, sem qualquer tipo de personalidade jurídica ou judiciária».
Continuam, pois, por não se integrarem nos arts. 66.º e segs. e 157.º e segs. do CC, a ser
Estado e a estarem integrados na esfera e personalidade jurídica do Estado, inexistindo norma
que lhes atribua personalidade jurídica ou judiciária, pelo que é inequívoca a conclusão que os
ministérios são destituídos de personalidade e capacidade judiciárias passivas para a presente
acção administrativa comum; e faltando personalidade judiciária, simplesmente não há parte e
consequentemente estamos perante uma instância que, por irregular, não está perfeita.
Mas será que, a lei do processo administrativo [CPTA] contém normas ou princípios que nos
conduzam a solução diferente, como pretendido pelo R?
Dispõe o art. 10.º do CPTA, sob a epígrafe “Legitimidade passiva”:
«1. Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e,
quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do
autor.
2. Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte
demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos
órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar
os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3. Os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidade administrativa
independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra
pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença. (...)».
Ora, o n.º 1 limita-se unicamente a prescrever que o interesse directo em contradizer
pertence à outra parte na relação material controvertida, constituindo, deste modo, ónus do
demandante proceder à sua identificação [cfr. arts. 78.º, n.º 1, do CPTA e 522.º, n.º 1, al. a), do
CC], pelo que falecem os argumentos aduzidos pelo recorrente quanto à aplicação deste n.º 1.
Quanto ao regime previsto no n.º 2, este reporta-se à disciplina ou definição tão-só da
legitimidade processual passiva nas acções administrativas que tenham por objecto a acção ou
omissão de uma entidade pública estabelecendo que quem é a parte demandada “… é a pessoa
colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato
jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar
os comportamentos pretendidos …”.
Porém, o regime aqui previsto, apenas vale para as acções administrativas especiais
[impugnação de acto, condenação à prática de acto legalmente devido e de impugnação de
normas - arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. do CPTA], bem como, para as acções de
reconhecimento de direito ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos [v. g.,
as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e), do CPTA], mas já não para as acções
administrativas comuns que tenham por objecto, nomeadamente, litígios para a efectivação de
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responsabilidade civil extracontratual do Estado como é o do caso vertente, sendo que o mesmo,
pelos seus termos, repita-se, não tem o alcance de conferir personalidade judiciária a quem não a
possui no quadro duma acção como a “sub judice” [cfr., neste sentido o Ac. STA de 03.03.2010,
proc. n.º 0278/09 e no domínio do anterior contencioso, entre outros, os Acs. STA de 29.01.2003,
proc. n.º 01677/02, de 03.04.2003, proc. n.º 050/03, de 06.05.2003, proc. n.º 01951/02, de
18.12.2003, proc. n.º 01763/03].
No mesmo sentido, se pronuncia a doutrina que se tem debruçado sobre esta questão,
designadamente, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Comentário ao
Código de Processo nos Tribunais Administrativos” – 2.ª ed. págs. 82/3, Almedina), para os quais
a norma em apreço “...parece dever ser, porém, objecto de uma interpretação restritiva mediante a
qual será de entender que ela não abrange todo o tipo de processos intentados contra entidades
públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam ao recurso contencioso de
anulação e à impugnação de normas (agora enunciadas nos artigos 50.º e segs. e 72.º), e a que
há a acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação na prática de acto devido e à
declaração de ilegalidade por omissão de normas (artigos 66.º e 77.º), bem como as acções de
reconhecimento de direito e às acções de condenação à adopção ou abstenção de
comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não
emissão de um acto administrativo (artigo 37.º, n.º 2, alíneas a), b), c) d) e e)). Trata-se, portanto
dos processos que seguem a forma de acção administrativa especial e uma parcela dos
processos que seguem a forma da acção administrativa comum.
E acrescentam: «nesse sentido aponta, desde logo, a letra da lei, que se reporta a
processos que tenham por objecto “a acção ou omissão de uma entidade pública, determinando
que a identificação do ministério que deverá ser demandado (no caso do Estado) deverá ser
efectuada por referência aos órgãos a que “seja imputável o acto jurídico impugnado” ou sobre os
quais “recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” -
isto, em contraponto com a cláusula geral do n.º 1 do art. 10.º que confere legitimidade passiva, à
outra parte na relação material controvertida, sugerindo que pretende referir-se, por regra, a
pessoas jurídicas e não a entidades (como seria o caso dos ministérios) que beneficiem de uma
mera extensão da personalidade judiciária, o que assume sempre um carácter excepcional (cfr.
art. 5.º do CPC). No mesmo sentido concorre também o disposto no art. 11.º, n.º 2, que, de
harmonia como artigo 20.º do CPC, no âmbito do patrocínio judiciário, ressalva a possibilidade de
representação do Estado (e não dos Ministérios) pelo Ministério Público, nos processos que
tenham por objecto relações contratuais ou de responsabilidade”.
No mesmo sentido se pronunciam, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira,
em nota ao art. 10.º, n.º 2 (CPTA anotado, a págs. 167), depois de registarem que a
importantíssima inovação em matéria de legitimidade passiva respeita aos “processos que tenham
por objecto o exercício (ou a recusa de exercício) de poderes de autoridade para a emissão de
normas ou actos administrativos da autoria de determinado órgão de um ente público, ou seja, nos
M. Teixeira de Sousa

processos da acção administrativa especial – não se aplicando, porém, às acções administrativas


comuns” dado que nestas acções “no caso de o demandado ser o Estado…a legitimidade já não
pertence ao ministério mas à própria pessoa Estado (representada, então, pelo Ministério
Público)”, uma vez que os ministérios na organização do Estado, constituem apenas
departamentos de organização dos órgãos e serviços do órgão central que é o Governo, dirigidos
pelos respectivos ministros, destituídos, assim, de qualquer personalidade jurídica ou judiciária.
É, pois, inequívoco, que a previsão do n.º 2 do art. 10.º do CPTA, se reporta unicamente a
situações processuais com características inteiramente diversas das acções administrativas
comuns que têm por objecto a efectivação de responsabilidade civil do Estado [seja contratual ou
extracontratual], já que ali, em atenção aos litígios específicos objecto de discussão em acção
administrativa, entendeu o legislador prescrever, em relação aos mesmos, normas próprias e
exclusivas reguladoras de legitimidade passiva e, consequentemente, também de personalidade
judiciária ou susceptibilidade de ser parte.
Em conclusão, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que (i) quando estejam em causa
acções de responsabilidade civil extracontratual, a parte demandada é o Estado, representado ou
não pelo Ministério Público e, (ii) que a instauração de uma acção administrativa comum que
tenha por objecto uma relação de responsabilidade, no âmbito da pessoa colectiva Estado, contra
um seu ministério ou órgão, determina a absolvição da instância da entidade demandada com
fundamento na falta do pressuposto processual da personalidade judiciária, excepção dilatória,
tudo alicerçado no entendimento segundo o qual o art. 11.º, n.º 2, do CPTA, não tem a virtualidade
de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no quadro das referidas acções
administrativas comuns – cfr. por todos, o Ac. deste STA proferido em 03/03/2010, in proc. n.º
0278/09.
Porém, argumenta o recorrente que a presente acção tem de se entender como intentada
contra o Estado Português, porque, entre o mais, o Ministério da Defesa Nacional é o órgão sobre
o qual recai o dever de praticar um acto administrativo, como seja, o acto de atribuição de uma
pensão de reforma extraordinária ou de uma pensão de invalidez ou de reparar os efeitos das
doenças contraídas ou agravadas em função da prestação do serviço militar efectivo, de acordo
com o Regulamento e Lei do Serviço Militar.
Ora, no que respeita ao pedido, e nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, in “Introdução
ao Processo Civil”, pág. 23, o mesmo “ consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida
para determinada situação subjectiva”.
Mas ao autor não basta formular o pedido, tendo ainda de especificar a causa de pedir, o
mesmo é dizer, a fonte desse direito, o facto ou acto de que, no seu entender, o direito procede.
E da leitura da petição inicial apresentada é possível antever que o autor/ora recorrente
assentou todo o seu pedido no pagamento de indemnização a título de danos morais e
patrimoniais, ainda que fundadas em factos ilícitos diferentes, [sem que nunca tenha peticionado o
pagamento de qualquer quantia a título de pensão extraordinária ou de invalidez, ou qualquer
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outra causa], que imputa directamente ao Ministério da Defesa Nacional, mas sem que tenha
pedido a condenação do Réu na prática de qualquer acto administrativo.
Na verdade, toda a causa de pedir e pedido se agrupam numa mera acção de
responsabilidade, alegadamente por danos sofridos em virtude de saltos de pára-quedas por si
realizados no mês de Abril de 2006, pelo que, neste momento, é vã a tentativa do recorrente em
tentar justificar que se limitou a errar na identificação do sujeito processual.
A questão seguinte consiste em saber se esta excepção de falta de personalidade judiciária
por parte do R. Ministério da Administração Interna, pode ser suprida ou se é insanável.
A decisão recorrida entendeu, em conformidade com a jurisprudência maioritária que
estamos perante uma excepção que não admite correcção.
Diversamente, o recorrente apoiando-se nos princípios da economia processual, da
prevalência das decisões de fundo sobre as decisões de forma, entende que a mesma pode
regularizada/sanada.
Esta questão, igualmente, não é nova na jurisprudência, sendo maioritária, para não dizer
quase unânime, a posição que se inclina para a impossibilidade de sanação, até porque como
supra já se referiu, a personalidade judiciária constitui o pressuposto dos restantes pressupostos
processuais relativos às partes, pois faltando personalidade judiciária estamos perante uma
instância irregular, que não pode, neste tipo de acções ser regularizada.
Na verdade, sobre esta questão, igualmente a posição do STA tem sido de que tal sanação
desta excepção dilatória, à luz das normas do processo civil não é possível, com excepção das
situações tipificadas no art. 8.º do Código Civil [sucursais, agências, filiais, delegações ou
representações], o que não é o caso dos autos, sendo que o Ac. deste STA proferido em
03/03/2010, in proc. n.º 0278/09, expressamente consignou: «Ora, atento o que se deixou já
exposto sobre a importância do pressuposto processual da personalidade judiciária [pressuposto
de outros pressupostos processuais relativos às partes, como ensina o Prof. Castro Mendes
(Direito Processual Civil II, págs. 13 e 14)] e do que dimana nomeadamente do disposto nos
artigos 5.º a 8.º, 23.º e 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, crê-se que a falta desse
pressuposto processual é insanável, determinando a absolvição da instância, nos termos do
preceituado no artigo 288.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil. (…) E, não se vê de que
forma a solução/interpretação para que se propende possa violar o direito de acesso à tutela
jurisdicional efectiva, consagrado nos arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois que,
independentemente do mais, tal tutela supõe que as partes se conformem com as limitações
decorrentes da lei ordinária, designadamente das disposições imperativas do Código de Processo
Civil, o que, como se viu, não foi o caso. (…) De resto, os enunciados princípios não podem deixar
de coexistir com o princípio da autorresponsabilidade das partes inerente ao princípio dispositivo,
o qual opera na escolha dos meios processuais e na fixação do objecto da pretensão da tutela
judicial. (…) Em suma, fora da hipótese prevista no art. 8.º do CPC, a falta de personalidade
judiciária … não é sanável …”.
M. Teixeira de Sousa

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E cremos que outra não pode deixar de ser a solução aplicável ao caso presente, sendo
infundada a argumentação utilizada pelo recorrente quando se socorre do princípio vertido no art.
7.º do CPTA, pois quer o princípio da economia processual, quer o da prevalência das decisões de
fundo sobre as decisões de forma, possuem limites na sua aplicação e, portanto estes limites não
podem ser excedidos, sob pena de violação expressa das normas imperativas e positivadas no
Código do Processo Civil.
Face ao exposto, improcedem todos os argumentos trazidos no recurso dirigido a este
Tribunal, sendo de concluir que, no caso presente, a excepção dilatória por falta de personalidade
judiciária do R. Ministério da Defesa Nacional é insusceptível de sanação.

3. Decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao
recurso.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 1 de Outubro de 2015


Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa
Maria Sena Ferreira de Sousa

Anotação
1. O decidido no acórdão quanto à matéria da falta de personalidade judiciária do Ministério
demandado não levanta problemas. Em todo o caso, não deixarão de se suscitar algumas dúvidas
quanto à não sanação da falta de personalidade judiciária daquele Ministério.
Não obstante do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, do CPTA poder resultar a atribuição de
personalidade judiciária passiva a entidades sem personalidade jurídica (à semelhança do
disposto nos art. 12.º e 13.º do CPC), compreende-se a interpretação restritiva que é realizada
pela jurisprudência e pela doutrina do disposto naquele preceito. De acordo com esta
interpretação, art. 10.º, n.º 2, do CPTA mantém um sentido útil e um campo der aplicação próprio
sem que dele se tenha de retirar a atribuição de personalidade judiciária a entidades desprovidas
de personalidade jurídica (como é o caso dos Ministérios).
A sanação da falta de personalidade judiciária está regulada no art. 14.º do CPC (aplicável
ao processo administrativo ex vi do art. 1.º do CPTA). No regime legal, esta sanação só é possível
num caso muito particular: se a acção for proposta por ou contra uma sucursal, agência, filial,
delegação ou representação que não tenha personalidade judiciária (por a acção não proceder de
facto por ela praticado: art. 13.º do CPC), esta falta de personalidade pode ser sanada mediante a
intervenção da administração principal e, no caso de a falta respeitar a uma parte activa, mediante
a ratificação ou repetição do processado; se a falta de personalidade disser respeito a uma parte
M. Teixeira de Sousa

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passiva, a não ratificação ou não repetição do processado não obsta à sanação do vício, pois que
1
essa omissão apenas determina a revelia da administração principal .
Numa primeira análise, nada obsta à aplicação analógica do disposto no art. 14.º do CPC à
sanação da falta de personalidade do Ministério demandado através da intervenção do Estado.
Ainda assim, aceita-se que decorre da margem de ponderação dos tribunais administrativos a
conclusão de que, de acordo com o critério enunciado no art. 10.º, n.º 2, do CC, as razões
justificativas da regulamentação que consta do art. 14.º do CPC não devem valer para a hipótese
em que, em vez do Estado, é demandado um Ministério. Certo é que não se pode dizer que haja
uma impossibilidade absoluta de aplicação analógica da regra que consta do art. 14.º do CPC a
outras lacunas, mesmo no campo do processo administrativo.
Se a sanação da falta de personalidade judiciária não deveria ser admissível noutras
situações além daquela que consta do art. 14.º do CPC, isso é questão que agora não importa
analisar. Também fica em aberto a questão de saber se o disposto no art. 279.º, n.º 2, do CPC
quanto ao aproveitamento dos efeitos civis produzidos numa causa em que tenha sido proferida
uma decisão de absolvição da instância é aplicável ao caso em que, depois de uma absolvição da
instância por falta de personalidade de uma das partes (cf. art. 577.º, al. c), 576.º, n.º 2, e 278.º,
n.º 1, al. c), do CPC), é proposta uma nova causa com o mesmo objecto por ou contra uma parte
dotada de personalidade judiciária.

2. a) Segundo a definição que consta do art. 11.º, n.º 1, do CPC, a personalidade judiciária
consiste na susceptibilidade de ser parte. No direito português, esta definição aparece, talvez pela
primeira vez, no art. 12.º do Projecto de Código de Processo Civil de 1936, organizado por
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ALBERTO DOS REIS , muito provavelmente por influência de CHIOVENDA, que se referia à “capacità
di esser parte” e que a definia como a “capacità di esser soggetto di un rapporto giuridico
3
processuale” . Do aludido Projecto, a definição passou para o art. 5.º do CPC de 1939.
A referida definição de personalidade judiciária conduz a um problema clássico nesta
matéria: se – poder-se-ia dizer –, para ser parte, é necessário ter personalidade judiciária, então
quem não tiver personalidade judiciária não é parte ou é uma “não-parte”. Alargando esta
conclusão não é difícil inferir que um processo com “não-partes” é um “não-processo”.
CASTRO MENDES raciocinava nesta base, ao afirmar, a propósito da absolvição da instância
que decorre da falta de personalidade judiciária de alguma das partes (cf. art. 577.º, al. c), 576.º,
n.º 2, e 278.º, n.º 1, al. b), do CPC), que a “absolvição é antes uma absolvição de aparência de

1 COSTA E SILVA, O manto diáfano da personalidade judiciária, Estudos em Honra do Professor Doutor José de
Oliveira Ascensão II (2008), pp. 1896 e segs.
2 Neste Projecto, a matéria respeitante à legitimidade processual (art. 5.º a 11.º) antecedia o tratamento da
personalidade e da capacidade judiciárias (art. 12.º a 33.º); tem interesse acrescentar que a personalidade
judiciária não é tratada nas obras didácticas de ALBERTO DOS REIS (Processo Ordinário Civil e Comercial I (1907);
Processo ordinário e sumário I2 (1928)) e só foi introduzida na ZPO alemã pela Novelle de 1898 (cf. Materialien
zur Civilprozeẞordnung (1898), pp. 10 e 119 e seg.).
3 CHIOVENDA, Principii di diritto processuale civile4 (1928), p. 583.
M. Teixeira de Sousa

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instância (se a não-parte for autora) ou uma aparente absolvição da instância (se a não-parte for
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ré)” . Quer dizer: a consequência da falta de personalidade judiciária é uma aparência de processo
ou de decisão, dado que parece que há processo ou decisão, mas afinal não há nem uma coisa,
nem outra.
Sobre a solução a dar ao problema da falta de personalidade judiciária de alguma das
5 6
partes há, entretanto, algumas reflexões interessantes tanto em Portugal , como no estrangeiro .
Antes de avançar com uma breve reflexão pessoal, importa começar por verificar porque é que o
problema se coloca.

b) O cerne da questão está em saber se a falta de personalidade judiciária deve ser tratada
como uma situação de inexistência de parte, ou seja, se a falta daquela personalidade conduz a
uma “não-parte”. Uma pequena digressão histórica sobre a função dos pressupostos processuais
mostra que esse entendimento não é sustentável.
Como é conhecido, os pressupostos processuais foram construídos por O. BÜLOW na obra
que é normalmente considerada a fundadora da Ciência Processual Civil: Die Lehre von den
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Proceẞeinreden und die Proceẞvoraussetzungen . No presente contexto, importa acentuar que,
segundo a construção pioneira de O. BÜLOW , os pressupostos processuais eram concebidos como
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condições de existência (ou condições constitutivas) da relação processual , pelo que não é difícil
concluir que, nesta perspectiva, a falta de personalidade judiciária (ou melhor, a falta do
pressuposto processual que é a personalidade judiciária) conduzia à inexistência da relação
processual ou da instância. Quer dizer: de acordo com esta orientação, a falta de personalidade
judiciária levava a concluir por um “não-processo” e por uma “não-parte”.
Esta seria a orientação que hoje haveria que adoptar se não se tivesse verificado entretanto
uma modificação quanto à concepção dos pressupostos processuais e uma reorientação quanto à
sua função no processo. Importa recordar que, numa obra que constitui outro dos marcos
fundadores da Ciência Processual Civil, J. GOLDSCHMIDT firmou a orientação de que os
pressupostos processuais não são um elemento constitutivo da relação processual, mas antes
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uma condição da admissibilidade do proferimento de uma decisão de mérito na causa pendente .
A mudança não podia ser mais radical: enquanto, na construção originária (e original) de O.
BÜLOW , a função dos pressupostos processuais se situava no plano da existência, na orientação
de J. GOLDSCHMIDT a função daqueles pressupostos coloca-se no plano da admissibilidade.
Basta transpor esta conclusão para as consequências da falta de personalidade judiciária
para se compreender que, em vez de uma “não-parte” e de um “não-processo”, deve antes falar-

4 CASTRO MENDES, Direito Processual Civil II (1987), p. 34.


5 COSTA E SILVA, O manto diáfano da personalidade judiciária, pp. 1870 e segs.
6 SCHEMMANN, Parteifähigkeit im Zivilprozeẞ (2002), pp. 5 e segs.
7 BÜLOW, Die Lehre von den Proceẞeinreden und die Proceẞvoraussetzungen (1868), pp. 5 e segs.
8 BÜLOW, Die Lehre von den Proceẞeinreden und die Proceẞvoraussetzungen, pp. 5 e segs.
9 GOLDSCHMIDT, Der Prozeẞ als Rechtslage (1925), pp. 395 e segs. (= GOLDSCHMIDT, El Proceso como Situatión
Jurídica (trad. esp. (2015)), pp. 411 e segs.).
M. Teixeira de Sousa

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se de uma parte inadmissível e, portanto, de um processo inadmissível . Esta conclusão nada
tem de extraordinário: também quando, por exemplo, falta o pedido ou a causa de pedir, a
consequência não é a inexistência de objecto do processo ou um “não-objecto”, mas antes a
ineptidão da inicial e, portanto, a inadmissibilidade desse objecto (cf. art. 186.º, n.º 1 e 2, al. a),
577.º, al. b), do CPC). Isto é o que resulta da circunstância de aquela ineptidão constituir uma
excepção dilatória (cf. art. 577.º, al. b), do CPC), conducente, como é a regra, à absolvição do réu
da instância (cf. art. 576.º, n.º 2, e art. 278.º. n.º 1, al. b), do CPC).

c) Ter personalidade judiciária significa possuir a aptidão de ser parte, ou seja, de participar
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num processo . A personalidade judiciária destina-se a demarcar quem é que possui e quem é
que não possui essa aptidão: nalgumas situações, essa aptidão é concedida globalmente em
função da personalidade jurídica (cf. art. 11.º, n.º 2, do CPC); noutras, aquela aptidão depende de
uma relação com o objecto do processo (cf. art. 12.º e 13.º do CPC). Assim, quando o art. 11.º, n.º
1, do CPC define a personalidade judiciária como a susceptibilidade de ser parte, esse preceito
não está a constituir a parte (em concreto, não está a constituir A ou B como autor ou como réu),
mas antes a atribuir a aptidão para ser parte (ou seja, está a conceder a A ou a B a aptidão para
participar num processo).
De acordo com a concepção formal de parte, as partes de um processo são aquelas que
estão no processo como autor e como réu (por exemplo, A e B). As partes são um dado (as partes
são A como autor e B como réu); a personalidade judiciária destina-se a verificar se as partes que
estão no processo como autor e como réu tem a aptidão para ser parte. O que o critério enunciado
no art. 11.º, n.º 1, do CPC faz é determinar quem é que, em função da susceptibilidade de ser
parte, possui a aptidão para participar num processo como parte. Dito de outro modo: a
personalidade judiciária não constitui a parte, antes atribui uma certa qualidade à parte que está
no processo na posição de autor ou de réu.
Importa procurar precisar o sentido desta qualidade que é facultada à parte pela
personalidade judiciária. A concretização reveste-se de manifesto interesse a vários títulos. Por
exemplo: não teria nenhum sentido que a parte, pela circunstância de não ter personalidade
judiciária, não tivesse os mesmos ónus, deveres e direitos de qualquer parte. Em concreto: não
seria certamente aceitável não atribuir à parte o ónus de contestação, não a condenar como
litigante de má fé ou não lhe conceder o direito à colaboração do tribunal pela circunstância de ser
uma parte desprovida de personalidade judiciária. Outro exemplo: se o domicílio do réu for o
elemento de conexão para aferir a competência territorial do tribunal, a circunstância de esse réu
não ter personalidade judiciária não obsta à competência do tribunal do seu domicílio. Estas
conclusões reforçam que a personalidade judiciária não é um factor constitutivo da parte, dado

10 No mesmo sentido, embora com fundamentação distinta, SCHEMMANN, Parteifähigkeit im Zivilprozeẞ, pp. 8 e
segs.; pelo menos em conclusão, Stein/Jonas/JACOBY23 (2014) §50 56 e 58; Musielak ZPO/WETH ZPO (2016) § 50
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11 Cf. REIMER, Verfahrenstheorie (2015), 455.
M. Teixeira de Sousa

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que, para vários efeitos, é considerada parte quem não tem essa personalidade. Portanto, a
personalidade judiciária apenas acrescenta uma certa qualidade à parte.
Afinal, nada disto pode ser considerado estranho. A personalidade judiciária é um
pressuposto processual (ou, em algumas situações, um pressuposto de actos processuais), pelo
que, como qualquer outro pressuposto, só pode condicionar o proferimento de uma decisão sobre
o mérito da causa. Dado que o proferimento desta decisão depende ainda de outros pressupostos
processuais relativos às partes (como, por exemplo, a capacidade judiciária e a legitimidade
processual) e a falta de personalidade judiciária dispensa a análise de qualquer outro pressuposto
relativo às partes, pode concluir-se que esta personalidade é, sob um ponto de vista processual,
uma pré-condição (ou um “pré-pressuposto”) da apreciação do mérito da causa e, numa
perspectiva normativa, um centro de imputação dos demais pressupostos relativos às partes.
De acordo as circunstâncias, tem preponderância o aspecto processual ou o aspecto
normativo. Se faltar a própria personalidade judiciária, torna-se inútil analisar se estão verificados
os demais pressupostos relativos às partes e o aspecto processual de pré-condição da apreciação
do mérito é o relevante. Mas se a parte for dotada de personalidade judiciária, há que analisar se
os demais pressupostos respeitantes às partes estão preenchidos e então é o aspecto normativo
de centro de imputação desses pressupostos que é relevante.

d) De acordo com o exposto, a falta de personalidade judiciária significa que, segundo os


critérios dos art. 11.º, n.º 2, e 12.º e 13.º do CPC, o autor ou o réu não tem a aptidão para ser
parte, porque não é uma pessoa jurídica, nem um património autónomo, nem uma sucursal ou
equivalente a que a lei, por razões que normalmente têm a ver com o “encobrimento” de pessoas
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jurídicas interessadas na acção , atribui aquela personalidade. Por uma questão de simplificação,
refere-se, de seguida, apenas a situação mais radical: aquela em que a parte demandante ou
demandada é uma pessoa inexistente (porque, por exemplo, nunca existiu ou porque faleceu ou
se extinguiu antes da propositura da acção).
A conclusão a que acima se chegou de que a falta de personalidade judiciária não conduz à
inexistência de uma parte, mas antes a uma parte sem a susceptibilidade de obter ou de contra
ela ser obtida uma decisão de mérito, mostra que, neste contexto, o valor de inexistência não pode
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ser um valor processual . O processo não conhece o valor de uma parte inexistente ou de uma
“não-parte”, mas apenas o de uma parte inadmissível. É, aliás, isto que permite justificar que a
falta de personalidade judiciária seja uma excepção dilatória (cf. art. 577.º, al. b), do CPC) e
corresponda, portanto, à falta de um pressuposto processual.

12 Cf. ac. da RL de 17/9/2015 (Proc. 218/15.6TVLSB-B.L1-2).


13 Diferentemente, RECHBERGER, Mangel der Parteiexistenz, Mangel der Parteifähigkeit und mangelhafte
Parteibezeichnung, FS Hans W. Fasching (1988), 389 s.; ROSENBERG/SCHWAB/GOTTWALD, Zivilprozessrecht17 (2010),
212, distinguindo entre a “Parteiunfähigkeit” e a “Nichtexistenz”.
M. Teixeira de Sousa

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Está assim demonstrada a qualidade que a personalidade judiciária atribui à parte: apenas
uma parte dotada de personalidade judiciária pode conseguir uma decisão de mérito e apenas
contra uma parte com idêntica personalidade pode ser proferida uma decisão de mérito.

e) Do exposto resulta que, em processo, não há “não-partes” (tal como não há “não-
objectos”), mas antes partes desprovidas de personalidade judiciária e, portanto, partes
inadmissíveis. O valor de inexistência não é frequente em processo e, seja como for, nada tem a
ver com os pressupostos processuais, dado que o valor que estes pressupostos asseguram é o de
admissibilidade do conhecimento do mérito da causa.
Os valores extraprocessuais não possuem nenhuma relevância em processo: neste, só
podem relevar os valores processuais. Sendo assim, nada obsta a que aquilo que, na esfera
extraprocessual, seja qualificado como inexistente seja qualificado, no âmbito processual, como
inadmissível. Aliás, a inversa também é verdadeira, como é fácil de demonstrar precisamente na
área da personalidade judiciária: ao atribuir personalidade judiciária a patrimónios autónomos e a
sucursais ou a equivalentes (cf. art. 12.º e 13.º do CPC), concede-se a susceptibilidade de ser
parte a uma entidade que é, fora do processo, juridicamente inexistente. É por isso que as breves
reflexões anteriores também podem ser vistas como um plaidoyer a favor da autonomia do
processo civil.

M. Teixeira de Sousa

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