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Editora Penalux

Guaratinguetá, 2015
EDITORA PENALUX
Rua Marechal Floriano, 39 – Centro
Guaratinguetá, SP | CEP: 12500-260

penalux@editorapenalux.com.br
www.editorapenalux.com.br

EDIÇÃO
França & Gorj

REVISÃO
Helga Maia

CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Ricardo A. O. Paixão

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D219M DARKDIJA, DIJA. 1993-


MIX / DIJA DARKDIJA. -
GUARATINGUETÁ, SP: PENALUX, 2015.

118 P. : 21 CM.

ISBN 978-85-69033-78-3

1. POESIA I. TÍTULO.
CDD B869.1

Índices para catálogo sistemático:


1. Literatura Brasileira

Todos os direitos reservados.


A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida
mediante autorização expressa do autor e da Editora Penalux.
“(o riso sempre existe
- a comédia são os outros)”*

A novíssima poesia brasileira não implora visibi-


lidade. Já nasce visível e vai impondo seus ritos. Viola
senhas e segue em frente. Como um vírus cibernético.
Surpreendendo e surpreendendo-se. Aprendendo e apre-
endendo caminhos. Este começo de milênio está para a
poesia como a agulha para o palheiro. Mesmo que ainda
seja difícil achar o palheiro. Mas, o fato é que na era digi-
tal, publicar deixou de ser uma tragédia. As alternativas são
muitas. Praticamente quem quer publicar publica. Fato
que obriga uma elevação no grau de exigência dos novos
escritores. Muito especialmente dos poetas. Afinal, antes
da crítica especializada e antes dos editores, a voz soberana
é a do escritor. No caso de um novo poeta a responsabili-
dade aumenta. Porque não serão raras as forças dispostas
a sufocá-lo.
A poesia contemporânea vive um momento de
ebulição e desvario comedido. Se não por movimentos
______________
* Este título é de um dos poemas que constam neste livro.
específicos do borbulhar estético, pela diversidade tama-
nha e imensa proliferação de autores. Convivemos atual-
mente com uma poesia que não se firma imediatamente
pelo rigor, mas pela intensidade da procura. A busca do
espaço onde possa continuar e descontinuar. A procura
do estilo, da diferença ou da semelhança oposta. Mas,
não seria a procura insaciável o primeiro passo para o
que se pode chamar de essência poética? Sobreviver nes-
te cenário, no entanto, talvez seja ainda mais difícil que
no cruzamento do Século XIX para o Século XX. Pois, os
caminhos são muitos, mas não existe ponto de partida.
Dija Darkdija decidiu realizar este seu voo tur-
bulento num tempo de tempestades sufocadas. Inte-
grante da mais nova (eu diria novíssima) geração de
poetas brasileiros, vem submetendo seus versos às ra-
ras curadorias e conquistando seus merecidos espaços.
Neste ano de 2015 foi selecionado para uma grande
mostra de poetas contemporâneos. A exposição Poesia
Agora, no Museu da Língua Portuguesa. Um bom sal-
to para um poeta em busca de visibilidade. Um poeta
ainda dedilhando a argamassa dos seus versos. Mes-
mo compreendendo ser ainda muito cedo para tecer
considerações sobre o primeiro livro do jovem poeta,
penso que sua determinação e ousadia, de certa for-
ma, delatam sua inquietação. Sua coragem expressa a
vontade de sonhar nesta noite de sobressaltos e estrelas
que é a poesia contemporânea.
Analisando suas faturas poéticas me veio a voz de
Afrânio Coutinho no livro “Notas de Teoria Literária”.
Para ele, “a poesia é inerente ao homem desde o mais
primitivo e nas fases de literatura não-escrita”. Para o crí-
tico, nesta fase a poesia é notoriamente associada à mú-
sica e à dança. E conclui: “de qualquer forma a poesia
é individual, subjetiva, traduzindo emoções íntimas de
um ser artisticamente superior para senti-la e exprimi-la.”
Suponho que, neste sentido, possa vislumbrar o que pre-
tende o poeta com este seu primeiro livro. Já no primeiro
poema, uma leitura drummondiana da própria existên-
cia, Dija transita com irônica elegância pelas gargantas
secas da linguagem nordestina. “(...) quando eu nasci,
um anjo viajoso,/ desses que são doido que nem o djabo/
olhou pra careca e disse: vai timbora, menino,/ vai ser
isso aí mermo enquanto pode!” (...) A busca da sonorida-
de regional na escolha das palavras, “djabo”, “timbora”,
“mermo”... dialoga diretamente com a oralidade ances-
tral da cultura nordestina. Uma força negligenciada pela
maioria dos poetas da região. Certamente apartada do
que seria a poesia popular de mestres como Zé da Luz,
Leandro Gomes de Barros, Pinto do Monteiro, Manoel
Monteiro ou mesmo Patativa do Assaré. O poeta busca a
sonoridade numa consciente reinvenção de pérolas sertâ-
nicas. Num sotaque debochado que transgride e semeia
verdades, epifanias e, principalmente, seus desacordos
com o principado literário.
Reafirmando o que foi dito, antes de qualquer voz
desavisada, preciso informar que não se trata de reconhe-
cer nisso algo próximo da “invenção poética” conceitu-
ada por Ezra Pound. Se trata de perceber uma saudável
ousadia. Energia necessária à poesia atual, tão desgastada
pelos clichês acadêmicos. Dija mostra uma cirúrgica dose
de ironia quanto aos tratados e teorias. Antes de parecer
viajoso, o poeta se apresenta como estilingue da própria
vidraça. As pedras, no entanto, buscam diferentes direções
e revelam, aos cacos da própria pontaria, versos também
delicados e bem elaborados como estes: (...) “eu sou ape-
nas/ um ilustre desconhecido/ de penetra nessa festa / /
dançar o que eu sou/ é o que me resta” (...). Versos, aliás,
reveladores de uma personalidade forjada em mergulhos,
ora rasos, ora profundos na poesia e na vida. Talvez apenas
rasantes de busca e apreensão na sombra esparsa e incerta
da poesia. Ora mergulhos profundos no abismo rarefeito
da linguagem.
Pela pouca idade, talvez o melhor conselho fosse o
recuo estratégico. Mas, de que serviria? Não é a publicação
que melhora ou consolida a poesia de quem quer que seja.
A publicação revela apenas o desnudamento necessário
para uma esgrima de gerações. Daí se conclui que a poesia
de Dija Darkdija é mesmo bem-vinda. Seu aprendizado
começa mais cedo. Suas revelações e seu desnudamento
provocam arrepios. Ele mostra a coragem necessária para
enfrentar-se, para recolher dos olhares e do silêncio alheio,
os aprendizados necessários para uma caminhada que co-
meça agora. Porque a poesia é uma escolha que não deixa
marolas. Ou afunda em águas mansas ou emerge numa
tempestade de infinitos. Por tudo isso eu digo: vai, Dija
Darkdija, ser Dija Darkdija na vida e na poesia. Não terás
um lugar porque poeta algum possui lugar algum. Terás,
certamente, um caminho sem fim. Um Aprendizado deli-
rante e defeituoso. Angustiado, explosivo, sereno, indócil,
terno e absurdo. Porque a poesia nunca é normal. Nunca
é fácil, mas pode ser simples e reveladora como uma flor
invisível.

Lau Siqueira
poeta
Agradecimentos

Ao mix de tudo que forma a vida, o universo e tudo


mais. Ao mix de Mainha com meu pai, que acabou geran-
do um Dija da vida. Ao mix de amigos. Todos, todos que
estão aqui citados e os que não cito por esquecimento ou
pela impossibilidade de criar outro livro só pra isso. Todos
tem sua parcela de contribuição nesse livro e em tudo que
escrevo. Em especial, agradeço imensamente a Renata Al-
meida (Hitch!), pelo primeiro empurrão para escrever, e
a Gabrielly Lima (Gaby!), uma grande “aho” que direcio-
nou o empurrão pros lados da poesia. A Naiara Cavalcanti
(Naia!) pelo apoio inicial, por ter me cativado e aos poucos
me mostrado que havia um campo de trigo cheio de pos-
sibilidades fora da minha toca. Por iniciar a abertura de
tantas portas, o mínimo que posso fazer é lhe agradecer
imensamente. Agradeço ainda à Luísa Sprenger (Sensei!),
por todas as “aulas” que alimentaram meu interesse pelo
Japão e se remixaram com minhas raízes paraibanas para
acabar produzindo boa parte de mim e do que escrevo.
Agradeço a Amanda Vital pela parceria literária e pela aju-
da na construção do livro.
Ao mix de professores, porque nada somos além de
aprendizes da vida. Alci, Adelmo, Amador, Bernardete,
Carmen, Gláucia, Jales, Luciana, Neide, Vanessa... e tan-
tos outros que com suas aulas (ou até mesmo sem nunca
ter me dado uma delas, não é, Amanda Braga?) me ensi-
naram muito, me deram boas referências, e me inspiraram
nos momentos de extremo interesse, profundo tédio (me
perdoem por isso, mas são coisas de poeta) ou extremas dú-
vidas e dificuldades. Agradeço a todos vocês por ter apren-
dido que professores ensinam muito mais do que conteúdo
intelectual, e que exatamente nessas “matérias extraclasse”
nos ensinam as coisas mais valiosas que possuímos. Em
especial, à Vanessa Riambau, por dar para o poeta que vos
escreve um mote de “eu acredito”, uma glosa de “você tem
capacidade” e uma epopeia de “Ahá, eu sabia!”. Agradeço
por me fazer saber do que você já tinha certeza.
Ao mix de pessoas da UFPB. Todos os integrandes
(grandes!) da “Turma Sensual”. Em especial, a Raquel,
Ingrid e Deborah, por uma promessa besta que nunca dei-
xará de ser cumprida. A Jullyana Queiroz (Ju!), que me
socorre e me pede socorro em tantos momentos cruciais.
Cris. Os Pedros. Val. Bruna. Laura. Nereida. Nilbe. En-
fim, a todos dessa turma, que me ensinaram, apoiaram e
ajudaram de uma forma ou de outra. Aos AEDOS Nina,
Jai, Ana, Deborah, Fabrícia, Glauber, Allysson, Amanda.
A todos os outros que conheci por lá.
Ao mix dos que conheci por aí (Adriana Correia,
Amanda Gomes, Jéssica Férrer, Lúcia Ramos, Maria
Hawley, Virgínia Ulbanere, outros tantos, de tantos luga-
res) e me foram extremamente essenciais de uma forma
ou de outra, e me botaram pra frente, aparecendo há eras
atrás ou outro dia desses, apresentados por amigos ou pelo
destino. A vocês, agradeço por tudo. O que pintar, assina-
remos juntos.
Ao mix de poetas. A meus mestres ausentes (mestre
bigode, te agradeço pela data igual de aniversário e por ser-
mos agora apenas ex-estranhos). Aos mestres presentes (Lau
Siqueira, Sérgio de Castro Pinto, Linaldo Guedes, outros)
por todos os conselhos e empurrões. Pela solicitude. Pelas
oportunidades. Vocês gritaram “vai timbora, menino!”, e es-
tou indo. Aos novos poetas (e que o “saudoso” Felipe D’Cas-
tro os represente aqui) e a todos os contemporâneos, pelas
conversas literárias que geraram tantas ideias e poemas.
Ao mix de leitores, em especial à minha “trindade
viajosa” de fãs número 1: Kátia de Souza, Karla Costa e Hel-
ga Maia. A todos os outros que não tenho espaço para citar.
Sem vocês, (“meus caros leitores invisíveis”, como chamava
lá atrás), quem sabe quanto mais eu teria resistido?
Ao mix dos textos que ajudam a compor o livro,
agradeço novamente a Lau Siqueira e Linaldo Guedes,
além de Marcelo Adifa. Pelo mix dos poemas, agradeço
a todos que ajudaram na inspiração e seleção. Sem vocês
tudo seria muito mais difícil.
Ao remix de todos que participaram da confecção
do mix da minha vida e do meu MIX de palavras, agradeço
e dedico este livro. Por fim, agradeço à editora Penalux,
por acreditar no projeto e equalizar o MIX com a maestria
única que só um poeta da vida sabe ter, porque esses são
muito maiores que os poetas das letras. Pelo profissionalis-
mo, pela oportunidade, pelo MIX, agradeço.

D.D.
pra mainha (em memória)
Dija Darkdija

Poema de Trinta e Sete Faces

quando eu nasci, um anjo viajoso,


desses que são doido que nem o djabo
olhou pra careca e disse: vai timbora, menino,
vai ser isso aí mermo enquanto pode!

(vai ser doido na vida)

tu num sabe se tem outra chance ou não...


vai que eu seja fruto da tua imaginação?

(ou não)

vai escrever uma história


vai escrever qualquer coisa qualquer
vai escrever sem olhar pro lado enquanto o bonde
passa
vai escrever as tuas pernas pra levantar e andar

(vai escrever)

21
MIX

fui.

o que sinto escrevo. o que não sinto, também.


o absinto e o conhaque não escrevo, e quase não
tomo.
prefiro chá de Lua ou mil-ervalices.

o bicho abusou tanto com a ladainha que o problema


nem é mais escrever.
é parar de escrever. vou parar de escrever quando?
quando assim como surgiu a ideia a ideia dessurgir?
quando o powerpoem bugar duma vez e num der
pra formatar?
quando eu morrer?

(dá no mesmo)

Por conta de uma questão paralela,


nunca mais escreverei um soneto.
Escrevo poemão e poemeto,
poe(re)mix mais que tagarela...

22
Dija Darkdija

Quem sabe outro dia? Não, prometo:


um dia, quando entrar numa viela,
eu tiro essa metade da panela!

(dá não)

quando eu morrer
e tocar o bolero de Ravel
e o sarau viajoso ocorrer
vai tar lá o tal do anjo
ouvindo espantado e dizendo:
e num é que o caba foi mermo?

23
MIX

casa cheia
lembrando que quase existem
os ouvidos das paredes

24
Dija Darkdija

nem tudo que aperta é couro


nem tudo que faz mu é touro
nem tudo que reluz é
talvez seja ou(t)ro

25
MIX

a lua me traiu
disse que era minha
só minha e não de quem quiser
e brilhava pra todo mundo
pro joão pra maria e pra ritinha

a lua era minha mulher


e a cada fase
ficava mais difícil

26
Dija Darkdija

pra beber
só quero água
água visceral
destilada da mágoa

de vez em quando um chá


pra fazer um coquetel
do que não há

(e quando der vontade


de algo diferente
que tal um suco de lutas
pra gente seguir em frente?)

27
MIX

A Última Utopia

na utopia suprema
não existem poetas
muito menos poemas

o amor é sem palavras


nada a denunciar
tristeza não existe
para gerar versos tristes

(o riso sempre existe


a comédia são os outros)

e o mais triste de tudo


é a certeza da dúvida
numa hipotética troca
entre uma coisa e outra

28
Dija Darkdija

II

(o artista é caminho e empecilho


verdadesinformação
bardo e cavaleiro apocalíptico
mordedor e assoprador-assombração
de fogo do dragão sagradutópico
mix contraditório prototípico
um metaegocêntrico notório)

29
MIX

quem procura
acha
ao menos um bilhete
para a loteria
da possibilidade

fortuna mesmo
é continuar apostando
nas quinas do íntimo

30
Dija Darkdija

memória de alguma coisa


de alguma era
de alguma história

não sei de onde


vem essa pilhéria
não me pergunte

sou mera escória
para a vida não cair

31
MIX

Viagem de quinta

quinta é um dia de quinta


é quase uma sexta
mas nunca dominga

santa uma vez ao ano


e engano de resto
quinta marcha pro findi
(ou ré)

quinta dos morgados


(na fé)

é
ou
num é?

32
Dija Darkdija

LO(L)(W) Society

a periferia
é uma barata tonta
superdesenvolvida
hiperresistente
à hiroshima da humilhação
e às sandálias mínimas do estado
que de cima de suas cadeiras chi(li)cs
mal consegue ver-lhe as antenas

uma pena ela não lembrar


que sua capa de luxo
lhe permitiria voar pra longe
pra um canto escuro e tranquilo
do último ônibus da meia noite
de(s)esperança
que por sinal
está atrasado duas horas/eras

a alta sociedade
é um pavão pomposo
milimetricamente adestrado
para nunca olhar

33
MIX

a feiura dos pés


e o estrago de seus ciscares
devastadores de subsolos

se um dia desobedecesse
uma ordem que fosse
morreria de fome
nem que de vez em quase nunca

34
Dija Darkdija

Dedo Mindinho

função: levar topadas


sofrer luxações ou quebrar

lembrar que há dores safadas


e coisas (de corpo e alma)
que não dá pra se livrar

35
MIX

bicho da saudade
não me morda
eu já tenho imunidade

36
Dija Darkdija

Sallírica

o amor é de tal forma colossal


que abrange do negro das negras nuvens
ao branco das brancas roupas
estendidas no varal

(infinito até que suje


e venham outras lavagens
de brancas roupas sujas)

37
MIX

se você vier
eu te recebo
se não vier
recebo sua ausência
e se ela não vier
que venha o nada
o chá está pronto
o resto é paciência

38
Dija Darkdija

eu sou apenas
um ilustre desconhecido
de penetra nessa festa

dançar o que eu sou


é o que me resta

39
MIX

pura sorte
o sol acende
e apaga a morte

40
Dija Darkdija

Litera(Turans)

porque diabos
nasci eu mulher
para ser analisada
julgada subjugada e maltratada?
rejeitada ao pior porque quis ser
eu
se nascesse literaturo
seria eu duro o suficiente
e respeitado por aí?

duvido que iriam me questionar


seria eu livre
seria eu livro
com meu harém de palavras

41
MIX

os mortos de uma guerra

as lágrimas das viúvas e mães


dos mortos de uma guerra

a tristeza profunda que causa


as lágrimas das viúvas e mães
dos mortos de uma guerra

o desgraçado instinto destruidor que provoca


a tristeza profunda causadora
das lágrimas das viúvas e mães
dos mortos de uma guerra

do presente
do passado
do futuro

nada disso é maior


que o fantasma do desejo da paz

42
Dija Darkdija

Zen [Vaga]Bu[N]Dismo

queria limpar a mente


não deu
tinha uma preguiça insana

no mantra do sono
foi sonhar com o nirvana

43
MIX

Quase Incrível

hoje achei cabelo em ovo


(e nem tava procurando).
não era meu, certeza
só acho isso no outro
na preguiça de raspar.

(nesse frigir dos ovos


melhor mesmo é fritar
a [im]possibilidade da galinha
a torrar alguns miolos)

44
Dija Darkdija

ritual diário:
orar pro deus busão
passar no mesmo horário

45
MIX

a palavra dançou
na minha boca
a palavra dançou
e na hora do último passo
em que deveria descer do salto
fez uma tripla pirueta
e voltou para dançar
dentro de mim

46
Dija Darkdija

aquele momento
em que a deusa da chuva
jorra cascatas de gozo
sobre a mãe terra

(é massa)

aquele momento
em que debaixo de tanta água
as águas mais puras
são a de um menino
que teve seu sonho
lavado com chuva

(é triste)

aquele momento
em que aquela moça
que mal lhe dá aquele
bom dia
abre aquele sorriso

(aquela lindeza)

47
MIX

A Um Passo Da Felicidade

cantando e dançando
seguindo a canção
com toda a desengonçura

era feliz dançando a dança


cuja música ninguém ouvia

a melodia do silêncio

(o passo mais difícil


era manter o sorriso)

48
Dija Darkdija

brasileiro é brasa
queimistura total
num forno grandelícia

pudim pé-de-moleque
em banho maria josé

a nossa fênix dá silva


renasciência
do jeitinho
de queimar dificuldades

49
MIX

queria mesmo
um botão de flor

pra abotoar
minha camisa
de força

queria mesmo
um figurino manicômico
pra rir baixinho
da minha low-cura

(santo remédio
da imaginação)

50
Dija Darkdija

deus do barro fez o povo


o povo do barro fez a casa
a arte
a panela
e o jarro

mas o barro
do barro
fez o que é
e o que os outros são

o barro é fodão

51
MIX

a cabeça lhe doeu


o nariz parecia escorrer
metade do cérebro

achou que era gripe


mas não era

tuberculose
não era

consciência
não era

de repente
não era
mais um homem

52
Dija Darkdija

Desclassificados Corpoéticos

procura-se uma máquina-corpo


em bom funcionamento
nova o(u)sada
em troca
um corpo-máquina novinho
mais ou menos cheio de problemas
um pouco sem solução

volto uma vida inteira


de agradecimentos imensuráveis
em barras de louros

53
MIX

Valentina

é um bairro mãe-pai
mãe solteira que
vale por trinta e sete “famílias” inteiras

valentina é o bairro que quase


rima com o nome de mainha

um útero-labirinto que dá
de tudo e mais um pouco
onde não nasci mas me recriei

portal secreto
buracão que dá direto
em outra dimensão
de infinitas praias
de pobreza e realidade
e cheiro de cu sujo

54
Dija Darkdija

um emaranhado de doidos
atalhos e ruas de terra
que fica sem comer do asfalto
pra dividir o pão da paz
entre seus filhos pródigos
esquecidos pelo sol

valentina é onde a esperança nasce primeiro

55
MIX

vidas secas
almas esturricadas
nem vento
nem litoral

tentei chorar
aí sim não consegui

56
Dija Darkdija

indiferença mútua
eu na minha
tu na tua

dois lados
da mesma rua

57
MIX

sou um acumulador de ideias


cato-as de qualquer lugar
(da festa chique do lixo no meio da rua)
e as perco espalhadas e perdidas
no vento da janela do busão
na sala por cima do sofá
no chão da minha cabeça
(estão por todos os lados)
e durmo por cima de duas ou trinta e sete
num colchão de ideias reconfortantemente
desconfortáveis que me tiram o sono
e a sanidade que (desde quando tive isso?)

ai de quem tenta entrar nessa casa de nervos


à flor dos muros
será perdoado pero no mucho por uma avalanchideia
vejo outra nos seus olhos suas palavras seus silêncios
me dá mais uma dose de ideias que de overdose
eu num morro nunca ideiaverest apenas
ressaca de ideias nunca tive
que essa patologia estranha não é de trauma nem

58
Dija Darkdija

de vício
nasceu pra morrer comigo qualquer dia desses
ou daqui a uns infinitos
não há ideia formada sobre isso ainda
talvez seja um colosso em construção

(eis um trecho em obras. ou não)

59
MIX

pesquisa dores
vão pra lá
com teus amores

abortei
a pesquisa de objetos
preciso pesquisar almas
e fundos de olhares

quero pesquisar
a não-pesquisa
das sensações

60
Dija Darkdija

O Shopping

uma cascata de selfies


e sorrisos e conversas fúteis
ralesgoto abaixo

expulso pelo segurança


(guardador de pão na mesa)
um menino
vendia chicletes

tentativa quase inútil


de fazer uma microbolada
pra estourar a fome
e continuar grudado
na sola do sapato da vida

61
MIX

meus poemas
tagarelas
vivem conVersando

juntei todos
deu no que tá dando

62
Dija Darkdija

Senso Incomum

há mais coisas
entre a arte
e o artista
do que sonha
vossa vã teoria

63
REM
IX
REMIX
52
Dija Darkdija
Manifesto Viajoso
fuja do óbvio
nem que a fuga
seja o próprio

51
REMIX
fim do projeto
agora é esperar
se vai ou veto   
50
Dija Darkdija
Teatro De Revista
Mary Kay com ele e desisti
aquele Boticário
não me deixava Avon
desisti de desistir
ele parece um Vult
mas ao menos me Natura
azamiga disseram
“ele não é do seu Nivea
troca esse Chanel, kirida”
acabei com outro
que chegou dizendo:
Elseve?
(testei.
fiquei na Dior.)
49
REMIX
a poesia foi ali
tomar um cafezinho
deixou o casaco aqui
e um bilhete de ausências
assassinado
silêncio
(quando ninguém quiser
ela volta
agradecemos a referência)
48
Dija Darkdija
há tempos
não olho
pra curva da telha
e digo:
vou mandar o papo
teto
47
REMIX
Alição
todo poema
é artensinamento
confesso que professo
muito movimento
e me hipocriso
nessas letras gravadas
misto de lembrança
e sonho perdido
(a arte é mais uma
entre tantas escolas
alunos bons maus professores
lições dadas em sacolas
quase sempre cheias
de venteorias vãs
armaria [todas]
[nãm])
46
Dija Darkdija
Sonetorto Da Piada Infame Que
Nunca Perco
nunca quis fazer direito
nem posso
eu sou canhoto
e pra que fazer soneto?
sou melhor
no sonetorto
já o resto
é o resto
e de resto
tudo um pouco
desse pouquinho de tudo
faço
agora
o meu porto
45
REMIX
Rock’N’Roll Nordestino
arrocha e rola
nesse som da mulesta
a gente se embola
no metal do tengo lengo
no couro da minha sola
44
Dija Darkdija
As Flores Da Lau
brotam dos repolhos da feira
talvez até da leseira
do riso do desamor
eis as flores do lau
a terra é seca
o verso o tao
em breve nas ancas
desbancando seu jornal
43
REMIX
a cadeira é aquele
exemplo universal
multidisciplinar
o poema é um protesto
abaixo à opressão dos explicadores
da preguiça não-criativa
da falta de exemplos
um dia virá
a revolução das cadeiras
vou esperar sentado
42
Dija Darkdija
{Poe[(Ma)L.(A]Pessoado)}
tudo é poema se a preguiça for pequena
41
REMIX
Indireta poética
testando
não sei se é poesia
talvez de vez em quando
(vai acompanhando...)
40
Dija Darkdija
eu não sou doido
sou o além-doido
surto a cada suspiro
me asfixio
se respiro louco
39
REMIX
Sem Título, Sem Título Mesmo
escrevi e não sabia
que título dar praquilo
pesei o pensamento
pensei é peso
(ai dento)
o poema sem título
ainda tem título
(um não-complemento)
38
Dija Darkdija
ri mulher
há mais astrofísica no teu riso
que em uma galáxia inteira
um big bang de alegrias
no meio do terraço
37
REMIX
existe
o que existe
e nada mais
eu sei que é complicado
mas eu sou muito mais
36
Dija Darkdija
caramba
tu éx estranho
(eu sou tua companhia
até no winterferno)
35
REMIX
estou naqueles dias
de sei lá
não encoste por favor
estou sangrando
de verso uns dias
eles voltam
como foram
nós
tao
gia
na beira do lago
em que observo
o passa[n]do como nada
olhar pra mim e dizer:
34
Dija Darkdija
tenho medo de queda
vai que numa topada
eu caia na real?
33
REMIX
coincidência de rima
se o povo sai relendo
vai achar que é obra prima
32
Dija Darkdija
Reticencialidade
a pontualidade tá foda
nunca chega na hora
com o tal
cinco minutinhos
que vira meia hora
de tô chegando
a pontualidade
de tão pontual
chega atrasada com mais duas
virou a mais que fatal
reticencialidade
(é verdade)
31
REMIX
descreva
a felicidade
em três pontos
...
pronto
30
Dija Darkdija
a raposa, um grande mistério em pelo,
é um apelo.
em seu timbre de arisca
me olha de longe
via vento me ensina:
“vai, arrisca”
a raposa, um grande mistério em pelo,
é isso mesmo.
mentora a dar conselhos
“corte verbos, corte gentes,
por favor, corte os cabelos”.
29
REMIX
Vulpinologia
a raposa, um grande mistério em pelo,
me corta os verbos.
se esgueira em meus versos
aparece quando quer ou
cansa de dar-me um gelo
a raposa, um grande mistério em pelo,
me deixa doido.
procurando em minhas viagens
um rastro de um rastro seu
uma relíquia em qualquer toco
a raposa, um grande mistério em pelo,
é transformista.
é pequena no deserto
vira monstro mitológico
no meu vício de artista
28
Dija Darkdija
nem tudo que aperta é couro
nem tudo que faz mu é touro
nem tudo que reluz é
talvez seja ou(t)ro
27
REMIX
a voz insuportável
do real
não me desce
nem que venha
pintada de euro
26
Dija Darkdija
O Pinto
é um caniço
despensante
leva um canguiço andante
feito louco por aí
o lápis
(parente distante)
descreve em versos castros e putos
sua jornada decadentista-renascentista
fênix procurando um ninho
pra morreviver em paz
25
REMIX
É a Vi(n)Da
sobrevi
(vendo duas idas
para outros mundos
que ainda não vi tudo desse
e a minha passagem tá marcada
pra não ninguém sabe quando
alguém do nada bate a
porta de casa pra
vir me buscar)
vendo now
24
Dija Darkdija
Haikai Samurai
saque
golpe
baque
23
REMIX
Finados
a obra de um poeta
é um cemitério
de ideias
você que lê as lápides
e revive esses zumbis de letras
por favor
acenda uma velha
22
Dija Darkdija
eis o orgasmo
mas não olhe agora
lá vem outro espasmo
21
REMIX
{Apel[Ação (Pó.Ética)]}
sou um poema
dentro de um poema
dentro de (um poema)
dentro de [um poema]
(dentro) de {um poema}
[dentro] de (um poema)
{dentro} de [um poema]
dentro de {um poema}
aqui {[(dentro)]}
{[(dos parênteses), dos colchetes], das chaves}
me (leio)[releio]{treleio} leio-me a mim mesmo
não. me des.considere de todo.s meu.s ponto.s de
vista.s
sou uma mera {apel[ação (pó.ética)]}
{que termina de apelar por aqui}
[que termina a ação por aqui]
(e aqui, se (re)faz em pó.ética)
apelação poética
20
Dija Darkdija
ordem no tribunal
o juiz antes do réu
o réu diante do tao
19
REMIX
Ócio Da China
um poeta joalheiro
orgulhoso dos brilhantes
dizia todo faceiro
“lapidei”
“lapidei”
“lapidei”
o seu forte
era a lima
18
Dija Darkdija
o filho ensina pro pai:
(ou tenta, impaciente)
smartphone, twitter, instagram
o pai só ouve ecrã
ram pra ele é picape
o pai ensina pro filho:
tecnologia antiga em desuso
bastante funcional e versátil
energia limpa e tudo mais até
uma das forças-motrizes do mundo
“se chama abraço, menino”
17
REMIX
ai meu deus
essa dor no peito
e se eu morrer
meu laudo lá
asfixia por falta de ar-tchê
16
Dija Darkdija
dijadarkdija
é um ying yang torto
não sabe o que quer
o que escrever
e acha pouco
15
REMIX
nada pra fazer.
à parte isso
todo o tédio do mundo.
tudo pra fazer.
partindo disso,
toda a preguiça do mundo.
não deixa de fazer o que faz.
preguiça trabalhadeira.
preguiça dá trabalho.
a preguiça
não é nada preguiçosa.
(procrastina mas não falha)
14
Dija Darkdija
escuro
eis o que vejo:
porra nenhuma
e esse nada vira então um percevejo
com a fedentina a entranhar-se nos meus pelos
e a virar medo de ser engolido na bruma
então mainha diz ô caba te apruma
e me aprumo
passa por mim um morcego
abro os olhos nada vejo e percebo
que é tudo sonho
e quem vos fala aqui nem fuma!
13
E claro que Dija também comete os seus. Ele brinca tanto
com as palavras que às vezes a brincadeira não funciona
poeticamente e fica mais piada que poema. Nenhum de-
mérito nisso. Muitos poetas já consolidados erram a mão
em alguns versos, nem por isso deixam de ser grandes.
A poesia de Dija Darkdija requer várias leituras e
releituras. Só assim podemos tentar compreender sua lógi-
ca poética. Só assim conseguimos descobrir o lirismo que
ele tenta disfarçar em meio ao poema-piada. Dija Darkdija
diz, em um dos poemas, que é apenas um desconhecido
que chega de penetra nessa festa literária. Talvez seja, tal-
vez seja. Por isso, o que lhe resta é mesmo dançar o que
é. E colocar todo mundo para dançar também. Seja bem-
vindo ao mundo dos livros, Dija! E sirva-nos de sua poesia!
Estávamos precisando dela.

Linaldo Guedes, poeta
agosto de 2015
de ser coisa de gente sã. E neste primeiro poema já entram
as diversas referências da poesia dijaniana: a paródia, o pas-
tiche, a ludicidade, a irreverência, o neologismo, a musa, a
própria poesia, em si.
Há poemas curtos, onde a sentença quer ser defini-
tiva, “lembrando que quase existem/ ouvidos na parede”.
Há lirismo quando fala da lua que que traiu para o eu-lí-
rico ao brilhar para todo mundo, inclusive “pro joão pra
maria e pra ritinha”.
O poeta também constrói sua própria utopia. E
nela não existem poemas nem poetas. Nela o riso sempre
existe, afirma o interessante poema “A última utopia”.
Mas nesta utopia particular cabem todos os es-
tilos do estilo dijaniano. O da brincadeira com o dia de
quinta-feira, a crítica à alta sociedade, que vira um “pavão
pomposo”, a preocupação com as coisas mínimas, como
em “Dedo Mindinho”, o lirismo de “Sallírica”, a busca
constante do seu harém de palavras, ou dos mortos de uma
guerra que todos travamos – nos desclassificados poéticos.
Dija é um poeta que não tem medo de ousar, de
atrever-se, de surgir como o novo nessa nossa poesia tão
enfastiada dela mesma nos últimos livros que surgem dia
após dia. Sim, porque poesia também é risco. O poeta tem
que ter consciência de como usar a linguagem literária,
como encaixar um ritmo, ou uma mensagem, dentro do
poema. Mas é bom quando encontramos poetas que além
disso, também arriscam, sem medo de cometer erros.
O mix de um poeta que sabe ousar
Atentem para esse nome, caro leitor: Dija Darkdi-
ja! Jovem ainda, chega ao seu primeiro livro com a ousadia
que a gente pensa caber apenas aos grandes poetas já con-
solidados. Faz um mix antropofágico com um estilo todo
seu e o leitor corre o risco de querer ler essa sua primeira
obra sem medo das descobertas que as páginas seguintes
lhe proporcionarão.
A poesia em si é uma das formas mais lúdicas da
nossa literatura, já se pensou isso. Em Dija Darkdija essa
característica é mais acentuada do que o normal. A ludi-
cidade é a marca maior de sua poética. Isso já se percebe
no “Poema de Trinta e Sete Faces”, que, como o título
sugere, guarda influência direta com o célebre poema
drummondiano. Só que Dija não se atém apenas a mais
uma paródia de Carlos Drummond de Andrade, como
muitos já fizeram na poesia brasileira. Vai mais além, “vai
ser doido na vida”, porque a poesia de verdade nunca há
EDITORA PENALUX
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Guaratinguetá, SP | CEP: 12500-260
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EDIÇÃO
França & Gorj
REVISÃO
Helga Maia
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Ricardo A. O. Paixão
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
D219M DARKDIJA, DIJA. 1993-
REMIX / DIJA DARKDIJA. -
GUARATINGUETÁ, SP: PENALUX, 2015.
118 P. : 21 CM.
ISBN 978-85-69033-78-3
1. POESIA I. TÍTULO.
CDD B869.1
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura Brasileira
Todos os direitos reservados.
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mediante autorização expressa do autor e da Editora Penalux.
Editora Penalux
Guaratinguetá, 2015

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