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TROPEIROS E COLETORES: A PASSAGEM DAS TROPAS PELAS

COLETORIAS DE GOIÁS - SÉCULO XIX

Ana Claudia Alves de Aquino Garcia

Resumo: Este artigo se propõe apresentar os coletores de Goiás, inseridos na máquina administrativo-
tributária da província goiana do século XIX. Para tal foi empreendida, primeiramente, a exposição sobre os
meandros do aparato arrecadador_ colonial e imperial_ abrangendo desde a definição de sua principal
mercadoria_ o tributo_ passando por considerações sobre origens, principais modificações no decorrer do
processo de aperfeiçoamento do fisco e obste à sonegação, até a forma como estava instituída a arrecadação
tributária em Goiás no inicio do século XIX. Além disso, apresento, a partir de cortes cronológicos, os
principais impostos cobrados no Brasil desde o advento da colonização, seus agentes, modos de arrecadação e
as implicações conseqüentes deste processo, na construção do Estado Nacional e posteriormente legada às
instituições tributárias e econômicas da Nação.
Palavras-chave: Coletores, tributos, contrabando, patrimonialização do Estado.

1. TRIBUTOS
“(...) não basta saber quais imposto, taxas e contribuições que foram
estabelecidas, quais órgãos públicos os estabeleceram ou quem era
responsável pela arrecadação. Urge conhecer os processos de resistência
às políticas tributárias, concretizados na sonegação ou em uma rebelião.
Enfim, (...) homens concretos, dentro de um contexto histórico.”
(AMED,2000).
Tratar de tributos, impõe minimamente o conhecimento sobre suas origens, o que
significa voltar o olhar para o embrião do Estado.

Anteriormente a formação das Cidades-Estado, o sistema coletivo das sociedades


prescindia de impostos. A partir do momento em que se estabeleceu a separação entre
governantes e governados, fez-se necessário que “parte da riqueza produzida pela
população fosse transferida para um soberano ou agente público”. Estabeleceu-se o sistema
tributário.

Inicialmente, o caráter divino do poder dos soberanos era o mecanismo legitimador


dessa instituição; Posteriormente, foi sob a alegação de “proteção aos súditos” que se
instituiu a cobrança de parte do que era produzido pela população. Portanto, trata-se de um
fenômeno mutável, inserido em determinado espaço/temporal, cujas características
relacionam-se diretamente com a riqueza, o modo de produção, o grau de desenvolvimento
produtivo e logicamente com o sistema político que ordena essa região. Tais características

1
modificam-se a medida em que se altera a estrutura sócio-econômica na qual elas se
inserem. E ao modificarem-se permitem que se recomponha sua historicidade.

Trata-se de uma história que tem suas origens na Antiguidade. Acredita-se que as
primeiras formas de tributos deram-se de maneira voluntária, no sentido de presentes
oferecidos aos lideres tribais em agradecimento aos serviços prestados à comunidade.
Tributo1 significa parte do imposto que recai na tribo, imposto, contribuição, homenagem2.
O Dízimo3 constitui-se em uma das mais tradicionais formas de pagamento de tributos,
presente nas civilizações Egípcia, Grega, Romana e Hebraica.

A desagregação do Império Romano, trouxe, para o Ocidente, nova forma de


organisação politico-administrativa. Ao feudalismo, acompanharam novas práticas
tributárias que mantiveram os apctos opressivos herdados da Antiguidade.
Neste período surgiu outra possibilidade de arrecadação a partir da instituição de
tributos em dinheiro. Junto a essa técnica administrativa evidenciou-se a dificuldade de
elaboração de um orçamento, fato que levou o príncipe a delegar esse cálculo a outros e que
teve como conseqüência: o arrendamento da cobrança de tributos dado a empresários e
funcionários_ e até mesmo a entrega direta aos soldados_ ou a transferência deste cálculo
aos senhores territoriais.

Nessas formas de apropriação de prestações monetárias estava um sistema fiscal


degenerado e um aparelho estatal incapacitado para arrecadar impostos. No sistema de
arrendamento aos senhores territoriais, o príncipe se abstinha de organizar uma
administração própria, encomendando a arrecadação de tributos a poderes já existentes e de
caráter privado. Daí derivou-se a propriedade senhorial colonial que tinha na cobrança de
tributos em dinheiro ou em artigos coloniais e especiarias, o principal motivo para a
ocupação das colônias. Em sua grande maioria, a exploração das colônias empreendida pelo

1
Do latim “ tributum” (imposto , contribuição) (...) igualando-se ao sentido de imposto, [ por tributo ] se
entende a contribuição devida por todo cidadão estabelecido ou residente em um Estado, ou que dele tire
proveitos pecuniários , para formação da Receita Pública , destinada a suprir os encargos públicos do mesmo
Estado.(TESSIDORE op. cit SILVA, 1994, v.3/4, pg422)
2
Disponível em : http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. Acessado em 14 /08/2008
3
Dedução da décima parte dos produtos da terra para o culto divino. Do Latim decimus, de decem,
constituem-se na décima parte de todos os frutos da terra , ou dos lucros pessoais , tributados por
determinação eclesiástica , para custear o culto religioso .

2
Estado deu-se através das sociedades mercantis, a exemplo da Companhia das Índias
Orientais Britânicas e a das Índias Orientais Holandesas.

A Inglaterra medieval conhecia os Costumes, exigidos pela Coroa, “aqueles que


faziam comércio por fora, por mar ou terra”. O fim desse período trouxe rebeliões e
transformações sociais, intimamente relacionadas com a cobrança de impostos, seus
propósitos e limites. Como marco definidor cita-se a revolta dos barões contra João sem
Terra, que resultou na Magna Carta de 1215 e o estabelecimento da taxação pela
representação.

Com a decadência da ordem feudal adveio a formação dos Estados Nacionais_


momento de centralização político-administrativa_ capitaneado pelos reis absolutistas, que
visando recursos que mantivessem o funcionamento da maquina estatal, incumbiam-se da
cobrança dos impostos.

Acompanhando as alterações ocorridas na Política Fiscal nas chamadas eras


Clássica e Contemporânea, é possível contextualizar as políticas fiscais empreendidas pela
Metrópole portuguesa no período colonial brasileiro e posteriormente adotadas no Primeiro
Reinado, Regência e Segundo Reinado: períodos em que a política fiscal ortodoxa traçava
como objetivos centrais à redução dos gastos e despesas governamentais além da busca
pelo inalcançável equilíbrio orçamentário com a conseqüente eliminação do déficit
público.

Concluo, ressaltando que, para se compreender a política tributária de um


determinado período é necessário contextualizá-lo. Além de se conhecer quais as condutas
fiscais adotadas_ quando e como, e se oportunas ou não_ é necessário elucidar sobre a
política orçamentária_ se o Estado financiou as despesas públicas através de empréstimos
ou impostos_ e sobre a técnica fiscal empreendida na arrecadação. Tal empreitada, inclui a
observação da estrutura econômica da região analisada, assim como da administração ali
estabelecida. A partir destas observações torna-se possível compreender a opção por
determinadas atividades produtivas e as possibilidades de tributação das mesmas. Percebe-
se com isto que as diversas práticas tributárias existentes no Brasil, desde a Conquista,
correspondem as diferentes estruturas políticas com suas especificidades administrativas,
modos de produção e riquezas disponibilizadas.

3
Assim, a proposta deste artigo é a apresentação de alguns aspectos da malha
tributária do Império, como incidiu sobre a economia goiana, quais os agentes envolvidos
(rendeiros e coletores) e como foram recebidas por determinado setor da sociedade (os
tropeiros). Tais colocações objetivam dar sentido histórico ao tema das coletorias em Goiás
e a atuação deste órgão via seus agentes, os coletores. Essa empreitada vincula-se à
necessidade de compreender como, a partir da ação desses sujeitos históricos e a
documentação por eles produzidas, deu-se a passagem de tropas e boiadas pelos registros e
coletorias da Província. Para além disso, busco compreender como o ouro e posteriormente
o boi, mercadorias que deram sustentabilidade à economia goiana nos séculos XVIII e XIX,
deixaram, seus rastros na história goiana. Rastros que, apesar das dificuldades de serem
encontrados, fazem-se presentes na vasta e inédita documentação sobre as coletorias.

No entanto, é impossível tratar de tão vasto tema, sem discutir seus antecedentes
coloniais, as alterações advindas com a mudança da Corte e as necessidades impostas pela
Emancipação. Farei isso recorrendo a cortes cronológicos, que apesar de tradicionais, serão
úteis para esse intento4. Ciente da impossibilidade de elencar todos os tributos cobrados nos
diferentes períodos analisados, optei pelos que apareceram, na documentação fazendária do
Arquivo Histórico de Goiás e na historiografia sobre o tema, com maior freqüência e
regularidade .

2. TRIBUTOS NA COLONIA (1500- 1822)

O Império Português não se estruturou sobre um modelo único de administração. A


dispersão territorial, a diversidade de situações fez com que as conveniências e
especificidades locais influenciassem no dito processo, causando com isso, segundo
Hespanha, a “prevalência do critério da oportunidade sobre o da justiça”. Tais
determinantes promoveram diversas formas de domínio, desde as mais tradicionais e
formais (municípios e capitanias donatarias), passando pelas formas menos
institucionalizadas de administração (feitorias, fortalezas, protetorados) até aquelas de

4
A opção pelo estudo dos tributos a partir da divisão por períodos: Colônia, Primeiro Reinado, Regência,
Segundo Reinado, justifica-se perante o argumento de que, cada um desses períodos abrigou estruturas
econômicas, políticas, administrativas e culturais diferentes, o que obviamente repercutiu na elaboração
políticas fiscais distintas.

4
poder indireto e informal (mercadores e eclesiásticos). A indisponibilidade de recursos
financeiros e humanos que promovessem, nos domínios ultramarinos, a organização de um
governo nos moldes tradicionais, resultou, em um Império pouco homogêneo,
descentralizado5, onde centros políticos relativamente autônomos, buscavam soluções
especificas e onde a “resistência do todo decorria de sua maleabilidade” (HESPANHA,
1972).

Dentre os setores administrativos, cabia a Fazenda a condução das finanças do


Estado e cuja política econômica embasava-se nas práticas mercantis. A política
orçamentária portuguesa seguia os moldes dos Estados Absolutistas: uma grande incidência
de tributos que, arrecadados, custeavam as despesas públicas. Além disso, a burocracia
fazendária embasava-se no registro contábil de receita e despesa e na legislação jurídica
estruturada para alcançar os infratores das leis fiscais.

Na Colônia americana, a estruturação da administração fazendária, seguiu os


moldes do Reino sendo a arrecadação tributária sobre as atividades econômicas, sua
principal atividade. Juntamente aos interesses da Metrópole, a Fazenda zelava também pelo
recolhimento e administração dos dízimos eclesiásticos, que em decorrência do sistema de
padroado foi entregue à Ordem de Cristo.

No chamado período Pré-Colonial (1500-1530), inexistiam na Colônia do Brasil,


atividades econômicas de maior monta, o que repercutiu na incisão dos tributos sobre
matérias primas coloniais; A exploração das terras, seguiu aqui, a conhecida prática de
“concessão” pela qual o pau-brasil, explorado pelo concessionário era comercializado com
países estrangeiros através da Fazenda Real. A concessão estabelecia também o pagamento
de determinada quantia em dinheiro ou em espécie (o quinto do pau-brasil ou a quinta parte
do produto da venda da madeira) ao rei de Portugal, em troca do direito de exploração do
produto por determinado período de tempo. Tem-se portanto o estabelecimento do primeiro
tributo cobrado no Brasil e junto a ele, a prática que marcaria toda a administração colonial,

5
Creio que a expressão “aparentemente descentralizado”, empregada por Vicente Tapajós seja mais
adequada, visto que os capitães donatários , autoridades máximas das suas capitanias, reportavam ao Reino ,
além de estarem sob a jurisdição das Ordenações . O Próprio Hespanha refere-se a prática de auto-sustentaçao
de cada domínio que ligava-se ao centro através de longas viagens.

5
acompanhando as políticas tributárias e perseguindo o sossego do rei e o sonho de muitos
nobres: o contrabando.

Incapaz de promover a guarda rigorosa das costa litorânea, naquele momento


também ameaçada pela presença espanhola, e abalada pela perda de possessões Orientais,
restou a Coroa portuguesa a busca por novas fontes de renda. Rendas que só poderiam advir
da colônia americana. No entanto, o fator desencadeador dessa opção, foi bem mais
simples: o ouro. Já encontrado nas possessões espanholas.

Pela carta destinada a Martin Afonso de 1532, que já se encontrava em São Vicente,
D.João III participou-lhe o interesse em dividir as terras do Brasil em lotes, sendo que, as
primeiras doações6 só foram expedidas em 1534 e passadas através da carta de doação7 e
foral8. Tinham como finalidade principal o povoamento e por isso era permitido aos
donatários a doação de sesmarias e a fundação de vilas. Pelo Foral da Capitania da Bahia
e cidade de Salvador, emitido na mesma data, compreende-se que feita a doação, ao
Capitão era concedia a doação de sesmarias a qualquer pessoa, de qualquer qualidade e
condição, contanto fosse cristão9.

No estatuto das Capitanias, o Rei abdicou de muitos de seus direitos reservando a


si10: o quinto de qualquer sorte de metal; o dízimo11das mercadorias transportadas pelos

6
Segundo Taunay, o estabelecimento da capitania de Fernando de Noronha, datada de 1504, não instituiu o
regime de donatarias no Brasil, pois é considerado como uma doação de terras ao descobridor.
7
A as cartas de doação além da outorga da capitania ao Capitão donatário, com a delimitação do território, a
especificação de seus poderes , privilégios e obrigações também impunha-lhe a atribuição de governar
"como se governa uma província, e não para explorar como uma fazenda". Assim sendo aos donatários cabia
a colonização do solo, fundação de povoações, nomeação de auxiliares, concessão de sesmarias etc.
Adquirindo com isso os poderes de legislar, executar e julgar. ( AMED,2000 p 43).
8
O foral estabelecia a povoação junto a determinação dos direitos, foros, tributos e coisas que se pagariam ao
Rei e ao Capitão-mor. Com a implantação do sistema de capitanias foi estabelecida então a cobrança de
alguns tributos. Para isso a Coroa ordenou a instalação em cada capitania de uma Provedoria da Fazenda
Real, encarregada de cobrá-los. Essas provedorias tinham, também, a função de aduanas , eram presididas
pelos Provedores, que respondiam também pelo titulo de Juízes de Alfândega. Não fora porém, neste período,
baixado regimento para tais provedorias, pelo que, as atividades aduaneiras eram sujeitas a dúvidas freqüentes
e insolúveis. Somente em 1549, com a criação da Provedoria Mor da Fazenda Real, com sede na Bahia,
chefiada por Antônio Cardoso de Barros, é que a Coroa baixou o primeiro Regimento do Provedor –Mor e
dos provedores de Fazenda e junto a ele, o Regimento, destinado a orientar a ação dos provedores instalados
nas Capitanias sob a jurisdição do Provedor-Mor. Fonte: www.receita.fazenda.gov.br
9
Aos sesmeiros nenhuma taxa de aquisição seria cobrada, mas deveriam pagar: O dizimo de Deus, um tributo
variável pelo direito de uso das moendas d’água, dos engenhos de açúcar e marinhas de sal pertencentes ao
Capitão-mor; O quinto sobre todos os metais pago ao Rei e a dízima do quinto paga ao Capitão donatário; o
dízimo de todo o pescado; e ½ dízima (que corresponde a um peixe em cada vinte que forem pescados).
10
Fonte : Vicente Tapajós – História Administrativa do Brasil v. II, p 39.
11
Neste período, dízimos e quinto eram pagos em espécie.

6
navios para fora do reino; o dízimo das importações feitas por pessoas estrangeiras (que não
fossem naturais do Reino ou de seus senhorios); o monopólio do pau-brasil ou qualquer
especiaria ou drogaria que houvesse.

Neste momento em que a colonização visava estabelecer uma atividade produtiva


voltada para o mercado e a implementação do povoamento, fez-se necessário à instituição
de uma rede administrativa mais complexificada, custeada junto à iniciativa privada e que
desse suporte a este intento. Além disso, ao atrair particulares, a Coroa buscava dividir com
eles, riscos e custos da empresa colonial. Junto a este sistema administrativo e tributário
“rústico”, estava não somente a sonegação fiscal mas a constante corrupção por parte de
funcionários régios a quem era designada à arrecadação. Para diversos historiadores, foi já
aí, institucionalizada as fraudes fiscais na Colônia.

Ciente das circunstâncias de baixa arrecadação e insatisfeita com os resultados


alcançados pelo sistema de Capitanias_ que havia concentrado as atividades econômicas
em poucas regiões_ e ciente também do assédio permanente aos seus domínios por parte de
Nações estrangeiras, a Coroa viu-se às voltas com a necessidade de instituir um novo
sistema administrativo.

Em 1548, devido à desorganização da prática tributaria deu-se à segunda


intervenção político-administrativo e tributária. O governo Geral capitaneado por Tomé de
Souza propôs a presença mais efetiva da Coroa junto aos colonos e a retomada de parte dos
poderes outrora concedidos aos particulares. Na área fazendária, a atuação do Governador-
geral era secundada pelo Provedor-mor (responsável pela administração geral da Fazenda
na Colônia), ficando a aplicação da lei a cargo do Ouvidor-geral.

Foi com o Regimento dos Provedores da Fazenda Real nas Capitanias do Brasil de
1548, que foi instituído o regime fiscal fazendário na Colônia12. Este Regimento,
estabeleceu a “Alfândega13 e Casa de Contos em todas as Capitanias onde era feita a
escrituração dos Forais e Regimentos, dos Direitos e Rendas e Contratos de
Arrendamentos, e do pessoal das Armadas e Navios”(MENDONÇA,1972, p 89).

12
Marcos Carneiro de Mendonça .Raízes da Formação Administrativa do Brasil .IHGB,1972. p 89.
13
Alfândega da Bahia foi uma das mais antigas do país e a primeira a ganhar autonomia. A Bahia, como as demais
capitanias, sediava uma Provedoria da Fazenda Real, instalada em 1536.com atribuições alfandegárias. Mas, com a
destruição da capitania pelos indígenas, provavelmente essa repartição tenha cessado suas atividades. Fonte: site da
Receita Federal www.receita.fazenda.gov.br

7
Estabeleceu-se a cobrança do dízimo sobre mercadorias exportadas e importadas, assim
como a especificação do modo pelos qual seria feita a arrecadação das rendas por
particulares afiançados_ os rendeiros14.

Foi criada a Provedoria da Fazenda Real do Brasil e em cada Capitania foram


estabelecidas as fazendas reais, cujos oficiais eram responsáveis pela escrituração, balanço
e prestação de contas à casa de contos da Bahia. Ao Provedor-Mor caberia: Fiscalizar a
arrecadação de tributos nas capitanias, a cobrança do dizimo do açúcar, e o arrendamento
dos bens da Coroa através de pregões e a tomada de contas dos contratos15. Este sistema de
arrendamento permaneceu por toda era colonial e mesmo no Império, ainda há registros de
arrendamentos de cobranças de impostos.

No entanto, por maiores que fossem os cuidados dispensados ao processo de


arrematação, a Coroa viu-se sempre as voltas com fraudes e conluios. Na documentação
fazendária do Arquivo Histórico de Goiás, encontram-se documentos (de 1801 e 1810) que
exemplificam as dificuldades com o sistema de arrematação presentes em todo período
assim como as medidas adotadas pela Coroa. Em Carta ao Governador e Capitão General
da Capitania de Goiáz, o Príncipe Regente reclama da má execução que tem tido os
negócios de Sua Real Fazenda. Comenta sobre o contrato dos Dízimos da Bahia que
quando se achava ter sido arrematado com vantagem, se reconheceu que a mesma renda, se
administrada pela Fazenda Real, alcançaria rendimentos mais vultosos. Caso semelhante
ocorrera nas Capitanias do Rio de Janeiro, Pernambuco, e Rio Grande de São Pedro onde
os contratos foram novamente postos a "lanços”. Informado de que houve “conloio” contra
a Real Fazenda, ordenou que fossem imediatamente postos em lanços, todos e quaisquer
Contratos Reais

14
Arremataria o contrato de cobrança de impostos, aquele que oferecesse o maior lance. A fiança a ser paga,
correspondia a 10% da quantia avaliada para a dita renda . Com isso, instituiu-se o sistema de cobrança por
particulares que sempre cometiam abusos e vexações aos colonos. Em contrapartida a Coroa instituiu uma
jurisdição especial à Fazenda onde o Provedor-Mor julgava os Oficiais e rendeiros acusados de excessos.
15
Nas Capitanias, as rendas eram separadas em ramos e postas a pregão para serem arrematadas pelo maior
lanço_ observando que tais lanços não poderiam ser menores que os dos anos posteriores. Feita a
arrematação, o rendeiro pagaria a fiança de 10% do valor contrato. Entre Janeiro e fevereiro do ano
subseqüente o rendeiro deveria quitar sua divida junto ao almoxarife , que prestaria contas dos recebimentos
ao provedor da capitania que por sua vez, qüinqüenalmente, prestaria contas ao provedor-mor na Bahia. Caso
não houvesse arrematador interessado no contrato, o provedor nomearia pessoa da terra ,idônea e abonada
que procedesse a arrecadação( MENEZES, 2005, p 38).

8
“o que executareis não só pelo que respeito a cada hum em totalidade
mas ainda dividi-os em ramos ou pequenas porções, com a condição de
prestarem os Arrematantes bons fiadores e de pagarem cada Quartel
houver principiado; e no cazo que vejais , que por este modo ou pelo de
huma Administração certa se pode augmentar a Minha Rela Fazenda, e
que esta caso de se Considerar que há lezão enorme contra ella devereis
desde logo dar por acabado o mesmo Contracto ou Contractos , e mandá-
los entregar aos que novamente os arrematares” 16

Todo esse aparato administrativo tencionava uma melhor arrecadação dos impostos
e a promoção de recursos que permitissem às provedorias arcarem com o ônus
administrativo, além logicamente do controle mais rigoroso sobre a arrecadação dos
tributos e fraudes cometidas contra as rendas reais17.

A jurisdição das provedorias regionais causavam algumas confusões. Suas


arrecadações estavam delimitadas pelos limites territoriais das capitanias, mas conforme
Menezes, havia exceções18. O pagamento das despesas, feitos pelas provedorias também
não respeitava os limites territoriais ou seja, nas “atividades de pagamento, municiamento e
abastecimento a que estavam obrigadas as provedorias” tem-se umas que pagam ou suprem
as necessidades de outras. Fato que evidencia a aproximação entre as capitanias.

Em oficio ao Capitão General da Capitania de Goiáz, datado de 1770, o Capitão


General da Capitania de Mato Grosso, comunica que os anteriores pedidos de socorro,
motivados pelas noticias de movimentação dos espanhóis próximos à fronteira, podem ser
suspensos pois que a região encontrava-se tranqüila. Quanto ao pedido de ajuda, devido ao
“estado da Fazenda desta capitania e extraordinária penúria de mantimentos que este anno
se experimenta, por causa das cheias, rogo a V. Exª. suspenda por hora, a expedição dod°
(do dito) socorro (...)”.19

16
Arquivo Histórico de Goiás , Documentação avulsa, caixa 5 .
17
A autonomia e amplidão de poderes concedidos às Provedorias constituíram-se, sem duvida alguma, em um
dos maiores problemas enfrentados pela Coroa no combate as fraudes e sonegação fiscal. Como medida
precatória, a coroa portuguesa exigia dos funcionários régios, envolvidos na cobrança de tributos, o
pagamento de uma fiança além da disponibilização dos seus bens pessoais para cobrirem quaisquer possíveis
prejuízos posteriormente causados. Medida que não fez por impedir ou diminuir as fraudes fiscais.
18
Como exemplo cita o imposto da dizima da Paraíba que durante muito tempo foi arrecadado pela alfândega
pernambucana .
19
Arquivo Histórico de Goiás, Documentação Avulsa, caixa n 2 Pacote 1 -1770.

9
As obrigações de algumas provedorias no sentido de atender às necessidades de
outras, permaneceram por todo o período colonial, basta lembrar para isso o auxilio em
ouro, que a capitania goiana enviava à Capitania de Mato Grosso e que foi devidamente
expresso na Provisão de 3 de Abril de 1818 enviada à Junta da Real Fazenda da Capitania
de Goiáz:

“El Rey (...) querendo quanto é possível, concorrer com as providencias


necessárias para a segurança, augmento e prosperidade da Capitania de
Mato Grosso:foi servido determinar que a mesma Junta , a pesar da
escassez das rendas dessa Capitania, tome a seu cuidado, como hum dos
artigos da mais seria attençao, promover a cobrança da divida activa de
sua Real Fazenda, afim de que, por uma regulação mais econômica das
despezas della, se possa enviar para a dita Capitania de Mato-Grosso,
annualmente, alguma porção de ouro à conta da contribuição a que he
obrigada à mesma Junta para suprimento das despezas da mesma
Capitania (...)” 20

Menezes esclarece que no período que vai de fins do século XVII, ao segundo
quartel do século XVIII, Ceará, Rio Grande e Itamaracá, dependeram, sob diversos
aspectos da capitania de Pernambuco, quer no pagamento de soldos, ou manutenção e
construção de fortalezas. A comparação com a situação entre as Capitanias de Goiáz e
Mato Grosso, estabelecida em meados do século XVIII, momento de extração aurífera e
prevalecida até as vésperas da Independência, evidencia que a ajuda entre as Províncias,
não somente financeira, mas também em víveres e recursos humanos foi fator de grande
importância na era colonial. Mais que isso: ao que parece, mesmo que na jurisdição das
provedorias, definida nos Regimentos de 1548, onde o limite das ações dos provedores
coincidia com os limites territoriais das Capitanias, na prática não foi esse o ocorrido. Nas
obrigações paulatinamente estabelecidas entre umas e outras, encontrava-se o gérmen da
futura unidade nacional.

A busca, pela Coroa, por um melhor sistema tributário e arrecadador, através da


grande autonomia concedida aos provedores, fez por aumentar ainda mais as fraudes e
abusos cometidos por estes, além da freqüente violência empregada junto aos colonos.

20
Arquivo Histórico de Goiás,Relação da documentação dos Poderes Executivo e Legislativo Império e
Republica- Brasil_ Coleção das Leis do Império do Brasil. Provisão de 3 de Abril de 1818.

10
Neste período, as principais rendas advinham da tributação do açúcar e escravos
sendo os impostos cobrados sobre o couro e o tabaco, fontes complementares de receita e
os lucros auferidos, decorrentes das relações comerciais sempre favoráveis ao Erário
português, e não especificamente da cobrança de impostos.

Além dos lucros obtidos com o imposto de exportação do açúcar, havia o tráfico de
escravos, negócio rendoso, que proporcionava lucros rápidos e pequenos riscos; Outra fonte
de tributos que surgiu junto à produção açucareira, foi à criação de gado, usado não
somente para a alimentação e transporte mas principalmente para produção do couro
_vestiário, solas, envoltório pra transportar os rolos de tabaco, arriatas etc_ que revertia em
impostos aos cofres reais, em torno de 20% a 30% do preço final alcançado por peça,
percentual semelhante ao alcançado pelo açúcar. As regiões produtoras de couro
concentravam-se na Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, e sul da colônia, onde cobrava se o
dízimo do couro21.

Além do couro e tabaco, produtos como o algodão, cacau, cravo, canela, pimenta,
anil etc. também representaram boa fonte de rendimento à Fazenda Real. Os tributos eram
acompanhados pela sonegação e contrabando que constituíam-se em atos de resistência,
não só à política tributária colonial, mas também as limitações impostas pelo pacto
colonial.

Toda essa situação de dificuldades de produção e limitação do escoamento, imposta


pelo exclusivo metropolitano e pagamento de tributos, assim como o conhecimento de
todos os privilégios concedidos às elites locais, pré-dispunha nos colonos a resistência ao
pagamento dos tributos. É sob essa perspectiva que se compreende como a prática do
contrabando estabeleceu-se e tornou-se uma verdadeira instituição no Brasil.

O envolvimento dos funcionários régios, nas fraudes de licitação de contratos, nos


abusos durante a cobrança de tributos, na concessão de privilégios as elites locais através da

21
Com a criação da Colônia de Sacramento instituiu-se o quinto do couro e a determinação de que todo
produto ali produzido fosse exportado para o Rio de Janeiro. Tratou-se de uma manobra da Coroa tentando
impedir a sonegação21. Posteriormente, em torno de 1702, foi posto a lanço o direito de arrecadação do quinto
dos couros, contrato arrematado em 1705 pelo tropeiro Cristóvão Pereira de Abreu, nome que merece
destaque nos estudos sobre o Tropeirismo, por ter tangido, em 1732, a primeira tropa de mulas xucras da
região sul para São Paulo, inaugurando o ciclo do muar.

11
isenção do pagamento de tributos em troca de favores e benefícios pessoais, constituía-se
em falta de extrema gravidade. A “mistura” entre o que pertencia ao Rei e ao Estado levava
a concepção de que fraudar ao Estado significava crime de lesa-majestade. No entanto,
estes funcionários fraudadores, quando não eram nobres, tinham estreitas ligações com a
nobreza portuguesa o que proporcionava-lhes certa impunidade e à Coroa dificuldades cada
vez maiores de arrecadar os seus tributos.

A administração fazendária durante o período da União Ibérica foi marcada por


algumas mudanças, mas foi a partir da Restauração, que as maiores alterações
administrativas e a criação de órgãos fazendários especializados indicaram o aumento do
interesse português pela colônia do Brasil. O sistema fiscal implantado na colônia
promoveu a paulatina estruturação de uma malha tributária que visava, em última instância,
a transferência das riquezas da Colônia. A Restauração e saída dos batavos do nordeste
trouxe, como conseqüência maior, a concorrência com o açúcar produzido nas Antilhas,
fato que acarretou um longo processo de decadência para o setor açucareiro colonial.

A solução para a crise estava nos pés dos bandeirantes portugueses.


Incansavelmente vagando pelos sertões, abrindo picadas que avançavam lentamente pelo
interior, alcançaram, em fins do século XVII as almejada minas auríferas. A descoberta deu
início a uma política colonial severa e as mais opressivas práticas fiscais implantadas até
então.

Como a tendência do ouro era percorrer “diversos” e escusos caminhos, a


administração metropolitana criou no inicio do setecentos, as “alfândegas internas” ou
registros de fronteira22. Estas barreiras foram inicialmente exploradas por particulares que
arrematavam os contratos postos a lanço pela Fazenda Real e posteriormente administrados
diretamente por funcionários régios _ provedores dos registros. Ali, viajantes, tropas e
comitivas só seguiam viagem, mediante apresentação das guias expedidas pelas

22
Em 1718 começaram a ser criados os postos arrecadadores denominados "registros" nas estradas que
conduziam as minas. A arrecadação do tributo era, comumente, cedida a um "contratador", que pagava ao
fisco, em parcelas, uma quantia fixa, em troca do direito de cobrar o imposto em seu próprio proveito. Os
registros já haviam sido estabelecidos na "saída" das minas e nos portos, para fiscalizar a cobrança do
"quinto" e para combater o contrabando de gado que vinha da Bahia, passaram a fiscalizar "as entradas".
Foram criados em todas as estradas e caminhos importantes. Além dos registros, as "contagens", eram
registros especializados na cobrança do tributo sobre os animais levados de uma capitania para outra. Essa
expressão, porém, vulgarizou-se muito em Goiás, onde existiram quase duas dezenas de contagens Disponível
em: www.receita.fazenda.gov.br.

12
autoridades. Em torno destes postos de cobrança, surgiram casas, ranchos para os tropeiros,
vendas etc., originando daí, inclusive cidades23.

Quanto aos tributos, conforme já foi dito, junto à mineração foi implantado um
sistema tributário diferenciado, rigoroso e violento. Sistema recebido em meio a
resistências e revoltas. As Casas de Fundição para onde todo ouro era levado, causavam
insatisfação aos mineiros, devido os longos percursos por estradas perigosas e em péssimas
condições. Além disso, a desconfiança quanto ao manejo do ouro no momento da fundição,
estabelecia um clima de tensão entre mineiros e funcionários.

A Criação do Erário Régio24em Portugal, promoveu grandes mudanças não somente


na forma de arrecadação, mas sobretudo na contabilidade no Reino e na Colônia. Com estas
medidas, as antigas e poderosas provedorias foram sendo substituídas pelas Juntas de
Fazenda, diretamente subordinadas ao Erário português e presididas pelo vice-rei, na
capital e pelos respectivos Governadores das Capitanias. Tais Juntas passaram a administrar
e arrecadar todas as rendas régias além de efetuarem os pagamentos das folhas civil,
eclesiástica e militar o que provocou a extinção do Conselho da Fazenda e dos cargos de
Provedor-mor e provedor das capitanias.
23
É oportuno esclarecer, sobre as “contagens”, postos de fiscalização e arrecadação especializados na
cobrança dos tributos incidentes sobre animais em trânsito de uma capitania para outra. Tratava-se de uma
variante dos "Registros", com a especificidades de tributarem animais em marcha. No entanto, cobravam
impostos sobre outras mercadorias. Apesar da especialização, fiscalizavam e arrecadavam outros tributos dos
contribuintes que por elas passassem. Estes postos eram dirigidos pelos “contageiros”, oficio posteriormente
unificado ao fielado. Em 1798, a Rainha D. Maria I determinou que esses cargos não fossem mantidos e que
seus ocupantes fossem providos em outros. Apesar da ordem Régia, em documento datado de 1821, do
Arquivo Histórico de Goiás, Manuel Ignácio de Sampaio, em carta ao Conde da Louzada, diferencia os
Registros, que “só existem nas extremas da Capitania (...) e as Contagens estabelecidas no interior da
Capitania para a percepção de direitos, que sem o apoio de Ordem Régia alguma, e com o maior escândalo se
tem até agora exigido de certos gêneros, como tabaco, carne seca,marmelada, açúcar, sal da terra , rapadura, e
outros semelhantes, quando se transportão de huns lugares da Capitania para outro, e que só o gado vacum
deixou de pagar (...)”. A importância deste documento refere-se também ao fato, de Sampaio comentar ter “
descoberto” no Archivo da Junta da Real Fazenda da Capitania de Goiáz _ o que denota certa desorganização
do órgão que certamente não mantinha Provisões, Alvarás, Ordens Regias etc., em perfeita ordenação_ a
Provisão de 2 de Setembro de 1808, em que se manda cessar o pagamento dos direitos que o gado vacum
pagava nos registros da dita Capitania. Segundo relata, a citada Provisão gerou a errônea interpretação “de
que tão somente se devia entender a respeito dos direitos que o gado também aqui pagava, quando se
transportava de hums lugares da capitania para outros, apesar de que estes direitos nada tinham com os
registros, que só existem nas extremas da Capitania e de que expressamente falla a Provisão de 1808
(...)”.Ora, percebe-se aí, não só o erro de interpretação quanto a Provisão de 1808, mas também a ilegalidade
dos tributos cobrados pelas “ contagens” que, apesar da Ordem de 1798, permaneciam até aquela data, “sem
apoio de Ordem regia alguma , e com o maior escândalo” cobrado tributos indevidamente. Fonte:Ficha
269,Arquivo Histórico de Goiás, Documentação Manuscrita, livro88 – Correspondência da Presidência da
Província para a Secretaria da fazenda Publica Marinha e Ultramar, pagina 1.
24
Criado em 1761.

13
É necessário ressaltar que se o século XVIII foi marcado por uma política fiscal
rigorosa_ acompanhada pela reorganização do aparato repressivo_ esta, por sua vez, foi
acompanhada pela resistência dos colonos. Junto a Pombal e ao declínio das atividades
extrativas, a cobrança de impostos tornou-se ainda mais opressiva tendo sido, inclusive,
estabelecida a Derrama para a arrecadação dos impostos atrasados. Novos e velhos tributos
pesavam sobre os contribuintes que ainda tinham de lidar com os grandes comerciantes do
reino_ na função de cobradores de tributos e controladores das Companhias de Comércio_
e que exerciam sobre determinadas regiões coloniais, a exclusividade das transações
comerciais. Como as insatisfações já eram esperadas pela Coroa, não somente o aparato
militar foi reorganizado mas também uma ordem administrativa, ainda mais centralizada.
Tais medidas foram respostas às exigências do ouro e ao apogeu da exploração portuguesa,
que basicamente efetivava a retirada das riquezas coloniais, através da cobrança dos
impostos.

Apesar de todas estas medidas, grande parte da produção de ouro, escapava a


fiscalização oficial. Além disso havia o contrabando de produtos ingleses que, exportados
para o Brasil, iam parar em colônias espanholas em troca da prata, que movimentaria as
transações comerciais inglesas25.

A administração Pombalina foi marcada, na colônia, por diversas revoltas


antifiscais, sendo a Inconfidência, uma das mais significativas. Posteriormente, adveio a
Crise do Antigo Regime e as Revoluções que sacudiram a Europa e domínios coloniais. O
combate ao ideário Iluminista, acrescido do esgotamento das minas, promoveram uma
tributação ainda maior. As tensões entre o Estado e a Igreja levaram à política de combate
aos jesuítas e junto a eles parte da nobreza também perdeu privilégios tributários.
Permanecendo a cobrança da maioria destes tributos nas mãos dos rendeiros.

25
Maxwell fala de “contrabando oficialmente protegido”: prata que ia para a Europa nas frotas do Brasil e era
reembarcada para a Inglaterra. Além disso havia as fraudes praticadas nas próprias minas."Os mineiros não
eram os principais responsáveis pelo grande fluxo ouro de contrabando de ouro: este se encontrava nas mãos
dos proprietários rurais, dos funcionários, dos padres e, especialmente, das caravanas de mercadores que
forneciam produtos manufaturados, cavalos, gado ex-escravos às zonas de mineração" (MAXWELL,1995,p
26). Segundo essa concepção, tropeiros de mulas xucras ou arriadas e boiadeiros estavam fortemente
inseridos neste comércio ilegal. No entanto, todo este quadro de sonegação e contrabando, eram respostas à
débil política estatal de meados do século XVIII. Coube à Don Jose I, a reordenação administrativa,
capitaneada por Pombal.

14
2.1. TRIBUTOS E CONTRATOS

“os contratadores eram a face privada e a Junta da Fazenda a face pública


– a cara e a Coroa _ do mesmo Estado.” (MADEIRA, 1993).

O arrendamento de tributos é prática comum na História e ainda que o Regimento


dos Provedores de 1548 tenha criado o regime fiscal fazendário, a Coroa, ainda não
devidamente aparelhada, optou pelo sistema de arrendamento de direitos e rendas do Rei.
Fê-lo através de agentes privados: os contratadores ou rendeiros, geralmente comerciantes
abonados ou capitalistas que, via sistema de fiança, antecipavam aos cofres do Erário, a
décima ou a quarta parte ou mesmo a metade do preço do contrato (MADEIRA, 1993).26

Nos registros, postos de arrecadação e fiscalização, era cobrado o tributo das


entradas (imposto sobre circulação de mercadorias).

Alguns mecanismos de controle por parte da Coroa sobre os rendimentos de seus


impostos, está explicitado em documento do AHG. Em ofício aos administradores dos
26
O contrato, estabelecido entre a Coroa e particulares, embasava-se juridicamente na instituição da
regalia_ arrendamento dos direitos do rei a particulares que mediante prévio acordo, recebiam o direito de
exercer direitos reais, tais como cobranças de tributos, exploração de estancos e monopólios. São os
chamados rendeiros ou contratadores, que junto aos almoxarifes, recebedores, provedores, tesoureiros e fieis
de registros, cobravam aos impostos e pagavam ao rei, através dos almoxarifes, a parte que lhe era devida.
Feita a arrematação, os rendeiros deveriam pagar a fiança de 10% aos cofres da Fazenda Real. Para isso,
dispunham dos trinta primeiros dias depois de firmado contrato, para iniciarem a arrecadação da renda e
pagarem o valor da fiança ao almoxarife.
Os contratadores, mesmo sob o controle do oficiais da coroa, montavam o seu próprio esquema administrativo
através da contratação de empregados e representantes.
Os contratos, com validade de três anos, eram arrematados em leilão, sendo fixo o valor total do imposto que
ele deveria recolher aos cofres da Real Fazenda, relativo aos anos de sua validade. Os rendeiros, contratavam
os administradores do registros, caixeiro os e cobradores. As Juntas da Fazenda de cada Capitania, nomeavam
os fiéis e os provedores dos registros, funcionários da coroa a serem instalados em cada registro. Segundo
Madeira, era corriqueiro o fato de ser, o administrador do registro contratado pelo rendeiro também nomeado
fiel da Coroa, conjugando assim as funções privada e pública. Como administrador do registro deveria zelar
pelos lucros do patrão contratador e como funcionário público zelar pelos interesses da Coroa. Em diversas
ocasiões, a Real Fazenda queria receber livre o valor dos tributo arrendados mas eximia-se quanto a suas
obrigações de manter um corpo de funcionários que acompanhasse o contratador na cobrança e recebimento
dos impostos, além dos gastos para alojamento e manutenção dos mesmos. Documento há que exprime o
desagravo do contratador quanto a esta situação, pois que, à ele interessava separar os custos e os lucros
privados, assim como toda a sua contabilidade, das despesas e receitas que cabiam a Real Fazenda. Esse
sistema de arrendamento privado do tributo foi segundo Madeira, causa e efeito da privatização da coisa
pública, e da patriamonialização do Estado. (MADEIRA, 1993, p.117). No registro, o rendeiro estabelecia seu
administrador e a Fazenda nomeava o fiel. Ambos se encarregavam de efetuar o lançamento ou a cobrança
imediata do imposto, através da formalização do crédito tributário onde uma nota promissória ou título de
dívida do comerciante, viandante ou tropeiro, era emitida para quitação no local de destino ou consumo da
mercadoria que foi tributada26. Para a ajudá-los na tarefa de arrecadar os impostos, evitando o contrabando ou
extravio das mercadorias, geralmente os registros contavam também com a patrulha policial/ militar(um cabo
e dois soldados).

15
rendimentos reais e agentes da Real Fazenda da repartição do sul, emitiu-se a ordem para
que se fizesse a entrega ao dragão Francisco Xavier de Souza, de todo o ouro arrecadado e
pertencente às rendas gerais como “sejão Entradas, Dízimos das plantações, Dízimos do
gado vacum e cavalar, Sahída do gado vacum, Passagens, Ofícios de Justiça, Correio e
Pólvora, como os Novos Impostos, Sisas, Selo, Décima e Carnes verdes e de todos os mais
que por qualquer título pertençam a Real Fazenda”. Junto ao ouro deveriam ser enviadas, as
relações em que “distintamente se declare as quantias de cada um dos rendimentos, o valor
relativo a cada ano, destacando-se os rendimentos com os ofícios da justiça, os nomes das
repartições, serventuários de quem sem cobraram e as quantias remetidas”.

As falhas dos funcionários dos Registros, chegavam ao conhecimento das Juntas,


que repreendia-os ou suspendia-os de seus ofícios. A partir de informações “de pessoas
dignas de crédito e por alguns fatos posteriormente praticados”, o escrivão deputado da
Junta informa ao Governador da Província goiana, que o fiel do registro de Arrependidos
não cumpria com seus deveres e fidelidade. Como a “conclusão dos exames necessários
para posteriores procedimentos podem ser demoradas, enquanto se nomeia pessoa idônea
para conhecer dos ditos feitos”, fez-se necessário que o fiel fosse suspenso até que se
providenciasse nova nomeação27.

João Rodrigues (Roiz) de Macedo foi um dos grandes contratadores de tributos no


Brasil colonial. Os contratos por ele arrematados, extrapolaram os limites da capitania de
Minas abrangendo também São Paulo e Goiás. Controlava seus funcionários, espalhados
pelas capitanias sob a jurisdição do seu contrato, através das cartas. Devido as grandes
distâncias, dificuldades dos caminhos, e entrelaçamento de receitas públicas e privadas,
tratava-se de tarefa complexa que, se mal executada, acarretaria enormes prejuízos, além da
impossibilidade de quitação dos débitos do contrato e conseqüentemente o confisco de seus
bens pessoais.

No contrato de Entradas arrematado na Junta da Real Fazenda de Vila Rica, por


tempo de seis anos, Macedo, presente à mesa da Junta, arrematou contrato das Entradas do
Caminho Novo, e Velho do Rio de Janeiro, São Paulo para as minas do sertão da Bahia e

27
Ficha número 250, livro 29 da Relação Manuscrita... ofício nº 92.

16
Pernambuco, Goiás, Cuiabá, Paranaguá e Paranapanema, pelo tempo de três anos_ de 1 de
Janeiro de 1776 a Dezembro de 1781_ ao preço de 944:000$000de réis livres para Fazenda
e “pagos em barras fundidas pelo vallor do seu toque, de que pertence a cada hum anno
157:333.$333 réis e um terço, além de 1% para a obra Pia, Ordinárias e Munições e mais
encargos do contrato (...)”.28

Patrulhas militares, como a comandada pelo Tiradentes, estavam incumbidas de


combater ou prevenir os descaminhos e contrabandos, quer fossem os direitos de
arrecadação pertencentes ao rendeiro ou diretamente administrados pela Junta da Fazenda
Real.
Conforme expresso no parágrafo 5° do Contrato de Entradas acima citado, as
mercadorias contrabandeadas seriam confiscadas e posteriormente divididas entre o
denunciante _ fosse particular ou soldado_ e o Fisco. A autoridade e privilégios concedida
ao contratador expressam claramente que a ele eram outorgadas atribuições do Estado. O
poder fiscal a ele atribuído demonstra, como nos lembra Madeira, “uma forma
caracteristicamente patrimonial de privatização do Estado, isto é, de apropriação privada da
autoridade e dos privilégios do Estado” utilizada pelos contratadores no “processo de
acumulação de capitais, poder e prestigio social”.

Todo aparato administrativo montado pelos rendeiros e auxiliado por oficiais da


Coroa, não obstaram o contrabando. Tentando minorar os prejuízos, Macedo, em carta ao
seu administrador da capitania de Goiás esclarece:

“respeito a extravios espero de Vm. todo cuidado e zelo para que os não
haja;... vossa mercê mandará pregar editais em meu nome em toda essa
Capitania, nas partes mais públicas, dizendo neles que eu dou a qualquer
pessoa, de qualquer sexo que for, forro ou cativo, que denunciar qualquer
extravio que possa haver, tirados os direitos, a metade do confisco; a
qualquer soldado, cabo, ou oficial, ou outra qualquer pessoa que tenha
jurisdição para fazer confiscos, se lhe dará o mesmo, isto é, fazendo-os

28
No quadro de devedores da Real Fazenda, apresentado por Madeira, o contratador João Roiz de Macedo,
que ficou devendo ao Erário, só no que diz respeito ao contrato de Entradas relativos aos dois triênios de 1776
a 1781, a quantia de 466:454$840. No entanto, pela cópia do Contrato de Entradas encontrada no Arquivo
Histórico de Goiás relativa a arrematação do mesmo contrato_ lembrando-se que o dito contrato engloba as
Capitanias de São Paulo, Minas Gerais e Goiás_ tem-se um valor de arrematação diferente do que o
apresentado por este autor, o que implica em uma divida ainda maior junto aos cofres da Coroa. No
documento do A.H.G. , o valor do contrato corresponde a 944:000$000de réis e não 766:726$612 réis como
apresentado.

17
sem que lhe sejam denunciados, que o sendo será para o denunciante; e a
outra metade será para o contrato.” (MADEIRA, 1993, p. 125)
Se o controle sobre a arrecadação, feito diariamente, num frenético vai-e-vem de
missivas constituía-se em tarefa exaustiva e difícil e se não menos exaustivo e penoso era o
trabalho de controle e emissão dos dinheiros, ouro em barra ou em pó, maiores ainda eram
as dificuldades enfrentadas nos momentos de execução das dívidas dos inadimplentes.
Tratava-se do estágio de penhora de bens, que constituía-se em “rica fonte de ocupação e
renda” dos advogados coloniais. João Roiz de Macedo não prescindia dos serviços de um.
O rendeiro Silvério dos Reis também não. Cláudio Manuel da Costa, atendia as solicitações
de ambos.

Aos rendeiros, seus sócios e fiadores não era permitido que transportassem
mercadorias em seus nomes pois se assim o fosse, eles seriam devedores de si mesmos ou
do contrato do qual era arrecadadores. Essa medida surgiu devido ao fato de que grande
parte dos rendeiros e seus sócios eram comerciantes, dispondo de grande número de mulas
cargueiras _ Macedo comercializava também com a região do rio da Prata, de onde seus
tropeiros e condutores traziam mulas e burros a serem comercializadas na região das minas
e do Brasil colonial _e por isso a Fazenda Real se prevenia da possibilidade de que esses
rendeiros ao passarem mercadorias no seu próprio nome, tornar-se-iam devedores de seus
contratos, o que redundaria numa fraude contra a Coroa. Apesar da restrição, a grande
maioria dos contratadores mantinham diferentes tipos de transações comerciais.

Dentre os contratos mais disputados pelos rendeiros estava a arrematação do


dízimo. Os dízimos cobrados no Brasil constituíam-se em um imposto eclesiástico também
denominado de dízimos reais e que passaram a ser cobrados como um direito real não
havendo, posteriormente, distinção com o imposto civil.

A ele, ninguém estava isento. No Brasil, desde o inicio da colonização deu-se a


instituição desse imposto, sendo o açúcar, a principal produção agrícola, e a mais rentável
fonte de receita29.

29
No ano de 1776, o contrato do dízimo da capitania de Goiás foi arrematado pelo triênio, pelo valor de 60
contos de réis livres para Fazenda Real, pagos metade em barras de ouro fundidas e a outra metade em ouro
em pó, além de 1% aplicado para a Obras Pias e mais encargos do contrato. Estipulou-se também, que o
pagamento se processaria em três parcelas de 20 contos de réis por ano. Arquivo Histórico de Goiás,
documentação avulsa- 1731-1973. Caixa numero 2. 1778, Dízimos e condições.

18
Em 1831, Bernardo Pereira de Vasconcelos, presidente do Tribunal do Tesouro
Público, baixou novo regulamento sobre a administração e cobrança dos dízimos nas
províncias de São Paulo e Minas Gerais, ressaltando que as demais províncias deveriam
deliberar se o observariam de todo ou parcialmente. Ali ficou regulamentado que todos os
dízimos seriam pagos em dinheiro, em duas prestações a serem pagas nos locais designados
pelo Coletor Geral (nas coletorias ou residências dos coletores). Já aí não se falava mais em
dízimos eclesiásticos que haviam sido abolidos, naquele ano, por proposta de Feijó e
decisão do governo regencial. Tal medida não impediu que a tributação dos dízimos
continuasse efetiva. O que houve foi à anulação dos dízimos eclesiásticos pois deu-se a
divisão das receitas públicas em Provinciais e Gerais, sendo os dízimos considerados como
rendas públicas pertencentes à receita em Geral, passando por isso a constituir-se em um
imposto estritamente civil.

Poucos eram os contratadores_ de dízimos, entradas, passagens etc._ que


conseguiam cumprir integralmente seus compromissos junto a Fazenda, como evidencia o
documento do A.H.G. o qual trata da quitação do contrato de arrematação do rendimento de
Passagem do Porto Novo do rio Corumbá, estrada de Anicuns para Uberaba30.

É pouco crível que casos como o acima citado constituíam-se em exceções e não a
regra. Se assim o fosse, porque teria permanecido a Coroa por tanto tempo_ três séculos_
utilizando-se dessa doutrina oficial de cobrança de tributos via arrematação de contratos?
Não se pode creditar à falta de recursos monetários e humanos, a razão única desta opção.
Mesmo sendo originário de épocas em que os Estados indispunham de um aparelho
burocrático eficaz, no Brasil, durante a Colônia e parte do Império é preciso percebê-los
sob a ótica da exploração colonial. Ali estava posta a opção da Coroa pela cobrança de
tributos via arrematação de contratos e não diretamente pela Fazenda Real. Ali também
estavam postas as bases do pacto colonial com a posterior opção pelo modo de produção
escravista, que instituiria, numa sociedade economicamente atrasada, a monocultura agro-
exportadora e a extração mineral como pilares produtores de riquezas. Sociedade mantida
sobre as curtas rédeas do exclusivo comercial e do mercantilismo, que em decorrência de

30
Em carta à Tesouraria Provincial, datada de 1837, o contratador_ Alferes João Jose de Souza e Azevedo,
enviou àquela repartição, através de Antonio Francisco Silva (?), a quantia de 153$000reis, relativo ao “preço
total da arrematação” que fez a vista do rendimento da passagem Ficha 127(3), Arquivo Histórico de Goiás,
Documentação avulsa, caixa n° 23 , ano 1837B

19
seus estatutos próprios, obstariam, na colônia, a “geração de um excedente econômico
suficiente para satisfazer simultaneamente à demanda do Estado, das camadas privilegiadas
que adejavam o poder_ inclusive os contratadores_ e de todo o resto da população que
sobrevivia ao deus-dará” (MADEIRA,1993,p. 180).

Claro está que, por maiores que fossem os prejuízos causados com a inadimplência
dos contratadores junto à Coroa e por constantes que fossem as reclamações dos
contribuintes junto a sua manutenção, a instituição dos contratos estava vinculada
principalmente aos interesses financeiros de uma burguesia portuguesa emergente que tinha
na manutenção do sistema de arrendamento, grande fonte de renda, poder e prestigio social.
Desde os primórdios da colonização, este segmento social aninhou-se sob as asas do
Estado, firmando-se como “seu braço privatizante”, mandatários privados, portadores de
isenções, privilégios. É nesse sentido que faz-se oportuno retomar as analises de Mauro
Madeira, relacionadas ao contexto econômico e social em que os contratadores se inseriam:
a sociedade do Brasil colonial onde o excedente econômico transladado para a metrópole,
na forma de açúcar, ouro, diamantes, tributo, café etc. visava tapar, urgentemente, o rombo
orçamentário causado, em parte por tratados comerciais desfavoráveis e em parte pela
própria conjuntura internacional de ascensão do capitalismo. Mas, é preciso recordar que a
arrecadação de tributos também constituiu-se em forma geradora de excedente econômico e
que, mesmo causando prejuízos aos cofres reais, na forma de contratadores insolventes,
permitia aos rendeiros_ em geral, súditos portugueses do rei_ reencaminharem, total ou
parcialmente, suas riquezas ao Reino. Somente mais tarde, quando do enraizamento dos
interesses portugueses na colônia, no conhecido processo de interiorização da metrópole
propalado por Dias, as rendas auferidas com a arrematação de contratos foram direcionadas
para atividades comerciais internas, como é o caso exemplificado pelo Barão de Iguape .

A partir de fins do século XVIII, começaram a surgir insistentes críticas ao


arrendamento contratual de tributos, assim como ao exclusivo comercial e a política
metropolitana de colonização. Mas a permanência do sistema indica não só seu
enraizamento na instituição administrativo-fazendárias herdada da colônia, assim como sua
funcionalidade: tratava-se, sem dúvida, de um sistema que “parece ter sido a forma de
convivência e harmonização de interesses, até o final do século XVIII, entre mercadores,
nobres da cúpula governante e funcionários que a assessorava”. Percebe-se assim que “(...)

20
a privatização fiscal do Estado_ através dos contratadores_ era na verdade o seu
aburguesamento patrimonialista, que coexistia, havia séculos, com o domínio da nobreza e
do alto clero, à sombra do rei”. Sistema que transladado para a colônia, deitou raízes,
germinando posteriormente, em um tipo diferenciado de burguesia. Aquela que, sob as asas
do Estado, foi incapaz de alçar vôo próprio, de aventurar-se e lançar-se no jogo capitalista
sem a devida fiança do Estado. Neste contexto, a história dos tributos e suas diferentes
formas de arrecadação são apenas um apêndice, uma nota de rodapé para a compreensão
deste fenômeno histórico.

É fato corrente que a mudança da Corte em 1808 e a conseqüente elevação da


colônia do Brasil à cabeça do Reino são reflexos diretos das transformações políticas e
econômicas ocorridas na Europa e EUA no final do século XVIII. Do ponto de vista dos
tributos, as mudanças começaram a ser sentidas a partir da Carta Régia de 28 de Janeiro de
1808 quando se estabeleceu a abertura dos portos.

Claro está que o Reino, mergulhado na decadência agravada pela saída da Corte,
vivia uma caótica situação e a colônia, mergulhada na euforia com mudança da Corte ainda
não se apercebido do arrocho tributário a ser-lhe imposto31. A leitura do período do joanino
não deve ser feita somente pela ótica da excessiva tributação, mas também sob a ótica das
revoltas antifiscais e principalmente, sobre as mudanças político-administrativas
consubstanciadas com a chegada da Corte32.

31
A corte trouxe: a cobrança da décima urbana, correspondente a 10% sobre o valor locativo dos imóveis;
décima de heranças e legados; sisa dos bens de raiz e meia sisa dos escravos ;imposto de consumo sobre o
gado e a aguardente; Subsidio real ou nacional, correspondente aos direitos sobre a carne verde e couros crus
ou curtidos, aguardente de cana e lãs grosseiras; subsídio literário; imposto do Banco do Brasil que
correspondia a 12.800 réis incididos sobre cada negociante; imposto sobre seges, também cobrado em
benefício ao Banco do Brasil, incidido sobre cada carruagem de quatro rodas que pagaria 12.000 réis e
10.000 réis pelo sobre as de duas rodas que pagariam o imposto de 10.000 réis;taxa sobre engenhos de açúcar
e destilação;novos direitos representados pela taxa de 10% cobrada sobre os salários dos empregados da
Fazenda e Justiça.
32
Junto aos novos impostos vieram também isenções que tinham o objetivo de estimular algumas iniciativas:
Isenção de impostos de exportação a todos os indivíduos que se dedicassem a cultura de árvores de especiaria
fina, farmácia, tinturaria e artes. Isenção que duraria dez anos a começar da data que foi proposta e se
estenderia aos pagamentos do dízimo de produção;Isenção do imposto da dizima urbana para todo aquele que
construíssem em aterros ou terrenos pantanosos. Estes não necessitariam recolher a décima urbana pelo
período de dez ou vinte anos;Isenção do dizimo , para aqueles que se estabelecessem às margens de rios como
Doce, Tocantins e Araguaia, incentivando o povoamento dos presídios.

21
3. O IMPÉRIO E OS TRIBUTOS.

Compreender o funcionamento e a estrutura da malha tributaria no Império_ leis,


tributos e mecanismos de arrecadação e destinação das receitas_ lança luz sobre aspectos
econômicos, sociais, políticos e culturais desse período, permitido não somente a
elucidação das principais atividades econômicas de determinadas regiões provinciais com
seus respectivos agentes, mas sobretudo a resistência e os protestos desencadeados por tal
sistema.

As transformações econômicas e sócio-políticas do século XIX, causaram no Brasil,


agora Nação independente, já com um aparato administrativo bastante complexificado,
algumas alterações no sistema fiscal. Alterações que foram impostas pelo aumento das
despesas com administração pública, que necessitava de maior arrecadação de receitas, a
ser efetivada, por meio de uma cobrança mais sistematizada de impostos. Em carta ao pai, o
príncipe Dom Pedro reclama:

“de parte nenhuma vem nada; todos os estabelecimentos e repartições


ficaram; os que comem da nação são sem numero; o numerário do
Tesouro é só das rendas da província [do Rio de Janeiro], e estas mesmas
são pagas em papel. É necessário pagar tudo quanto ficou estabelecido
(...) não há dinheiro (...) não sei o que hei de “fazer.” E continua: “um
sistema de finanças bem organizado deverá ser o vosso particular
cuidado... pois o atual... não só é mau, mas é péssimo e dá lugar a toda a
qualidade de dilapidações”33.
Além disso, o aumento e a diversificação da produção econômica levou a uma
pluralidade de tributos, além daqueles herdados da colônia e dos que passaram a ser
cobrados com o advento da vinda da família Real.

Recordando Gerson Silva, Tessitore comenta que até fins do século XIX, o tributo
tinha a finalidade fiscal nos moldes propostos por Adam Smith: despesas de governo
sanadas através da contribuição de todos os membros da sociedade.34

Todas essas concepções tributárias vigentes no fim do século XVIII, formaram a


base para a instituição da Constituição política do Império do Brasil de 25 de março de
33
Fala do trono de 3 de maio de 1827 Buescu, Mirceia_ Organização e Administração do Ministério da
Fazenda do Império.
34
Na declaração dos Direitos do Homem e Cidadão de 2 de outubro de 1789, item 13 está claramente
explicitada a busca da uniformidade do tributo_ princípio da igualdade do sacrifício: “para o sustento da
força pública e para as despesas da administração, uma contribuição comum é indispensável. Ela deve ser
igualmente repartida entre todos os cidadãos em razão das suas faculdades.” (Altavil, 2001, p 293)

22
1824, que em seu item 15 artigo 179, adota esse mesmo princípio esclarecendo que
“ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus
haveres”. Ao Ministério da Fazenda coube a administração da receita arrecadada. Apesar da
proposta de recíproca correspondência entre poder central e provincial, proposto pelo artigo
170 da Constituição, esta não ocorreu, dando lugar a conflitos permanentes e que não se
resolveram ao longo do período Imperial35.

A incumbência de administrar receitas levou a pasta da Fazenda a ter grande


projeção política: distribuía recursos, controlava empréstimos de verbas internas além de
receber a maior dotação orçamentária _ exceção para os períodos de guerra quando, aos
ministérios militares eram destinados os maiores orçamentos.

As falas do trono e os relatórios anuais do Ministério da Fazenda tratam


repetidamente das preocupações com os problemas financeiros do Império, com “o estado
miserável a que se acha reduzido o Thesouro Público” e com a necessidade de “um sistema
de finanças bem organizado”. É, a partir do quadro de insuficiência e dificuldades
administrativas, que é possível a compreensão sobre as reformas e esforços empreendidos
pelo Estado. Esforços concentrados basicamente na adoção e adaptação da organização
fiscal do Brasil Reino.36

A cobrança dos impostos permaneceu nas alfândegas, com os rendeiros ou coletores


especiais. A insuficiência administrativa repercutiria, uma vez mais, diretamente sobre as
35
Os problemas entre poder central e local são anteriores a Independência, tendo sido agravados pela
mudança da Corte para a colônia e a conseqüente sobreposição da organização metropolitana sobre o sistema
fazendário colonial. À relativa autonomia e descentralização das antigas capitanias, sobrepor-se-ia um sistema
centralizado, cujo centro decisório estaria no Rio de Janeiro, sede da monarquia. Além disso as novas
despesas originadas com o incremento do quadro administrativo necessitavam das contribuições vindas das
capitanias o que obviamente gerava descontentamento e resistência dos órgãos provinciais. Buescu cita o a
relatório de 24 de maio de 1822 em que a comissão encarregada de tratar dos problemas financeiros do Brasil,
queixa-se da não remessa das sobras Provinciais, tema recorrente nas falas do trono e carta do imperador ao
pai .
36
O quadro tributário estava assim estabelecido: direitos aduaneiros de entrada; dízimos sobre gêneros de
cultura e criação; imposto de exportação correspondentes a 2% sobre todos os gêneros e não sujeitos a
qualquer outro subsídio ou direito de saída; décima sobre o rendimento líquido anual dos prédios urbanos;
sisa de 10% sobre o valor de todas as compras, vendas de bens de raiz; novo imposto de carne verde que
constituía-se na cobrança de 5 réis por cada carretel de carne fresca de vaca; subsidio literário impostos sobre
a aguardente de consumo; imposto sobre seges, lojas e embarcações; imposto sobre o tabaco de corda
correspondendo a 400 réis por arroba; novos e velhos direitos; direito sobre escravos que se despachava para
as minas; imposto do selo de papel; décima das heranças e legados; meia sisa dos escravos ladinos;
contribuições diversas como taxas dos correios, dízimos de chancelaria, terças de ofícios, direitos de
postagem, pedágios, taxas de trânsito entre as províncias.

23
más condições das finanças públicas. Ao Império, recém emancipado, não seria possível
livrar-se de sua herança colonial. Assim sendo, sua situação financeira foi tributária deste
legado.

Em 1823 veio a reordenação da administração provincial, com a criação do cargo


de Presidente e vice-presidente Provinciais, além de seus respectivos Conselhos. Ao
presidente, nomeado pelo Imperador caberia a administração dos negócios que não
estivessem sob jurisdição do Conselho. No entanto, a ambos foi vetada a competência
tributária, atribuição exclusiva da Câmara dos Deputados que estabeleceu, em seu artigo
36° que “à Câmara dos Deputados caberia a função de estabelecer impostos”. A
Assembléia Geral definiria quais impostos, a forma de captação da receita, e também sua
distribuição para os governos Provinciais.

Ao Ministério da Fazenda caberia apresentar anualmente, à Câmara dos Deputados


através do Ministro de Estado da Fazenda, um balanço geral da receita e despesa do
Thesouro Nacional do ano antecedente, assim como o orçamento geral contendo as
despesas públicas no ano futuro e a importância de todas as contribuições e rendas públicas.

Ainda pela carta de 1824, foram estabelecidas as normas políticas e administrativas


que conduziriam o país, além das obrigações e direitos fazendários provinciais e centrais.
No entanto, o documento não precisou os campos de ação de cada um, o que gerou
problemas e confusões. O primeiro orçamento imperial, datado de 1827, não trouxe
especificações sobre o sistema tributário. A lei tratava dos “direitos de importação e
exportação” e “despachos de navio e interior”. Era justamente aí que residia o problema:
por interior, entendia-se a grande maioria dos tributos, ali não detalhados. Apesar das
propostas reformistas do I Reinado, estas só foram efetivadas com a lei de 4 de outubro de
1831. Somente em 1832, a lei orçamentária discriminou as fontes de receita geral e
provincial assim como a conceituação de receita geral e provincial. Este foi o primeiro
passo, de muitos que seriam dados, na tentativa de organizar a tributação, as melhores
formas de arrecadação para obtenção de maiores lucros. Passos que exigiam cautela,
inseridos que estavam em meio a acalorados debates. Tratava-se da divisão dos tributos
entre, aqueles a serem arrecadados pelas províncias e os que caberiam ao governo central,
além da própria competência provincial em determinar quais impostos e como arrecadá-los.

24
Para além disso, é preciso perceber a moldura que se sobrepôs a este quadro tributário,

onde o destaque referi-as a autonomia das províncias e a acomodação de suas elites .


A reforma tributária que ganhou forma na Regência está diretamente relacionada
com o espaço angariado pelas elites provinciais durante o processo de construção do Estado
nacional, assim como a influência que tais elites tiveram na formação e dinâmica das
próprias instituições nacionais.

Com a emancipação política abriram-se possibilidades diversas para a nova


ordenação da nação, sendo o centro do debate ocupado pela discussão: federação x estado
unitário. No entanto, na opção pela união, estava o imenso esforço de acomodar sob a
mesma nação, territórios distintos , com tênues laços de integração, ainda mais fragilizados
em função das demandas específicas, e por vezes opostas, reclamadas pelas elites regionais.

A diversidade de expectativas regionais advinham não somente do campo


econômico, mas sobretudo histórico e que, segundo as palavras de Dolhnikoff, “tornava
complexa a possibilidade de unificar todas essas regiões em uma só nação”, daí resultar que
o sucesso da unidade estava condicionado a formação de um projeto de nação que
acomodasse e atendesse os anseios das elites regionais.

No Primeiro Reinado este projeto não foi alcançado, mas com a abdicação veio a
possibilidade de edificação de um estado “que combinasse unidade com autonomia
provincial e participação das elites Provinciais no centro de decisões”37.

Em 1831 as reformas liberais reordenaram as instituições estatais, capitaneadas por


aqueles que advogavam pelo federalismo. A vitória deste segmento esteve atrelada a sua
capacidade de propor um projeto de nação com flexibilidade suficiente para atender a
demanda pela unidade, sem no entanto deixar de atender as reivindicações da maior parte
das elites provinciais.

O período compreendido entre 1830 e 1832 foi marcado por uma intensa reforma
fazendária que aboliu a Erário Régio, substituindo-o pelo Tribunal do Tesouro Público e
pelas Tesourarias Gerais. Além disso foram criadas as Mesas de Rendas e as Coletorias

37
Miriam DOLHNIKOFF,O pacto imperial- origens do federalismo no Brasil. 2005,p.25

25
_ repartições arrecadadoras locais, chefiadas pelo Coletor, auxiliado por um escrivão e um
agente e subordinadas às Tesourarias de Fazenda das respectiva províncias, a quem
competia criá-las ou suprimi-las, mediante aprovação do Tesouro Nacional.

Neste período, a Câmara dos Deputados aprovou, a reforma constitucional que


originaria o Ato Adicional. No projeto de reforma estava explícito que o Brasil era uma
monarquia federativa. Segundo os liberais paulistas, a federação evitaria movimentos
separatistas ao mesmo tempo em que atenderia às demandas provinciais. Além do mais a
opção pelo sistema federativo possibilitaria o meio mais eficaz para a administração de um
estado disperso por um longo território, cuja estrutura viária dificultava o transporte e a
comunicação e a conseqüente administração a partir do centro.

Ao chegar ao Senado, o projeto proposto pela Câmara não foi aprovado na íntegra e
do texto final foi suprimida a declaração de ser o Brasil uma monarquia federativa. Por
outro lado, a criação das Assembléias Provinciais, com suas relativas autonomias, foi
mantida passando este órgão, a dividir com a Presidência, o governo Provincial. Nesse
sentido, Miriam Dolhnikoff esclarece que “a retirada da expressão monarquia federativa
era apenas a retirada de uma expressão, pois o conteúdo da reforma, no que dizia respeito à
autonomia provincial, não foi alterado.” As Assembléias Legislativas Provinciais foram
dotadas de competência tributária, tanto para criar impostos quando para distribuir as
rendas arrecadadas.

Assim, no que se refere aos tributos, a legislação provincial estava de certa forma
relacionada com os interesses e controle das elites provinciais através do proposto por seus
deputados.

O Ato Adicional determinou, como impostos provinciais, aqueles em geral já


cobrados pelo governo central e que constituíam-se em importantes fontes de renda, agora
sob o controle dos governos Provinciais. Incidiam sobre as atividades internas, difíceis de
serem cobradas pelo governo central instalado no Rio de Janeiro. A principal fonte de
renda, o comércio externo, continuou sobre taxação do governo central. Sabido é da
vantagem do governo central quanto ao volume da arrecadação, mas ainda assim, as elites
Provinciais dispunham de receitas provinciais para a elaboração de políticas específicas
para suas regiões.

26
O golpe da maioridade inaugurou o Segundo Reinado e mesmo que, constantemente
abalada por levantes internos e conflitos externos, a Monarquia de Pedro II, conheceu
diversas alterações no sistema tributário.

Buescu, cita o decreto de 19 de Abril de 1844, que iniciou a unificação e articulação


das repartições fazendárias. Tal não abrangeu a Alfândega, de onde advinham as maiores
receitas orçamentárias e as Mesas de Rendas e Administração, mas centralizou a
administração das rendas no Tribunal do Tesouro Publico Nacional e nas Tesourarias
Provinciais. As dificuldades no funcionamento e fiscalização da Fazenda permaneceram.
No entanto, diversos fatores são apontados como causadores da inoperância de tais
medidas, dentre eles, a falta de recursos humanos, e os conflitos internos e externos.

Em face ao aumento da despesa, promovido pelo crescimento do país e de seu


quadro administrativo, novos impostos foram criados: um esboço do atual Imposto de
Renda, o Imposto Predial e a tarifa Alves Branco, que propôs a modificação das taxas
aduaneiras referentes a artigos importados considerados supérfluos. A tributação de alguns
produtos em até 60% ad valorem conseguiu diminuir o déficit orçamentário, mas era
necessário aprimorar o sistema de arrecadação. Em 1863, a Guerra do Paraguai, tornou
premente essa necessidade.

A diferenciação entre imposto geral e provincial foi mantida pelo II Reinado, apesar
das freqüentes alterações sobre quais itens pertenciam a qual categoria. Mesmo dispondo de
um sistema tributário mais organizado, as falhas, além de provocarem déficits
orçamentários, alimentavam os conflitos entre poder central e provincial, o qual, não
conseguindo sustentar-se com as receitas arrecadas, impunha tributos que incorriam na
bitributaçao. Quando não tritributaçao.

Em 1849, a legislação fiscal emitida para o exercício dos empregos de coletores e


administradores das recebedorias provinciais, determinou que, aos coletores encarregados
da arrecadação e fiscalização da Fazenda, ficava restrita “a obrigação de valer pelo
desempenho dos seus ofícios” sendo portanto, seus empregos incompatíveis com demais
funções. Nomeados pelo presidente da província, freqüentemente era-lhes ordenado, por
parte dos inspetores das Tesourarias, que indicassem homens de sua confiança para

27
exercerem a função nas coletorias. Somente após a indicação, seria-lhes facultada a
exoneração, por vezes insistentemente solicitada.

Na excussão de seus ofícios, recebiam comissões pela administração e arrecadação


das rendas provinciais referentes a diversos impostos, mas ao serem demitidos ou pedirem
exoneração, não poderiam recebê-las sem antes prestarem contas ou quitassem suas
dívidas junto à Tesouraria Provincial.

Pelas Leis do Império do Brasil, datada de 1847, aos coletores estava relacionada a
cobrança da décima urbana, sisa e meia sisa, imposto do banco, botequins, taberna, taxa de
heranças, comércio etc. Cabia-lhes a incumbência da arrecadação dos novos direitos, dos
impostos de casas, além de estarem encarregados do pagamento dos ordenados aos
empregados residentes na vilas ou distritos sob sua jurisdição. Estavam também
incumbidos da arrecadação dos dízimos e da remessa de suas contas às Tesourarias, fato do
qual sempre se esquivavam, recebendo constantes reprimendas por parte de seus superiores.

Estavam incumbidos de arrecadar a contribuição para os Lázaros além de apreender


gêneros extraviados. Na documentação fazendária analisada, são freqüentes as
correspondências emitidas pela Tesouraria provincial, alertando-os sobre a necessidade de
maior controle sobre o extravio do gado vacum; Em outros, eram acusados por constantes
erros durante a escrituração das rendas e aplicação das leis tributárias; Freqüentemente
viam-se questionados sobre os motivos pelos quais a arrecadação de uma determinada
localidade ou vila caíra tão abruptamente, não correspondendo aos valores comumente
arrecadados. Percebe-se aí, a tentativa de controle das Tesourarias junto aos seus agentes
arrecadadores. Mas surpreende como, mesmo diante dos insistentes pedidos de prestação
de contas e repreensão, esses agentes geralmente permaneciam em seus cargos, protelando
tais prestações de contas, ou fazendo-as de forma errônea, quando não displicente, o que
mostra a grande dificuldade de arrecadação das rendas, que advinda da colônia,
permaneceu no Império, mesmo que sob a jurisdição de outros agentes.

Na indagação sobre quem seriam os coletores, percebi, com base na documentação,


tratarem-se de tenentes, majores, alferes, e dos chamados "homens bons" aos quais era
designada a responsabilidade de arrecadar impostos e pagar ordenados dos párocos,
professores, Guarda Nacional dentre outros.

28
Devido a função que exerciam, criou-se em torno desses homens uma aura de poder
e respeitabilidade. Em uma sociedade com escassez de moedas, tais sujeitos eram vistos
como os homens que dispunham de numerário para efetuarem pagamentos e transações
comerciais, além de disporem da máquina administrativa e auxílio militar para promoverem
a tributação e cobrança de impostos.

As rendas provinciais dependiam não só da taxação da principal atividade da


província, mas sobretudo, da eficiência na cobrança dos impostos. Na província goiana do
século XIX, a principal mercadoria exportada era o boi, que se autotransportava e que, ao
deixar os currais, em direção à outras províncias, deveria, impreterivelmente, passar pelos
postos de arrecadação, as coletorias.

A documentação fazendária é rica em ofícios solicitando providências concretas no


sentido de se evitar o abuso do contrabando de gado, que diariamente cruzava as fronteiras
provinciais, sem o devido pagamento das taxas tributárias. Às queixas dos coletores, contra
a recusa dos tropeiros em pagar impostos, acresciam-se reclamações sobre a
indisponibilidade de auxílio militar que permitisse obstar o extravio. Além disso
queixavam-se freqüentemente da abertura de novos caminhos, feitos pelos próprios
tropeiros e condutores, que muitas vezes eram auxiliados por moradores dos barrancos, os
quais dispunham de canoas, legalmente permitidas somente para uso particular. Estes,
apesar das restrições de não darem passagem a nenhum viandante e serem obrigados a
denunciar qualquer movimento de tropas pelas margens por eles habitadas, auxiliavam a
travessia nos pontos dos rios onde estavam estabelecidos.

A passagem das tropas pelas coletorias de Goiás do século XIX foi freqüentemente
marcada pela tensão e desacordo entre tropeiros e coletores. Os primeiros, consagrados na
historiografia e literatura brasileira como homens de boa índole, heróis desbravadores
integradores do território, plantadores de cidades, contadores de causos, transmissores de
notícias, moda, culinária e alegria. Homens destemidos que se gabavam de sua retidão de
caráter e coragem, mas que insistentemente aparecem na documentação como
contrabandistas, homens perigosos, "conhecedores dos caminhos escusos" aptos a
prestarem qualquer tipo de serviço e rapidamente desaparecerem pelo sertão; Homens sem

29
dúvida alguma destemidos e empreendedores, mas que viam no sistema tributário imperial,
um peso com o qual não estavam dispostos a arcar.

Por outro lado, os coletores eram os homens da lei, temidos desde a Antiguidade,
portadores de moedas e pagadores de soldos. Responsáveis por livros de diários e
conhecimentos onde faziam toda a escrituração das rendas e com os quais mal sabiam lidar;
Responsáveis pela aplicação de leis e regulamentos com as quais tinham imensa dificuldade
de interpretar; Homens nomeados, escolhidos, mas que constantemente eram repreendidos
pelo péssimo desempenho no exercício de suas funções e freqüentes erros em suas
prestações de contas. Sujeitos que, integrados ao sistema tributário imperial, percebiam
nestes ofícios, reais oportunidades de ascensão social e prestígio, mas cujas cobranças por
parte de seus superiores, parecia-lhes demasiadamente alta e enfadonha.

Há muito que a história demonstra que a História não se constitui de bandidos e


mocinhos. Os homens são filhos de seu tempo, reflexo dos padrões morais, coercitivos e
sociais de sua época. Frutos da cultura, da moral e do arsenal cognitivo do qual dispõe.

Concluo ressaltando que toda a malha administrativa e tributária instituída na


colônia e legada ao Império, visando um número cada vez maior de receitas, não foi
recebida pacificamente pelos contribuintes. O contrabando do ouro e posteriormente do
gado, que grassou no sertão goiano do século XVII, XVIII e XIX, constitui-se, na contra
face do sistema tributário implantado. Foram formas de resistência e protesto às políticas
Portuguesas e Imperiais, que mesmo dispondo de um sistema de arrecadação de tributos,
via rendeiros ou agentes da Fazenda, foi incapaz de obstar o extravio de suas receitas, quer
fosse por parte de seus sócios, os contratadores de impostos, quer por parte dos coletores de
rendas, quer por parte dos tropeiros e condutores, que expressaram no contrabando e na
sonegação, a resistência e o protesto que acompanhou o cotidiano daquela sociedade.

Fontes:

BRASIL, Ministério da Fazenda. Direção Geral da Fazenda Nacional. Setenta e oito anos
de receita federal 1890/1967. Rio de Janeiro, 1968 Receita Federal. (Disponível em:
http://www.receita.fazenda.gov.br)

30
BRASIL, Arquivo Histórico de Goiás, Documentação Avulsa -1801 a 1810, caixa 5.

BRASIL, Arquivo Histórico de Goiás, Documentação Avulsa, caixa n 2 Pacote 1- 1770.

BRASIL, Arquivo Histórico de Goiás, Relação da documentação dos Poderes Executivo e


Legislativo Império e Republica- Brasil_ Provisão de 3 de Abril de 1818. Coleção das Leis
do Império do Brasil.

BRASIL, Arquivo Histórico de Goiás, Documentação Manuscrita, livro 88–


Correspondência da Presidência da Província para a Secretaria da fazenda Publica
Marinha e Ultramar. Livro 88, página 1.

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MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa_A Inconfidência mineira:Brasil e Portugal


1750-1808. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1978.

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