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ÉTICA I

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD

Ética I – Prof. Juan Antonio Acha e Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva

Meu nome é Juan Antonio Acha. Sou graduado em


Licenciatura em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano
e realizo Pós-graduação na área de Gestão e Filosofia.
Atuo como docente em Antropologia Filosófica. Sempre
fui preocupado com o valor da vida e da vida humana em
especial, por isso tenho presente as palavras de Sócrates,
referidas por Platão na Apologia de Sócrates: "Uma
vida que não é examinada não vale a pena ser vivida".

e-mail: juan@claretiano.edu.br

Meu nome é Pe. Sérgio Ibanor Piva. Sou Doutor em Ciências


da Educação pela Università Pontificia Salesiana (Roma/1966),
especialista em Perfezionamento Didattico in Psicologia
pela Universidade Salesiana (Roma/1963), em Psicologia da
Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Barão
de Mauá (Ribeirão Preto/1972) e em Logoterapia aplicada à
Educação pela Sociedade Brasileira de Logoterapia (1993).
Atuo, dentre outras atribuições, como Reitor do Centro
Universitário Claretiano e Orador Sacro, com mais de 10.000
homilias proferidas.

e-mail: reitor@claretiano.edu.br

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Juan Antonio Acha
Sérgio Ibanor Piva

ÉTICA I
Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2013 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

170 A16e

Acha, Juan Antonio


Ética I / Juan Antonio Acha, Sérgio Ibanor Piva – Batatais, SP : Claretiano, 2013.
92 p.

ISBN: 978-85-67425-57-3

1. Visão geral dos fundamentos da Ética, bem como das bases conceituais e de suas
diferenças ligada à moral. 2. Influência do cristianismo no pensamento medieval
ocidental. I. Piva, Sérgio Ibanor. II. Ética I.

CDD 170

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Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
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Raphael Fantacini de Oliveira
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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 7
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO....................................................................... 8
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 20

Unidade 1 – FILOSOFIA MORAL – LEGADO GREGO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 21
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 21
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 22
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 23
5 ÉTICA NO ÂMBITO DA FILOSOFIA MORAL...................................................... 24
6 FILÓSOFOS GREGOS, ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CIÊNCIA DO CARÁTER
E DOS COSTUMES.............................................................................................. 26
7 PLATÃO, OS DIÁLOGOS SOCRÁTICOS: A VIRTUDE COMO SABEDORIA......... 27
8 O FIM ÚLTIMO: A FELICIDADE.......................................................................... 31
9 OS SOFISTAS, DEFENSORES DO "NÓMOS"...................................................... 36
10 ESTOICOS E A LEI NATURAL, PERÍODO HELENISTA......................................... 37
11 T EXTOS COMPLEMENTAR................................................................................. 46
12 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 47
13 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 49
14 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 49
15 R EFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 50

Unidade 2 – A FINALIDADE DA ÉTICA E A ESSÊNCIA DA MORAL


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 53
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 54
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 54
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 55
5 MORAL............................................................................................................... 58
6 ÉTICA NORMATIVA E O FENÔMENO MORAL.................................................. 66
7 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 68
8 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 69
9 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 70
10 R EFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 71

Unidade 3 – ÉTICA MEDIEVAL, EMBASAMENTO CRISTÃO


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 73
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 74
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 74
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 75
5 INFLUÊNCIA JUDEO-CRITÃ NA ÉTICA DA IDADE MÉDIA................................ 76
6 PESSOA HUMANA............................................................................................. 79
7 O FUNDAMENTO DA VIDA ÉTICA É A DIGNIDADE DA PESSOA..................... 80
8 AGOSTINHO DE HIPONA................................................................................... 81
9 TOMÁS DE AQUINO: ÉTICA DA LEI NATURAL................................................. 84
10 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 88
11 CONSIDERAÇÃO FINAL..................................................................................... 89
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 90
13 R EFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 91

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Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Visão geral dos fundamentos da Ética, bem como das bases conceituais e de
suas diferenças ligadas à moral. Influência do Cristianismo no pensamento me-
dieval ocidental.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
O presente Material Didático Mediacional aspira introduzir o
estudante de EaD no estudo dos problemas fundamentais da Ética
no âmbito da Filosofia. A Ética é uma parte da Filosofia que estuda
a vida moral dos homens. Centra-se no comportamento da pessoa.
Os temas que integram este material são: desenvolvimento
histórico da Filosofia, moral dos gregos antigos até a Idade Média,
doutrinas éticas fundamentais, importância da moral, estudo da
Ética como essência da moral e relação da Ética com a moral.
Quanto ao corpo conceitual da Ética, apresentaremos uma
completa explicação na Unidade 2. O conhecimento factual e a cla-
8 © Ética I

reza conceitual são imprescindíveis na hora de realizar um juízo de


orientação ética. O conhecimento é fundamental para poder atuar
com liberdade. Se o leitor analisar em profundidade o maior diá-
logo ético da antiguidade, o Críton, perceberá que Sócrates morre
combatendo a ignorância e alertando para a necessidade de ana-
lisar racionalmente as teorias éticas normativas existentes no seio
da sociedade grega antiga (PLATÃO, 1999).

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO

Abordagem Geral

Prof. Juan Antonio Acha

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu-


dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará
em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma
breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões
no estudo de cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral
visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do
qual você possa construir um referencial teórico com base sólida
– científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis-
são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi-
lidade social. Vamos começar nossa análise pela apresentação das
ideias e dos princípios básicos que fundamentam este CRC.
Neste CRC, a Ética é considerada como a parte da Filosofia
que trata da reflexão sobre a moral, propiciando as condições para
explicar racionalmente a conduta moral humana. Durante o estu-
do das três unidades que a compõem, você perceberá que a Ética,
desde suas origens na Grécia Antiga, é uma disciplina normativa,
ou seja, é um saber que pretende elucidar as bases racionais da
vida moral, que diferencia o que é do que deve ser. A Filosofia mo-
ral expõe uma reflexão exaustiva sobre as diferentes morais.
© Caderno de Referência de Conteúdo 9

A moral é uma construção social mais do que uma ação de


orientação normativa própria do indivíduo; podemos dizer que a
moralidade está determinada por uma exigência exterior. É o ins-
trumento de que se vale a sociedade para organizar as ações indi-
viduais. Tem correspondência com a lei, com as convenções sociais
e com a História.
Segundo Frankena (1969, p. 21), a moralidade surge como
um conjunto de objetivos culturalmente definidos e como um
conjunto de regras a governar a consecução de tais objetivos, que
permanecem mais ou menos exteriores ao indivíduo e que a ele se
impõem ou nele se inculcam como hábitos.
É característico dos sistemas morais oferecerem uma razão
que justifique os preceitos, comandos, normas de conduta, proi-
bições etc. A nossa história ocidental está repleta de testemunhos
sobre nossa inclinação para justificar racionalmente os atos morais.
A vida na sociedade ocidental, no que diz respeito à moral, é uma
vida meditada; somos críticos das regras e valores da sociedade,
como o fez Sócrates na Apologia (PLATÃO, 1999). Por outro lado,
nenhuma prática pode prescindir de uma teoria que nos oriente
sobre a conduta a adotar ante cada situação. Assim entendida, a
moral é um sistema de conteúdos que organiza uma determinada
forma de vida.
Sabemos que, ao longo da História, surgiram diferentes con-
cepções morais. São objeto de estudo deste compêndio de Filoso-
fia as Filosofias Antiga e Medieval. Nesse período que se estende
por 2.000 anos, a Ética centrou-se no "ser" e a moralidade esteve
atrelada ao homem. Os filósofos da Grécia Antiga conceberam a
moral como a busca da felicidade (ou, como eles a definiram: da
vida boa e da prática do bem), idealizando um meio de atingi-la.
As bases para alcançar esse objetivo eram a correta deliberação
racional, que permitia traçar as estratégias que conduziriam de
forma segura para o que consideravam o fim da existência huma-
na: a felicidade. Esse legado chegou à Idade Média, uma época im-
pregnada de religiosidade, em que os critérios de bem e mal estão

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10 © Ética I

vinculados à fé e à esperança de vida após a morte. Nesse período,


o comportamento ético não foi moldado tão só por doutrinas ide-
ais, mas, também por modelos pessoais.
No âmbito de abrangência da Ética como Filosofia moral está
a pessoa humana, considerada a partir de seu "ser" e sua conduta
virtuosa ou viciosa.
A proposta pedagógica que orienta este CRC está em concor-
dância com Projeto Educativo Claretiano. Este propõe educar para
a liberdade, para que o educando possa atuar como pessoa, ou
seja, de forma livre, por entender que só assim poderá contribuir
para a perfeição de seu humanismo que repercutirá na comunida-
de onde atua e na global, onde está situado. A educação é aquele
caminho a que o homem deve recorrer para que sua liberdade seja
possível. Sem o conhecimento do que significa cada coisa, ficamos
confinados a um universo limitado.
A liberdade, acompanhada de responsabilidade, possibilita-
rá a você tornar-se um ser ético. É importante salientarmos que
liberdade não é falta de controle para fazer isto ou aquilo; a liber-
dade é a capacidade do ser racional de ter condições de pensar an-
tes de atuar e atuar pensando em cada ato que executa de forma
consciente. Por ser livre, o ser humano pode atuar de diferentes
maneiras, mas por ser um ser racional deve agir de forma ética. A
partir dessa perspectiva, a Ética, como disciplina filosófica, propi-
ciará a você condições para escolher de forma racional como agir
diante determinadas circunstâncias, bem como propiciar os meios
para avaliar um determinado ato moral como sendo ou não etica-
mente correto.
A Ética não pode ser vista dissociada da realidade sócio-
-histórica-cultural, ainda que nesse primeiro período do desenvol-
vimento da Ética, que vai desde os gregos clássicos até a Idade
Moderna, encontremos teorias abstratas como a de Platão ou de
influência religiosa como ocorreu na Idade Média com o advento
do Cristianismo.
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados no CRC Ética I. Veja, a seguir, a
definição dos principais conceitos:
1) Amor: virtude central na maioria das tradições éticas,
denotando uma atitude para com o outro que envolve
tanto afeto como um compromisso sério em relação ao
próximo.
2) Amoral: termo que reúne o prefixo "a" ("acéfalo, priva-
ção") e a palavra "moral" (o termo se refere aos campos
da conduta humana). Tem a ver com os princípios que
orientam a conduta do homem. Ser amoral significa não
possuir um código moral.
3) Antinomismo: literalmente significa "contra a lei". Ter-
mo teológico-cristão nos primórdios da Igreja, afirma
que a graça, por meio da fé, aboliu a lei, e que, portanto,
o cristão não está sujeito à lei.
4) Autonomia: literalmente "lei de si mesmo". Exercício
independente da vontade no sentido de obrar indepen-
dentemente.
5) Bem comum: ideia baseada em que o padrão normativo
para a justiça é o bem das pessoas como um todo.
6) Bem viver: como um princípio ético, o "bem viver" é fun-
damento da moralidade e processo para tomar determi-
nações éticas.
7) Caráter: as várias dimensões de personalidade que dis-
tinguem um indivíduo de outro.
8) Cinismo: escola de pensamento ético que afirma que
todo comportamento humano é motivado pelo desejo
egoísta, e que a bondade é a mais alta realização da vida.
Para esses pensadores, a virtude está em alcançar a total
independência do material. O cínico mais famoso é Dió-
genes de Sínope.
9) Compaixão: atitude ou emoção altruísta, leva a atos de-
sinteressados.

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12 © Ética I

10) Consciência: processo interior da responsabilidade mo-


ral e da capacidade inata para discernir o bem e o mal.
11) Costume: padrão habitual de comportamento caracte-
rístico de um grupo social específico.
12) Deontologia: é a ciência que estabelece normas direto-
ras das atividades profissionais sob o signo de retidão
moral ou honestidade, estabelecendo o bem a fazer e o
mal a evitar no exercício da profissão. É uma disciplina
normativa, mas também descritiva e empírica, que tem
como finalidade a determinação dos deveres que devem
ser cumpridos em determinadas circunstâncias sociais.
13) Deontologismo de regra: uma teoria do raciocínio moral
na Ética deontológica que declara que a correção ou im-
propriedade de um ato moral é determinado com base
na obediência a um conjunto de regras ou princípios mo-
rais.
14) Determinismo: termo ligado ao conceito de "livre-arbí-
trio". O contrário na prática de arbitrar livremente. Com
relação à Ética, afirma que as formas de comportamento
são consequência inevitáveis de causas anteriores.
15) Empatia: capacidade de partilhar sentimentos de ou-
tros.
16) Equidade: princípio de justiça que afirma que todas as
pessoas devem ter equitativa partilha.
17) Eros: termo empregado para definir forma de amor
como a presente no Banquete de Platão. Após o período
marcado pelo surgimento do Novo Testamento foi usado
para definir paixão carnal e irracional.
18) Estoico: nome grego que designa o pórtico ogival de
Atenas, usado para diferenciar os filósofos da escola de
Zenão de Cítio.
19) Ética: "ética", do grego "ethika", de "ethos", "comporta-
mento, costume". Filosofia moral que envolve o estudo
ou modo como devem viver os homens. Está subdividida
segundo a forma de estudo em: Ética analítica, cristã, da
libertação, da população, da reforma, da situação deon-
tológica, dialética, do Antigo Testamento, do fazer, do
Novo Testamento, do ser, do trabalho, empírica, evan-
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

gélica, existencialista, feminista, geral, hindu, industrial,


institucional, islâmica, judaica, maniqueísta, médica,
medieval, normativa, patrística, pessoal, profissional,
psicológica, tomista etc.
20) Ética cristã: parte de um conjunto de verdades revela-
das a respeito de Deus, das relações do homem com seu
Criador e do modo de vida prático que o homem deve
seguir para obter a salvação.
21) Ética estoica: tem a ver com o direito romano e a moral
cristã; o mais importante é a exaltação da natureza que
é animada pela divindade. Para Zenão, a virtude consiste
em viver em harmonia com a natureza. A lei natural apa-
rece acima dos costumes e das leis dos povos.
22) Ética dos bens ou dos fins: doutrina ética iniciada pela
filósofo grego Aristóteles. Ao contrário do empirismo re-
lativista, essa doutrina admite a existência de um valor
absoluto, que é o bem supremo.
23) Ética empírica: iniciada pelos sofistas, a Ética empírica
tem sido defendida pelos relativistas e materialistas de
todos os tempos. Seu fundamento é a experiência. Seu
ponto de vista é de que as normas do comportamento
ético derivam da própria atividade livre do homem.
24) Ética normativa: tem relação com a formação e elabo-
ração das normas sociais e não com seu seguimento ou
execução.
25) Eudaimonia: de "eu" que significa "bem disposto" e
"daimon", "com um poder divino". "Eudaimon" é o ad-
jetivo para feliz.
26) Eudemonismo: teoria ética que afirma que a felicidade é
o bem supremo e a base para a moral.
27) Felicidade: como termo ético, está relacionado às ideias
do bem-viver.
28) Hedonismo: abordagem de reflexão ética que declara o
prazer como valor mais alto a ser alcançado.
29) Instintos: força oposta à racional.
30) Juízos morais universais: são afirmações consideradas
aplicáveis a qualquer situação e lugar.

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14 © Ética I

31) Lei Natural: lei fundada na própria natureza, que supõe


um ordenamento de uma razão superior. A Lei natural
é uma norma para o comportamento ético, considera-
da inerente a todos os seres humanos por ser ocorrente
com a essência que os causa.
32) Mal: privação ou ausência do bem. Aquilo oposto ao
bem, que a ele resiste e o mina.
33) Moral: conjunto de normas estabelecidas e de caráter
normativo que regem a convivência social. Sofre pro-
gressos na medida em que se amplia seu campo de atu-
ação.
34) Moral, moralidade, moralizar: do latim "mos" significa
"costume", ou "uso". Envolve o que se deve acreditar
como correto e bom.
35) Norma: termo ético que designa uma lei ou princípio
que governa, direciona algum aspeto da conduta moral.
36) Pitágoras: filósofo matemático que, no século 6 a.C., de-
senvolveu umas das primeiras reflexões filosóficas de or-
dem moral a partir dos ensinamentos da religião orfista;
propunha que a natureza intelectual é superior à sensu-
al e recomendava a disciplina mental. Sócrates, Platão e
Aristóteles são seguidores dessa Filosofia Moral.
37) Prazer: termo utilizado dentro da reflexão filosófica rela-
cionado ao agradável, ao gozo.
38) Princípio: em Ética, designa um preceito geral. Os prin-
cípios morais são equiparados a regras, os categóricos, a
deveres inerentes.
39) Princípio ontológico: está na linha do ser, no que é bem
no sentido natural.
40) Prudência: virtude que está relacionada à sabedoria. É
uma das Virtudes Cardinais.
41) Sabedoria: reconhecida como virtude, associada à capa-
cidade de viver bem no sentido moral. Também designa
a capacidade de fazer juízos corretos.
42) Sofistas: nunca gostaram da criação de sistemas morais
com bases religiosas tidos como absolutos. Protágoras
ensinava que o juízo humano é subjetivo. Górgias, como
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

crítica, colocava que os seres humanos não têm a capa-


cidade para conhecer e muito menos comunicar esse co-
nhecimento moral. Telêmaco acreditava na força como
produtora da moral.
43) Temperança: esse termo denota virtude no pensamento
ético grego, está associado a moderação e autocontrole.
44) Utilitarismo: teoria relacionada à Ética Teleológica volta-
da para o princípio de utilidade.
45) Virtude: disposição para realizar atos moralmente cor-
retos. Tendência para agir corretamente. Também consi-
derada qualidade que torna a pessoa sábia.
46) Virtudes Cardinais: compreendem a prudência, justiça,
temperança e coragem. Tomás de Aquino herda as qua-
tro virtudes gregas e acrescenta as três virtudes teológi-
cas: fé, esperança e amor

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações
entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em es-
quemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhe-
cimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos peda-
gógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem.

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16 © Ética I

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem


escolar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que
estabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa,
apenas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é
preciso, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se
configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é
importante considerar as entradas de conhecimento e organizar
bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e
os novos conceitos devem ser potencialmente significativos para o
aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes
estruturas cognitivas, outros serão também relembrados.
Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é
você o principal agente da construção do próprio conhecimento,
por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações
internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por
objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando
o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou
seja, estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou
de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de
mundo (adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.
br/edutools/mapasconceituais/utilizamapasconceituais.html>.
Acesso em: 11 mar. 2010).
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

As diferenças teorias éticas Primeira fase: Antiguidade


Aselaboradas
começam a ser clássica; período greco-
no século 5 a.C. romano; Idade Média.

Teorias éticas são teorias filosóficas que respondem: Por que


utilizar essa moral concreta? As soluções estarão em concordância
com os problemas de cada época.

As filosofias moral ou ética não Doutrinas morais,


organizam de modo direto a orientações imediatas para a
vida cotidiana, seu objetivo é vida moral. O que devo fazer
refletir sobre a moral. diante tal situação?

• As concepções morais são formadas por normas de condutas, comandos,


proibições e permissões. Todos adoramos uma determinada concepção moral.
• A concepção moral dominante no período que vai desde a Grécia clássica até
a Idade Média esteve centrada no ser humano.

• Para os filósofos gregos a moral era a meta para viver feliz.


• A racionalidade moral permitia-lhes alcançar a máxima felicidade.

• A orientação moral da Idade Média incorpora elementos procedentes dos


filósofos gregos e latinos juntos com elementos judeu-cristãos.

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo Ética I.

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar en-
tre os principais conceitos deste CRC e descobrir o caminho para
construir o seu processo de ensino-aprendizagem. Da análise do
esquema precedente, surge que a Ética se ocupa da moralidade.
Existe uma pluralidade de enfoques em Filosofia Moral que permi-
tem falar em Ética. Esta disciplina trata do início da reflexão ética
que coincide com o período da Filosofia grega, denominado pe-
ríodo socrático, que se estende até a Idade Média. Essa reflexão
está comprometida com a razão prática, e visa ao bem de todas as
pessoas. Como ser racional, o homem é capaz de decidir sua con-
duta de acordo com a moral vigente (mores, costume, norma) ou
de atuar de acordo com a sua reflexão (ethos, Ética).

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18 © Ética I

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de


aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio
conhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertati-
vas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las à prática do ensino de Filosofia, pode ser uma forma
de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução
de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se prepa-
rando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa
é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e
adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gaba-
rito correspondente às questões de múltipla escolha, que lhe per-
mitirá conferir as suas respostas.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entende-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as
bibliografias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos do CRC, pois relacionar aquilo que está no campo visual
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste CRC convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas
e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.

Claretiano - Centro Universitário


20 © Ética I

Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie


seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este CRC, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para
ajudar você.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FRANKENA, W. K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
STANLEY, J. G.; SMITH, J. T. Dicionário de Ética. São Paulo: Vida, 2005.
PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores).
EAD
Filosofia moral – legado
grego

1
1. OBJETIVOS
• Entender os fundamentos da Ética.
• Perceber quais são os objetos material e formal da Ética.
• Apreender as doutrinas éticas fundamentais que se de-
senvolveram em diferentes épocas do pensamento oci-
dental: ética grega, greco-romana, ética cristã medieval.

2. CONTEÚDOS
• A Ética como a parte da Filosofia que se dedica à reflexão
sobre as questões morais.
• A tradição socrática e platônica, o conhecimento do bem
como provocador da ação justa.
• A Ética sofista, mera convenção social.
• Aristóteles, ética e virtudes. Fim último da vida ética.
22 © Ética I

• A felicidade como eudaimonia.


• O estoicismo, a existência de uma ordem universal supe-
rior.
• Lei natural.
• As virtudes cardinais, princípios orientadores.
• Análise da proposta de fuga de Sócrates, apresentada por
Platão no diálogo Críton.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Para iniciar o estudo desta unidade, você deve conside-
rar que a Ética é uma reflexão sobre os sistemas morais,
que são variados, já que os conteúdos morais variam de
sociedade para sociedade e de época para época, en-
quanto a reflexão ética, segundo os pensadores socráti-
cos, não deveria ser assim.
2) Durante a leitura dos conteúdos desta unidade, leve em
conta que as teorias éticas gregas, concebidas entre o
século 5 e o século 6 a.C., estão condicionadas pela ne-
cessidade de auxiliar a participação dos cidadãos na vida
política da cidade. Observe também que o início da re-
flexão teve como articulistas Sócrates e os sofistas, e que
eles deixaram de lado o estudo exaustivo da physis para
se aprofundar nas questões da polis. São centrais nesse
período:
a) Ética socrática: baseada no caráter eterno de valores
como Bem, Virtude, Justiça, Saber.
b) Ética platônica: alicerçada no Bem, valor supremo
não conveniado.
c) Ética aristotélica: fundamentada no princípio de fe-
licidade a ser atingido pelos membros da sociedade.
d) Ética sofista: defensora do relativismo dos valores e
da predominância da vontade do mais forte.

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© U1 - Filosofia moral – legado grego 23

3) Com o advento do império de Alexandre Magno, o mapa


político e social da Grécia Antiga muda drasticamente, e
a relação do homem com a polis deixa de ser fundamen-
tal para reger o comportamento moral. Surge uma ética
mais individualista:
a) A Ética epicurista, de Epicuro e Lucrécio.
b) A Ética hedonista de Aristipo de Cirene, baseada no
prazer. O verdadeiro sábio é aquele que sabe apre-
ciar os prazeres mais sutis e elevados. Seu objetivo é
sentir-se dono e não objeto do prazer.
c) A Ética dos cínicos de Diógenes, preocupados com a
harmonia do sábio com a natureza.
d) A Ética de Pirro, Sexto Empírio etc., denominada cép-
tica.
e) A Ética estoica de Zenão, Sêneca e Marco Aurélio, que
se preocupa com a relação do homem com a natu-
reza. O ideal do homem estoico está em conseguir
alcançar o estado de ataraxia. Isto é, alcançar o do-
mínio para ser imperturbável ante as dores, paixões e
problemas existenciais.
4) Para ponderar sobre outra óptica os conceitos desen-
volvidos nesta primeira unidade, sugerimos que leia o
artigo de Mariá Brochado, intitulado Prolegômenos à
Ética Ocidental, que foi publicado na revista do Tribunal
de Contas do Estado de Minas Gerais, disponível em:
<http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/
Materia/637.pdf>.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Os conteúdos desta primeira unidade auxiliarão você, aluno,
a entender mais claramente as questões filosóficas acerca da Éti-
ca. Para isso, partiremos da proposta grega clássica sobre o com-
portamento ético, levando em consideração que a preocupação
por estabelecer o que está bem e o que está mal apõe códigos e
normas morais e é tão antiga como a humanidade.

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24 © Ética I

O fundamento que inspira a Ética grega é a busca de uma


compreensão racional dos princípios que regem a conduta hu-
mana. Sócrates, segundo Platão (1999), levantou a seguinte tese:
como deve viver um homem para alcançar a eudaimonia? Sócra-
tes, nesse primeiro período do pensamento, levanta questões éti-
cas fundamentais que são discutidas na Filosofia da atualidade.
O tema da Ética grega gira em torno das seguintes questões:
da concordância com a ideia de "Bem em si mesmo" (proposta pla-
tônica); da compreensão dos termos eudaimonia e aretê (presen-
tes na Ética a Nicômaco, de Aristóteles), que chegam até a Ética do
estoicismo antigo. Encontramos o cimo da Ética grega na relação
do indivíduo com a polis, ou seja, ele está no desenvolvimento do
ethos no enfrentamento do cidadão com as exigências da socieda-
de organizada da qual faz parte.
Além dos pensadores mencionados, devemos destacar a
participação dos sofistas no ato de relacionar a Ética à ação hu-
mana. Mesmo assim, sua proposta difere da socrática, pois estes
trouxeram à reflexão a norma (nómos) como a única ordem válida
para construir a organização social e política.
Da leitura dos escritos gregos sobre Ética surge a pergunta:
a lei, quer política, quer moral, é consequência de uma necessida-
de natural, produto de uma vontade ou razão ordenadora, ou do
nómos?
Da leitura das diferentes propostas éticas da Grécia Antiga,
surge a interrogação: qual seria a melhor lei para uma cidade: a
que surge da ordem da Natureza (do ser) ou aquela que deriva das
convenções humanas?

5. ÉTICA NO ÂMBITO DA FILOSOFIA MORAL


Podemos dizer que o interesse por regular, mediante normas
preestabelecidas, as ações dos seres humanos é tão antigo como
a humanidade; formam parte de todas as sociedades e culturas as
prescrições, proibições, códigos e normas que definem sua moral.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 25

Por isso, a Filosofia Moral ou Ética tem como objetivo escla-


recer os juízos morais, e serve, em última instância, de orientação
moral.
Vamos supor que precisemos realizar um juízo ético sobre o
problema do aborto envolvendo fetos anencéfalos (que nascem
sem o cérebro) ou referir-nos ao problema da corrupção. O correto
é analisar essas questões à luz de argumentos racionais e com
conhecimento do tema, para estabelecer se a concepção moral
que valida a questão mostra boas razões ou não. Da reflexão filo-
sófica sobre o tema surgirá uma orientação que pode concordar
ou discordar com a posição moral em questão.
A Filosofia Moral compreende tanto a Ética como a moral.
Ética tem relação com o "bem"; moral com o "justo", que impulsio-
na o conjunto de regras que fixam condições de convivência.
Como alerta, segundo Cortina e Martínez (2005, p. 10-11),
para compreender melhor que tipo de saberes constituem a Ética,
devemos lembrar-nos da distinção aristotélica entre saberes:
1) O "saber teorético" é aquele cuja finalidade é o próprio
saber, a verdade, e cujos objetos são seres que existem
independentemente da vontade e da ação dos homens.
Está composto de três grandes ciências teoréticas: a Físi-
ca, a Matemática e a Teologia ou Filosofia primeira, pos-
teriormente Metafísica.
2) O "saber teórico" (mas não teorético, pois seu princí-
pio ou causa é o homem como agente) é aquele que se
constitui a partir da finalidade de conhecer a realidade.
Para as Ciências Teóricas, seu objeto de conhecimento
depende da vontade e da ação humanas.
3) O "saber prático", que é o que mais nos interessa nes-
te momento, é aquele que pretende dirigir a atuação
humana, o fazer humano. Para Aristóteles, a sabedoria
prática está relacionada à capacidade de justificar as
normas e valores que ajudam a ordenar a vida em socie-
dade, que ajudam a viver de forma ordenada, sem con-
flitos. O saber prático possibilita viver de forma digna,

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26 © Ética I

a viver uma boa vida. Vejamos o que dizem Cortina e


Martínez (2005, p. 11) sobre esse saber:
Na classificação aristotélica, os saberes práticos eram agrupados
sob o rótulo "filosofia prática", rótulo que abarca não só a Ética (sa-
ber prático destinado a orientar a tomada de decisões prudentes
que nos leva a conseguir uma vida boa), mas também a Economia
(saber prático encarregado da boa administração dos bens da casa
e da cidade) e a Política (saber prático que tem por objeto o bom
governo da pólis).

Os saberes práticos são aqueles que servem para orientar a


vida de forma boa e justa, que nos auxiliam na hora de agir, contri-
buindo para adotar a atitude mais correta ante cada situação par-
ticular. Estes são normativos, nos mostram como conduzir a vida
de forma justa.
Ainda segundo Cortina e Martínez (2005, p. 10-11), Aristóte-
les agrupou os saberes práticos dentro da denominação "Filosofia
Prática". A Ética é concebida por Aristóteles como um saber orien-
tador para alcançar a felicidade e a vida boa, assim, está dentro do
âmbito da Filosofia Prática.

6. FILÓSOFOS GREGOS, ELEMENTOS FUNDAMEN-


TAIS DA CIÊNCIA DO CARÁTER E DOS COSTUMES
Comparato (2006, p. 471-473) explica que os gregos desco-
briram que a razão está desdobrada em duas capacidades.
Uma tem a ver com o caráter objetivo, corresponde à capaci-
dade do ser humano de enxergar as essências por trás das formas
individuais, e possibilita agir de acordo com esse conhecimento.
Chamaram-na de razão especulativa; por meio da análise da coisa
apreendida se chega à verdade.
A segunda fase da razão tem relação com o agir e o fazer se-
gundo a arte (belo) e a técnica (o útil). Uma das mais importantes
dimensões da razão é sua capacidade ética, com ela organizamos
nosso comportamento no mundo, ela serve para indicar a linha
reta.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 27

Sócrates foi o primeiro pensador a colocar que no âmbito


da Ética se encontram as noções de felicidade, de virtudes e de
caráter.

7. PLATÃO, OS DIÁLOGOS SOCRÁTICOS: A VIRTUDE


COMO SABEDORIA
Para a tradição socrática e platônica, só o conhecimento do
bem poderia dirigir a ação justa.
Antes de Sócrates, não existia na Grécia uma reflexão orga-
nizada sobre o "homem moral" a não ser a posição relativista dos
sofistas. Ele inicia a reflexão sobre a Ética, e por isso é chamado
"Pai da Ética". Contudo, devemos apontar o fato de que, nos perío-
dos anteriores, sempre houve uma definição perfeita do que era o
bem comum e o bem individual.
Para os sofistas, a Ética é mera convenção social ou pactos
entre os homens; Sócrates os refuta e também critica os tradicio-
nalistas: os primeiros por não reconhecer a realidade objetiva dos
valores éticos, e os segundos por não se aprofundar no caráter
permanente desses valores.
Com exceção de uns poucos fragmentos de Heráclito e Xenófanes,
encontramos entre os sofistas e e Sócrates (século V a.C.) as pri-
meiras reflexões filosóficas sobre questões morais. Com relação
aos sofistas, sabe-se que consideram a si mesmos mestres da virtu-
de, concretamente a "virtude política" ou excelência da gestão dos
assuntos públicos. Mas ao mesmo tempo suas doutrinas filosóficas
defendem – ao que parece – posições individualistas e relativistas
que de fato conduzem ao ceticismo ante a própria noção da virtu-
de política. Eles alardeiam saber como educar os jovens para que
cheguem a ser "bons cidadãos" e ao mesmo tempo negam a possi-
bilidade de alcançar critérios seguros para saber em que consiste a
boa cidadania (CORTINA; MARTÍNEZ, 2005, p. 53).

Sócrates defende a necessidade de estabelecer critérios ra-


cionais para diferenciar a verdadeira virtude da virtude aparente
defendida pelos sofistas. Essa doutrina que equipara sabedoria e
virtude é denominada "Intelectualismo ético" e está apoiada no

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28 © Ética I

pressuposto de que os conceitos morais não são produto de con-


venções nem de pactos, porque estão referidos às realidades uni-
versais, às ideias. A bondade em si, a prudência em si, o que é justo
em si mesmo, como todos os outros valores morais, existem por
si próprios. O homem, por intermédio da razão, os pode definir
objetivamente e, uma vez conhecidos, os pode levar para a vida
prática. A moral baseada nesses princípios universais (ideias) deve
presidir a vida individual, tanto a do cidadão, como a da Polis.
A Ética socrática é profundamente racionalista. Para esse
pensador, só o reto conhecimento das coisas leva ao homem a vi-
ver bem. Seu grande legado está relacionado a esse saber com
uma ordem que emana da natureza das coisas, da essência delas.
Tanto para Platão como para Sócrates, só o conhecimento
do que é virtude pode tornar o homem virtuoso. Platão afirma
que só o "sábio" é virtuoso, porque unicamente conhecendo o que
é virtude, ou seja, conhecendo a ideia de virtude é possível ser
virtuoso. Hoje essa afirmação seria no mínimo ingênua, mas de-
vemos considerá-la no contexto do Mundo das Ideias na Filosofia
platônica para entender esse raciocínio. Sugerimos a releitura do
Mito ou Alegoria da caverna (PLATÃO, 2006, livro VII, p. 267) para
entender melhor o "sábio", que é aquele que está em contato com
o Mundo das Ideias. Na Ética, como na Antropologia platônica, de-
vemos pensar em um bem absoluto, um Bem com "B" maiúsculo.
Em Fédon, Platão coloca em evidência seu dualismo antro-
pológico, evidenciando que o corpo dificulta o acesso às virtudes
e ao verdadeiro conhecimento. Nesse ponto discrepa de seu discí-
pulo Aristóteles.
Logo no período socrático, Platão começa a trabalhar sua
teoria das formas ou das ideias, colocando a forma do Bem
agathós como a forma metafísica suprema. Platão (1999, p. 149)
diz que "a alma quando está em si mesma e analisa as coisas por si
mesmas, sem se valer do corpo, encaminha-se para o que é puro,
eterno, imortal, imutável [...]". Dando continuidade ao pensamen-
to:
© U1 - Filosofia moral – legado grego 29

Há algum sentido corporal por meio do qual chegaste a apreciar


as coisas de que te falo como a nobreza, a sanidade, a força, em
resumo, a essência de todas as coisas, isto é, aquilo que são nelas
mesmas?
Não, o conseguirá claramente quem examine as coisas apenas com
o pensamento, sem pretender aumentar sua meditação com a
vista, nem sustentar seu raciocínio por nenhum outro sentido cor-
poral; aquele que se servir do pensamento sem nenhuma mistura
procurará encontrar a essência pura e verdadeira sem o auxílio dos
olhos ou ouvidos e, por assim dizê-lo, completamente isolado do
corpo (PLATÃO, 1999, p. 127).

É muito clara a distinção metafísica entre corpo e alma: o


corpo é visto como um cárcere da alma, e o prazer e os sentidos
são extremamente desvalorizados.
Os filósofos, ao verem sua alma presa ao corpo são obrigados a
apreciar as coisas por intermédio do corpo, como se fosse através
de uma cerca ou prisão. Ao sentirem que a força dessa ligação cor-
poral consiste em paixões que fazem com que a alma acorrentada
ajude a apertar seus ferros [...]. Consolam-se e a advertem para não
utilizar os sentidos mais do que exige a necessidade, aconselhando-
-a recolher-se e encerrar-se em si mesma, a não crer em nenhum
testemunho que não seja o seu próprio (PLATÃO, 1999, p. 149).

A felicidade, eudaimonia
Eudaimonia é um termo formado por o prefixo "eu" que
significa "bem disposto" e "daimon", "com um poder divino";
"eudaimon" é o adjetivo para "feliz". No pensamento grego anti-
go, ser feliz significa poder usufruir os dons divinos. Para Platão, a
felicidade é produto da sabedoria. O sábio que acede ao mundo
das ideias é então eudaímon: feliz. Contrariamente a esse pensa-
mento, para Aristóteles a felicidade é uma atividade acessível ao
ser virtuoso que respeita os valores morais.
Esse tema foi comentado por Platão nas obra A República,
(2006, 354a) e As Leis (1991, livro 5) e citado por Aristóteles em
Ética a Nicômaco (2002, livro 1).
A proposta platônica também é diferente da defendida pelo
estoicismo; para os seguidores dessa doutrina, a felicidade resulta

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30 © Ética I

da vida harmoniosa, mas não é um fim (telos), e sim um estado


concomitante. Porém, tanto para Platão como para Aristóteles, a
felicidade é o fim da ação humana.

A virtude, aretê

Figura 1 A escola de Atenas (1509-1510), quadro de Rafael, que mostra Platão ao centro.

Em A República (PLATÃO, 2006), Platão, ao reportar-se ás


qualidades da cidade, enumera as quatro virtudes principais: a
sabedoria (sophia), a coragem ou fortaleza de ânimo (andreia), a
temperança (sophrosyne) e a justiça (dikaiosyne). Posteriormente
essas virtudes foram chamadas de cardeais, ou seja, fundamen-
tais. Platão alerta: não basta conhecer a virtude, devemos também
fazer algo voluntariamente para conservar-nos virtuosos.
A República não é simplesmente uma utopia, nem simples-
mente uma obra de Filosofia Política; envolve um projeto
ético-político-educativo. Está baseada num princípio ético: para
que exista uma sociedade justa, esta deve estar governada por
pessoas justas e receber uma educação específica.
Para concluir esse tema, é oportuno citar as palavras de Cor-
tina e Martínez (2005, p. 57):
© U1 - Filosofia moral – legado grego 31

Talvez o que mais chame a atenção da teoria ética de Platão seja


sua insistência na noção de um bem absoluto e objetivo – o Bem
com maiúscula – que, em sua qualidade de Idéia Suprema no mun-
do das Ideias, constitui a razão última de tudo o que existe e de
toda possibilidade de conhecimento. [...]
Platão afirma que só os que têm a capacidade e a constância ade-
quadas chegarão a se encontrar frente a frente com o Bem em si.
[...] Quanto às demais pessoas, que por falta de capacidades natu-
rais não chegarem à contemplação da Idéia de Bem, encontrarão o
tipo de felicidade que lhes corresponde atendendo às capacidades
que têm, sempre e quando, é claro, desempenharem cabalmente
as virtudes próprias de sua função social.

8. O FIM ÚLTIMO: A FELICIDADE


Aristóteles expõe suas reflexões éticas na obra Ética a Nicô-
maco (ARISTÓTELES, 2002). Também escreveu outras duas obras
sobre este tema: a Ética a Eudemo, que reflete elementos de seu
período de juventude, e a Grande Moral ou magna moralia, na
qual aparecem de forma resumida as ideias centrais da Ética a Ni-
cômaco, a obra Política, que para Aristóteles é um desdobramento
da Ética.
Aristóteles inicia a Ética a Nicômaco afirmando que toda
ação humana se realiza visando um fim; o fim que impulsiona a
ação coincide com o bem, se identifica com o bem. Ainda assim,
alerta o pensador, muitas das ações que o indivíduo executa são
"instrumentos" para possibilitar a realização do fim. Por exemplo,
o fato de submeter-se aos cuidados da Medicina preventiva tende
a evitar futuras intervenções mais complexas e perigosas, possi-
bilitando um fim que não é o imediato. Alimentar-nos de forma
racional sem cometer excessos para ter boa saúde também visa
a um fim não imediato. A correta alimentação é um instrumento,
como a Medicina preventiva, para ter boa saúde, que é o fim últi-
mo da ação.
Aqui surge a pergunta: existe algum fim que não seja um ins-
trumento para alcançar outro bem mais cobiçado? Aristóteles diz

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32 © Ética I

nessa obra que a felicidade é o bem último. A felicidade é aquele


estado a que todos aspiraram por natureza. A felicidade é um con-
ceito que está identificado com a boa vida. O problema é que não
são todos os homens que concebem de forma clara o que é a ver-
dadeira felicidade, muitos, procurando a felicidade, se entregam
ao prazer, procuram acumular riquezas materiais, cargos de reco-
nhecimento, honras, enquanto a verdadeira felicidade é viver de
forma virtuosa, sem cometer excessos. Quanto maior for o núme-
ro de virtudes que o indivíduo pratica, mais virtuoso ele será, e a
prática consciente da virtude está diretamente ligada à felicidade.
A felicidade é então o maior dos bens, é um bem em si (ARISTÓTE-
LES, 2002, livro 1, 1).
Ninguém pode buscar a felicidade pela felicidade; a felici-
dade não é uma coisa que pode ser adquirida. Muitos imaginam
que, adentrando no mundo dos prazeres, das posses materiais, do
poder, podem "comprar" a felicidade, mas esta é um bem absolu-
to, é considerada um bem em si mesmo. Só podemos alcançar a
felicidade como consequência de uma vida reta e virtuosa.
No livro 2 da Metafísica (2006), Aristóteles descreve o que
entende por virtude e vício. O homem deve repetir as boas ações,
aquelas consagradas como boas. Praticando boas ações e descar-
tando as erradas, adquire-se um hábito, que, para Aristóteles, é a
Virtude. Por sua vez, se a minha conduta não é a correta e mesmo
assim persisto nela, estarei adquirindo um vício. Virtudes e vícios
têm relação com a conduta escolhida. Todo bom hábito deve ter
como farol o termo médio, que se encontra entre os extremos. Al-
guns vícios são produto do excesso, outros, da privação; a virtude
escolhe o termo médio. Assim, a virtude é o termo médio, mas
a perfeição que a determina é o Bem. Contudo, não existe uma
norma rígida sobre como se comportar perante determinado fato.
Continuamente devemos, racionalmente, tomar decisões corre-
tas. Mesmo que exista essa necessidade de avaliar continuamente
nossas decisões, não podemos nem pensar que Aristóteles aceite
a relatividade da virtude. Acontece que o que é termo médio para
uns pode ser extremo para outros e vice-versa.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 33

Ora, realmente parece haver diversas finalidades visadas por nos-


sas ações; entretanto, ao elegermos algumas delas, por exemplo, a
riqueza, ou flautas e instrumentos em geral – como um meio para
algo mais, fica claro que nem todas são finalidades completas, ao
passo que o bem, mas excelente (o bem supremo) parece algo
completo. Conseqüentemente, se houver alguma coisa que, por
si só, seja a finalidade completa, essa coisa – ou se houver várias
finalidades completas, aquela entre elas que for a mais completa
será o em que é o objeto da nossa investigação. Ao nos referirmos
a graus do completo, queremos dizer que uma coisa buscada como
uma finalidade em si mesma é mais completa do que uma busca-
da como um meio para alguma coisa mais e que uma coisa jamais
eleita como um meio para qualquer coisa mais é mais completa do
que as coisas eleitas tanto como finalidade em si mesmas quanto
meios para aquela coisa; em conformidade com isso, chamamos
de absolutamente completa uma coisa sempre eleita como uma
finalidade e nunca como um meio.
Ora, a felicidade, acima de tudo o mais, parece ser absolutamente
completa nesse sentido uma vez que sempre optamos por ela mes-
ma [...]. Mas ninguém opta pela felicidade pela honra, pelo prazer
etc. [...] (ARISTÓTELES, 2002, p. 15-16).

Virtudes éticas e dianoéticas


Para explicar as virtudes, Aristóteles (2002) parte da análise
da ação humana.
Aristóteles, com relação às ações humanas, determina que
existem três aspectos principais presentes nelas: a volição, a
deliberação e a decisão.
Sobre a primeira, a vontade, Aristóteles afirma que está
orientada para o bem. Portanto, a preocupação não é sobre o que
queremos, e sim sobre que caminhos escolhemos para alcançar
o bem, que já está determinado na própria natureza humana. O
segundo aspeto sim é fundamental: a deliberação, como e o quê
fazer; este inspira o terceiro, a decisão.
Mas como a felicidade é uma certa atividade da alma em conformi-
dade com a virtude perfeita, é mister examinar natureza da virtude
por isto provavelmente nos ajudará em nossa investigação da na-
tureza da felicidade. Acresça-se que aprece que o verdadeiro esta-
dista é alguém que realizou um estudo especial da virtude, visto ser
sua meta tornar os cidadãos indivíduos virtuosos e respeitadores
da lei.

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34 © Ética I

A virtude que temos que considerar é a virtude humana, visto que


o bem e a felicidade que nos dispomos a buscar foram o bem hu-
mano e a felicidade humana. Mas a felicidade humana significa, a
nosso ver, excelência da alma, não excelência do corpo; em coerên-
cia com isso definimos a felicidade como uma atividade da alma
[...].
Ora, a virtude também é diferenciada em consonância com a divi-
são da alma (vegetativa, apetitiva e racional). Algumas formas de
virtude são chamadas de virtudes intelectuais, e outras virtudes
morais. A sabedoria, o entendimento e a prudência são virtudes
intelectuais; a generosidade e a temperança são virtudes morais.
Ao descrever o caráter moral de alguém não falamos que se trata
de alguém sábio ou capaz de entendimento, mas que é uma pessoa
moderada ou sóbria. Mas o homem sábio também é louvado por
sua disposição e chamamos virtudes às disposições dignas de lou-
vor (ARISTÓTELES, 2002, p. 60-63).

Aristóteles continua explicando que as virtudes éticas são


resultado de nossos costumes e hábitos e são dirigidas a dominar
a alma sensitiva. Durante toda nossa existência, vamos desenvol-
vendo um ethos. Para as virtudes éticas, vale a teoria do justo-
-meio; por exemplo, entre a vaidade (que é um excesso) e a extre-
ma modéstia (que evidencia falta de autoestima) está o respeito
próprio, que coincide como o justo-meio, que é uma virtude.
As principais virtudes são: fortaleza, temperança e justiça.
As virtudes dianoéticas, relacionadas às funções da alma
racional, formam parte do intelecto (nous) e do pensamento
(noésis). Seu desenvolvimento depende da boa educação.
As principais virtudes dianoéticas são: sabedoria e prudên-
cia. Segundo Aristóteles (2002, livro 10-6, p. 274, 275):
A felicidade não pode ser uma disposição do caráter, porque se o
fosse poderia ser possuída por um individuo que passasse a totali-
dade de sua vida adormecido vivendo a vida de um vegetal, ou por
alguém que estivesse mergulhando no mais profundo infortúnio.
[...] Fica claro que a felicidade deve ser considerada uma atividade
desejável em si mesma e não entre aquelas desejáveis a título de
meios para alguma coisa. Mas a felicidade consiste na atividade de
acordo com a virtude.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 35

Continuando o raciocínio, vejamos um extrato da obra de


Ana Leonor Santos (2008, p. 39-43), o qual explica a função da
educação responsável pela formação do êthos:
[...] Do (êthos) animal ao humano
A ética deve importar particularmente a alguns seres humanos –
aqueles que não estão sob protecção imediata dos deuses. Mas
este conjunto de seres a que a ética diz respeito é intersectado por
um outro, respeitante aos animais, aos quais Aristóteles aplica o
termo êthos.
[...]
No homem: diferentemente do que acontece com os animais,
não há um êthos da espécie humana; no nosso caso, a singulari-
dade manifesta-se também nas diferenças individuais de carácter
– justificadas pela ausência de regulação natural da faculdade de-
siderativa (regulação vigente no mundo animal) –, para cuja for-
mação contribuem os hábitos adquiridos através da educação. [...]
Assim sendo, e apesar de algumas diferenças individuais devidas
à natureza – já que nem todos são igualmente receptivos à edu-
cação –, existe uma dimensão de indeterminação que vai adqui-
rindo forma graças à educação e que é, porventura, responsável
pela formação do êthos numa dimensão que não estritamente
psicológica, ao mesmo tempo, e pelo mesmo motivo, responsável
pela imputabilidade das noções de bem e de mal ao ser humano,
juntamente com a posse da razão e a ausência de auto-suficiência.
Pela posse da razão percebe-se que o homem não é um simples
animal; pela ausência de auto-suficiência ele afasta-se dos deuses.
A sua situação é intermédia: entre um e outros encontra-se o único
ser vivo que percebe o bem e o mal, o justo e o injusto, distinções
cujo conhecimento lhe é indispensável na medida em que nem o
seu carácter está determinado pela natureza nem o seu compor-
tamento é padronizado. Deve, pois, escolher o comportamento a
adoptar, após um período de deliberação, durante o qual se supõe
que a percepção ética acima referida exerça influência, caso tenha
sido correctamente adquirida, formando um carácter temperado.

O ideal grego consistia na beatitude da contemplação. O ro-


mano, porém, era o oposto do grego, caracterizando-se pelo espí-
rito prático.

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36 © Ética I

9. OS SOFISTAS, DEFENSORES DO "NÓMOS"


Segundo Guthrie (1995, p. 62-69), no século 5 a.C., como
consequência das teorias físicas da evolução da vida desde a ma-
téria inanimada, surgiram teorias que se opuseram às alinhadas à
perfeição da "Raça dourada" de Hesíodo. Essas teorias evolutivas
relatam que, no começo os homens viviam como os animais, não
tinham ideia de organização social nem econômica, morriam em
grande número de frio, de fome e de ataque de feras. As necessi-
dades lhes impuseram a precisão da comunicação racional, apren-
der a falar simbolicamente e a armazenar alimentos para períodos
de escassez como o inverno e épocas de seca. Isso marcou o co-
meço da vida civilizada em comunidade, para isso foi fundamental
observar o respeito pelos direitos do outro. Esses relatos de corte
racionalista referido à evolução humana estão em forte oposição
às teorias religiosas baseadas na idade da perfeição de Hesíodo ou
da Idade do Amor de Empédocles.
Os seguidores das teorias evolucionistas estavam a favor de
que o "nómos" fosse considerado o meio para elevar a vida huma-
na a uma vida civilizada. Um dos grandes defensores dessa teo-
ria do progresso é Protágoras; na lista de suas obras encontramos
uma que se destaca nesse sentido, Sobre o estado original do ho-
mem. Esse pensador sofista defende que o avanço moral depende
da experiência e da educação. Por tanto, discorda de Sócrates ao
defender que a "aretê" (ou "conteúdo moral") é uma habilidade
adquirida respeitando as leis.
Para Protágoras, então, autodomínio e senso de justiça são virtudes
necessárias à sociedade, que por sua vez é necessária para a sobre-
vivência humana; e nomoi são as linhas-mestras fixadas pelo Esta-
do para ensinar aos cidadãos os limites dentro dos quais podem se
movimentar-se sem violá-las (GUTHRIE, 1995, p. 69).

Segundo Guthrie (1995, p. 57), o termo "nomo", "norma es-


crita", para os pensadores do século 5 a.C. é alguma coisa em que
se acredita, que se pratica e se aceita por certa. Assim é aceito que
povos diferentes tenham diferentes nomis.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 37

Segundo Heráclito, as leis humanas são sustentadas pelas


leis divinas (nómos-physis); para os sofistas elas dependem de cos-
tumes e hábitos.

10. ESTOICOS E A LEI NATURAL, PERÍODO HELENISTA


Enquanto a Grécia viveu seu momento de maior esplendor
cultural no século 5 a.C., no período helenista reinou a confusão
política e moral. Esses tempos foram marcados por inúmeras guer-
ras, ruíram as cidades de Atenas, Esparta e Tebas, enquanto isso,
viram surgir novas cidades de cultura grega, entre elas Alexandria
e Antioquia.
Na Filosofia, podemos destacar diferentes escolas:
a) Os cínicos (400 a.C.), que cultivavam a ideia de que ser
feliz dependia de se liberar das coisas transitórias. Para
esses pensadores, a felicidade é um bem que pode ser
alcançado por todos, pois ela não consiste em luxúria,
poder político ou boa saúde, e sim em se libertar disso
tudo.
b) Os estoicos, cujo fundador é Zenão, e os epicuristas, es-
cola fundada por Epicuro. Ambos os grupos acreditavam
que a Ética e as questões morais eram mais importantes
do que as questões teóricas. Baseavam sua Filosofia em
um individualismo moral. Os estoicos, em geral, prega-
vam uma vida austera, mas os epicuristas defendiam o
prazer (hedoné), só que o prazer que procede do exer-
cício do lógos. No campo da moral proclamavam viver
conforme a natureza, sendo a natureza o lógos, ou seja,
deveria se viver em concordância com a razão.
c) O neoplatonismo, que conserva traços do movimento
inspirado pelos pré-socráticos, Demócrito e Heráclito de
Éfeso.
Os estoicos acreditavam no destino e na resignação ante o
irremediável. Como diz Comparato (2006, p. 109): "É inegável que
o pensamento estoico insere-se na linha histórica das filosofias de
Pacificação da alma".

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38 © Ética I

O estoicismo representa a reunião de um grande número de


pensadores. Os primeiros foram Zenão de Cítio (322-264 a.C.) e
Crísipo (232-204 a.C.). Cuidado para não confundir Zenão de Cito
com Zenão de Eleia, conhecido por seus paradoxos! Infelizmente
não existe nenhuma obra completa desses pensadores; abundam
citações e comentários de seguidores ou detratores, mas faltam
os textos originais. Para todos os estoicos, era muito importante a
exaltação da ordem da natureza.
Ainda segundo Comparato (2006), os estoicos defendem
que existe uma ordem universal superior. Por isso é possível dizer
que, para os estoicos, natureza (physis) e razão (logos) se confun-
dem. A natureza possui um princípio racional que é responsável
por organizar as estruturas do mundo, a vida, em todos seis níveis,
inclusive a humana e a verdade ética. Motivado por esta ideia, Ze-
não divide a Filosofia em: Lógica, Física e Ética. Para ele a virtude
consiste em viver em concordância com a natureza.
Cortina e Martínez (2005, p. 61-63) falam que sob a denomi-
nação de estoicos agrupam-se as doutrinas filosóficas de um amplo
conjunto de autores gregos e romanos que viveram nos séculos III
a.C. e II d.C. Eles julgaram necessário indagar em que consiste a or-
dem do universo para determinar qual devia ser o comportamento
correto dos seres humano. Acreditam que deve haver uma Razão
primeira comum, que será ao mesmo tempo a Lei que rege o uni-
verso. Essa razão cósmica, esse logos, é providente, ou seja, cuida
de tudo o que existe. O sábio é o que consegue conquistar os bens
internos e desprezar os externos, chegando a ser, nas palavras de
Sêneca, "artífice de sua própria vida". Já aparece aqui, ainda que
de forma rudimentar a concepção de liberdade como autonomia,
que será desenvolvida posteriormente por Santo Agostinho.

Natureza como lei


Está presente em diversas culturas da Antiguidade Clássica
a concepção de que existem leis universais ou um direito que é
comum a todos.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 39

Aristóteles (2005) escreve na obra Retórica que existem leis


particulares dos povos e leis comuns ao gênero humano. As últi-
mas são conforme à natureza, pois existe algo que todos, de certo
modo, percebemos ser.
Aristóteles (2005, p. 114) cita a afirmação de Antígona de
que tais leis "não são de hoje nem de ontem, senão que sempre
existiram".
"Natureza", para Burgos (2007), deriva da palavra latina "na-
tura", tradução do temo grego "physis", substantivo que tem por
raiz "nascer, crescer, produzir, reproduzir etc.". Mas, para o grego
antigo, "natura", "natureza", "physis" é tudo o que existe, é o con-
junto da infinidade de coisas que existem, mas também o senti-
do por que surge e vive cada um em particular. A natureza assim
entendida sugere perfeição, beleza, espontaneidade, harmonia;
é perpassada por leis que são independentes do homem. Burgos
(2007, p. 22) nos diz que "[...] o homem só pode aceder a elas por
intermédio da razão".
Ainda segundo Burgos (2007), é de Aristóteles a definição
que diz que também é natureza o elemento primeiro, imutável, a
essência que faz com que as coisas tenham um princípio ativo que
lhes empurra para a perfeição do ser. Burgos (2007, p. 31) escre-
ve: "O conceito de natureza ultrapassa o mundo físico e alcança o
metafísico; por essa perspectiva, natureza é a essência enquanto
princípio de operação" (tradução nossa). Natureza inclui a nature-
za humana, abarca a dimensão de alma física e também de alma
intelectual, inclui a dimensão humana de liberdade. Platão, na Re-
pública (2006, 486a), explica que existe uma natureza filosófica,
physis philósophos, que é inata.
Segundo Comparato (2006), a Ética estoica difundida por Cí-
cero e trazida para Roma por Panécio se destaca pelos seguintes
princípios:
a) A lei natural está acima dos costumes e das leis dos povos, ela
não depende da vontade popular;

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40 © Ética I

b) Viver em harmonia com a natureza;


c) Saber conformar seu próprio interesse com o interesse da co-
letividade, observando o bem comum e as leis que emanam da
ordem natural;
d) Respeitar ao próximo pelo fato de ser pessoa humana de acor-
do com a lei natural implica em não atentar contra os direitos
alheios;
e) Só o respeito pela lei natural resguarda as virtudes (amor à pá-
tria, piedade, vontade de fazer o bem etc.);
f) O termo Lex toma em Cícero o sentido geral e abstrato de
princípio, tal como a palavra "nómos" na filosofia grega. A lei
se define como "a razão fundamental, ínsita na natureza, que
ordena o que se deve fazer e proíbe o contrário". A lei verda-
deira é, portanto, a expressão da razão e da justiça. Segue-se
que um mandamento injusto, ainda que revestido de aparência
legal, não é lei, senão corrupção dela; assim como uma receita
médica que induz a morte do paciente não é uma verdadeira
receita em essência. Um mandamento pernicioso, votado pelo
povo, é tão pouco uma lei quanto aquele promulgado por uma
assembléia de bandidos (CÍCERO apud COMPARATO, 2006, p.
112-113).

Para viver em harmonia com a natureza, o ser humano, que


é um, não pode ser dividido em alma e corpo como substâncias
diferentes desde o ponto de vista hierárquico como supusera Pla-
tão; deve controlar as paixões (a dor, o medo, o desejo sexual, o
prazer pelo prazer). Para alcançar o estágio de sábio, o ser humano
deve controlar sua conduta sendo indiferente, apático aos fatos
exteriores sobre os quais não tem poder nenhum (morte, dores
pelo corpo, beleza ou feiura de seus traços, riqueza material ou
pobreza, condição social etc.). Para os helênicos, viver em concor-
dância com a natureza consiste, em última instância, em viver em
harmonia consigo mesmo, afirma Comparato (2006, p. 110).
Para os Estoicos o sistema físico, o lógico e ético encontram-
-se unificados pela noção de logos. A Física estoica enxerga o mun-
do como um ser vivo totalmente racional, governado por uma es-
pécie de Providência racional (pronoia).
© U1 - Filosofia moral – legado grego 41

A phýsis se apresenta aos olhos estoicos como algo sagra-


do, evocando a soma daquilo que é permanente e essencial nos
fenômenos naturais, não no sentido de um Deus criador como o
do cristianismo, e sim como princípio de racionalidade que se en-
contra em todas as coisas, em especial no homem, que contém
em si o logoi spermatikoi, ou seja, a capacidade de racionalidade
equivalente.
Cícero (2012) sustenta que a beleza e a complexidade do
mundo, onde tudo está em equilíbrio e se ajusta perfeitamente,
são provas ontológicas da existência de uma inteligência superior
que tudo governa e ordena. Não foram átomos acidentais os for-
jadores do mundo como pensaram os epicuristas. Viver de acordo
com a natureza significa respeitar o princípio que opera nela.

Estoicismo e o Estado Universal


Para os estoicos, não existem atos maus em si mesmos; o
mal moral sintetiza a ausência da reta ordem na vontade humana.
Nenhuma ação é por si boa ou má, também não pode ser con-
siderado bom ou ruim o que não é nem virtude nem vício, já que
nos é indiferente. Os estoicos aderem às virtudes cardinais propos-
tas por Platão: Prudência, Temperança, Fortaleza e Justiça, e pres-
taram uma grande atenção a problemas da conduta para alcançar
o fim da vida humana, que é a felicidade. Para isso, ensinam que
devemos ser virtuosos (viver de acordo com a lei da natureza). En-
tendem que tudo no universo é regido pela lei natural, e o homem
racional deve se adaptar a sua própria natureza-essencial e viver
de acordo com as leis do universo.
Os estoicos usaram a alegoria de um cachorro amarrado a
uma carroça para ilustrar nossa realidade: quando ela se movi-
menta, o cão deve ir atrás dela, mas isso pode ser feito de duas
maneiras: aceitando o fato ou ir sem aceitá-lo, sendo arrastado
pelo pescoço. Tudo o que acontece depende da natureza orde-
nada por Deus. A morte é inevitável e estamos destinados a ela,
como a maior ou menor fama, riqueza, pobreza, dor ou alegria,
tudo faz parte do nosso destino.

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42 © Ética I

Eles, os estoicos, são deterministas, nada acontece fora da


ordem da natureza. Tudo tem um significado e uma razão. Para
ser feliz, o homem deve aceitar sua finidade e seu destino, deve
conformar-se com a sua condição de transitoriedade e fragilidade;
a vida humana é passageira se comparada aos milhões de anos do
universo. O sábio estoico é aquele que não nega a sua transitorie-
dade e se acredita eterno, não nega a sua fragilidade e se pensa
invulnerável, já que o engano implica sofrimento. A máxima estoi-
ca diz: para evitar o sofrimento, devemos aceitar o nosso destino.
Assim, o termo "estoicismo" ficou associado à resistência ao
infortúnio e à fortaleza ante a nossa sensibilidade. No entanto, o
pensamento estoico vai muito além disso: sustentará o amor como
fundamento do direito verdadeiro e exporá as bases para ideali-
zar uma sociedade de todos os homens, uma sociedade universal
unida pelo princípio da fraternidade. Ensinará que não deve haver
cidades-estados governadas por diferentes sistemas jurídicos, to-
das devem observar ou ter como base o princípio da igualdade
de todos os homens que emerge da Lei Natural. Assim, delineiam
as bases do Estado Universal, no qual as pessoas convivem juntas
em harmonia guiadas pela luz da razão. Iniciam-se desse modo os
alicerces do edifício dos Direitos Humanos.
Os estoicos explicam a história que envolve o desenvol-
vimento da sociedade da seguinte forma: no começo da história
humana, as pessoas conviviam sem divisão de classes ou naciona-
lidades. No primeiro estágio social, denominado Idade de Ouro,
não era aceito qualquer tipo de discriminação ou dominação de
um sobre seus semelhantes, uma vez que todos participavam da
propriedade comum dos bens conseguidos. A humanidade era
formada por uma comunidade de homens livres e iguais, que foi
terminando quando se instalou a troca, a ganância e o egoísmo.
Assim, o Direito Natural perfeito e absoluto teve de ser
substituído por outro, relativo, que levasse em conta a natureza
imperfeita do homem e observasse as condições reais da realidade
© U1 - Filosofia moral – legado grego 43

social. Para corresponder ao princípio do Direito Natural, deveria


se evitar a discriminação por sexo, raça, condição socioeconômica,
promovendo a liberdade e igualdade de todos os homens.
Essa concepção de Direito Natural defendida pelos estoicos
teve uma grande influência sobre o ulterior desenvolvimento do
Direito; está presente no pensamento dos Padres da Igreja, influen-
ciou as instituições jurídicas do Direito Romano que foi legado para
os povos do Ocidente, primeiramente, para logo se universalizar.

Figura 2 O império romano antigo.

Para Comparato (2006, p. 111-112), Cícero, por exemplo, ex-


plicou que o Direito Civil é simplesmente a manifestação huma-
na da Lei Natural. O verdadeiro Direito não pode ser diferente em
Atenas e Roma por ser de aplicação universal, imutável, eterna e
obrigatória para todos os povos. Observemos o que diz Comparato
(2006, p. 116-117):
A partir do final da Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.),
inicia-se o chamado período helenístico da história jurídica roma-
na, em que os jurisconsultos passam a aplicar o método dialético
grego na análise do Direito.
A dialética foi introduzida em Roma pelos estóicos, notadamente
por Panécio.

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44 © Ética I

O método dialético consistia, antes de tudo, na classificação dos


dados da realidade empírica pelo duplo processo de distinção
(diairesis, differentia) e do relacionamento (synthesis), o qual con-
duzia ao estabelecimento de gêneros e espécies (distinctio, divisio),
ou seja, à formulação de conceitos.
[...] Uma vez formulados os conceitos, o segundo passo da análi-
se dialética consistia em descobrir os princípios ou explicações ra-
cionais da realidade. Uma breve narração das coisas (brevis rerum
narration).
Mas a contribuição dos estóicos para a criação da ciência jurídica
não se limita à introdução do método da análise dialética da reali-
dade jurídica. Eles trouxeram também para Roma uma visão ética
do mundo, expressa em um sistema de princípios.
Por exemplo, há uma correspondência, essências entre as virtudes
cardinais e as tendências fundamentais da natureza humana. A jus-
tiça, segundo Panécio, corresponde com tendência do indivíduo a
viver em harmonia com a humanidade. A prudência, à tendência
natural à descoberta da verdade e ao cumprimento dos valores
morais. Por sua vez, a virtude da moderação, ou razoabilidade,
que ele denominara sophrossyne, está ligada à tendência natural
do respeito à dignidade própria e à dos outros homens (Aidôs). A
qual conduz à beleza moral (kálon) que os romanos traduziram por
decorum ou honestum, em oposição à seca utilidade. Na verdade,
nada pode existir de útil na vida que não seja, ao mesmo tempo,
justo e honesto.

O jurisconsulto Celso, segundo Comparato (2006, p. 448),


define o Direito como o Bom e Equitativo. Declara que os princí-
pios jurídicos fundamentais são três:
a) Viver de modo honesto.
b) Não lesar ninguém.
c) Atribuir a cada um o que lhe corresponde.
Esses princípios formam a base do Direito Comum a todos os
povos, e surgem do princípio do Direito Natural. Por serem supe-
riores aos do Direito convencionado, regem todas as ações éticas.
Não podemos encerrar o tema dos estóicos sem deixarmos
de tratar de outro grande filósofo cuja importância para a Ética
será tão grande que sua corrente ética receberá o seu nome. Refe-
rimo-nos ao filósofo Epicuro, que tem uma reputação até um pou-
© U1 - Filosofia moral – legado grego 45

co injusta por parte de alguns filósofos cristãos, pois o consideram


estimulador da autoindulgência e da supremacia da alegria. Talvez
porque nos jardins (comunidade dos discípulos de Epicuro) reina-
va a alegria por sobre as outras práticas educativas, a vida simples
guiada pelo sensível desconsiderando a imortalidade da alma no
sentido platônico. No que respeita à moral, esse pensador defende
a Regra de Ouro: é impossível viver uma vida prazerosa sem viver
sabiamente e é impossível viver bem e com prudência (evitando a
dor, o perigo, a doença etc.) sem se viver uma vida agradável. Em
realidade, buscava mais a extinção do sofrimento do que propria-
mente o prazer.
O mérito de Epicuro está em ter compreendido que havia alguma
coisa que reclamava um grande número de espíritos e em ter-lhes
dado satisfação de uma forma admirável. Muitos homens, com
efeito, preocupam-se acima de tudo em ser felizes; a felicidade é
o último termo das suas aspirações; mas, como são inteligentes,
não podem recusar o terem em conta as exigências do seu espíri-
to; não poderiam ser completamente felizes se não dessem uma
razão plausível da sua regra de procedimento; sentem a necessi-
dade de conceber uma explicação do espetáculo que apresentam
os seres e os fenômenos do mundo, mas não apresentam muitas
dificuldades, não são muito exigentes em matéria de explicação;
contentam-se de boa vontade com a primeira teoria que lhes pro-
põem, que julgam compreender e que aceitam com confiança; não
se dão ao trabalho de a complicar, de a aprofundar; se as suas dou-
trinas apresentam algumas contradições, não dão por isso ou não
se inquietam com a sua resolução. O epicurismo trazia-lhes preci-
samente aquilo que eles pediam: "Ó aberta e simples e direta via",
diz Cícero (JOYAU, in Os Pensadores, 1985).

A Lei moral, inspirada no Direito Natural impresso por Deus


no homem, deve ser aplicada na vida cotidiana. O homem deve
controlar as paixões (amor, admiração, ódio, tristeza, alegria e de-
sejo) e encaminhar-se para uma vida justa. Segundo Agostinho
(2000), como o homem possui uma vontade livre, é responsável
ante Deus e ante si mesmo por sua vida.
Esse e outros temas serão estudaremos na Unidade 3.

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46 © Ética I

11. TEXTOS COMPLEMENTAR


Sócrates, o patrono da Filosofia Moral, nos últimos dias de
sua vida deixa, como está retratado na obra Críton de Platão, um
grande ensinamento sobre o que é bom, virtuoso, justo e sobre
como atuar corretamente ante as desavenças, injustiças etc.

Figura 3 A morte de Sócrates (1787), quadro de Jacques-Louis David.

Segundo Platão (2012), Sócrates está na prisão de Atenas es-


perando a hora de sua execução. Analisando a proposta de fuga
apresentada por Críton, Sócrates conclui que nunca devemos agir
de forma moralmente errada. Para fundamentar sua posição, utili-
za três argumentos por meio dos quais mostra que nessas circuns-
tâncias é errado fugir:
1) Nunca devemos lesar ninguém, e muito menos o Estado
e seu conjunto de leis.
2) Se Sócrates fugisse, estaria desonrando o acordo de acei-
tar as leis do Estado, faltando às promessas realizadas.
3) A sociedade e Estado em que vivemos são nossos pais e
mestres e é errado desobedecer ao pai e ao mestre.
Sócrates defende os seguintes princípios: nunca se deve agir
injustamente, nunca se deve fazer mal aos outros, nem mesmo
como paga do mal que nos é feito. Se ele se transformasse num
© U1 - Filosofia moral – legado grego 47

fora da lei, nenhum bem estaria fazendo a si mesmo, a seus amigos


e familiares.
Em Críton, Platão exemplifica a Filosofia Moral argumentando
sobre a forma como deve ser justificada uma importante decisão
prática. Sócrates podia ter fugido da prisão e saído de Atenas, ou
pedido clemência aceitando o que os políticos argumentavam con-
tra ele, mas não quis, preferiu cumprir com as leis da cidade. Prefe-
riu terminar sua vida salvando sua integridade moral.

Leia os Diálogos Platônicos, especialmente o Críton ou o Dever,


disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
cv000015.pdf>.

12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, sobre a proposta grega clássica e sobre o com-
portamento ético.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Aristóteles, no livro 2 da Metafísica (2006), descreve o que entende por vir-
tude e vício. Esclarece que virtudes e vícios têm relação com a conduta es-
colhida, e afirma: o hábito sempre deve ter como farol o termo médio, que
se encontra entre os extremos. Responda:

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48 © Ética I

a) Como Aristóteles explica o que é virtude?


b) Vício é o contrário de virtude?
2) Como se denominam os seguidores das teorias evolucionistas que estão a
favor do nómos? E como estes entendem a Ética? Justifique sua resposta.

3) O que você entende por "Intelectualismo ético"?

4) Os estoicos julgaram necessário indagar em que consiste a ordem do uni-


verso para determinar qual devia ser o comportamento correto dos seres
humanos. Acreditam que deve haver uma Razão primeira comum. Disserte
sobre a proposta ética dos estoicos, referenciando-a do Direito Natural.

5) O estoicismo representa a reunião de um grande número de pensadores.


Mencione os principais e comente sua proposta ética.

6) Uma das primeiras preocupações da Ética é idealizar uma teoria normativa


que venha auxiliar-nos a resolver problemas sobre o que é certo e sobre
como devemos agir. Sócrates, no diálogo Críton e na Apologia, justifica seus
juízos normativos: "Não devo tentar fugir da prisão, o conhecimento é um
bem, é sempre mal lesar outrem".

7) Se fugisse, Sócrates evitaria ser morto injustamente, mas, para isso, iria de-
sobedecer a lei, nomos, que como cidadão jurou respeitar. Ainda que a lei
seja injusta deve ser acatada? Do ponto de vista ético, isto é correto? Assi-
nale qual das seguintes alternativas não é compatível com as teorias éticas
socrática e platônica:
a) Para a tradição socrática e platônica, só o conhecimento do bem poderia
dirigir a ação justa.
b) Sócrates defende a necessidade de se estabelecer critérios racionais
para diferenciar a verdadeira virtude da virtude aparente, defendida pe-
los sofistas. Essa doutrina que equipara sabedoria e virtude é denomina-
da "Intelectualismo ético".
c) Platão afirma que só o sábio é virtuoso, porque unicamente conhece o
que é virtude, ou seja, conhecendo a Ideia de virtude é possível ser vir-
tuoso.
d) Tanto para Platão como para Aristóteles a felicidade é o fim da ação hu-
mana.
e) Na República (2006), Platão, ao reportar sobre as qualidades da cidade,
enumera as quatro virtudes principais: o individualismo, a vontade ou
ânimo, o amor e a medida justa. Posteriormente essas virtudes foram
chamadas de cardeais.

Gabarito
7) e.
© U1 - Filosofia moral – legado grego 49

13. CONSIDERAÇÕES
A moral sempre esteve presente em todas as sociedades e
culturas na forma de regulamento do comportamento social, o que
supõe que sempre existiu uma reflexão filosófica sobre ela, e tam-
bém porque é próprio da natureza humana esclarecer os critérios
que levam a ter uma boa vida. No entanto, foi com Sócrates que a
Ética se organiza a partir de princípios teóricos racionais. Fervente
opositor do relativismo sofista, defendeu a existência de normas
e valores morais absolutos e imutáveis. Esse pensador ateniense
afirmava que, para alcançar a felicidade, devemos ser virtuosos e,
para alcançar a virtude, dependemos do conhecimento.
Assim, o termo grego eudaimonia se relaciona com aretê,
entendido como virtude. As virtudes no trinômio Sócrates, Platão
e principalmente Aristóteles cobraram sentido enquanto caminho
para alcançar a felicidade. As reflexões socráticas sobre a Filoso-
fia Moral possibilitaram o surgimento de muitas propostas éticas.
Platão considerava que a felicidade era o fim da ação humana, e o
bem, o fim da Ética. Aristóteles definiu a felicidade também como
fim que concorda com o atributo humano da razão. E os estoicos
aderiram às virtudes cardinais, propostas por Platão, e centraram
sua reflexão nos problemas da conduta para alcançar o fim da vida
humana, que é a felicidade.

14. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 A escola de Atenas (1509-1510), quadro de Rafael, que mostra Platão ao centro.
Disponível em: <http://jornaldefilosofia-diriodeaula.blogspot.com.br/2012/01/os-
sofista.html>. Acesso em: 24 abr. 2013.
Figura 2 O império romano antigo. Disponível em: <http://profellingtonalexandre.
blogspot.com.br/2012/09/historia-de-roma-antiga-e-o-imperio.html>. Acesso em: 24
abr. 2013.
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BITTAR, E. C. B. Curso de filosofia aristotélica: leitura e interpretação do pensamento
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VERGNIÈRES, S. Ética e política em Aristóteles: physis, ethos, nomos. São Paulo: Paulus,
1999.

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EAD
A finalidade da Ética e a
essência da moral

2
1. OBJETIVOS
• Entender o cerne da reflexão ética na perspectiva filosó-
fica.
• Apreender a natureza, o objeto e o campo semântico da
Ética e da moral.
• Compreender a relação que o aspecto moral tem com a
liberdade humana.
• Dotar de uma ideia adequada o que é um valor moral.
• Entender a presença iniludível de regras morais no seio
da sociedade.
• Compreender por que as normas morais são de caráter
obrigatório.
54 © Ética I

2. CONTEÚDOS
• A Ética no âmbito das disciplinas filosóficas.
• Razão prática e Ética.
• Análise dos termos "moral", "moralidade", "ética".
• Diversidade de concepções morais e éticas.
• Campo da Ética e campo da moral.
• Conceitos fundamentais da Ética: o ser humano, razão,
história, liberdade.
• Ética e religião: os grandes princípios éticos.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Os temas desta segunda unidade são bastante questio-
nadores, porém é bom lembrar que, na reflexão sobre o
sentido que as coisas têm, não existe receita pronta. A
única receita é desenvolver a capacidade de discernir, de
possuir o próprio pensamento e de ser crítico.
2) Como você pôde perceber, para os gregos antigos o ho-
mem não vive imerso no meio ambiente; vive na me-
diação da liberdade que se realiza dentro de um mundo
humano, estruturado pela cultura. Para entender as dife-
rentes concepções éticas do período que vai dos gregos
antigos até a Idade Média, você deverá levar em con-
ta que é própria do homem a capacidade de decidir, de
agir com autonomia e responsabilidade, de posicionar-
-se diante da realidade com autodeterminação, ou seja,
de tomar decisões e atitudes dentro das circunstâncias
da vida a partir de critérios que são identificados pela
consciência. O ser humano é um ser de responsabilidade
porque a dimensão racional lhe possibilita escolher com
liberdade.
3) Ao longo da vida, podemos adotar uma única concepção
moral ou, pelo contrário, podemos nos apropriar, em
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 55

algum momento de nossas vidas, de alguma outra que


consideremos mais apropriada, em parte ou na totali-
dade. Em realidade, no mundo globalizado existe uma
multiplicidade de concepções morais, que apresentam
diversidades no que toca a definição do que é bem ou
mal. Os costumes, do latim "mores", estão presentes na
identidade dos povos, mas nem tudo o que pertence aos
costumes tem relevância moral.
4) Somos seres no mundo, no mundo realizamos nossa
vida. Para ajudá-lo a refletir sobre a Ética e a práxis, não
deixe de ler as seguintes obras de Leonardo Boff:
• Ética e moral: a busca dos fundamentos. Disponível
em: <http://pt.scribd.com/doc/89815308/Etica-e-
moral-a-busca-dos-fundamentos>.
• Saber cuidar: ética do humano. Disponível em:
<http://cursa.ihmc.us/rid=1GMSLFWNB-5RXV9C-GSQ/
Saber%20Cuidar%20-%20Etica%20do%20Humano.
pdf>.
5) Para aprofundar seus conhecimentos sobre a Ética e a
moral, sugerimos que assista ao filme O Jardineiro Fiel
(2005), dirigido por Fernando Meirelles. Após assisti-lo,
você estará apto a realizar a última questão do Tópico
Questões Autoavaliativas desta unidade!

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como vimos na primeira unidade, quando analisamos as di-
ferentes doutrinas éticas da Antiguidade, a Ética é uma reflexão
sobre a conduta humana considerando seus dois aspectos: parti-
cular ou subjetivo e social ou objetivo. A dimensão subjetiva cor-
responde à noção grega de "êthos", forma de ser da pessoa, tra-
duzida por "caráter", enquanto a parte dos costumes e hábitos, o
que tem como desencadeador o social, corresponde ao conceito
de "ethos", traduzido como "o que vem da casa", "o que surge dos
costumes da comunidade". As teorias éticas buscam responder às

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56 © Ética I

perguntas: por que existe a moral? Por que esse sistema moral é
válido para orientar nossa vida social? Enquanto as morais con-
cretas buscam esclarecer de que modo podemos organizar uma
boa sociedade, respondem à pergunta: como devo atuar ou o que
devo fazer ante tal ou qual situação?
Tanto os pensadores citados na primeira unidade como os
pensadores da Ética medieval propunham uma moral universal
obrigatória para toda a humanidade, que na Grécia Antiga estava
baseada em normas de validez objetiva, em supostos necessaria-
mente verdadeiros, enquanto na Idade Média ela dependia da pa-
lavra de Deus.
Porém, é bom esclarecer que a moral não pode estar fun-
damentada em um primeiro princípio indemonstrável (tese fun-
damentalista). A comunidade é formada por pessoas; quando
dizemos que o homem é pessoa, estamos supondo que tem auto-
nomia ética, traduzida como a capacidade de distinção entre bem
e mal. E, também, que possui a capacidade de autodeterminação,
de assumir a condução de sua própria vida desde a perspectiva
moral.
Diferente do resto dos entes, o ser humano contém na sua
natureza a dimensão de pessoa, evidenciada na disposição que
possui para atuar de forma autônoma ante uma ação concreta.
Por ser pessoa, ante um caso extremo pode escolher entre o me-
lhor e o pior dos males. A liberdade é a capacidade de que dispõe
o ser humano de obrar ou não obrar, de se sentir responsável por
seus atos voluntários; a liberdade ética caracteriza a pessoa. A pes-
soa humana pode agir em conformidade com agentes externos ou
não, por isso o direito a considera como sujeito ético e um ser de
responsabilidade. A responsabilidade tem relação com a capaci-
dade humana de exercer reflexivamente os atos, ponderando as
consequências (boas ou más) dos mesmos. Atuar com responsa-
bilidade equivale a crescer em direção ao bem (ao ser) no sentido
de um crescimento individual e comunitário, traduzido como hu-
manização.
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 57

Enfim, a reflexão ética e o comportamento moral são ineren-


tes ao homem livre.
Analisando os escritos de Aristóteles (2002, livro II) vamos
perceber que, para esse autor, a palavra "ética" procede do ter-
mo grego "ethos", termo que, na Filosofia aristotélica, possui dois
sentidos: por um lado, significa "morada, casa familiar, lugar onde
se habita" e, em segundo lugar, quer dizer "modo de ser" ou "o
caráter de que o ser humano vai se apropriando ao longo de sua
vida". Esses dois momentos também estão presentes na hora de
idealizar as virtudes: na mesma obra, faz referência a duas formas
de virtudes: aquelas inatas (dianõetikaí) e as que são adquiridas
pelo hábito (ethikaí).
Na Retórica (2005, livro II, 12-14), Aristóteles distingue os di-
ferentes tipos de "êthes", mas estas têm relação com o amadure-
cimento, com a idade. Assim o ético (ethos) compreende o caráter
do homem, os seus costumes e também a moral. Dessa forma,
podemos descartar as tentativas de considerar a moral como um
sistema normativo, fixo, que vale em todos os momentos e cir-
cunstâncias.
Na passagem do grego para latim, os dois termos gregos,
ethos e êthos, foram englobados num único termo, "moralitas",
de "moris", que vai significar tanto o modo de ser como aquela
disposição de cada um para o bem, para a retitude.
Paul Ricoeur (2011), na obra Ética e moral, pergunta: é pre-
ciso distinguir moral e Ética? Esclarecendo que nada na etimologia
das palavras nem no uso histórico das mesmas o exige, a diferen-
ça é clara: a primeira vem do latim, enquanto a outra, do grego.
Mesmo que ambas remetam à ideia dos costumes (ethos/mores)
é importante esclarecer que, por convenção, se reserva o termo
"ética" para a intenção da vida boa realizada sob o signo das ações
estimadas boas, e o termo "moral" para o lado obrigatório, marca-
do por normas, obrigações, interdições caracterizadas ao mesmo
tempo por uma exigência de universalidade e por um efeito de
constrição.

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58 © Ética I

5. MORAL
Schopenhauer diz que instituir moral é simples, o difícil é funda-
mentá-la. E Wittgenstein acrescenta, instituir moral é simples,
fundamentá-la impossível.

Vásquez (2007, p. 19) diz que os problemas éticos se caracte-


rizam por sua generalidade e se diferenciam dos problemas morais
da vida cotidiana, que são os que têm relação com as situações
concretas. A Ética, como Filosofia moral, serve para fundamentar
ou justificar a forma de comportamento moral. A moral diz sobre
o modo de comportar-se do ser humano, que, por natureza, é his-
tórico, ele é um ser de liberdade e responsabilidade ética. É um
ser que não nasce perfeito, tem como característica produzir-se e
aperfeiçoar-se mediante suas ações. O ser humano vive como uma
pessoa quando é senhor de si mesmo; sem liberdade de escolha
lhe é impossível a responsabilidade ética. A moral está presente
em toda coletividade na forma de regulamento do comportamen-
to social, ela tem uma dimensão social, mas essa realidade não
para no binômio homem/sociedade; o ser humano tem interesses
pessoais além dos coletivos. A moral, nesse sentido, deve estar
baseada na responsabilidade pessoal.
Para conceituar o termo moral, devemos partir da ideia de
que existe uma série de morais concretas com características his-
tóricas, todas elas compostas de regras que orientam o comporta-
mento, sendo, portanto, normativas. Essas regras fazem referên-
cias a ações concretas: não mentir, não roubar, não enganar, não
desrespeitar os pais, os maiores etc. E, como contrapartida, estão
as ações morais, que fazem referência às normas: ser solidário com
quem precisa, não jogar lixo na rua, não perturbar o descanso dos
vizinhos com sons altos ou gritos, dar bons exemplos aos menores
etc., o que, muitas vezes, supera o alcance da norma. As normas
impõem um comportamento moral e esses atos devem estar em
consonância com elas.
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 59

Também devemos considerar que a Ética não cria a moral;


ela procura determinar a essência da moral. A Ética é concebida
como a ciência da moral.

Diferença de moral e moralidade


Segundo Vásquez (2007, p. 66), existe uma distinção entre
moral e moralidade:
A moral tende a transformar-se em moralidade devido à exigência
de realização que está na essência do corpo normativo; a mora-
lidade é a moral em ação, a moral praticada. Por isso, lembrando
que não é possível levantar um muro instransponível entre as duas
esferas, cremos que é melhor empregar um termo só – o da moral
como se costuma fazer tradicionalmente e não dois. Mas, deve fi-
car claro que se utilizamos um só, com ele se indicam os dois planos
da moral, o normativo ou prescritivo e o prático ou efetivo, ambos
integrados na conduta humana concreta.

Diferentes sociedades, diferentes concepções morais


Como diz Vásquez (2007, p. 67), "A moral possui, em sua es-
sência, uma qualidade social". Toda sociedade, ainda as mais pri-
mitivas, possuem normas morais que convivem com outras nor-
mas, as jurídicas, as religiosas, técnicas etc., e todos os indivíduos
adotam uma concepção moral determinada pelo simples fato de
pertencer a uma sociedade. Toda mudança radical na estrutura
social traz consigo uma mudança na moral. A História apresenta
uma sequência de morais que correspondem às diferentes socie-
dades que se sucederam no tempo. É importante esclarecer que
essa linha não deve ser necessariamente ascendente, como a do
conhecimento científico, social ou cultural. Toda sociedade em seu
momento teve códigos morais, e estes podem ser considerados
avançados ou deficientes, independente do momento histórico.
As sociedades escravistas podem ter sido as piores, mas, se com-
paradas às que aceitavam o canibalismo, foram melhores; mesmo
assim foram péssimas.

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60 © Ética I

Na realidade cotidiana, percebemos que algumas comuni-


dades (gens) progrediriam mais que outras, tiveram melhores nor-
mas morais, na medida em que estimularam a responsabilidade
dos atos dos integrantes. Portanto, uma sociedade é mais eleva-
da em seu desenvolvimento moral quanto maior seja o grau de
liberdade e responsabilidade que todos os seus membros têm. É
verdade que na sociedade há uma série de padrões que mode-
lam o comportamento social dos indivíduos, e que estes variam de
uma para outra, mas a sociedade é a união de homens livres que,
com suas relações, a constroem. A sociedade não existe sem os
indivíduos concretos, e estes também não existem fora do social.
Como alerta Vásquez (2007, p. 67), não devemos considerar a so-
ciedade como algo que existe em si e por si, como uma realidade
substancial que se sustenta independentemente dos homens que
a formam.
A moral é fundamental para garantir a ordem ou a harmonia
da sociedade, ela regulamenta a conduta entre os homens. Os in-
divíduos que compõem a sociedade aceitam os valores, as normas
que a distinguem, e se submetem livremente a eles.
A moral tem uma concordância com o Direito, ambos ba-
seiam-se em regras que visam organizar a partir do ponto de vista
da conveniência a maioria das ações humanas. Porém, diferen-
ciam-se no fato de que, enquanto o Direito garante o cumprimen-
to do sistema social em vigor, a moral procura fazer com que os
indivíduos que compõem a sociedade harmonizem de maneira
consciente, voluntária e livre seus interesses pessoais com os in-
teresses coletivos.
As idéias, normas e relações sociais nascem e se desenvolvem em
correspondência com uma necessidade social. [...] A função social
da moral consiste na regulamentação das relações entre os ho-
mens (entre os indivíduos e entre o indivíduo e a comunidade) para
contribuir assim no sentido de manter e garantir uma determinada
ordem social. Esta ação também se cumpre no Direito. Graças ao
Direito, cujas normas, para assegurar o seu cumprimento, contam
com o dispositivo coercitivo do estado, assim consegue-se que os
indivíduos aceitem – voluntária ou involuntariamente – a ordem
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 61

social que é juridicamente formulada. Mas isso não considerado


suficiente, procura-se que os indivíduos aceitem de forma íntima
e livremente, por convicção pessoal, os fins, princípios, valores e
interesses dominantes em uma determinada sociedade. Tal função
social que a moral deve cumprir (VÁSQUEZ, 2007, p. 69).

A moral acontece em dois planos: o normativo e o factual.


No primeiro, encontramos as normas, regras e princípios que exi-
gem obediência e, no segundo, estão os atos humanos denomina-
dos morais que têm relação com esses princípios.
O enriquecimento da vida moral acarreta um aumento de
responsabilidade individual, e isso depende do exercício da liber-
dade e da responsabilidade humana. Quem não tem liberdade não
pode ser responsável pelos seus atos, por isso a massificação dos
dias de hoje apresenta-se como impedimento para o progresso da
moral.

Figura 1 Astreia, divindade que difundia entre os homens sentimentos de justiça e de


virtude.

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62 © Ética I

Astreia, filha de Zeus e Têmis. "Segundo Grimal (1997, p. 51), ‘ela


espalhava entre os homens os sentimentos de justiça e de virtude.
Isto passava-se na tempo da Idade de Ouro. Mas depois que os
mortais degeneraram e a inclinação para o mal se espalhou pelo
mundo, Astreia subiu de novo ao céu’" (SUPREMO TRIBUNAL FE-
DERAL, 2012).

Diferentes usos do termo moral


Cortina e Martínez (2005, p. 13) alertam sobre a pluralidade
de significados que o termo moral possui na linguagem atual: "O
termo moral é utilizado hoje em dia de maneiras muito diferentes,
dependendo dos contextos. Essa multiplicidade de usos dá lugar a
muitos mal-entendidos".
Frequentemente utilizamos esse termo como adjetivo: "fu-
lano é imoral". Como adjetivo estamos fazendo um julgamento das
ações dos indivíduos na medida em que estes não respeitam valo-
res estabelecidos, normas ou princípios consagrados como morais.
Outras vezes, ele é utilizado como substantivo; "a moral"
equivale a um conjunto de ordens, normas de conduta, proibições
e permissões relacionados à vida boa para um determinado grupo
social. Assim, o termo "moral" equivale à forma de vida no sentido
coletivo, como norma correta de conduta.
Outro uso do termo "moral" como substantivo faz referência
ao código de conduta pessoal ou de alguma instituição: "fulano
tem uma moral muito rígida". Tais instituições impõem uma moral
muito rigorosa, ou carecem de moral. Dessa forma, o termo faz
referência ao código moral que inspira a conduta do indivíduo ou
da instituição.
Também é normal ouvir a palavra "amoral". Esse termo reú-
ne o prefixo "a" (acéfalo, privação) e a palavra "moral" (o termo se
refere aos campos da conduta humana e tem a ver com os princí-
pios que orientam a conduta do homem), ser amoral significa não
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 63

possuir um código moral. Cuidado, essa palavra não é sinônimo de


imoral. A conduta dos animais é amoral, ou seja, não tem relação
com a moralidade que rege a sociedade de seres humanos, em
que são moralmente maduros, cada um é senhor de seus atos e é
responsável por sua conduta moral. A invenção da bomba atômi-
ca é em si um descobrimento científico amoral. O uso no caso do
bombardeio americano ao Japão foi imoral. Um tem relação com
o desenvolvimento de um princípio físico e o outro com o uso des-
truidor desse princípio, com a intenção de matar e destruir.
Pessoas imorais são aquelas que, reconhecendo a validade
das normas e dos valores da sociedade, os infringem, priorizando
seu próprio interesse.
Outro termo de uso frequente que tem relação com moral
é: "ter a moral bem alta"; nesse caso, refere-se à confiança, à co-
ragem que tem o indivíduo para fazer frente a um determinado
desafio. A moral deixa de ser um dever para refletir uma determi-
nada atitude.
Outro uso frequente do termo "moral" como substantivo, no
sentido de moral como "a ciência que trata do bem geral da comu-
nidade", faz referência àquele conjunto de normas estabelecidas
e de caráter normativo que regem à convivência social. A mesma
tem um caráter histórico. Sofre progressos na medida em que se
amplia o campo de atuação, ou seja, que se universaliza.

Atos morais
Os atos morais são atos essencialmente humanos. Neles dis-
tinguimos três elementos: objeto, fim e circunstâncias.
São motivados por uma eleição relacionada com a pergunta
"por quê?", sucedida pela indagação "para quê?", relacionada à
finalidade do referido ato. A consciência das possíveis consequên-
cias de nossos atos é importante para a valoração moral. Os atos
morais devem ser realizados de forma voluntária, podendo esco-
lher realizá-los ou não.

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64 © Ética I

O ato humano implica uma estrutura baseada nos seguintes


princípios:
1) Cognoscitivo: é um princípio fundamental, já que não
podemos querer algo se não temos conhecimento de
sua existência. Assim, o conhecimento intelectual é in-
dispensável para a realização do ato moral.
2) Volitivo: é voluntário. Todo ato moral deve ser voluntá-
rio e para isso devemos prever de forma antecipada as
consequências de tal ação.
A liberdade é componente essencial; sem ela estaríamos ao
nível animal. Para que exista o ato moral, devemos ser responsá-
veis pelo mesmo.
Como disse o Papa João Paulo II (2013): "Nenhum homem
pode esquivar-se às perguntas fundamentais: Que devo fazer?
Como discernir o bem do mal?".

O bom como valor moral


Vásquez (2007, p. 135) diz que todo ato moral inclui a neces-
sidade de escolher entre vários atos possíveis. Todo ato moral no
sentido positivo é um ato valioso. Mas, o que é bom? Lembremos
que, na Unidade 1, para Sócrates e seus principais discípulos, o
bom é o absoluto, incondicionado. Na Idade Média, o bom concor-
da com a vontade de Deus. O bom tem concordância, então, com
a razão ordenadora presente na natureza. Durante a Idade Mo-
derna, esse conceito muda, condicionado pelo progresso socioe-
conômico. O problema do que fazer ante cada situação concreta é
um problema prático-moral, mas definir o que é bom tem caráter
teórico, é de competência da Ética.
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 65

Figura 2 Têmis, divindade grega responsável por definir a justiça, no sentido moral

Moral e religião
Toda crença religiosa leva, implícita, uma determinada con-
cepção moral e uma visão de mundo ou cosmovisão. As grandes
religiões, como o Cristianismo, Budismo e Islamismo, possuem
um corpo doutrinar moral, em geral muito bem elaborado, que o
crente deve observar para orientar suas ações. Nele detalham-se
valores, objetivos, normas e virtudes que servirão para orientar a
ação. Entretanto, a religião não compreende só um código moral;
é uma forma de relacionar-se com o transcendente e ordenador.

A obrigatoriedade moral
A realização da moral é um fato individual, porém a moral
responde aos interesses da sociedade, formada pelos indivíduos e
sua vida econômica, política, espiritual e social.

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66 © Ética I

As teorias morais são sistematizações de algum conjunto de


valores: princípios ou normas, como é o caso da moral cristã, da
laicista, moral protestante etc. Ante a pergunta: "qual moral deve
ser cultivada?", existem diferentes teorias: egoístas, utilitaristas,
as teleológicas ou deontológicas, formalistas etc.
Todas as teorias morais partem de uma concepção de ho-
mem. Muitas vezes essa concepção é abstrata e a teoria deriva-
da será também abstrata; em outros casos, estará relacionada às
ideias de sociedade e em concordância com a História. Contudo,
seja qual for a concepção de homem, a humanidade sempre admi-
tirá a obrigatoriedade da moral.

6. ÉTICA NORMATIVA E O FENÔMENO MORAL


As normas morais são de caráter obrigatório, mas a moral
não entra em nossa consciência como uma "injeção"; pelo con-
trário, é de responsabilidade pessoal do sujeito. Ante o caráter
normativo da mesma, é preciso responder à questão: como devo
agir ante determinada situação? Os filósofos morais colocam como
alternativas as "teorias teleológicas" e as "teorias deontológicas".
As teorias teleológicas (de "telos" que, em grego, significa
"fim") baseiam-se nas ideias de que o padrão para decidir o que
é certo e o errado, o conveniente e o inconveniente depende da
quantidade de bem que a ação vai causar. Assim, uma ação é boa
se produz consequências intrínsecas boas superiores ao mal pro-
duzido.
Como diz Frankena (1969, p. 29), o teologista pode assumir
qualquer posição com relação ao que é o bem no sentido não mo-
ral. Frequentemente os teologistas têm sido hedonistas, relacio-
nando o bem ao prazer. Em Aristóteles (2002), a Ética teria um
caráter propriamente teleológico e não deontológico, e esclarece,
na Ética a Nicômaco, que só pode ser bom aquele que é orientado
para o bem em seus afetos e em suas inclinações.
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 67

Já as teorias deontológicas (de "déon", palavra grega para


"dever") negam a proposta teleológica, e defendem que existem
outras características legitimadoras do ato moral. Partem de juízos
como: "devemos sempre cumprir nossas promessas, independen-
te das cosequências de dito ato moral". Defendem que o caráter
específico de cada ato diante de cada situação impede que pos-
samos apelar para uma norma geral que determine o que deve-
mos fazer. Essa posição é comum a diversas teorias éticas, como a
kantiana, as intuicionistas e contratualistas etc., que analisaremos
futuramente no CRC Ética II. Todas elas postulam a existência de
princípios e deveres morais, independentes de seus efeitos. Para
esses éticos, as ações humanas são boas ou más por sua coerência
com esses princípios, não por suas consequências.
Frankena (1969, p. 39) destaca ainda as teorias ato-deoanto-
lógicas, que são aquelas que não propõem qualquer padrão para
determinar o que é certo ou errado em casos particulares. Os juí-
zos particulares não devem seguir uma determinada regra. Os ato-
-deoantológicos não propõem nenhum princípio orientador.
Uma aproximação às teorias éticas é importante para enten-
der o fenômeno da moral. Assim, para finalizar esta unidade, suge-
rimos a leitura do mito O anel de Giges, contido no livro II da A Re-
pública, em que Platão discute sobre a deficiência do ser humano
ante a possibilidade de ser imoral porque não terá consequências:
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Fontes, 2006.

Figura 3 O anel de Giges.

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68 © Ética I

7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Chegamos ao final desta unidade. Sugerimos que você pro-
cure analisar, responder e comentar as questões a seguir, que tra-
tam da temática aqui desenvolvida, ou seja, dos problemas éticos
e dos problemas morais da vida cotidiana.
1) Com base nos conteúdos desta unidade e nos conhecimentos sobre a rela-
ção entre Ética e moral, analise se é correto afirmar que:
Os problemas éticos são caracterizados pela generalidade. Seria inútil recorrer
à Ética para encontrar uma norma de ação para uma situação concreta. A ética
vai ajudar na análise do comportamento pautado por normas, que consiste o
fim do comportamento moral.
Resposta:______________________________.

2) Responda as seguintes questões:


a) O que é moral?
b) O que é Ética?
3) O homem se diferencia do animal, pois se relaciona de forma diferente com
o mundo exterior, transforma-o, conhece-o. O animal vive sua relação com
o mundo exterior de forma única; já o homem intervém na natureza de for-
mas diferentes, segundo a sua cultura.
Mas, não nos é permitido fazer qualquer coisa!
Aqui surge o problema da responsabilidade. Para falar em responsabilidade
ante nossos atos de conduta, devemos referir-nos ao conhecimento, de um
lado, e à liberdade, de outro. A ignorância e a falta de liberdade (entendida
como coação) permitem eximir o sujeito da responsabilidade por seus atos.
Você considera possível argumentar "ignorância" ante as normas morais e as
leis positivas para não ser responsável por nossas ações?

4) Sobre Ética podemos afirmar que:


a) é um conjunto de regras que determina ou que mostra como os indiví-
duos devem se comportar em determinado grupo social.
b) é um estudo sistemático que se ocupa da reflexão e do estudo do com-
portamento humano, bem como da sua relação com o belo e com a arte.
c) é a parte da Filosofia que se ocupa da reflexão sobre as noções e princí-
pios que fundamentam a vida moral, da discussão acerca do que é certo
ou errado e do comportamento dos indivíduos.
d) é o estudo dos comportamentos individuais.
5) Hoje em dia, quase todos utilizam com frequência a palavra "ética" em suas
conversas. Nos meios de comunicação, também é comum que se fale da
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 69

Ética como condição da vida política e social em geral. No entanto, sabemos


que muitas vezes se fala da Ética sem ter claro qual é seu significado. Identi-
fique situações em que a palavra "ética" aparece na mídia com um sentido
apresentado neste CRC.

6) Escreva uma breve dissertação respondendo à seguinte questão: por que


devo obedecer às leis morais?

7) Diferencie "moralidade" de "moralismo" e dê um exemplo de moralismo.

8) Sobre o mito O anel de Giges, presente no livro II de A República, de Platão,


Glaucón expõe a Sócrates que aqueles que seguem a justiça o fazem por
desejo próprio ou para evitar punições? Justifique sua resposta.

9) Como exercício de reflexão, propomos que você analise, na prática, a essên-


cia dos termos "ética" e "moral". Para isso, é preciso que você assista ao fil-
me O Jardineiro Fiel (2005). Esse filme permite reflexividade sobre os temas
éticos e você poderá entrar em contato com juízos de dever efetivo, regras
morais e juízos éticos. Após assistir ao filme, analise qual é a justificação
válida para a conduta moral.

Gabarito
4) c.

8. CONSIDERAÇÕES
É comum na Filosofia encontrarmos correntes de pensa-
mento que embaraçam o significado dos termos "ética" e "moral"
por partirem eles de uma mesma fonte, o "ethos". Essa posição
é muito discutida porque as funções dos dois saberes são bem
diferenciadas: a Ética consiste fundamentalmente numa reflexão
filosófica sobre a moral, enquanto a esta última competem as nor-
mas e códigos que regulam o comportamento dos indivíduos em
sociedade.
Moral e Ética respondem a diferentes questionamentos, já
que a moral tem relação com os códigos que versam sobre a ação
do indivíduo na sociedade e opera ante o questionamento: o que
devo fazer perante determinada situação concreta? Enquanto isso,
a Ética atua num nível teórico, tratando de responder a perguntas

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70 © Ética I

sobre o fundamento da moral, sua aplicação na vida cotidiana, sua


incidência no bom funcionamento da sociedade etc.
O problema está na interpretação do ethos grego, que tinha
como fundamento a ideia de auto-perfeição, liberdade, estética
etc. O ethos tinha uma função transcendente, na medida em que
era a meta para a perfeição, imitativa da beleza dos deuses.

9. E-REFERÊNCIAS

Lista de Figuras
Figura 1 Astreia, divindade que difundia entre os homens sentimentos de justiça e de
virtude. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliot
ecaConsultaProdutoBibliotecaSimboloJustica&pagina=astreia>. Acesso em: 26 abr. 2013.
Figura 2 Têmis, divindade grega responsável por definir a justiça, no sentido moral.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaCons
ultaProdutoBibliotecaSimboloJustica&pagina=temis>. Acesso em: 26 abr. 2013.
Figura 3 O anel de Giges. Disponível em: <http://www.outonos.com.br/filosofia.asp>.
Acesso em: 26 abr. 2013.

Sites pesquisados
ARISTÓTELES. Moral. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/bk000424.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2013.
BOFF, L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. Disponível
em: <http://pt.scribd.com/doc/89815308/Etica-e-moral-a-busca-dos-fundamentos>
Acesso em 26 abr. de 2013.
______. Saber cuidar: Ética do humano. Disponível em: <http://cursa.ihmc.us/
rid=1GMSLFWNB-5RXV9C-GSQ/Saber%20Cuidar%20-%20Etica%20do%20Humano.
pdf>. Acesso em: 26 abr. 2013.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Veritatis Splendor. Disponível em: <http://www.
rainhamaria.com.br/Pagina/193/CARTA-ENCICLICA-VERITATIS-SPLENDOR>. Acesso em:
25 abr. 2013.
RICOEUR, P. Ética e Moral. Tradução de António Campelo Amaral. Covilhã: Universidade
da Beira Interior, 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/
cj035379.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2013.
SANTOS, A. L. Para uma Ética do como se. Contingência e Liberdade em Aristóteles e Kant.
Convilhã: Universidade da Beira Interior, 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.
net/textos/santos_ana_leonor_para_uma_etica_do_como_se.pdf>. Acesso em: 26 abr.
2013.
© U2 - A finalidade da Ética e a essência da moral 71

10. REFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS


ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. 17. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
______. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2002.
BOFF, L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
CORTINA, A.; MARTÍNEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005.
FRANKENA, W. K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
GARCÍA GÓMEZ-HERAS, J. M. Teorías de la moralidad. Madrid: Síntesis, 2004.
PLATÃO. Diálogos Platônicos. São Paulo: Nova Cultura, 1999. (Coleção Os Pensadores).
VÁZQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2007.

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EAD
Ética medieval,
embasamento
cristão
3
1. OBJETIVOS
• Entender o contexto em que se desenvolveu a Ética reli-
giosa.
• Perceber e examinar criticamente as principais questões
éticas derivadas da religião cristã.
• Reconhecer os principais representantes da Filosofia cris-
tã medieval.
• Reflexionar sobre a influência da Filosofia platônica, aris-
totélica, da Bíblia judaica e dos primeiros escritos cristãos
na formação da Ética medieval.
• Identificar os fatores que contribuíram para essa nova sín-
tese ético-moral.
74 © Ética I

2. CONTEÚDOS
• As Éticas medievais.
• Concepção de pessoa humana.
• A obra de Santo Agostinho.
• A Ética eudemonista de Tomás de Aquino.
• A origem das virtudes.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Nesta unidade, apresentam-se as linhas fundamentais
de duas escolas medievais que entrelaçaram o pensa-
mento grego com o cristão, a Patrística, representada
no pensamento de Agostinho de Hipona, e a Escolástica,
analisada por meio da obra de Tomás de Aquino.
2) A Ética é a parte da Filosofia que trata da moral e das
obrigações dos homens; portanto, é a ciência da con-
duta. No período medieval, impregna-se com elemen-
tos das doutrinas clássicas que têm como fim último do
agir humano a felicidade. Esta, que motivou a concepção
de Ética grega clássica, passa a depender da observân-
cia dos princípios cristãos, que considera o fim último
da ação humana a caridade, caminho para aceder à vi-
são de Deus. Nesse contexto, a Ética medieval passa a
contemplar os homens menos afortunados, os oprimi-
dos pela escravidão, os limitados, os explorados, os des-
criminados etc. Assim como no período grego antigo,
quando a Filosofia se caracterizou por discutir a relação
do homem com a polis, o predomínio da razão e sua pro-
dução, a Filosofia durante o medievo não estabeleceu
fronteiras precisas entre religião, cultura e Estado.
3) A Ética da Idade Média tem como característica o teo-
centrismo. A mensagem cristã apresenta um profundo
conteúdo moral que vem de Deus e se encontra impres-
© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 75

so na natureza criada. Santo Agostinho e Tomás de Aqui-


no – este último fora discípulo de Santo Antonio Magno
–, durante a Alta Idade Média, foram dois dos maiores
pensadores que sintetizaram o pensamento cristão me-
dieval. Ambos são considerados "Pais da Igreja". O pri-
meiro representa a Patrística, movimento que abarca
desde o fim do Cristianismo primitivo até aproximada-
mente o século 12. O segundo é representante da Es-
colástica, movimento que se divide em: inicial (séculos
9-13), com forte influência do neoplatonismo; Escolás-
tica clássica (séculos 14-15), com evidente domínio do
aristotelismo com embasamento cristão; e a Escolástica
tardia (séculos 15-16).
4) O que caracteriza este período histórico é ter Deus como
sumo Bem, pois todas as perfeições provêm dele.
5) Um dado histórico que você, aluno, deve ter para en-
tender esse momento é que, no início da Idade Média
(século 5, que coincide com a queda do Império Romano
de Ocidente), as instituições romanas ruíram e o seu sis-
tema jurídico sofreu grandes perdas. Todavia, a religião
Cristã já era a religião oficial do Império Romano. Em
312 d.C., o imperador romano Constantino converteu-se
ao Cristianismo; em seguida, o imperador Teodósio, em
390 d.C., por meio do Edito de Tessalônica, tornou o Cris-
tianismo a religião oficial do Império. Os cristãos trou-
xeram a palavra de Jesus Cristo, que pregava a santida-
de pessoal. Veremos que, para os pensadores das duas
escolas citadas anteriormente, o fim último da vontade
humana é o Bem supremo.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O apóstolo Paulo trouxe as noções evangélicas ao mundo
greco-romano e a mensagem contida nos Evangelhos revolucio-
nou os valores tradicionais, e pode ser descrita como uma das
maiores revoluções éticas da humanidade.

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76 © Ética I

Os romanos, de tradição imperialista, escravista e politeísta


enfrentaram pregações como: "os pobres são moralmente supe-
riores aos ricos" (Lucas 112, 32); "a salvação não advém do cum-
primento dos rituais religiosos e sim das atitudes que temos com
nós mesmos e com os outros. Amar a Deus acima de tudo e amar
ao próximo como a ti mesmo" (Mateus 19, 16-30) e (Lucas 18, 18-
30). O Sermão da Montanha (Mateus 5, 20-28) contém as bases da
nova Ética que invade ocidente.
Nesse contexto, Deus já não é um frio modelo de justiça, é
onipresente, um exemplo de amor. Porém, seus princípios são im-
perativos.
Os autores da Antiguidade Clássica utilizaram a expressão
"direito natural" (ius naturale) para referirem-se a quaisquer prin-
cípios considerados reitores da conduta humana diferentes dos
originados na legislação humana ou direito positivo (ius
positivum). Vimos, na Unidade 1, que, para a cultura grega, exis-
tem leis universais, cuja origem é tida como divina. Aristóteles, na
Retórica (2005), as descreve como "koinoi nomoi" (comuns a to-
dos os povos); paralelamente existem as leis particulares de cada
povo, descritas por Aristóteles como "ídioi nomoi".

5. INFLUÊNCIA JUDEO-CRITÃ NA ÉTICA DA IDADE


MÉDIA
A Ética teocrática e teológica é aquela que identifica o Bem
com a vontade de Deus. Dentro dessa categoria, incluem-se as Éti-
cas hebreia e cristã.. . A relação e o reconhecimento do outro cons-
titui a base para essa Ética, precisamente porque a realização da
justiça consiste no reconhecimento da alteridade do outro. Nes-
se sentido, o Cristianismo manda em seis de seus mandamentos
amar o próximo como a si mesmo.
"AMARÁS O PRÓXIMO COMO A TI MESMO" Jesus disse a seus discí-
pulos: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 13,34). Em
resposta à pergunta feita acerca do primeiro dos mandamentos,
© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 77

Jesus diz: "O primeiro é: ‘Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o


único Senhor, e amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração,
de toda a tua alma, com todo o teu espírito, e com toda a tua força’.
O segundo é este: ‘Amarás O teu próximo como a ti mesmo’. Não
existe outro mandamento maior do que estes" (Mc 12, 29-31).
O apóstolo S. Paulo o recorda: "Quem ama o outro cumpriu a lei. De
fato, os preceitos ‘não cometerás adultério, não matarás, não furta-
rás, não cobiçarás’ e todos os Outros se resumem nesta sentença:
amarás o teu próximo como a ti mesmo. A caridade não pratica o
mal contra o próximo. Portanto a caridade é a plenitude da lei" (Rm
13, 8-10). (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1993, §2196, p. 449).

Nesse preceito bíblico, está muito clara a importância da


experiência alteritária. Bauman (2005, p. 101) afirma que amar o
próximo como amamos a nós mesmos significaria respeitar a sin-
gularidade de cada um. Assim, amar ao próximo tem relação com
tolerância e promoção da individualidade do outro, o valor de nos-
sas diferenças enriquece o mundo.
A grande síntese da moralidade bíblica está expressa nos Dez
Mandamentos (Ex 20, 10). As chamadas "duas tábuas da lei" mos-
tram os deveres das pessoas para com Deus nos três primeiros
mandamentos, e para com o seu próximo nos sete seguintes.

Figura 1 Os Dez Mandamentos.

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78 © Ética I

A moralidade para os cristãos não é criada de forma arbitrá-


ria por Deus; provém do caráter inato de Deus, que é bom, portan-
to não pode ser aceito pecado ou ruptura com a ordem divina. A
lei moral é obra da sabedoria divina:
obra excelente do criador, a lei moral fornece os fundamentos só-
lidos sobre os quais pode o homem construir o edifício das regras
morais que orientam suas ações (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA,
1993, p. 449-450).

Para alcançar a felicidade, que coincide com a contemplação


de Deus, devemos impedir que o pecado tome o lugar da ordem
moral existente na criação.
[...] o mal não é senão a corrupção da ordem natural. A natureza
má é, portanto, a que está corrompida, porque a que não está cor-
rompida é boa. Porém, ainda quando corrompida, a natureza, não
deixa de ser boa; quando corrompida, é má. (AGOSTINHO, 2005,
p 25).

A Ética de Jesus está contida nos seus ensinamentos e é ilus-


trada pela sua vida. O Sermão da Montanha, uma das melhores
sínteses da Ética cristã, apresenta as bases éticas de Jesus, carac-
terizada pela humildade, misericórdia, integridade e veracidade,
a busca da justiça e da paz, pelo perdão, a generosidade e, acima
de tudo, pelo amor a Deus que se desprende do amor ao próximo.

Figura 2 Lápide sepulcral com peixes e âncora.


© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 79

Joseph Klausner, escritor judeu, escreveu, na obra titulada


Jesus de Nazareth (1996), que é universalmente aceito que Cristo
ensinou a mais pura e sublime Ética, já que a mesma supera os
preceitos morais e as máximas dos homens sábios da antiguidade.

6. PESSOA HUMANA
Apoiada na declaração do Livro do Gênesis, que diz que o ser
humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26-27),
a Bíblia eleva à condição de dignidade "todos os seres humanos"
por participarem da condição divina.
O conceito de pessoa humana reflete a essência de todos
os seres humanos. Segundo Comparato (2006, p. 457), o concei-
to de pessoa humana toma forma com Boécio no século 6. Esse
pensador define a pessoa humana como "substância individual da
natureza racional", definição que, posteriormente, foi adotada por
Tomás de Aquino.
O nome "pessoa" vem ganhando destaque desde a Antigui-
dade grega. Platão, na República (2006), e Aristóteles, na Meta-
física (2006), destacaram a capacidade racional como condição
de imortalidade existente entre os deuses e que se repete no ser
humano. Contudo, o conceito de pessoa humana nos moldes cris-
tãos, mesmo que mantendo pontos em comum com a concepção
grega clássica, traz uma nova visão do mundo e do homem. Desta-
ca o ser pessoal do homem como imagem e semelhança de Deus
(MARÍAS, 1975, p. 78).
Segundo Lucas (1996), a palavra "pessoa" é derivada do ver-
bo latino "personare", que significa "ressoar" em português. Os
pensadores comprometidos com essa radical visão de ser humano
colocaram a origem da pessoa na cultura grega. "Pessoa" decorre
do vocábulo grego "prósopon", que significa "máscara", em alusão
às máscaras utilizadas pelos atores nas tragédias gregas, que re-
presentavam personagens (pessoas) das diferentes classes sociais.

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80 © Ética I

Suas vozes ressoavam por meio das máscaras utilizadas pelos ato-
res; assim também na pessoa ressoa uma voz que tem caracterís-
ticas de divindade por trás de sua forma biológica.
No Direito romano, eram pessoas os que possuíam direitos e
deveres de cidadãos; os escravos e os estrangeiros não eram pes-
soa para essa forma de Direito. Com a difusão da idia cristã de
espiritualidade e imortalidade da alma e a noção de que todos os
homens são filhos de Deus e iguais em direitos, o conceito de pes-
soa se universalizou em todo o Império Romano.

Figura 3 Martírio dos escravos.

7. O FUNDAMENTO DA VIDA ÉTICA É A DIGNIDADE


DA PESSOA
Com o advento do Cristianismo, o conceito de pessoa como
substância passou a sustentar o atributo da dignidade humana. A
partir do conceito de pessoa, todos os seres humanos são consi-
derados iguais em essência. Vejam que esse conceito de igualdade
não abrange as igualdades culturais e históricas. O importante é
© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 81

que, a partir dessa visão, todo ser humano passa a ter direitos,
que emanam do fato de ter sido criado à imagem e semelhança
de Deus.
Com a Teologia medieval, o princípio do Direito formulado
por Cícero (comentado na Unidade 1) fica em segundo plano en-
quanto a organização da vida em sociedade e conduta individual,
em primeiro lugar está a supremacia da fé. Porém, a fonte da refle-
xão jurídica continua sendo o Direito Natural.

8. AGOSTINHO DE HIPONA
Como explicam Cortina e Martínez (2005, p. 63-64) a obra
de Agostinho pertence cronologicamente ao período romano, mas
seu conteúdo inaugura uma série de temas que serão discutidos
ao longo da Idade Média. A Ética cristã de Santo Agostinho é inspi-
rada, como todo o seu pensamento, na Filosofia greco-platônica-
-estoica, matizada pela visão bíblica. Tanto Santo Agostinho como
São Boaventura se apoiam na Filosofia de Plotino (204-270), que
possui características neoplatônicas, mas ambos se contrapõem
ao racionalismo ético dos pensadores gregos.
Concordando com os gregos, Agostinho afirma que a moral
é um conjunto de normas que ajudam a alcançar a "boa vida" e,
como consequência, a felicidade. Sua Ética resulta da releitura das
teorias éticas socráticas. Diferente dos gregos, Agostinho, em Ci-
dade de Deus (AGOSTINHO, 2000), explica que a meta para alcan-
çar a felicidade é o encontro amoroso com Deus, a partir do que
se deduz que os conteúdos da moral não podem ser outros que
os ensinados por Jesus aos homens. Para Agostinho, na doutrina
cristã está a solução para os problemas éticos.
Esse raciocínio nos afasta um pouco do caminho que a Ética
vinha traçando, na medida em que os conteúdos da fé não podem
ser apresentados com o mesmo valor de verdade para todos os
seres racionais, mas, como dizem Cortina e Martínez (2005, p. 64):

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82 © Ética I

[...] as éticas religiosas são realmente éticas, sempre que ofereçam


sua correspondente explicação da moral, mas são éticas "de máxi-
mos", pois contêm elementos de convite à felicidade que não po-
dem razoavelmente ser impostos a todo ser racional. No entanto,
com a adoção de muitas dessas éticas de máximos é possível coin-
cidir com outras éticas em conteúdos (alguns "mínimos" comuns)
que permitiriam uma convivência harmoniosa.

Santo Agostinho parte do princípio ético "emancipante" de


que o ser humano é feito à semelhança de Deus para justificar a
correspondência com as três pessoas da Trindade. As expressões
dessa correspondência encontram-se nas três faculdades da alma.
Considera que a alma contém uma norma divina (correspondência
com ideia platônica de alma), que lhe orienta para a felicidade,
mas não é suficiente conhecer essa norma divina; é necessário ser
movido em direção a ela pelo "amor" e pela Graça. O autor da Ci-
dade de Deus afirma que a alma tem como princípio a ratio recta,
princípio que é inato no ser humano. A Ética tem como fundamen-
to a vida virtuosa, é a beatitude, dito fim, é a visão de Deus.
Segundo Agostinho (2005), a dignidade do homem está fun-
damentada na citada passagem bíblica que explica que este foi
criado à imagem e semelhança de Deus, e sua miséria está explica-
da por sua inclinação ao pecado. O homem, pelo pecado original,
nasce orgulhoso e inclinado a pecar e, pelo livre-arbítrio que rece-
be de Deus, pode fazer mau uso dos bens temporais.
Assim, o mal não está na criação, e sim no mau uso que o
homem faz dela. A pergunta de Evódio: "como é possível que Deus
conceda ao homem o livre-arbítrio uma vez que é certeza que po-
dia pecar?" é respondida por Agostinho (2004) da seguinte forma:
não é por que o homem tem a vontade livre para pecar que se
deve supor que Deus a concedeu para isso. Sem ela o homem não
teria oportunidades de viver e agir corretamente; se o homem não
fosse dotado de livre-arbítrio, não existiria esse bem que consiste
na realização da justiça por meio da condenação da ação moral-
mente errada e a premiação pela ação da ação correta.
© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 83

Segundo Marcondes (2007, p. 58-59), nas Confissões (livro


VII, capítulo 12), Agostinho diz que o mal deve ser entendido como
diminuição ou privação do bem, já que, sendo Deus sumamente
bom, teria criado bens bons. No capítulo 16 (AGOSTINHO apud
Marcondes, 2007) da mesma obra, o pensador conclui que o mal
não é substância, pois as coisas são boas; ele é produto do desvio
de conduta.
O pecado para Agostinho é o resultado de uma má escolha
possibilitada pelo livre-arbítrio. Na Filosofia agostiniana, o homem
é livre e responsável por seus atos. Na obra A Natureza do bem
(2005, livro II) Agostinho explica que o livre-arbítrio possibilita que
o homem racional tenha responsabilidade moral em seus atos, ou
seja, que seja merecedor de castigos ou de prêmios.

Você pode ampliar seus conhecimentos sobre esse tema lendo


a obra: AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. Disponível em:
<http://sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_
agostinho_ _o_livre-arbitrio.pdf>. Acesso em 29 abr. 2013.

Na obra de Agostinho, dentre os principais problemas éti-


cos está a origem do mal ante a perfeição de Deus e a questão da
liberdade humana ante a realidade do pecado original. Agostinho
distingue a lei eterna, vinculada a Deus, de caráter imutável, das
leis temporais, sujeitas a mudanças. Estas nada têm de justo e le-
gítimo se não foram retiradas da lei eterna; assim, uma lei justa no
sentido temporal deve ser inspirada na obra de Deus.
Agostinho é um autor preocupado com a Ética, se bem que
não escreveu uma obra específica sobre este tema no texto intitu-
lado Sobre o sermão do senhor da montanha (2003), tratou, quan-
do ainda era bispo em Hipona, sobre a Ética do Sermão da Monta-
nha, considerado um dos grandes tratados éticos antigos. Escrito
em uma linguagem figurada, ensina aquilo que o homem deve ser.

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84 © Ética I

Para entender melhor sobre este tema, sugerimos que leia O Ser-
mão da Montanha, de Paul Earnhart, disponível em: <http://www.
estudosdabiblia.net/som.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2013.

9. TOMÁS DE AQUINO: ÉTICA DA LEI NATURAL


Cortina e Martínez (2005, p. 65) explicam que Tomás de
Aquino segue a linha eudemonista, por considerar a felicidade
como o fim último da atividade humana, mas sempre dentro da
tradição ética teocrática-teológica iniciada por Agostinho.
A moral para Santo Tomás é a ciência que dirige os atos hu-
manos para seu fim último. Esses atos humanos devem estar or-
denados segundo a razão que apreende as leis da natureza. Assim,
a razão estará em concordância com a lei natural, que é comum a
todos os povos. Ainda existem os costumes, que são particulares
de cada povo; nesse sentido, a educação moral, que consiste no
ordenamento dos hábitos e dos costumes, fará com que o homem
alcance a felicidade na ordem do cumprimento de sua própria na-
tureza (AQUINO, 2004, p. 19-21).
A felicidade total não é possível para o homem nesta vida;
só pode ser alcançada na vida definitiva junto ao Criador. Para isso,
o homem deve atuar em concordância com as virtudes para aper-
feiçoar sua vida. Segundo Marcondes (2007, p 61-63), o conceito
de virtude em Santo Tomás provém de Aristóteles, só que, para o
pensador medieval, a virtude já não está relacionada ao concei-
to de polis, como no universo grego, e sim às virtudes teologais,
enquanto unidas à caridade (amor ao próximo) que dá forma aos
atos das virtudes. O conceito de felicidade, que, para Aristóteles,
coincidia com eudaimonia, está relacionado à beatitude.
Suas principais teses filosóficas estão contidas na Suma Teo-
lógica (AQUINO, 2004). Nessa obra em forma de respostas, trata
do ser, da verdade e do conhecimento, de Deus e da criação, da
© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 85

Graça Divina, dos sacramentos, da Antropologia, das virtudes teo-


logais e da lei eterna que contém os lineamentos da verdadeira
moral natural.
Para Tomás de Aquino, a vida prática deve ser organizada
por meio dos princípios fornecidos pela sindérese e pela consciên-
cia moral. A sindérese, como habitus, apreende e formula os dois
grandes princípios da vida moral: fazer o bem e evitar o mal. A
palavra latina "habitus" significa "um estado de corpo e alma", ou
seja, "a maneira de ser da pessoa humana". Assim, "habitus", que,
para Aristóteles, é a primeira categoria predicamental (hexis), é
um agir relacionado com o concreto, com a inteligência, dispen-
sando os instintos, dispensando a ação da dimensão vegetativa da
alma. Esse termo simboliza um desejo refletido. Sendo as virtudes
habitus, pode se dizer que o homem virtuoso age bem, em con-
cordância com seu ser (AQUINO, 2004, IV, I-II, p. 45). Porém, como
está expresso no prólogo do volume 5 da Suma Teológica (2004,
p. 45): "A moral em generalidades é pouco útil, já que as ações se
realizam em situações particulares". Esses princípios são sempre
confrontados com a realidade pessoal. Para que isso seja possível,
necessitamos da intervenção da consciência moral, que é um ato
da razão prática que engloba a sindérese, o conhecimento moral,
a experiência, as convicções etc.
A moral é uma ciência prática, isto é, uma ciência do ato humano
tal como existe onde quer que seja exercido. Não basta ter estuda-
do os princípios gerais da moral: o fim do homem; a felicidade eter-
na, depois os atos das paixões que podem conduzir à felicidade.
Para maior utilidade de aquele que age, é preciso retomar em "par-
ticular". [...] Não podemos conceber todo "pensamento, palavra
ou ato" que, estando relacionados a um mesmo objeto, sejam da
mesma espécie. Não podemos tampouco pensar em determinar a
norma, ou a medida de toda ação concreta. Esta depende tanto de
circunstâncias, tempo, lugar, humor, ou simplesmente de fraqueza
ou força, de ignorância ou ciência (AQUINO, 2004, p. 43).

Os princípios traduzidos em regras darão inicio à vida mo-


ral. No entanto, para realizar as boas ações, devemos praticar as
virtudes (disposição do espírito e do coração para agir bem; são

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86 © Ética I

sete as virtudes). Santo Tomás, na Suma Teológica (2004, VI, p.


1-170), precisamente a partir da questão 58, diferencia as virtudes
morais e virtudes intelectuais; na questão 61, destaca as cardeais.
Segundo pode ser apreciado no volume 6, em primeiro lugar Santo
Tomás coloca a "justiça" pela extensão das funções que lhe são
consagradas enquanto controladoras de pessoa e sociedade; logo
vem a "força" e a "temperança", a primeira controladora pelas pai-
xões, enquanto a segunda nos afirma racionais ante a pressão da
paixão e, por último, temos a "prudência". (AQUINO, 2004).
Entretanto, como diz Santo Tomás (2004), para agir bem, é
necessário que a razão esteja bem disposta pelo hábito da virtude
intelectual, e que a potência apetitiva atue em relação ao hábito
da virtude moral em conformidade com a razão. Tal como o apetite
se distingue da razão, assim também a virtude moral se distingue
da intelectual. As virtudes morais são vivenciadas na afetividade
humana, em relação ao costume.
Tanto as virtudes morais como as intelectuais têm como
objeto algo que a razão humana pode compreender. Só as virtu-
des teologais podem relacionar-nos à aventurança sobrenatural
(AQUINO, 2004).

Cristo e a caridade são a pedra angular da estrutura moral


Para Santo Tomás, a moral é uma ciência prática, que pode
conduzir o homem à felicidade eterna. A condição para que exista
moral é que exista liberdade; sem a liberdade não há moral, sendo
que esta tem fundamento na razão.
O fim último da vida humana significa um retorno a Deus, e o
homem se dirige a ele com "passos do conhecimento e do amor".
Todas as criaturas são chamadas de volta ao Criador. Na maior par-
te delas, por não serem dotadas de inteligência, o retorno será
operado de maneira passiva, mas, no ser humano, por ser criado
à imagem de Deus e gozar de inteligência, livre-arbítrio, capaci-
dade de autodeterminação, o retorno envolve outras condições.
© U3 - Ética medieval, embasamento cristão 87

Enquanto as criaturas irracionais são simplesmente atraídas, com


o homem acontece um movimento diferente: Deus só o orienta
mediante uma inclinação à sua própria realização por intermédio
de um desejo de bem-aventurança (AQUINO, 2004). Portanto, to-
das as criaturas possuem um só e mesmo fim último: Deus.

A lei que liga ordem e ação compete ao âmbito da razão


O Tratado da Lei se encontra na "primeira e segunda parte"
da obra Suma Teológica. Nele está expresso que o homem deve
buscar sua realização, que coincide em conhecer e amar a Deus;
para isso, precisa orientar seus atos para esse fim. Assim, surge a
necessidade da lei, que lhe dê direção, já que tal empreitada não
pode ser deixada ao arbítrio de cada consciência. É importante,
portanto, que o ser humano disponha de uma fonte pedagógica e
objetiva, sobre a qual possa basear as decisões que pesam sobre
sua consciência.
Para Santo Tomás, a fonte de toda lei é a vontade divina (pla-
no de Deus para o governo de suas criaturas), expressa na criação,
que se evidencia no conhecimento do homem que está situado
no tempo e na história. A partir do pensamento divino chega a lei
eterna que vai determinando as leis mais contingentes, que são as
terrenas. A Nova Lei ou lei de Cristo é a própria Graça, presença
dinâmica do amor de Deus (AUBERT in AQUINO, 2004).
Os quatro tipos de leis, para Santo Tomás, são: a lei eter-
na, que é a razão de Deus; a lei natural, que é a "participação da
lei eterna na criatura racional"; a lei humana, que se deriva da lei
natural e que norma a vida social; e a lei divina, que é dada ao ho-
mem para que possa orientar-se para seu fim último que é a vida.
Vejam que, para Santo Tomás, a vida na terra é importante e faz
parte do plano de salvação do homem.

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88 © Ética I

Para saber mais sobre esse pensador,sugerimos que leia a obra


de Patrícia Calvário, O Governo da Cidade no De Regno de Tomás
de Aquino, que se encontra disponível em: <http://www.lusosofia.
net/textos/calvario_patricia_o_governo_cidade_no_de_regno_
de_tomas_de_aquino.pdf>. Acesso em: 6 maio 2013.

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos que você procure refletir, responder e comentar
as questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, a respeito da Ética da Idade Média, caracterizada
pelo teocentrismo, presente na mensagem cristã na forma de um
profundo conteúdo moral que vem de Deus e está impresso na
natureza criada.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Analise as seguintes afirmações e indique a única alternativa incorreta:
a) A Ética teocrática e teológica é aquela que identifica o bem com a vonta-
de de Deus. Dentro dessa categoria, incluem-se as Éticas hebreia e cristã.
b) A moralidade para os cristãos não é criada de forma arbitrária por Deus;
provém do caráter inato de Deus, que é bom; portanto, não pode ser
aceito o pecado ou a ruptura com a ordem divina.
c) A ética de Jesus está contida nos seus ensinamentos e é ilustrada pela
sua vida; caracteriza-se por humildade, misericórdia, integridade e vera-
cidade, busca da justiça e da paz, perdão, generosidade e, acima de tudo,
amor a Deus que se desprende do amor ao próximo.
d) Com o advento do Cristianismo, o conceito de pessoa como substância
passou a sustentar o atributo da dignidade humana. A partir do conceito
de pessoa, todos os seres humanos são considerados iguais em essência.
e) Nenhuma das alternativas.
2) Como Santo Agostinho justifica que Deus seja sumamente bom e exista o
mal?

3) Se Deus é o todo poderoso, por que permitiu o livre-arbítrio no homem?

4) Como Santo Tomás relaciona as virtudes?


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5) Compare a posição de Santo Tomás de Aquino sobre as virtudes com a de


Aristóteles, de quem foi assíduo leitor.

6) Analise as seguintes afirmações e indique a única alternativa incorreta:


a) Tanto para Tomás de Aquino como para Agostinho o mal é a ausência
do bem, isto é, o mal não é substancial. Ambos seguem a teoria da não
substancialidade do mal.
b) O mal não é intrínseco nem à natureza e nem ao ser humano, que é do-
tado de capacidade de distinguir o Bem e naturalmente tende para ele.
Aparece na sua condição de ignorância ou ausência de sabedoria.
c) Segundo Tomás de Aquino, existem duas espécies de mal: a pena e a
culpa, que é o ato humano de escolha deliberada do mal.
d) Para Agostinho, é natural que exista uma substância do Bem que se cha-
ma Deus, e outra, contrária, as Trevas.
e) Na obra Livre-arbítrio, Agostinho apresenta o problema do mal sob dois
pontos de vista, o metafísico-ontológico e o mal moral.
7) Disserte sobre o seguinte tema:
Na Filosofia agostiniana o homem é livre e responsável por seus atos. Na obra
A Natureza do bem (2005, livro II) Agostinho explica que o livre-arbítrio pos-
sibilita que o homem racional seja merecedor de castigos ou de prêmios, que
tenha responsabilidade moral em seus atos.

Gabaritos
1) e.
6) d.

11. CONSIDERAÇÃO FINAL


A Ética grega clássica teve sua consolidação entre o século 5
e o século 4 a.C. Nesse período da História da Filosofia, a reflexão
filosófica moral esteve marcada por dois aspectos fundamentais: a
polis e o "ser". O eixo de discussão da Ética grega estava no ethos,
morada ou lugar onde se habita. O termo "ethos" para os gregos
tinha um significado mais amplo que o conteúdo atual do "ético";
abrangia a disposição do ser humano, seu caráter adquirido pelo
hábito, sua moral familiar e seus costumes.
A moral da sociedade determinava as leis da polis, mas, como
vimos na Unidade 1, com a reflexão socrática se gesta a Ciência Éti-

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90 © Ética I

ca que trairá à discussão a existência de valores absolutos e imu-


táveis em que deveriam basear-se as leis. Para Sócrates, o bem e
a justiça são valores que o homem pode aceder racionalmente;
surge, então, o intelectualismo moral. Nesse período, a Ética passa
a ter como finalidade a busca da felicidade. Surgem posteriormen-
te as escolas helênicas, que defendiam que a finalidade da vida é o
prazer racional, que se alcança dominando os desejos, superando
a dor, controlando o medo e as paixões; para se tornar ético, é ne-
cessário aderir à vida sóbria.
As Éticas medievais, estudadas na Unidade 3, que corres-
pondem ao período medieval (compreendido entre os séculos 4
a 15 d.C.), incorporam à ideia greco-romana muitos elementos
provenientes da Bíblia judaica, dos Evangélicos e dos primeiros es-
critos cristãos; a felicidade passa a ter relação com a união com
Deus. Duas escolas imprimem suas características à ação ética, a
Patrística e a Escolástica. A felicidade continua sendo o fim da Éti-
ca, mas, diferentes dos gregos, que identificavam a felicidade ao
conhecimento das coisas mais elevadas, esse novo conceito de fe-
licidade passa a ser identificado com a contemplação da beatitude
de Deus. Para esses pensadores, a vida do ser humano não se es-
gota na terra e, portanto, a felicidade não pode estar relacionada
a coisas do mundo terreno.
Na época moderna, com a revolução científica, a visão de
mundo muda radicalmente e surgem novas teorias éticas, como a
proposta ética de Hume e o imperativo categórico kantiano. Já no
século 20, junto com as teorias utilitaristas, marxistas e da lingua-
gem, surge a Ética material dos valores (Max Scheler), que tenta
superar os pontos escuros da Ética kantiana.
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12. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Os Dez Mandamentos. Disponível em: <http://rompendoemfe4.blogspot.com.
br/2010/12/os-dez-mandamentos.html>. Acesso em: 29 abr. 2013.
Figura 2 Lápide sepulcral com peixes e âncora. Disponível em: <http://blogdefrine.
blogspot.com.br/2007/08/en-las-entraas-de-roma.html>. Acesso em: 29 abr. 2013.
Figura 3 Martírio dos escravos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Museum_of_Sousse_-_Mosaics_2_detail.jpg>. Acesso em: 6 maio 2013.

Sites pesquisados
AGOSTINHO, S. O livre-arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995. Disponível em: <http://
sumateologica.files.wordpress.com/2009/07/santo_agostinho_-_o_livre-arbitrio.pdf>
Acesso em 29 abr. 2013.
CALVÁRIO, P. O Governo da Cidade no De Regno de Tomás de Aquino. Covilhã:
Universidade da Beira Interior, 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/
calvario_patricia_o_governo_cidade_no_de_regno_de_tomas_de_aquino.pdf>. Acesso
em: 6 maio 2013.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em: <http://catecismo-az.tripod.com/
conteudo/a-z/p/pais.html>. Acesso em: 29 abr. 2013.
EARNHART, P. O sermão da montanha. Extraindo os tesouros das Escrituras: exposições
práticas São Paulo, 1997 Disponível em: <http://www.estudosdabiblia.net/som.pdf>.
Acesso em: 29 abr. 2013.

13. REFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS


AGOSTINHO, S. A Natureza do Bem. Tradução de Carlos Ancêde Nougué. Rio de Janeiro:
Sétimo Selo, 2005.
______. A Cidade de Deus: contra os pagãos. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2000.
______. O livre-arbítrio. Tradução de Nair de Assis Oliveira. 4. ed. São Paulo: Paulus,
2004.
______. Sobre o Sermão do senhor da montanha. Mato Grosso: Santo Tomás, 2003.
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. 17. ed.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
______. Metafísica. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2006.
AQUINO, T. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2004.
BAUMAN, Z. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução de Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

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BIBLÍA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueredo. Rio
de Janeiro: Encyclopedia Britannica, 1980. Edição Ecumênica.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 2. ed. São Paulo: Loyola/Vozes, 1993.
COMPARATO, F. K. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
CORTINA, A.; MARTÍNEZ, E. Ética. São Paulo, Loyola, 2005.
EVANS, G. R. Agostinho sobre o bem e o mal. São Paulo: Paulus, 1995.
KLAUSNER, J. Jesús de Nazaret. Buenos Aires: Paidos, 1996.
LUCAS, S. J. Las dimensiones del hombre. Salamanca: Sigueme, 1996.
MARÍAS, J. O tema do homem. São Paulo: Duas Cidades, 1975.
MARCONDES, D. Textos básicos de Ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2007.
PLATÃO. A República. Tradução de Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martin
Fontes, 2006.

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