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Introdução
Em todo o planeta Terra, dificilmente pode-se afirmar a existência de um ecossistema
que não tenha sofrido com a influência das atividades antrópicas sobre seu meio. A crescente
pressão do sistema produtivo sobre os recursos naturais acarreta na introdução de toneladas de
produtos químicos provenientes de esgotos domésticos, efluentes industriais, atividades
agropecuárias, refinarias de petróleo, entre outros, que são descartados diariamente nos
diversos compartimentos ambientais. Tendo em vista, portanto, que a atividade antropogênica
descontrolada pode causar impactos irreversíveis ao meio ambiente, à biota e à população, a
questão ambiental se tornou um dos temas mais discutidos da atualidade tanto em nível local
quanto internacional.
Alguns dos principais personagens do cenário da questão ambiental famosos pelo seu
elevado potencial carcinogênico são os Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs).
Tendo suas origens tanto em atividades antrópicas como naturais, esses compostos e seus
derivados estão associados ao aumento da incidência de diversos tipos de cânceres no homem
e em animais [1, 2]. Pelo seu caráter lipofílico, tais poluentes orgânicos podem ser absorvidos
pela pele, por ingestão e absorção, sendo rapidamente absorvidos pelo organismo e, devido à sua
grande distribuição ambiental, o risco de contaminação humana é significativo [1]. Logo, faz-se
imprescindível um estudo do impacto ambiental destes compostos.
A fim de avaliar o impacto que substâncias tóxico-persistentes causam ao meio em que
se depositam, modelos multimeios de transporte e destino ambiental combinam informações
de propriedades específicas de substâncias químicas com uma descrição genérica do meio
ambiente, além de serem ferramentas úteis para o cálculo de uma série de indicadores
relevantes para a análise do comportamento ambiental dos compostos objetivando-se a
regulamentação de seu uso e o mais adequado meio de remoção destes.
Objetivos
Obter indicadores numéricos de persistência total (PT), distância característica de
transporte (DCT) e eficiência de transporte (ET) dos Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos
(HPAs) cancerígenos identificados como prioritários pela IARC, quais substâncias tóxicas
persistentes (STPs) encontradas no Brasil, bem como suas distribuições nos compartimentos
ambientais ar, água e solo, a partir de diferentes cenários de emissões.
1
O nome do completo do software é “The OECD P OV & LRTP Screening Tool versão 2.2”, desenvolvido por
Fabio Wegmann, Laurent Cavin, Matthew MacLeod, Martin Scheringer, ETH Zürich, Institute for Chemical and
Bioengineenring Safety and Environmental Technology Group, Wolfgang-Pauli-Strasse 10, ETH Zürich, CH-
8093 Zürich, Suíça, 2007.
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A. Definição
Os HPAs constituem uma classe de substâncias tóxico-persistentes caracterizada como
subprodutos não intencionais. Consistem em compostos com dois ou mais anéis aromáticos
fundidos que podem ser divididos em dois subgrupos: compostos de baixo peso molecular,
formados por 2 e 3 anéis aromáticos fundidos (antraceno, acenafteno, acenaftaleno, fluoreno,
naftaleno e fenantreno), e os de alto peso molecular com 4, 5 e 6 anéis fundidos (pireno,
fluoranteno, benzo(a)antraceno, benzo(g,h,i)perileno) [5, 6].
De acordo com a EMBRAPA, há mais de cem tipos diferentes de HPAs e dezesseis
deles são considerados como poluentes prioritários pela CWA (Clean Water Act) da EPA,
listados na Figura 1 [6, 7].
C. Propriedades físico-químicas
O destino e a migração de contaminantes orgânicos no meio ambiente são controlados
pelas propriedades físico-químicas do composto e pela natureza do meio físico para o qual o
composto migra. As principais propriedades são o peso molecular, a pressão de vapor, a
solubilidade em água e o coeficiente de partição octanol/água [10].
A volatilidade de um hidrocarboneto irá predizer seu movimento com o ar ou outros
gases. Pressão de vapor é uma medida da volatilidade de um agente químico puro e um
determinante importante da velocidade de volatilização ao ar ou desde solos ou corpos de
água superficiais contaminados [11, 12]. O peso molecular dos compostos está relacionado
com a pressão de vapor destes; pois, aqueles cujos pesos moleculares são menores possuem
pressão de vapor maior e predominantemente são encontrados na fase gasosa. Já aqueles que
apresentam maiores pesos moleculares, tendem a possuir menores pressões de vapor e desta
forma são, em sua maioria, encontrados nos materiais particulados.
Os HPAs apresentam-se pouco solúveis em água; pois, a solubilidade diminui com o
aumento do número de anéis aromáticos e do peso molecular.
Esses compostos também apresentam coeficientes de partição octanol/água3 superiores
a 1000, demonstrando grande afinidade lipofílica que aumenta com o número de anéis
aromáticos da molécula.
Metodologia
2
Pirólise é o termo dado à “decomposição pelo calor” em que a matéria orgânica é decomposta após ser
submetida a condições de altas temperaturas e ambiente desprovido de oxigênio [9].
3
O coeficiente de partição octanol-água (Kow) refere-se à medida da intensidade da afinidade da molécula pela
fase polar (representada pela água) e apolar (representada pelo 1-octanol). Trata-se de uma medida da
lipofilicidade e bioacumulação da molécula [13].
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O software The OECD POV & LRTP Screening Tool versão 2.2” foi obtido no
endereço eletrônico do grupo OECD4.
Foi criada a seguinte base de dados no modelo, com os HPAs considerados
cancerígenos pela IARC (Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer) na Figura 3 [7]:
Figura 3. Base de Dados inserida no “The Tool 2.2” retirada de MACKAY, 2001 [12].
Resultados e Discussões
Os resultados das simulações mostram que os comportamentos ambientais dos HPAs
analisados são semelhantes. Assim, segue na Figura 4 a representação da emissão para o ar,
solo e água do composto Benzo[a]pireno.
4
Endereço eletrônico: http://www.oecd.org/document/17/0,3343,en_2649_34373_40754961_1_1_1_1,00.html
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Devido aos elevados pesos moleculares dos HPAs, quando há a emissão deste para o
ar, sua distribuição se divide entre os compartimentos ar, água e solo. Pelos elevados valores
de Kow dos compostos, quando a emissão ocorrer para o ar haverá acumulação no material
particulado suspenso no ambiente, em folhas de árvores, solo e água, passando para o ser
humano por ingestão, inalação ou absorção pela pele. Uma vez emitidos na atmosfera, os
HPAs podem ser depositados por via seca (vapor ou particulada) ou úmida (precipitação sob a
forma dissolvida ou particulada) sobre sistemas aquáticos e terrestres, como mostrou o
diagrama (GARBAN et al., 2002; ROSE & RIPPEY, 2002 apud FUJITA, 2009) [9].
Com relação à permanência do composto na água, a solubilidade dos compostos
diminui com o aumento da massa molar e, se tratando de compostos poliaromáticos, é de se
esperar que seu destino final seja o acúmulo no sedimento, organismos ou plantas aquáticas.
O ecossistema aquático é um dos maiores sumidouros de contaminação de HPAs, que tem
recebido mais atenção devido à sua característica lipofílica e efeito da bioconcentração que
provoca o acúmulo destes em tecidos gordurosos de organismos que compõem a cadeia
trófica (HAITZER et al., 1998 apud FUJITA, 2009) [9]. Hidrocarbonetos podem entrar no
ambiente aquático através da deposição atmosférica, industrial e residencial, descarga de
águas residuais ou urbanas e de enxurradas, além da poluição causada pelos navios
petroleiros.
A distribuição do poluente no solo está relacionada com o valor do coeficiente de
sorção - partição do contaminante na fração orgânica do solo ou sedimento - o que significa
que a retenção deste é dependente da quantidade de matéria orgânica no ambiente. A
afinidade dos HPAs pela matéria orgânica pode levar à sua absorção para os vegetais a partir
das raízes. Assim, pelos valores elevados de Kow dos HPAs - parâmetro que reflete a grande
afinidade lipofílica dos compostos aromáticos pouco degradados - pode-se explicar a
abundante distribuição dos compostos para o solo, quando emitido para este compartimento
[5].
Com os valores obtidos no modelo, também, foram traçados gráficos de persistência
total e distância característica de transporte. Os resultados encontram-se nas Figuras 5 e 6.
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Figura 6. Curva da distância característica de transporte.
Conclui-se a partir dos gráficos acima que a média da persistência total dos HPAs nos
compartimentos ambientais é bem elevada (172 dias) e que a média da distância característica
de transporte é, também, considerável (aproximadamente 500 km).
A persistência total dos hidrocarbonetos no meio está relacionada com a degradação
destes compostos, com o tipo de matéria orgânica com a qual interagem e com o peso
molecular. Dessa forma, a presença dos HPAs em solos é amplamente influenciada pelas suas
concentrações na atmosfera e decresce exponencialmente com o aumento da distância da
fonte emissora [14]. A interação dos HPAs com outras moléculas orgânicas pode
potencializar a sua persistência no ambiente (MEIRE et al., 2007a apud FUJITA, 2009) [9].
Quanto maiores os pesos moleculares, maiores são os tempos de meia vida e,
consequentemente, sua permanência no compartimento ambiental [5].
O transporte desses poluentes ocorre principalmente por via atmosférica associada ao
material particulado fino referente às partículas inaláveis, ou seja, menores que 10 mm, o que
permite uma ampla distribuição desses compostos no ambiente, como mostra a Figura 4.
Como a maioria dos microorganismos do solo não possui a capacidade de degradação dos
HPAs, estes acumulam, causando a contaminação dos vários compartimentos ambientais
(JACQUES et al., 2007 apud FUJITA, 2009) [9].
Os HPAs são altamente lipossolúveis na membrana celular e rapidamente absorvidos
pelos pulmões, intestinos e pele de seres humanos e animais. Uma vez absorvidos pelas
células, os hidrocarbonetos são metabolicamente ativados e tornam-se reativos a grupos
nucleofílicos presentes em macromoléculas celulares. Dessa forma, por reagirem diretamente,
ou após sofrerem transformações metabólicas com o DNA, tornam-se potenciais carcinógenos e
eficientes mutágenos [1, 15, 16].
Conclusões
O estudo do comportamento ambiental dos HPAs via modelagem computacional
revelou a periculosidade da inserção destes compostos no meio ambiente. Confirmou-se que
das emissões de hidrocarbonetos, sua maior parcela é distribuída nos compartimentos solo e
água, o que comprova a passagem destes poluentes para a vegetação e biota marinha e, por
sua vez, para o ser humano por ingestão e absorção.
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