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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a concepção de literatura como sistema.
Para tanto, apoia-se especialmente em Antonio Candido, que assim a concebe a partir do
Arcadismo. Aponta-se os marcos históricos decisivos no tocante a uma sistematização
literária. Em contrapartida, levanta-se a reflexão sobre a irreverência da arte (e por extensão
da literatura) como um contrassistema.
ABSTRACT
This article aims to reflect on the concept of literature as system. For both, based especially
on Antonio Candido, who designs from Arcadismo. Pointed out the crucial landmarks for
systematic literature. On the other hand, the reflection on the irreverence of the art (and by
extension of literature) as a contrassistema.
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Mestranda do Curso de Letras. Área de Concentração: Literatura Brasileira, Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora -CES-JF/MG. Endereço: Rua Lincon Barbosa de Castro-112-Bairro: Matadouro, Itaperuna-RJ,
CEP:28300-000. Tel:022-99474031.E-mail: piredentor@gmail.com. Artigos Originais
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Mestranda do Curso de Letras. Área de Concentração: Literatura Brasileira, CES-JF/MG.
Revista Eletrônica
Fundação Educacional São José
9ª Edição ISSN: 2178-3098
Introdução
diacrônica que rejeitava quaisquer traços destoantes das características em vigência, acatando
tão somente o historicismo e o psicologismo.
Sob tal enfoque, compreendia-se a obra literária considerando-se sistematicamente
dois aspectos decisivos na conjuntura de sua elaboração: de um lado, a psiquê do autor; de
outro, fatores externos (sociais e históricos).
Com os estudos linguísticos, entretanto, ainda no século XIX, emerge uma oposição a
esse caráter sistemático, uma nova análise do objeto literário: a formalista, que, obviamente,
não substitui a diacrônica e subjetivista análise, é apenas um inusitado método coexistindo
com o tradicional.
Os formalistas, por meio de um estudo sincrônico da variabilidade literária, avaliavam
as obras valorizando a poética, tendo o texto como corpus exclusivo de pesquisa. Segundo
esse postulado, é inadmissível avaliar todas as épocas pela mesma metodologia, uma vez que
cada uma delas é um sistema singular. Somente a forma sofre metamorfose no processo
literário, motivo pelo qual os gêneros não são constantes; e quando sua evolução se distancia
para um polo oposto, é um agente de vanguarda que assinala determinado período.
Acerca de aspectos extraliterários, como é o caso do meio/sociedade, o ponto de vista
difere da corrente tradicional: a vida social, ainda que presente na obra, não se constitui fator
de influência na psiquê do autor.
Silvio Romero (fins do século XIX e primeira metade do século XX) assim se
posiciona: aborda o objeto literário pela linha sociológica, desprezando a literária. Busca
sustentação teórica na sociologia, uma ciência que, por certo, ampara subsidiariamente a
análise, amplia o sentido da obra, mas que, para o entendimento dela, ter o texto como ponto
de partida, poderia dar margem a distorções.
Candido, em 1959, supera as concepções de Romero com a obra Formação da
literatura brasileira. Ele parte da abordagem histórico-crítica e a ela incorpora mais
elementos, da seguinte forma: pondera sobre as referências cronológicas e culturais do
aparecimento dos estilos literários no Brasil (Arcadismo, século XVIII; Romantismo, século
XIX) concomitantemente com a instauração de um sistema literário.
Seguindo esse ponto de vista, pode-se afirmar que o Arcadismo foi a semente da
literatura brasileira que germinou e se encorpou no Romantismo como manifestação da
realidade local e que se consolidou com Machado de Assis, em fins do século XIX. Machado
soube pinçar conscientemente, aqui e ali, dos antecedentes o melhor para a tessitura de sua
obra.
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valor estético. Interessam-lhe todos os elementos que se tecem para a formação do conjunto.
Nesse caso, a dimensão social passa a ser um fator de arte.
Por certo, o aspecto social, o externo, tem o seu papel na concepção criativa, mas não
chega ao ponto de ser fator decisivo; ele pode ou não exercer influência no processo criativo,
ser um elemento formal, sem, contudo, se configurar como traço peculiar do autor.
Considerações finais
Na concepção de literatura como sistema, amiúde desvios sucedem-se que nada mais
são do que a originalidade na arte, que pressiona o cânone instaurado até que ele perde sua
eficácia cedendo espaço para outro cânone. Dessa forma se explica a preponderância da
emoção sobre a razão no Romantismo, que fora combatida pelo Realismo passando a
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predominar a razão sobre a emoção e que mais tarde, com o Modernismo, predominou a
função metalinguística.
É sabido, contudo, que em qualquer texto literário a função poética é a preponderante
e a que perdura enquanto construção formal: arte e linguagem – uma linguagem singular, que
possui um sistema inusitado de transmissão de mensagens, tão particular que seria estranho se
usado em outras circunstâncias.
Outrossim, é preciso atentar-se para o fato de que literatura não é sistema
independente, tampouco uma contingência pontual e individualizada do surgimento de uma
obra ou outra; é um fenômeno em rede, um evento de natureza sociológica, entrelaçado a
subsistemas (cultura social), que parte do micro (objeto literário) ao macrossistema
(Literatura). Ela tem função construtiva (a partir da combinação artística de componentes
linguísticos) e uma função verbal (dar conta dos fatos sociais). Ambas as funções em
interação conferem à literatura contornos complexos e híbridos, que embaraçam o
estabelecimento de conceitos a seu respeito.
Em suma, a reflexão: se literatura é arte, e toda arte é ousada, irreverente, inovadora e
desmistificadora do convencional, não seria improcedente considerá-la como sistema,
organizada em torno de um mesmo objetivo? Não seria a literatura, prioritariamente, um
contrassistema?
Referências
ALMEIDA, Geruza Zelnyz de. O uni(verso) literário: literatura como sistema. In Revista
Trama, v. 2, n. 4, 2º semestre de 2006, p.97-108;semestral.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 9. ed. Rio de janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.
OLIVEIRA, Marly Amarilha de. A História da literatura brasileira que lemos e ensinamos.
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REZENDE, Maria José de. A análise de Antônio Cândido: O papel das idéias e do
pensamento no processo de geração da mudança social no Brasil. In Conta Moebio 29.
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