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29/04/2019 Fraude da Volkswagen e o capitalismo sociopata

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29 de Abril de 2019

Fraude da Volkswagen e o capitalismo sociopata

De repente a explosão, como se fosse uma bomba de Hiroshima: é o


Dieselgate da Volkswagen (trapaças nos testes de emissão de poluentes nos
seus carros a diesel; os testes fraudulentos dos laboratórios não tinham
nada a ver com as análises das ruas). Ou seja: vendia-se gato por lebre.
Mais de 11 milhões de carros adulterados (500 mil somente nos EUA), por
meio de um software sofisticadíssimo (típico dos grandes golpes
corporativos). Ela será processada e punida em muitos países. Somente nos
EUA calcula-se que pode ser multada em mais de 18 bilhões de dólares.
Graves danos para a saúde pública (e ao meio ambiente), que foram
descobertos por acaso, quando se faziam testes nas ruas (caso típico de
serendipidade). Como em todo incomensurável escândalo corporativo,
pedido de desculpas e demissão do presidente da companhia (que não teria
conhecimento do fato).

Mas o Dieselgate não é o único caso de conduta antissocial e criminosa da


Volkswagen: na Espanha (setembro/15) ela se livrou uma pesada multa por
ter confessado e denunciado um cartel formado com várias outras
companhias do ramo para enganar o consumidor (violando-se as regras do
mercado fundado na concorrência) (veja Miguel Ángel Noceda, El País:
24/9/15). A Das Auto se descarrilhou e está chafurdada num tipo de
capitalismo nefasto, que deveria ser corrigido o mais pronto possível.

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29/04/2019 Fraude da Volkswagen e o capitalismo sociopata
Caiu a máscara da “simpatia superficial” (superficial charm) da
Volkswagen pelo público, pelo meio ambiente, pelas regras do jogo do
mercado. Mesmo sendo a maior fabricante de veículos do mundo (mais de
10 milhões por ano), com faturamento quase incontabilizável, sucumbiu à
idolatria do dinheiro (ganância desmesurada), que demarca um tipo de
capitalismo que poderíamos chamar de sociopata (sociopatas são os
psicopatas não violentos[1]), posto que muito pouco parecido com o
(louvável) capitalismo distributivo. Esse capitalismo sociopata também
pode se exprimir pela forma de carteis (tal como os ocorridos na Petrobras,
Metro de São Paulo etc.).

A Volkswagen, como líder do mercado mundial automobilístico, não tinha


nenhuma necessidade de promover falcatruas para engordar seus ganhos
(até porque já contava com tecnologia de ponta mais que suficiente para
manter sua posição de liderança). Assumiu mais riscos do que todo
empreendimento exige, sendo incalculáveis agora os danos materiais (já se
falava em 26 bilhões de euros logo após o escândalo) assim como para sua
imagem (e do próprio e respeitado capitalismo “renano” – Made in
Germany, que já tinha sofrido forte abalo com as falcatruas licitatórias da
Siemens).

Trasladando para as corporações as características dos sociopatas (fazendo-


se os ajustes devidos –mutatis mutandis[2]), não há como deixar de
reconhecer que muitas delas, no mundo narcisista do capitalismo
sociopata, padecem de gravíssimos “distúrbios comportamentais
antissociais”, cujo padrão generalizado (conforme a American Psychiatric
Association) “reside na desconsideração dos outros assim como no
desrespeito aos direitos alheios”. Por força de um rebuscado planejamento
de marketing, desenvolvem uma “capacidade inigualável para atrair e
seduzir as pessoas à sua volta, pela fala fácil (propagandas sedutoras), por
um falso interesse pelos outros, pela facilidade de convencimento, enfim,
pelo uso da sedução no exclusivo interesse próprio, sem qualquer
preocupação genuína pelo outro” (Kari Nars, citado).

A Volkswagen caiu na armadilha da fraude verde (veja David Trueba, El


País: 25/9/15), que é a “destinada a apaciguar la conciencia ecológica de los
ciudadanos con promesas, avances y medidas más cosméticas que reales.
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De lo que estamos hablando es el esfuerzo de industrias muy contaminantes
por presumir publicitariamente de una conciencia ecológica de la que
carecen. La propaganda pseudoecológica tiene que frenarse como se intentó
frenar la escalada del producto bio en la alimentación. Los baremos tienen
que ser ciertos y los lemas ambientales solo pueden permitirse tras un
esfuerzo sincero y un control riguroso”.

Muitas das corporações que se dobram (predominantemente) aos encantos


da idolatria do dinheiro possuem não apenas “uma inteligência coletiva”
acima da média (que o diga o software empregado pela Volkswagen para
burlar os testes de laboratórios nos EUA), senão também o propósito
monopolizador da defesa intransigente do motivo monetário. Friedman
(um dos expoentes máximos da famosa Escola de Chicago) afirma que
“poucas tendências poderiam minar tão completamente os próprios
fundamentos da nossa sociedade livre quanto a aceitação, por parte dos
dirigentes de empresa, de uma responsabilidade social outra que não a de
fazer tanto dinheiro quanto for possível para os seus acionistas”.[3]

As corporações sociopatas ainda se notabilizam (no mundo do capitalismo


respectivo) (a) pela forte autoestima, egocentrismo e egoísmo, (b) tendência
a nada revelar sobre sua vida desconhecida do público, (c) pela mentira
patológica e desonestidade. (d) desrespeito às leis e aos costumes (às regras
do jogo do mercado), (e) narcisismo e falta de solidariedade (apatia ou
desconsideração dos interesses dos outros), (f) ausência de remorso ou
sentimento de culpa, (g) comportamento antissocial, (h) sentimentos
superficiais, (i) ganhos parasitários, (j) sentimento falso de que são vítimas
(não delinquentes), o que lhes incentiva a usar outras pessoas para alcançar
seus interesses escusos, (k) incapazes de assumirem (ao menos com
sinceridade) suas responsabilidades pelas ações, (l) impulsividade, (m)
ambição desmedida e tenacidade etc.

A megafraude da Volkswagen vai muito além dos prejuízos imensos que ela
enfrentará por gerações, posto que coloca em xeque também as agências
públicas reguladoras e controladoras do mundo do mercado (que deveria
ser sempre competitivo). Do ponto de vista do cidadão, não há como não
reconhecer nisso a famosa “síndrome da orfandade”, descrita por Jesús
Mota (El País: 25/9/15) da seguinte maneira: “El ciudadano —sea en su
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calidad de cliente, consumidor o contribuyente— confía en que existe un
sistema de supervisión eficaz para impedir desastres como el de las
hipotecas basura, las pirámides de Madoff, las preferentes de Bankia, la
cleptocracia rumasina o la contaminación de los diésel de VW; pero un
buen día o un buen lustro descubre que tales ángeles de la guarda no
existen. Nadie va a impedir que le coloquen un infraproducto financiero o
un coche contaminante. Y se siente huérfano. Quizá la estafa se descubra
después. Pero la cuestión no es esa, sino la de por qué los caros sistemas de
regulación o inspección previa, organizados con dinero del contribuyente
para evitar engaños y fraudes, pocas veces funcionan (o lo hacen por puro
azar)”.

[1] NARS, Kari. Golpes bilionários. Tradução: Lilia Loman e Pasi Loman.
Belo Horizonte: Editora Gutemberg, 2012, p. 54.

[2] NARS, Kari. Golpes bilionários. Tradução: Lilia Loman e Pasi Loman.
Belo Horizonte: Editora Gutemberg, 2012, p. 54-55.

[3] Citado por GIANNETTI, Eduardo. Vícios privados, benefícios públicos?


São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 161.
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capitalismo-sociopata

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