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O estudo dos ciclos econômicos deve se basear em uma

teoria dos ciclos que seja satisfatória. Mergulhar em um maço de


dados estatísticos sem um "pré-julgamento" é inútil. Os ciclos
ocorrem no mundo econômico, portanto uma teoria útil sobre
ciclos econômicos deve ser integrada à teoria econômica geral. E,
ainda assim, tal integração, ainda que uma simples tentativa, é a
exceção, e não a regra. A ciência econômica, nas últimas décadas,
foi perversamente fissurada e dividida em inúmeros
compartimentos herméticos — cada esfera raramente se
relaciona às outras. Somente nas teorias de Schumpeter e Mises a
teoria dos ciclos foi integrada à economia geral. [1]

A maior parte dos especialistas em ciclos econômicos, que


despreza qualquer integração sistemática como sendo impossível
de ser deduzida e muito simplificada, está dessa forma
(consciente ou inconscientemente) rejeitando a economia em si,
pois se alguém cria uma teoria dos ciclos com pouca, ou nenhuma,
relação com a teoria geral da economia, isso significa que essa
teoria geral deve estar incorreta, pois falha ao não explicar esse
vital fenômeno econômico. Para os institucionalistas — esses
coletores de dados brutos — e provavelmente para outros
grupos, essa é uma conclusão bem-vinda. Entretanto, até os
institucionalistas têm que usar a teoria de vez em quando, para
fazer análises e recomendações; e, na verdade, o que eles acabam
usando, sempre que necessário, são um emaranhado de
adivinhações e insights, tirados de maneira não metódica de
várias teorias distintas. Poucos economistas perceberam que a
teoria dos ciclos econômicos criada por Mises não é apenas mais
uma teoria: ela, na verdade, se assemelha muito a uma teoria
geral do sistema econômico.[2] A teoria de Mises é, de fato, a
análise das conseqüências inevitáveis da intervenção no livre
mercado feita pela expansão creditícia bancária. Seguidores da
teoria de Mises freqüentemente se mostram muito modestos ao
expressar suas asserções; eles têm abertamente declarado que a
teoria é "somente uma das muitas explicações possíveis para os
ciclos econômicos", e que cada ciclo pode ser explicado por
diferentes teorias causais. Nesse, assim como em vários outros
setores, esse tipo de ecleticismo está deslocado. Dado que a teoria
de Mises é a única que se origina de uma teoria econômica geral,
ela é a única que pode fornecer uma explicação correta. A menos
que estejamos preparados para abandonar a teoria geral da
economia, devemos rejeitar todas as explicações propostas que
não se conectem a ela.

Ciclos Econômicos e Flutuações Econômicas

Em primeiro lugar, é importante distinguir os ciclos


econômicos das costumeiras flutuações econômicas. Vivemos
necessariamente em uma sociedade que está sempre em
mudanças contínuas e incessantes, mudanças que nunca podem
ser precisamente esquematizadas com antecedência. As pessoas
tentam prever e antecipar essas mudanças da melhor maneira
que lhes é possível, mas tais previsões nunca podem ser
reduzidas a uma ciência exata. São os empresários que têm a
função de prever mudanças no mercado, tanto as condições de
demanda quanto as de oferta. Os mais bem sucedidos têm lucros
em igual proporção à sua acurácia de julgamento, ao passo que os
previsores mal sucedidos são jogados para a margem. Como
resultado, os empresários bem sucedidos no livre mercado serão
aqueles mais adeptos a antecipar as futuras condições do
mercado. No entanto, as previsões nunca poderão ser perfeitas, e
os empresários continuarão a diferir no sucesso de seus
respectivos julgamentos. Se não fosse assim, não haveria lucros
nem prejuízos nos negócios.

Destarte, mudanças ocorrem continuamente em todas as


esferas da economia. Os gostos do consumidor mudam; as
preferências temporais, e consequentemente as proporções entre
investimento e consumo, mudam; a mão-de-obra muda em
quantidade, qualidade, e locação; recursos naturais são
descobertos, enquanto outros são exauridos; mudanças
tecnológicas alteram as possibilidades de produção; mudanças
climáticas alteram as safras, etc. Todas essas mudanças são
aspectos típicos de qualquer sistema econômico. De fato, não
poderíamos conceber uma sociedade onde não houvesse
mudanças, uma sociedade na qual todos fizessem as mesmas
coisas dia após dia, e nenhum dado econômico jamais mudasse. E
mesmo se pudéssemos conceber tal sociedade, é duvidoso que
houvesse pessoas suficientes com a intenção de torná-la uma
realidade.

Por essa razão, é absurdo esperar que todas as atividades


econômicas sejam "estáveis", como se essas mudanças não
ocorressem. Estabilizar e erradicar essas flutuações iria, de fato,
eliminar qualquer atividade produtiva racional. Pegando um caso
simples e hipotético, suponha que uma comunidade é visitada a
cada sete anos por gafanhotos. A cada sete anos, portanto, muitas
pessoas fazem preparativos para enfrentar os gafanhotos:
produzem equipamentos anti-gafanhotos, contratam especialistas
treinados para lidar com gafanhotos, etc. Obviamente, a cada sete
anos há um "boom" na indústria de combate aos gafanhotos, a
qual, felizmente, está em "depressão" nos outros seis anos.
Pergunta: ajudaria ou atrapalharia se todos decidissem
"estabilizar" a indústria de combate aos gafanhotos insistindo que
ela produzisse o maquinário de maneira uniforme a cada ano,
apenas para vê-lo se enferrujar e se tornar obsoleto? As pessoas
deveriam ser forçadas a fabricar máquinas antes que se precise
delas; ou a contratar pessoas antes que elas sejam necessárias;
ou, inversamente, a postergar a construção de máquinas
necessárias para agora — tudo em nome da "estabilização"? Se as
pessoas querem mais carros e menos casas do que antes,
deveriam elas ser forçadas a continuar comprando casas e,
simultaneamente, proibidas de comprar carros, tudo em nome da
estabilização? Como o Dr. F.A. Harper sentenciou:
Esse tipo de flutuação econômica ocorre
diariamente em nossas vidas. Ocorrem flutuações
violentas, por exemplo, na safra de morangos em
diferentes épocas do ano. Será que por isso
deveríamos cultivar nas estufas uma quantidade de
morangos que seja suficiente para estabilizar essa
parte da nossa economia por todo o ano? [3]

Podemos, portanto, esperar flutuações


econômicas específicas sempre. Não há nenhuma necessidade de
uma "teoria dos ciclos" para esclarecer essas flutuações. Elas são
simplesmente os resultados de mudanças nos dados econômicos
e são totalmente explicadas pela teoria econômica. Muitos
economistas, no entanto, atribuem as depressões econômicas
usuais às "fragilidades" causadas por uma "depressão na
construção civil" ou por uma "depressão agrícola". Mas declínios
em uma indústria específica jamais podem inflamar uma
depressão geral. Mudanças nos dados irão causar aumento nas
atividades de um setor, e declínio nas de outro. Não há nada nesse
caso que possa explicar uma depressão
econômica generalizada — que é um fenômeno do verdadeiro
"ciclo econômico". Suponha, por exemplo, que uma mudança nos
gostos do consumidor, e na tecnologia, leve a uma mudança da
demanda — de produtos agrícolas para outros bens. Não faz
sentido dizer, como muitos fazem, que uma depressão agrícola vai
levar a uma depressão geral, pois os agricultores nesse caso iriam
comprar menos bens, e as indústrias que vendem aos agricultores
iriam comprar menos de seus fornecedores, etc. Isto seria ignorar
o fato de que as pessoas que estão produzindo os outros bens que
agora são preferidos pelos consumidores irão
prosperar; suas demandas aumentarão.

O problema dos ciclos econômicos envolve a questão geral


da expansão (boom) e da depressão; não se trata de estudar
indústrias específicas e imaginar quais fatores fazem com que
cada uma delas prospere ou entre em depressão, relativamente.
Alguns economistas — tais como Warren e Pearson ou Dewey e
Dakin — não acreditam que existam flutuações gerais da
economia — eles crêem que movimentos generalizados são
apenas o resultado de diferentes ciclos que ocorrem, com
durações distintas e específicas, nas várias atividades econômicas.
Considerando que tais ciclos variáveis (tais como o "ciclo de 20
anos da construção civil" ou o "ciclo de sete anos dos gafanhotos")
realmente possam existir, eles são, não obstante, irrelevantes
para um estudo dos ciclos econômicos em geral ou para as
depressões econômicas em particular. O que estamos tentando
explicar são as expansões (booms) e os colapsos (busts)
econômicos que ocorrem de maneira generalizada por toda a
economia.

Ao considerarmos movimentos generalizados dentro da


economia, torna-se imediatamente evidente que tais movimentos
devem ser transmitidos através do meio geral de troca — a
moeda. A moeda é o elo entre todas as atividades econômicas. Se
um preço sobe e o outro desce, podemos concluir que a demanda
se deslocou de uma indústria para outra; mas se todos os preços
sobem ou descem conjuntamente, alguma mudança deve ter
ocorrido na esfera monetária. Somente mudanças na demanda
por, e/ou na oferta de, moeda irão causar uma mudança
generalizada nos preços. Um aumento na oferta de moeda, com a
demanda por ela permanecendo a mesma, causará uma queda no
poder de compra de cada unidade monetária, isto é, um aumento
geral dos preços; inversamente, uma diminuição da oferta
monetária irá causar um declínio generalizado dos preços. Por
outro lado, um aumento na demanda geral por moeda, a oferta
permanecendo a mesma, levará a um aumento no poder de
compra da unidade monetária (uma queda generalizada dos
preços); ao passo que uma queda na demanda levará a um
aumento generalizado dos preços. Portanto, mudanças nos preços
gerais são determinadas por alterações na oferta de e na
demanda por moeda. A oferta de moeda consiste no estoque de
dinheiro existente na sociedade. A demanda por moeda é, em
última análise, a disposição das pessoas em manter saldos
líquidos, e isso pode ser expresso como a ânsia em adquirir
moeda em uma troca, bem como a ânsia em se reter moeda em
seus balanços (ou saldo de caixa). A oferta de bens na economia é
um componente da demanda social por moeda; um aumento da
oferta de bens irá, outras coisas permanecendo constantes,
aumentar a demanda por moeda e, desta forma, tenderá a
diminuir os preços. A demanda por moeda tenderá a diminuir à
medida que o poder de compra da unidade monetária for
crescendo, pois cada dólar será mais eficaz no saldo de caixa
(serão necessários menos dólares para se comprar bens).
Inversamente, um poder de compra menor (preços maiores)
significa que cada dólar é menos eficaz, e mais dólares serão
necessários para fazer o mesmo trabalho.

Assim, o poder de compra do dólar permanecerá


constante quando o estoque de, e a demanda por, moeda
estiverem em equilíbrio entre si: ou seja, quando as pessoas
estiverem dispostas a manter em seus saldos de caixa a quantia
exata de moeda em existência. Se a demanda por moeda exceder o
estoque, o poder de compra da moeda vai aumentar até o
momento em que a demanda não mais for excessiva; e, nesse
ponto, o mercado voltará a se equilibrar. Inversamente, uma
demanda menor que a oferta irá diminuir o poder de compra do
dólar, isto é, aumentará os preços.

Contudo, flutuações gerais em toda a economia, e na


"relação da moeda", não fornecem por si sós a solução para o
misterioso ciclo econômico. É verdade que qualquer ciclo na
economia em geral deve ser propagado por essa relação da
moeda: a relação entre o estoque de, e a demanda por, moeda.
Mas essas mudanças em si explicam pouco. Se a oferta monetária
aumenta ou a demanda cai, por exemplo, os preços vão subir; mas
por que isso geraria um "ciclo econômico"? Especificamente, por
que isso traria uma depressão? Os primeiros teóricos dos ciclos
econômicos estavam corretos ao focar sua atenção na crise e
na depressão: essas eram as fases que confundiam e abalavam, da
mesma maneira, os economistas e leigos, e essas são as fases que
mais precisam ser explicadas.

O Problema: O Conjunto de Erros

A explicação para as depressões, portanto, não será


encontrada recorrendo-se a flutuações específicas, ou mesmo
gerais, da economia. O principal problema que uma teoria que
pretenda explicar as depressões deve resolver é: por que ocorre
repentinamente um conjunto generalizado de erros por toda a
economia? Essa é a primeira pergunta a se fazer para qualquer
teoria dos ciclos. A atividade econômica vai se desenvolvendo
bem, com a maioria das empresas colhendo belos lucros. De
repente, sem qualquer aviso, as condições mudam e o grosso das
empresas passa a sofrer prejuízos; repentinamente elas
descobrem que cometeram erros atrozes de previsão.

Nesse momento se faz uma revisão de toda a atividade


empreendedora. Os empresários estão, em grande parte, no ramo
das previsões. Eles precisam investir e pagar seus custos no
presente, na expectativa de obter lucros ao venderem para
consumidores ou para outros empreendedores mais adiante na
estrutura de produção de uma economia. Os melhores
empresários, com a melhor capacidade de prever as demandas do
consumidor ou de outros produtores, obtêm lucros; os
ineficientes, prejuízos. Dessa forma, o mercado fornece o campo
de treinamento que vai recompensar e expandir os empresários
perspicazes, e eliminar os ineficientes. Via de regra, apenas alguns
poucos empresários sofrem prejuízos ao mesmo tempo; a maioria
obtém lucro ou fica no equilíbrio. Como, então, se explica esse
fenômeno curioso da crise depressiva, quando quase todos os
empresários repentinamente passam a ter prejuízos? Em resumo,
como que todos os astutos empresários do país puderam cometer
tais erros conjuntamente, e por que todos esses erros
repentinamente se revelaram ao mesmo tempo? Esse é o grande
problema da teoria dos ciclos.

Não é legítimo responder que mudanças súbitas nos dados


econômicos são a causa. Afinal de contas, é função dos
empresários prever mudanças futuras, sendo algumas delas
abruptas. Por que os prognósticos deles falharam tão
avassaladoramente?

Outro aspecto comum dos ciclos econômicos também pede


uma explanação. É um fato bem conhecido que as indústrias de
bens de capital flutuam mais fortemente do que as indústrias de
bens de consumo. As indústrias de bens de capital —
especialmente as indústrias que fornecem matéria-prima,
material de construção, e equipamentos para outras indústrias —
são as que mais se expandem durante a fase do boom econômico,
e as que sofrem mais severamente durante a depressão.

Um terceiro aspecto de todo boom econômico que precisa


de uma explicação é o aumento, que sempre acontece, da
quantidade de dinheiro na economia. Reciprocamente,
normalmente ocorre — apesar de não ser uma regra universal —
uma diminuição da oferta monetária durante a depressão.

A Explicação: Expansão (Boom) e Depressão

Em um mercado puramente livre e desimpedido não


haverá essa quantidade conjunta de erros, já que empresários
treinados não irão todos cometer erros ao mesmo tempo. [4] O
ciclo de "expansão-contração" é produzido pela intervenção
monetária no mercado, mais especificamente pela expansão do
crédito bancário aos negócios. Suponhamos uma economia com
uma dada quantidade de dinheiro. Parte desse dinheiro é gasta
com consumo; o resto é poupado e investido em uma vigorosa
estrutura de capital, com várias ordens de produção. A proporção
do consumo em relação à poupança ou investimento é
determinada pela preferência temporal das pessoas — uma
medida que diz o quanto elas preferem a satisfação presente à
futura. Quanto menos elas preferirem satisfazer suas preferências
no presente, menor será sua taxa de preferência temporal, e
menor, portanto, será a taxa pura de juros, que é determinada
pelas preferências temporais dos indivíduos na sociedade. Uma
taxa de preferência temporal baixa resultará em proporções
maiores de investimentos em relação ao consumo, um aumento
da estrutura de produção, e uma formação de capital.
Preferências temporais altas, por outro lado, resultarão em
maiores taxas puras de juros e em uma menor proporção de
investimento em relação ao consumo. As taxas finais de juros de
mercado refletem a taxa pura de juros mais o risco do
empreendimento e os componentes do poder de compra. Graus
variáveis do risco do empreendimento criam uma estrutura de
taxas de juros, ao invés de uma taxa única, e os componentes do
poder de compra refletem as mudanças no poder de compra da
moeda, bem como a posição específica do empresário em relação
às mudanças que ele espera nos preços. O fator crucial,
entretanto, é a taxa pura de juros. Essa taxa de juros
primeiramente se manifesta na "taxa natural", ou aquilo que é
geralmente chamado de "taxa de lucro" corrente. Essa taxa
corrente se reflete na taxa de juros do mercado de crédito, uma
taxa que é determinada pela taxa de lucros corrente. [5]

Mas o que acontece quando os bancos "criam" dinheiro


novo (seja na forma de cédulas ou de depósitos bancários) e
fazem empréstimos?[6] Esse novo dinheiro flui para o mercado
de crédito e diminui a taxa de juros dos empréstimos. Isso
faz parecer que a oferta de fundos poupados para investimento
aumentou, pois o efeito é o mesmo: a oferta de fundos para
investimento aparentemente aumenta, e a taxa de juros diminui.
Os empresários, em resumo, são iludidos por essa inflação
bancária, sendo levados a acreditar que a oferta de fundos
poupados é maior do que realmente é. Assim, quando os fundos
poupados aumentam, os empresários investem em "processos de
produção mais longos", isto é, a estrutura do capital é aumentada,
especialmente nas "ordens mais altas", que são aquelas mais
afastadas do consumidor final. Os empresários pegam seus
fundos recentemente adquiridos e estimulam um aumento dos
preços dos bens de capital e de outros bens de produção, e isso
provoca uma mudança do investimento: este sai das ordens
menores de produção (perto do consumidor) e vai para as ordens
maiores (as mais distantes do consumidor) — isto é, das
indústrias de bens de consumo para as de bens de capital. [7]

Se tudo isso fosse o resultado de uma diminuição genuína


nas preferências temporais e de um aumento verdadeiro na
poupança, tudo estaria bem, e a nova e aumentada estrutura de
produção poderia se manter indefinidamente. Mas acontece que
essa mudança é o produto de uma expansão creditícia bancária.
Prontamente esse novo dinheiro irá percorrer todas as cadeias
econômicas, desde os tomadores de empréstimo até os fatores de
produção: salários, aluguéis, juros. Agora, a menos que as
preferências temporais tenham mudado, e não há razão para
imaginar que elas tenham, as pessoas irão correr para gastar suas
rendas — que agora estão maiores — seguindo ainda
a antiga proporção de consumo-investimento. Portanto, as
pessoas rapidamente irão restabelecer a antiga proporção, e a
demanda irá novamente voltar das ordens mais altas para as
ordens mais baixas. As indústrias de bens de capital irão
descobrir que todo o seu investimento foi um erro: aquilo que se
imaginou que seria lucrativo não o era realmente, pois não havia
uma verdadeira demanda por parte de seus clientes — no caso da
indústria de bens de capital, outros empresários. Os
investimentos nas ordens maiores de produção se revelam meros
desperdícios, e esses maus investimentos devem ser liquidados.

Uma explicação sempre muito utilizada para a crise é a de


que ela se origina de um "subconsumo" — uma deficiência da
demanda dos consumidores por bens vendidos a preços que
poderiam ser lucrativos. Mas isso contradiz o fato já bem
conhecido de que são as indústrias de bens de capital, e não as de
bens de consumo, que realmente sofrem em uma depressão. A
deficiência é da demanda empresarial por bens de maior ordem, e
isso, por sua vez, ocorre devido a um retorno da demanda para a
sua proporção antiga.

Em suma, os empresários foram iludidos pela inflação


creditícia bancária a investirem excessivamente em bens de
capital de ordens mais altas, os quais só poderiam se manter
prosperamente se houvesse preferências temporais menores e
poupança e investimentos maiores; tão logo essa inflação
permeou o público, a velha proporção de consumo-investimento
foi restabelecida, e os investimentos nos negócios de ordens
maiores se revelaram um desperdício.[8] Os empresários foram
levados a esse erro devido a uma expansão artificial do crédito, e
sua conseqüente adulteração da taxa de juros de livre mercado.

O "boom", então, é na verdade um período de


investimentos ruins e imprevidentes. É o período quando erros
são cometidos devido à distorção causada pelo crédito bancário
no livre mercado. A "crise" chega quando os consumidores
decidem restabelecer suas proporções desejadas. A "depressão",
na realidade, é o processo pelo qual a economia se ajusta aos
desperdícios e erros do boom, e restabelece o serviço eficiente dos
desejos do consumidor. O processo de ajustamento consiste em
uma rápida liquidação dos investimentos desnecessários. Alguns
desses investimentos serão completamente abandonados (como
no caso das cidades fantasmas do oeste americano, que foram
construídas durante o boom de 1816-1818, e abandonadas
durante o Pânico de 1819); outros serão deslocados para outros
fins. Como regra, o que sempre deve ser feito não é lamentar
erros passados, mas fazer o uso mais eficiente do estoque de
capital existente. Em suma, o livre mercado tende a satisfazer com
a máxima eficiência os desejos voluntariamente manifestados
pelo consumidor, e isso inclui os desejos do público relativos ao
consumo presente e futuro. O boom inflacionário atrapalha essa
eficiência, e distorce a estrutura de produção, que passará a não
mais servir o consumidor apropriadamente. A crise sinaliza o fim
dessa distorção inflacionária, e a depressão é o processo pelo qual
a economia precisa passar para poder voltar a servir os
consumidores de maneira eficiente. Em resumo, e esse é um
ponto importante para se compreender, a depressão é o processo
de "recuperação", e o fim da depressão anuncia o retorno ao
normal, e à eficiência ótima. A depressão, portanto, longe der ser
um flagelo nocivo, é o retorno necessário e benéfico da economia
ao normal, após as distorções impostas pelo boom. Logo, todo
boom sempre precisa de um bust (colapso).

Sabendo-se que muito pouco tempo se passa desde o


momento em que o novo dinheiro sai das empresas e vai até os
fatores de produção, a pergunta inevitável é: por que, então, todos
os booms não chegam rapidamente ao fim? A razão de isso não
acontecer é porque os bancos sempre chegam para o socorro. Ao
verem que seus fatores estão indo para as indústrias de bens de
consumo, descobrindo que seus custos estão aumentando e que
elas estão sem fundos, as empresas tomadoras de empréstimo
voltam aos bancos para pegar mais. Se os bancos continuarem a
expandir o crédito, eles darão uma sobrevida a esses tomadores
de empréstimo. Esse novo dinheiro, uma vez mais, irá fluir para
os negócios, repetindo aquele mesmo processo já descrito, e as
indústrias de bens de capital poderão novamente tirar os fatores
das indústrias de bens de consumo. Ou seja, uma expansão
contínua do crédito bancário poderá manter os tomadores de
empréstimo um passo à frente da resposta dos consumidores. E é
nisso, como já vimos, que se constituem as crises e depressões: a
restauração pelos consumidores de uma economia eficiente, e o
fim das distorções causadas pelo boom. Claramente, quanto maior
for a expansão do crédito, e quanto maior for a sua duração,
maior será a duração do boom. O boom vai terminar quando a
expansão do crédito bancário finalmente acabar. Evidentemente,
quanto mais tempo o boom durar, mais pródigos serão os erros
cometidos, e mais longa e mais severa será a necessária
depressão que fará os reajustes.

Portanto, a expansão creditícia bancária aciona todas as


fases do ciclo econômico: o boom inflacionário, marcado pela
expansão da oferta monetária e por maus investimentos; a crise,
que chega quando a expansão do crédito cessa e os maus
investimentos se tornam evidentes; e a depressão recuperativa, o
necessário processo de ajustamento através do qual a economia
retorna aos modos mais eficientes de satisfazer os desejos do
consumidor. [9]

Quais, especificamente, são os aspectos essenciais da fase


de depressão-recuperação? Os projetos imprevidentes e
dispendiosos, como dissemos, devem ou ser abandonados ou
usados da melhor maneira possível. Empresas ineficientes, que
foram estimuladas pelo boom artificial, devem ser liquidadas, ou
terem suas dívidas reduzidas proporcionalmente, ou serem
entregues aos seus credores. Os preços dos bens de produção
devem cair, particularmente nas ordens mais altas de produção
— isso inclui os bens de capital, a terra, e os salários. Da mesma
forma que o boom foi marcado por uma queda das taxas de juros,
isto é, de diferenciais de preços entre os estágios de produção (a
"taxa natural" ou a taxa de lucro corrente), bem como da taxa de
empréstimo, o processo de depressão-reajuste consiste em um
aumento desse diferencial de juros. Na prática, isso significa uma
queda nos preços de bens de ordens mais altas relativamente aos
preços praticados nas indústrias de bens de consumo. Não apenas
os preços de certas máquinas devem cair, mas também os preços
de todos os agregados de capitais, por exemplo, os valores das
ações e dos imóveis. Na verdade, esses valores devem cair mais
do que o rendimento oriundo desses ativos, de maneira que isso
reflita o aumento geral da taxa de juros de retorno.

Dado que os fatores devem migrar das ordens mais altas


de produção para as mais baixas, sempre haverá um inevitável
desemprego "friccional" em uma depressão, mas não há motivos
para que ele seja maior do que o desemprego presente em
qualquer outra área que esteja sofrendo uma grande mudança em
sua produção. Na prática, o desemprego será agravado pelas
inúmeras falências, e pelos grandes erros que serão revelados
durante o processo, mas, mesmo assim, não há motivos para que
ele não seja apenas temporário. Quanto mais rápido for o ajuste,
mais transitório será o desemprego. Agora, o desemprego irá
progredir além do estágio "friccional" e se tornar realmente
severo e duradouro caso os salários sejam mantidos
artificialmente altos e forem impedidos de ser diminuídos. Se os
salários forem mantidos acima daquele nível de livre mercado
que equilibra a demanda por e a oferta de mão-de-obra, os
trabalhadores permanecerão permanentemente desempregados.
Quanto maior for essa discrepância, mais severo será o
desemprego.

Aspectos Secundários da Depressão: Contração


Deflacionária do Crédito

O que foi dito acima são os aspectos essenciais da


depressão. Outros aspectos secundários também podem se
desenvolver. Por exemplo, não há necessidade
de deflação (diminuição da quantidade de dinheiro) durante uma
depressão. A fase depressiva começa com o fim da inflação, e pode
prosseguir sem quaisquer mudanças adicionais do lado
monetário. No entanto, a deflação quase que sempre existiu nessa
situação. Na fase do boom, a inflação se deu como uma expansão
do crédito bancário; agora, as dificuldades financeiras e as
falências ocorridas entre os tomadores de empréstimos levam os
bancos a ficarem mais modestos e a, assim, contrair o
crédito. [10] Sob o padrão-ouro, os bancos têm outra razão para
contraírem o crédito — se eles tiverem terminado a inflação
devido a uma fuga de ouro para os países estrangeiros. A ameaça
dessa fuga força os bancos a contraírem seus empréstimos
excessivos. Ademais, o rompante de falências pode levantar
dúvidas a respeito da capacidade de os bancos honrarem seus
depósitos; e os bancos, estando inerentemente falidos, não podem
arcar com tais questionamentos. [11] Logo, a oferta monetária irá
se contrair devido a essas corridas aos bancos, que realmente
ocorrem, e também porque os outros bancos irão ficar mais
austeros — apertando suas finanças -, temendo tais corridas.

Outro aspecto secundário comum em depressões é um


aumento na demanda por dinheiro. Esse "desespero por liquidez"
é o resultado de vários fatores: (1) as pessoas esperam uma
queda nos preços, devido à depressão e à deflação; sendo assim,
elas irão reter mais dinheiro e gastar menos, esperando essa
queda dos preços; (2) sob pressão dos bancos e de outros
credores, os tomadores de empréstimos irão tentar pagar suas
dívidas liquidando outros ativos em troca de dinheiro; (3) o
rompante de prejuízos e falências faz com que os empresários
fiquem mais precavidos com relação a investimentos até que o
processo de liquidação esteja finalizado.

Com a oferta monetária em queda, e a demanda por


dinheiro aumentando, uma queda geral de preços é a
conseqüência da maioria das depressões. Essa queda, no entanto,
é causada pelos aspectos secundários — e não pelos aspectos
inerentes — da depressão. Quase todos os economistas, até
mesmo aqueles que crêem que se deve permitir que o processo de
ajuste da depressão ocorra livre de obstáculos, têm uma visão
muito sombria da deflação secundária e da queda de preços, e
afirmam que esses dois fatores desnecessariamente agravam a
severidade das depressões. Essa visão, entretanto, é incorreta.
Esses processos não apenas não agravam a depressão, como têm
efeitos benéficos.

Não há, por exemplo, qualquer justificativa para a


hostilidade que se tem em relação ao "entesouramento". Em
primeiro lugar, não há um critério para definir o que é
"entesouramento"; a acusação inevitavelmente se resume a dizer
que A acha que B está mantendo mais saldos líquidos do que A
julga apropriado para B. Certamente não há um critério objetivo
para decidir quando um aumento nos saldos líquidos se torna um
"entesouramento". Em segundo lugar, vimos que a demanda por
dinheiro aumenta como resultado de certas necessidades e
valorações que as pessoas fazem; em uma depressão, temores de
liquidações de empresas e expectativas de declínio nos preços
particularmente estimulam esse aumento. Sob quais critérios
essas valorações podem ser consideradas "ilegítimas"? Uma
queda generalizada dos preços é a maneira que um aumento na
demanda por dinheiro pode ser satisfeita, pois preços menores
significam que a mesma quantidade de moeda nos saldos líquidos
tem maior efetividade, maior força "real" sobre bens e serviços.
Ou seja: o desejo por saldos líquidos reais maiores atinge esse
objetivo.

Ademais, a demanda por dinheiro irá diminuir novamente


assim que o processo de liquidação e ajuste estiver finalizado,
pois o término desse processo remove todas as incertezas
relativas às falências iminentes, e põe um fim na procura
desesperada por dinheiro por parte de quem pegou empréstimo.
Uma queda rápida e desimpedida nos preços — tanto de bens
gerais (que se ajustam à nova quantidade de dinheiro), e
particularmente dos bens de ordens maiores (que se adaptam aos
maus investimentos causados pelo boom) -, irá rapidamente
terminar os processos de realinhamento e eliminar expectativas
de outras quedas. Assim, quanto mais cedo os vários ajustes,
primários e secundários, forem efetuados, mais rapidamente a
demanda por dinheiro cairá mais uma vez. Esta, é claro, é apenas
uma parte do "retorno ao normal" da economia geral.

Nem o aumento do "entesouramento", nem a queda dos


preços, irão interferir no ajuste primário da depressão. O aspecto
importante desse ajuste primário é que os preços dos bens de
produção caem mais rapidamente do que os preços dos bens de
consumo (ou, de maneira mais acurada, os preços dos bens de
ordens mais altas diminuem mais rapidamente do que os preços
dos bens de ordens mais baixas); não interfere em nada no
processo de ajuste primário o fato de todos os preços estarem
caindo com a mesma intensidade. Nada mais é do que um mito
comum, que acomete a leigos e economistas na mesma
intensidade, dizer que preços em queda têm um efeito depressivo
nos negócios. Isso não é necessariamente verdadeiro. O que
importa para os negócios não é o comportamento geral dos
preços, mas o diferencial entre preços de venda e custos (a "taxa
natural de juros"). Se os salários, por exemplo, caem mais
rapidamente do que os preços dos produtos, isso estimula as
atividades empresariais e o emprego.

A deflação da oferta monetária (via contração do crédito) é


tão mal afamada junto aos economistas quanto o
entesouramento. Mesmo alguns teóricos misesianos deploram a
deflação e não vêem benefícios advindos dela.[12] No entanto, a
contração deflacionária do crédito ajuda enormemente a acelerar
o processo de ajustamento, e, dessa forma, a conclusão do
processo de recuperação dos negócios, de maneiras ainda não
reconhecidas. O ajustamento consiste, como sabemos, de um
retorno aos padrões de consumo-poupança desejados.
Entretanto, o processo de ajustamento será menor que o
necessário se as preferências temporais em si mudarem: isto é, se
a poupança aumentar e o consumo declinar, relativamente. Em
resumo: o que pode ajudar em uma depressão não é mais
consumo, mas, ao contrário, menos consumo e mais poupança (e,
concomitantemente, mais investimentos). Preços em queda
estimulam uma maior poupança e um menor consumo porque
promovem uma ilusão contábil. A contabilidade das empresas
registra o valor dos ativos em seu custo original. É bem sabido
que aumentos gerais de preços distorcem os registros contábeis:
o que parece ser um grande "lucro" pode apenas ser o suficiente
para repor os ativos agora mais caros. Durante uma inflação,
portanto, os "lucros" das empresas são em grande parte
artificiais, e o consumo é maior do que seria se a ilusão contábil
não estivesse ocorrendo — talvez o capital esteja até mesmo
sendo consumido sem o conhecimento do indivíduo. Em um
período de deflação, a ilusão contábil é revertida: o que parece ser
prejuízo e consumo de capital, pode na verdade significar lucros
para a empresa, já que os ativos agora custam menos para serem
repostos. Esse "exageramento" dos prejuízos, no entanto,
restringe o consumo e encoraja a poupança; uma pessoa pode
pensar que ela está meramente repondo o capital, quando na
verdade ela está fazendo um investimento adicional nos negócios.

A contração do crédito terá um outro efeito benéfico ao


promover a recuperação. Como vimos, a expansão creditícia
bancária distorce o livre mercado ao diminuir os diferenciais de
preço (a "taxa natural de juros" ou a taxa de lucro corrente) no
mercado; já a contração do crédito, por outro lado, distorce o livre
mercado na direção oposta. O primeiro efeito da contração
deflacionária do crédito é o de diminuir a oferta de dinheiro nas
mãos dos negócios, particularmente nos estágios mais altos da
produção. Isso reduz a demanda por fatores nesses estágios mais
altos, diminui os preços dos fatores e a renda advinda deles, e
aumenta os diferenciais de preços e taxa de juros. Isto estimula a
alteração dos fatores, em resumo, dos estágios mais altos para os
mais baixos. Isso significa que a contração do crédito, quando ela
vem depois da expansão do crédito, acelera o processo de
ajustamento do mercado. A contração do crédito retorna a
economia às proporções de livre mercado mais rapidamente do
que de outra maneira.

Mas, pode-se contestar, será que a contração do crédito


não poderia compensar excessivamente os erros do boom e
causar ela própria distorções que precisam de correção? É
verdade que a contração do crédito pode super-compensar e,
enquanto ocorre a contração, ela pode levar as taxas de juros a
níveis maiores que os de livre mercado, e a menos investimentos
do que também ocorreria no livre mercado. Mas dado que a
contração não leva a maus investimentos, ela não levará a
qualquer período doloroso de depressão e ajustamento. Se os
empresários forem iludidos a pensar que menos capital está
disponível para investimento do que é realmente o caso, nenhum
dano duradouro na forma de investimentos desperdiçados
ocorrerá.[13] E mais ainda, por sua natureza, a contração do
crédito é severamente limitada — ela não pode ser maior que a
amplitude da inflação precedente.[14] Já a expansão do crédito
não enfrenta tais limitações.

Política Governamental em uma Depressão: Laissez-


Faire

Se o governo deseja que uma depressão acabe o mais


rápido possível, e que a economia retorne à sua prosperidade
normal, qual caminho ele deve adotar? A primeira e mais clara
prescrição é: não interfira no processo de ajustamento do mercado.
Quanto mais o governo intervém para atrasar o ajuste de
mercado, mais longa e mais dura será a depressão, e mais difícil
será o caminho para a recuperação completa. A obstrução do
governo agrava e perpetua a depressão. Ainda assim, as políticas
governamentais para acabar com as depressões sempre acabaram
por agravar todos os malefícios que elas espalhafatosamente
tentavam curar (e isso aconteceria de maneira ainda mais intensa
atualmente). De fato, se fizermos uma lista das várias maneiras
pelas quais o governo pode obstruir o ajuste do mercado, vamos
descobrir que estamos listando justamente o arsenal de políticas
que um governo consideraria "antidepressivas". Destarte, aqui
vão as maneiras pelas quais um processo de ajustamento pode ser
estorvado:
1. Impedir ou atrasar liquidações. Emprestar dinheiro a
empresas cambaleantes, pedir aos bancos que emprestem
mais, etc.

2. Inflacionar ainda mais. Mais inflação bloqueia a necessária


queda de preços, atrasando o ajustamento e prolongando
a depressão. Mais expansão do crédito estimula mais
criação de maus investimentos, os quais, por sua vez, terão
que ser liquidados em uma próxima depressão. Uma
política governamental de "dinheiro fácil" impede o
retorno do mercado a taxas de juros necessariamente mais
altas.

3. Manter os salários altos. Preservar artificialmente o nível


alto dos salários em uma depressão garante um massivo e
permanente desemprego. Mais ainda, em uma deflação,
quando os preços estão caindo, manter os mesmos
salários nominais significa que os salários reais estão
subindo. Em face da queda da demanda, isso agrava
enormemente o problema do desemprego.

4. Manter os preços altos. Manter os preços acima de seu nível


de livre mercado irá criar excedentes invendáveis, e
impedir um retorno à prosperidade.
5. Estimular o consumo e desencorajar a poupança. Vimos que
mais poupança e menos consumo acelera a recuperação;
mais consumo e menos poupança agrava ainda mais a
escassez de capital poupado. O governo pode encorajar o
consumo com políticas como "vale-refeição" e outros
"fundos de assistência social". Ele pode desencorajar a
poupança e o investimento com mais impostos,
particularmente sobre os ricos, sobre as corporações e
sobre propriedades. De fato, qualquer aumento de
impostos e de gastos governamentais vai desencorajar a
poupança e o investimento, e estimular o consumo, dado
que gastos do governo sempre serão consumo. Alguns
desses fundos particulares teriam sido poupados e
investidos; todos os fundos do governo são
consumidos.[15] Qualquer aumento do tamanho do
governo sobre a economia, portanto, altera a proporção de
consumo-investimento da sociedade em favor do
consumo, e prolonga a depressão.

6. Subsidiar o desemprego. Qualquer subsídio ao desemprego


(via seguro-desemprego, assistencialismo, etc.) irá
prolongar o desemprego indefinidamente, e atrasar a
mudança de trabalhadores para áreas onde empregos
estejam disponíveis.
Essas, portanto, são as medidas que irão atrasar o
processo de recuperação e agravar a depressão. Ainda assim, elas
são as políticas governamentais favoritas e consagradas, e, como
veremos, foram as políticas adotadas na depressão de 1929-1933,
por um governo considerado por muitos historiadores como
sendo uma administração "laissez-faire".

Dado que a deflação também acelera a recuperação, o


governo deveria encorajar a contração do crédito, ao invés de
interferir nela. Em uma economia sob o padrão-ouro, como a que
havia em 1929, impedir a deflação traz outras conseqüências
infelizes: uma deflação aumenta a proporção de reservas do
sistema bancário, e gera mais confiança, tanto no cidadão quanto
no investidor estrangeiro, de que o padrão-ouro será mantido.
Temores a respeito do padrão e do sistema monetário irão
precipitar exatamente a corrida bancária que o governo tão
ansiosamente quer evitar. Existem outros princípios durante uma
deflação que, mesmo havendo corridas bancárias, não devem ser
ignorados. Por exemplo, os bancos, assim como ocorre com
qualquer outro negócio, não deveriam ser isentos de pagar suas
obrigações. Qualquer interferência em uma corrida bancária —
que é quando os bancos são colocados em cheque — irá
estabelecer os bancos como grupos privilegiados, não obrigados a
pagarem suas dívidas, e isso irá levar inevitavelmente a mais
inflação, a expansões de crédito, e a depressões. E se, como
afirmamos, os bancos são inerentemente falidos e as "corridas"
simplesmente revelarem essa falência, será benéfico para a
economia que o sistema bancário seja reformado, de uma vez por
todas, por um expurgo completo do sistema de reservas
fracionárias. Tal expurgo traria forçosamente a público os perigos
desse sistema bancário, e, mais do que qualquer teorização
acadêmica, um seguro contra tal prática nociva por parte dos
bancos, no futuro.[16]

A regra mais importante de uma política governamental


sólida em uma depressão, portanto, é não interferir no processo
de ajustamento. O governo pode fazer algo mais positivo para
ajudar o ajuste? Alguns economistas têm advogado que o governo
decrete um corte de salários com o intuito de estimular o
emprego, como, por exemplo, uma redução de 10 por cento para
absolutamente todas as categorias. Mas um ajuste de livre
mercado é o oposto de qualquer política para "todas as
categorias". Nem todos os salários precisam ser reduzidos; o grau
de ajuste necessário para preços e salários difere caso a caso, e só
pode ser determinado por um mercado livre e
desimpedido.[17] Intervenções do governo podem apenas causar
distorções maiores no mercado.

Entretanto, existe uma coisa que o governo pode fazer


positivamente: ele pode diminuir drasticamente seu papel
relativo na economia, cortando gastos e impostos,
particularmente impostos que interferem na poupança e no
investimento. Reduzir os níveis de taxação e de gastos irá
automaticamente alterar a proporção entre poupança-
investimento-consumo da sociedade, em favor da poupança e do
investimento, diminuindo grandemente o tempo requerido para
se retornar a uma economia próspera.[18] Reduzir impostos que
recaem mais pesadamente sobre a poupança e o investimento irá
diminuir ainda mais as preferências temporais.[19] Além disso,
depressão é uma época de esforço econômico. Qualquer redução
de impostos, ou de qualquer regulamentação interferindo no livre
mercado, irá estimular uma atividade econômica saudável;
qualquer aumento de impostos, ou outro tipo de intervenção, irá
deprimir a economia ainda mais.

Em suma, o papel adequado de uma política


governamental durante uma depressão é adotar estritamente o
laissez-faire, incluindo um rigoroso corte orçamentário,
possivelmente acoplado a um estímulo real a uma contração do
crédito. Por décadas, tal programa foi rotulado de "ignorante",
"reacionário", ou "Neandertal" por economistas convencionais. Ao
contrário, esta é a política claramente ditada pela ciência
econômica para aqueles que desejam acabar com a depressão da
maneira mais rápida e limpa possível.[20]

Pode-se alegar que a depressão só começou quando a


expansão do crédito cessou. Então por que o governo não deveria
continuar a expansão creditícia indefinidamente? Em primeiro
lugar, quanto mais longo for o boom inflacionário, mais doloroso
e severo será o necessário processo de ajustamento. Em segundo,
o boom não pode continuar indefinidamente, porque
eventualmente o público vai perceber que a política
governamental é de inflação permanente, e irá abandonar o
dinheiro em troca de bens, comprando-os enquanto a moeda
ainda vale mais do que valerá no futuro próximo. O resultado será
uma "inflação descontrolada", ou mesmo hiperinflação, tão
familiar à história, e particularmente ao mundo
moderno.[21] Hiperinflação, sob qualquer perspectiva, é muito
pior do que qualquer depressão: ela destrói a moeda — a força
vital da economia; arruína e esfacela a classe média e todos os
"grupos sob renda fixa"; sua devastação é, portanto, ilimitada. E,
além disso, ela finalmente leva ao desemprego e a padrões de vida
bem mais baixos, pois não há sentido em trabalhar quando a
renda do trabalho se deprecia hora a hora. Com isso, perde-se
mais tempo caçando bens para se comprar. Para evitar tal
calamidade, portanto, a expansão do crédito deve ser
interrompida em algum momento, e isso trará a depressão.

Evitando as Depressões

Evitar uma depressão é claramente melhor do que ter que


sofrê-la. Se a política apropriada do governo durante uma
depressão é o laissez-faire, o que ele deveria fazer para evitar que
haja uma depressão? Obviamente, dado que uma expansão do
crédito necessariamente planta as sementes de uma futura
depressão, a conduta apropriada do governo é impedir que
qualquer expansão inflacionária do crédito se inicie. Esta não é
uma prescrição muito difícil, pois a tarefa mais importante do
governo é evitar que ele próprio gere inflação. O problema é que o
governo é uma instituição inerentemente inflacionária, e,
consequentemente, ele quase sempre tem precipitado,
encorajado, e dirigido o boom inflacionário. O governo é
inerentemente inflacionário porque ele, ao longo dos séculos,
adquiriu o controle do sistema monetário. Ter o poder de
imprimir dinheiro (incluindo a "impressão" de depósitos
bancários) dá ao governo o poder de beber diretamente de uma
fonte de receitas sempre disponível. A inflação é uma forma de
taxação, pois o governo pode criar dinheiro do nada e usá-lo para
desviar recursos que, de outra maneira, iriam para os indivíduos.
Esses, por sua vez, são impedidos de fazer semelhante
"falsificação", pois sofreriam pesadas punições. A inflação,
portanto, se torna uma substituta da taxação bem aprazível para
os funcionários do governo e seus grupos favorecidos, e é uma
substituta tão discreta que o público em geral pode facilmente —
e é encorajado a — negligenciar. O governo também pode atribuir
a culpa pelo aumento de preços, que é uma conseqüência
inevitável da inflação, ao público geral ou a alguns segmentos do
público pelo qual tem antipatia, como, por exemplo, empresários,
especuladores, estrangeiros. Apenas a improvável adoção de uma
doutrina econômica sólida poderia levar o público a jogar a culpa
em quem realmente é o culpado: o próprio governo.

Bancos privados, é verdade, podem inflar a oferta


monetária por conta própria. Isso ocorre ao emitirem títulos de
reivindicação (seja ao ouro ou ao papel-moeda do governo) em
uma quantia maior do que eles poderiam redimir. Um depósito
bancário é equivalente a um recibo de um armazém de dinheiro,
um recibo que o banco promete redimir em qualquer momento
que o cliente quiser pegar seu dinheiro nos cofres do banco. Todo
o sistema bancário de "reservas fracionárias" envolve a emissão
de recibos que não podem ser totalmente redimidos. Mas Mises
mostrou que, por si sós, bancos privados não poderiam inflar a
oferta monetária em grande escala.[22] Em primeiro lugar, cada
banco veria que seus pseudo-recibos (ou recibos a descoberto,
sem qualquer dinheiro como lastro) recém emitidos seriam
rapidamente transferidos para clientes de outros bancos, que
iriam exigir desse banco o resgate do valor equivalente. Portanto,
quanto menor for a clientela de cada banco, menor será o escopo
para a emissão de pseudo-recibos. Todos os bancos poderiam se
juntar e concordar em expandir à mesma taxa, mas tal acordo
seria difícil de ser realizado. Segundo, os bancos estariam
limitados à quantidade de vezes que o público utilizaria depósitos
bancários, ou notas bancárias, ao invés do dinheiro padrão; e
terceiro, os bancos estariam limitados à confiança que o público
tem neles. Caso essa confiança fosse abalada, os bancos poderiam
ser arruinados por corridas bancárias que poderiam ocorrer a
qualquer momento.

Ao invés de impedir a inflação simplesmente proibindo o


sistema de reservas fracionárias, que é algo fraudulento, os
governos uniformemente se moveram na direção oposta, e passo
a passo foram removendo os controles que o livre mercado
impunha à expansão do crédito bancário, ao mesmo tempo em
que eles, os governos, se colocavam na posição de orquestrar a
inflação. De várias maneiras, eles artificialmente estimularam a
confiança do público nos bancos, encorajaram o uso de papel-
moeda e de depósitos — ao invés de ouro (até que finalmente
proibiram o ouro) —, e puseram todos os bancos sob um controle
único — o seu controle —, de maneira que todos pudessem se
expandir conjuntamente. O principal artifício para atingir esses
objetivos foi o Banco Central, uma instituição que nos EUA
ganhou o nome de Federal Reserve System, em 1913. A criação do
Banco Central permitiu a centralização e a absorção de ouro pelos
cofres do governo, aumentando enormemente a base nacional
para a expansão de crédito:[23] também assegurou uma ação
uniforme dos bancos, permitindo-os basear suas reservas em
contas de depósito criadas junto ao Banco Central, ao invés de em
ouro. Depois da criação do Banco Central, cada banco privado não
mais determina sua política de acordo com sua reserva particular
de ouro; todos os bancos agora estão amarrados uns aos outros e
regulados pela ação do Banco Central. O Banco Central, além
disso, ao proclamar que sua função é a de "emprestador de última
instância" para os bancos em dificuldades, aumenta enormemente
a confiança do público no sistema bancário, pois é tacitamente
assumido por todos que o governo jamais iria permitir que seu
próprio órgão — o Banco Central — falhasse. Um Banco Central,
mesmo quando no padrão-ouro, tem poucos motivos para se
preocupar com demandas por ouro por parte de seus próprios
cidadãos. Mas uma possível fuga de ouro para países estrangeiros
(isto é, não-clientes do Banco Central) pode, sim, trazer
ansiedade.

O governo assegurou ao Federal Reserve o controle sobre


os bancos da seguinte maneira: (1) garantindo ao Federal Reserve
System (FRS) um monopólio sobre a emissão de notas; (2)
obrigando todos os "bancos nacionais" existentes a se juntarem
ao Federal Reserve System, e a manterem todas as suas reservas
legais como depósitos no Federal Reserve[24]; e (3) fixando o
valor da proporção dos depósitos bancários (dinheiro que
pertence ao público) que os bancos deveriam manter como
reservas compulsórias no FED. Com isso, a criação do FRS foi
inflacionária, pois os requerimentos a respeito dessa proporção
— a reserva compulsória — foram sendo reduzidos
progressivamente.[25] O Reserve poderia, então, controlar o
volume de dinheiro administrando duas coisas: o volume de
reservas bancárias, e as reservas compulsórias. O Reserve pode
administrar o volume de reservas bancárias (de maneiras que
serão explicadas posteriormente), e o governo determina a
proporção legal do compulsório, mas admissivelmente o controle
da oferta monetária não é perfeito, de modo que os bancos podem
manter "excesso de reservas". Normalmente, no entanto,
assegurados da existência de um emprestador de última
instância, e obtendo lucros ao maximizarem seus ativos e
depósitos, os bancos sempre estarão emprestando o máximo que
puderam, sendo limitados apenas pela proporção de reservas que
devem depositar no FED como compulsório.

Embora bancos privados desregulamentados seriam


mantidos estritamente sob cheque, e seriam bem menos
inflacionários do que um esquema envolvendo manipulações do
Banco Central,[26] a maneira mais clara de evitar a inflação é
banir o sistema bancário de reserva fracionária, e impor um
sistema de reserva de ouro de 100 por cento para todas as notas e
depósitos. Cartéis bancários, por exemplo, não são muito
prováveis sob um sistema bancário desregulamentado — ou
sistema bancário "livre" — mas eles, não obstante, poderiam
ocorrer. O Professor Mises, conquanto reconheça a superioridade
econômica de um padrão-ouro 100 por cento (sistema monetário
100 por cento ouro) em relação ao sistema bancário livre,
preferia este último porque reservas de 100 por cento iriam
conceder ao governo o controle sobre o sistema bancário, e o
governo poderia facilmente alterar esses requerimentos
conforme suas tendências inerentemente inflacionistas.[27] Mas a
exigência de uma reserva de ouro de 100 por cento não seria
apenas mais um controle administrativo por parte do governo:
seria o elemento essencial do credo libertário, que diz que a
fraude é algo que deve ser legitimamente proibido. Todos, com
exceção dos pacifistas extremos, concordam que a violência
contra a pessoa e a propriedade deve ser banida, e que agências,
operando sob essa lei geral, deveriam defender a pessoa e a
propriedade contra ataques. Libertários, defensores do laissez-
faire, acreditam que "governos" deveriam se limitar a serem
agências de defesa apenas. Fraude é equivalente a furto, pois a
fraude ocorre quando uma parte de um contrato, em uma troca, é
deliberadamente não cumprida após a propriedade da outra
parte já ter sido levada. Bancos que emitem recibos não tendo o
lastro equivalente em ouro estão na verdade cometendo fraude,
porque assim se torna impossível para todos os proprietários (de
títulos redimíveis em ouro) reivindicarem sua propriedade
legítima. Portanto, a proibição de tal prática não seria um ato
de intervençãogovernamental no livre mercado; seria parte de
uma defesa geral e legítima da propriedade contra esse tipo de
ataque, que é o que um livre mercado exige. [28], [29]

Qual, então, deveria ter sido a política governamental


apropriada durante os anos 1920? O que o governo deveria ter
feito para evitar o crash? Sua melhor política teria sido liquidar o
Federal Reserve System, e estabelecer um sistema monetário de
reservas de ouro de 100 por cento; não tendo feito isso, ele
deveria ter liquidado o FRS e deixado os bancos privados
operarem desregulamentadamente, mas sujeitos a rápidas e
rigorosas falências caso falhassem em redimir suas notas e
depósitos. Não tendo tomado essas drásticas medidas, e dado a
existência do Federal Reserve System, qual deveria ter sido sua
política? O governo deveria ter exercido vigilância irrestrita, não
apoiando e nem permitindo qualquer expansão inflacionária do
crédito. Vimos que o FED — o Federal Reserve System — não tem
o controle completo do dinheiro porque ele não pode forçar os
bancos a emprestarem de acordo com suas reservas; mas tem um
absoluto controle anti-inflacionário sobre o sistema bancário,
pois tem o poder de reduzir as reservas bancárias à sua vontade,
e dessa forma forçar os bancos a parar de inflacionar, ou mesmo
contrair, se necessário. Ao diminuir o volume de reservas
bancárias e/ou aumentar os compulsórios, o governo federal,
tanto nos anos 1920 quanto hoje, tem o poder absoluto de
impedir qualquer aumento no volume total de dinheiro e crédito.
É verdade que o FRS não tem controle direto sobre alguns
criadores de dinheiro, como bancos de investimentos, associações
de poupança e empréstimos (S&L associations), e companhias de
seguro de vida, mas qualquer expansão de crédito advindas
dessas fontes poderia ser mais do que compensada por uma
pressão deflacionária sobre os bancos comerciais. Isso é
especialmente verdade porque os depósitos nos bancos
comerciais (1) formam a base monetária para o crédito
expandido por outras instituições financeiras, e (2) são a parte
mais ativamente circulante da oferta monetária. Levando-se em
conta o Federal Reserve System e seu poder absoluto sobre o
dinheiro da nação, o governo federal, desde 1913, deve arcar com
a responsabilidade total por qualquer inflação. Os bancos não
podem inflar por si sós; qualquer expansão creditícia só pode
ocorrer com o apoio e o consentimento do governo federal e de
suas autoridades no Federal Reserve. Os bancos são fantoches
virtuais do governo, e têm sido desde 1913. Qualquer
culpabilidade por qualquer expansão de crédito, e sua
conseqüente depressão, deve ser arcada pelo governo federal e
por ele apenas. [30]

—————————————————————————

Murray N. Rothbard (1926-1995) lecionou na


Universidade de Nevada, Las Vegas, e serviu como vice-
presidente de assuntos acadêmicos do Mises Institute.

1. Vários neo-Keynesianos têm criado teorias dos ciclos.


Entretanto, essas teorias não estão integradas à teoria
econômica geral, mas, sim, aos holísticos sistemas
keynesianos — sistemas esses que, na verdade, são muito
parciais.
2. Não há, por exemplo, nenhuma alusão a tal conhecimento
na conhecida discussão feita por Haberler. Ver Gottfried
Haberler, Prosperity and Depression (2ª ed., Genebra,
Suíça: Liga das Nações, 1939).

3. F.A. Harper, Why Wages Rise (Irvington-on-Hudson,


N.Y.: Foundation for Economic Education, 1957), pp. 118-
19.

4. Siegfried Budge, Grundzüge der Theoretische


Nationalökonomie (Jena, 1925), citado por Simon S.
Kuznets em "Monetary Business Cycle Theory
in Germany," Journal of Political Economy (Abril, 1930):
127-28.

Sob condições de livre


concorrência . . . o mercado . . . depende
da oferta e da demanda . . . não poderia se
desenvolver uma desproporcionalidade
na produção de bens que pudesse
enganar todo o sistema econômico . . . tal
desproporcionalidade pode surgir apenas
quando, em algum ponto decisivo, a
estrutura de preços passa a não se basear
somente no jogo da livre concorrência, de
forma que alguma influência arbitraria se
torna possível.

O próprio Kuznets critica a teoria austríaca


baseando-se em seu ponto de vista empiricista e contrário
à relação de causa e efeito. Ele também, erroneamente,
considera essa teoria "estática".

5. Essa é a "teoria da preferência temporal pura" da taxa de


juros; ela pode ser vista em Ludwig von Mises, Human
Action (New Haven, Conn.: Yale University Press,
1949); em Frank A. Fetter, Economic Principles (New York:
Century, 1915), e idem, "Interest Theories Old and
New," American Economic Review (Março, 1914): 68-92.

6. "Bancos", nesse caso, também incluem associações


financeiras de poupança e crédito, e companhias de seguro
de vida, ambas as quais criam moeda via expansão de
crédito para a economia.

7. Sobre a estrutura de produção e sua relação com o


investimento e com o crédito bancário, ver F.A.
Hayek, Prices and Production (2ª ed., London: Routledge
and Kegan Paul, 1935); Mises, Human Action; and Eugen
von Böhm-Bawerk, "Positive Theory of Capital," em Capital
and Interest (South Holland, Ill.: Libertarian Press, 1959),
vol. 2.

8. Inflação" nesse caso é definida como um aumento na


oferta de dinheiro, não consistindo de um aumento no
dinheiro metálico.

9. Essa teoria "austríaca" dos ciclos econômicos resolve a


antiga controvérsia econômica que questiona se mudanças
na quantidade de dinheiro podem ou não afetar as taxa de
juros. Ela apóia a doutrina "moderna" que diz que um
aumento na quantidade de dinheiro diminui as taxas de
juros (se esse dinheiro entra primeiramente no mercado
de crédito); por outro lado, ela apóia a visão clássica que
diz que, no longo prazo, a quantidade de dinheiro não
afeta as taxas de juros (ou só afetará se as preferências
temporais mudarem). De fato, a fase de depressão-
reajustamento é o processo de retorno às taxas de juros de
livre mercado.

10. É comum ouvir afirmações que dizem que, já que as


empresas não podem achar grandes oportunidades de
lucro em uma depressão, a demanda por empréstimos cai
e, assim, tanto a oferta monetária como a de empréstimos
irão se contrair. Mas esse argumento ignora o fato de que
os bancos, se quiserem, podem comprar securities (bônus,
ações) para aumentar seus investimentos, compensando,
dessa forma, a contração dos empréstimos. Isso
sustentaria a oferta monetária. Portanto, a pressão
contracionista sempre se origina dos bancos, e não dos
negócios que são tomadores de empréstimos.

11. Bancos são "inerentemente falidos" porque emitem muito


mais recibos bancários (atualmente na forma de
"depósitos" resgatáveis em dinheiro, quando
demandados) do que o dinheiro em espécie que realmente
possuem. Assim, eles estão sempre vulneráveis a uma
corrida bancária. Essas corridas aos bancos não se
assemelham a qualquer outro tipo de falência, porque elas
consistem simplesmente de depositantes reivindicando a
sua propriedade de direito, propriedades as quais os
bancos não têm. "Falência inerente", portanto, é um
aspecto essencial de qualquer sistema bancário de
"reserva fracionária". Como Frank Graham disse:

A tentativa dos bancos de efetuar


as inconsistentes metas de emprestar
dinheiro — ou meramente títulos de
reivindicação desse dinheiro — e ainda
fingir que há esse dinheiro disponível sob
demanda chega a ser até mesmo mais
absurda que . . . comer um bolo e
imaginar que se pode contar com ele para
consumo futuro . . . A alegada
convertibilidade é uma desilusão que só
funciona se o direito de restituição não
for corretamente exercido.

Frank D. Graham, "Partial Reserve Money and the


100% Proposal," American Economic Review (Setembro,
1936): 436.

12. Em um país sob o padrão-ouro (tal como os EUA durante a


depressão de 1929), os economistas austríacos aceitaram
a contração do crédito como sendo talvez um preço
necessário a se pagar para se permanecer no ouro. Mas
poucos viram quaisquer virtudes corretivas no processo
de deflação em si.

13. Alguns leitores podem perguntar: por que a contração do


crédito não leva a maus investimentos, causando sobre-
investimentos em bens de ordens menores e sub-
investimentos em bens de ordens maiores, revertendo,
desta forma, as conseqüências da expansão do crédito? A
resposta vem da análise austríaca da estrutura de
produção. Não existe uma escolha arbitrária entre investir
em bens de ordens menores ou maiores. Qualquer
aumento de investimento tem que ser feito nos bens de
ordens maiores, pois será necessário alongar a estrutura
de produção. Um decréscimo na quantidade de
investimento na economia simplesmente reduz o capital
de ordens maiores. Assim, a contração do crédito vai
causar nãoum excesso de investimento em ordens mais
baixas, mas simplesmente uma estrutura menor em
relação àquela que de outra forma seria estabelecida.

14. Em uma economia sob o padrão-ouro, a contração do


crédito é limitada pelo tamanho total do estoque de ouro.

15. Em anos recentes, tem havido — particularmente na


literatura dos "países subdesenvolvidos" — muitas
discussões sobre "investimentos" governamentais.
Entretanto, não pode haver tal tipo de investimento.
"Investimento" é definido como gastos feitos não para a
satisfação direta de quem os faz, mas para a de outros,
principalmente consumidores. Máquinas são produzidas
não para servir o empreendedor, mas para servir o
consumidor final, que em troca remunera os
empreendedores. Mas o governo adquire seus fundos
através do confisco feito sobre indivíduos particulares; e o
gasto desses fundos, por sua vez, satisfaz os desejos
de funcionários do governo. Esses funcionários
forçosamente alteraram a produção: ao invés de satisfazer
consumidores individuais, agora deve-se satisfazer os
burocratas do governo. Esse gasto, portanto, é puro
consumo e não pode de nenhuma maneira ser chamado de
"investimento". (É claro que, mesmo que os funcionários
do governo não percebam isso, seu "consumo" é, na
verdade, desperdício.)

16. Para mais informações sobre os problemas da reserva


fracionária dos bancos, veja adiante.

17. Ver W.H. Hutt, "The Significance of Price Flexibility", em


Henry Hazlitt, ed., The Critics of Keynesian
Economics (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960), pp.
390-92.

18. Estou em dívida com Mr. Rae C. Heiple, II, por ter me
apontado essa.

19. Poderia o governo aumentar a proporção investimento-


consumo elevando impostos de alguma maneira? Ele não
poderia taxar apenas o consumo mesmo se tentasse; e
pode ser demonstrado (e o Prof. Harry Gunnison Brown
foi bem longe para isso) que qualquer taxação ostensiva
sobre o "consumo" se torna, no mercado, um imposto
sobre a renda, afetando tanto a poupança quanto o
consumo. Se assumirmos que os pobres consomem uma
maior proporção de suas rendas em relação aos ricos,
podemos dizer que um imposto sobre os pobres usado
para subsidiar os ricos irá aumentar a proporção
poupança-consumo e, assim, ajudar a curar a depressão.
Por outro lado, os pobres não têm necessariamente uma
preferência temporal maior do que a dos ricos, e os ricos
podem muito bem tratar os subsídios do governo como
um lucro inesperado e que deve ser consumido. Ademais,
Harold Lubell sustenta que os efeitos de uma mudança na
distribuição de renda sobre o consumo da sociedade
seriam negligenciáveis, mesmo que a proporção de
consumo absoluta seja maior entre os pobres. Ver Harry
Gunnison Brown, "The Incidence of a General Output or a
General Sales Tax", Journal of Political Economy (Abril,
1939): 254-62; Harold Lubell, "Effects of Redistribution of
Income on Consumers' Expenditures", American Economic
Review (Março, 1947): 157-70.
20. A defesa de qualquer política governamental deve se
basear, em última instância, em um sistema de princípios
éticos. Não tentaremos discutir ética nesse livro. Aqueles
que desejam prolongar uma depressão irão, é claro, apoiar
entusiasticamente essas intervenções governamentais,
assim como também irão fazê-lo aqueles cuja ambição
primária é colocar mais poder nas mãos do estado.

21. Para o tratamento clássico da hiperinflação, ver


Costantino Bresciani-Turroni, The Economics of
Inflation (London: George Allen and Unwin, 1937).

22. Ver Mises, Human Action, pp. 429-45, e Theory of Money


and Credit (New Haven, Conn.: Yale University Press,
1953).

23. Quando o ouro — que até então estava nas reservas do


bancos — é transferido para um recém-criado Banco
Central, este fica com apenas uma reserva fracionária,
fazendo com que, dessa forma, a base total de crédito e a
oferta monetária potencial sejam
aumentadas. Ver C.A.Phillips, T.F. McManus, e R.W.
Nelson, Banking and the Business Cycle (New York:
Macmillan, 1937), pp. 24ff.
24. Muitos "bancos estaduais" foram persuadidos a se
juntarem ao FRS através de apelos patrióticos e da oferta
de serviços gratuitos. Mesmo os bancos que não se
juntaram estão efetivamente sob controle do FRS, pois,
para poderem obter papel-moeda, eles precisam manter
reservas em algum banco que é membro.

25. A média das reservas compulsórias de todos os bancos


antes de 1913 foi estimada em aproximadamente 21 por
cento. Em meados de 1917, quando o FRS já estava no
domínio completo, a média do compulsório era de 10 por
cento. Phillips et al. estimam que o impacto inflacionário
inerente à criação do FRS (apontado na nota 23) triplicou
o poder expansionista do sistema bancário. Assim, os dois
fatores (o impacto inerente, e a diminuição deliberada dos
compulsórios) se combinaram para inflar em seis vezes o
potencial monetário do sistema bancário americano, como
resultado da criação do FRS. Ver Phillips et al., Banking
and the Business Cycle, pp. 23ff.

26. Os horrores do "wildcat banking"* nos EUA antes da


Guerra Civil se originam de dois fatores, ambos
relacionados ao governo e não ao sistema bancário livre:
(1) Desde o começo do sistema bancário, em 1814 e em
todos os pânicos desde então, os governos estaduais
permitiram que os bancos continuassem operando,
emprestando e cobrando, etc. sem terem que redimir em
espécie. Em resumo, os bancos tinham o privilégio de
operar sem terem que pagar suas obrigações. (2)
Proibições de filiais bancárias interestaduais (que
duraram até 1995), adicionado a um sistema de transporte
ruim, impediram que os bancos prontamente exigissem
que outros bancos mais distantes redimissem suas notas.

*Bancos que emitiam suas próprias notas bancárias


(papel-moeda). Muitos desses bancos foram organizados mais
com o propósito de emitir notas do que receber depósitos e fazer
empréstimos. Muitos falharam. O nome vem do fato de eles
estarem localizados em áreas de difícil acesso, habitados por
gatos selvagens.

27. Mises, Human Action, p. 440.

28. Uma analogia comum diz que os bancos simplesmente


contam com o fato de que as pessoas não irão todas
redimir suas propriedades de uma só vez, da mesma
forma que engenheiros que constroem pontes também
operam sob o princípio de que nem todos na cidade irão
atravessar a ponte ao mesmo tempo. Mas os casos são
inteiramente diferentes. As pessoas que atravessam uma
ponte estão simplesmente requisitando um serviço; elas
não estão tentando tomar posse de sua propriedade
legítima, como no caso dos depositantes bancários. Uma
analogia mais conveniente iria defender fraudadores que
nunca teriam sido apanhados se alguém não tivesse
casualmente inspecionado os livros. O crime ocorre no
momento em que a fraude é cometida, não quando ela é
finalmente descoberta.

29. Talvez um sistema jurídico libertário consideraria "recibo


de depósitos gerais" (que permite que um armazém
devolva qualquer bem homogêneo ao depositante) como
sendo "recibo de depósitos específicos", os quais, como
recibo de cargas, cautelas de penhores, recibos de docas,
etc. estabeleceriam a propriedade sobre objetos
específicos e assinalados. Como Jevons declarou,
"Costumava-se considerar como regra de lei geral que,
qualquer doação ou designação de bens que não existem,
era algo fora de uso." Ver W. Stanley Jevons, Money and the
Mechanism of Exchange (London: Kegan Paul, 1905), pp.
207-12. Para uma excelente discussão sobre os problemas
da reserva fracionária de dinheiro, ver Amasa Walker, The
Science of Wealth (3a. ed., Boston: Little, Brown, 1867), pp.
126-32, esp. pp. 139-41.
30. Alguns escritores criam muito barulho a respeito da ficção
jurídica de que o Federal Reserve System "pertence" aos
bancos que são membros do sistema. Na prática, isso
simplesmente significa que esses bancos são taxados para
ajudar a pagar pelo apoio do Federal Reserve. Se os bancos
privados realmente fossem "donos" do Fed, então como
pode os funcionários do Fed serem indicados pelo
governo, e os "proprietários" serem compelidos a
"comandar" os conselhos do Federal Reserve por força de
um estatuto governamental? Os bancos membros do
Federal Reserve deveriam simplesmente ser considerados
agências governamentais.

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