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A Memória é plural. É difícil tratarmos da Memória como algo unitário quan-
do é possível diferenciá-la de tantas formas diferentes, seja de acordo com
sua função, origem ou horizonte temporal. Embora as características classifi-
catórias sejam úteis para a sistematização de um modelo teórico, é importan-
te considerar também que o substrato biológico de cada tipo de memória
também é diferenciado, e, em alguns casos, possuem sistemas completamen-
te independentes. (Izquierdo, 2014).

A memória é sujeita a erros e distorções, e cada vez mais o fenômeno das fal-
sas memórias tem tido uma maior atenção devido as suas implicações clínicas
e jurídicas. Entretanto, para entendermos melhor o processo de formação das
falsas memórias é preciso antes realizar uma consideração sobre os tipos e
sistemas nos quais as memórias se pautam.

Para as memórias serem adquiridas de forma biológica passam por diversos


processos de conversão e tradução até ser possível codificar as experiências
vivenciadas no encéfalo. E, como toda tradução, esses processos geram mu-
danças, erros e perda de informação. É consenso na literatura que a base bio-
lógica da memória consiste “na modificação de determinadas sinapses de dis-
tintas vias, que incluem o hipocampo e suas principais conexões” (Izquierdo,
2014, p. 69). Essas alterações na estrutura da sinapse permitem o indivíduo
reagir a um estímulo, antes neutro para ser possível uma resposta de evoca-
ção da memória.

Existem diversos modelos teóricos que buscam formas de sistematizar o co-


nhecimento sobre a memória. O Modelo Tradicional da Memória como pro-
posto por Richard Atkinson e Richard Shiffrin (1968) enfatiza a estrutura de
armazenamento e a divide entre sensorial, curto prazo e longo prazo.
(Sternberg & Sternberg, 2012) As memórias sensoriais têm duração mínima
de alguns segundos (Sternberg & Sternberg, 2012) as de curto prazo são ar-
mazenadas por questão de horas e as de longo prazo podem durar entre algu-
mas horas e muitos anos, nesse último caso podendo ser denominada tam-

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bém de memória remota. (Izquierdo, 2014) Este modelo não pressupõe dife-
renças fisiológicas para os tipos de armazenamento, apenas sugere diferenças
conceituais. O Modelo de Níveis de Processamento possui um foco maior em
como a memória é processada, e que as características de armazenamento
dependem do tipo de processo no qual foi submetida. (Sternberg & Stern-
berg, 2012)

O Modelo Integrativo é provavelmente o modelo mais aceito atualmente


(Sternberg & Sternberg, 2012), e propõe uma visão alternativa da memória
que tem enfoque nas funções da Memória Operacional nos processos de co-
dificação e integração da memória.

A Memória Operacional (MO) possui duas subdivisões, verbal e não-verbal


(ou visuoespacial), e correspondem a capacidade de reter informação por um
curto período e a manipular mentalmente, como por exemplo ao realizar cál-
culos sem o uso de papel, reorganizar sequências ou listas assim como relaci-
onar informações (Diamond, 2013; Diamond, 2002). Apesar de funcionar no
curto prazo a MO se diferencia da Memória de Curto Prazo na medida em que
a primeira não produz registros, atuando apenas como gerenciadora e mani-
puladora da memória pelo tempo necessário até esta ser ou não armazenada
(Izquierdo, 2014)., já a segunda se limita a reter informação por pouco tempo
indiscriminadamente, não havendo qualquer tipo de edição ou reorganização
(Diamond, 2013). Tal relação foi comprovada por estudos de imagem mos-
trando que apenas o Córtex Pré Frontal Ventrolateral (Diamond, 2013) é ativa-
do quando utilizamos a Memória De Curto Prazo, diferentemente da Memória
Operacional que é associada principalmente com o Córtex Pré Frontal Dorso
Lateral (Kane & Engle, 2002)

O próprio conceito de Memória Operacional é convergente com a ideia de


Múltiplos Sistemas da Memória. Endel Tulving (1972) propôs a divisão entre
memória semântica e memória episódica (Sternberg & Sternberg, 2012), ca-
tegorizadas como tipos de memórias declarativas que são diferenciadas de
acordo com o seu conteúdo, entretanto, também há evidências neurológicas
de que fazem partes de sistemas distintos que se sobrepõe (Sternberg & Ster-
nberg, 2012). As memórias episódicas são extraídas de experiências pessoais
enquanto as memórias semânticas envolvem conhecimentos gerais, como
uma língua por exemplo. (Sternberg & Sternberg, 2012; Izquierdo, 2014)

A perspectiva conexionista pressupõe uma rede de conexões paralelas as


quais a ativação de um elemento em particular pode desencadear a ativação
de outro elemento (Sternberg & Sternberg, 2012). Esse efeito é chamado de

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priming, e é caracterizado pela memória evocada através de dicas ou frag-
mentos, e têm sua base biológica pautada no córtex pré-frontal e suas cone-
xões. (Izquierdo, 2014)

Os diferentes tipos de memória podem ser classificadas como implícitas e ex-


plícitas, dependendo de como foi realizado seu armazenamento. Nas memó-
rias explícitas o indivíduo é ativo e consciente na apreensão das experiências,
já as memórias implícitas são armazenadas independentemente da consciên-
cia de serem apreendidas (Izquierdo, 2014).

Squire (1986) propõe uma sistematização taxonômica dos tipos de memórias


dividindo-as inicialmente em declarativa (explícita) ou não-declarativa
(implícita). A memória declarativa é dividida entre semântica e episódica, já a
não-declarativa engloba a memória procedural, o priming, e o condiciona-
mento. (Squire, 1986; Sternberg & Sternberg, 2012) As memórias procedurais
são todas aquelas impossíveis de declarar, ou seja, memórias corporais moto-
ras e sensoriais, como aprender a dirigir, ou a sensação do vento no rosto. De
acordo com esta divisão todas as memórias declarativas são essencialmente
explícitas, entretanto Izquierdo (2014) argumenta que o aprendizado da lín-
gua materna por exemplo de uma memória semântica pode ser classificada
como implícito e considera também que memórias explícitas podem ter carac-
terísticas de curto ou longo prazo, enquanto as implícitas geralmente são ar-
mazenadas durante toda a vida.

Ambos os tipos de memória necessitam de um bom funcionamento da Me-


mória Operacional para que seu armazenamento seja feito de forma correta,
ou seja, dependem do pleno funcionamento do Córtex Pré Frontal. As memó-
rias declarativas têm como principais bases biológicas o hipocampo e o córtex
entorrinal, bem suas conexões com outras regiões corticais ressaltando a área
basolateral da amígdala, o Locus Cerulleus, a substância negra, o núcleo basal
de meyert e os núcleos da rafe para as memórias declarativas e o núcleo cau-
dau, o cerebelo e o lobo temporal para as memórias procedurais (Izquierdo et
al, 2013; Izquierdo 2014)

Falsas Memórias

“Uma memória é uma experiência mental que é considerada uma representa-


ção verídica (verdadeira) de um evento do passado.” (Johnson, 2012, p. 211)

O alto grau de confiabilidade adotado por não apenas as pessoas no cotidia-

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no, mas também entidades jurídicas, policiais e profissionais clínicos e foren-
ses (IPEA, 2015), pode acarretar em consequências negativas quando a veraci-
dade de um relato ou testemunho não é posta a prova. Como pudemos ob-
servar, o sistema da memória humana é altamente complexo, os processos de
armazenamento e evocação da memória muitas vezes muitas vezes resulta
em falhas e erros que são consideradas como falsas memórias (Johnson,
2012). Isto é, o ato de lembrar de algo que não é fidedigno à realidade, que
pode ocorrer desde a lembrança de uma roupa com uma cor diferente, até
recordações de situações na infância que nunca realmente ocorreram, ou
ocorreram com outra pessoa que não a si próprio.

As falsas memórias podem ocorrer espontaneamente em indivíduos sadios,


entretanto, estudos mostram que a sugestão (Stein & Neufeld, 2001), o enve-
lhecimento (Devitt & Schacter, 2016) e doenças degenerativas como o Alzhei-
mer (Plancher, Guyard, Nicolas & Piolino, 2009) podem aumentar a frequência
com que ocorrem.

Ao discutir a origem das distorções das memórias destacam-se alguns mode-


los teóricos utilizados para compreender melhor a formação das falsas memó-
rias sendo estes o Construtivismo, o Monitoramento da Fonte, e a Teoria do
Traço Difuso (FTT) (Reyna & Lloyd 1997; Stein & Neufeld, 2001; Alves, & Lo-
pes, 2007)

Construtivismo

Este modelo considera a memória como construída (Stein & Neufeld, 2001)
isto é a memória está muito mais focada na significação do acontecimento, do
que a realidade do acontecimento propriamente dita, que está sujeita a inter-
pretação (Alves, & Lopes, 2007). A memória para os construtivistas tem carac-
terística mutável e maleável, portanto postulam que os erros ocorrem quando
há interferência de outras experiências do indivíduo, ou do próprio pensa-
mento e raciocínio (Alves, & Lopes, 2007). Os modelos posteriores ao Cons-
trutivismo se contrapõe de forma que não assumem que a produção de falsas
memórias ocorrem devido à integração de informação. (Reyna & Lloyd, 1997)

Monitoramento da Fonte

Esse modelo teórico procura explicar a produção de falsas memórias à confu-


são com a fonte da informação, como por exemplo confundir o estímulo visual
com o auditivo quando estes se apresentam como concorrentes. Diferente-

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mente do Construtivismo que consideraria uma integração entre ambas as
memória (visual e auditiva) (Reyna & Lloyd 1997), enquanto a Teoria do Mo-
nitoramento da Fonte considera que ambas se mantêm intactas e que o erro é
advindo da dificuldade de estabelecer origem da memória (Alves, & Lopes,
2007), no exemplo anterior se foi obtida através do estímulo verbal ou visual.
Marcia Johnson (2012) relata que a atribuição errada da fonte pode ocorrer
de várias formas, quando atribuímos algo da imaginação à percepção, algo
que era apenas uma intenção para uma ação ocorrida, escutar sobre algo e
acreditar que realmente tivemos esta experiência.

Estudos de Neuroimagem sugerem que o Córtex Pré Frontal está intimamente


ligado com a codificação das informações necessárias para a identificação da
fonte durante a evocação da memória, assim, é possível correlacionar com a
maior ocorrência de falsas memórias em crianças que possuem o lobo frontal
pré desenvolvido e idosos que podem demonstrar neuropatologias devido ao
envelhecimento (Johnson, 2012).

Teoria do Traço Difuso

Essa teoria têm uma concepção dual da memória, sendo esta dividida em me-
mória literal (específica e detalhada) e memória da essência (contexto mais
geral). (Alves, & Lopes, 2007; Stein & Neufeld, 2001) Estas memórias não são
extraídas uma da outra, mas sim são armazenadas e processadas em paralelo
de forma independente e são diferenciadas em durabilidade e susceptibilida-
de à interferência, sendo a memória literal menos duradoura e mais suscetí-
vel. Os erros, portanto, aconteceriam na medida em que ocorrem erros de
evocação da memória literal ou quando memórias de essência são evocadas
quando se deseja uma memória literal (Alves, & Lopes, 2007; Reyna & Lloyd,
1997).

O Paradigma Deese-Roediger-McDermott (DRM)

O paradigma DRM é um procedimento confiável que têm como intuito gerar


as falsas memórias (Thakral, Madore, Devitt & Schacter, 2018) e pesquisas uti-
lizam deste paradigma para correlacionar fatores como carga emocional
(Bourscheid, Pinto, Knijnik & Stein, 2014), meditação de mindfulness (Wilson,
Mickes, Stolarz-Fantino, Evrard & Fantino, 2015) e estímulo psicológico e emo-
cional pós-aprendizagem (Nielson & Correro, 2017) com a ocorrência de falsas

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memórias.
O paradigma DRM fornece uma estrutura experimental de forma a avaliar a
memória verídica e falsa, através de um procedimento que consiste na apre-
sentação de uma lista de palavras associadas tematicamente a um termo não
mencionado (distractor crítico) e posteriormente realizar tarefas de recorda-
ção e reconhecimento. É frequentemente relatado que o distrator crítico é
muitas vezes lembrado em conjunto com as palavras listadas. (Oliveira & Albu-
querque, 2015)

Para explicar a ocorrência das falsas memórias no paradigma DRM, a teoria da


ativação e monitoramento foi proposta, se baseando em modelos teóricos an-
teriores que incluem a teoria do monitoramento da fonte. Essa teoria consi-
dera que há uma ativação do distrator crítico que pode acontecer no momen-
to da apresentação das palavras associadas ou no exercício de recordação. En-
tretanto, a falsa memória só ocorre se houver um reconhecimento errado da
fonte do distrator, ou seja se o participante atribui ter lido algo que apenas
associou. A teoria do traço difuso citada anteriormente também é utilizada
para explicar o paradigma DRM(Oliveira & Albuquerque, 2015), e considera
que na fase de apresentação das palavras a memória das palavras lidas e a
memória do distrator crítico são processadas paralelamente. (Alves, & Lopes,
2007; Oliveira & Albuquerque, 2015)

A partir do momento em que há a possibilidade de identificação das possíveis


causas das falsas memórias se constrói a fundação para a pesquisa não ape-
nas de suas origens, mas de formas e estratégias para evitá-las. Considerando
o âmbito jurídico por exemplo, uma testemunha ocular está sujeita a falsas
memórias tanto espontâneas quanto por sugestão por parte do interrogador
e, por isso, a entrevista cognitiva é uma forma altamente eficaz de entrevista
investigativa que visa reduzir a ocorrência desses erros de memória (IPEA,
2015). Portanto, estudos posteriores devem trabalhar tanto a questão teórica
relacionada aos sistemas da memória e a ocorrência das falsas memórias
quanto a produção de estratégias e procedimentos que visam a evitação e re-
dução desse fenômeno.

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Referências

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Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-MG) e aluna de Iniciação Científica do Laboratório de Investigações em
Neurociência Clínica (LNC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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A neurogênese é o processo de nascimento e integração de novos neurô-
nios (Kempermann, 2011). Sua descoberta em animais adultos foi sem dú-
vida uma importante quebra de paradigma das neurociências no século
XX (Altman, 1962a), ainda mais relevante quando, no fim dos anos 90, se
confirmou a presença desse fenômeno nos seres humanos (Eriksson et al.,
1998). Atualmente os novos métodos científicos estão fazendo as neuroci-
ências reverem seus próprios paradigmas. Um estudo recente aponta que
a neurogênese adulta é indetectável em humanos, e que poderia ocorrer
apenas até a adolescência (Sorrells et al., 2018). Frente às novas e emoci-
onantes descobertas é importante ter um olhar crítico sobre o assunto, o
que passa precisamente pela revisão histórica da evidência científica.
No começo do século XX existia um grande entusiasmo pela medicina e a
anatomia. Usando diferentes métodos, os cientistas tentavam entender
melhor como funcionava o cérebro. Nesta época, Ramon y Cajal, o ganha-
dor do prêmio Nobel, utilizou o método de Golgi e concluiu que não exis-
tia a possibilidade de novos neurônios serem gerados no cérebro adulto
Em suas palavras:
“Una vez que el desarrollo ha concluido, las fuentes de regeneración de
los axones y dendritas se agotan irrevocablemente. Preciso es reconocer
que, en los centros adultos, las vías nerviosas son algo fijo, acabado, in-
mutable. Todo puede morir, nada renacer…corresponde a la ciencia del
futuro cambiar, si es posible, este cruel decreto” (Ramon y Cajal, 1928)
A citação do renomado anatomista poderia ser considerada imensamente
representativa da ideia difundida na sua época de que o cérebro não gera
novos neurônios. Nesse contexto a primeira menção de divisão celular no
cérebro foi feita por Ezra Allem (1912) em ratos de 120 dias de idade. Ou-
tros cientistas como Rydverg (1932) e Kershman (1938) chegariam a sinali-
zar a zona subventricular (SVZ) por sua potencialidade patológica na gera-
ção de tumores sem advertir a capacidade germinativa de células funcio-
nais. Em 1961, Smart e Leblond mostraram a proliferação celular na SVZ
com Timidina, um marcador de mitose radioativo. . Apesar de tais acha-

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dos, de acordo com Smart (1961) esse fenômeno era um resquício do proces-
so de desenvolvimento cerebral sem nenhuma função mais relevante que a
da geração em alguns casos, de neoplasias indesejadas. O autor não voltou
sua atenção para o bulbo olfatório ou hipocampo, regiões neuronais que
apresentam notório índice de neurogênese. e o tivesse feito na época, teria
mudado radicalmente suas percepções sobre as células proliferativas, pois
metodologicamente tinha todas as ferramentas para a descoberta (Smart,
1961).
Um ano depois, em 1962, Joseph Altman publicou o primeiro estudo sobre
neurogênese (Altman, 1962 a) que foi seguido pelo estudo intitulado: Are
new neurons formed in the brains of adult mammals? (Altman, 1962 b) o que
resume uma pergunta muito relevante: são formados neurônios novos em cé-
rebros de mamíferos adultos? Essa pergunta foi respondida com humildade,
talvez,mesmo com abundantes evidências de que a resposta era afirmativa.
Este artigo, foi o começo do um campo fértil das neurociências e foi seguido
de outros trabalhos sobre a migração de novos neurônios, o que concluiria
em 1969 com a descrição da via migratória rostral (RMS – rostral migratory
stream) - o caminho que fazem os neurônios novos da SVZ ao bulbo olfatório
(Joseph Altman, 1969).
A reação da comunidade científica, que ignorou sistematicamente
os trabalhos de Altman, desestimulou o cientista, que não publicou nada re-
lativo à neurogênese depois de 1970. A neurogênese foi sem dúvida a desco-
berta do século XX e com ela Altman derrubou o “cruel decreto” de Ramon y
Cajal, mostrando para a humanidade que tudo morre e renasce em um eterno
retorno. Porém, em troca da grande quebra de paradigma, Altman recebeu da
comunidade científica o “cruel decreto” do ceticismo dogmático e a rejeição.
Posteriormente, Kaplan confirmou os achados de Altman sobre a neurogêne-
se no hipocampo e no bulbo olfatório (Kaplan & Bell, 1984; Kaplan & Hinds,
1977; Wang et al., 2012) obtendo o mesmo descrédito que seu predecessor
(Kaplan, 2001). Para os anos 80, a neurogênese foi observada em pássaros, e
se estabeleceu que várias espécies de pássaros conseguem cantar pela pre-
sença e integração de novos neurônios no Centro Vocal Superior (HVC, High
Vocal Center) (Goldman & Nottebohm, 1983; Kirn et al., 1991). Curiosamente,
dentro dos trabalhos de Nottebohm se destacam vários feitos junto a Alvarez-
buylla que descrevem com detalhe a anatomia e integração desses neurônios
novos em pássaros, o que também foi recebido com muito receio pelos cien-
tistas da época (Alvarez-Buylla & Nottebohm, 1988; Alvarez-Buylla, Theelen, &
Nottebohm, 1990; Alvarez‐buylla, Buskirk, & Nottebohm, 1987).

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Um dos fatores que mais influenciou a proliferação de evidências foi a desco-
berta e popularização do 5-bromo-2-deoxyuridine mas conhecido como BrdU
(Gratzner, 1982), um marcador de mitose exógeno. O BrdU consegue marcar a
divisão celular que acontece durante a sua incorporação com um nível de toxi-
cidade muito mais baixo que a Timidina, permitindo melhor identificação de
processos de neurogênese
Os anos 90 foram marcados pela redescoberta da RMS (Corotto et al., 1993), a
comprovação do potencial neurogênico das células precursoras da SVZ (Lois &
Alvarez-Buylla, 1994) e a demonstração de que existem células tronco no giro
denteado capazes de gerar células granulares funcionais (van Praag et al.,
2002), ideia sugerida por Altman (1963; 1965; 1969).
A maioria das pesquisas que sucederam foram confirmando as intuições que
tinham Altman e Kaplan sobre a neurogênese no cérebro, e o novo paradigma
de renovação celular foi abraçado (tardiamente) pela comunidade científica.
Porém, ainda não estava claro quais eram as funções dos novos neurônios em
mamíferos e vários grupos de pesquisa passaram a se dedicar à tarefa de des-
vendar tais funções.
Pensando em uma perspectiva funcional, a adição de novos neurônios pode-
ria ter diversas funções de acordo com o local onde acontece. A neurogênese
é uma forma particular de plasticidade porque afeta a estrutura cerebral ao
aumentar a quantidade de células nervosas, promovendo novos nós na rede
que podem mudar, não só em tamanho (quantidade de neurônios) e comple-
xidade (mais sinapses e dendritos), como também na qualidade de acopla-
mento neuronal (Kempermann, 2011).
Existe um consenso na literatura de que, em mamíferos, as regiões do bulbo
olfatório, giro denteado (Hipocampo) e SVZ são neurogênicas, e que elas rece-
bem essa denominação devido à presença de células precursoras de um mi-
croambiente que promove a maturação (Batis, 2016; Kempermann, 2011).
Sendo o hipocampo uma estrutura vinculada à memória, diversos estudos
mostraram que os neurônio novos tem um papel fundamental na aquisição da
memória e não na evocação (Mouret et al., 2008; Opendak & Gould, 2015;
Vukovic et al., 2013). De fato, a crença de que “mais é melhor” se difundiu ra-
pidamente no campo da neurogênese pois existe uma consistente evidência
de que a diminuição da neurogênese diminui a capacidade cognitiva e aumen-
ta o comportamento do tipo ansioso (Jessberger et al., 2009; Ko et al., 2009).
Nesse sentido, pareceria lógico pensar que se a integração de novos neurô-
nios favorecia a formação de memórias, a maturação dos neurônios novos é

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vinculada à capacidade maior destas células em fazer conexões sinápticas
(Ambrogini et al., 2004; Toni et al., 2007, 2008; van Praag et al., 2002), e o es-
tabelecimento de conexões é o mecanismo básico da formação de memórias.
Recentemente, o grupo de Paul Frankland, realizou fortes críticas à posição
da comunidade científica pelo denominado Evangelismo Neurogênico, que
ignorava algumas evidências negativas da neurogênese sobre a cognição
(provenientes principalmente de animais com genes knockdown e knockout)
(Frankland, 2013). Além disso, este mesmo grupo propôs a hipótese que a
neurogênese causaria a amnésia infantil (Josselyn & Frankland, 2012). Posteri-
ormente, estudos com memórias associadas ao medo demonstraram que o
aumento da neurogênese após a consolidação da memória pode gerar perda
da memória de longo prazo (Akers et al., 2014), contrapondo novamente as
ideias da comunidade científica. Em resumo, esses estudos sugerem que o im-
pacto da neurogênese na cognição e nos comportamentos não é uma questão
unicamente de quantidade, mas também do momento em que ocorre.
Esses estudos, assim como outros tantos da última década, estão incorporan-
do os marcadores endógenos de neurogênese que proveem novas informa-
ções, sendo alguns dos mais importantes o Ki67(Ross, Hall, & PA, 1995),DCX
(Plümpe et al., 2006; Rao & Shetty, 2004), PSN-CAM, Calretinin, dentre outros
(Brandt et al., 2003). Esses mesmos marcadores, foram usados no grupo de
Alvarez-Buylla em um estudo post-mortem para mostrar que a neurogênese
hipocampal no humano adulto é mínima e portanto não seria equivalente ao
fenômeno observado em roedores (Sorrells et al., 2018). Embora o trabalho
não tenha contado com uma ampla divulgação da imprensa, ele contém vá-
rias particularidades metodológicas que podem ter influenciado na baixa de-
tecção dos novos neurônios.
Finalmente, poucos meses após acontecer o que parecia uma nova revolução,
um novo estudo mostra que a neurogênese em humanos adultos persiste no
hipocampo e que as mudanças com a idade são relativas a angiogênese e
neuroplasticidade (Boldrini et al., 2018). O conhecimento sobre neurogênese
volta sempre a questões básicas e renasce com novas perguntas.

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Psicóloga pela Universidad Bolivariana Pomtificia, Mestre em Neurociências


e Doutoranda em Fisiologia e Farmacologia na Universidade Federal de Mi-
nas Gerais. É membro do Colégio Colombiano de Psicólogos. Possui expe-
riência principalmente na área de avaliação clínica e neuropsicológica. Atu-
almente realiza pesquisa com memória, a partir das perspectivas da neurofi-
siologia e psicologia.

21
Somos essencialmente uma espécie social e provavelmente nenhum compo-
nente da nossa civilização seria possível sem comportamentos coletivos em
grande escala. Ao longo do processo evolutivo, fomos desenvolvendo habilida-
des que nos permitem fazer inferências sobre o que está acontecendo com ou-
tras pessoas – suas intenções, sentimentos, emoções e pensamentos. A esse
conjunto de processos pode-se atribuir o conceito de cognição social.
Elementar para a nossa cognição social é a aquisição, consolidação e eventual
evocação dos atributos de cada indivíduo. Em outras palavras, a identidade de
um indivíduo é dada pelo conjunto de características que este possui como sua
aparência, seu cheiro, sua voz e suas formas. Consequentemente, identificamos
uns aos outros por meio de informações sensoriais provindas dos sistemas visu-
al, olfativo, auditivo e somatossensorial. Então, um traço de memória relativo
àquela pessoa que você acaba de conhecer será armazenado no seu cérebro,
juntamente com as informações do ambiente que estiverem presentes naquele
momento.
Em nossa espécie, a identificação de uns aos outros vai além do simples arsenal
sensorial que cada um carrega consigo. Fazemos associações das pessoas com o
contexto onde a conhecemos. Repetidos encontros com uma mesma pessoa
passam a recrutar nossas emoções. Estabelecemos laços afetivos, positivos ou
negativos, com algumas pessoas. A vinculação intelectual é outro fator que
molda o constructo de uma pessoa nas suas memórias. De fato, as relações so-
ciais são tão essenciais ao nosso cotidiano que podem ser dramaticamente im-
pactadas, ou até mesmo serem as genitoras de vários distúrbios neuropsiquiá-
tricos. Portanto, é imperativo que os correlatos neurais subjacentes à cognição
social sejam desvendados.
Somos uma espécie social, mas estamos longe de ser os únicos. Vários de nos-
sos companheiros mamíferos desfrutam da companhia de coespecíficos para
caçar e se proteger de predadores. Em contrapartida, interagem, também, ao
disputarem pelo mesmo território ou pela mesma fêmea. Independente de ser
uma interação social amigável, reconhecer uns aos outros é essencial para to-
mar a decisão apropriada de interagir ou não.
Em nosso laboratório, temos nos dedicado a compreender de que forma o cé-

22
rebro codifica, processa e armazena memórias relacionadas a um indivíduo.
Para tal, usamos camundongos como modelo animal e o paradigma de reco-
nhecimento social.
O paradigma de reconhecimento social baseia-se na premissa de que camun-
dongos investigam e interagem mais com indivíduos desconhecidos. Três dife-
rentes protocolos comportamentais podem ser usados para aferir a memória
social. No primeiro deles, denominado reconhecimento social, um animal
adulto é exposto a um animal juvenil por 5 minutos, o que chamamos de ses-
são de treino. Medimos o tempo de investigação social, que compreende a in-
vestigação olfativa do juvenil, por parte do animal adulto. Num segundo mo-
mento, denominado de sessão de teste, que pode variar de horas a dias, o
mesmo juvenil é reapresentado. Medimos, novamente, o tempo de investiga-
ção. Espera-se que esse tempo diminua estatisticamente no caso de o animal
adulto lembrar-se do juvenil.
No segundo protocolo, um mesmo juvenil é apresentado ao adulto durante 2
minutos, por 4 vezes, sendo estas sessões intercaladas por 15 minutos sem in-
teração. Espera-se que o tempo de exploração diminua com as apresentações,
indicando a habituação. Na quinta sessão apresenta-se um juvenil novo, e en-
tão espera-se que o tempo de investigação aumente, indicando que a memó-
ria formada foi relativa apenas ao juvenil 1 e não ao evento como um todo.
Por fim, no protocolo de discriminação social, a sessão de treino é semelhante
à de reconhecimento social. Porém na sessão de teste, são apresentados dois
juvenis, um familiar e outro desconhecido. Espera-se que o animal adulto in-
vestigue mais o animal desconhecido, indicando que formou a memória relati-
va ao indivíduo familiar.
Os três paradigmas de memória de reconhecimento social são bem estabeleci-
dos na literatura e a combinação deles com manipulações farmacológicas, ele-
trofisiológicas, bioquímicas e moleculares têm nos permitido investigar as ba-
ses neurais deste tipo de memória. Em nosso laboratório, utilizamos o primei-
ro protocolo.
Dentro dos critérios de classificação das memórias, a memória de reconheci-
mento social encaixa-se no tipo explícita, ou o equivalente à declarativa episó-
dica de humanos. Neste caso, trata-se de uma memória dependente de lobo
temporal, mais especificamente do hipocampo. Além disso, como camundon-
gos utilizam-se essencialmente de seu sistema olfativo para detectar coespecí-
ficos, o bulbo olfatório é outro forte candidato à substrato neural da memória
de reconhecimento social. Em nosso laboratório, temos focado nossos estudos
nestas duas regiões: hipocampo e bulbo olfatório.

23
Uma das abordagens mais clássicas para o estudo de memórias no domínio da
neurofisiologia é a utilização de inibidores de síntese proteica. Isso porque para
que novas memórias sejam consolidadas são necessárias novas proteínas para
que as alterações plásticas, especialmente nas sinapses, ocorram. Administra-
mos anisomicina (inibidor de síntese proteica) no hipocampo ou bulbo olfató-
rio de camundongos adultos em diferentes tempos após o treino na tarefa de
reconhecimento social. Identificamos que alterações plásticas dependentes de
novas proteínas são necessárias no bulbo olfatório e hipocampo para que a
memória de reconhecimento social dure por 24h. Entretanto, a dinâmica tem-
poral entre as áreas difere, sendo a síntese proteica necessária no bulbo olfató-
rio imediatamente e 6h após o treino, enquanto no hipocampo o pico de 3h
após o treino foi o mais importante. A partir deste resultado, levantamos a hi-
pótese de que a plasticidade do bulbo olfatório estaria impactando na plastici-
dade do hipocampo, e vice-versa. Para investigar essa possibilidade, a melhor
ferramenta é a eletrofisiologia que confere uma resolução temporal muito me-
lhor do que os ensaios farmacológicos.
Registramos o potencial de campo no bulbo olfatório e hipocampo durante o
treino e teste na tarefa de reconhecimento social. Observamos que há o recru-
tamento do bulbo olfatório durante o treino, porém o hipocampo passa a ser
recrutado durante o teste de memória. De maneira interessante, o acoplamen-
to entre estas estruturas parece ser essencial para a evocação da memória so-
cial já que animais isolados socialmente apresentaram uma diminuição deste
acoplamento e um déficit neste tipo de memória. Em outras palavras, para que
a memória relativa a um juvenil seja acessada, a comunicação sincronizada en-
tre o bulbo olfatório e o hipocampo deve ocorrer.
Num outro estudo, quantificamos o número de neurônios positivos para c-Fos,
cuja expressão é desencadeada pela ativação neuronal. Neste caso, observa-
mos que o treino na tarefa de reconhecimento social não muda a expressão de
c-Fos no bulbo olfatório ou no hipocampo. Porém, após a sessão de teste veri-
ficamos um aumento da expressão de c-Fos no hipocampo e uma diminuição
no bulbo olfatório. Então, mais uma vez, nossos dados mostram a participação
do bulbo olfatório e do hipocampo no processamento da memória de reconhe-
cimento social.
O glutamato é um dos principais neurotransmissores no sistema nervoso cen-
tral. Ou seja, vários neurônios usam o glutamato para comunicarem-se por
meio de sinapses excitatórias. Sabe-se que a sinalização glutamatérgica hipo-
campal é essencial para a formação de novas memórias. Investigamos, então,
se essa sinalização seria importante para a consolidação da memória de reco-
nhecimento social. Para tal, administramos antagonistas de receptores de glu-

24
tamato no hipocampo de camundongos, logo após o treino na tarefa de reco-
nhecimento social. Neste caso, essas drogas impedem que o glutamato libera-
do no treino exerça sua função de sinalizador. Se a memória formada depende
desta sinalização, a presença do antagonista irá prejudicar esta memória e no
dia seguinte o animal adulto irá investigar o juvenil pela mesma quantidade de
tempo que fez durante o treino, o que nos faz inferir que houve um prejuízo
de memória social. E foi o que aconteceu quando bloqueamos especificamen-
te os receptores do tipo AMPA. Em contrapartida, nenhum efeito foi observa-
do no bulbo olfatório, sugerindo que a sinalização glutamatérgica é essencial
para a formação da memória social no hipocampo, mas não no bulbo olfató-
rio.
Em conjunto, estes resultados nos indicam que durante a formação da memó-
ria de longa duração, ambos bulbo olfatório e hipocampo passam por altera-
ções plásticas (síntese proteica, ativação de receptores glutamatérgicos do ti-
po AMPA) que no momento da evocação desta memória são essenciais para
estabelecer a comunicação entre estas áreas (acoplamento observado pela
eletrofisiologia).
Muitas perguntas ainda precisam ser respondidas para que possamos expan-
dir o nosso conhecimento sobre as bases neurobiológicas da memória social
em camundongos. Nossa contribuição até o momento é de que o bulbo olfató-
rio não é um mero codificador dos odores e sim uma estrutura que sofre alte-
rações plásticas durante o processo de formação destas memórias.
Adicionalmente aos experimentos realizados com animais agrupados, o uso de
animais isolados tem nos ajudado a compreender como o cérebro codifica e
armazena memórias de reconhecimento social. Manter animais adultos isola-
dos, ou seja, sem contato físico com outros animais, durante apenas 1 semana
é suficiente para que eles não apresentem memória social de longa duração
(24h), apenas a de curta-duração (30min a 1h). Acompanhado deste déficit de
memória está a presença de comportamentos relacionados à depressão e an-
siedade, atrofia do bulbo olfatório e diminuição da produção de serotonina no
hipocampo. De maneira interessante, se estes animais ficam isolados, porém
em ambiente enriquecido com odores ou estímulos somatossensoriais, tanto
o déficit de memória, quanto os comportamentos emocionais voltam a ficar
semelhantes aos animais que não foram isolados. Além disso, o efeito benéfi-
co do ambiente enriquecido tem se mostrado dependente de neurogênese. A
neurogênese compreende a capacidade de formação de novos neurônios em
um cérebro maduro. Em conjunto, estes resultados mostram que o ambiente
onde o animal está inserido impacta na capacidade de armazenar memórias
sociais.

25
Por fim, nosso grupo de pesquisa tem investigado os mecanismos envolvidos
nos efeitos que novos neurônios hipocampais exercem sobre a persistência da
memória social. Observamos que não se trata de quantidade e sim de maturi-
dade. Em outras palavras, existe uma correlação positiva entre o número de
novos neurônios que apresentam uma morfologia mais próxima de neurônios
maduros e a duração da memória social.
Mas afinal o que estes achados todos representam em termos concre-
tos? Qual o impacto em seres humanos de estudos com animais de laborató-
rio?
A visão macroscópica de análise dos processos cognitivos sociais tem sido ca-
da vez mais complementada pela perspectiva microscópica das neurociências,
que têm detectado e desvendado o funcionamento de substratos neurais sub-
jacentes à cognição social. Apresentado muitas vezes como um paradoxo, as
visões macro e micro da cognição social na verdade se complementam, já que
a compreensão do indivíduo nos ajuda a interpretar o seu comportamento
num contexto social mais amplo e complexo.
Interessantemente, muito do nosso comportamento social emerge de meca-
nismos neurobiológicos e psicológicos compartilhados com outras espécies de
mamíferos. De fato, a perspectiva evolutiva comparada tem auxiliado no en-
tendimento das bases biológicas de comportamentos sociais como empatia,
altruísmo, pró-sociabilidade, entre outros. Portanto, acreditamos que a pro-
dução de conhecimento na ciência básica serve de norteador para que a con-
dução do raciocínio na ciência aplicada seja baseada em evidências.

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Graduada em Ciências Biológicas pela PUCRS. Mestre e Doutora em


Bioquímica pela UFRGS. É pós-doutora pela Farmacologia Bioquímica
e Molecular da UFMG; pelo Centre for the Cellular Basis of Behaviour,
Neuroscience Department, Institute of Psychiatry, Kings College Lon-
don; e pelo Picower Institute for Learning and Memory do Massachu-
setts Institute of Technology (MIT). Atualmente é pesquisadora do
Núcleo de Neurociências da UFMG. Desenvolve pesquisas que investi-
gam as bases neurofisiológicas e moleculares da memória em camun-
dongos, e pesquisas sobre a memória e o aprendizado em escolas.

28
Memória é um constructo cognitivo que envolve várias áreas do conhecimento
em seu estudo e definição. Tendo isto em vista, os convidados escolhidos para
abordá-la são psicólogos e professores do curso de psicologia que atuam por
vertentes diferentes: a neuropsicóloga Mônica Vieira, o analista do comporta-
mento Pedro Sampaio e o terapeuta cognitivo-comportamental Ronaldo Santhi-
ago.

Questões para a professora Mônica Vieira:


1. Professora, tendo em vista que não são os testes neuropsicológicos que de-
finem a neuropsicologia, mas o raciocínio por trás destes e todo o processo de
avaliação, quais são os limites da avaliação neuropsicológica quando o cons-
tructo avaliado é a memória?
A neuropsicologia é limitada, por exemplo, para desenvolver instrumentos para
mensurar a codificação. Quando encontramos comprometimentos não é sem-
pre possível especificar se ocorreram na fase de codificação, armazenamento
ou recuperação. Além disso, faltam instrumentos para avaliar pacientes que
apresentam limitações sensoriais como baixa acuidade auditiva e visual simultâ-
neas. Outra limitação específica do contexto brasileiro é que ainda não constru-
ímos ou validamos e adaptamos instrumentos para acessar todos os compo-
nentes de memória. Um exemplo é o Teste Cubos de Corsi, que é considerado
um instrumento padrão-ouro para avaliar a memória operacional visioespacial,
mas não está validado e adaptado para todas as faixas etárias. A neuropsicolo-
gia é uma área interdisciplinar que integra conhecimentos de várias outras e os
instrumentos são desenvolvidos a partir de necessidades de acesso, principal-
mente para finalidades diagnósticas. No entanto a avaliação neuropsicológica é
limitada e pode ser considerada um exame complementar, principalmente em
casos em que o diagnóstico diferencial depende de variáveis que não são cogni-
tivas como biomarcadores.

29
2. Quais são as limitações da neuropsicologia quando o assunto é a reabilita-
ção neuropsicológica em memória?
A reabilitação neuropsicológica visa recuperar habilidades cognitivas compro-
metidas ou adaptar o paciente a comprometimentos permanentes visando in-
dependência funcional e o alcance da melhor qualidade de vida possível. No
entanto, a reabilitação hoje é limitada em relação a técnicas que proporcio-
nem, por exemplo, estimulação cognitiva ecológica, ou seja, conectada à reali-
dade dos pacientes. Além disso, os estudos sobre reabilitação indicam que os
pacientes generalizam pouco as atividades trabalhadas no contexto clínico pa-
ra a vida real. Quando são trabalhadas, por exemplo, atividades de memória
operacional em contexto clínico com os pacientes, estes melhoram o desem-
penho em testes neuropsicológicos, mas os ganhos não são observados na ro-
tina diária. Quanto mais direcionada para os comprometimentos específicos
do paciente e para a sua realidade maior será a eficácia de um processo de re-
abilitação. E quanto maior o envolvimento de familiares também.

3. Quando falamos em psicologia, é recorrente identificar um grande desen-


volvimento no que diz respeito a psicoterapias de tratamento de psicopatolo-
gias e estudos de auxílio para o trabalho com pessoas que estão fora do de-
senvolvimento normal ou passam por algum tipo de sofrimento psicológico
ou dificuldade no âmbito intersocial. Tendo isso em vista, um movimento
dentro da psicologia que buscou um trabalho complementar foi o da psicolo-
gia positiva, com ações para pessoas saudáveis, visando um melhor desen-
volvimento e alcance de potencialidades. A neuropsicologia também traba-
lha com esse enfoque, como por exemplo, com aprimoramento da habilidade
de memorização em pessoas que se desenvolveram normalmente e estão
dentro do padrão esperado de desempenho em memória?
Sim. As intervenções cognitivas consistem em técnicas que visam estimular, ha-
bilitar ou reabilitar déficits em processos cognitivos e comportamentais. En-
quanto a habilitação consiste em estimular o desenvolvimento de uma função
que não se desenvolveu de forma satisfatória, a reabilitação visa recuperar
processos que, anteriormente funcionais, tornaram-se deficitários. A estimula-
ção, por sua vez, abrange técnicas que visam aprimorar funções já desenvolvi-
das ou prevenir seu declínio. Existe uma crescente demanda por melhora do
próprio desempenho para a inserção e manutenção no mercado de trabalho.
Além disso, as pessoas querem aprimorar a eficiência cognitiva ao longo do en-
velhecimento porque permanecem em atividades profissionais por mais anos

30
do que em outras épocas. Existem instrumentos computadorizados para a esti-
mulação cognitiva e também planos de estimulação individuais que são cons-
truídos de acordo com as demandas e capacidades de cada indivíduo por um
profissional qualificado.

4. Sabe-se que, no Brasil, há escassez de testes padrão ouro para cada com-
ponente cognitivo e também de normatização com populações clínicas. Por
que a neuropsicologia, que é uma das áreas que mais se desenvolve nas neu-
rociências, ainda apresenta esta dificuldade em produção de instrumentos
padrão ouro? Como essas dificuldades afetam o processo de avaliação e rea-
bilitação neuropsicológicas no tratamento da memória?
A dificuldade maior não é para construir instrumentos, mas para adaptar, vali-
dar e normatizar para a população brasileira. Isto porque o país tem dimen-
sões continentais e por isso os custos e a logística para estes processos se tor-
nam muito altos.

5. Ainda sobre testes, a neuropsicologia tem tido muitos estudos e esforços


para a informatização de testes neuropsicológicos. Já existe um consenso so-
bre o quão eficaz é o uso de testes neuropsicológico informatizados ao invés
dos clássicos em caneta e papel? Já existem testes informatizados ou em pro-
cesso de informatização que são úteis para avaliação da memória?
A população brasileira possui algumas especificidades que fazem com que os
instrumentos de lápis e papel ou com estímulos físicos sejam mais eficazes. Al-
gumas destas são a exclusão digital e baixa escolarização formal. A população
idosa, por exemplo, é predominantemente de baixa escolaridade e não teve
contato com computadores durante a vida. Isso dificulta a compreensão e exe-
cução de testes computadorizados. No entanto, estes se mostram boas opções
para a avaliação de crianças, adolescentes e adultos em localidades onde o
acesso à tecnologia é difundido. Existem diversos testes computadorizados pa-
ra a avaliação de memória como a versão computadorizada do Teste de Cubos
de Corsi, baterias que incluem a evocação de listas de palavras como o Cogsta-
te, no entanto nenhum está adaptado, validado e normatizado para toda a po-
pulação brasileira.

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6. O estudo da memória é interdisciplinar. Sendo assim, de que forma um neu-
ropsicólogo pode contribuir para o desenvolvimento dos estudos em memória
com populações em geral?
Para a neuropsicologia, a memória é uma capacidade que envolve a codificação,
armazenamento e recuperação de informações. Consideramos como um domí-
nio cognitivo com diversos componentes como, por exemplo, memória episódi-
ca, semântica e procedural. Estes são construtos baseados nos resultados das
pesquisas científicas mais recentes e de diferentes áreas como a neurociência e
psicologia. Através dos instrumentos neuropsicológicos mensuramos a capacida-
de cognitiva dos pacientes com o objetivo de avaliar se está dentro daquela es-
perada para a sua idade e escolaridade, que são medidas objetivas de compara-
ção com a população geral. Considerando a relação entre estas capacidades, o
contexto psicossocial, de saúde e de funcionalidade dos pacientes, os resultados
das avaliações contribuem para o diagnóstico diferencial de condições como as
demências.

7. Um termo muito popularizado proveniente da psicologia é o de Inconscien-


te, comumente apontado como um registro de informações da vida que não
pode ser acessado por espontânea vontade. Como a neuropsicologia compre-
ende o inconsciente e como ele se relaciona com os atuais conceitos de memó-
ria?
Para a neuropsicologia não existe um construto análogo ao inconsciente. Este
construto funciona em outras vertentes epistemológicas da psicologia como a
Psicanálise. Apesar disso, considerando sua pergunta, temos conteúdos de me-
mória que não são acessados conscientemente como as memórias procedurais e
memórias emocionais. Estas memórias são classificadas como implícitas e há evi-
dências de que são consolidadas em fases diferentes do sono quando compara-
das às memórias explícitas ou acessadas conscientemente.

Questões para o professor Ronaldo Santhiago:


1- Como a neuropsicologia, a psicologia cognitiva e a terapia cognitiva podem
trabalhar de maneira colaborativa?
Se o terapeuta entende através da psicologia cognitiva qual é o processo para ter
memória, se eu identifico com a neuropsicologia se esse sujeito tem prejuízo na
memória ou não, se é uma memória “adoecida” ou não, posso limpar um erro

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de muitos terapeutas cognitivos que é pensar que tudo é distorção, tudo é falha,
tudo é erro de percepção. Pode ser um problema de consolidação de memória,
por exemplo. A psicologia cognitiva e a neuropsicologia podem contribuir para a
terapia cognitiva neste sentido.
A terapia cognitiva pode ajudar muito porque se preocupa em como o sujeito
representa a sua realidade. Às vezes o neuropsicólogo tem uma habilidade fan-
tástica para perceber disfunções, fazer reabilitação, mas se também tiver o co-
nhecimento da terapia cognitiva da construção individual, da percepção indivi-
dual, do quanto o processamento de informação pode ter um viés da psicopato-
logia, terei um sujeito mais apto a pensar em reabilitação. Não vou ter uma rea-
bilitação só de processo, mas também de conteúdo. Vamos pensar em demên-
cia.O quanto uma pessoa pode se sentir quando começa a se esquecer das coi-
sas: “ O que isso diz sobre mim?”; “O que os outros vão pensar sobre mim?”;
“Qual perspectiva eu tenho daqui para frente?”. Se ele puder trabalhar além des-
te processo de avaliação, também estes conteúdos cognitivos do sujeito, seria
fantástico.

2- Como o terapeuta cognitivo trabalha com a memória no ambiente terapêuti-


co? Qual é a importância deste constructo para o processo terapêutico?
Vamos pensar em crença. A minha crença tem uma memória de longo prazo en-
volvida. Se crença é uma construção, uma verdade absoluta e rígida que eu te-
nho ao longo da vida e é super generalizada a vários contextos, isso vai ter uma
atribuição da memória, porque para eu lembrar de uma experiência infantil de
abandono, vou precisar de memória para consolidar esta crença. Vamos pensar
em fobia, quando a gente fala de atenção, eu direciono meu foco atencional, se-
leciono, codifico, armazeno para depois recuperar essa memória relacionada a
fobia. Formando-se as crenças. Na depressão, por exemplo, você só vai recupe-
rar aquilo que é pertinente a sua tríade, a sua crença. Se eu tenho uma visão ne-
gativa sobre mim, vou recuperar memórias negativas sobre mim. O sujeito tam-
bém vai ter memórias enviesadas, porque meu foco atencional vai estar voltado
para o negativo, logo, faço codificação de memórias negativas, as outras não me
interessam.

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3- Sabemos que a Terapia Comportamental Cognitiva (TCC) trabalha com as
emoções, o pensamento e a cognição. Neste processo, podemos afirmar que a
memória contribui na mudança do paciente? Como o terapeuta pode utilizar o
conteúdo da memória trazido pelo paciente para a melhora ou atenuação dos
sintomas que este possa apresentar?
Na terapia cognitiva trabalhamos com potencialidades. Se a gente conseguir tra-
zer memórias positivas para ressignificar situações que são negativas, que seria a
ideia da reestruturação, a gente consegue, enquanto terapeuta cognitivo, que
esse sujeito tenha uma qualidade de vida e tenha memórias mais saudáveis. A
ideia não é desconstruir aquilo que aconteceu com você, é ressignificar, é rees-
truturar aquilo que aconteceu com você.

4- É importante que o terapeuta cognitivo tenha o entendimento dos diferen-


tes tipos de memória?
Na prática do processo terapêutico, não. Porque você vai trabalhar com aquilo
que o sujeito te traz, aquilo que o sujeito lembra, aquilo que ele coloca ali para
você. É importante entender a função da memória de trabalho,da memória de
curto prazo e da de longo prazo? É, mas isso está mais no nível acadêmico cientí-
fico do que no ambiente clínico. A gente quer saber como esse sujeito percebe
suas memórias de longo prazo, como ele percebe o cuidado da mãe, por exem-
plo. Não estou preocupado se ele tem memória para executar uma tarefa.

5- Existe diferença do entendimento de memória entre a terapia cognitiva e a


psicologia cognitiva?
Existe uma maneira diferente de manejar. Meu interesse enquanto terapeuta
cognitivo é entender que memória é essa, se é adaptativa, desadaptativa, funcio-
nal ou disfuncional para a vida deste sujeito. A terapia cognitiva está preocupada
com o conteúdo da memória. Enquanto psicólogo cognitivo estou preocupado
com o funcionamento dessa memória: com o quanto eu codifico, armazeno, re-
cupero (mais preocupado com o processo do que com o conteúdo).

6- Sendo assim, pode-se afirmar que a neuropsicologia está mais ligada à psico-
logia cognitiva do que com a terapia cognitiva?
Totalmente. Não vejo tanta diferença entre o Sternberg e a neuropsicologia. Tal-

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vez tenha na questão de instrumentos e reabilitação. Porque a psicologia cogniti-
va vai querer saber o caminho. Sternberg em seu livro preocupa-se em como a
memória acontece, como é construída. A neuropsicologia, ao meu ver, quer
identificar essa memória e reabilitar caso encontre algum problema em seu fun-
cionamento que esteja trazendo prejuízo à funcionalidade do sujeito. Diferente
da neuropsicologia, a terapia cognitiva quer saber que conteúdo é esse: “O que
você pensa? O que você sente quando lembra disso?”. A terapia cognitiva se in-
teressa pela percepção do sujeito sobre sua memória.

7- Existe algum ponto relevante que você acha que deveríamos ter abordado?
É legal a gente pensar o quanto não é uma coisa excludente. O quanto tem neu-
ropsicólogo que utiliza a TCC para tratamento. “Faço a avaliação e reabilitação
neuropsicológica, mas na clínica eu faço TCC”. Então, isso comprova o quanto a
gente está falando de coisas que acreditamos juntos, que comungamos da mes-
ma ideia. É legal também difundir a ideia que a TCC é uma terapia que deve ser
popularizada, não é uma terapia acadêmica. A terapia cognitiva sendo feita por
um neuropsicólogo, reforça a ideia do Beck de levar a terapia cognitiva para fora
e que isso possa ser feito para além da clínica, para além do consultório. Não fa-
lo sobre o neuropsicólogo não psicólogo fazer terapia com TCC, porque psicote-
rapia é restritiva ao psicólogo.

Questões para o professor Pedro Sampaio:


1. Professor, você poderia descrever brevemente o que é a vertente da psicolo-
gia denominada Análise Comportamental ou Behaviorismo?
Análise do Comportamento é o nome da ciência que estuda o comportamento
humano, sendo baseada em 3 áreas: Sua filosofia, denominada Behaviorismo
Radical com pressupostos embasados inicialmente por Skinner, mas já tendo re-
cebido muitas modificações; A área experimental (Análise Experimental do Com-
portamento) com pesquisas de base geralmente com sujeitos não humanos
(ratos, pombos, etc); e a Análise Comportamental Aplicada que pesquisa sobre a
aplicação dos achados em humanos, como o chamado método ABA – Análise do
Comportamento aplicada ao autismo.
A Análise do Comportamento entende que tudo que o ser humano faz pode ser
dividido em 3 níveis de seleção: Filogenético (características genéticas seleciona-
das na história da espécie), Ontogenético (história de vida individual) e Cultural.

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2. O Neuropsicólogo pode ser um Analista do Comportamento? Se sim como o
neuropsicólogo analista do comportamento pode conversar de forma multidis-
ciplinar com outros neuropsicólogos que se utilizam da vertente cognitivista?
Sim! O neuropsicólogo pode ser embasado na Análise Comportamental tanto
voltado a estudos teóricos como em atuação prática. A neuropsicologia para um
analista do comportamento envolveria o estudo da parte fisiológica e compo-
nentes biológicos do sujeito, ou seja, o quê acontece fisiologicamente
(principalmente no cérebro) quando alguém está se comportando de determina-
da forma, e, também, o que é ainda mais relevante, quais variáveis (às vezes bio-
lógicas, e não da história de vida, nem do ambiente) que estão afetando esse
comportamento observado?
Existe uma dificuldade de comunicação entre o neuropsicólogo analista do com-
portamento e outros neuropsicólogos que não se utilizam dessa vertente e isso
se deve muito à incompreensão dos dois lados. Alguns analistas do comporta-
mento têm uma visão da neuropsicologia como estando profundamente equivo-
cada por utilizar uma linguagem que é entendida como um erro, por ser menta-
lista ou metafórica, mas em minha visão são uma minoria que minimizam as
contribuições da neuropsicologia por esta razão. Isso porque grande parte en-
tende que, apesar dessa linguagem, se produzem resultados de pesquisa interes-
santes e relevantes. Agora, da parte de neuropsicólogos cognitivistas para analis-
tas do comportamento acredito existir muita dificuldade no contato imediato,
porque o modo de pensar do analista do comportamento é contra-intuitivo, não
sendo tão simples de entender. Eu mesmo demorei um tempo para entender as
críticas da análise do comportamento, com argumentos que têm respostas que
parecem óbvias, mas que,na verdade, não estão certas. Por exemplo, uma pes-
soa me disse ser equivocado dizer que não existia memória (como geralmente é
conhecida pelas neurociências) uma vez que o hipocampo é responsável pela
memória. Essa seria uma resposta óbvia, porém esse conceito de memória tem
uma outra visão pela Análise do Comportamento e em uma discussão acaba sen-
do um pouco custoso levar o outro profissional ao exercício de observar por essa
ótica. Um segundo ponto está em que muitos cognitivistas têm uma visão da
Análise do Comportamento como se ela ignorasse a parte biológica e a neuro, o
que não é verdade, existindo inclusive aqueles que a reduzem a trabalhos com
ratos e condicionamento, o que também não é verdade.

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3. Você poderia falar um pouco da Análise Biocomportamental e como ela se
relaciona com as neurociências tal como a visão desta sobre constructos psico-
lógicos?
O termo biocomportamental ficou mais popularizado na Análise do Comporta-
mento ao ser proposto o estudo comportamental dos fenômenos neuropsicoló-
gicos no “boom” das neurociências na década de 90. Foi argumentado que era
possível estudar todos os fenômenos da neuropsicologia produzindo pesquisas
sem precisar das metáforas computacionais da neurociência e do cognitivismo
da época (armazenar, recuperar, input, output, etc). Os neurônios e redes neuro-
nais com suas sinapses são formados e modificados da mesma forma que o com-
portamento dos organismos, também funcionando por reforçamento, extinção e
outros conceitos comportamentais. Assim, mesmo a memória e seus modelos -
como memória de trabalho, de curto e longo prazo, entre outros - podem ser ex-
plicados com os conceitos comportamentais.

4. A Neuropsicologia tem tido um grande desenvolvimento científico quanto ao


entendimento da memória e sua definição através de pesquisas no Brasil e em
diversos países. Achados como o famoso caso HM e sua relação com a dissocia-
ção de memória de curto e longo prazo ou a Síndrome de Wernicke-Korsakoff e
a expressão de disfunções da memória em regiões específicas do sistema ner-
voso remetem em como modelos que descrevem a memória, como o modelo
de memória operacional de Baddeley, têm grande importância no norteamen-
to da avaliação neuropsicológica e de processos de tratamento. A Análise Bio-
comportamental utiliza algum modelo de entendimento da memória?
Todos esses estudos são considerados relevantes para nós, e nós não teremos
um modelo da mesma forma. Podemos até pegar os vários conceitos de memó-
ria existentes e fazer traduções do quê as pessoas parecem querer dizer com
eles. Mas não é necessário ter esse modelo, dessa forma, pois a memória e a
forma como os pesquisadores a definem, na verdade, se refere ao conjunto de
respostas de lembrar, como, por exemplo, uma dificuldade de memória de curto
prazo, na verdade, significa que a pessoa não consegue lembrar dos eventos que
ocorreram há pouco tempo, ou quando se fala de uma dificuldade na memória
de trabalho, na verdade, seria uma dificuldade de manter a resposta privada de
lembrar após o desaparecimento do estímulo discriminativo, e por aí vai. Tudo
que os neuropsicólogos estudam são ações. Quando eles vêem modelos fisioló-
gicos e dão nomes para o que está acontecendo em cada parte do cérebro ou o
quê afeta cada tipo de memória, eles estão mapeando a relação da fisiologia

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dessa parte específica do cérebro com esse tipo de resposta de lembrar ou qual-
quer comportamento, como a relação de determinados danos no cérebro que
afetam diferentes formas da linguagem sob a resposta do falar. Isso se mostra
possível inclusive em outras partes do corpo que não o cérebro, como analisar
como danos em determinados músculos da perna afetam certos movimentos de
uma bailarina e não outros, etc. Tendo essa analogia da bailarina como exemplo,
a neuropsicologia estaria mapeando como a lesão em determinados músculos
afetariam determinados comportamentos Logo, um avaliador físico conseguiria
entender e avaliar o que acontece com movimentos de uma bailarina sabendo
sua relação com cada lesão apresentada nos músculos, mesmo sem que houves-
se um mapeamento com modelos de nomenclatura para essas relações, e esse é
o entendimento da Análise do Comportamento.

5. Tanto a psicologia quanto a neuropsicologia têm uma linha de crescimento


na criação e adaptação de instrumentos de avaliação psicológica. Entendendo
a importância da testagem psicológica tanto na consolidação da psicologia co-
mo ciência, quanto como ferramenta de trabalho profissional, qual o motivo
de não existirem tantos testes com respaldo na Análise Comportamental ou
Biocomportamental?
A Análise do Comportamento entende que todos os testes psicológicos estão
medindo, categorizando e comparando comportamentos ou querendo avaliar o
repertório comportamental de alguém. Toda vez que alguém faz um teste, essa
pessoa está se comportando de alguma forma. Esse comportamento durante o
teste é medido e avaliado com uma média de comportamento padrão, quer seja
em um questionário, teste, etc. Nós conseguimos fazer isso sem precisar da tes-
tagem. Em alguns casos o teste é útil, economizando tempo na sessão, interven-
ção ou em outros momentos, mas em muitos casos ele não se mostra tão rele-
vante, porque como não estamos interessados na comparação do indivíduo com
a média, mas dele com ele mesmo, tendemos a abrir mão dos testes. Mesmo
que uma pessoa responda uma escala que avalia depressão, inteligência, memó-
ria ou outro constructo, o teste não me apresentará as experiências que ele teve
e que causaram o déficit em um destes, e é mais provável obter todas essas in-
formações em uma sessão interagindo com o paciente.

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6. Uma crítica recorrente à Análise Comportamental é a de que esta vertente,
em tese, seria reducionista, ou seja, avalia o ser humano somente a partir de
uma relação estímulo-resposta nos níveis filogenético, ontogenético e cultural.
As análises estruturais (Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnéti-
ca) e funcionais (PET ou Ressonância Magnética Funcional) do cérebro humano
reforçam como o desenvolvimento tecnológico de visualização do sistema ner-
voso central contribuem para o desenvolvimento da ciência tanto em questão
técnica quanto teórica. Sabendo que a capacidade de predizer disfunções do
sistema nervoso ainda no seu início por via destas tecnologias pode ser delimi-
tador do processo de reabilitação, tal como no bom desenvolvimento de uma
psicoterapia, a Análise Comportamental conseguiria intervir clinicamente com
eficiência sem o uso dessas tecnologias?
Existem limitações que nenhum psicólogo ou neuropsicólogo conseguiria fazer
muita coisa, mesmo com ou sem tecnologia. Logo, a necessidade do exame varia
de caso a caso. Por exemplo, em um caso de doença de Alzheimer é possível di-
minuir seu avanço ou fazer a pessoa lembrar por mais tempo com uma série de
treinos comportamentais, mas não evitá-lo ou curá-lo. Agora, supondo que eu
não tivesse nenhum exame de visualização de imagem que me mostrasse a do-
ença de Alzheimer no paciente, ainda assim eu observaria uma pessoa que está
tendo dificuldade de lembrar e que isso está aumentando gradualmente, ofere-
cendo o mesmo tipo de procedimento de intervenção, não fazendo diferença es-
se tipo de exame ou não. Em um caso que atendi, precisei mudar o procedimen-
to porque só houve a descoberta do diagnóstico, que não foi obtida pelos médi-
cos ou exames neurológicos, por análise funcional. Observei que o aversivo esta-
va aumentando a frequência do comportamento do paciente, o que é muito pe-
culiar (um estímulo aversivo ser reforçador), e pesquisando sobre isso eu vi que
existia uma síndrome que era compatível com o que ele apresentava, sendo uma
síndrome genética que é descoberta apenas com exame genético. Após isso, o
paciente fez o exame e foi comprovado que realmente era esta síndrome, que
não poderia ser observada por avaliação neuropsicológica ou neurológica.
O avanço dessas tecnologias de visualização do sistema nervoso central não fize-
ram tanta coisa por essas pessoas. Embora haja essa impressão, existem artigos
que apresentam hoje a existência de um acúmulo de conhecimento em detri-
mento do progresso no tratamento. O progresso no tratamento em grande parte
se dá no tratamento comportamental, como na doença de Alzheimer, no autis-

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mo, entre outros. Inclusive, por mais que seja utilizada uma linguagem neuroci-
entífica, a reabilitação neuropsicológica é comportamental, como por exemplo,
as técnicas de reforçamento diferencial, ensino sem erro, ensino por tentativas
discretas, equivalência de estímulo, treino simbólico, e por aí vai. Assim, entendo
que esse avanço das tecnologias de visualização do sistema nervoso central, que
possibilitam perceber lesões ou alterações, não acompanham o avanço do pro-
cesso de tratamento que é supostamente apresentado como fruto dessas tecno-
logias, por isso tenho minhas dúvidas se esse avanço por estas tecnologias ocor-
re como é apresentando normalmente.
7. Como o Neuropsicólogo pode usufruir da Análise Biocomportamental em
sua profissão, como pesquisador ou voltado à avaliação e tratamento? Existem
Analistas do Comportamento brasileiros que atuam nessas áreas?
Existem 3 contribuição principais da análise comportamental, tanto para psicólo-
gos quanto para não psicólogos.
1º - Contribuição na Linguagem - Mudar a compreensão do fenômeno com uma
“enxugada” conceitual, ajuda muito no avanço da compreensão do próprio fenô-
meno. A neuro tem há muito tempo utilizado de metáforas, e as vezes acaba
sendo confundida a metáfora com a coisa em si, mesmo em pesquisas com da-
dos muito interessantes. Uma exemplo seria explicar a causa de um determina-
do comportamento como sendo um “mecanismo neurológico de detecção de
agentes”, que na verdade é algo que não existe.
2º - Contribuição com uma intervenção feita de maneira mais precisa – embora
grande parte da intervenção neuropsicológica seja comportamental ou inspirada
em elementos da análise do comportamento, vejo a neuro com uma formação
deficiente nisso, vendo muito pouco sobre essas intervenções em especializa-
ções, mestrados ou doutorados, e como apenas o básico é aprendido, uma difi-
culdade de aplicar essa intervenção em diversos pontos surge. Se neuropsicólo-
gos estudassem o que é análise do comportamento, como ela pensa, como che-
gou-se às atuais técnicas, como utilizá-la, os milhões de pesquisas que temos se
tornariam mais eficientes.
3º - Por fim, Avaliação Funcional do Comportamento - a compreensão de que
aquilo que o sujeito faz acontece em determinada situação, e é necessário um
contexto/um estímulo para que o comportamento aconteça, além de que esta
ação é modificada por suas conseqüências. Isso ajuda demais a compreender o

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problema, avançando muito no diagnóstico, na intervenção e todo tipo de avalia-
ção a ser feita. A Avaliação Funcional dificilmente ou nunca aparece em testes
psicológicos. Posso citar alguns analistas do comportamento brasileiros que são
neuropsicólogos, como: Daniel Foschetti Gontijo – doutorando em neurociências
pela UFMG, Diego Zilios Alves - doutor em Psicologia Experimental pela USP,
Gustavo Teixeira - mestre em Psicologia Experimental pela PUC-SP, Riviane
Borghesi Bravo – doutoranda em educação pela UFMG, Maria Teresa Araújo –
pós-doutora em Psicologia Experimental em Harvard, entre outros espalhados
pelo país.
Participações especiais: Msc. Mônica Vieira, Msc. Pedro Sampaio e douto-
rando Ronaldo Santhiago.
Entrevistadores: Alexandre Marcelino e Roberta Garcia

É psicóloga, mestre e doutoranda em Medicina Molecular pela UFMG. É


professora da pós-graduação do Grupo Santa Casa BH e do curso de gra-
duação em Psicologia no Instituto de Ensino Superior de Manhuaçu. Atua
como neuropsicóloga e pesquisadora em equipes multidisciplinares de aten-
dimento à saúde do idoso no Instituto Jenny de Andrade Faria, no Hospital
das Clínicas da UFMG.

Doutorando em Psicologia: Cognição e Comportamento pela Universidade


Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Psicologia do Desenvolvimen-
to Humano pela UFMG, especialista em Gestão em Saúde pela Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e em Docência do Ensino Superior pela Faculda-
de Mantenense dos Vales Gerais (INTERVALE). Formação clínica em Psi-
coterapia Cognitivo-Comportamental pelo Instituto WP. Atuou como Psicólo-
go pelo Ministério da Saúde (MS) e atualmente é professor e orientador de
estágios do curso de psicologia.

Pedro Sampaio é psicólogo, graduado pela PUC-MG, especialista em Análi-


se do Comportamento Aplicada pela Newton Paiva, mestre em Psicologia
pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Atua como psicoterapeuta comportamental e professor de Análise do Com-
portamento na graduação da Faculdade do Futuro e pós-graduação da
Newton Paiva.

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