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A EXPRESSIVIDADE EM AULAS PARA O ENSINO MÉDIO E SUPERIOR

Paulo de Tarso Galembeck (Doutor) (UEL)

0. Preliminares

Na língua falada, o expressivo e o subjetivo procedem o verbal e o cognitivo.


Com efeito, essa modalidade de realização lingüística não se limita a expressar um dado
conteúdo referencial, mas nela e por meio dela se estabelecem as relações entre os
participantes.
Por isso mesmo, em qualquer trabalho a respeito de língua falada deve-se levar
em conta que a expressividade e a subjetividade constituem um componente intrínseco a
ela, um ingrediente de sua própria natureza. O que foi dito aplica-se tanto à linguagem
tensa (utilizada em situações formais, com controles dos meios expressivos), como à
linguagem espontânea e coloquial.
Com base nas considerações acima, este trabalho visa a apresentar os elementos
expressivos utilizados em aulas e bem assim, discutir o papel dos referidos elementos no
estabelecimento e manutenção das relações interpessoais.
O córpus do trabalho é constituído por gravações de aulas para o ensino médio e
superior, publicadas em Castilho e Preti (1986).

1. Expressividade

A expressividade tem sido o objeto de estudo de vários autores, alguns dos quais
serão citados na seqüência desta exposição. Genericamente a expressividade insere-se
no campo da Estilística, motivo pela qual Martins (1989) atribui à sua Introdução à
Estilística o subtítulo A Expressividade em Língua Portuguesa. Essa mesma filiação,
aliás, já fora enunciada por outros estudiosos (Bally, 1967; Câmara, 1972; Criado de
Val, 1980).
Bally (op. cit., p. 117) associa expressividade à emoção: segundo o citado autor
será expressivo todo fato de linguagem associado à emoção. Essa mesma formulação
genérica é retomada por Câmara (op. cit., p. 136), para quem as manifestações
expressivas não são de fundo intelectivo, mas emocional. Monteiro (1987:22), ao
discutir “emotividade e expressividade”, enuncia que a característica fundamental da
expressividade reside na ênfase, na força de persuadir ou transmitir os conteúdos
desejados, na capacidade apelativa, no poder de gerar elementos evocatórios ou
conotações. Desse modo, pode-se admitir que a expressividade está ligada ao
componente interpessoal ou interacional da linguagem, pois ela vincula-se à capacidade
de os produtores manifestarem emoções e enfatizarem o que está sendo enunciado, para
despertarem nos parceiros sentimentos análogos.
Cabe reconhecer, ademais, que a expressividade dificilmente tem autonomia com
respeito a finalidade básica da língua: promover o intercâmbio e a interação entre os
seres humanos.
Conquanto centrada na interação, a expressividade coexiste com a função
representativa e, com freqüência, a reforça. Além disso, a linguagem expressiva utiliza
recursos de natureza variada (léxico-gramaticais, prosódias, gestuais), mas esses
elementos tendem a ser padronizados e centralmente definidos.
Essa padronização, porém, deve ser considerada de forma bastante relativa, como
lembra Sapir (1969: 63-78), a expressividade também se manifesta no nível individual.
Essa mesma idéia é partilhada por Cunha (s/d: 14), para quem a realização da fala
associa-se à originalidade expressiva dos locutores. Já para Câmara (op. cit.) a língua
absorve uma carga afetiva que perpassa os seus elementos e as transfigura:

O adjetivo belo, por exemplo, tem uma significação intelectiva e encerra um


julgamento acerca do ser a que é aplicado; traduz uma determinada
representação desse ser (um bosque, digamos), distinta da que transmitiria
denso, ou grande, ou verde. Até aí, estamos na língua em senso estrito; mas
dela transborda ato lingüístico, que é a enunciação do termo em dadas
circunstâncias, porque nele se revela o entusiasmo de quem assim nos fala
ou ainda o seu esforço para nos fazer participar desse entusiasmo. O
alcance representativo do termo se desdobra num alcance expressivo (...)
(1977:14).

Para uma melhor compreensão do tema, dentro da perspectiva adotada aqui,


incorporamos os argumentos de Criado de Val (1980:19 e seguintes) sobre a tensão
coloquial:

Na tensão se fundamentam várias características que são coincidentes com


as determinadas pela outra grande finalidade da conservação:
intercambiar mensagens com fins de comunicação social.

Em seguida distingue três tipos de tensão: a informativa, a dialética e a afetiva,


esclarecendo:

A primeira atua dentro de um mínimo de intensidade, na mecânica social


que regula o intercâmbio de mensagens com fins puramente informativos
(...).
A segunda atua sobre os componentes lógicos do diálogo ou de um
predomínio do conteúdo ideológico que cada interlocutor representa (...).
... tensão afetiva, que normalmente coincide e reforça as anteriores, tem seu
próprio campo de origem nas causas emocionais, que na conversação,
como em termos gerais na fala, constituem nota constante e dominante.
Suas variantes são numerosíssimas. (grifos nossos)
2. Recursos de expressividade

Os recursos expressivos definem-se, genericamente, como o conjunto de meios de


ordem variada, utilizadas para exprimir sentimentos (simpatia, repulsa, adesão) em
relação as idéias enunciadas, bem como para despertar nos interlocutores sentimentos
análogos. Por isso mesmo, os recursos expressivos têm uma dupla direção: por meio
deles, o falante manifesta seus sentimentos e busca levar o ouvinte a aderir aos
sentimentos. Trata-se, pois de recursos de expressão da subjetividade e de atuação sobre
o outro (intersubjetividade).
A partir do que foi exposto, poder-se-ia distinguir duas modalidades de efeitos
expressivos, de acordo com o elemento para os quais eles se voltam. Os primeiros
seriam aqueles que se relacionam à expressão dos elementos subjetivos, ou seja, aqueles
mais diretamente ligados à afetividade e à pessoa do falante. Nesse campo, situar-se-iam
a entoação afetiva, as exclamações, a sintaxe afetiva, as diversas formas de
intensificação. Os elementos do segundo grupo são aqueles voltados para a interação
entre o falante e os interlocutores. Encaixam-se especificamente neste segundo grupo as
exclamações, vocativos, fáticos, atenuações, mas igualmente as exclamações,
intensificações e inversões. Trata-se de campos que se superpõem e são de difícil
delimitação, de modo que, neste trabalho não se fará distinção entre os elementos
pertencentes a esses grupos.
Urbano (1999:126) afirma que os recursos expressivos estão prontos para o uso e
não necessitam de uma elaboração mental ou criatividade. Por isso mesmo, eles nem
sempre conservam a forma expressiva, como ocorre com os tropos e metáforas, e isso
ocorre devido ao desgaste decorrente do uso em situações variadas. Por isso mesmo,
ocorre uma contínua recategorização do léxico, com o surgimento de novas metáforas
(Koch: 1994).
De forma genérica, todos os materiais utilizados na língua são potencialmente
expressivos, ou seja, não existe uma classe fechada e claramente configurada de
elementos expressivos. Pela sua natureza, os referidos elementos podem ser
classificados em lingüísticos e cinésicos. Os primeiros dividem-se em verbais ou
segmentais (metáforas, tropos, vocativos) e os prosódicos. Esses últimos por sua vez,
dividem-se em duas subclasses: os suprassegmentais (entoação, acento, pausas,
silabações) e os co-segmentais (inversões ou deslocamentos, inserções parentéticas). Já
os cinésicos são representados por gestos, expressões faciais, riso.
Como os inquéritos do Projeto NURC foram registrados apenas em áudio (mas
não em vídeo), não existe a possibilidade de estudarem-se os fenômenos cinésicos.
Dessa forma, o trabalho focalizará apenas os elementos lingüísticos (verbais e
prosódicos) e discutirá o papel dos mesmos na interação assimétrica, por meio de
exemplos representativos.

3. Recursos co-segmentais

Entre os recursos co-segmentais mencionam-se os deslocamentos (ou


topicalizações), as inserções parentéticas, as estruturas paralelas.
(a) Estruturas paralelas

As estruturas paralelas são empregadas com duas funções: explicitar o assunto


aula ou reiterar o ponto de vista do expositor:

(01) (A professora trata de testes psicológicos)


(...) então um teste apresenta várias:: tarefas::
... um grau diferente de dificuldade... ele tem dificuldades crescentes por
exemplo né? Então as primeiras tarefas são tarefas fá::ceis... e os
indivíduos conseguem realizá-las e as outras tarefas vão se tornando
mais:: complexas... mais difí::ceis (...)
(NURC/SP, 377, l. 95-100)

No exemplo anterior, as estruturas que formam cada par são assinaladas por um
traço. As segundas estruturas retomam e exemplificam o conteúdo expresso na primeira,
com a finalidade de contextualizar as informações, de criar um contexto partilhado
pelos interlocutores. Já o par mais complexas/ mais difíceis reitera o ponto de vista da
expositora.
Os casos de paralelismo têm por função reiterar e reforçar o tópico em andamento
e, assim, permitir que as informações sejam inseridas no contexto comum partilhado
pelos interlocutores. Lembre-se, a esse respeito, que o contexto não constitui um dado
prévio, mas se constrói (ou reconstrói) no decorrer da própria interação.
Lembre-se, também, que ao paralelismo de estruturas correspondentes, de modo
geral, o paralelismo rítmico e prosódico.

(b) Deslocamentos e topicalizações

Incluem-se neste item os casos em que um dos termos é extraposto para o início
do enunciado, como forma de colocar em evidência o próprio tópico em andamento:

(02) (...) a faceta estética do cinema brasileiro... nesse encontro de hoje eu não
me preocupei com a face propriamente estética do cinema brasileiro... se
o fizesse... procuraria abordar longamente pelo menos a obra de Mário
Peixoto e Humberto Mauro (...) (NURC/SP, 151, l. 815-820).

No exemplo anterior, faz uma observação, e enuncia que não tratou de categorias
estéticas. Para dar maior força locutória à enunciação, o objeto da observação extraposto
para o início do enunciado.
No próximo exemplo, a informante coloca em evidência uma das principais
finalidades dos testes psicológicos:

(03) (...) CAda FAse... o indivíduo dá de SI...aquilo que a fase está tendo
como preponderante (...) (NURC/SP, 377, l. 376-377).

A anteposição, ao colocar um dado termo em evidência, tem uma função


contextualizadora: por meio dela, busca-se deixar claro que o termo em evidência
associa-se ao tópico em andamento.

(c) Inserções parentéticas

Trata-se de desvios breves e parciais em relação ao tópico em andamento e, de


acordo com a classificação proposta por Jubran (1998), podem estar voltadas para o
tópico em andamento, para o locutor, para o ouvinte ou para a própria elaboração
discursiva.
O fragmento a seguir ilustra as duas primeiras direções: parênteses voltados para a
elaboração do tópico discursivo (esclarecimentos e informações adicionais, e para o
falante, comentários e observações pessoais).

(04) (a expositora trata das pinturas rupestres).


(...) então que tipos de formas que nós vamos reconhecer?... nós vamos
reconhecer bisantes... bisante é o bisavô... do touro tem o touro o búfalo::
e o bisante MAIS lá em cima ainda... nós vamos reconhecer ahn:: cavalos
... nós vamos reconhecer veados... - - sem qualquer em nível conotatitvo
aí - - ... e algumas vezes (...) alguma figura humana
(NURC/SP, 405, l. 133-140).

O primeiro segmento assinalado esclarece o significado do termo bisante e tem,


assim, um papel contextualizador e metalingüístico. Já a segunda inserção constitui uma
observação pessoal, por meio da qual a professora previne-se de possíveis comentários
jocosos feitos pelos alunos.
As inserções voltadas para o ouvinte têm por função principal chamar a atenção
do aluno para a relevância do assunto ou encaminhá-lo para a conclusão desejada.

(05) (...) a demanda é sinônimo de retenção de moeda de guarda de moeda no


bolso... de necessidade de moeda - - raciocinem assim - - ... quanto na
média... ele vai ter de moeda... em média quanto ele vai ter no bolso (...)
(NURC/SP, 338, l. 99-103).

Na ocorrência assinalada, o locutor chama a atenção do assunto tratado e procura


encaminhar o leitor para possíveis conclusões.
No exemplo 05, ademais, verifica-se que a ocorrência constitui um tipo híbrido,
pois a inserção também se volta para a elaboração do ato discursivo.
(06) (...) e nós vamos verificar vamos tentar explicar por que... a demanda de
moeda - - vamos dar essa notação - - demanda de moeda por motivo de
transação... é uma função...do nível de renda (...)
(NURC/SP, 141, l. 61-64).

O emprego da primeira pessoa do plural é intencional e evidencia que o expositor


torna os ouvintes co-responsáveis pela elaboração do ato discursivo.

4. Recursos prosódicos

Os recursos prosódicos perpassam os recursos co-segmentais: no paralelismo é


igualmente uma recorrência do ritmo, assim como os deslocamentos e as inserções
parentéticas são assinaladas por pausas.
Entre os recursos prosódicos a serem considerados estão a entoação interrogativa,
a silabação e o acento enfático.

(a) Entoação interrogativa (ascendente) está com respeito à interrogação, serão


considerados, inicialmente, os marcadores de busca de aprovação discursiva
(né?, não é?, sabe?, entende? e assemelhados) e as perguntas retóricas.

Vejam-se os exemplos a seguir:

(07) (...) na realidade... os testes de aptidão são testes de realização... só


que::... esta realização se asseme::lha por exemplo a:: uma:: situação...
né? ...determinadas tarefas que vão exigir::... certas aptidões:: certas
outras tarefas... né? SecunDÁrias... então o que é? ...então daí... podemos
verificar em que medida o indivíduo pode realizar determinadas funções
(NURC/SP, 377, l. 116-124).

As perguntas retóricas e os marcadores de busca de aprovação discursiva são


empregados com a mesma finalidade: envolver o ouvinte, chamar-lhe a atenção, como
forma de certificar-se de que ele está participando efetivamente do processo
internacional. Com as perguntas retóricas busca-se, ademais, encaminhar o aluno para
as conclusões desejadas ou mesmo antecipar essas conclusões.

(b) Silabações

Trata-se igualmente de um recurso utilizado para enfatizar o que está sendo dito.
É o que se verifica no exemplo a seguir:

(08) (...) são três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha
moeda... existe uma... retenção de moeda uma demanda de moeda... por...
motivo... tran-sa-ção... existe uma demanda de moeda por motivo... pre-
cau-ção ...es/esses tipos de moeda já... já foram... éh discutidos pelos
clássicos pelos economistas clássicos... Keynes... introduziu... uma nova
razão pela qual as pessoas... demandam moeda... guardam moeda...
demanda de moeda por motivo es-pe-cu-la-ção
(NURC/SP, 338, l. 26-36).

(c) Entoação enfática

Trata-se de um recurso para reforçar um dado termo, com a finalidade de chamar


a atenção sobre ele. Na maior parte das ocorrências, a ênfase recai sobre a sílaba tônica:

(09) (...) a gente FAla em inteligência animal... né? O animal TEM


inteliGÊNcia mas é uma inteligência num nível que o homem já
supeROU (...) (NURC/SP, 377, l. 410-412).

A sílaba tônica, por ser pronunciada com maior força expiratória e maior duração,
é a mais nítida, de modo que se presta para a expressão da ênfase.

5. Recursos verbais

Os recursos que se encaixam nesse bloco são divididos em duas categorias


principais: os marcadores conversacionais e outros procedimentos de envolvimento do
falante, e as metáforas.

(a) Marcadores conversacionais e procedimentos de envolvimento

Já foi visto anteriormente que a função do envolvimento do ouvinte pode ser


realizada por perguntas retóricas e marcadores de busca de aprovação discursiva. Outros
procedimentos que empregados com essa função são os marcadores de envolvimento
(veja bem, veja você, você sabe que) e os pronomes nós/a gente.

(10) (Aula acerca de arte pré-histórica)


(...) mas vejam vocês... o que ele pintou ou desenhou... é dentro do estilo
naturalista realista ele não vai esquematizar... não vai estilizar (...)
quando depois a gente chegar no neolítico a gente vai... ver... a
comparação que nós vamos ter uma arte muito mais conceitual
(NURC/SP, 405, l. 323-330)
Referências bibliográficas

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