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PAPEL DO FLÂNEUR
EM VIVENCIAR A
CIDADE
FERNANDA LIMA
ORIENTADOR: PEDRO PAULO PALAZZO
RESUMO
Por meio da leitura de São Pe-
tersburgo em Dostoiévski,
visa-se a resgatar o conceito de
flâneur, tipo citadino que foi
inserido no meio acadêmico por
Walter Benjamin. O flâneur é o
elemento necessário para em-
basar essa união entre arquitetu-
ra e literatura, visto que essa
personagem, tão abordada na
literatura do século XIX, vivencia
a cidade de maneira intensa,
deixando-se contaminar por
todos os seus aspectos. O
flâneur está presente nas obras
de Dostoiévski, em personagens
como Ordinóv, de A Senhoria, e
o Sonhador, de Noites Brancas,
e por meio destas pretende- se
transportar o universo literário
para o real, mesclando a literatu-
ra de Dostoiévski com a minha
própria vivência na cidade de
São Petersburgo.
INTRO
Falar sobre a relação entre Dostoiévski e São Petersbur-
go é entender o quanto que a cidade influenciou na poética
do escritor. A estreita congruência entre o urbanismo e a
arquitetura dessa cidade são como personagens materializa-
das dentro dos livros dostoiévskianos, tão importante quanto
seus heróis russos e até influenciadora das tramas que os
mesmos sofrem. O autor cria um universo entre cidade e per-
sonagem que exemplifica com destreza a influência que a
arquitetura e o urbanismo exercem no enredo, permitindo o
leitor adentrar com facilidade e até criar afeto perante os de-
safios psicológicos que as personagens vivenciam.
O objetivo geral deste ensaio é traçar conexões entre a
literatura de Dostoiévski, utilizando-se aqui do livro A Senho-
ria, escrito em 1847, e Noites Brancas, escrito em 1848, com
a arquitetura e o urbanismo de São Petersburgo. Dito isso,
pretende-se utilizar a personagem Vassíli Ordinóv e O Sonha-
dor, que perambulam como flâneurs, como principal foco na
questão de se vivenciar a cidade. Essas personagens serão,
neste trabalho, o elo entre literatura e arquitetura e urbanismo.
Ao passo que os objetivos específicos do trabalho estão foca-
dos em se traçar um paralelo entre as personagens e a minha
vivência da cidade de São Petersburgo, mesclando as
minhas próprias experiências com as que as personagens
vivenciam na novela.
Justifica-se a escolha desse objeto de estudo por meio
de relacionar um autor tão célebre quanto Dostoiévski com
arquitetura e urbanismo, visto que esse tema carece de refer-
encias e é importante para unir literatura com o curso de
arquitetura. Por meio desse tema, viso resgatar o conceito de
flâneur, termo cunhado por Benjamin, mas que já estava pre-
sente na literatura de Charles Baudelaire. O flâneur seria o
elemento necessário para embasar essa união, visto que essa
personagem, tão abordada na literatura do século XIX, viven-
cia a cidade de maneira intensa, deixando-se contaminar por
todos os seus aspectos. Aliar as personagens de Ordinóv, de
A Senhoria e O Sonhador, de Noites Brancas com o próprio
Dostoiévski e a minha visão da cidade, é transportar o univer-
so literário para o real, algo que merece notoriedade no meio
acadêmico.
Para alcançar os objetivos propostos nesse ensaio desen-
volveu-se uma abordagem bibliográfica referente à literatura de
Dostoiévski e ao termo fisiológico do flâneur e seu papel em
vivenciar a cidade.
O primeiro passo foi analisar a obra de Mikhail Bakhtin,
especialmente seu livro Problemas da poética de Dostoiévski,
em que o autor discorre sobre a literatura de Dostoiévski e
suas particularidades. Nessa obra, Bakhtin formula o conceito
de romance polifônico e o aplica na poética de Dostoiévski.
“Pode-se até dizer que Dostoiévski criou uma espécie de novo
modelo artístico do mundo, no qual muitos momentos basilares
da velha forma artística sofreram transformação radical” (Bak-
thin, 2013, p. 1).
Bakthin nos revela que os heróis da literatura de
Dostoiévski não são meros objetos de domínio do autor, mas
têm sua própria personalidade, sua independência. O que o
torna importante para analisar neste ensaio, visto que o autor
trata Dostoiévski como um artista singular e não um mero escri-
tor. Ele consegue imergir na obra de Dostoiévski e apresentar
suas singularidades, que elevam o patamar de sua literatura.
Para melhor entender a obra de Bakhtin irei me basear no
artigo Diálogo inconcluso: Os conceitos de dialogismo e polifo-
nia na obra de Mikhail Bakhtin, escrito por Patrícia Marcuzzo
em 2008. Nessa obra a autora explica certos conceitos utiliza-
dos na obra de Bakhtin, como o monologismo e o dialogismo,
sendo o último característica dos romances de Dostoiévski. De
acordo com Marcuzzo, “o monologismo se refere ao discurso
único, definitivo e uniforme.” (Marcuzzo, 2008, p. 4). Nos
romances monológicos está presente uma única voz au-
toritária, a voz do próprio autor, e as personagens não possuem
vozes diferenciadas. Bakhtin analisa o dialogismo a partir das
obras de Dostoiévski, em que o autor não é autoritário, mas sim
mero espectador das tramas que envolvem as personagens.
Marcuzzo cita que nos romances do autor russo existem em-
bates de muitas vozes sociais, que exemplificam o dialogismo
descrito por Bakthin.
Outra bibliografia adotada no embasamento deste trabalho, mais
precisamente tratando de uma das obras do autor, é a tese de
doutorado de Maria de Fátima Bianchi, O “Sonhador” de A Senho-
ria, de Dostoiévski: um “homem supérfluo”, escrita em 2006. Essa
tese foi analisada em conjunto com a própria obra A Senhoria, de
autoria de Dostoiévski. Trata-se de duas obras que se comple-
mentam, visto que Bianchi traduziu diretamente do russo a novela.
Partindo agora do paralelo proposto entre realidade e
ficção, optou-se por analisar algumas das obras de Dostoiévski
com a minha visão da cidade. Ao analisar minha experiência em
conjunto com suas obras, pude adentrar-me melhor na visão em
que o autor propunha, tornando-me uma flâneuse que investiga a
cidade de maneira despretenciosa, porém intensa. O que permitiu
também pesquisar a influência da vida do autor em suas outras
personagens. Para isso adotou-se o livro Dostoievsky - His life and
work, escrito por Konstantin Mochulsky, na década de 1940, em
paralelo com o trabalho de Giuliana Almeida, Pelo Prisma Biográfi-
co: Joseph Frank e Dostoiévski, escrito em 2013. Ambos os tra-
balhos nos fornecem uma visão biográfica do autor em paralelo
com sua obra, o que enriquece a pesquisa que este trabalho se
propõe a fazer.
Para entender melhor o termo e o tipo fisiológico do
flâneur, optou-se por revisar os ensaios que Walter Benjamin
desenvolve a respeito da obra de Charles Baudelaire. Nesses tra-
balhos, Benjamin aponta várias características do flâneur, esse
observador do espaço urbano. Acredito que o flâneur é o elo entre
arquitetura e literatura e exemplificar tal tipo com algumas de suas
personagens, o próprio Dostoiévski e minha visão é unir o universo
ficcional com o real, para assim poder compreender melhor esse
tipo fisiológico e sua relação com o espaço urbano e arquitetônico.
Após a abordagem bibliográfica se desenvolveram
alguns desenhos de minha autoria sobre a minha estadia na
cidade de São Petersburgo, uma forma de me conectar com a
cidade e também me tornar um flâneur, para assim entender
melhor o universo que Dostoiévski pretendia abordar.
SUMÁRIO
Resumo ..... P. 3
Introdução ..... P. 4
A uma passante
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz… e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!