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TRAUMA RENAL: CONDUTA DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA

Juliana Castelo Branco Leitune


Joana Marczyk
Marcela Krug Seabra
Ricardo Breigeiron

UNITERMOS
LESÃO RENAL.

KEYWORDS
KIDNEY INJURY.

SUMÁRIO
Anualmente 5,8 milhões de pessoas morrem por traumatismos em todo o
mundo1 e a lesão renal ocorre em 1-5% de todos os traumas.2 É importante
conhecer os mecanismos do trauma renal a fim de proporcionar diagnóstico e
tratamento adequados, evitando um acréscimo da morbimortalidade.

SUMMARY
Every year 5.8 million people die from trauma worldwide1 and renal injury
occurs in 1-5% of all injuries.2 It is important to know the mechanism of renal
trauma in order to provide appropriate diagnosis and treatment, avoiding an
increase of morbidity and mortality.

INTRODUÇÃO
Lesões do trato urogenital ocorrem em 10-15% de todos os casos de
trauma abdominal, sendo os rins os órgãos mais frequentemente acometidos.
Os rins são órgãos de mobilidade relativa, situados na zona II do retroperitônio,
entre a 12ª vértebra torácica e a 2º vértebra lombar. O rim direito relaciona-se
anteriormente com o lobo direito do fígado, ângulo hepático do cólon e
duodeno. O rim esquerdo relaciona-se anteriormente ao baço, pâncreas,
estômago, ângulo esplênico do cólon e ângulo de Treitz. As artérias renais
originam-se da aorta, na altura da 1ª vértebra lombar, sendo que a artéria renal
direita emerge um pouco mais acima do que a esquerda.3 Traumas com
desacelerações importantes, quedas de grandes alturas ou traumas contusos
em flancos podem estar relacionados à lesão renal. As desacelerações e fortes
impactos causam compressão do parênquima renal contra estruturas fixas
como as costelas e a coluna lombar, propiciando lacerações e rupturas nos rins.
Traumas contusos são responsáveis por 80-90% das lesões renais traumáticas.
Traumas em crianças ou em adultos com rins malformados são mais suscetíveis
a apresentar lesões renais.4

DIAGNÓSTICO
Deve-se suspeitar de trauma renal em todo paciente que apresentar
hematúria macroscópica, fraturas de costelas inferiores, hematomas e/ou dor
nos flancos no trauma contuso e lesões penetrantes de flancos e dorso. 3 A
hematúria macroscópica é o indicador mais evidente de lesão renal, no entanto,
não apresenta correlação clínica com gravidade e prognóstico da lesão. 4 Cabe
salientar que, em 25% das lesões renais graves, incluindo lesões vasculares do
pedículo renal, os pacientes podem apresentar-se sem sangue na urina.3 A
investigação do trauma renal deve ocorrer sempre que houver suspeita clínica.
De forma geral, o trauma renal não representa uma lesão ameaçadora à
vida no paciente politraumatizado na maioria dos casos, embora seja
responsável por complicações frequentes no trauma,5 sendo obrigatória a
realização de atendimento primário conforme as diretrizes do ATLS®.3 O exame
de escolha para pacientes com suspeita de trauma renal contuso, com alta
especificidade e sensibilidade, é a Tomografia Computadorizada (TC) de
abdômen e pelve com contraste endovenoso.6 O estudo tomográfico tem
importância também para diagnosticar lesões associadas de outros órgãos e
tem papel fundamental no acompanhamento do tratamento não operatório das
lesões renais. É importante salientar que a TC está contraindicada em pacientes
instáveis.4 O uso de contraste endovenoso permite excelente visualização do
parênquima renal e do fluxo de contraste através dos sistemas coletores e
ureteres até a bexiga, permitindo completo delineamento do parênquima renal,
evidenciando, desta forma, o grau da lesão e a diferença entre contusão e
hematoma com uma laceração franca.3 Na fase arterial avalia-se os vasos hilares
e a difusão homogênea do contraste no parênquima renal, com atenção para a
presença de sinais de sangramento (blush arterial) ou hematomas em expansão.
Na fase excretora avalia-se a eliminação do contraste, com cuidado para
extravasamentos ou obstruções.4 A urografia excretora (UE) é um exame que
permite a visualização do parênquima renal. A contrastação tardia de um rim,
ou a sua não visualização, pode indicar lesão da artéria renal. A impossibilidade
de visualização de ambos os rins pode ocorrer nos casos em que há pouca
pressão de perfusão, comum em pacientes hipotensos ou em choque. Quando
há contrastação tardia ou não há contrastação de um rim, com visualização
adequada do rim contralateral, é indicado um segundo estudo de imagem como
a TC ou a arteriografia para a visualização das condições das artérias renais do
lado comprometido. Este achado é normalmente devido a avulsões, tromboses
ou vasoespasmos da artéria renal.3
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM), de forma semelhante à TC,
gradua corretamente lesões renais contusas e detecta e quantifica o tamanho
de hematomas perirrenais. A RNM diferencia hematomas intrarrenais de
perirrenais de forma mais acurada e consegue determinar sangramento recente
no hematoma por intensidades diferentes de sinal. No entanto, por ser um
método de imagem caro e pouco acessível, é reservado para casos específicos.6
A ecografia realizada rotineiramente no trauma na forma de FAST
(avaliação ultrassonográfica focada no trauma) não traz resultado satisfatório
pois a ausência de líquido livre nos quatro espaços estudados (hepatorrenal,
esplenorrenal, suprapúbico e subxifóide) não exclui lesão renal.6
No trauma renal contuso em que o paciente se apresenta com hematúria
macroscópica ou microscópica e instabilidade hemodinâmica há indicação de
realização de imagem urológica.6 A TC é o exame de escolha, mas a UE pode ser
realizada se a tomografia não estiver disponível ou se o paciente não apresentar
condições clínicas para a realização da TC.3 No trauma renal penetrante, após a
realização da TC ou da UE, pode-se realizar estudo angiográfico renal que
permite, com segurança, estagiar lesões significativas e oferece a possibilidade
de embolização para estancar sangramentos.6

CLASSIFICAÇÃO
As lesões renais provocadas por trauma podem ser classificadas por
diferentes sistemas. O mais utilizado é o da Associação Americana de Cirurgia
do Trauma (AAST), denominado Organ Injury Scaling -OIS:3,4 Grau I: contusões
com hematúria macro ou microscópica e exames urológicos normais e
hematomas subcapsulares não expansivos e sem laceração. Grau II: lacerações
parenquimatosas inferiores a 1 cm de profundidade e hematomas perirrenais
não expansíveis. Grau III: lacerações parenquimatosas maiores que 1 cm de
profundidade, sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento urinário.
Grau IV: lesões dos vasos renais principais (artéria ou veia renal) com
sangramento tamponado e lacerações com extensão para o córtex, medula e
sistema coletor. Grau V: Rins fragmentados, avulsão da artéria ou veia renal ao
nível do hilo e trombose da artéria renal. Deve-se avançar um grau para lesões
bilaterais classificadas até Grau III. Conforme a figura:3
Figura 1: Graduação de lesões renais

TRATAMENTO
O estadiamento preciso da lesão renal permite tomar decisões seguras no
tratamento do paciente. No trauma renal contuso, a grande maioria das lesões
pode ser tratada de maneira conservadora, quando avaliadas adequadamente,
visto que 90% das lesões são contusões do parênquima renal ou lacerações
superficiais e apenas 10% das lesões são lacerações profundas, que se
estendem até a medula ou sistema coletor e podem causar extravasamentos de
urina e hematomas.3 O tratamento não operatório em rins lacerados/fraturados
mas perfundidos é possível em pacientes hemodinamicamente estáveis mesmo
na presença de extravasamento de urina (Grau IV). O tratamento não
operatório em grandes lacerações renais associadas à desvascularização de
segmentos está associado com altas taxas de complicações urológicas (38-82%).
O tratamento não operatório de lesão renal penetrante está apropriado em
pacientes hemodinamicamente estáveis sem lesões associadas e com
estadiamento adequado pela TC ou UE. Um alto índice de suspeita é necessário
para evitar lesões ureterais despercebidas se o tratamento não operatório for a
escolha, assim como a seleção rigorosa dos pacientes e a ausência de lesões
associadas.5 Quando optado pelo tratamento não operatório, o paciente deve
ser submetido a um controle rigoroso com exame físico seriado (em UTI),
repouso no leito, reposição volêmica adequada, hematimetria seriada e
controle tomográfico em 36-48 horas, caso necessário.4
A angiografia é utilizada para definir e, eventualmente, tratar lesões
arteriais suspeitas identificadas na TC ou para localizar o sangramento arterial
que pode ser controlado com a angioembolização do vaso sangrante. 6 Pode,
inclusive, ser o tratamento de trauma renal no paciente que não necessita
exploração cirúrgica imediata. A técnica está associada a menores índices de
lesão de parênquima e de complicações quando comparada à cirurgia. 2 O
sucesso do manejo conservador pode estar associado ao uso de embolização
angiográfica.5
Aproximadamente metade das lesões renais por trauma penetrante
requer exploração cirúrgica. Em torno de 10% das lesões renais, representadas
por lesões vasculares, lacerações profundas com extravasamento urinário ou
sangramento parenquimatoso extenso requerem reparo cirúrgico, com a
finalidade de preservar parênquima renal viável, minimizar o risco de infecção
retroperitoneal ou perda contínua de sangue.3 Além disso, o retardo cirúrgico
parece estar associado a um aumento do número de nefrectomias. A taxa de
nefrectomia é mais dependente do grau de injúria renal do que do tipo de
controle de lesão vascular obtido. Quando necessária, a nefrectomia é
normalmente consequente à hemorragia renal.5 Durante a exploração cirúrgica,
o controle vascular do hilo renal prévio à abertura da fáscia de Gerota não tem
impacto na taxa de nefrectomia, na necessidade de transfusão e na perda
sanguínea, embora possa prolongar o tempo cirúrgico. A exploração do pedículo
e o controle vascular como primeiras manobras durante a cirurgia estão
indicados nos casos de lesões penetrantes mediais, em que se suspeita de lesão
dos vasos hilares.5 Lesões Graus I e II em pacientes hemodinamicamente
estáveis podem ser tratadas conservadoramente. Nota-se que lesões Graus III e
IV estão associadas com um risco significativo de sangramento quando não
operadas, embora em pacientes hemodinamicamente estáveis esteja indicado o
tratamento não operatório. O tratamento não cirúrgico de lesões renais
penetrantes é adequado em pacientes hemodinamicamente estáveis, sem
lesões associadas e completamente estadiadas com TC ou UE. No trauma
penetrante com indicação de laparotomia, caso haja penetração na zona
relacionada aos rins (zona II), a exploração é mandatória.5 Nos pacientes com
grandes lesões renais com segmento desvascularizado em associação com
extravasamento fecal ou lesão pancreática a exploração cirúrgica com reparo
renal melhora significativamente o prognóstico dos pacientes, visto que as
complicações mais comuns nesse caso são urinomas infectados e abscessos
perirrenais.5

COMPLICAÇÕES
O extravasamento de urina com a formação de urinoma é a complicação
mais comum, ocorrendo em 1-7% dos pacientes com trauma renal. No entanto,
em 76-87% dos casos, há resolução espontânea do quadro. Nos pacientes que
persistem com urinoma, a nefrostomia percutânea é resolutiva. Outras
complicações como formação de abscessos, hemorragia tardia, hipertensão,
persistência de tecido renal desvitalizado e insuficiência renal são menos
comuns e têm relação direta com a gravidade da lesão renal.2

CONCLUSÃO
Apesar de o trauma renal não ser o mais prevalente ele é responsável por
inúmeras complicações imediatas e tardias. No entanto, é possível tratar este
paciente de forma adequada, sem a necessidade de nefrectomia, na maioria dos
casos. Um julgamento individualizado dos pacientes deve ser adotado para a
decisão do melhor tratamento, podendo ser cirúrgico ou não operatório,
independente do mecanismo.

REFERÊNCIAS
1. Sociedade Pan-Americana da Saúde (OMS). [cited 2013 maio 5]. Disponível em:
<http://new.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=2989&Itemid=1>.
2. Shoobridge JJ, Corcoran NM, Martin KA. Contemporary Management of Renal Trauma. 1. Rev Urol.
2011;13(2):65-72
3. Varcelotti JR, Pereira JR G. Trauma genitourinário. In: Ferrada RD, Rodriguez A. editores. Trauma:
Sociedade Panamericana de Trauma. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 449-60.
4. Fucs M, Fernandes RC, Deusdedit Neto CVS. Trauma genitourinário. In: Assef JC, Perlingeiro JAG,
Parreira JG editores. Emergências cirúrgicas: traumáticas e não traumáticas, condutas e algorítmos.
São Paulo: Atheneu; 2012. p. 89-103.
5. Holevar M, Digiacomo C, Ebert J, et al. Practice management guidelines for the evaluation of
genitourinary trauma: the EAST Practice Management Guidelines Work Group. Chicago; 2003.
6. Holevar M, Ebert J, Luchette F. et al. Practice management guidelines for the management of
genitourinary trauma: The EAST Practice Management Guidelines Work Group. Chicago; 2004.

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