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OFICINA INICIAÇÃO À QUÍMICA NA COZINHA E AS CONCEPÇÕES DE

NATUREZA DA CIÊNCIA DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL


WORKSHOP OF INITIATION TO CHEMISTRY IN THE KITCHEN AND THE
CONCEPTIONS OF SCIENCE NATURE OF ELEMENTARY STUDENTS

Gisele Soares Lemos Shaw


Universidade Federal do Vale do São Francisco/ Colegiado de Ciências da Natureza/
giseleshaw@hotmail.com
Geraldo Soares da Silva Junior
Instituto Federal de Educação Ciências e Tecnologia Baiano /IF Baiano/ gyjunior_14@hotmail.com

Resumo

Estudos têm apontado que o ensino difundido nas escolas tem gerado concepções
simplistas de natureza da ciência. Investigamos a potencialidade da Oficina Pedagógica
Interdisciplinar Iniciação à Química na Cozinha para o desenvolvimento das Concepções
de Natureza da Ciência (CNC) de onze estudantes do Ensino Fundamental. Essa oficina
buscou trabalhar o desenvolvimento de habilidades científicas junto aos estudantes. Os
dados foram coletados por meio de questionário com afirmativas em escala de Likert
(1932), aplicado no início e ao final da oficina. Observamos que houve evolução nas CNC
da maioria deles. Verificamos que esse avanço se deu principalmente nas questões que
tratavam sobre como é produzido o conhecimento científico, além de numa questão que
tratava da confiabilidade do conhecimento científico.
Palavras-chave: Habilidades Científicas. Interdisciplinar. Oficina. Natureza da Ciência.

Abstract

Investigations have pointed out that the teaching broadcast in schools has generated
simplistic conceptions of the nature of science. We investigated the potentiality of the
Interdisciplinary Pedagogical Workshop Initiation to Chemistry in the Kitchen for the
development of Conceptions of the Nature of Science of eleven students of Elementary
School. This workshop pretended to development of scientific skills among students. We
collected the data by means of a questionnaire with affirmations on a Likert scale (1932)
applied at the beginning and at the end of the workshop. We observed that there was
evolution in the Conceptions of the Nature of Science of most of them. We verified that this
advance was mainly in the questions that dealt with how the scientific knowledge is
produced, besides in an issue that dealt with the reliability of the scientific knowledge.
Keywords: Scientific skills. Interdisciplinary. Workshop. Nature of Science.

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Introdução

Os avanços da Filosofia da ciência levaram ao conhecimento da inadequação de


visões empírico-indutivistas de natureza da ciência. Entretanto, estudos têm apontado que
o ensino que tem sido difundido nas escolas tem gerado concepções da natureza da
ciência (CNC) empírico-indutivistas (GIL PÉREZ et al., 2001), pois foi encontrada
inadequação dessas concepções tanto entre professores, quanto entre estudantes
(LEDERMAN, 1992; HARRES, 1999).
Na perspectiva empírico-indutivista o conhecimento científico é obtido da
natureza. Nessa abordagem o cientista utiliza o método científico para conseguir obter o
conhecimento. De acordo com a perspectiva empírico-indutivista o conhecimento
adquirido é verdadeiro e se encontra disponível aos sentidos humanos (CHALMERS,
1993).
Segundo Gil Perez et al. (2001), é preciso ajudar os professores a tomarem
consciência de suas CNC errôneas, para que possam desenvolver visões mais
adequadas. As visões inadequadas de ciência dos professores são ensinadas aos
estudantes, que também passam a adquirir concepções simplistas de natureza da ciência.
Para Gil Perez et al. (2001), CNC docentes mais complexas podem gerar modelos de
ensino de ciências menos transmissivos e que tenha uma participação mais efetiva dos
estudantes.
Durante o desenvolvimento da oficina interdisciplinar Iniciação à Química na
Cozinha realizada por um grupo de licenciandos, professores e pesquisadores, buscamos
verificar as potencialidades dessa experiência para o desenvolvimento de concepções de
natureza da ciência de onze estudantes do sétimo ano do Ensino Fundamental. Para isso,
utilizamos um questionário VNOS tipo C, aplicando-o no início e ao final da oficina.
Também coletamos dados referentes a três questões respondidas pelos participantes
referentes à avaliação da oficina pelos mesmos. A pesquisa teve natureza quali-
quantitativa e utilizamos a estatística e a análise de conteúdo para analisar os dados.
Esperamos que o desenvolvimento de estratégias que fomentem a educação científica
possa auxiliar no desenvolvimento de concepções de natureza da ciência mais
adequadas, tanto em professores quanto em estudantes.

Concepções de natureza da ciência e a aprendizagem em ciências

Estudos demonstram que o ensino desenvolvido atualmente nas escolas tem


traduzido visões empírico-indutivistas de ciência e que essas visões trazem uma imagem
inadequada de como o conhecimento científico é produzido (GIL PÉREZ et al., 2001). De
acordo com Praia et al. (2002) trabalhos também apontam que professores de ciências
costumam ter visões de ciência de cunho empírico-indutivista. Essa perspectiva de
ciência dos professores se reflete em sala de aula num ensino transmissor de
conhecimentos pré-elaborados, sem que sejam considerados os saberes e a participação
do estudante na aula (GIL PÉREZ et al., 2001).
De acordo com Chalmers (1993) a Concepção da Natureza da Ciência (CNC)
empírico-indutivista envolve as ideias de que:

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Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas
são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência
adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que
podemos ver, ouvir, tocar etc. Opiniões ou preferências pessoais e
suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O
conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento
provado objetivamente (CHALMERS, 1993, p. 17).

Entretanto, Chalmers (id.) afirma que os avanços da filosofia da ciência mostram


que a ciência não é fundada somente por meio da observação e da realização de
experimentos. Ele também destaca que não existe um método científico que possibilite
que as teorias científicas sejam provadas verdadeiras. Hodson (2006) afirma, ainda, que
as teorias são estruturas complexas e que se relacionam à atividade científica que as
produziram - ou seja, ainda existem pontos que possam não ter sido revelados numa
teoria. O mesmo autor coloca, ainda, que as teorias podem ser mantidas, mesmo que
existam observações falsificadoras, e que a própria observação é dependente da teoria.
Para a rejeição de uma teoria, uma observação não é suficiente, é preciso de uma nova
teoria que traga evidências para a rejeição da anterior (HODSON, 2006).
Além disso, Karl Popper inaugurou o falsificacionismo (método hipotético-dedutivo),
apresentando a provisoriedade do conhecimento científico. Em seu livro A lógica da
pesquisa científica, Popper (1972) argumenta que todo conhecimento é considerado
verdadeiro até que seja falseado. Isso gerou reflexões acerca da confiabilidade do
conhecimento científico e também da rigidez da verdade envolvida nele.
Numa investigação, Gil Pérez et al. (2001) evidenciaram a importância de
(re)conhecer as visões deformadas dos professores sobre o trabalho científico, para que
eles possam se conscientizar e modificar as suas próprias concepções epistemológicas
acerca da natureza da ciência e da construção do conhecimento científico. Numa
pesquisa realizada junto a docentes (em formação inicial e contínua), esses autores
investigaram as CNC dos professores e evidenciaram que essas possuíam deformações.
No processo, os grupos refletiram sobre práticas que evidenciaram deformações nas CNC
e, depois, esses docentes analisaram artigos que tratavam das CNC. Como resultados,
eles observaram que a análise bibliográfica estudada pelos mesmos coadunou com
“conjecturas” formuladas pelo grupo de professores e com a validade das suas reflexões.
Algumas deformações encontradas:
• Concepção empirico-indutivista e ateórica;
• Visão rígida (algorítmica, exata, infalível);
• Visão aproblemática e ahistórica (portanto, dogmática e fechada);
• Visão exclusivamente analítica;
• Visão acumulativa de crescimento linear dos conhecimentos científicos;
• Visão individualista e elitista da ciência;
• Imagem descontextualizada, socialmente neutra da ciência.
Especificamente em relação aos estudantes, Harres (1999) aponta que CNC
inadequadas mais encontradas incluem, entre outros aspectos:

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[...] a consideração do conhecimento científico como absoluto; a ideia de
que o principal objetivo dos cientistas é descobrir leis naturais e verdades;
lacunas para entender o papel da criatividade na produção do
conhecimento; lacunas para entender o papel das teorias e sua relação
com a pesquisa; incompreensão da relação entre experiências, modelos e
teorias (HARRES, 2005, p.2).

Também para Praia et al. (2002) a epistemologia está implícita nos currículos de
ciências e dela parte os modos de ensinar. O conhecimento da epistemologia, para esses
autores, faz com que os professores conheçam mais sobre os conhecimentos que
ensinam e os ajudam a planejar situações de aprendizagem. Para Mathews (1995) “[...]
deve ser estranho imaginar um bom professor de ciências que não detenha um
conhecimento razoavelmente sólido da terminologia de sua própria disciplina, causa, lei,
explicação, modelo, teoria, fato [...]” (p. 188). Ele sugere que o conhecimento da história e
da filosofia da ciência deveria fazer parte da formação dos professores de Ciências, pois
isso os ajudaria a compreender sua disciplina de forma crítica, além de promover um
ensino de melhor qualidade (MATHEWS, 1995).
Gil Pérez et al. (2001) apontam alguns consensos no âmbito da Filosofia da ciência
que trazem visões mais adequadas na natureza da ciência:
• A recusa da ideia de “Método Científico”;
• A recusa de um empirismo que concebe os conhecimentos como resultados da
inferência indutiva a partir de “dados puros”;
• O destaque ao papel atribuído pela investigação ao pensamento divergente;
• A procura de coerência global;
• A compreensão do carácter social do desenvolvimento Científico.
Diante dos estudos apontados, verifica-se que é preciso trabalhar práticas que
auxiliem os professores de Ciências a conhecerem suas CNC e as desenvolverem. Essas
práticas beneficiarão tanto os próprios professores na melhoria de seu ensino, quanto aos
alunos em relação ao desenvolvimento de compreensões menos simplistas de natureza
da ciência e no desenvolvimento de habilidades científicas.

A Oficina Iniciação à Química na Cozinha

Entre os dias 13 e 15 de agosto de 2014, foi organizado na universidade X o Ciclo


de Oficinas Educação em Ciências: práticas interdisciplinares. Esse evento foi promovido
com dois intuitos: promover a formação de 17 licenciandos em Ciências da Natureza e a
aprendizagem em ciências de mais de 200 alunos das séries finais do Ensino
Fundamental de escolas públicas dos municípios de Senhor do Bonfim e de Campo
Formoso, Bahia. Diversas oficinas foram oferecidas por duplas de licenciandos-
estagiários: A cadeia Alimentar; Ciência Divertida; Um Inimigo Invisível (vírus); Modelando
Ciências: dos povos antigos aos dias atuais; Ciência, a vida e as plantas; Micromundo;
Iniciação à Química na Cozinha. Essa última foi realizada por dois professores da
universidade, doutorandos em Educação em Ciências, um técnico em química da

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instituição e licenciando em Ciência da Natureza, e um pesquisador externo, licenciado
em Matemática.
Na Oficina Iniciação à Química na Cozinha buscou-se empregar uma metodologia
de ensino de caráter investigativo, visando o desenvolvimento de habilidades científicas
dos estudantes1. Nesse curso, 13 alunos da sétima série do Ensino Fundamental de uma
escola pública elaboraram hipóteses sobre a química na cozinha, realizaram
experimentos, os discutiram, elaboraram formas criativas de divulgar a experiência e a
apresentaram para todos os participantes do Ciclo de Oficinas.

Figura 1 - Notícia do Ciclo de Oficinas Educação em Ciências. Fonte: Site da Universidade


Federal do Vale do São Francisco. Disponível em
http://www.univasf.edu.br/detalhe_noticias.php?cod=2199, 14 de julho de 2018.

A Oficina teve duração de 15 horas e foi realizada em três dias consecutivos. Como
objetivos, buscou-se:
• Sondar as concepções dos alunos sobre a natureza da ciência;
• Refletir acerca de habilidades necessárias a um cientista: observar, registrar,
analisar;
• Refletir acerca da existência da química na cozinha;
• Conhecer conceitos e métodos envolvidos na iniciação à química na
cozinha: substâncias, misturas, separação de misturas e proporcionalidade;
• Levantar hipóteses acerca de problema encontrado na cozinha;
• Elaborar metodologia de experimentação de hipóteses sobre problemas na
cozinha;
• Testar e levantar considerações acerca de experimentos investigados sobre
a química na cozinha. (PLANO DE AULA DA OFICINA).

1
Essa oficina foi planejada com base em conhecimentos adquiridos no Espaço Ciência
Pernambuco, junto ao professor Dr. Antônio Carlos Pavão, diretor do espaço e professor da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Agradecemos ao professor Pavão pelas contribuições.

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Assim, como conteúdos, foram trabalhados: Concepções da natureza da ciência;
Habilidades de cientistas; Existência da Química na cozinha; Conceitos e métodos de
iniciação à química na cozinha: substâncias, misturas, separação de misturas,
proporcionalidade; Problemas encontrados na cozinha; Experimentação de hipóteses
sobre problemas encontrados na cozinha; Considerações acerca de experimentos
investigados sobre a química da cozinha.
No primeiro dia da oficina, conhecemos um pouco sobre os alunos participantes
por meio de uma dinâmica. Cada aluno descreveu com três qualidades o colega da sua
direita e os papéis foram misturados. Cada estudante leu o papel que sorteou, de modo
que a turma deveria descobrir de quem o papel estava tratando.
Logo após a dinâmica, aplicamos questionários para sondar as concepções dos
alunos sobre a natureza da ciência e em seguida, iniciamos outra atividade: cada aluno foi
orientado a sair da sala de aula, buscar uma folha de vegetal e trazê-la para classe: todos
analisaram sua folha, observando-a e registraram sua descrição da forma mais específica
possível utilizando instrumentos, tais como lupas, régua, lápis e papel.
Posteriormente, todos os participantes entregaram os papéis com as descrições
das folhas de vegetais e esses foram misturados. Cada aluno pegou um novo papel com
a descrição de uma folha qualquer e tentou encontrar a folha de vegetal correspondente.
Em seguida, foram realizados questionamos sobre o que eles aprenderam com a
atividade.
Dando continuidade à oficina, questionamos aos participantes acerca do que seria
a Química e se eles achavam que ela estava presente na cozinha. Em seguida,
conceituamos verbalmente o campo de estudo da química, com auxílio de slides e
pedimos que eles pensassem em problemas, perguntas que eles pudessem encontrar no
âmbito da cozinha e que eles gostariam de saber a resposta. Assim, eles se organizaram
em quatro grupos e cada grupo escolheu uma pergunta para buscar solucionar. Cada um
dos grupos criou hipóteses que pudessem resolver seu problema.
No segundo dia, apresentamos aos alunos o laboratório de Química, onde
desenvolveriam algumas atividades. Lá, cada grupo se encontrou para testar as hipóteses
que supunham resolver seus problemas e realizaram experimentos, além de levantarem
novas hipóteses. Os estudantes registraram os experimentos e conclusões.
Em seguida foi realizado o experimento do vulcão, em que buscamos demonstrar
que misturas de substâncias químicas podem gerar resultados diversos, tais como a
explosão de um vulcão. Também, foi proposto um problema matemático para eles, sobre
proporcionalidade. O problema foi o seguinte: dois apicultores estavam fazendo a coleta
de mel. Entretanto, eles só continham três cabaças com capacidades diferentes para
coletar todo o mel: uma cabaça de oito litros, uma de cinco litros e outra de três litros. Ao
realizar a coleta de mel, os dois apicultores conseguiram encher a cabaça de oito litros.
Como eles poderiam dividir entre os dois os oito litros de mel coletados de modo
igualitário, utilizando apenas as três cabaças para isso?
Depois de buscarem soluções para o problema de proporcionalidade, os
estudantes retornaram aos seus registros sobre os experimentos de química na cozinha
realizados e, em grupo, produziram cordéis acerca da experiência.

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No terceiro dia da oficina, os grupos ensaiaram as apresentações dos cordéis e os
apresentaram no auditório da universidade para todos os alunos, licenciandos e
professores participantes do Ciclo de Oficinas Educação em Ciências. Em seguida,
responderam novamente ao questionário tratando acerca de suas concepções de
natureza da ciência e avaliaram a oficina.

Metodologia

Nesse trabalho, buscou-se investigar se a Oficina Iniciação à Química na Cozinha


modificaria as concepções de natureza da ciência de um grupo de alunos do Ensino
Fundamental. Para isso, a natureza da investigação pode ser caracterizada como quali-
quantitativa, já que envolve tanto a análise quantitativa das concepções de natureza da
ciência dos estudantes quanto qualitativa, já que também buscamos identificar os ganhos
da experiência por meio da percepção deles.
De acordo com Kirschbaum (2013), a justificativa de utilizar os parâmetros quanti e
quali é pautada na: “[...] necessidade do uso de métodos quali em pesquisas que almejam
a construção de mecanismos causais ao identificar instâncias onde as pesquisas quanti
produzem resultados ambíguos ou de difícil interpretação” (p.179). No caso, nossa
pesquisa buscou descrever o fenômeno observado (as contribuições da oficina nas
concepções de natureza da ciência dos estudantes), mas também se preocupou em
buscar explicações para as modificações nas respostas deles ao questionário avaliativo
utilizado, de modo ter sido necessário utilizar os dois parâmetros de interpretação,
provindos nos métodos quantitativo e qualitativo.
O estudo envolveu uma turma de treze alunos da turma da 7ª série de uma escola
pública municipal do município de Senhor do Bonfim, Bahia. A seleção da amostra foi
realizada de modo aleatório, já que essa foi a única turma da referida escola, que foi
campo de estágio para duas duplas de licenciandos estagiários da UNIVASF, e que ainda
não havia sido inscrita para participar do ciclo de oficinas na época.
Os dados foram coletados por do questionário VNOS-tipo C. Esse questionário foi
encontrado no artigo intitulado uma proposta de abordagem histórico-filosófica da teoria
da relatividade restrita para o ensino médio de Janete Francisca Klein Köhnlein e Luiz
Orlando de Q.Peduzzi2. Ele é composto por uma escala de Likert (1932), em que se
apresentam afirmativas com alternativas numa escala graduada.
A escala de Rensis Likert é uma escala psicométrica muito utilizada em
questionários de pesquisas de opinião3, sendo que sua graduação de cinco níveis é
bastante utilizada, por conter um parâmetro variado de escolhas ao respondente. No

2
Ver questionário em Köhnlein e Peduzzi (2005) disponível em
http://ensino.univates.br/~4iberoamericano/trabalhos/trabalho011.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2016
às 16:54.
3
Ver informações do relatório de Resis Likeert explicando seu uso em: Lickert, R. (1932).
A technique for the measurement of attitudes. Archives of Psychology, 1-55. Disponível em
https://books.google.com.br/books?id=9rotAAAAYAAJ&q=%22A+Technique+for+the+Measurement+of+Attit
udes%22&dq=%22A+Technique+for+the+Measurement+of+Attitudes%22&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwjJn7_Tr6HcAhUsxVkKHeXWCGoQ6AEIJzAA. Acesso, 15 de julho, 2018.

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caso, o questionário com respostas em escala de Likert (1932) possui onze afirmativas
cujas alternativas oscilam entre uma escala de cinco níveis: CF (concordo fortemente), C
(concordo), I (indeciso), D (discordo) e DF (discordo fortemente). As questões que o
compõem são:

1) As teorias científicas são obtidas a partir dos dados da experiência,


adquiridos por observação e experimento, ou seja, a experiência é a fonte
do conhecimento. (Peduzzi, 1998).

2) Observações científicas são sempre o ponto de partida para a


elaboração das leis e princípios em ciência. (Harres, 1999).

3) Todo o conhecimento científico é provisório, isto é, com o passar do


tempo poderá se verificar um fato que leve à sua rejeição. (Adaptado de
Harres, 1999).

4) Qualquer investigação científica sempre parte de conhecimentos


teóricos para só depois realizar uma testagem experimental. (Harres,
1999).

5) O modo como a ciência produz conhecimento segue rigorosamente a


seguinte sequência: observação de fatos, elaboração de hipóteses,
comprovação experimental das hipóteses, conclusões e estabelecimento
de leis e teorias. (Adaptado de Harres, 1999).

6) A elaboração de leis e princípios científicos obrigatoriamente dispensa a


criatividade, a intuição e a imaginação do pesquisador. (Harres, 1999).

7) Quando dois cientistas observam a mesma coisa, eles devem chegar


necessariamente às mesmas conclusões. (Adaptado de Harres, 1999).

8) O conhecimento científico é algo objetivo e confiável porque é provado.

9) Na ciência, todas as observações sempre são feitas com base em


alguma teoria.

10) Uma teoria que entra em conflito com observações ou resultados


experimentais deve ser rejeitada imediatamente. (Adaptado de Harres,
1999).

11) A natureza dá os fatos. É tarefa do cientista descobri-los. Para isso, é


preciso que ele realize o seu trabalho com a mente ‘purificada’, livre de
idéias sobre conhecimentos anteriores e sentimentos pessoais
(KÖHNLEIN E PEDUZZI, 2005, p.8).

O questionário foi aplicado junto aos estudantes no início da oficina e ao final da


mesma para que pudéssemos verificar se houve mudanças em suas concepções de
natureza da ciência por meio da oficina.
Os dados coletados por meio dos questionários foram organizados numa tabela,
contendo cada uma das onze respostas dada por cada um dos estudantes que respondeu
o pré-teste e o pós-teste. No caso, apenas onze alunos o fizeram. Para cada resposta foi
atribuída uma pontuação, entre 0 e 4, numa graduação que vai da resposta menos
adequada à resposta mais adequada para cada alternativa.

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A avaliação da oficina pelos estudantes foi realizada pela resposta escrita a três
perguntas: a) A oficina “Introdução à Química na cozinha” que cursou nessa semana te
ajudou a aprender algo? O quê? b) Você gostou dessa oficina? Por quê? c) Você acha
que a próxima oficina poderia melhorar em algum ponto? Qual? Essas perguntas estavam
dispostas ao final do questionário de sondagem das CNC dos estudantes aplicado ao final
da oficina. Depois, esses dados foram transcritos e analisados por meio da análise de
conteúdo.

Resultados e Discussões

Os treze participantes responderam ao pré-teste, sendo nove do sexo feminino e


quatro do sexo masculino. Já onze estudantes responderam ao questionário pós-teste,
sendo quatro do sexo masculino e sete do sexo feminino. Dado que a análise foi
comparativa, consideramos apenas os dados dos questionários dos onze estudantes que
responderam aos dois testes.
40
35
30
25
20 Pré-teste
15 Pós-teste
10
5
0
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Q6 Q7 Q8 Q9 Q 10 Q 11

Gráfico 1 - Valores atribuídos ao desempenho dos estudantes no pré-teste e pós-teste por


questão. Fonte: Autores.
Em praticamente metade das questões (n=5) os estudantes avançaram em suas
CNC com o desenvolvimento da oficina. As questões em que houve avanços foram: um,
dois, quatro, cinco e oito. As quatro primeiras questões tratam de como é produzido o
conhecimento científico, se pela experiência (observação e experimento), se sempre
partindo de experiência, se partindo da observação até a teoria numa sequência rigorosa
ou se sempre o conhecimento é produzido sempre partindo da teoria. A questão oito
aborda se o conhecimento científico é confiável por ser provado.
É importante compreender que não há um conjunto de passos que seja suficiente
para garantir a produção do conhecimento científico. Ou seja, não existe um único método
científico (CHALMERS, 1993). As ciências possuem diferentes formas de produzir
conhecimento e diversos fatores contribuem para a escolha do método mais adequado.
Assim, a ideia de que o conhecimento científico seja produzido somente por meio da
observação e do experimento já não se sustenta. Para a realização de qualquer
observação ou experimento há uma teoria envolvida. Assim, esses procedimentos não
são neutros, imparciais, completamente objetivos. E como não há passos específicos a
ser seguidos na produção do conhecimento científico, nem sempre é preciso realizar
experimentos para produzir teorias. Logo, conforme Chalmers (1993), o conhecimento
científico não é confiável por ser provado objetivamente, coloquemos essa objetividade

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entre parênteses. Isso porque a subjetividade do cientista também está envolvida no
processo, por mais que seja buscada a neutralidade na ciência.
O avanço dos estudantes com a oficina, no que tange a compreensão de que não
existe esse método específico que parta da observação e experimento, pode ter ocorrido
devido à experiência com a química na cozinha. Nessa parte da oficina, os estudantes
refletiram acerca de algum fenômeno que ocorra na cozinha, elaboraram hipóteses
acerca das causas de sua ocorrência e buscaram modos de provar suas hipóteses.
Compreendemos que talvez esse exercício de buscar racionalizar os fenômenos tenha
possibilitado o questionamento ao padrão de método que os estudantes costumam
aprender na escola, principalmente divulgados pelos livros de Ciências.
Em outras cinco questões houve retrocesso dos estudantes em relação à CNC. As
questões em que isso ocorreu foram: três, seis, sete, nove e onze. A questão três trata da
provisoriedade do conhecimento científico. A questão seis aborda o papel da criatividade,
imaginação e intuição na produção do conhecimento científico. A questão sete e a onze
tratam do papel da subjetividade do cientista na produção do conhecimento científico. E a
questão nove discorre sobre o papel da teoria na observação científica. Talvez esses
resultados se devam ao fato de não termos explorado na oficina de modo explícito, sobre
o quanto a imaginação, a criatividade e a teoria são importantes na ciência.
Na lógica empírico-indutivista a verdade científica é inquestionável. Popper (1972)
confrontou essa lógica, mostrando, por seu método falsificacionista ou hipotético dedutivo,
que essa verdade é provisória até que seja falseada. Desse modo, não podemos
considerar que o conhecimento científico seja verdadeiro, mas sim provisoriamente
verdadeiro.
Harres (1999) também apontou que geralmente as CNC inadequadas incluem o
desconhecimento da criatividade na produção do conhecimento científico. Isso muito se
relaciona a compreensão da produção da ciência como um conjunto de etapas rígidas, e
o cientista como um ser objetivo, neutro. Entretanto, a história da ciência nos mostrou
como a criatividade, a intuição e a imaginação podem ser importantes na produção
científica. Conforme Chalmers (1993):

Um dos resultados embaraçosos para muitos filósofos da ciência é que


esses episódios na história da ciência – comumente vistos como mais
característicos de avanços importantes, quer as inovações de Galileu,
Newton e Darwin, quer as de Einstein – não se realizaram através de nada
semelhante aos métodos tipicamente descritos pelos filósofos
(CHALMERS, 1993, p.14).

Hodson (2006) trata da relação entre as teorias e a observação. Ele nos mostra
que detrás de toda observação há uma teoria envolvida. Além disso, a mera observação
não é suficiente para levar à rejeição de uma teoria, é preciso que surja outra teoria que a
conteste e evidencie suas distorções.
De modo geral, entre os estudantes, não houve modificação em suas CNC no que
tange à questão dez, que trata da possibilidade de rejeição de uma quando ela entra em
conflito com resultados obtidos pela experiência. Essa questão se compatibiliza com a
afirmação três, ainda que na mesma tenha havido retrocesso nas CNC dos estudantes.

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30

25

20

15 Prés-teste
Pós-teste
10

0
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11

Gráfico 2 - Valores atribuídos ao desempenho geral de cada estudante no pré-teste e no pós-


teste. Fonte: Autores.
Seis estudantes mostraram evolução em suas CNC com a oficina. Outros quatro
estudantes apresentaram retrocesso em suas CNC com a oficina. Não houve modificação
na CNC de um dos estudantes participantes da oficina.
Acerca da avaliação da oficina pelos estudantes podemos considerar que de modo
geral o resultado foi positivo. Sobre a questão “A oficina Introdução à Química na cozinha
que cursou nessa semana te ajudou a aprender algo? O quê?” Todos os estudantes
afirmaram que a oficina contribuiu para sua aprendizagem de alguma maneira. A maioria
(n=7) apontou que a oficina os ajudou a aprender Química. De acordo com A11 “Me
ajudou a aprender várias coisas sobre Química que eu nem fazia ideia como eram, se
existiam, o porquê”. Para A3 “Me ajudou muito, principalmente na aula de Química e de
Ciências, a aprender novas químicas”. Um deles, afirmou que a oficina a “Ajudou a
compreender a química com uma visão diferente de ver a química de outro jeito” (A8).

Padrões de resposta Número de estudantes


Ajudou a compreender que a Química não é
1
difícil
Ajudou a aprender Química 7
Trouxe uma visão diferente da Química 1
Gostou da experiência 2
Quadro 1 - Padrões de resposta dos estudantes à questão “A oficina “Introdução à Química na
cozinha” que cursou nessa semana te ajudou a aprender algo?
Sobre as respostas à questão “Você gostou dessa oficina? Por quê?” A maioria dos
alunos (n=6) afirmou gostar da oficina por ter aprendido com a oficina. Os estudantes A3
e A11 atribuíram o aprendizado ao bom ensino dos ministrantes. De acordo com A3 “Por
que os professores explicam o assunto muito bem e aprendi muita coisa aqui”. Os
estudantes A2, A6 e A9 afirmaram ter aprendido conteúdos que não conheciam “Sim,
porquê me ensinou muito, aprendi coisas que eu não sabia” (A6). Alguns alunos, como
A8, gostaram da experiência: “Porque foi muito bom e eu aprendi muita coisa sobre a
Química” (A8).

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Padrões de resposta Número de estudantes
Sim, porque aprendeu muitas coisas 6
Sim, porque gostou da oficina 4
Sim, mas não explicou por que 1
Quadro 2 - Padrões de resposta dos estudantes à questão “Você gostou dessa oficina? Por quê?”
Acerca da questão “Você acha que a próxima oficina poderia melhorar em algum
ponto? Qual?” parte dos estudantes (n=5) apontou que nada deveria ser mudado na
oficina. De acordo com A3 “Eu acho que não tem que melhorar em nada, foi perfeita,
gostei bastante”. Três deles se mostraram descontentes com o insucesso do experimento
realizado, sendo que dois alunos especificaram que gostariam que o experimento do
vulcão tivesse sido bem-sucedido “Sim, eu queria que da próxima vez o vulcão pegasse”
(A8).

Considerações

Estudos têm apontado que o ensino desenvolvido nas escolas tem produzido nos
estudantes visões simplistas acerca da natureza da ciência. Também se têm observado
que muitos professores possuem visões empírico-indutivistas da natureza da ciência e
que isso tem sido refletido num ensino transmissivo e tradicional. Investigando a
potencialidade da oficina pedagógica Iniciação à Química na cozinha para o
desenvolvimento das CNC de onze estudantes do ensino fundamental observamos que
houve evolução nessas concepções junto à maioria deles. Verificamos que esse avanço
nas CNC se deu principalmente nas questões que tratavam de como é produzido o
conhecimento científico, se sempre partindo da experiência (experimento e/ou
observação) ou se sempre partindo de uma teoria, além de numa questão que tratava da
confiabilidade do conhecimento científico. Entendemos que a atividade de encontrar
problemas químicos na cozinha, produzir hipóteses de resolução e testá-las pode ter
auxiliado na compreensão do papel das teorias na produção da ciência, já que os
estudantes tinham que partir de suas suposições para solucionar as tarefas. É preciso
promover mais atividades envolvendo a educação científica e investigar sua
potencialidade em diferentes contextos para que se estimule o desenvolvimento de visões
mais adequadas da ciência.

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Submissão: 30/08/2017
Aceite: 22/08/2018

138 REnCiMa, v. 9, n.4, p. 126-138, 2018

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