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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU


MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

ELAINE DE FÁTIMA DUDEL MAYER

A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO NA APRENDIZAGEM

Ijuí (RS)
2013
ELAINE DE FÁTIMA DUDEL MAYER

A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO NA APRENDIZAGEM

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Educação
nas Ciências, Linha de Pesquisa: Teorias
Pedagógicas, Dimensões Éticas e Políticas da
Educação, da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer

Ijuí (RS)
2013

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A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO NA APRENDIZAGEM

elaborada por

ELAINE DE FÁTIMA DUDEL MAYER

como requisito parcial para a obtenção do grau de

MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer, Orientador (Unijuí)

______________________________________________________
Profª Drª Elza Maria Fonseca Falkembach (Unijuí)

______________________________________________________
Prof. Dr. José Pedro Boufleuer (Unijuí)

_______________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Rezer (Professor Externo-Unochapecó)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo sopro de vida e espírito


inquieto que me fazem seguir sempre em procura de
melhorias e do aperfeiçoamento do ser.
Aos meus pais, a quem tudo devo, pela base
genética e cultural, responsável pela minha
constituição como ser humano-gente.
Ao meu esposo e filhos, por serem a minha
força, o meu porto seguro, apoiando e incentivando
no movimento de procura por conhecimento e
crescimento pessoal.
Ao corpo docente do curso de Mestrado em
Educação da Unijuí, composto de pessoas
conscientes do seu papel formador, com as quais
muito aprendi na ampliação dos meus
conhecimentos e aprendizagens de conteúdos.

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RESUMO

O homem como cocriador de sua própria existência tem na educação um modo específico de
inserção e reprodução cultural. Para além desse amplo sentido de educação que o indivíduo
adquire com os mais próximos, as sociedades modernas desenvolveram a Educação Escolar,
que é realizada por intermédio de uma instituição e de professores que possuem a
responsabilidade do ensinar/aprender de modo sistemático. O presente estudo procura um
melhor entendimento a respeito das razões pelas quais flui a educação na constituição
humana, seja pelo ensino/aprendizagem, em meio familiar-cultural e ou escolar. As
indagações a que se pretende responder nesta pesquisa envolvem a compreensão da
aprendizagem por meio da pedagogia na relação educativa entre humanos, ou seja, entre seus
familiares, comunidade e instituição escolar, especialmente entre educadores e educandos. O
perfil metodológico ora utilizado enfatizou a abordagem qualitativa mediante revisão de
literatura. Assim, sua perspectiva está baseada no pensamento de escritores da área da
Educação, tais como: Paulo Freire, Mario Osorio Marques, Angel Pino, Fernando Savater,
Miguel Arroyo, Edgar Morin, Lev Semenovich Vigotsky e Gerard Guillot, os quais
evidenciam que o educador é o que conhece os conteúdos que são objetos de ensino, enquanto
o educando é o que ainda não se apropriou dos mesmos. Inicialmente, o estudo mostra, em
sentido amplo, como se desenvolvem as primeiras aprendizagens, e apresenta alguns
entendimentos quanto ao nascimento biológico e cultural do ser humano. Aborda, também, a
aprendizagem humana na especificidade escolar, ou seja, de quem ensina e os desafios do
ensinar. E, finalmente, traz o papel do educador na especificidade da escola, o trabalho
docente, a responsabilidade na atuação diante do aprendizado de seu discente e a educação
escolar como necessidade social. A partir dos resultados obtidos é possível compreender a
infinitude da aprendizagem humana, em que cada indivíduo nasce propenso a aprender a
forma humana de ser, e para isso terá de ser auxiliado e se esforçar para que de fato se
comprove essa característica. Nesse sentido, a atuação docente na relação educador x
educando é responsável pela formação de pessoas que atuam em sociedades desenvolvidas e
complexas. Esta pesquisa pode contribuir para o aprimoramento do ambiente educacional, o
processo de aprendizagem, a relação docente/ discente e o convívio social, uma vez que visa a
explicitar a especificidade de cada âmbito educacional e das responsabilidades de seus atores.

Palavras-chave: Educação. Aprendizagem. Pedagogia. Humano.

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RESUMEN

El hombre como cocriador de su propia existencia tiene en la educación un modo específico


de inserción y reproducción cultural. Además de ese sentido amplio de educación que el
individuo adquiere con los más cercanos, las sociedades modernas han desarrollado la
Educación Escolar, que es realizada por intermedio de una institución y de profesores que
poseen la responsabilidad de la enseñanza/del aprendizaje de modo sistemático. Este estudio
procura un mejor entendimiento a respecto de las razones por las cuales fluye la educación en
la constitución humana, sea por la enseñanza/el aprendizaje, en el medio familiar-cultural y o
escolar. Las indagaciones a que se pretende responder en esta pesquisa envuelven la
comprensión del aprendizaje por medio de la pedagogía en la educación entre humanos, o sea,
entre sus familiares, comunidad e institución escolar, especialmente entre educadores y
educandos. El perfil metodológico ora utilizado enfatizó el abordaje cualitativo mediante
revisión de la literatura. Así, su perspectiva se basa en el pensamiento de escritores del área de
la Educación, como: Paulo Freire, Mario Osorio Marques, Angel Pino, Fernando Savater,
Miguel Arroyo, Edgar Morin, Lev Semenovich Vigotsky e Gerard Guillot, los cuales
evidencian que el educador es lo que conoce los contenidos del conocimiento, en cuanto el
educando es lo que aún no los descubrió. Inicialmente, el estudio muestra, en sentido amplio,
como se desarrollan los primeros aprendizajes, y presenta algunos entendimientos cuanto al
nacimiento biológico y cultural del ser humano. Aborda, también, el aprendizaje humano en
la especificidad escolar, o sea, de quién enseña y los desafíos de la enseñanza. Finalmente,
trae el papel del educador en la especificidad de la escuela, el trabajo docente, la
responsabilidad en la actuación delante del aprendizaje de su discente y la educación escolar
como necesidad social. De los resultados obtenidos es posible comprender la infinitud del
aprendizaje humano, en que cada persona nace propensa a aprender el modo humano de ser, y
para eso tendrá de ser ayudado y esforzarse para que, de hecho, se demuestre esa
característica. En ese sentido, la actuación docente cuanto al educador x educando es
responsable por la formación de personas que actúan en sociedades desarrolladas y complejas.
Esta pesquisa puede contribuir para el mejoramiento del ambiente educacional, el proceso de
aprendizaje, la relación docente/discente y el convivir social, una vez que su objetivo es
explicitar la especificidad de cada ámbito educacional y de las responsabilidades de sus
actores.

Palabras-clave: Educación. Aprendizaje. Pedagogía. Humano.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8

1 A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO COMO ESPÉCIE APRENDENTE ..................... 10


1.1 O NASCIMENTO BIOLÓGICO E CULTURAL ............................................................. 10
1.2 A FAMÍLIA E OS VALORES NA EDUCAÇÃO............................................................. 19
1.3 A APRENDIZAGEM HUMANA ...................................................................................... 26

2 A APRENDIZAGEM NO ESPAÇO ESCOLAR ............................................................. 29


2.1 A INTERVENÇÃO ESCOLAR ......................................................................................... 29
2.2 O OLHAR HUMANO DE QUEM ENSINA ..................................................................... 45
2.3 OS DESAFIOS DO ENSINAR .......................................................................................... 52

3 O LUGAR DA DOCÊNCIA ............................................................................................... 57


3.1 O PAPEL DO(A) PROFESSOR(A) ................................................................................... 57
3.2 A ÉTICA NA ATUAÇÃO DOCENTE ............................................................................. 67
3.3 O TRABALHO DOCENTE ............................................................................................... 72
3.4 A EDUCAÇÃO COMO UMA NECESSIDADE SOCIAL ............................................... 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 87

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 89

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INTRODUÇÃO

A presente investigação traz uma melhor compreensão do fato de a Educação ser


fundamental na constituição humana, em especial o ensino/aprendizagem, tanto em meio
familiar-cultural como escolar. A constatação evidencia o ser humano como um ser
aprendente que embora nasça com as potencialidades inerentes à espécie, necessita de sua
potencialização para assumir a condição humana relativa ao tempo-espaço em que emerge.
O nascimento biológico e cultural que caracteriza o humano articula o ser e o aprender
de modo contextual e singular. A família, em suas diferentes formas, serve de base para que o
neófito encontre apoio necessário no longo período de sua formação. O homem é o único
animal, que por adquirir conhecimentos, desenvolve gradativamente a arte de aprender, e
necessita da intervenção de outros humanos para adquirir a forma humana de ser. A educação
é uma forma encontrada pelo homem para se constituir como família e como sociedade.
O ser humano é, por excelência, o ser do aprender, pois desde o seu nascimento evolui
e aprende com outros seres humanos. Tudo aprende, inclusive a ser gente, pois ninguém nasce
ou já nasceu sabendo, e se sabe é porque aprendeu com alguém. Aprende porque foi ensinado
e o desenvolvimento da disciplina pode potencializá-lo para novas aprendizagens.
O homem como cocriador de sua própria existência percebeu a necessidade da
educação como forma humana de ser. De modo que se pode entender a educação como o ato
ou efeito de (se) educar, ou seja, é um processo de desenvolvimento da capacidade intelectual,
moral e física do ser humano. A educação que o indivíduo adquire com os mais próximos
(familiares), entretanto, é mais cultural, contém crenças e valores, tais como um credo, uma
religião, balizadores dos princípios morais, cujas orientações formam a sua maneira de ser.
A educação escolar é assumida por uma instituição que tem por objetivo primeiro
instruir, capacitar, de modo que é exercida por especialistas – professores(as) que possuem a
responsabilidade do ensinar/aprender. O(a) professor(a) possui a função de dominar os
conteúdos científicos com os quais vai trabalhar, e o(a) aluno(a) vai para a escola para
aprendê-los, a fim de se tornar apto a conviver e atuar em sociedade.
Assim, em seu primeiro capítulo este estudo apresenta alguns entendimentos quanto à
aprendizagem do ser humano no sentido amplo – o nascimento biológico e cultural, em que
ocorrem as primeiras aprendizagens na relação pedagógica familiar e a apropriação da
educação pela espécie humana.

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Na sequência, o segundo capítulo aborda a especificidade da educação e da
intervenção escolar na aprendizagem humana, em que são disponibilizados conhecimentos
especializados e sistemáticos, com vistas a potencializar as novas gerações para as
complexidades das sociedades modernas.
E, finalmente, no terceiro e último capítulo constam reflexões acerca do papel do
educador na especificidade da escola, a ética na atuação docente, o trabalho e a
responsabilidade do educador diante do aprendizado de seu discente, e a educação escolar
como necessidade social. O perfil metodológico ora utilizado enfatizou a abordagem
qualitativa mediante revisão de literatura. Assim, sua perspectiva está baseada no pensamento
de escritores da área da Educação, tais como: Paulo Freire, Mario Osorio Marques, Angel
Pino, Fernando Savater, Miguel Arroyo, Edgar Morin, Lev Semenovich Vigotsky e Gerard
Guillot, através dos quais, procura-se o entendimento da aprendizagem concebida pela
Pedagogia na relação educativa entre humanos, ou seja, entre familiares, comunidade e
instituição escolar, especialmente entre educadores e educandos. Em função de a educação
escolar estar sendo questionada quanto ao seu papel formador perante a sociedade
informatizada. Informação é diferente de saber ou conhecimento mais aprofundado de um
assunto, objeto de estudos. Com isso evidencia-se que o educador é o que conhece os
conteúdos que são objetos de ensino, enquanto o educando é o que ainda não se apropriou dos
mesmos. Por essa razão, a relação é conceituada como pedagógica.

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1 A CONSTITUIÇÃO DO HUMANO COMO ESPÉCIE APRENDENTE

“A vida não se resume a uma coisa, mas sim a


sentimentos, reflexões, experiências, contextos, momen-
tos e recordações” (BOWELL, 2005, p. 4).

1.1 O NASCIMENTO BIOLÓGICO E CULTURAL

Inicialmente pretende-se responder alguns questionamentos quanto à formação do ser


humano, sua constituição como pessoa, o seu desenvolvimento, a inserção cultural e a
aprendizagem. O nascimento em meio familiar-cultural tem como base o biológico na sua
estrutura hereditária, fundamental para seu desenvolvimento, aprendizagem e inserção no
meio social, onde ocorre a interação com outros humanos com vistas à sua formação.
Apresenta, então, um pouco da histórica e fantástica aventura do homem como um ser que ao
longo dos séculos aprendeu, repetiu, viu que deu certo, refletiu, apostou e acreditou em sua
própria consciência de que aprender é uma das formas mais elementares para a preservação da
própria espécie. A ação do homem perante seu meio fez surgir a consciência de si mesmo, de
seu entorno e dos demais. Nesta perspectiva, para Ernani Maria Fiori (apud FREIRE, 1981, p.
8), “É um comportar-se do homem frente ao meio que o envolve, transformando-o em mundo
humano”.
Desde os primórdios dos tempos aos dias atuais, de geração em geração o ser humano
vem evoluindo, entre tentativas que foram bem sucedidas e outras nem tanto, e que deram
impulso para novas investidas. Segundo Pino (2005, p. 15), “O homem como criador da
condição humana da sua natureza”, envolve a todos em uma interessante pesquisa sobre a
natureza humana. A necessidade é uma das inquietudes do homem que o leva a refletir,
transformar e recriar sua condição. Freire (1981, p. 29, grifo do autor) assim discorre: “Mais
uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem, a si mesmos,
como problema. Pouco sabem de si, de seu pôsto no cosmos, e se inquietam por saber mais.
Nesse sentido, Pino (2005, p. 16) expressa que: “A consciência surge, portanto, no
distanciamento do homem da natureza que lhe permite fazer dela o objeto de sua ação”. Esta
visão também é compartilhada por Freire (2001, p. 29, grifo do autor) ao afirmar que: “Os
homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. É precisamente
isto, a práxis humana, a unidade indissolúvel entre minha ação e minha reflexão sobre o
mundo. O nascimento familiar-cultural concede a aprendizagem sobre si, seu meio e a
natureza que, queira ou não, já estava ali presente desde o momento da primeira respiração.

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Sendo natureza e pertencendo ao meio humano, o homem precisa desenvolver-se e aprender.
No seio familiar é primordial que seja proporcionada atenção ao recém-nascido, visando ao
seu desenvolvimento e aprendizagem, traduzida em educação. De acordo com Vigotsky
(2007, p. 100), “O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um
processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam”. Isso
demonstra o quanto cada geração é responsável por seus ascendentes que vêm se
desenvolvendo e, assim, consecutivamente.
Possivelmente, a educação, tanto familiar quanto escolar, seja uma das formas mais
sucintas de o ser humano desenvolver a noção da própria existência. Acredita-se que a base
do seu aprendizado e de sua educação aconteça no meio familiar-cultural, dependendo de
noções que envolvem o ser no centro de seu universo, ser com os outros, incluído em um
tempo de aprender. Diante de fragilidade humana concorda-se com Pino (2005, p. 43) ao
discorrer que:

A fragilidade do bebê humano no momento de nascer e sua insuficiência para


sobreviver por conta própria fazem dele, efetivamente, o mais indefeso dos
mamíferos. Durante muito tempo, bem mais do que aquele que as crias de animais
mais próximos do ser humano precisam para adquirir sua autonomia, a
sobrevivência do bebê humano depende totalmente da solidariedade dos seus
semelhantes, em particular dos pais.

Supõe-se que haja a interferência de outros humanos para que a aprendizagem, desde
logo, seja assumida como parte essencial do ser. E que a conscientização, conforme Freire
(2001, p. 31), “se apresente como um processo num determinado momento, que deve
continuar sendo processo no momento seguinte, durante o qual a realidade transformada
mostra um novo perfil”. Aprender e evoluir como ser de espécie humana é determinante, pois
já traz consigo, como descreve Pino (2005, p. 30-31, grifos do autor), “Duas funções, as
naturais, regidas por mecanismos biológicos, e as culturais, regidas por leis históricas”.
Aliado à importância do ensinar ou do aprender é fundamental saber que:

a razão e o afeto, qualidades tipicamente humanas, são, sem sombra de dúvida,


forças poderosas para garantir aos frágeis bebês humanos a sua sobrevivência na
sociedade adulta; pode-se afirmar, então, que a aparente condição de inferioridade e
de prematuridade do bebê humano, em vez de se constituir uma perda e um
obstáculo ao seu desenvolvimento, representa, pelo contrário, um enorme ganho e
um grande meio de desenvolvimento, uma vez que possibilita que possa ser
“educado”, ou seja, que possa beneficiar-se da experiência cultural da espécie
humana para devir um ser humano. Nesse caso, a aparente desvantagem em termos
biológicos constitui uma vantagem em termos culturais (PINO, 2005, p. 46, grifos
do autor).

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Educação requer consideração, exige respeito pelo outro, tanto dos adultos pelos
adolescentes e crianças quanto das crianças e adolescentes pelos adultos. Mesmo tendo
origem em um meio cultural específico e aprendendo sobre esse meio, o bebê humano
necessita da atenção de outro humano para que seu desenvolvimento aconteça de maneira
saudável. O afeto, o aconchego, o sentir-se bem-vindo, são itens fundamentais para o
desenvolvimento, e habilitam o homem a aprender a sua cultura e as demais, inclusive a
respeitar outras formas de vida que ameaçam interferir no seu meio e em sua própria
aprendizagem. Evidencia-se, no meio escolar, e de maneira precoce, a falta de identificação, o
tempo dessa construção humana por meio do afeto, o acompanhamento nesse desenvolver e
crescer aprendendo. A educação que se dá pela atenção, contudo, é uma das formas de
construção humana que somente um humano pode fazer pelo outro.
Na aprendizagem, segundo Marques (2006, p. 18), “constitui-se em suma, a
humanidade e se constituem os homens e seus grupos, pela ação comunicativa e na
hermenêutica reconstrutiva das tradições, de face aos desafios dos sempre novos tempos e no
imperativo da emancipação humana”. As faculdades mentais do ser humano somente se
desenvolvem a partir do momento em que ele entra em contato com outras fontes mentais que
o ajudam a desenvolver o conhecimento e a aprendizagem. Tudo se aprende, inclusive a ser
gente e, de forma humana, a acreditar na capacidade do outro, ou de maneira desumana a
humilhar, oprimir e excluir, cujo modelo geralmente é copiado e usado da mesma forma mais
tarde. No contexto biológico e cultural, Pino (2005, p. 47) ressalta: “A origem social das
funções mentais superiores ou culturais, é que a história do ser humano implica um novo
nascimento, o cultural, uma vez que só o nascimento biológico não dá conta da emergência
dessas funções definidoras do humano”. Nesse sentido Vigotsky questiona:

Mas, se existe um nascimento cultural deve existir também, um hipotético momento


zero cultural. A razão é simples: se as funções culturais têm que se “instalar” no
indivíduo é porque elas ainda não estão lá, ao contrário do que ocorre com as
funções biológicas que estão lá desde o início da existência, nem que seja de forma
embrionária (apud PINO, 2005, p. 47, grifos do autor).

A cultura, de acordo com Marques (2006, p. 19), pode ser entendida como a
simbologia do ser, a qual adequa o indivíduo ao mundo dos homens. Nesse momento, o
intelecto é acionado e remete o indivíduo a uma aprendizagem interminável, muito diferente
da dos animais, pois se constitui num sujeito incompleto e, consequentemente, eterno
aprendiz. Como bem salienta Freire (2001, p. 94), “A educação crítica considera os homens

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como seres em devir, como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente
inacabada e juntamente com ela”. O autor reconhece que,

encontram-se as raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O


caráter inacabado dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a
educação seja uma atividade contínua. A educação é continuamente refeita pela
práxis. Para ser deve chegar a ser (FREIRE, 2001, p. 94).

Mediante a noção do inacabado, a educação, no entendimento de Freire (2001), não


deve jamais ser abrupta ou excludente. Ela é, por excelência, uma construção que vai
acrescentando o saber ao outro, e se modificando conforme é realizada e observada pelo
próprio homem, proporcionando-lhe o desenvolvimento e o crescimento como indivíduo.
Vigotsky (2007) critica ainda a intervenção educacional que se arrasta ao longo dos processos
psicológicos ao invés de focalizar as capacidades e as funções emergentes. Ao considerar
esses estudos percebe-se a importância da humanização do processo ensino-aprendizagem, a
exemplo do olhar de quem ensina, a observação das diferenças de cada um dos aprendizes, e a
necessária presença do outro para que na interação ocorra a grande façanha de aprender e
ensinar, que somente o homem é capaz de realizar. Já o ato de aprender e o desenvolvimento
são definidos por Vigotsky (2007, p. 103) como:

O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são


capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente
e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses
processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da
criança.

O ser humano, portanto, em sua singularidade, pode absorver a cultura do local aonde
nasce, sendo por essa mesma cultura inserido no meio humano. Pela singularidade desenvolve
uma pluralidade de gestos, jeitos, sons da voz, alimentação, maneira de ser e de se comportar,
sendo dependente e ao mesmo tempo independente em suas conquistas e aprendizagens,
mediante a criação de um jeito único, apesar das várias cópias que faz durante a sua formação.
Como lidar com as diferentes individualidades? O ser humano possui uma história
geral e outra pessoal, sendo único entre tantos semelhantes, e essa individualidade é o que
acrescenta ao outro e a si a aprendizagem. É nessa diferença que ocorrem as grandes
descobertas, como por exemplo, que a dificuldade de alguém pode ser sanada por outro ser
com facilidade. A ajuda mútua provoca um grande salto no desenvolvimento intelectual, tanto
para quem ajuda quanto para quem é ajudado. Quem ajuda aprende ainda mais, se afirma no
que já sabe, e quem é ajudado acaba compreendendo o que ainda não sabia. E, assim, o

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avanço do conhecimento também permeia a vida em nosso planeta e vai sucessivamente se
desenvolvendo de uma maneira significativa e complementar de geração em geração, em
beneficio de uma humanidade. Saber algo significa que alguém ensinou, pois ninguém nasce
sabendo. Deve-se ser sempre grato ao que já se aprendeu, por isso humildade e paciência são
necessárias na capacidade de ensinar.
São várias e diferentes culturas, e todas elas levam à simbologia da espécie humana,
em cujo seio é inventada a forma de ser. Uma dessas formas é a educação, que diferencia o
ser humano de outras espécies que fazem parte da natureza. Desenvolve-se, assim, a história
geral e pessoal de cada ser, como bem afirma Vigotsky,

Se o desenvolvimento daquele não é uma simples repetição do desenvolvimento


desta, todavia, na medida em que o desenvolvimento da espécie é a história da sua
humanização e o do indivíduo é a história da humanização de cada membro dessa
espécie, conclui-se que este é um caso particular daquele ou, em outros termos, que
a história pessoal de cada indivíduo é um caso particular da história geral da espécie
(apud PINO, 2005, p. 52, grifo do autor).

Cultura e crenças são valores inseridos desde a mais tenra idade. A mãe ou cuidadores
são os grandes incentivadores do personagem humano que aí vai se formando e se inserindo
em meio à sociedade à qual pertence. Em meio ao coletivo, e cada vez mais dando conta de si,
de seu jeito, o sujeito passa a fazer parte dessa geração, contribuindo com seu meio à sua
maneira de ser. Pode-se perceber o quanto esse trabalho coletivo faz com que cada ser que
nasce se torne da espécie por meio da educação. Freire (1996, p. 77, grifos do autor) destaca
de maneira realista a condição humana do masculino e do feminino ao afirmar:

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos


tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a
lição dada.

História e cultura são as grandes fontes que formam o indivíduo desde o nascimento.
Mesmo em sociedades mais remotas as marcas do humano já estavam presentes devido à
forma de se comportar e à transmissão de conhecimentos. Marques (1993, p. 108) escreve
ainda que:

A educação é o alargamento do horizonte cultural, relacional e expressivo, na


dinâmica das experiências vividas e na totalidade da aprendizagem da humanidade
pelos homens. Nela, pessoas e grupos com experiências diversificadas confrontam-
se no diálogo aventuroso da aprendizagem coletiva, em que cada um, a seu modo, dá
testemunho das múltiplas possibilidades humanas.

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Hoje, cada vez mais vem se aperfeiçoando essa forma de aprender, na qual são
utilizadas várias ferramentas. Mesmo assim são necessárias diversas pessoas para intermediar
a aprendizagem, a fim de que o conhecimento adquirido tenha um sentido. Esta visão é
compartilhada por Savater (2005, p. 29), ao destacar: “A possibilidade de ser humano só se
realiza efetivamente por meio dos outros, dos semelhantes, ou seja, daqueles com os quais a
criança, em seguida, fará todo o possível para se parecer”. O autor segue explicando que:

Essa disposição mimética, a vontade de imitar os congêneres, também existe nos


antropóides, mas é enormemente multiplicada no macaco humano: somos antes de
tudo macacos de imitação, e é por meio da imitação que chegamos a ser algo mais
do que macacos. O específico da sociedade humana é que seus membros não se
transformam em modelos para os mais jovens de modo acidental, inadvertidamente,
mas de forma intencional e conspícua (SAVATER, 2005, p. 29).

Esse processo continua na identificação com os mais próximos, e lentamente com os


que fazem parte do seu círculo de convivência, imitando e se incluindo de forma ativa na
sociedade, promovendo a construção do ser enquanto humano. Estudos realizados com
macacos são sinalizados por Savater (2005, p. 29), que afirma: “Os jovens chipanzés atentam
para o que fazem seus adultos; as crianças são obrigadas pelos adultos a atentar para o que
devem fazer”. Enquanto que os adultos humanos

[...] reclamam a atenção de seus filhotes e encenam diante deles as maneiras da


humanidade para que as aprendam. De fato, por meio dos estímulos de prazer ou de
dor, praticamente tudo na sociedade humana tem uma intenção decididamente
pedagógica. A comunidade em que a criança nasce implica que será obrigada a
aprender e também as peculiaridades desse aprendizado (SAVATER, 2005, p. 29,
grifo do autor).

No interior dessas comunidades se desenvolvem normas e regras para que o homem,


educado, se torne social, garantindo a preservação da espécie. Isso demanda tempo e
vivências, as quais revelam as necessidades e desenvolvem meios para que a sobrevivência
seja preservada. Acredita-se que muitas perdas devem ter ocorrido até que o homem
percebesse o quanto a preservação do outro é necessária para garantir a sua vida e promover a
aprendizagem. Essas normas e regras podem ser chamadas de cultura, ideias humanas que
provieram de uma ou mais necessidades de uma comunidade, em que o homem se constrói
como forma humana de ser.
O valor cultural é definido por Pino (2005, p. 83) da seguinte forma:

Quer consideremos uma cultura muito simples ou primitiva, ou uma extremamente


complexa e desenvolvida, deparamo-nos com uma vasta aparelhagem, em parte

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material, em parte humana, em parte espiritual, com a ajuda da qual o homem é
capaz de lidar com os problemas concretos, específicos com que se defronta.

Supõe-se que, diante da complexidade da forma humana de ser, independente do


desenvolvimento, a existência de uma comunidade desencadeia uma densidade de
instrumentos que vão colaborar com a aprendizagem da cultura, ou seja, inserem o indivíduo
no meio humano, onde ele aprende, faz, constrói, forma, reforma e refaz de forma simples ou
complexa. Como descrito por Pino (2005, p. 89, grifos do autor), “A cultura é uma ‘produção
humana’ e essa produção tem duas fontes simultâneas: a ‘vida social’ e a ‘atividade social’ do
homem”, confirmando a interação tão necessária para a construção de tudo o que existe. A
convivência com seres da mesma espécie faz com que o indivíduo seja mais criativo e
enfrente maiores desafios quando em grupo. Ao observar os animais pode-se perceber a
grande sabedoria que existe na natureza, pois eles vivem em grupos e se protegem, procuram
alimentos em conjunto e se aninham para enfrentar temperaturas, tudo para garantir a espécie.
O ser humano, por outro lado, necessita aprender pelo desenvolvimento da capacidade
intelectual, a valorar o ser de sua espécie que pensa, reflete e age, o que confirma a sua
condição de ser, que deveria ter a consciência da necessidade da inclusão dos novos ao seu
meio cultural e histórico, preservando assim o gênero humano.
Conforme Arroyo (2000, p. 55), na questão de ser e de aprender, “Descuidamos uma
das curiosidades mais próprias de nossa condição humana, a curiosidade por aprender a ser,
por entender os significados, por apropriar-nos da cultura. Nesses complexos saberes
nascemos ignorantes”. O ser humano possui a necessidade de aprender a ser gente, e revela o
gosto de ser gente, de ser melhor, além da boniteza de ser. É, portanto, eterno aprendiz, por
isso sempre em construção, cuja evolução inicia no nascimento e perdura até a morte. Essa
construção existe enquanto estiver em interação com outros, confirmando-se o saber pelo
outro e com o outro. O semelhante é aquele que vai concordar ou discordar, dizer sim ou não,
afirmar ou negar, acolher ou repudiar e, mesmo que sua opinião seja indiferente, vai fazer
com que siga ou pare, reflita ou haja. Os resultados vão ocorrendo na práxis humana.
No entendimento de Marques (2006, p. 17), “O homem pode se definir como ser que
aprende. Não surge ele feito ou programado de vez. E, sua existência não é por inteiro dada
ou fixa; ele a constrói a partir de imensa gama de possibilidades em aberto”. O autor segue
argumentando que o crescimento humano “É algo além do visto, e sem meios de crescimento
e ressignificação singular, onde cada ser na sua herança biológica reforma e transforma no
que já existe, perante seu entendimento, do ‘seu jeito’, vai acrescentando algo novo ao meio”
(MARQUES, 2006, p. 17).

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Depreende-se daí que o ser humano possui capacidades infinitas, percebidas tão logo
aprende as primeiras necessidades e, assim, sucessivamente. As palavras de Savater (2005, p.
27, grifo do autor) confirmam que: “Para os antropólogos a neotenia é um processo peculiar
humano. Essa palavra pretende indicar que nós humanos nascemos aparentemente cedo
demais, sem estarmos totalmente consumados”.
Os animais aprendem algo, mesmo que seja por questões de sobrevivência, enquanto
os indivíduos humanos, em contrapartida, “permanecem, até o fim de seus dias, imaturos,
tateantes e falíveis, mas em certo sentido sempre juvenis, ou seja, abertos a novos saberes”
(SAVATER, 2005, p. 28). A frágil e ao mesmo tempo incrível estrutura na forma humana de
ser proporciona essa gama de possibilidades de aprendizagem e de fazer e refazer-se em meio
cultural e social. Como estabelece o autor, “neotenia significa, pois, ‘plasticidade ou
disponibilidade juvenil’ (os pedagogos falam em educabilidade), mas também implica uma
trama de relações necessárias com outros seres humanos” (SAVATER, 2005, p. 29, grifo do
autor). Os homens humanizam-se entre si e ambas – humanização e desumanização – estão
inscritas num permanente movimento de descobrir.

Requer a dialética da história que se superem os caminhos andados, mas refazendo-


os. Reconstruir não significa ignorar o passado que, na cultura e em cada homem,
continua presente e ativo, vivo e operante; mas impõe que nele penetrem e atuem
novas formas que o transformem e introduzam na novidade de outro momento
histórico e outros lugares sociais (MARQUES, 1993, p. 104).

A história pode garantir a continuidade e a aprendizagem por meio de experiências


passadas. Para se chegar ao que se é hoje, o meio histórico disponibiliza a percepção do que já
foi e do que pode ser. O homem em si deveria volver um olhar ao passado e elaborar um
planejamento futuro. A educação, contudo, é uma forma de aprendizagem oriunda da
experiência passada acrescida à evolução.
Considerando o material e o simbólico, o indivíduo torna-se humano mediante o
ensino/aprendizagem. A educação é uma das formas de o homem adquirir consciência de ser
histórico, de fazer parte da práxis, e ao conhecer e aprender um pouco do legado histórico, se
inclui nesse fazer cotidiano, ou seja, na sociedade da qual faz parte.
O ser humano é aprendiz desde o momento do nascimento e daí sucessivamente
enquanto vive. A aprendizagem cultural influencia nesse contexto, sendo a escola responsável
por repassar, de forma intencional, conteúdos e atitudes de convivência social. Outra
expressiva influência é a socialização, que lhe permite aprender a viver e a conviver com
familiares e amigos que fazem parte do seu dia a dia, de maneira direta ou indireta. Esse é o

17
grande legado humano – a mediação intencional e pedagógica – que proporcionam formas de
ser e de parecer. Mesmo convivendo cada vez mais com objetos de uso para o
desenvolvimento e a aprendizagem, o convívio dos sujeitos é fundamental para a construção
do humano.
A sociedade contemporânea faz com que as crianças também atinjam um
desenvolvimento cada vez mais precoce na questão de conhecimentos do que há alguns anos.
Estimuladas cada vez mais precocemente à significação de aprender, elas respondem de uma
maneira saudável à interação, favorecendo o crescimento, o desenvolvimento e a
aprendizagem. Já a cultura é aprendida em meio familiar e social, favorecendo a outras
aprendizagens no meio humano, constituindo-se na porta de entrada ao humano. Como bem
salienta Pino (2005, p. 22), “A distância que separa a mitologia e a ciência, ou seja, a crença e
a razão, talvez não seja tão grande como se pensa, dado que ambas são obras da mesma mente
humana”. Por outro lado, o autor afirma: “Consolida-se assim na consciência do homem
contemporâneo a ideia de que só o homem pode dizer ao homem quem é ele e como apareceu
no movimento evolutivo da matéria” (PINO, 2005, p. 23). No sentido oposto, Geertz explica:

‘Os homens sem cultura’, diz ele, ‘não seriam os selvagens inteligentes, ou até
mesmo como a antropologia insinua, os macacos intrinsecamente talentosos que por
algum motivo, deixaram de se encontrar’. Eles seriam monstruosidades
incontroláveis, com muito pouco instintos úteis, menos sentimentos reconhecíveis e
nenhum intelecto, verdadeiros casos psiquiátricos (apud PINO, 2005, p. 86).

Toda cultura deveria proporcionar a base de sustentação, limites, valores, normas e


regras infundidas pela educação. Trata-se de uma necessidade humana, contudo, é preciso
direcionamento específico a fim de que o indivíduo se construa como ser da espécie. A
questão humana, segundo Savater (2005, p. 35) acontece devido ao fato de que “ensinar a
nossos semelhantes e de aprender com nossos semelhantes é mais importante para o
estabelecimento de nossa humanidade do que qualquer um dos conhecimentos concretos que
assim se perpetuam ou se transmitem”. A intervenção humana no desenvolvimento do
indivíduo, portanto, é fundamental, pois ao nascer todos precisam de cuidados específicos, a
fim de se constituírem da espécie e se tornarem adultos responsáveis pelo cuidado do outro e
pela sua própria aprendizagem. Segundo Savater (2005, p. 35, grifo do autor), “Das coisas,
podemos aprender efeitos e modos de funcionamento”. Contudo, para o autor: “do comércio
intersubjetivo com os semelhantes aprendemos significados”. O ser humano possui a
necessidade de educar-se, sentir-se em grupo, é onde cresce e aprende a ser gente.

18
Para Marques (2006, p. 62), “Dá-se a humanização do ser individual pela
multiplicação de seus grupos de pertença e referência, que assim se relativizam, permitindo as
opções livres e a proteção de uns grupos contra a excessiva ingerência de outros”. A
possibilidade de entrar em contato com outros humanos, além da família, demonstra a
pertença da espécie e as significações de mais e diferentes culturas, o que abre e expande os
conhecimentos.
Freire (2009, p. 25) compartilha a visão de que as possibilidades humanas na
aprendizagem ocorrem por intermédio da interação, e destaca: “Assim como nós nos
construímos historicamente e não apenas geneticamente, nós somos a relação entre a herança
genética e a herança cultural e histórica”. Várias formas de viver e aprender se originam na
escola, e lá se encontram muitas e diversas culturas. Mesmo em lugares pequenos a cultura e a
maneira de ser e de viver podem ser diferentes, o que engrandece a aprendizagem humana.

1.2 A FAMÍLIA E OS VALORES NA EDUCAÇÃO

“O que precisamos compreender é que o propósito da


vida é encontrar o propósito da vida – e, então,
vivenciar isso” (BOWELL, 2005, p. 12).

A própria evolução humana, concedeu ao homem a percepção da importância de


aninhar os seus em uma família. Forma de preservar geração após geração a linhagem da
espécie. Na definição de Savater (2005, p. 58), “O aprendizado familiar tem por trás o mais
eficaz dos instrumentos de coação: a ameaça de perder o carinho daqueles seres sem os quais
não se sabe como sobreviver”. A família não deixa de ser uma das formas mais complexas e
necessárias à formação do ser humano. É ali que o indivíduo, sob os cuidados dos seus,
começa a pertencer a um grupo cultural, fazendo parte de uma aprendizagem humana. Para
que ocorra essa formação, os cuidadores usam, ou deveriam usar, todas as ferramentas
necessárias para o desenvolvimento saudável em meio social. É na família que o indivíduo
possui o maior embasamento para mais tarde fazer parte de uma sociedade. É nesse meio que
aprende a forma humana de ser, e começa a ser inserido na espécie.
Savater (2005, p. 58-59) prossegue afirmando que, “Desde a mais tenra infância, a
principal motivação de nossas atitudes sociais não é o desejo de ser amado, nem a ânsia de
amar, mas o medo de deixar de ser amado pelos que mais contam para nós”. O sentimento de
ser amado é talvez a mais forte razão de ser e querer ser, por isso afirma Goethe: “Dá mais

19
força se saber amado do que se saber forte: a certeza do amor, quando existe, nos torna
invulneráveis” (apud SAVATER, 2005, p. 59).
O cuidado é inerente à sobrevivência humana devido à vulnerabilidade com que chega
ao contexto. Sem uma atenção devidamente dedicada ao assistir é muito difícil alguém se
desenvolver, pois a vida em si é o cuidar. Concorda-se com Savater (2005, p. 59) quando
escreve: “É no ninho familiar, quando este funciona com a devida eficácia, que saboreamos
pela primeira vez, e talvez pela última, a sensação reconfortante dessa invulnerabilidade”. Na
atualidade o núcleo familiar tem se modificado, homens e mulheres atuam em sociedade de
forma quase igualitária, ficando as crianças, adolescentes e jovens entregues a outros no
cuidado de sua educação e formação. Dessa forma, são mantidos quase que diariamente a
uma distância dos familiares, privados da comunicação e da interação tão necessárias à sua
formação.
Acredita-se que em função do trabalho educativo com as crianças a família seja uma
sociedade em formação, em cujo meio os adultos devem constantemente recorrer a educação.
Afinal, os adultos podem se observar e analisar como está a sua educação em meio a essa
pequena sociedade em que vivem. “No entanto, para que uma família funcione
educacionalmente é imprescindível que alguém nela se resigne a ser adulto [...]. Quanto
menos os pais quiserem ser pais, mais paternalista se exigirá que seja o Estado” (SAVATER,
2005, p. 64-65). Aos adultos cabe a responsabilidade e a consciência de ensinar às crianças as
peculiaridades de sua cultura. A aprendizagem humana é contrária à dos animais, que nascem
com instinto de sobrevivência muito apurado, logo já imitam os seus para dar conta de sua
própria vida ou sobrevivência.
No fluir normal da vida são necessárias várias aprendizagens de convivência entre os
seus personagens. Nesse ínterim, a família ensina primeiramente cuidando, depois apresenta
os fundamentos, normas, regras e valores para que a convivência tanto familiar como social
seja possível. Savater (2005, p. 57) expressa que:

As crianças passaram muito mais tempo fora da escola do que dentro, sobretudo em
seus primeiros anos. Antes de entrar em contato com seus professores, já
experimentaram amplamente a influência educacional de seu entorno familiar e de
seu entorno social.

Espera-se que em meio à comunidade a convivência se configure numa possibilidade


de interação, em que as pessoas assumem condutas que são adotadas por todos para viver e
conviver pacificamente. Para isso, a educação começa no nascimento e evolui gradativamente

20
com o crescimento e o desenvolvimento, o que coloca na família a necessidade primeira
diante da formação humana. Nesse sentido aborda Savater (2005, p. 57):

Na família a criança aprende – ou deveria aprender – atitudes fundamentais, como


falar, limpar-se, vestir-se, obedecer aos adultos, proteger os menores (ou seja,
conviver com pessoas de diferentes idades), compartilhar alimentos e outros bens
com quem a cerca, participar em jogos coletivos respeitando as regras, rezar para os
deuses (se a família for religiosa), distinguir em nível primário o que é bom do que é
mau segundo as pautas da comunidade a que pertence etc. Tudo isso compõe o que
os estudiosos chamam de “socialização primária” do neófito, por meio da qual este
se transforma em um membro mais ou menos padrão da sociedade.

A socialização primária, como necessidade humana de constituição do ser, segundo os


padrões da sociedade atual, deve ter o seu foco na questão da educação e da autonomia, uma
vez que as exigências de sobrevivência no meio humano são cada vez mais complexas. A
educação familiar exige dos responsáveis uma constante supervisão, em especial da infância,
período em que ocorre a formação do ser. Para tanto, a família precisa se adaptar às mudanças
econômicas e sociais, consideradas meras companheiras do dia a dia na práxis humana.
Conforme entendimento de Savater (2005, p. 58):

Se a socialização primária tiver se realizado de modo satisfatório, a socialização


secundária será muito mais frutífera, pois terá uma base sólida sobre a qual vai
assentar seus ensinamentos; caso contrário, os professores ou companheiros deverão
perder muito tempo polindo e civilizando (ou seja, tornando apto para a vida civil)
quem deveria estar pronto para aprendizados menos elementares.

A própria interação do homem com o meio transforma o contexto e diferencia as


situações vividas. Prova disso é que, apesar de ser considerada porto seguro, a família tem
passado por transformações ao longo das últimas gerações. Mesmo assim não deve deixar de
cumprir com seu papel fundamental, que é educar os seus para o social. As crianças são
inseridas nesse meio desde muito cedo, e com o tempo vão adquirindo todas as formas de ser
dessa comunidade, incorporando a aprendizagem humana e, assim, são incluídas na
sociedade. As crianças, segundo Savater (2005, p. 66),

[…] são educadas para serem adultas, não para continuarem crianças. [...] são
educadas para crescerem melhor, não para não crescerem, uma vez que, de qualquer
modo, bem ou mal, irão crescer inevitavelmente. Se os pais não ajudam os filhos,
com sua autoridade amorosa, a crescer e a se preparar para serem adultos, as
instituições públicas se verão obrigadas a lhes impor o princípio de realidade, não
com afeto, mas à força.

21
Quer se aceite ou não os filhos são criados para a humanidade, portanto, devem
aprender a conviver desde muito cedo com os semelhantes de forma civilizada e educada. “A
sobrevivência do indivíduo justifica a coesão familiar, mas provavelmente foi a necessidade
de educar que causou laços sociais que vão além do núcleo procriador” (SAVATER, 2005, p.
32). Para ter uma vida digna e de sucesso o indivíduo precisa ser educado, e quanto mais
educado for, mais saberá atuar e conviver em sociedade, respeitando limites, regras, normas e
valores a fim de construir uma sociedade humana. E, quanto mais complexa for essa
sociedade, mais necessários são o conhecimento e a aprendizagem escolar, a educação, o bom
senso, a civilidade, a humana noção do senso de comunhão, o respeito à individualidade do
outro, pois ninguém é uma ilha, e há necessidade do outro para que a vida tenha um sentido.
“Sabemos que o medo cobra um preço enorme sob forma de inibição ou rigidez. Mas a
criança deverá temer alguma coisa se quisermos que ela se aplique na árdua tarefa de
aprender” (SAVATER, 2005, p. 68).
A aprendizagem exige do ser humano adulto uma constante vigilância sobre a criança,
a fim de assisti-la dando-lhe a noção de ser, ser que ainda não sabe. É preciso realizar a tarefa
de educar as crianças com senso de responsabilidade, pois a vida cobra educação em qualquer
contexto em que se possa estar, e as crianças precisam saber disso, afinal elas vêm para
conviver e ser. “Essencialmente, a autoridade não consiste em mandar: etimologicamente, a
palavra provém de um verbo latino que significa algo como ‘ajudar a crescer’” (SAVATER,
2005, p. 65).
O ser humano começa a aprender no momento em que segura o seio materno para se
alimentar, mantendo o olho no olhar da mãe que aninha e ensina essa primária e necessária
atividade de se nutrir. Aprende também a observar objetos em seu entorno, conforme suas
mãos vão se tornando conhecidas, tenta pegá-los e, assim, sucessivamente, vai conhecendo e
se adaptando ao meio, onde inicia sua caminhada da aprendizagem de ser humano
culturalmente inserido nesse contexto. Para Marques (2006, p. 61), “Não significa isto,
porém, que possa a família subsistir insulada fechada em si mesmo. Está ela inserida no
contexto mais amplo das demais instituições sociais e penetrada, como elas, das
determinações da sociedade global”. Mesmo sendo um núcleo, uma pequena sociedade, a
família está ligada a um meio social maior e, nesse meio ocorrem interações diversas que
contribuem para a formação dos que vêm chegando ao contexto. Marques (2006, p. 61)
corrobora, afirmando que: “A família não só funda as relações sociais; funda também a
sociedade política e nela se inscreve. Constituída em âmbito linguístico específico, nela se
fundamentam as aprendizagens exigidas pela vida adulta social e moralmente responsável”.

22
Marques (2006, p. 60) complementa que,

Na família nuclear os processos da socialização/individuação se cumprem pela


mediação de uma ação consensual amplamente desinstitucionalizada no tocante à
sua inserção sistêmica na sociedade ampla, o que significa a necessidade de levar ela
a sério sua própria estrutura comunicativa interna.

É necessária a conscientização do ser humano quanto à responsabilidade de constituir


uma sociedade para viver, levando em conta a fragilidade da formação do homem que só é
homem porque outros homens e mulheres se propuseram a constituí-lo mediante a educação.
Conforme Savater (2005, p. 58),

Do mundo exterior, heterogêneo e com frequência hostil, a criança pode refugiar-se


na família, mas da própria família já não há escapatória possível, salvo à custa de
um desligamento traumático, que nos primeiros anos ninguém é capaz de se
permitir.

Em uma de suas pesquisas sobre a razão de muitos alunos faltarem com frequência às
aulas, Freire (1992, p. 22) expressou sua inquietude diante e sobre os castigos praticados em
crianças dentro de suas próprias famílias, tanto em áreas rurais como urbanas do Recife.
Constatou que lhes eram aplicados castigos em função de motivos triviais, o que o levou a se
posicionar de forma contrária a essas atitudes familiares e os resultados educativos que
poderiam decorrer na vida adulta dessas crianças. Em seu entendimento, repudiou as
consequências

[...] políticas que um tal tipo de relação pais-filhos, alongando-se depois nas relações
professores-alunos, teria com vistas ao processo de aprendizagem de nossa
incipiente democracia. Era como se família e escola, completamente subjugadas ao
contexto maior da sociedade global nada pudessem fazer a não ser reproduzir a
ideologia autoritária.

Geralmente se ensina de maneira tal como se aprende, ou como salienta Freire (1992,
p. 23): “Corremos o risco de cair seduzidos ou pela tirania da liberdade ou pela tirania da
autoridade, trabalhando em qualquer das hipóteses, contra a nossa incipiente democracia”.
Educar em família, de uma maneira muito permissiva, não dá à criança noção de limites e
torna difícil a convivência em sociedade, como também educar de uma maneira severa e
autoritária pode fazer com que a criança seja medrosa perante a humanidade. Nesse caso,
quando puder irá reproduzir por medo a mesma forma autoritária como garantia de seu poder
de pai ou professor(a), ou qualquer outro cargo que venha por ventura assumir. Confirma
Savater (2005, p. 61) que,

23
Seja como for, esse papel fundamental da família, para bem ou para mal, na
socialização primária dos indivíduos passa por um eclipse indubitável na maioria
dos países, o que constitui um problema sério para a escola e os professores.

Ao que Savater (2005, p. 61) acrescenta:

Cada vez com maior frequência, os pais e outros familiares encarregados das
crianças sentem desânimo ou desconcerto diante da tarefa de formar as pautas
mínimas de sua consciência social e a deixam aos professores, mostrando depois
irritação tanto maior pelas falhas deles quanto não deixam de se sentir obscuramente
culpados por se esquivarem à sua obrigação.

Quando a base familiar deixa de fazer a sua parte em relação à educação de seus
filhos, fica difícil para a comunidade escolar dar continuidade a esse processo necessário à
constituição do ser. Ao citar Juan Carlos Tedesco, Savater (2005, p. 60) estabelece: “Os
docentes percebem esse fenômeno cotidianamente, e uma de suas queixas mais recorrentes é
que as crianças chegam à escola com um núcleo básico de socialização insuficiente para
enfrentar com êxito a tarefa de aprendizado”. O fato não condiz com a educação propriamente
dita, que deveria ser a princípio uma das mínimas condizentes com o esperado pela civilidade
do homem que atualmente se considera em tão grande evolução. O autor complementa
afirmando que: “A reflexão sobre os valores e, junto com ela, o debate crítico a respeito de
sua plasmação social constituem por si só pautas imprescindíveis tanto de formação quanto de
informação moral” (SAVATER, 2005, p. 77). Como seres históricos e por isso mesmo
humanos, por poderem contar e refletir sobre a própria história é que seria necessário, adultos
em comum acordo, reverem certos pilares que constituem a garantia, com qualidade, à
sobrevivência humana. A convivência com os seus semelhantes educados é que vai permitir
ao ser humano uma vida decente e saudável ou não.
A este respeito Savater (2005, p. 77) referencia: “E tudo provém sem rodeios do
anseio básico de viver mais e melhor a cujo impulso serve o projeto ético a partir da
consciência individual e das instituições sociopolíticas no plano comunitário, pelo menos em
seu desígnio ideal”. Queira ou não, essa consciência que o ser humano desenvolveu e que o
torna o ser mais inteligente da natureza, devido a sua capacidade de transformá-la em seu
próprio beneficio, fez com que a constituição familiar formasse uma base de sustentação para
que, à medida que evolua, também esteja apto a aprender com os seus em sociedade. A
primeira sociedade que o homem constitui é a sua família, em cujo seio deveria aprender o

24
respeito mútuo e as limitações, a ética e os valores. Paradoxalmente, para Savater (2005, p.
32),

Os grupos com maior índice de sobrevivência sempre devem ter sido os mais
capazes de educar e preparar bem seus membros jovens: esses grupos decerto
tiveram de contar com velhos que convivessem o maior tempo possível com as
crianças para ensiná-las.

A presença da família nos primeiros anos de vida escolar das crianças é muito
importante em função de se constituir em suporte à educação, onde é estimulada e
acompanhada a fim de que haja uma real compreensão do valor de estudar. Nesse momento a
insegurança é normal, afinal ela está entrando em um mundo novo. Por outro lado, os pais
devem ter um entendimento sobre essa insegurança de seu filho, sem oprimi-lo por causa
disso e nem compará-lo com outros. Cada criança é única e necessita de um tempo diferente
para entender as coisas e aprender. Deve-se, portanto, respeitar esse período, apesar de os
adultos, muitas vezes, serem imediatistas, esquecendo que um dia também foram crianças e
que só com o tempo assumiram sua condição atual. A criança vai para a escola por
curiosidade e depois por estímulo da família. Nesse contexto, o amor dos pais é o maior
aliado para que ela goste de estudar. Contribui para tanto o fato de haver em casa um horário
para realizar as tarefas escolares e formar o hábito da leitura. Essa é a maior ajuda que os
filhos necessitam obter dos pais – o gosto pela leitura, a realização de tarefas e pesquisas, o
estudo em si, que exige tempo e valor, o que leva a refletir sobre o atual papel da família.
É importante haver bom senso ao educar uma criança, entretanto, pode-se educar sem
grandes conflitos ou agressões, bastando firmeza e amor. A realidade é conflituosa, a criação
de filhos é ainda maior, o poder socioeconômico pode agravar essa missão, mas o
conhecimento é por demais instrutivo neste período. Mesmo assim não existem receitas, todo
ser humano é singular e diferente e, assim, como os professores, a incumbência de educar é
cumprida e o resultado advirá com o tempo. Nesse sentido atesta Savater (2005, p. 39): “Para
ser homem não basta nascer, é preciso também aprender”. A aprendizagem é iminentemente
da espécie humana, e para fazer parte desse meio humano é necessário aprender a ser humano
mediante a inserção na cultura familiar.

25
1.3 A APRENDIZAGEM HUMANA

“A oportunidade reside exatamente onde não imagina-


mos olhar – no meio de nossos problemas, dentro da
vida que já levamos” (BOWELL, 2005, p. 54).

Estudos e pesquisas revelam que em meio à espécie humana, mesmo quem já sabe
muito pode ter certeza de que ainda é possível aprender mais. A sabedoria é uma das
qualidades que leva o indivíduo a ser precavido quanto ao aprendizado, apresentando
flexibilidade e facilidade em conviver com os demais de forma humana. Assim, pode-se
aprender uma nova língua, uma dança diferente da sua cultura, uma culinária, um artesanato,
um novo livro, enfim, existe uma gama de saberes culturais nas diferentes formas de viver. O
que é, então, aprender? Segundo Lakomy (2003, p. 11),

Há um conjunto de representações a respeito da aprendizagem sobre as quais é


preciso refletir para não ser enredado pelo espontaneísmo do senso comum. Em
geral a aprendizagem é vista sob a metáfora do “recipiente” que atenção permitiria
preencher, ou aquela da pirâmide, em que os conhecimentos se elevariam
progressivamente de baixo para cima. Neste sentido, a ideia subjacente é de os
conhecimentos serem coisas que podem ser adquiridas e acumuladas
ordenadamente.

Pode-se perceber, portanto, que o ato de aprender não é tão simples como parece. O
ser humano, para se tornar da espécie homo, desde o princípio precisa se esforçar para
aprender as especificidades da espécie, o que exige dele força de vontade. Precisa também
que alguém o instigue a continuar insistindo até entender para daí dizer que aprendeu e,
possivelmente, que esse aprendizado ou conhecimento seja seu, que está internalizado.
Lakomy (2003, p. 15-16) expressa que “a aprendizagem não é a simples passagem da
ignorância ao saber, sem resistências e sem conflitos”. Da mesma forma o autor defende que:

Na aprendizagem acontece algo novo, não é uma simples reestruturação. Por


conseguinte, o novo é uma nova estruturação, o que significa deixar antigas
estruturas. Quando as crianças aprendem precisam abandonar a “centração”. Na
situação de aprendizagem é preciso que haja desestabilização e conflito com
estruturas pré-adquiridas. Então, aprender, apprehendere é, prender consigo, é tomar
para si, ou, em outras palavras “tornar próprio” (LAKOMY, 2003, p. 15-16, grifos
do autor).

Lakomy (2003, p. 16-17) prossegue afirmando que:

A aprendizagem é, pois, um fenômeno ou uma operação pela qual um sujeito (uma


pessoa) torna seu ou torna sua uma nova forma de conduta, uma informação,
transformando-a em conhecimento, algum hábito ou alguma atitude. Aprender é
adquirir um comportamento que anteriormente não apresentávamos.

26
Marques (2006, p. 53) enfoca que “a aprendizagem em que se constitui o homem
genérico, e nele o homem indivíduo e sujeito singularizado, não se dá em um meio natural e
sociocultural homogêneo e amorfo”. O autor considera ainda que:

Os mundos da cultura, da sociedade e da pessoa, além de suas próprias estruturas


internas, supõem e se sustentam também num meio estruturado, organizado em
níveis de complexidade e abrangência distintos, o mundo das objetivações que
materializam as consequências da atuação dos homens, constituído, ao mesmo
tempo, em distintos lugares sociais e âmbitos linguísticos específicos (MARQUES,
2006, p. 53).

A inteligência humana idealizou e criou essa ampla e complexa sociedade. Mesmo na


diversidade cultural a educação é uma das formas mais complementares do entendimento
entre os grupos culturais que formam a humanidade. A forma humana de ser é adquirida no
grupo e com o grupo. Como demonstra Savater (2005, p. 26-27):

Nossa humanidade biológica necessita uma confirmação posterior, algo como um


segundo nascimento no qual, por meio do nosso próprio esforço e da relação com
outros humanos, se confirme definitivamente o primeiro. É preciso nascer humano,
mas só chegamos a sê-lo plenamente quando os outros nos contagiam com sua
humanidade deliberadamente e com nossa cumplicidade.

O ser humano é complexo e por nascer inserido em uma cultura, levará esse
ensinamento e conhecimento cultural para toda a vida. Afinal, é por meio da cultura que se
efetiva a aprendizagem humana. Para Morin (2001, p. 55), contudo, “Cabe à educação cuidar
para que a ideia de unidade da espécie humana não apague a ideia de diversidade e que a da
sua diversidade não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade
humana”. A unidade não está apenas nos traços biológicos da espécie homo sapiens, assim
como a diversidade não está apenas nos traços psicológicos, culturais, sociais do ser humano.
O autor explica que há uma diversidade

[...] propriamente biológica no seio da unidade humana; não apenas existe unidade
cerebral, mas mental, psíquica, afetiva, intelectual; alem disso, as mais diversas
culturas e sociedades têm princípios geradores ou organizacionais comuns. É a
unidade humana que traz em si os princípios de suas múltiplas diversidades.
Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade
na unidade (MORIN, 2001, p. 55).

A experiência humana remete à cultura e faz e refaz o homem em sua maneira de ser e
de fazer. A aprendizagem surge dessa interação e por meio do trabalho o homem garante a sua
inclusão em meio à sociedade à qual pertence. Sobre a natureza e a cultura Freire (2010, p.

27
117, grifo do autor) explica que há distinção entre ambas, e descreve o papel ativo do homem
em sua e com sua realidade:

O sentido de mediação que tem a natureza para as relações e comunicação dos


homens. A cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez.
A cultura como resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador. O
sentido transcendental de suas relações. A dimensão humanista da cultura. A cultura
como aquisição sistemática da experiência humana. Como uma incorporação, crítica
e criadora, e não como uma justaposição de informes ou prescrições “doadas”.

A comunicação é considerada uma das ferramentas que o homem utiliza para facilitar
a interação e o aprendizado. A aquisição da escrita também é de fundamental valor ao ser
humano, que se conscientiza de que faz parte desse fazer e refazer a vida em si, em seu
entorno, em sua comunidade. De acordo com Freire (2010, p. 117), “O aprendizado da escrita
e da leitura é como uma chave que o analfabeto, tanto adulto quanto criança e inclusive
adolescentes, iniciaria a sua introdução no mundo da comunicação escrita”. Nesse sentido, o
autor apresenta que:

O homem afinal no mundo e com o mundo. O seu papel de sujeito e não de mero e
permanente objeto. Descobriria que tanto ele, como o letrado, tem um ímpeto de
criação e recriação. Descobriria que tanto é cultura o boneco de barro feito pelos
artistas, seus irmãos do povo, como cultura também é a obra de um grande escultor,
de um grande pintor, de um grande místico, ou de um pensador. Cultura é toda
criação humana (FREIRE, 2010, p. 117, grifos do autor).

Já educação é uma forma de aprender a ser, em meio à sociedade em que o sujeito se


encontra inserido. Ela torna a vida mais simples em colaboração mútua, em que grupos de
pessoas em atividade geram a manutenção da espécie, primeiro em pequenos grupos e,
atualmente, quase que globalmente. Em geral, uns geram produtos para outros os
transformarem em mercadorias de utilidade pessoal que vão sendo transportadas e levadas até
os que necessitam desse bem. Marques (2006, p. 18) observa que: “Na aprendizagem, graças
à produtividade de indivíduos e grupos intervinculados no sucederem-se às gerações,
reassumem eles e reconstroem o mundo da vida”. O aprender, na opinião do autor,

Se reinterpreta a experiência cultural dos grupos e se insere em novas totalidades de


sentido; ressignifica-se cada um de seus elementos. Ao se entrelaçarem aos
processos da socialização, da individuação e da singularização do sujeito, os homens
aprendem uns dos outros, constituem-se em sujeitos sociais concretos da
aprendizagem e adquirem, como pessoas, as competências que os tornam capazes de
linguagem e ação para tomarem parte nos processos de entendimento compartilhado
e neles afirmarem sua própria identidade (MARQUES, 2006, p. 18).

28
Ao firmar sua identidade pessoal, compartilhando com outros as suas aprendizagens, e
se comunicando por intermédio do significado das coisas, da linguagem ou da escrita, o
homem vai sendo alguém histórico que contribui e retribui o que já sabe. Ele pertence ao
grupo devido aos cuidados recebidos desde tenra idade por parte de sua família e da
comunidade, e aprende a cultura de seu lugar de origem. Com o desenvolvimento das
sociedades humanas percebeu-se, além da educação familiar, a necessária intervenção escolar,
o que torna o ser humano um ser do aprender. Conforme as descobertas do próprio homem, a
aprendizagem é tal que quanto mais se aprende, mais se tem para aprender e acrescentar ao
que já foi inventado, construído, modificado, reaprendido e realizado.

2 A APRENDIZAGEM NO ESPAÇO ESCOLAR

2.1 A INTERVENÇÃO ESCOLAR

“Nós jamais podemos retornar à nossa fase infantil,


porém a fase adulta da inteligência é semelhante a da
infância em seu sentido de significado, brilho, interesse
e envolvimento” (BOWELL, 2005, p. 5).

Atualmente, a educação infantil (creches, pré-escola e jardim de infância) tem


possibilitado às crianças, desde a mais tenra idade, a sua inclusão no contexto escolar. É ali
que ocorrem as primeiras socializações, aprendem a ler e a escrever e, queira ou não, o fato as
cativa, originando a curiosidade de aprender. Essa curiosidade precisa ser preservada pelos
adultos, pais e professores, os quais acompanham as crianças nesse começo da aprendizagem
escolar. Marques (1993, p. 109) salienta que:

A escola, mais do que por sua estrutura institucionalizada, se determina, em seus


aspectos criadores próprios, pelo entendimento compartilhado e atuação solidária de
seus instituintes internos, sujeitos coletivos organizados: os educadores, os
educandos e a comunidade humana concreta a que busca ela servir.

O autor complementa, afirmando que:

Toda a dinâmica da ação educativa escolar deriva do projeto ou proposta político-


pedagógico que a anima e informa, impulsiona, organiza e conduz. E validam-se as
perspectivas pedagógicas não pelo seu conteúdo intrínseco, mas pela forma
consensual em que se constroem e expressam, como resultado de um processo de
elucidação discursiva à base dos melhores argumentos e o mais próximo possível
das condições ideais de fala (MARQUES, 1993, p. 109).

29
O atual desenvolvimento da sociedade permite compreender o quanto a criança é
remetida ao saber. A aprendizagem inicia no meio cultural onde ela nasce, desenvolvendo-se
de forma lenta e gradual. É maravilhosa a consciência que hoje se adquire sobre a importância
da aprendizagem escolar, pois aos poucos ela intervém para que cada criança se socialize a
partir do conhecimento. Após a família, as creches e pré-escolas são a marca fundamental na
aprendizagem social e humana das crianças e, assim, sucessivamente nas séries que se
seguem. A formação e a capacitação futura possuem sua base nesse período escolar, o que
forma o ser humano socializado e apto a atuar em uma sociedade sonhada pela maioria:
responsável, justa, comprometida, capaz, realizadora e saudável.
De acordo com Fensterseifer (2009, p. 17), “Cabe lembrar que a escola pública foi
uma das maiores conquistas dos setores sociais que se opuseram ao exclusivismo da instrução
no Antigo Regime”. O autor reconhece que

Seu caráter republicano, laico, universal e gratuito obviamente devia ser


escamoteado sob pena de corroer as bases de sustentação das elites dirigentes.
Releva saber que as chamadas “revoluções republicanas” são contemporâneas da
chamada “revolução científica”, e, se bem aprendemos com Francis Bacon que
“saber é poder”, os setores sociais que acendiam ao poder político (burguesia,
operários e camponeses) deveriam garantir o acesso ao saber que passou a sustentar
desde então as sociedades humanas em suas diferentes dimensões
(FENSTERSEIFER, 2009, p. 17, grifo do autor).

O referido autor compreende que nas sociedades modernas, democráticas e


republicanas, “O exercício do poder que denominamos cidadania, tornou-se inseparável,
embora não suficiente, da instrução patrocinada pelos estabelecimentos de ensino, o que
chamamos ‘educação escolar’” (FENSTERSEIFER, 2009, p. 17). Devido às características
destas sociedades, fez-se necessária a implantação de educandários para todos, constituindo-
se a escola num ganho, principalmente para a população menos favorecida. Soma-se a isso o
fato de que, as mudanças ocorridas contemporaneamente na constituição familiar, têm
deixado lacunas na educação e na formação humana, colocando novas demandas para a
escola. A conquista da escola pública e das creches e pré-escolas tem dado sustentação à
formação desses indivíduos, mesmo que seja por uma parte do dia. Trata-se de uma conquista
do povo, uma vez que é na escola que as interações aumentam e, com isso, a aprendizagem se
torna cada vez mais ampla. A esse respeito, valendo-se das ideias de Condorcet, se expressa
Fensterseifer (2009, p. 3):

Segundo ele [Condorcet], a liberdade dos cidadãos associa-se ao conhecimento,


dado que a ignorância e a desigualdade da instrução estão na base das tiranias. Para

30
este autor a educação patrocinada pelo estado não pode se confundir com
propaganda política, pois isto significaria dar origem a uma nova submissão
intelectual.

Fensterseifer (2009, p. 8) comenta ainda: “Penso que duas coisas deveriam nos
incomodar no campo educacional: primeiro, a ausência de respeito humano; e, segundo, a não
aprendizagem”. E relaciona: “As duas dizem respeito às complexidades do mundo humano
em um sentido amplo, e em uma relação pedagógica passam pelo modo como lidamos com
ambas”. Nesta perspectiva, a escola pública, juntamente com a educação familiar, deve
proporcionar à sociedade um salto evolutivo. Concorda-se com Fensterseifer ao abordar a
questão da falta de respeito humano e da não aprendizagem. Acredita-se, também, que tanto a
família quanto o corpo docente estão desacreditados das crianças, deixando de cumprir a sua
função, uns por não educar e outros por não ensinar. Fensterseifer (2009, p. 8-9) ressalta que,

Os alunos, revelam as pesquisas, sentem-se desrespeitados das mais variadas


formas, seja nas repetidas faltas dos professores (alunos também fazem chamada),
nos atrasos, no despreparo das aulas etc. eles leem isso como “indisciplina”. Nesse
esforço de viabilizar a aprendizagem, cabe a nós, professores, conhecer o saber
daqueles a quem procuramos ensinar, a partir da interação com os alunos e com a
comunidade onde a escola se insere, para, com isso, superar o abismo entre aprender
e viver.

Espera-se que os professores sejam os adultos em meio aos educandos e, queira ou


não, são observados quase que diariamente em suas ações. Caso a família deixa de cumprir a
função de educar, na escola o corpo docente precisa ser firme e, além de ensinar os conteúdos,
exigir educação. A forma como se enfrenta esses desafios é que faz a diferença e
complementa a ação de ensinar. Para Fensterseifer (2009, p. 8), “Assumir nossa
responsabilidade com o mundo para o qual educamos é, segundo Arendt, a fonte da nossa
autoridade de educadores, e não abandonar a criança em sua ‘ignorância’ é a tarefa dos
professores”. Segundo o autor,

Inspirado no pensamento de Hannah Arendt (de não “arrancar” das mãos das novas
gerações “a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós”),
penso que ao invés de falarmos em “formar cidadãos”, faríamos melhor uso da
linguagem dizendo que nos preocupamos que as novas gerações tenham acesso aos
conhecimentos (FENSTERSEIFER, 2009, p. 8).

Ainda se observam atitudes que dão pouca serventia à educação escolar. Muitas vezes,
as pessoas entendem que a formação escolar das crianças é um passar de tempo. A falta de
consciência do valor de educar é potencializada pelo consumismo inerente as sociedades
capitalistas, as quais, valendo-se das propagandas, influenciam a criação de necessidade dos

31
bens materiais supérfluos, em detrimento do saber ou do conhecimento. Outro ponto a
destacar, é o manuseio de certos brinquedos e aparelhos eletrônicos onde as crianças tem
facilidades em logo fazê-los funcionar. Este pensamento é descrito e afirmado por Savater
(2005, p. 43): “As crianças, por exemplo, são os melhores professores de outras crianças em
coisas nada triviais, como o aprendizado de diversos jogos. As crianças ensinam-se entre si,
os jovens atualmente adestram seus pais no uso de aparelhos sofisticados”. A facilidade de
manusear qualquer aparelho eletrônico sem grandes dificuldades de entendimento faz com
que muitos pensem que a criança ou o adolescente sabe tudo, eles sabem sim, mas coisas da
sua idade e do seu universo. O aprendizado escolar, porém, que é o ensino de conteúdos com
suas especificações científicas, só pode ser ensinado na escola, mediante curiosidade,
interesse, disciplina e consciência. Nem tudo, portanto, pode ser aprendido em casa ou na rua.
O papel da educação escolar é conscientizar, valorar para que cada um se sinta gente,
capaz de fazer parte de uma sociedade já constituída, mas que precisa cada vez mais de
pessoas aptas, competentes e com conhecimentos para dar conta desse crescimento que ocorre
de forma acelerada nas mãos do humano. A educação escolar proporciona, além dos
conteúdos, a interação que favorece a socialização e o aprendizado maior. Savater (2005, p.
49, grifo do autor) aborda:

Que a convivência social bem sucedida exige algo mais do que saber qualquer coisa,
é necessário valores morais e cívicos como também históricos; entender a cultura de
um povo e saber as diferenças culturais que existem é mais necessário para a
sobrevivência do que qualquer esperteza que possa alguém pensar que tenha. E
ninguém se atreverá a afirmar seriamente que a autonomia cívica e ética de um
cidadão possa se forjar na ignorância de tudo o que é necessário para ele se
desempenhar profissionalmente; e o melhor preparo técnico, carente do
desenvolvimento básico das capacidades morais ou de uma mínima disposição de
independência política, nunca formará pessoas íntegras, mas simples robôs
assalariados.

Para Savater (2005, p. 45), o fato de qualquer um ser capaz de ensinar alguma coisa
não quer dizer que esse possa ensinar conhecimentos elaborados cientificamente, os quais são
devidamente estudados e exigem tempo, esforço e compreensão de quem os obtém, no caso
os professores. “A instituição educacional aparece quando o que é preciso ensinar é um saber
científico, não meramente empírico e tradicional, como a Matemática Superior, a Astronomia
ou a Gramática”. E, à medida que “As comunidades vão evoluindo culturalmente, os
conhecimentos vão se tornando mais abstratos e complexos, sendo por isso difícil ou
impossível que qualquer membro do grupo os possua de modo suficiente para ensiná-los”.

32
Democracia também se ensina, e as crianças percebem quando há pressão sobre seus
professores, se são valorizados perante a sociedade, se estão trabalhando tranquilos em sua
missão de ensinar e conviver ou não. É preciso estar atento ao meio educacional a fim de que
as crianças realmente aprendam a construção humana, pois elas são experts em perceber a
condição de dignidade ou não do seu professor. Nesse sentido Savater (2005, p. 32) salienta:

Creio que se pode afirmar que, ao que tudo indica, não foi tanto a sociedade que
inventou a educação, mas o anseio de educar e levar professores e discípulos a
conviver em harmonia durante o maior tempo possível foi que, finalmente criou a
sociedade humana e reforçou seus vínculos afetivos para além do âmbito familiar
restrito. E é importante sublinhar, portanto, que o amor possibilita e, sem dúvida,
potencializa o aprendizado, mas não pode substituí-lo.

A aprendizagem escolar é uma necessidade humana recente, desenvolvida ao longo


dos tempos, e não deixa de ser uma conquista. A escola também constitui-se, embora essa
não seja sua razão de ser, num lugar onde as crianças convivem com os seus da mesma idade,
o que não deixar de ser uma importante contribuição para a formação destas. Ali são
assistidas por adultos qualificados para intervir de maneira sensata, tanto na aprendizagem da
convivência como de conteúdos científicos. Fensterseifer (2009, p. 8) procura apoio em
Arendt, que expressa: “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que
seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens”.
A própria educação escolar demonstra o quanto se deve saber para poder entender o
seu significado. Nesse sentido, a história humana deixa um legado de argumentos sobre a
necessidade da educação escolar, reforçando a importância de estudar, pesquisar e
documentar para se ter em mãos o motivo maior da educação. Essa conquista do humano, da
consciência “do que sou e posso ser e fazer” valoriza ainda mais a educação como ferramenta
primordial para a evolução. A reflexão quase imperceptível, mas necessária para a ocorrência
da consciência, fez o homem perceber as coisas ao seu redor. Savater (2005, p. 36, grifo do
autor) propõe que,

[...] a verdadeira educação consiste não só em ensinar a pensar como também em


aprender a pensar sobre o que se pensa, e esse momento de reflexão – o qual mais
nitidamente marca nosso salto evolutivo com respeito a outras espécies – exige que
se constate nossa pertença a uma comunidade de criaturas pensantes. Onde tudo
pode ser privado e inefável – sensações, pulsões, desejos – menos aquilo que nos
torna partícipes de um universo simbólico, o que chamamos de humanidade.

33
O homem, por ser histórico, aprende continuamente sobre a evolução de si próprio e
de suas conquistas. Assim, ele pode se tornar humano, compreender o quanto depende de seus
semelhantes e adquirir a consciência de ser humano que aprende – é nisso que o professor
precisa acreditar e desenvolver em seus educandos. Em outras palavras, precisa acreditar
neles, independente do seu meio cultural, sem diminuir o que qualquer um venha a ser ou
saber. Afinal, a escola é o local onde se adquire conhecimentos e se complementa o ser
humano para viver e conviver em sociedade.
Desde pequenas, as crianças devem adquirir certa autonomia perante a vida, o que
favorece a sua evolução. Ao aprender ou entender algo novo, percebe-se a necessidade de o
educando dividir esse conhecimento com alguém, no caso o colega ou o seu professor. O ser
humano é o outro, e a felicidade de estar ali em seu grupo aprendendo é perceptível. Em meio
aos educandos pode-se perceber nitidamente a necessidade do colega, e mesmo em momentos
de conflitos é interessante a convivência e a aprovação ou não do outro. Conforme Rousseau
(1991, p. 16), “A educação deve ser progressiva de tal forma que cada estágio do processo
pedagógico seja adaptado às necessidades individuais do desenvolvimento”. E reconhece:

A primeira etapa deve ser dedicada ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos,
pois as necessidades iniciais da criança são principalmente físicas. Incapaz de
abstrações, o educando deve ser orientado no sentido do conhecimento do mundo
através do contato com as próprias coisas (ROUSSEAU, 1991, p. 16).

Nas pré-escolas e nos primeiros anos existem mais materiais didáticos do que a leitura
em si, dado a importância das brincadeiras com significações e a própria interação que ajuda
no desenvolvimento do processo humano. A educação escolar tem a capacidade de formar
pessoas com conhecimentos antes nunca imaginados, em que cada série é um degrau que o ser
humano vai conquistando, e tudo isso só tem sentido e significado quando é compartilhado
com outros de sua geração. É imprescindível, portanto, ao educador e ao educando, que
aquele que já viveu o conhecimento possa transmiti-lo ao outro e ensinar-lhe os conteúdos e,
ao mesmo tempo, humanizá-los. O educador precisa ter consciência de seu papel formador,
pois na escola também se aprende a conviver, cujo entendimento é necessário para a
convivência do futuro profissional com seus colegas de trabalho. Nesse sentido Savater (2005,
p. 54, grifo do autor) enfoca:

A humanização é um processo no qual os participantes dão uns aos outros aquilo


que ainda não têm para, por sua vez, recebê-lo dos outros, o reconhecimento do
humano pelo humano é um imperativo na via do amadurecimento pessoal de cada
um dos indivíduos. A criança precisa ser reconhecida pelos outros em sua qualidade

34
irrepetível, para confirmar a si mesma, sem angústia nem desequilíbrio, no exercício
intersubjetivo da humanidade.

A educação escolar deveria também ensinar a valorar o ser humano na sua dignidade,
assumindo este compromisso com responsabilidade e competência. Que sociedade se pretende
quando elas crescerem e assumirem o mesmo compromisso de educar as novas gerações?
Como bem afirma Ferreira (2010, p. 57), “Falar baixo é uma das lições ensinadas nas aulas de
gentileza que os alunos da quinta série de uma escola da Alemanha são obrigados a assistir”.
A escola fica em Bremen e a disciplina Trato, Modos e Conduta foi implantada depois que a
direção tentou que os alunos aprendessem a conviver com mais respeito – entre eles mesmos e
com os professores. O autor sublinha que:

Na sala de aula eles são apresentados às regras básicas de comportamento, e treinam


o uso de expressões como “com licença” e “obrigado”. E quando a matéria foi
incluída no currículo escolar e virou assunto da imprensa, o então presidente da
Confederação dos Empresários da Alemanha disse numa entrevista que as empresas
vinham se confrontando, havia muito tempo, com jovens recém-saídos das escolas
que desconheciam as regras mais elementares de convívio social chegavam com
excelente capacitação técnica, mas não conseguiam agir de forma civilizada
(FERREIRA, 2010, p. 57).

Quando bem intencionadas, as regras e normas são fundamentais para criar uma
convivência saudável e, ao mesmo tempo, já ir desenvolvendo o respeito mútuo que todo ser
humano precisa aprender para viver bem e com liberdade. Essa liberdade se conquista por
meio da disciplina individual diante das exigências da sociedade em que se vive.
Espera-se da educação escolar, além dos conteúdos, o olhar humano docente tão
necessário aos discentes que vêm inseguros, com medo e muitas vezes desacreditados. A
instituição escolar é um lugar de estudo, de compreensão de conteúdos, de interações, de
convívio no dia a dia, são pormenores que ocorrem e que podem fazer uma grande diferença
na autoestima das crianças. Igualmente, é necessário atentar ao dia a dia, no sentido de
interpretar o que as crianças da escola pública podem aprender com seus mestres e da
interação pessoal que ali ocorre. Conforme Arroyo (2000, p. 241), “O movimento histórico de
humanização e desumanização acompanha os seres humanos desde a infância”. Nessa
perspectiva, o autor observa que:

A história da infância e a realidade concreta das crianças que frequentam a escola


pública estão aí mostrando-nos esse movimento de humanização e desumanização.
A história da pedagogia está aí para mostrar que ela não pode ficar alheia a esse
duplo movimento. Faz parte de nosso oficio entender os processos históricos de
desenvolvimento e formação humana, os processos civilizatórios e culturais, o
progresso do conhecimento acumulado, mas também faz parte de nosso oficio

35
entender que esse movimento não é linear, acumulativo, é um processo truncado
pelos brutais mecanismos de desumanização (ARROYO, 2000, p. 241).

A instituição escolar é um lugar de muitas interações humanas, todas necessárias às


crianças e, quando somadas aos conteúdos, constituem-se suportes grandiosos na vida dessas
pessoas. Paulo Freire era um educador que sempre falava bem da escola, mesmo quando
criticava o modelo conservador e burocrático. Ele a concebia como um espaço de relações
sociais e humanas. Uma de suas contribuições originais refere-se à importância da
informalidade na aprendizagem:

[...] se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser possível
ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais
nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula, nas escolas, nos pátios dos
recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal
docente se cruzam cheios de significação (GADOTTI, 2010, p. 154).

Ademais, além do conteúdo a convivência humana também é um grande aprendizado,


em que as relações humanas ocorrem antes mesmo do conteúdo. Essa interação entre
educadores e educandos, além das pessoas que estão envolvidas com o dia a dia escolar, é de
suma importância na formação dos elementos que ali estudam.
As máquinas (computadores, retroprojetor, data-show, televisores e outras
ferramentas) usadas como meio pedagógico de ensinar um conteúdo jamais irão substituir o
ser humano em si. As máquinas necessitam de pessoas que as manuseiem com o objetivo de
transmitir conhecimentos, dando significado ao que se está querendo ensinar. Os discentes
precisam de pessoas com conhecimentos, que pensam, estudam, refletem, sonham, ensinam,
interagem e que conhecem a missão da escola. A educação escolar carece de pessoas, uma vez
que os indivíduos se formam por meio de interações com outros iguais. Os conhecimentos são
compreendidos e absorvidos ao serem apresentados por alguém que os tenha estudado, ou
seja, que tenham conhecimento de seus significados. Marques (1993, p. 103) propõe que,

Reconstruir a educação exigida pelos tempos mudados é o desafio maior que se


impõe ao coletivo dos educadores profissionalmente empenhados no compromisso
que solidariamente assumem com seus concidadãos. Seria vã a busca da
universalidade da educação com o acesso a ela facilitado a todas as crianças,
adolescentes, jovens e adultos, se, ao mesmo tempo e, antes de mais nada, não se
buscasse a adequação dela às aprendizagens exigidas pelas novas formas de vida
cultural, da cidadania e do trabalho.

Em meio à instituição escolar é necessário atentar para as mudanças que vêm


ocorrendo com as formas de vida, para o amalgamado de culturas, crenças e valores que

36
chegam a cada dia à escola. Da mesma forma é preciso considerar o modo de vida e de
trabalho das pessoas, bem como o papel da educação escolar nesse meio, e como a educação
escolar pode ajudar na socialização e na construção da cidadania desses novos tempos.
Com a evolução tecnológica contemporânea a informação vem substituindo os
valores, normas e regras, ou seja, a educação em si. Urge, contudo, um investimento maior na
qualificação e na educação do ser. Ao construir os saberes de crianças e adolescentes em
formação compreende-se que não se trata tão somente de conteúdos, mas de ensinamentos
que representem uma vida, ou seja, anos de convivência e interação. A instituição escolar
forma uma geração após a outra, e tudo ali é vivido e convivido entre crianças, adolescentes e
adultos. Mesmo que ocorram mudanças, as pessoas nascem como nasciam há dez mil anos ou
mais, necessitando de sua cultura e de sua história para fazer parte de uma sociedade.
Marques (1993, p. 104) afirma que: “Reconstruir a educação que responda às exigências dos
tempos atuais não significa o abandono do passado, o esquecimento da tradição, mas uma
releitura dela à luz do presente que temos e do futuro que queremos”. ↔ Em relação à
importância da escola, Arroyo (2000, p. 112) expressa: “A escola é importante, influencia e
muito, nossas vidas”. O autor prossegue e questiona:

O que levamos de tantas horas vividas no tempo de escola? Levamos hábitos,


sobretudo. Hábitos de pensamento, formas de raciocínio, gestos, sensibilidades,
formas de fazer, de compartilhar, de intervir. Levamos mentalidades, valores e auto-
imagens. Levamos pensamentos materializados em formas de pensar. Não apenas
conhecimentos abstratos, mas conhecimentos materializados em formas de
conhecer. Levamos sentimentos do mundo, da sociedade e do ser humano
materializados em formas de sentir (ARROYO, 2000, p. 112).

Aos educadores deve-se a responsabilidade de saber que a criança vem à escola com
muitos conhecimentos, mas que o conhecimento escolar ela ainda não possui. E que é
possível aprender ali também, além dos conteúdos, a disciplina, a educação, a convivência
com os diferentes, respeitando-se mutuamente. Nesse cenário, a criança vai perceber que
realmente há um interesse por parte dos adultos de lhe ensinar a partir do exemplo, se
interessando por ela. Para Arroyo (2000, p. 41), “A função pedagógica, educativa não é
apenas um dever para os educandos, mas para os mestres”.
Concorda-se com Arroyo (2000, p. 41) quando escreve que “A formação do ser
humano possível à espera na infância sempre nos interrogará em nosso próprio percurso
humano”. Desde pequenos, então, pode-se ensinar e preparar as crianças a serem autônomas
em suas responsabilidades. A família é fundamental nessa capacitação, porém não pode ser
comparada à escola nessa aprendizagem de disciplina e de autonomia. Quanto ao

37
conhecimento científico cabe aos professores a competência de ensinar e esclarecer o
discente, o que é demonstrado por Arroyo (2000, p. 41): “Estaremos obrigados a ser mais do
que competentes, a manter-nos em uma constante autoformação formadora”. Ter a convicção
de que o educando ainda não conhece esse conteúdo é fundamental para que o educador possa
ser firme na sua apresentação da disciplina e na avaliação.
Ainda de acordo com Arroyo (2000, p. 41), “É mais fácil questionar o sucesso ou
fracasso dos alunos no domínio dos conteúdos e técnicas, de competências, do que o próprio
mestre questionar a formação e o desenvolvimento humano dele mesmo”. É preciso, portanto,
ter cuidado com a competição desenfreada entre as crianças, assim como em emitir um elogio
aos mais dedicados. Cabe ainda um olhar àqueles que necessitam de maior atenção para que
ocorra o entendimento, assim como a aprendizagem necessária a fim de se sentir incluído
pelos demais. Uma sociedade só funciona quando há muitos indivíduos envolvidos na mesma
direção, com os mesmos interesses, cujas normas e regras funcionam porque a maioria assim
o deseja. Afinal, ter consciência do que é e da razão de ser é fundamental para que a
organização e as conquistas se mantenham.
No entendimento de Arroyo (2000, p. 42), “Ser mestre, educador, é um modo de ser e
dever-ser”. Atualmente, percebe-se nitidamente em sala de aula que cada vez mais as crianças
vêm despreparadas para o processo de ensino-aprendizagem, apresentando comportamentos
inadequados, sem noção do que possam estar fazendo ali. A reprovação pela falta de
participação ou por mau comportamento também passa indiferente. Algumas famílias estão
ausentes e não comparecem à escola, justamente para não saber o que está acontecendo. Essa
situação acontece desde os primeiros anos, perdurando ao longo do currículo, ensino
fundamental e, inclusive, no ensino médio. E, como salienta Savater (2005, p. 73), para que a
educação prossiga, as crianças têm que ter aprendido a temer alguma coisa antes de ingressar
na escola.

Também enfoca que a tarefa atual da escola é, assim, duplamente complicada. Por
um lado, ela precisa se encarregar de muitos elementos de formação básica da
consciência social e moral das crianças que antes eram responsabilidade da
socialização primária realizada no seio da família.

Decididos no propósito de que educação se aprende, acredita-se na escola,


basicamente em relação à adequação das crianças às suas normas e regras. As crianças, por
sua vez, não conhecem os limites e, atualmente, muitos pais deixam para a escola essa

38
responsabilidade. A escola, portanto, precisa “pegar firme” em seus propósitos e solicitar
ajuda familiar, construindo em suas crianças a responsabilidade social que cada um deve ter.
Esse é o grande legado que Freire deixou – a consciência do indivíduo que não teve
oportunidade de estudar. Basta à grande massa trabalhadora, principalmente brasileira, olhar
um pouco para o seu passado e ver quantas oportunidades perdidas devido ao mínimo de
escolarização recebida, não que seus pais tivessem a culpa, mas sim devido às dificuldades
enfrentadas para cursar tão somente o ensino fundamental. São milhões de brasileiros que até
há pouco tempo frequentaram apenas o terceiro ano primário e muitos que até hoje são
analfabetos.
Essa constatação pode ser evidenciada a partir dos dados divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio do Censo Demográfico de 2010.
Observa-se que 49,3% das pessoas com 25 anos ou mais de idade não tinham instrução ou
possuíam apenas o ensino fundamental incompleto, sendo que os maiores índices concentram-
se nas regiões Nordeste (59,0%) e Norte (53,6%). Igualmente, a taxa de abandono escolar
precoce é de 21,2%, entre pessoas de 18 a 24 anos de idade, que desistem após ingressar no
ensino médio, segundo dados da mesma fonte. Referente ao ensino fundamental, 52,9%
abandonam a escola sem concluir os estudos.
Essa era uma das questões que Freire (1981) tanto insistia ao se referir à educação para
todos – a alfabetização e seu olhar sobre os humanos desumanizados. Ele sempre expressou a
sua grande paixão pelo ato de ensinar, e o quanto isso é importante para a construção de um
mundo melhor. Desse modo, o autor afirma que:

A realidade social, objetiva, não existe por acaso, mas como produto da ação dos
homens, também não se transforma por acaso. E se os homens são os produtores
desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona,
transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens (FREIRE,
1981, p. 39, grifo do autor).

O fato remete à escola como um lugar propício ao desenvolvimento e ao aprendizado,


onde de forma coletiva as crianças estudam e desenvolvem sua inteligência. Deve-se cada vez
mais incentivar as crianças a serem solidárias umas com as outras, mesmo porque não é a
quantidade de material que vai desenvolver a aprendizagem da criança, e sim o seu contato
com professores e com os colegas. É na interação com os outros, portanto, que ela aprende,
cria e diversifica. Essa interação é assim considerada por Vigotsky (2007, p. 103): “Assim, o
aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções
psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas”.

39
O conhecimento humano é necessário na formação do educador, uma vez que este lida
com diferentes pessoas com capacidade de aprendizagem. O que falta, muitas vezes, é dar
mais atenção, questionar mais, instigar e acreditar na possível aprendizagem humana e de
conteúdos. Mesmo no interior de um educandário, e tendo o professor como centro do ensino,
além de todo o material escolar previsto, é necessário que haja interação entre os colegas e o
educador, pois o ser aprende intermediado por outro ser humano. Afinal, como bem descreve
e afirma Freire (1996, p. 46), “Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é
propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com
o professor(a) ensaiam a experiência profunda de assumir-se”. Com efeito, o autor estabelece
a importância de o educador “Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos” (FREIRE, 1996, p. 46). Isso
remete à conscientização da importância de assumir a função de ensinar aprendendo. A
educação, portanto, se aprende com outro ser humano que também é educado, assim,
conteúdos escolares são aprendidos numa relação de educação. A educação faz com que
educadores e educandos se respeitem e cada um desenvolva seu papel na área da educação
escolar.
Nesse sentido, Savater (2005, p. 44, grifo do autor) analisa que: “Sendo as coisas
assim e sendo o mútuo aprendizado algo generalizado e obrigatório em toda comunidade
humana, à primeira vista pareceria desnecessário instituir-se o ensino como dedicação
profissional de alguns”. Nessa mesma linha o autor prossegue afirmando que,

Com efeito, grande parte dos grupos humanos primitivos careceram de instituições
educacionais específicas: os mais experientes ensinavam os inexperientes, sem
constituir para isso um prêmio de especialistas da docência. E muitos ensinamentos
se transmitem assim ainda em nossos dias, mesmo nas sociedades mais
desenvolvidas: por exemplo no seio da família, de pais para filhos. Assim
aprendemos a linguagem, o mais primordial de todos os saberes e a chave para
qualquer outro (SAVATER, 2005, p. 44).

São muitas as ferramentas que auxiliam na aquisição do saber, só que quem quer
aprender precisa se esforçar, assim como quem ensina algo a alguém, sendo, portanto,
necessária essa pedagogia entre duas ou mais pessoas para que ocorra a aprendizagem e é
nesse meio que se desenvolve a inteligência. As crianças que vêm à escola ainda não sabem
dos conteúdos propriamente escolares e somente com o apoio necessário é que irão aprendê-
los. Isso também é singular, pois cada um tem seu jeito e seu tempo para participar dessa
árdua tarefa que é estudar. Savater (2005, p. 94) defende a tese de que “O neófito começa a
estudar, em certa medida à força”:

40
Por quê? Porque lhe é pedido um esforço, e as crianças só se esforçam
voluntariamente naquilo que as diverte. A recompensa que coroa o aprendizado é
demorada e, além do mais, a criança só a conhece de ouvir falar, sem entender muito
bem do que se trata. Os estudos são alguma coisa que interessa aos adultos, não a
ela. Não é que as crianças não desejem saber, mas sua curiosidade é muito mais
imediata e menos metódica do que o necessário para aprender, mesmo que
elementarmente, aritmética, geografia ou história.

Apesar do esforço são muitas as dificuldades encontradas ao longo do caminho,


cabendo ao educador familiar ou escolar a firmeza quanto ao objetivo pretendido com a
educação do indivíduo para que seja possível obter um resultado positivo. A educação abre as
portas para aprendizagens infinitas, pois a base de saber ler e escrever vai lhe oportunizar
conhecimentos até então inconcebíveis.
Nesse sentido pode-se questionar: o que está sendo mal interpretado na educação
escolar? O educador precisa do apoio tanto familiar quanto escolar a fim de que possa
realizar sua tarefa de ensinar conhecimentos com sucesso. Não é possível assimilar nenhum
conteúdo sem um mínimo de concentração, o que exige esforço tanto do educador quanto do
educando. Para aprender conteúdos escolares o ser humano necessita de leitura, entendimento,
concentração, consciência de que ainda não sabe e que o conteúdo é necessário para a sua
formação como pessoa humana. E, no caso de crianças, cabe aos adultos a responsabilidade
de saber o que é necessário para que elas aprendam. Para Savater (2005, p. 94-95, grifo do
autor),

[...] uma das primeiras e nada desprezíveis realizações da escola é ensinar as


crianças a permanecerem sentadas, coisa que, de fato, quase nunca elas fazem por
muito tempo, a não ser quando estão ouvindo uma história bonita. Não se pode
educar a criança sem a contrariar, em maior ou menor medida. Para poder ilustrar
seu espírito é preciso antes formar sua vontade, e isso sempre dói bastante.

De outra banda, o ser humano também é movido por sentimentos, emoções e vontades,
sendo necessário educar-se igualmente em seus desejos, disciplinando-se a si mesmo.
Aprender, educar-se, ser melhor – a forma humana se constitui por meio da educação.
Inicialmente o aprendizado decorre da convivência familiar e, após, é a educação escolar que
proporciona a alegria de conviver com os seus da mesma idade. O limite e a disciplina são de
suma importância para uma vida mais digna de ser vivida, pois resulta em qualidade de vida,
ou seja, viver mais e melhor, qualificando sua vida e qualificando a vida daqueles com quem
convive.
Segundo Arroyo (2000, p. 55), “Nascemos ignorantes de muito mais: das artes,
saberes e significados da cultura, acumulados sobre como ser e nos constituirmos humanos”.

41
Depreende-se daí que tanto na família quanto na escola os símbolos são uma necessária
aprendizagem, além dos conteúdos em si. Para Arroyo (2000, p. 55),

São os processos de ensinar – aprender mais complexos, e mais esquecidos nos


currículos, na organização dos tempos e espaços escolares, na formação de
professores (as). Aprendemos disciplinas sobre que conhecimentos da natureza e da
sociedade ensinar e com que metodologias, porém não entra nos currículos de
formação como ensinar-aprender a sermos humanos. Falta-nos a matriz pedagógica
fundante. Nosso perfil e saber de oficio fica truncado.

O meio escolar torna-se por si só um meio de aprender, é um encontro que aproxima


indivíduos da mesma localidade ou comunidade em um único ambiente de aprendizagens, no
qual os conteúdos são cientificamente elaborados para o momento. Num contexto concreto
trata-se de possibilidades dos seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. Ao que
afirma Arroyo (2000, p. 54): “Daí que a escola é um processo programado de ensino-
aprendizagem, mas não basta por que cada mestre esperado na sala de aula chegará para
passar matéria, mas porque é um tempo-espaço programado do encontro de gerações”. O
autor complementa afirmando que:

O tempo de escola é um diálogo de gerações programado por adultos que dominam


um saber de oficio. Nos processos de ensino-aprendizagem mais difusos e informais,
os adultos atraem a atenção dos mais jovens e principiantes nas artes de ser
humanos. Em cada momento nos vem representando papéis, maneiras de como ser
homem, mulher, trabalhador(a), como sobreviver, relacionar-nos com a natureza,
com o espaço, com a afetividade, como viver em sociedade, ser cidadãos... todo
adulto é de alguma forma um pedagogo das novas gerações nas artes de ser gente
(ARROYO, 2000, p. 54).

O indivíduo se torna humano na arte de aprender a ser por intermédio de outro em que
pode espelhar comportamentos, atitudes, maneiras de ser. Ele traz consigo, de berço, a sua
aprendizagem cultural, mas a escolar só vai adquirir se for incluído nesse meio pela própria
família e sociedade. Nesse sentido, Arroyo (2000, p. 53) defende que “O ideal de humanidade
vem variando com o avanço civilizatório, com as lutas pelos direitos. Queremos que todos
participem desse ideal, desse projeto. Que seja garantido a todos e a todas o direito de ser
gente, a passar por esse aprendizado”. Freire (1981), em sua trajetória de educador, foi
determinante na questão de todo ser humano ter a oportunidade de aprender não só a cultura,
os costumes, os valores, mas também a aprendizagem escolar. Freire (1983a, p. 55), em seu
livro A importância do ato de ler, afirma em um caderno de alfabetização: “É praticando que
se aprende a nadar; é praticando que se aprende a trabalhar; é praticando também que se
aprende a ler e escrever. Vamos praticar para aprender e aprender para praticar melhor”. A

42
maturidade humana em Freire é surpreendente, a consciência de ser por intermédio de outros
semelhantes é de uma percepção fantástica, pois a aprendizagem escolar é necessária e
insubstituível ao mundo atual, globalizado e informatizado, o que não dá suporte nem base
aos conhecimentos escolares.
A escola pode ser inclusiva ou exclusiva, podendo ser repensada. Nesse cenário, a
criança sai de seu meio familiar, comunitário, e se dirige à escola. Pergunta-se: que lugar é
esse que está sendo oferecido às crianças aprendizes? No entendimento de Savater (2005, p.
31), a importância da escola e da educação é histórica: “O processo educacional pode ser
informal (através dos pais ou de qualquer adulto disposto a dar lições) ou formal, isto é,
efetuado por uma pessoa ou grupo de pessoas socialmente designadas para isso”. Como bem
salienta Freire (2010, p. 43), “Não há educação fora das sociedades humanas e não há homem
no vazio”. E complementa que: “O existir é individual, contudo, só se realiza em relação com
outros existires” (p. 49).
Arroyo (2000, p. 53) reconhece que “pela proximidade com a infância nas salas de
aula sabemos que ninguém nasce feito”. As capacidades individuais surgem mediante a
estimulação interativa, decorrentes da aprendizagem tanto cultural quanto escolar. É nesse
convívio de aprendizagens que ocorre a construção do conhecimento e surgem várias formas
de realizar algo, ou de resolver problemas e conflitos. Pela própria experiência humana, pelo
convívio familiar, local e social, percebe-se que “Não nascemos humanos, nos fazemos.
Aprendemos a ser. Todos passamos por longos processos de aprendizagem humana. Podemos
acertar ou fracassar. Nessa aprendizagem também há sucesso ou fracasso” (ARROYO, 2000,
p. 53). Esse aprendizado só acontece em uma matriz social, cultural, no convívio com
determinações simbólicas, rituais, celebrações, gestos, no aprendizado da cultura. O homem
existe por intermédio do aprendizado, como é salientado por Savater (2005, p. 33): “Mas esse
aprendizado humanizador tem uma característica distintiva que é o mais importante; se o
homem fosse apenas um animal que aprende, poderia bastar-lhe aprender a partir de sua
própria experiência e do trato com as coisas”.
Esse sentimento de estar no mundo e com o mundo se concretiza com a aprendizagem
também escolar. O ser humano em geral quer ser útil. Estabelece Freire (1983a, p. 94) que
“Uma das qualidades mais importantes do homem novo e da mulher nova é a certeza que tem
de que não podem parar de caminhar e a certeza de que cedo o novo fica velho se não se
renovar”.
Ao pensar, por exemplo, segundo Freire (2009, p. 61), na velocidade com que a
tecnologia estabelece ou cria mudanças, percebe-se que,

43
Há dois ou três séculos atrás as mudanças aconteciam com espaços de um século.
Nós podíamos viver mais ou menos do mesmo jeito por um século, sem muitas
mudanças no estilo de vida. Hoje a tecnologia muda nossas vidas diariamente e
propõe novos hábitos, novas soluções.

No terreno dos computadores e das comunicações o que vem sendo feito nos últimos
anos é surpreendente. Nas palavras de Freire (2009, p. 61), “Com uma economia globalizada,
as revoluções ou mudanças tecnológicas têm sido feitas de maneira que afetam
profundamente o processo de educação”. Ele apresenta ainda que,

Como a velocidade das mudanças tecnológicas promove alterações nos modos de


viver, estou certo de que uma das qualidades com que nós temos que nos preocupar
em educação é a de adquirir ou criar a habilidade de responder a diferentes desafios
com a mesma velocidade com que as coisas mudam. Esta é uma demanda
fundamental da educação contemporânea. E para responder a esta demanda nós
precisamos formar, e não treinar (FREIRE, 2009, p. 61, grifos do autor).

Os homens se empolgam com as atuais conquistas, treinam pessoas para operar


máquinas cada vez mais sofisticadas, esquecendo-se que são seres humanos de relações, e que
mesmo operando máquinas estarão em conjunto trabalhando e compartilhando um mesmo
espaço. A constituição do ser que aprende é muito maior que saber ligar um computador, por
exemplo. O indivíduo é muito mais do que um simples operador de máquina, e essa
consciência se consegue por meio da educação familiar/cultural e educação escolar. Freire
(2009, p. 61, grifos do autor) estabelece “Que há uma diferença radical entre treinar e formar.
Não é somente uma questão semântica. Formar é algo mais profundo que simplesmente
treinar”, pois,

Formar é uma necessidade precisamente para transformar a consciência que temos,


aumentar sua curiosidade intuitiva, que nos caracteriza como seres humanos. Onde
há vida, há curiosidade – inclusive entre as árvores e os outros animais. Mas, no
nosso caso, a curiosidade vai a outros níveis. Do ponto de vista da educação, uma
das questões mais sérias com respeito ao presente imediato e ao amanhã é como
formar pessoas de maneira que elas não se percam em meio às mudanças que a
tecnologia vai criando (FREIRE, 2009, p. 61, grifos do autor).

Diante de todas essas indagações com relação à educação escolar, chega-se ao limiar
de que todo ser humano precisa rever sua condição perante a sociedade atual e o que
realmente almeja com o progresso que aí está. A educação escolar é uma proposição da
sociedade para habilitar o indivíduo ao trabalho, mas parece que lhe falta a base de ser
humano em si. Além disso, a cada momento o indivíduo está em contato com outros
humanos, e precisa saber se comunicar e se fazer entender. A comunicação talvez ainda seja a

44
grande barreira que existe entre os seres humanos, sendo necessário trabalhar no sentido de
obter uma maior interação entre os educandos e também com seus educadores, uma vez que
esta é essencial para a convivência do dia a dia. Somente assim, diante de tanta tecnologia,
será possível preservar a constituição humana.

2.2 O OLHAR HUMANO DE QUEM ENSINA

“Como todos que trabalham com pessoas sabem, um


dos privilégios de atuar nessa área é que ela pode ser um
sistema maravilhoso de retorno que nos ajuda a modelar
e refinar nosso trabalho e ver o que não conseguimos
visualizar quando estamos sozinhos” (BOWELL, 2005,
p. 46).

Ensinar é mais do que aprender. Quando se transmite conhecimentos a alguém,


renova-se o que já se sabe. Para Freire, “em qualquer ocasião em que um educando lhe faz
uma pergunta, ele [o professor] refaz, na explicação, todo esforço cognoscitivo anteriormente
realizado” (FREIRE, 1985, p.79). E acrescenta: “Refazer este esforço não significa, contudo,
repeti-lo tal qual, mas fazê-lo de novo, numa situação nova, em que novos ângulos, antes não
aclarados, se lhe podem apresentar claramente, ou se lhe abrem caminhos novos de acesso ao
objeto” (p.79). No momento em que ocorre uma intervenção, essa se assenta na memória e, ao
se buscar ensiná-la, vai ficando cada vez mais clara na percepção do indivíduo.
Concorda-se com Freire (1996, p. 26) quando evidencia na História a confirmação da
evolução humana: “Foi socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens
perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de
ensinar”. O homem evoluiu também nessa questão do ensinar o que sabe, aprendeu que
transmitir conhecimentos exige tempo vivido em aprendizagens e um jeito para ensinar.
Foi nesse ato pedagógico de ensinar-aprender que o homem foi descobrindo formas e
maneiras de passar conhecimentos ao outro. Esse ato, entretanto, exigiu do ser humano
estudos, pesquisas, observações para que a forma de transmitir conhecimentos também
evoluísse. Freire (1996, p. 31) muito bem define a atuação docente:

O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das
bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres
históricos, é a capacidade de intervindo no mundo, conhecer o mundo [...]. Daí que
seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos
abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente.

45
A intervenção escolar, portanto, pode auxiliar o indivíduo, pois a aprendizagem
dignifica o ser, clareia seus anseios, assegurando a forma do ser. Além do raciocínio, o ser
humano também possui sentimentos que geram pensamentos e ações, portanto, é constituído
de razão e emoção em equilíbrio. Por isso, o educador, que já conhece a arte de ensinar além
do conteúdo, vem ao encontro de Freire (1996, p. 18) ao afirmar que: “O preparo científico do
professor ou professora deve coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer
descompasso entre aquela e esta”. A pessoa do professor está ali para ensinar pessoas e, esse
contato do humano com o humano vai acontecendo e desenvolvendo o conhecimento. Essa
posição é corroborada por Savater (2005, p. 89-90), que assim expressa: “O fato é que o
ensino sempre implica certa forma de coação, de luta entre vontades”.
Arroyo (2000, p. 163) considera que, “Quando nos colocamos essas questões mais
permanentes de nosso saber-fazer, ou quando nos defrontamos com escolhas e decisões tão
sérias como reter ou não, na série ou no ciclo, nosso olhar vai sendo reeducado para centrar-se
no foco dos educandos e sua formação”. O aprimoramento do saber-fazer ocorre por
intermédio da prática desenvolvida com o tempo. Assim, a reflexão diante do ser aprendente
de conteúdos escolares deve ser a base do olhar docente para que ocorra um ensino-
aprendizagem de qualidade. Arroyo (2000, p. 163) complementa que, “nosso próprio olhar
pedagógico tem de ser desfocado. O olhar fixo, por décadas, na lógica precedente, na
continuidade homogênea, sequência das aprendizagens, desfocou o olhar sobre nós mesmos”.
A sabedoria existente no ser humano, que o faz construtor dessa gama de
conhecimentos e evolução, torna-o capaz de também querer preservar esses conhecimentos,
assim como a fantástica aventura de ver a geração seguinte realizando descobertas e
aperfeiçoamentos. Está claro que ensinar é primordial para que ocorra a evolução. Sem esse
ensinar, tirar o homem do escuro, da ignorância, seria como voltar à Idade da Pedra, ou até
experimentar algo muito destrutivo, selvagem, do lado obscuro do ser. Neste momento
recorre-se às palavras de Savater (2005, p. 92), para quem:

A educação é sempre uma tentativa de resgatar o semelhante da fatalidade zoológica


ou da limitação opressiva da mera experiência pessoal. Proporciona à força algumas
ferramentas simbólicas que depois permitirão combinações inéditas e derivações
ainda inexploradas. Sua principal produção é a manufatura de seres humanos, e para
consegui-los não contamos com outro modelo, além dos seres humanos já
existentes.

A atuação docente requer tempo, é banhar-se nele, um tempo de aprender, onde


educador e educando se encontram para ensinar-aprender os conhecimentos, a ser gente, a ter

46
disciplina, ter bom senso, espelhar-se. Na escola o espelhar-se é quase mágico, em que uns se
espelham nos outros e o saber é contagiante e gratificante, pois primeiro imitam, depois já
fazem sozinhos. Ao imitar, as crianças se afirmam umas nas outras, e apesar da
individualidade, a aprendizagem é conjunta. Em suas palavras, Freire (2010, p. 49) ressalta o
encantamento: “O homem existe no tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora.
Modifica. Porque não está preso a um tempo reduzido, a um hoje permanente que o esmaga,
emerge dele. Banha-se nele. Temporaliza-se”.
Já com relação à educação, percebe-se que quanto mais desenvolvida, mais expressivo
é o valor de educar, bem como o valor da escola dentro da atual sociedade humana. Arroyo
(2000, p. 61) observa nesse sentido que:

É inadiável criarmos culturas, lógicas, estruturas escolares e profissionais que deem


conta de processos de ensinar-aprender menos desumanos. A escola sozinha não
reverte processos de desumanização da infância. Ao menos como espaço de
igualdade poderá não contribuir para legitimá-los e reforçá-los. Quando buscamos
outras lógicas, outras estruturas, os ciclos de formação, por exemplo, buscamos ao
menos tornar o tempo de escola mais humano.

O conhecimento acontece quando duas ou mais mentes, juntas, se põem a pensar o


existir deste conteúdo. A pesquisa, o saber, o conteúdo, somente têm sentido quando o outro
escuta, apoia, corrige, ensina. Estudar é construção de saberes, ensinar é juntar o que já se
sabe ao novo que está sendo construído e também saber que existe um novo que ainda não é
conhecido. Este pensamento é corroborado por Arroyo (2000, p. 32): “O que somos como
docentes e educadores depende do reconhecimento social dos tempos da vida humana que
formamos”.
Os profissionais de uma instituição educacional compreendem que a escola é o lugar
onde surgem muitos desafios, e se questionam: “o que faço agora? O que faço com essa
situação?” O trabalho docente é de relações humanas, e nunca deixará de ser, pois a
aprendizagem depende desse olhar diferenciado que o educador coloca no outro. Cada vez
mais se percebe a desumanização que chega à escola, constituída por desumanizados carentes
em todos os sentidos. “O que fazer para colocar esse ser novamente no caminho de ser gente,
ser um futuro atuante em sociedade?” A resposta pode ser percebida nas palavras de Arroyo,
(2000, p. 47):

Aprendi com Paulo Freire que esse aprendizado tem de se alimentar também de um
olhar atento, indignado perante os brutais processos de desumanização a que são
submetidos tantas mulheres e homens perto de nós, tantas crianças, adolescentes,
jovens e adultos com quem convivemos como educadores. A indignação diante das

47
condições em que reproduzem suas vidas, na moradia, no trabalho, na rua e até nas
escolas pode reeducar nossa sensibilidade para com os difíceis percursos a que são
submetidos, os limites impostos a sua humanização.

Será que da forma como se encontra o indivíduo vai conseguir aprender alguma coisa?
Será que a sua cabeça, muitas vezes contaminada por desesperanças, pode acreditar numa
aprendizagem que faz a diferença em sua vida? O ensino acontece porque o indivíduo é e está
próximo ao outro, em constante relacionamento humano, cujas vidas convivem durante um
longo período de tempo. Assim, há um entrosamento entre ambos, os quais possuem
conhecimentos um do outro. E apesar da existência de computadores, internet, ar
condicionado, jogos e mais jogos interativos e educadores, é o ser humano constituído pelo
educador e pelo educando que está dividindo esse conhecimento, de forma a se complementar
e se ajudar.
Seguindo a orientação de Arroyo (2000, p. 64), percebe-se que “Voltando nosso olhar
para os educandos e para as matrizes de nossa formação, encontraremos como centro a
interação com outros. O conhecimento, os valores e as competências se aprendem no
intercâmbio humano”. O incentivo e o reconhecimento do educador ao seu aluno são
necessários para sua autoestima, para acreditar em si, na sua potencialidade, na sua
capacidade quanto ao conteúdo e, principalmente, quanto ao seu ser. Crianças e adolescentes
sofrem, têm medo de serem excluídos, ignorados, deixados para trás. Ao sentirem a falta da
presença da família procuram um restinho de atenção dos professores e da escola, onde
acreditam ainda existir uma esperança. Isso leva os profissionais da educação a questionarem
o quanto podem fazer em favor do ser humano em construção. O autor confirma que ainda há
esperança ao enfatizar que “A escola e nossa prática docente não têm que reproduzir
necessariamente a sociedade injusta e discriminatória que aí está, nem para os trabalhadores
em educação nem para os filhos e as filhas do povo” (ARROYO, 2000, p. 64).
Prefere-se acreditar que, em grande parte, seja possível aliviar essa carga de
desumanização que os educandos trazem para a escola, ensinando-os que além de tudo são
gente. Atualmente, cada vez mais a responsabilidade de educar está sendo deixada de lado
pela família. Os meios de comunicação estão aí, presentes, informando e dando aulas,
competindo com a escola. Enquanto isso, o vazio é facilmente criado, e transformar um ser
humano em humano é tarefa difícil, independente do contexto, pois não há receitas prontas.
Crianças, adolescentes e jovens estão carentes da presença de adultos que lhes ensinem o
caminho para que não fiquem à beira do curso da vida, a exemplo do que ocorre com milhares
de sujeitos, sem ao menos saber a razão disso.

48
Conforme já afirmado anteriormente, o indivíduo primeiro aprende, aprende a humana
forma de ser, é inserido em um meio já construído, tornando-se apto em consequência da
experiência e da observação. Cresce, adquire consciência, conscientiza-se e, após, por meio de
sua ação, influencia algo ou alguém. De acordo com Freire (1983b, p. 39),

O primeiro estado da consciência é a intransitividade. Existe neste estado uma


espécie de quase compromisso com a realidade. A consciência intransitiva, contudo,
não é consciência fechada. Resulta de um estreitamento no poder de captação da
consciência. É uma escuridão a ver ou ouvir os desafios que estão mais além da
órbita vegetativa do homem. Quanto mais se distancia da captação da realidade,
mais se aproxima da captação mágica ou supersticiosa da realidade.

A intransitividade é construída de dentro para fora no ser humano. Já a aprendizagem


desenvolve a consciência que acontece no momento em que a reflexão e o entendimento do
mundo começam a fazer parte do indivíduo, quando este adquire noção da própria existência,
bem como a capacidade de julgar seus próprios atos. Na área da educação é preciso estar
consciente da realidade social que se está vivenciando, pois a educação continua sendo uma
ferramenta para que uma nova sociedade seja construída. Quanto mais conscientes da
realidade dos educandos, da forma como eles vêm à escola, mais preparado estará o docente
para a sua atuação pedagógica. Marques (2006, p. 31-32) constata que “A aprendizagem é
esse entrelaçamento da personalidade de cada um e do mundo sociocultural”. Nesse contexto
educacional encontram-se várias realidades, a exemplo do que descreve Arroyo (2000, p. 163,
grifos do autor):
Nosso saber-fazer e dever-ser se esqueceu dos educandos. “Esqueceram-se de mim,
professores(as)”, poderiam nos lembrar a cada dia os educandos. Esqueceram-se de
minha condição de adolescente, de jovem e me trataram por anos como criança,
multirrepetente. Como repetir a infância que vai ficando tão distante, quando já se é
adolescente ou jovem? Somente um olhar fora do foco pedagógico para justificar
por décadas a violentação do direito a ser adolescentes e jovens também na escola.

Educar com a mediação de conhecimentos é tarefa da escola. Essa instituição é


formada por pessoas aptas a ensinar vários conteúdos, em especial os científicos, dado que
estes não se encontram distribuídos de forma igualitária na sociedade. É ali que ocorrem
muitas aprendizagens, em conjunto com indivíduos da mesma idade, ao lado dos docentes em
sua tarefa de corrigir e apontar saídas, observando seus comportamentos, com igualdade de
direitos e deveres. As crianças são grandes observadoras e percebem quando não há
supervisão e realmente quando não é feito o justo. Tardif e Lessard (2005, p. 35) enfocam
que, paradoxalmente, “O trabalho dos professores se dirige a pessoas cuja presença na
organização com o fim de receber um tratamento ou serviço é obrigatória. Os alunos são

49
obrigados a ir para a escola até a idade prevista na lei”. Acredita-se que quanto mais tempo
uma criança ou adolescente permanecer em meio escolar melhor será sua formação mesmo,
ou principalmente, quando provindo de um meio carente em saúde, educação, limites, normas
e regras. Cabe à família, à sociedade e à instituição escolar manter as crianças e os
adolescentes na escola, uma vez que estes ainda não sabem o seu valor. Os autores também
apontam que,

A centralidade da disciplina e da ordem no trabalho docente, bem como a


necessidade quase constante de “motivar” os alunos, mostra que os professores se
confrontam com o problema da participação do seu objeto de trabalho – os alunos –
no trabalho de ensino e aprendizagem (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 35, grifos dos
autores).

Tardif e Lessard (2005, p. 35, grifo dos autores) declaram ainda que,

Eles precisam convencer os alunos que “a escola é boa para eles”, ou imprimir as
suas atividades uma ordem tal que os recalcitrantes não atrapalhem o
desenvolvimento normal das rotinas do trabalho. Os alunos precisam acreditar no
que é dito a eles ou fingir que acreditam e não perturbar os professores e os colegas
de classe.

A escola tem dado conta tanto da administração de conteúdos como de orientações


quanto à disciplina e limites, uma vez que a família vem se esquivando cada vez mais dessa
tarefa. Assim como um doente exige cuidados, na docência o educador precisa ser firme em
seu propósito de educar em conhecimentos, bem como acreditar na potencialidade de seus
discentes. No entendimento de Marques (2006, p. 63) a respeito tem-se:

Tece-se essa sociabilidade de base em trama capaz de dar suporte às formas


organizativas várias. Aí se insere a trama dos conhecimentos e valores que têm na
vida cotidiana o teste de sua validade e sustentação e em que se corporificam as
aprendizagens, formas formantes do saber-viver, saber-pensar e saber-fazer. [...]
Enraíza-se na pertença grupal o processo de educação no que tem ele de mais
fundamental, na medida em que é a própria vida que educa e que os primeiros e
mais decisivos educadores do homem são aqueles que lhe estão mais próximos
como seus outros imediatos com ele confrontados a cada momento.

Educação se adquire diariamente mediante o convívio com os demais. O ser humano


está sempre se espelhando em alguém, tanto na família quanto na escola ou na sociedade em
si. A educação, portanto, pode ser obtida sempre e em qualquer lugar, basta que se tenha mais
de uma pessoa. Nesse sentido, a sociedade ensina, porém, muitas vezes desvirtua a educação.
Já a escola tem compromisso com os conteúdos científicos e juntamente trabalha a
socialização. Logo, a profissão de professor é também um compromisso social, pois tem um

50
papel fundamental, que é educar com normas, regras, valores e limites. No seu entendimento,
Freire (2001, p. 40) revela:

Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica,


graças a qual o homem escolhe e decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de
domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com muita frequência a educação em vigor
num grande número de países do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à
sociedade, em lugar de promovê-lo em sua própria linha.

Sobre o conhecimento, Freire (1978, p. 144-145) discorre da seguinte forma: “O


conhecimento da realidade é indispensável ao desenvolvimento da consciência de si e este ao
aumento daquele conhecimento”. E propõe, “Mas o ato de conhecer que, se autêntico,
demanda sempre o desvelamento de seu objeto, não se dá na dicotomia antes referida, entre
objetividade e subjetividade, ação e reflexão, prática e teoria” (p. 145). Segundo o seu ponto
de vista:

Não é a educação que forma a sociedade de uma certa maneira, mas a sociedade que,
formando-se de uma certa maneira, constitui a educação de acordo com os valores
que a norteiam. Mas, como este não é um processo mecânico, a sociedade que
estrutura a educação em função dos interesses de quem tem o poder, passa a ter nela
um fator fundamental para sua preservação (FREIRE, 1978, p. 146).

Freire (1978, p. 146) estabelece ainda que: “Este é sempre um momento existencial
difícil. Muitas vezes, é exatamente quando o experimentam que o educador ouve falar da
conscientização”. E que, “Por motivos diversos, entre eles a própria falta de clareza com
relação à sua tarefa, aproxima-se da conscientização como quem continua ouvindo falar dela
e não como quem se apropria de sua significação exata” (p. 147, grifos do autor). Desta
maneira, “Magiciza o processo de conscientização, emprestando-lhe poderes que realmente
não tem” (p. 147).
No papel de educador, como sujeito que acredita no poder de seu conhecimento, é
atualmente doloroso querer entender o que realmente a sociedade pretende para a educação.
As crianças continuam sendo crianças, os adolescentes continuam sendo adolescentes e os
jovens continuam acreditando em um mundo melhor. Mas a sociedade e a educação escolar
vivenciam uma época de transição fortemente travada pela tecnologia, como também a falta
de base para que a educação escolar se firme com o propósito maior da formação da pessoa
humana em conhecimentos. Acredita-se que o indivíduo já nasça humano e sabendo devido às
tecnologias, portanto, não se necessita mais de educação escolar. Com isso se percebe
claramente a falta de conhecimento e conscientização da realidade posta, tanto política quanto

51
educacional, para que se assuma o papel de educador em conhecimentos cientificamente
elaborados. No momento em que indivíduos se comportarem como adultos responsáveis pelos
neófitos, com certeza se saberá o que realmente se quer com a educação escolar. Tudo isso
começa com a sociedade organizada, politizada e educada.
Freire (1978, p. 145, grifos do autor) segue argumentando “Que se faça importante, na
prática do desvelamento da realidade social, no processo conscientizador, que a realidade seja
apreendida não como algo que é, mas como devenir, como algo que está sendo”. O ser
humano nasceu para aprender e aprender sempre. Quando um conhecimento está adquirido,
inicia-se o processo de outro. Para o autor, “A sua autenticidade se dá quando a prática do
desvelamento da realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da
transformação da realidade” (FREIRE, 1978, p. 145). Esta realidade pode ser constantemente
modificada pelo homem, o que exige dele conhecimentos sempre atualizados a fim de
transformar a sua própria realidade e também aonde vive e convive. Os conhecimentos
escolares são fundamentais para que ocorra um entendimento maior sobre a vida e a
sociedade em si, bem como a importância do sujeito como agente de transformação.
Concorda-se com Arroyo (2000, p. 164) quando escreve que: “O convívio escolar será
educativo na medida em que nos revelemos como adultos às gerações jovens. A procura de
mecanismos que explorem as dimensões formadoras da relação adulto-criança-adolescente-
jovem passam a ser centrais”. E quanto a essa consciência, o olhar humano do adulto é que
vai fazer a diferença no dia a dia da convivência escolar. O olhar humano de quem ensina
remete à responsabilidade do trabalho docente perante os discentes em formação.

2.3 OS DESAFIOS DO ENSINAR

“A formação do caráter precisa começar na infância


para assegurar que essa segunda fase não cause choque
e retração da grande oportunidade da adolescência”
(BOWELL, 2005, p. 40).

Apesar de nem todos possuírem características docentes, todos podem ser


colaboradores com a educação escolar desde a infância até a idade adulta. O professor
continua imprescindível no exercício do ensinar, pois ainda não produzimos um modo mais
eficaz. Quanto mais cedo, portanto, se der valor à educação escolar, mais fácil será o
cumprimento desta tarefa. A maioria dos docentes não espera uma turma homogênea, que não
requeira esforço e dedicação, mas todos sonham com uma turma que queira aprender. Ser

52
educador é acreditar no que já sabe e querer ensinar esse conhecimento de forma a constituir o
outro em ser e saber.
O Projeto Educativo Paulo Freire é um projeto libertador. Desde o seu início, os
Círculos de Cultura incluíram não somente uma denúncia – a das situações de dominação que
impedem o homem de ser homem –, como também uma afirmação, que no contexto era uma
descoberta: “A afirmação da capacidade criadora do ser humano, até do mais alienado. Daí a
necessidade de atuar sobre a realidade social para transformá-la, ação que é interação,
comunicação, diálogo” (FREIRE, 2001, p. 12).
Segundo Freire (2001, p. 12), “Educador e educando, os dois seres criadores, libertam-
se mutuamente para chegarem a ser, ambos, criadores de novas realidades”. Quantos
educandos são alienados e, de repente passam a ter consciência de si e querem aprender,
tornam-se os melhores amigos e caminham juntos no conhecimento. Essa talvez seja a maior
alegria de um educador: os educandos, como num passe de mágica, se permitem ouvir,
instigar e querer saber. Afinal, como bem afirma Freire (1992, p. 117-118, grifo do autor),

O diálogo entre professoras ou professores e alunos ou alunas não os torna iguais,


mas marca a posição democrática entre eles ou elas. Os professores não são iguais
aos alunos por n razões entre elas porque a diferença entre eles os faz ser como estão
sendo. Se fossem iguais, um se converteria no outro. O diálogo tem significação
porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem
e assim crescem um com o outro.

Cabe ao educador, porém, a responsabilidade em saber os conteúdos do oficio, da


responsabilidade perante seu aluno ou aluna. O educador, ao tomar consciência de seu papel
formador, passa a acreditar que todo educando é capaz de aprender, desmistificando a ideia de
ser humano incapaz, incompetente ou burro, cujo termo é usado de forma tão natural no meio
escolar.
A democracia atualmente em vigor no Brasil colabora para que quase todos tenham
acesso à educação escolar. Falta, talvez, tanto para a família quanto para a sociedade,
discernir quanto ao real valor desse momento social. Muitas oportunidades de alfabetização
são perdidas devido ao descaso com que são tratados os indivíduos abandonados por seus
familiares. E, assim, sucessivamente, em outras séries quando não se tem uma preparação
educativa para aprender conteúdos escolares. Freire (2001, p. 45) reconhece que “Isto obriga a
uma revisão total e profunda dos sistemas tradicionais de educação, dos programas e dos
métodos”. A sociedade se transforma, os homens instigam novas maneiras de ser e de
conviver. Com isso as famílias são indiscutivelmente atingidas, as crianças e os jovens

53
percebem essas transformações e necessitam mais ainda da educação e do apoio familiar
como suporte para a sua formação. Em meio escolar percebe-se quando falta esse apoio. É
comum, muitas vezes, a criança chegar como se viesse em busca de um refúgio, à procura de
um lugar seguro para permanecer em paz durante algumas horas, ou então porque ali vai ter o
alimento de que necessita.

O desespero é uma forma de silêncio, uma maneira de não reconhecer o mundo e


fugir dele. A desumanização que resulta de uma ordem injusta não é causa de
desesperança, mas de esperança, e conduz a procurar sem cessar a humanização que
a injustiça nega aos homens (FREIRE, 2001, p. 97).

A libertação é um fenômeno humano referenciado por Freire (2001, p. 99), que assim
se expressa: “Não pode ser obtida por seres semi-humanos. Toda vez que se trata os homens
como seres semi-humanos estes se desumanizam por causa da opressão que sofrem, não se
pode empregar para sua libertação métodos desumanizantes”. Percebe-se diariamente
educandos desacreditados por seus pais, por seus professores, enfim, desumanizados. O papel
da escola é justamente acreditar nesses desacreditados, mostrando o pouco que ainda resta de
gente dentro deles, de que é possível sair de uma situação de abuso (abuso social, de remédios
desnecessários, de familiares que incutem a incapacidade, de desumanização) e libertar-se por
meio da educação.
De acordo com Freire (2001, p. 103), “Os alunos devem descobrir as razões que se
escondem atrás da maior parte de suas atitudes em relação à realidade cultural, e assim
enfrentá-la de uma maneira nova”. Com efeito, o autor reforça que: “A readmiração de sua
anterior admiração é necessária para provocar essa mudança” (p. 103, grifo do autor). E, por
isso mesmo, “Os educadores adquirem uma capacidade de conhecimento crítico – muito além
da simples opinião – ao des-velar suas relações com o mundo histórico cultural no qual e com
o qual existem” (p. 103, grifo do autor). Essa consciência é uma tarefa, muitas vezes, árdua,
mas que vale a pena. Investir no humano sempre será um ganho para a sociedade, basta
observar as divergências que atualmente ocorrem quando falta a vivência da humanidade.
Nesse sentido, Marques (2006, p. 125) afirma “Que é a paixão pelo homem que faz o
educador. Apesar das desigualdades e angústias, o autêntico professor acredita no homem que
está no aluno e busca conferir-lhe o imenso privilégio de acreditar em si”. Quanto à formação
e afirmação de seu propósito, o educador vai além ao afirmar que: “Currículos, programas,
matérias e materiais de ensino, metodologias e técnicas: tudo o mais são apenas pretextos para
a densidade da relação que se estabelece entre homens que se respeitam e admiram” (p. 125).
Admiração – esta é a palavra que leva o professor a querer ensinar e ao mesmo tempo ver as

54
pessoas crescendo em seu meio e aprendendo a ser. Relacionamentos e interações
complementam esse ato tão sigelo de ensinar. Ainda segundo Marques (2006, p. 125),
“Constituem-se a docência e a aprendizagem no relacionamento pedagógico da palavra da
ação e da ação da palavra, pelas quais os sujeitos se fazem singularizados em sua genericidade
humana”.
Ao educador, portanto, cabe a esperança de que seus discentes aprendam. “Nas
aprendizagens exigidas pelas práticas imediatas nas recorrências da vida cotidiana são
limitados os apelos que se fazem à educação proposital” (MARQUES, 2006, p. 120).
Encantar-se pela aprendizagem escolar talvez seja uma das fórmulas mais precisas que
professores e familiares possam exercer, afinal, o incentivo à curiosidade do conteúdo novo,
além do cotidiano, deve ser sempre reforçado. Marques (2006, p. 120) explica que: “As
ciências são construções históricas de conceitos e teorias como instrumentos de apreensão/
objetivação dos conteúdos que constituem em sua especificidade o conhecimento de
determinada área da práxis humana genérica”. Os conteúdos escolares são matérias científicas
selecionadas e de grande valia ao discente, e deveriam ser mais valorizados pela família e pela
própria sociedade. Freire (1996, p. 28) enfatiza que “Ensinar exige rigorosidade metódica. O
educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a
capacidade crítica dos educandos, sua curiosidade, sua insubmissão”. É, portanto, um trabalho
voltado à formação humana. Para o autor,

Ensinar exige criticidade, a curiosidade ingênua que, “desarmada”, está associada ao


saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se
da forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna
curiosidade epistemológica. Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a
qualquer forma de discriminação (FREIRE, 1996, p. 34-35, grifos do autor).

Para Freire (1996, p. 40), portanto, “A prática preconceituosa de raça, de classe, de


gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia”. É preciso,
então, ficar atentos a todos os detalhes que ocorrem em meio à sala de aula, os
relacionamentos entre os educandos, observando para corrigir, se for necessário, o que
também é educação.
Todo educador é um educador de si mesmo, sempre atento a sua didática, ao seu
comportamento, aos seus gestos e, principalmente, ao que diz, pois “A prática docente crítica
implicante do pensar certo envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar
sobre o fazer” (FREIRE, 1996, p. 43). O autor destaca que “Ensinar exige o reconhecimento e
a assunção da identidade cultural. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,

55
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar” (p. 46).
O ser educando é inacabado tal como o educador, o que os diferencia são os
conhecimentos adquiridos e vivenciados pelo professor. Esse conhecimento e experiência
exigem ainda mais do educador. Ensinar, portanto, exige respeito à autonomia do ser do
educando. De acordo com Freire (1996, p. 67), “Ensinar exige bom senso. A vigilância do
meu bom senso tem uma importância enorme na avaliação que, a todo instante, devo fazer de
minha prática”. Ele observa ainda que:

Especificamente humana a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é


artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos,
desejos. Exige de mim, como professor, uma competência geral, um saber de sua
natureza e saberes especiais, ligados a minha atividade docente. E não posso negar
que o meu papel fundamental é contribuir positivamente para que o educando vá
sendo o artífice de sua formação com a ajuda necessária do educador (FREIRE,
1996, p. 78).

Professores são constituídos de saberes de conteúdos, saberes docentes, culturais,


familiares e históricos; saber conviver com diferentes idades, entendendo-as; saber que todos
são pessoas que convivem uma boa parte do dia juntos em desafios do cotidiano, gestos,
palavras, sorrisos, cumplicidades, olhares e sonhos. Nesse sentido Marques (1993, p. 110)
afirma que,

Não se ensinam ou aprendem coisas, mas relações estabelecidas em entendimento


mútuo e expressas em conceitos, que, por sua vez, são construções históricas, isto é,
nunca dadas de vez, mas sempre retomadas por sujeitos em interação e movidos por
interesses práticos no mundo em que vivem. Cada novo coletivo em que se insere o
professor em cada turma de alunos, dele exige que se integre num processo vivo e
original de construção de conceitos, construção sempre ligada a experiências de que,
em comum, participam.

Depreende-se de tudo isso que o ser humano vivencia no dia a dia experiências e
formas de vida que são inventadas e reinventadas conforme suas necessidades. O docente, por
sua vez, com seus saberes de vida e conhecimentos adquiridos reconhece que o seu papel de
professor ultrapassa os conteúdos científicos. Esses conteúdos são um meio de estar próximo
ao educando e também de se educar, ampliando cada vez mais os seus próprios
conhecimentos e saberes de vida. Assim, torna-se cúmplice nessa construção, que de semestre
a semestre se transforma, se expande e fica cada vez mais grandioso perante a humanidade e
suas existências.

56
3 O LUGAR DA DOCÊNCIA

3.1 O PAPEL DO(A) PROFESSOR(A)

“Procure olhar as pessoas com a ideia mental de que


elas são um potencial campo de inteligência e por todas
as razões podem ter ficado estagnadas e excluídas do
potencial que são” (BOWELL, 2005, p. 145).

A educação escolar talvez seja, para o entendimento geral, um dos grandes alicerces
na construção da sociedade humana na atualidade. Afinal, é por meio da educação escolar que
o ser humano pode ser potencializado em seus conhecimentos e se conscientizar do valor de
sua pessoa a fim de atuar em meio social. Apesar dos desafios encontrados pela escola, há
consciência no meio social da responsabilidade e da competência exigidas da instituição
escolar e de seus profissionais. Para tanto, os profissionais da educação escolar precisam se
munir de conhecimentos científicos a fim de dar conta de sua função de professor. O papel do
educador é ensinar uma disciplina, sendo o conteúdo o principal motivo do encontro de
docentes e discentes. De acordo com Marques (2006, p. 111),

Na mediação da docência em sala de aula é que se efetivam as aprendizagens


formais e sistemáticas e os conteúdos delas adquirem vida ao serem assumidos na
qualidade de elementos determinados do conhecimento, alcançando no
entendimento compartilhado por professores e alunos, sujeitos/atores do seu ensinar
e aprender.

Na escola se legitimam os motivos do encontro entre educador e educando, como


descreve Marques (2006, p. 111): “Os alunos com seus saberes da vida e o professor, além
dos saberes da própria experiência vivida, com o saber organizado e sistematizado, sob a
forma escolar e em função dela, na cultura e nas ciências”. Por essa razão o professor é
capacitado para atuar em meio educacional.
Ao educando reserva-se a expectativa do novo, enquanto ao educador cabe o processo
de mudanças significativas diante da aprendizagem de seu aluno. Esta visão também é
compartilhada por Marques (2006, p. 111), ao destacar que “Reconstroem-se as
aprendizagens em processo contrário ao desgaste da vida e à decadência, e imune às fantasias
não fundamentadas nas possibilidades historicamente construídas”. Da mesma maneira o
autor defende que “O já aprendido pelo docente torna-se revelação criadora ao confrontar-se
com a situação existencial problematizadora do aluno como força ativa interrogante” (p. 111).

57
A aprendizagem como processo de construção e mudança é compreendida pelo autor
da seguinte forma:
Dá-se, assim, a aprendizagem no quadro de uma intersubjetividade específica, que
supõe sujeitos diferenciados que buscam entenderem-se sobre si mesmos e sobre
seus mundos e, desde situações desiguais, progridem na direção da igualdade da
relação política, em que se constituem em cidadãos capazes de se conduzirem com a
autonomia exigida com suas corresponsabilidades (MARQUES, 2006, p. 111).

O que remete à reflexão do valor da educação escolar para a humanidade em si não é


um mero acaso, uma invenção, mas sim uma conscientização do próprio homem da
necessidade da educabilidade escolar, além da cultural e histórica. Por intermédio da
educação escolar o homem acrescenta à sua genética e à sua cultura um conhecimento além
do senso comum, entrando em um mundo novo – o mundo do conhecimento científico. É por
meio desses conhecimentos que o ser humano vai se humanizar e desenvolver mais ainda suas
capacidades criativas, ou seja, é pela reflexão e observação que se chegou ao estágio atual. No
decorrer da História, o homem foi percebendo que a educação escolar humaniza, enquanto
desenvolve ainda mais sua inteligência, fica mais apto a conviver em sociedade e a atuar de
forma conveniente, de fazer parte dessa construção social, de se sentir inserido no grupo.
Nesse sentido, Freire (1983b, p. 27) expressa que:

Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o
próprio homem. Por isso, é preciso fazer um estudo filosófico-antropológico.
Comecemos a pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do
homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo
de educação que seria o inacabamento ou a inconclusão do homem.

O processo de educação pode ser iniciado logo após e até mesmo antes do nascimento,
uma vez que o indivíduo está inserido em um grupo social-cultural e, por intermédio do
cuidado é educado segundo normas e valores culturais dos quais faz parte. Conforme vai se
desenvolvendo e chegando o momento escolar, é novamente inserido no mundo da educação
escolar, tão necessária para a aprendizagem da convivência social. Freire (1983b, p. 28)
também afirma que: “A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não
educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são
absolutos”. A educação escolar remete a conhecimentos, podendo haver aprendizagens e
saberes profundos, os quais são caracterizados pelo autor da seguinte forma:

O saber se faz através de uma superação constante. O saber superado já é uma


ignorância. Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que já
anuncia. Todo saber traz consigo sua própria superação. Portanto, não há saber nem

58
ignorância absoluta: há somente uma relativização do saber ou da ignorância
(FREIRE, 1983b, p. 29).

Partindo do saber para a sociedade em si, percebe-se que o indivíduo é um ser social
aprendente e, por isso mesmo, educável. Sem educação não há sociedade humana. De acordo
com Freire (apud ADAMS, 2010, p. 376, grifo do autor), “As sociedades humanas são o locus
educativo [...] são históricas, sempre em transição, o que exige a formação e o
desenvolvimento de um espírito flexível para enfrentar as fortes contradições”. A sociedade
também é responsável pela educação de seu povo e espera dessa educação um melhor
desempenho de cada ser em sua função dentro de uma coletividade. Na concepção da
educação, a sociedade pode ser considerada um entrave e também pode ser de grande valia,
dependendo da forma como ela percebe o valor da educação. O autor salienta ainda que: “a
defesa da dignidade humana só é possível se nos mantivermos fiéis à ética universal do ser
humano que carrega no seu cerne a incondicional valorização da justiça, da solidariedade, da
democracia” (ADAMS, 2010, p. 377).
O que a sociedade espera do educador é que ele eduque indivíduos para a manutenção
do que de melhor já existe, potencializando-o para o enfrentamento do indesejável que
persiste. Percebe-se claramente nesse momento que o educador é também um aprendiz, que
precisa conhecer a sociedade, dando conta de seu conhecimento e aprendendo com seu
educando em função dos constantes desafios que este lança, aprimoramento de seu saber. A
construção do conhecimento está presente na atividade humana e, nesse movimento as coisas
saem do lugar, se modificam, se transformam, surgem novos desafios. O homem é
transformação, pois ele próprio muda, se transforma, se reinventa e aprende constantemente,
devido às mudanças e aos novos conceitos, novas conquistas, novas descobertas e novos
descobrimentos científicos que ocorrem cada vez mais em velocidade maior. Arroyo (2000, p.
40) dá uma ideia do que é esperado da atuação docente:

A sociedade diz aos educadores: as crianças não são um dado natural, uma semente,
uma realidade pronta, mas um possível. E enfatiza que teu dever é tornar essa
possibilidade possível, tens de fazer fé nessa possibilidade, assumi-la como tarefa,
como dever. Educar e instruir são atos éticos e políticos.

O papel formador e social da escola pública é hoje muito questionado, principalmente


quanto à atuação docente. De acordo com Guillot (2008, p. 121), “O papel do professor e as
representações coletivas das quais é objeto evoluíram consideravelmente desde o início do
século XX. Os debates são sempre vigorosos nesse sentido”. No seu entendimento, o autor

59
enfatiza que “O professor é, por seu estatuto, um servidor da República” (GUILLOT, 2008, p.
121, grifo do autor). Confirma ainda que:

A escola é oficialmente uma “instituição” que tem uma “missão de serviço público”.
Mas em nossos dias, acompanhada pelas últimas reformas, a noção de serviço
público derivou para a de serviço do público e, desde então, dos públicos. São as
exigências econômicas, profissionais, as expectativas sociais (que continuam muito
heterogêneas) que influenciam as políticas educativas. Os pais de alunos, “usuários”
do serviço público, tendem a ser transformados, ou a se transformarem em “clientes”
de um serviço privado e personalizado. De algum modo, passou-se de um
autoritarismo ancestral, evidentemente criticável, a um consumerismo atual,
igualmente criticável: de fato, com esse processo, a autoridade do professor foi
adulterada (GUILLOT, 2008, p. 121-122).

A cada dia que passa parece que a sociedade vem cobrando da atuação docente, de
certa forma, a expectativa de educação que o social espera. A sociedade acredita que a
educação escolar seja uma forma de potencializar o futuro das novas gerações e com recursos
necessários para uma boa atuação em qualquer área que venham a assumir. E, realmente,
quando há uma gestão bem objetivada e um corpo docente capacitado a escola pública tem
capacidades e habilidades para potencializar o exercício da cidadania, pois estas são as bases
de sustentação para o educando adquirir conhecimentos. Nesse sentido, afirma Guillot (2008,
p. 123, grifos do autor) que, “Um professor deve responder às suas missões institucionais que
são instruir, educar e formar”. E complementa:

Esses três verbos remetem, respectivamente, qualquer que seja o nível do ensino, a
três prioridades: o saber que deve ser adquirido pelos alunos, a educação que
comporta socialização, educação dos valores, educação da cidadania, e a inserção
socioprofissional. Elas têm a mesma importância, mas a ordem de sua menção tem
um sentido cronológico e, ao mesmo tempo, político (GUILLOT, 2008, p. 123).

A economia segue cada vez com mais exigências, enquanto novas tecnologias chegam
acompanhadas de desafios ao trabalhador, do qual são exigidos novos conhecimentos. Toda
essa corrida chega à escola exigindo do educador mais conhecimentos para que possa, na sua
atuação docente, desenvolver em seus educandos uma aprendizagem de qualidade em
conhecimentos científicos e convivência social. Assim, ao atuar em sociedade, o educador
participa de forma consciente da grande maquinaria na qual está inserido, sentindo-se parte da
sociedade e, consequentemente, percebendo seu valor. Guillot (2008, p. 123) prossegue no
seu raciocínio afirmando que: “A instrução sempre foi afirmada como a primeira missão de
um professor. Instruir não significa inculcar, mas fazer aprender: instruir o aluno é colocá-lo
em posição de se instruir”. O autor prossegue afirmando:

60
A segunda missão surge no século XX com a evolução da sociedade industrial, as
novas exigências da vida profissional, o alongamento da escolaridade obrigatória, a
entrada das mulheres no mercado de trabalho, a democratização e a massificação da
escolaridade. A escola teve de contribuir para a educação dos alunos, que, não
estavam todos prontos a aceitar a disciplina escolar; nem necessariamente,
motivados pelas aprendizagens propostas (GUILLOT, 2008, p. 123).

Assim como ocorreram mudanças cruciais na evolução social, também se passou a


exigir da atuação docente um grau maior de responsabilidade perante a formação de seus
discentes. Dessa forma, Guillot (2008, p. 124) expressa: “A terceira missão responde à
preocupação crescente dos poderes públicos e das famílias de permitir aos alunos, ao final da
escolaridade curta ou longa, conseguir um emprego”. O autor reconhece ainda que:

O trabalho de um professor se tornou mais complexo e passou a integrar várias


dimensões, que implicam a afirmação e o exercício de sua autoridade: o ensino, a
consideração da heterogeneidade dos alunos, o trabalho em equipe ou projeto, as
parcerias com as famílias, empresas e associações (GUILLOT, 2008, p. 124).

Com toda a evolução e modificações sociais e familiares que vêm ocorrendo, cada vez
mais se amplia o trabalho do professor. Espera-se hoje, que a escola proporcione a formação
educacional necessária a todo estudante. Nesse sentido, são necessários conhecimentos além
do conteúdo e, principalmente, a formação do ser humano enquanto social, requisito que a
sociedade vem exigindo de uma instituição educacional. Guillot (2008, p. 124-125, grifos do
autor) afirma ainda que:

Afirmar isso não é nem um feito de moda nem uma perversão “pedagogista”, é a lei.
Dominar o saber que vai ser ensinado é evidentemente necessário, mas não basta
mais. Os alunos diante de seu professor estão longe de ter a “conivência cultural”
que permite a todos aprender o sentido do que é ensinado e conhecer a supostas
evidências e as regras implícitas do “jogo” escolar.

Tudo isso exige do educador um grande e perspicaz conhecimento, além de sua área
de atuação, a fim de suprir e superar as deficiências ou saberes que os educandos trazem para
a aprendizagem escolar, principalmente na escola pública. É necessário, cada vez mais, que o
educador se conscientize do seu papel, afinal espera-se dele a responsabilidade maior perante
a construção do ser humano na sua total completude. No entendimento de Savater (2005, p.
42),
A primeira coisa para educar os outros é ter vivido antes deles, isto é, não o simples
ter vivido em geral – é possível e frequentemente um jovem ensinar coisas a alguém
de mais idade –, mas ter vivido antes o conhecimento que se deseja transmitir. Que
seria o conhecimento científico ou mesmo os conhecimentos culturais e históricos.

61
É com esse “ter vivido antes o conhecimento” que corrobora Cunha (2010, p. 330)
quando refere que: “Para Freire a docência se constrói, pois a condição de tornar-se professor
se estabelece num processo, não apenas a partir de uma habilitação legal. Envolve a
consciência da sua condição, em ação”. O autor se vale das palavras de Freire, que ao refletir
sobre sua trajetória profissional expressa: “Ser professor tornou-se uma realidade para mim,
depois que comecei a lecionar; tornou-se vocação depois que comecei a fazê-lo” (apud
CUNHA, 2010, p. 330). Constata-se, assim, que a profissão também se aprende. Aprende-se a
ser educador na convivência do dia a dia de ensino. Ensinar também exige que se continue
aprendendo, mesmo porque nunca se sabe tudo, e a cada dia vão surgindo novos desafios e
questionamentos. O educador deve obter o seu aperfeiçoamento no desenvolver reflexivo de
sua prática.
Ainda conforme Cunha (2010, p. 330), “A responsabilidade ética, política e
profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes
mesmo de iniciar sua atividade docente”. Além disso, o educador é o profissional que mais
tempo permanece na escola desde o seu tempo de estudante, e ao optar por ser um educador,
continua seus estudos para desenvolver a prática docente, prosseguindo como educando ainda
por mais tempo. Percebe-se, então, o quanto o ensinar/aprender é contagiante e, ao mesmo
tempo instigante, pois, para ser educador é necessário uma curiosidade epistemológica
crescente, o que vai formando o indivíduo para ser melhor e transmitir conhecimentos com
mais qualidade e firmeza em seu saber.
Evidencia-se o encantamento das crianças pelas inovações tecnológicas atuais, uma
vez que desde tenra idade ela aprende a lidar com objetos de múltiplas utilidades, o que não
justifica o desleixo com a educação escolar. A falta de consciência de que todo ser humano,
pela sua própria natureza humana, é capaz de aprender, pode acarretar grandes danos em um
meio educacional. O determinismo também é um grande vilão que pode deteriorar a atuação
docente. Tardif e Lessard (2005, p. 63) confirmam: “O mestre é o centro da atividade na
classe. Ele é o sol do sistema pedagógico: as ações dos alunos giram em torno dele, que impõe
o ritmo dos exercícios, das repetições, das tarefas, dos movimentos”. Ninguém vem à escola
sabendo conteúdos escolares, mas todos já têm uma história de vida, bem como a sua cultura,
as quais devem ser respeitadas. A aprendizagem, entretanto, ocorre na interação do grupo de
estudos em si e por intermédio do professor.
Pressupõe-se que o educador seja aquele que conhece os conteúdos, que viveu a
história e que conhece a diversidade cultural em que está inserido. Enquanto isso, o educando
é aquele que ainda não sabe. Além disso, o educador deveria sempre ter em mente que seu

62
educando é alguém que está ali para estudar e não para ser julgado ou discriminado, seja pelo
educador ou pelos outros educandos. Afinal, como bem afirma Freire (1992, p. 85-86) a
respeito da cultura de cada ser, é que os educandos, sejam crianças, jovens ou adultos,

trazem consigo a compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prá-
ti-ca na prática social de que fazem parte. Sua fala, sua forma de contar, de calcular,
seus saberes em torno do chamado outro mundo, sua religiosidade, seus saberes em
torno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos.

Com relação aos saberes do outro é necessário que o educador trabalhe a sua
tolerância, a sua humildade, o seu jeito de ser e de ver o outro, que vem em busca de algo
novo, que ainda não sabe. É na convivência do dia a dia na educação escolar que vão se
formando os novos conhecimentos a serem inseridos por meio de conteúdos e da interação
entre educador, educando e seus colegas de estudos. Como salienta Freire (1992, p. 86)
quanto aos saberes que o educando traz, “Respeitar esses saberes, para ir mais além deles,
jamais poderia significar dever ficar o educador(a) aderida a eles, aos saberes de experiência
feitos”. E, ainda de acordo com o mesmo autor, “O respeito a esses saberes se insere no
horizonte maior em que eles se geram. O respeito, então, ao saber popular implica
necessariamente o respeito ao contexto cultural” (FREIRE, 1992, p. 86). Entende-se, então,
que cada ser humano já traz consigo um conhecimento de seu meio cultural e histórico e tudo
é muito importante, afinal, partindo do que ele já sabe é que o educador vai inserir o
conhecimento científico, que vai complementar ao que ele sabe e aprendeu dentro de sua
família e comunidade. Demonstrar que essa cultura ou esse saber são inválidos seria como
anular a pessoa em sua aprendizagem, afinal todo ser humano nasce em algum lugar e
aprende costumes, crenças e valores. E, sempre estará apto a aprender o novo que ainda
desconhece.
Nesta perspectiva, Guillot (2008, p. 126) constata: “Muitos jovens colegas inquietam-
se com a heterogeneidade julgada crescente do público social”. E prossegue afirmando que:

A heterogeneidade não é uma novidade, ela sempre existiu. Perdura o mito de uma
classe “homogênea”. Mas não há de fato dois alunos idênticos, mesmo em um meio
social comum. Cada criança ou adolescente tem sua personalidade própria, em
formação, sua sensibilidade, seu imaginário, sua maneira de viver sua aparência em
relação aos outros, seu estilo cognitivo (isto é, sua forma própria de aprender e de
compreender), sua cultura internalizada a partir de sua educação e de suas
experiências da vida (GUILLOT, 2008, p. 126, grifo do autor).

Com tantas transversalidades culturais, com novas formas de viver e de sobreviver, de


atuar em sociedade, educandos nas mais variadas formas de ser e de viver são recebidos na

63
escola. Além disso, com a informação em massa por televisores, internet, celulares (que vêm
junto para a escola, mesmo que muitas situações proíbem seu uso), revistas e jornais que cada
vez em maiores quantidades chegam às escolas diariamente, em bibliotecas e na sociedade em
geral. Guillot (2008, p. 127) os descreve da seguinte forma:

O que é designado pelo termo de heterogeneidade hoje é a complexificação, que


resulta de processos recentes de imigração, da evolução dos costumes, das
desigualdades sociais e culturais persistentes, ou mesmo acentuadas pelo
economicismo dominante, das práticas familiares de educação, das influências (e da
rivalidade) da mídia e do consumerismo.

Diante da complexificação, com tanta informação, deixa e desejar o saber, o


conhecimento em si. Diversificando hábitos, valores e costumes ao meio cultural, como
também a miscigenação que colabora para que essa diversidade ocorra numa maior
intensidade, vive-se em um país democrático, onde direitos humanos e do cidadão existem e
são uma conquista social. Vivencia-se, também, como seres humanos, aprendizagens culturais
que são cada vez mais miscigenadas, em um mundo globalizado que trouxe muitas facilidades
e também novidades e dificuldades na área da educação e diversidade no meio escolar, de tal
forma como nunca se viu antes.
As mudanças que ocorrem na sociedade refletem-se no meio escolar. Os discentes
trazem essas novas formas de ser e de se comportar e quando estão em sala de aula ou mesmo
no pátio da escola, cada um aprende e ensina maneiras e formas culturais diferentes.
Interagindo entre si os discentes vão se conhecendo e passam a admirar novos
comportamentos, brincadeiras, vestimentas, deixando aos educadores tantos questionamentos
quanto a sua forma de atuar. Freire (1981, p. 78, grifo do autor) observa essa diversificação ao
escrever que:

O educador já não é o que apenas educa, mas o que enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos se tornam
sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade”
já não valem. Os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.

O educador deve ter sempre em mente a sua função na escola, e saber lidar com as
transformações sociais que se refletem dentro da sala de aula. Mesmo havendo essa
diversidade em classe, o principal objetivo desse encontro são as relações entre os conteúdos
(instruir), o educar e o formar (GUILLOT, 2008). A aprendizagem e a interação constroem o
conhecimento. Na escola existe um espaço destinado a essa construção, e para tanto não há

64
uma receita, constituindo-se numa construção diária. Os professores possuem essa missão,
afinal, lidam com construções humanas, pessoas que estão crescendo e aprendendo.
A instituição educacional proporciona todo esse envolvimento de pessoas, como
também, e principalmente, o aprender a conhecer o mundo onde se vive e se convive. Ao
conhecer esse meio mediante conhecimentos escolares o indivíduo pode se tornar uma pessoa
autônoma e, ao mesmo tempo, mais flexível entre tantas diferenças.
Enquanto a mediação e a socialização desenvolvem ativamente a aprendizagem da
criança, a imitação é por demais importante, pois primeiro ela imita e depois já faz sozinha.
Quanto à aprendizagem, de acordo com Vigotsky (2007, p. 92), “[...] é mais do que a
aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas capacidades especializadas para
pensar sobre várias coisas”. O autor observa que “O aprendizado não altera nossa capacidade
global de focalizar a atenção; em vez disso, no entanto, desenvolve várias capacidades de
focalizar a atenção sobre várias coisas”.
De acordo com a teoria freiriana, “A base da relação discência/docência está no rigor
ético dos processos reflexivos, que têm a prática como principal inspiração” (FREIRE, 2010,
p. 124). Para o autor, “A prática de pensar a prática e de estudá-la nos leva à percepção
anterior ou ao conhecimento do conhecimento anterior que, de modo geral, envolve um novo
conhecimento” (p. 124). Da mesma maneira defende ainda que:

A discência e a docência estão em permanente simbiose, que impede o olhar de


qualquer um dos componentes em separado. Nela o conhecimento é processo de
recriação, em que o ensinar e o aprender se colocam em perfeita sintonia. Essa
possibilidade requer uma posição de humildade, o que diferencia humildade de
submissão (FREIRE, 2010, p. 124).

Diante de uma turma de discentes, o professor é o centro, comanda a sua aula, o seu
saber, o seu jeito de ser e de ensinar. Talvez, por isso mesmo, deve ser o profissional mais
bem preparado, afinal ele vai influenciar muitos comportamentos e jeitos de ser. Após a
família, a identificação pode vir a ser de um professor ou de vários professores. Os discentes
observam e copiam modelos e formas de ser e de se comportar.
Freire (1983b, p. 16) argumenta o fato de assumir um cargo de responsabilidade: “A
primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de
agir e refletir”. E, complementa: “Se ação e reflexão, como constituintes inseparáveis da
práxis, são a maneira humana de existir, isto não significa, contudo, que não estão
condicionadas, como se fossem absolutas, pela realidade em que está o homem” (FREIRE,

65
1983b, p. 17). Devido à incompletude humana sabe-se que o conhecimento é que dá essa
forma de existir e contribuir com a sociedade em que se vive.
A intervenção escolar é uma necessidade, entretanto, nem sempre os discentes estão a
fim de aprender, o que coloca o educador em várias situações. Além do conteúdo ele deve
dirigir um olhar sobre todos e individualmente sobre cada um, e também possuir um grande
entendimento do ser humano como alguém que aprende. Para tanto, precisa ser firme em seu
compromisso de ensinar e, ao mesmo tempo, demonstrar esse interesse para que o educando,
mesmo se sentindo sem rumo, veja nele uma luz em seu caminho. Mesmo que seu aluno diga:
“Professor(a), eu sou um caso perdido”, é preciso ser firme e ter argumentos para lhe dizer
que todo ser humano tem capacidade, e que o esforço é que vai proporcionar o resultado final.
Que ele nunca deve desistir, e que assim como todo ser humano ele também é inteligente o
suficiente para aprender. Afinal, o educador é o que já viveu e aprendeu “um pouco mais” a
história, a cultura e o conhecimento.
Freire (2009, p. 63) descreve o seu ponto de vista a esse respeito: “A educação tem a
responsabilidade de criar consciências críticas, e esta responsabilidade se manifesta quando o
educador estimula ao mesmo tempo a curiosidade do estudante e a sua criatividade”. Quanto à
aprendizagem do educando diante de sua curiosidade, o autor argumenta que:

Como pode uma pessoa ter uma consciência crítica se não estiver hábil a criar e a
recriar? Para mim não há evolução [...] sem um desejo poderoso, uma vontade de
fazer coisas novas. E eu pergunto mais uma vez: está a educação, no mundo inteiro,
gerando experiências de criatividade ou impondo a experiência da repetição? O que
significa, por exemplo, cometer erros? Se tomarmos a perspectiva de uma educação
que se responsabiliza por estimular, no dia a dia, a curiosidade e a criatividade, nós
temos que respeitar os erros (FREIRE, 2009, p. 63).

Nesse mesmo rumo, Freire (2009, p. 63) considera que: “Desta perspectiva
educacional o erro não é um pecado, mas uma parte integrante, um momento importante no
processo de aprendizado; ou, para ser mais preciso, no processo de criação do conhecimento”.
Nesse mundo conturbado do século XXI talvez falte ao indivíduo refletir sobre o seu papel de
educador. Afinal, tudo lhe é cobrado, a família quase não tem mais tempo para educar seus
filhos, e acredita que a escola seja suficiente para que seus filhos aprendam o necessário para
se dar bem na vida. A sociedade espera que o docente prepare um profissional qualificado,
que já venha pronto para o trabalho e as relações necessárias para esse meio. Nesse contexto,
o tempo para aprender, errar e corrigir fica cada vez mais restrito devido à emergência de
atuar em sociedade. Nesse sentido, concorda-se com Freire (2009, p. 63) quando afirma:

66
Na perspectiva de uma educação que promove a criação do conhecimento eu não
posso ter medo de cometer um erro porque eu cometo um erro na medida em que
erros são consequências de riscos e arriscar é uma parte absolutamente necessária no
processo de enfrentar os desafios da sociedade tecnológica. Portanto, outra
qualidade importante para o educador do século XXI é a compreensão de que se
deve encorajar o risco e uma consequência inevitável de correr risco é cometer erros.

O autor supracitado segue afirmando que: “O educador deve, portanto, preparar-se


para trabalhar com o risco e lidar com erros de uma forma positiva, encorajadora e
desafiadora” (FREIRE, 2009, p. 63). No meio educacional, os docentes continuam ensinando
que o erro é perigoso, ou seja, que jamais se deve errar quando o propósito é ser um grande
profissional. Talvez essa seja a dificuldade e o desânimo que os docentes vêm enfrentando no
dia a dia das instituições educacionais. Percebe-se que a competição é incentivada a qualquer
custo e muitos educadores acreditam que deve ser assim, que o mundo lá fora é competitivo, e
a escola precisa prepará-los para isso, esquecendo que é na escola que acontece a
oportunidade de desenvolver a criatividade e a aprendizagem. Reflete-se aí a construção do
ser humano na interação de uns com os outros, que vão aprendendo e se construindo como
pessoas aptas a assumir uma função no mundo social. E, dentro dessa função, os docentes
também precisam ser criativos no dia a dia de seu trabalho, porque toda profissão exige que o
profissional, além do conhecimento, saiba agir de forma criativa em várias situações que
possam ocorrer em seu trabalho. Para exemplificar, pode-se citar a profissão de professor, a
qual exige preparação, conhecimento e disciplina e, muitas vezes, surgem fatos que mudam o
rumo das coisas e aí entra a criatividade para “dar conta do recado”, mesmo que tudo tenha
ficado diferente do planejado.
A educação escolar é uma das maiores cooperadoras da fantástica construção humana
em que se encontra inserido o indivíduo, e apesar de toda a tecnologia que torna a vida mais
fácil e rápida, o ser humano continua sendo o ator principal que faz as coisas acontecerem.
Ele pensa, reflete, cria, recria, constrói, destrói, planeja, diversifica, estuda, ensina e dignifica.
Acredita-se que a educação torne o ser humano mais consciente de sua capacidade humana de
realizações, para o que, os educadores são fundamentais.

3.2 A ÉTICA NA ATUAÇÃO DOCENTE

“Ficar velho requer apenas resistência e sobrevivência,


enquanto que ficar adulto necessita de crescimento
interior e evolução” (BOWELL, 2005, p. 49).

67
Quanto à formação humana, somente o indivíduo pode discernir a respeito de questões
morais, conduta profissional e preservação da individualidade do outro. Ao se recorrer a
Trombetta e Trombetta (2010, p. 166) percebe-se que: “É a partir da ética universal do ser que
devemos pensar todas as relações dos humanos entre si e destes com a natureza e com a vida”.
Da mesma forma os autores defendem que: “Enquanto espaço de formação humana, a
educação é essencialmente um processo de conquista e desenvolvimento da dimensão ética”
(p. 166). Os autores ainda enfatizam que:

Educadores e educandos não podem escapar à rigorosidade ética. Quando a ética é


concebida como uma reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que
possibilitam superar o mal e conquistar a humanidade do homem como ser livre, os
vínculos entre educação e ética tornam-se fortíssimos a ponto de podermos dizer que
educar é formar sujeitos éticos tendo em vista a humanização do homem e das
relações sociais (TROMBETTA; TROMBETTA, 2010, p. 167).

A educação escolar é capaz de desenvolver a ética junto aos conteúdos, afinal, além
desses há também uma dinâmica de relações humanas na atuação docente, os quais são
ressaltados por Trombetta e Trombetta (2010, p. 167) ao enfatizarem: “A educação é na sua
essência um encontro ético entre o eu e o outro”. Por outro lado os autores expõem que: “A
globalização atual coloca uma série de desafios à educação de caráter humanista, pois seu
projeto de sociedade prioriza o lucro, o crescimento material acima da vida, da justiça e da
dignidade humana” (p. 167).
Ao considerar as obras de Paulo Freire, percebe-se que este não publicou um livro que
aborde de modo específico o tema da ética. No entanto, todo seu pensamento é permeado por
um permanente rigor ético em defesa da dignidade humana.
Educação escolar e ética têm o humano em sua fundamentação e, por isso mesmo a
formação para a civilização, para a humanidade. Esta visão também é compartilhada por
Trombetta e Trombetta (2010, p. 166) ao destacar que: “A educação jamais pode prescindir da
formação ética. Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da
formação ética dos educandos”.
Ademais, a atuação docente é puramente ética, e pode ser desenvolvida tanto com
educandos quanto com colegas de profissão. A falta de conhecimento mais profundo da
construção humana pode levar à falta de ética profissional e pessoal. Por outro lado, a
ganância, a falta de amor ao próximo e também a falta de amor próprio podem levar à falta de
ética e respeito consigo mesmo e com os outros. Segundo entendimento de Trombetta e
Trombetta (2010, p. 167), constata-se que:

68
A dimensão mais perversa do atual modelo de globalização, além do assustador
aumento da pobreza e da exclusão, é o discurso que o legitima como o melhor dos
mundos, o único caminho possível frente ao qual é impossível buscar alternativas. A
verdadeira humanização só é possível a partir da ética do ser humano. Não podemos
aderir ao discurso sedutor e manipulador da globalização causadora de tantos
sofrimentos a diferentes pessoas em todas as partes do mundo.

Observa-se, sutilmente, a permanência do poder de uns sobre os outros. Nesse cenário,


os bens materiais podem chegar a todos, mas a que preço? Por outro lado, tem-se uma gama
de informações, muitas vezes repetidas durante um dia ou uma semana e, por incrível que
pareça, seu conteúdo não é capaz de ensinar algo útil. Muitas pessoas, tanto crianças, quanto
jovens e adultos, estão expostas a tudo isso, além, é claro, da imposição da necessidade cada
vez maior de produtos industrializados. Onde fica, então, a tão necessária e serena
concentração nos estudos, nas leituras, no diálogo simples entre familiares, onde pais ajudam
seus filhos a pensar, a resolver uma equação de Matemática ou uma questão de História?
Diariamente as pessoas são bombardeadas por todo tipo de informações, sendo necessário,
porém, peneirar, classificar aquilo que realmente importa para a sua vida.
Nesse sentido, Trombetta e Trombetta (2010, p. 167, grifo dos autores) enfatizam:

A ética, enquanto esforço de humanização e convivência respeitosa com todos os


seres, deve ser a grande orientadora de todo processo educativo. Nossas ações
devem manter-se dentro da ética e do respeito ao ser humano. A boniteza de ser
gente se dá dentro da ética [...]. Educar, existir na dimensão do humano, só é
possível a partir da ética da solidariedade e da justiça.

Atuar em sociedade é a forma mais sublime encontrada por seres humanos, sendo a
educação escolar cada vez mais benéfica, assim como a aquisição de conhecimentos de si e do
mundo, cuja relação deve preservar a ética entre os indivíduos. Sabe-se que o ser humano
necessita um do outro a todo e em qualquer momento. Sem a presença do outro tudo ficaria
sob a única responsabilidade de cada indivíduo, como alimentar-se, agasalhar-se, proteger-se,
desenvolver instrumentos para tornar essas atividades de melhor acesso. No entendimento de
Morin (2001, p. 105), “Indivíduo/sociedade/espécie não são apenas inseparáveis, mas
coprodutores um do outro. Cada um destes termos é, ao mesmo tempo, meio e fim dos
outros”. O autor prossegue afirmando que:
Não se pode absolutizar nenhum deles e fazer de um só o fim supremo da tríade;
esta é em si própria, por consequência, ser entendidos como dissociados: qualquer
concepção do gênero humano significa desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie
humana. No seio desta tríade complexa emerge a consciência. E demonstra que,
desde então, a ética propriamente humana, ou seja, a antropo-ética, deve ser

69
considerada como a ética da cadeia de três termos indivíduo/sociedade/espécie, de
onde emerge nossa consciência e nosso espírito propriamente humano. Essa é a base
para ensinar a ética do futuro (MORIN, 2001, p. 105-106).

Nesse rumo, o autor destaca ainda que:

A antropo-ética supõe a decisão consciente e esclarecida de: assumir a condição


humana indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do nosso ser; alcançar a
humanidade em nós mesmos em nossa consciência pessoal; assumir o destino
humano em suas antinomias e plenitude (MORIN, 2001, p. 105-106).

Finalmente, Morin (2001, p. 106) afirma que a antropo-ética leva a assumir a missão
antropológica do milênio, pois “[...] supõe a decisão consciente e esclarecida de: assumir a
condição humana indivíduo/sociedade/espécie na complexidade do nosso ser; alcançar a
humanidade em nós mesmos em nossa consciência pessoal; assumir o destino humano em
suas antinomias e plenitude”. O autor esclarece ainda que a antropo-ética orienta no sentido
de se assumir a missão antropológica do milênio: trabalhar para a humanização da
humanidade; efetuar a dupla pilotagem do planeta: obedecer à vida, guiar a vida; alcançar a
unidade planetária na diversidade; respeitar no outro, ao mesmo tempo, a diferença e a
identidade quanto a si mesmo; desenvolver a ética da solidariedade; desenvolver a ética da
compreensão; e ensinar a ética do gênero humano.
Percebe-se uma decadência nesse tipo de formação, apesar de o prejuízo recair sobre a
maioria da humanidade. A escola pública tem poder, embora limitado, e deveria investir mais
em seu trabalho educativo, num esforço constante de manutenção de uma vida digna de ser
vivida. Muitos são os que acreditam na escola pública, apesar de não saberem precisamente
como ajudar seus filhos na questão da educação escolar.
A antropo-ética moriniana compreende, assim, a esperança na completude da
humanidade, como consciência e cidadania planetária. Compreende, por conseguinte, como
toda ética, aspiração e vontade, mas também aposta no incerto. Ela é consciência individual
além da individualidade.
Pode-se então considerar que educação escolar e vida digna de humanidade estão de
mãos dadas. Sem educação, portanto, não há evolução e sim regressão, já que o ser humano
nasce em um meio propício a isso, e não existiria se alguém não o cuidasse durante certo
período de tempo. Tudo isso leva a potencializar ainda mais a educação, a escola e seus
conteúdos. Freire (1996, p. 36) reflete sobre a beleza de ser gente: “A necessária promoção da
ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distancia de uma rigorosa formação
ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas”. O autor acrescenta,

70
Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às vezes ou
quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos
colocar. Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de
comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso,
nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição,
entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética,
quanto mais fora dela (FREIRE, 1996, p. 36).

O ser humano está sempre na vitrine da vida, e ao longo das gerações acumulou
muitas experiências em que pode se apoiar e, inclusive, aprender, a exemplo do respeito com
os seus na devida condição de aprendente. A ética pede esse tempo de reconhecer no outro,
como a si próprio, a capacidade de se instruir, de conhecer e evoluir. A intelectualidade
deveria desenvolver essa percepção de ser melhor, o que muitas vezes não ocorre. No
entendimento de Trombetta e Trombetta (2010, p. 168), “Uma nova humanidade só é possível
a partir da ética da solidariedade que coloca a justiça radical no centro de todo o processo
civilizatório”. Os autores ainda revelam que:

Uma sociedade sem ética e solidariedade pode até funcionar de forma mecânica,
mas não existir de modo verdadeiramente humano. O processo educativo implica
problematizar a realidade social opressora com a intencionalidade de fazer emergir
nas consciências dos educandos a liberdade responsável e o compromisso com os
outros e com o mundo que nos cerca (TROMBETTA; TROMBETTA, 2010, p.
168).

Essa consciência se adquire mediante a identificação com outros seres humanos. É


justo adquirir consciência perante o que se é e o que se pode ser e fazer em prol de uma
sociedade cada vez mais digna de si mesmo. O homem existe há milhares de anos e muitas já
foram as experiências vivenciadas com relação ao ensinar e aprender a ser gente. Nesse
momento concorda-se com Arroyo (2000, p. 125), que assim expressa: “Por outro lado, os
traços de personalidade, de ser humano se aprendem vendo, convivendo, pelo estágio-
contágio entre humanos”. No entender do autor,

Os valores, o dever moral de ser professor se aprendem no lento convívio, exemplar


dos “bons” ou “maus” professores e com nossa cumplicidade de aprendizes. Assim
falávamos quando alunos, e assim falam de nós: “ela é uma ótima professora”, “ele
não é um professor legal”. Esse “ele é” ou “ela é” presente nessas frases não se
refere apenas se o mestre ensina bem, bons conteúdos, com bons métodos, mas o
que ele é como pessoa, como gente, se ele escuta, se ele se dedica, é amigo(a),
paciente, legal... É professor(a). Aprendeu a ser (ARROYO, 2000, p. 125, grifos do
autor).

71
Igualmente compartilha-se com o autor quando escreve que: “Não nascemos com
esses atributos, temos de aprender a ser professores, incorporar esses atributos, essas formas
de dever ser” (ARROYO, 2000, p. 125). Ora, a ética vem bem a calhar nesses argumentos,
pois todos um dia não sabiam e tiveram de aprender, e cada “novo” que chega tem a
oportunidade de aprender a ser professor. Trombetta e Trombetta (2010, p. 168) priorizam a
questão de que “A educação tem seu compromisso nessa luta a partir da denúncia de um
mundo injusto e do anúncio de que é possível um mundo mais belo, solidário e justo”. Os
seres humanos transformaram toda essa gama de aprendizagens em experiências vividas a
partir do ensinar/aprender. Além disso, a mente criadora originada das necessidades humanas,
é uma das grandes formas de o ser humano desenvolver a inteligência. Conforme foi
evoluindo, o homem foi acrescentando melhorias à vida que, de alguma forma, tiveram de ser
adaptadas por ele mesmo. A educação escolar é uma dessas formas de aprendizagens, em que
o encontro do professor com o aluno é motivado pela necessidade das novas gerações
tomarem contato com o conjunto dos estudos científicos já realizados e convidando-os para
no futuro tomarem parte desta construção. Conhecimentos além do senso comum, pelo qual o
aluno vai desenvolver um saber maior que sua cultura e sua história, mesmo que ao final elas
se complementam, formando uma só humanidade.

3.3 O TRABALHO DOCENTE

“A real consciência é sempre despertar para o que ainda


não vimos, ouvimos ou notamos. Ela é sempre uma
nova jornada que se inicia” (BOWELL, 2005, p. 61).

Assim como qualquer outra profissão o trabalho docente é também uma necessidade
social, de responsabilidade. Nesse cenário, resultados muito melhores dos constatados
atualmente deveriam ser exigidos, tanto do educador como do educando. O trabalho é uma
das formas de ser em meio à sociedade em que se vive e, por isso mesmo, digno de
responsabilidade. Cada função exige o seu conhecimento e, portanto, conhecer é saber – saber
para dever ser. Tardif e Lessard (2005, p. 16-17) observam nesse sentido que,

O ser humano é definido ontologicamente como um ser do dever; o trabalho –


subentendido o trabalho produtor de bens materiais – é o primeiro dos deveres, o
meio por excelência de cumprimento dos outros deveres; a noção de dever está
estritamente associada ao princípio de responsabilidade (ou libertação) individual,
responsabilidade para consigo e para com os seus, no presente e no futuro; a
responsabilidade individual leva a adotar um comportamento racional, quer dizer, o
esforço, o trabalho, a previsão, a economia; assim, a realização do indivíduo consiste

72
em encontrar seu justo lugar na sociedade, passa pela assunção de uma função e
papéis precisos ligados ao trabalho.

Na condição de humanos e conscientes de sua função social, a responsabilidade é um


dos requisitos necessários à atuação profissional, independente de qual seja. A atuação
docente é uma preparação de pessoas que futuramente vão atuar em várias áreas do social, e
quanto maior o número de indivíduos com conhecimentos escolares e ética pessoal (ensino
fundamental, médio e superior), acredita-se, melhor será para a sociedade.
Tardif e Lessard (2005, p. 17, grifo dos autores) tematizam: “Qual é o lugar da
docência e qual o significado do trabalho dos professores em relação a esses postulados e ao
ethos que eles impõem?” As transformações sociais não deveriam por si mesmas desvincular
a educação da educação escolar, pois uma depende da outra na construção da civilização,
independente da época ou “modernidade” que se venha a viver.
O trabalho docente se transforma e se adapta a novas formas de vida e modernidade.
Aos profissionais da educação cabe essa flexibilidade perante a sociedade em evolução.
Importa fazer aqui uma menção a um período da infância e adolescência vivida no interior, da
autora dessa escrita, quando estudar era não fazer nada, ou quem frequentava a escola deveria
ser um expert e, também trabalhar dobrado para compensar o período que ficou só na escola.
O professor era aquele indivíduo que deveria assumir todos os compromissos e problemas da
comunidade local, afinal ele não trabalhava.
Talvez ainda hoje, na mente de muitas pessoas, estudar seja uma forma de preencher o
tempo das crianças e adolescentes. Elas ainda não têm a consciência de que estudar é se
esforçar para obter conhecimentos, os quais exigem tempo e dedicação, e que para ser
professor a pessoa precisa estudar e dedicar-se muito para obter os conhecimentos necessários
a fim de exercer tal função. Como em qualquer outra profissão, é necessário que o indivíduo
saiba o que pretende fazer, demonstrando competência e habilidade para tanto. Nesse sentido,
Tardif e Lessard (2005, p. 15) sustentam que: “É necessário, portanto, justificar e mostrar sua
pertinência e sua necessidade”.
Já na ótica de Savater (2005, p. 47), “A pergunta que coloca em dúvida até o que está
mais assentado também faz parte irrevogável de nossa herança cultural”. O autor demonstra:

Voltemos aos gregos. Embora ao longo de sua história tenham ocorrido diferentes
modos de Paideia (ideal educacional grego), conforme as cidades-estado ou polis e
as épocas, pode-se atribuir a eles no momento tardo do helenismo a inauguração de
uma distinção de uma inauguração binária de funções que, de certo modo, ainda
perdura entre nós: a que separa a educação propriamente dita, por um lado, e a
instrução, por outro (SAVATER, 2005, p. 47, grifos do autor).

73
O mesmo autor também aponta que “Cada uma das duas era exercida por uma figura
docente específica, a do pedagogo e a do professor” (SAVATER, 2005, p. 47). E prossegue
enfatizando que “O pedagogo era um fâmulo que pertencia ao âmbito interno do lar e que
convivia com as crianças ou adolescentes, instruindo-os nos valores da cidade, formando seu
caráter e velando pelo desenvolvimento de sua integridade moral” (p. 47). Já o professor “Era
um colaborador externo à família que se encarregava de ensinar às crianças uma série de
conhecimentos instrumentais, como a leitura, a escrita e a aritmética” (p. 47).
Observa-se com os gregos a ausência da família na questão educação e ensino, cujas
funções eram exercidas por agentes específicos (com certeza isso ocorria em meio à nobreza).
No momento presente, a escola pública assume essas duas funções – a do
pedagogo/orientador(a) e a do professor(a), que de certo modo gera algum resultado. Savater
(2005, p. 48) referencia que

Até o final do século XVIII, a instrução técnico-científica não alcançou no ensino


uma consideração comparável à da educação cívico-moral. A partir de então,
começa-se a considerar os conhecimentos oferecidos pela instrução, imprescindíveis
para fundar uma educação igualitária e tolerante, capaz de avançar criticamente para
além dos tópicos edificantes oferecidos pela tradição religiosa ou localista.

Com a evolução das mudanças as necessidades se transformaram, trazendo novas


alternativas de construções humanas. Novas ferramentas de trabalho fazem parte do dia a dia
das pessoas, exigindo conhecimentos cada vez mais elevados para realizar tanto tarefas
simples como complexas. A ciência hoje é de uma potencialidade incrível, mediada por
descobertas e aprendizagens, além de novas formas e maneiras de viver e de garantir a
sobrevivência. Torna-se urgente, portanto, uma educação escolar cada vez mais qualificada,
muito bem representada nas palavras de Tardif e Lessard (2005, p. 16):

Na base das sociedades industriais modernas, até um passado muito recente, o


trabalho material foi considerado o arquétipo da ação humana, e mais amplamente,
da atividade humana, como atividade produtiva. [...]. Era, portanto, o fato de estar
envolvido por relações sociais de produção que definia o trabalhador e, mais que
isso, o cidadão. Essas relações sociais de produção, por sua vez, eram vistas como o
coração mesmo da sociedade, e o trabalho produtivo, como setor social mais
essencial. Aquele pelo qual se garantiam ao mesmo tempo a produção econômica da
sociedade e seu desenvolvimento material. Na verdade, é ainda a mesma visão que
está por trás, hoje, das ideologias desenvolvimentistas e neoliberalistas.

Novamente, diante de tantas demandas, a educação e a educação escolar deixam a


desejar devido à emergência do trabalho braçal quase mecânico nas fábricas e transporte de

74
produtos de importação e exportação. Percebe-se a imediatez nessas atividades, enquanto que
educação e educação escolar são construções permanentes, exigindo do discente dedicação,
disciplina e aprendizado. Para Tardif e Lessard (2005, p. 16) “Fundamentalmente, o ensino é
visto como uma ocupação secundária ou periférica em relação ao trabalho material e
produtivo”. Os autores seguem afirmando que: “A docência e seus agentes ficam com isso
subordinados à esfera da produção, porque sua missão primeira é preparar os filhos dos
trabalhadores para o mercado de trabalho. O tempo de aprender não tem valor por si mesmo”
(p. 17). Diante disso constata-se que a atuação docente já não reconhece mais seu papel, assim
como a família também se constitui de uma maneira que muitas deixam a desejar na questão
educação.
No entendimento de Savater (2005, p. 47) constata-se que: “Para os gregos, a
educação orientada para a formação da alma e o cultivo respeitoso dos valores morais e
patrióticos, sempre foi considerada de mais alto nível do que a instrução, que oferece o
conhecimento de destrezas técnicas ou teorias científicas”. Atualmente são percebidas
deficiências tanto na questão de valores quanto de conhecimentos científicos. Acredita-se que
máquinas estejam substituindo o humano na interação do ensinar, informação não é saber,
com isso, pode-se estar criando problemas futuros de uma maioria sem qualificação nenhuma
do humanamente necessário para a continuação dessa construção evolutiva da espécie.
Longe de ser uma ocupação secundária ou periférica em relação à hegemonia do
trabalho material, o trabalho docente constitui uma das chaves para a compreensão das
transformações atuais das sociedades do trabalho. Segundo Tardif e Lessard (2005, p. 18-19,
grifo dos autores), essa tese se apoia em quatro constatações:

Primeira – desde cerca de cinquenta anos, a categoria dos trabalhadores produtores


de bens materiais está em queda livre em todas as sociedades modernas avançadas.
Segunda – na sociedade dos serviços, grupos de profissionais, cientistas e técnicos
ocupam progressivamente posições importantes e até dominantes em relação aos
produtores de bens materiais. Esses grupos criam e controlam o conhecimento
teórico, técnico e prático necessário às decisões, às inovações, ao planejamento das
mudanças sociais e à gestão do crescimento cognitivo e tecnológico.
Terceira – essas novas atividades trabalhistas estão relacionadas historicamente às
profissões e aos profissionais que são representantes típicos dos novos grupos de
especialistas na gestão dos problemas econômicos e sociais com auxílio de
conhecimentos fornecidos pelas ciências naturais e sociais.
Quarta – entre as transformações em curso parece essencial observar o crescente
status de que gozam, na organização socioeconômica, nas sociedades modernas, os
ofícios e profissões que têm seres humanos como “objeto de trabalho”.

Apesar de alguns poucos homens possuírem a maioria das riquezas produzidas por
eles, há uma necessidade cada vez maior de trabalhadores qualificados, com educação técnica,

75
mas nem por isso menos humana. A dedicação do indivíduo aos estudos, assim como o
desenvolvimento e a aprendizagem são de suma importância neste mundo cada vez mais
evoluído. O estudo é uma intervenção que exige esforço, e obter um conhecimento ou um
saber científico é um bem necessário para aprimorar o desenvolvimento da humanidade.
Nesse sentido, Marques (2006, p. 89) afirma que: “Quanto mais complexa, isto é, plural e
diferençada, se apresente a sociedade, mais se exigem as aprendizagens sob a forma escolar,
distinta das modalidades próprias de outros contextos sociais e âmbitos linguísticos”, o que
confirma a necessária intervenção escolar na educação de todos. Tardif e Lessard (2005, p.
23) abordam:

O impacto do ensino sobre a sociedade não se limita a variáveis econômicas, na


medida em que a escolarização está mais do que nunca no coração do processo de
renovação das funções sociotécnicas, como também da distribuição e da partilha dos
conhecimentos e competências entre os membros da sociedade. O ensino no
contexto escolar representa há quase três séculos o modo dominante de socialização
e de formação nas sociedades modernas.

A própria evolução fez com que o homem encontrasse uma forma de qualificar-se.
Além da família havia a necessidade de uma educação mais específica e social, por assim
dizer, já aprimorada para atuar e conviver em sociedade. Acredita-se que a forma mais
elementar encontrada seja a escola, em que vários conhecimentos são adquiridos num meio
social de convivência. De acordo com Tardif e Lessard (2005, p. 25),

A organização do trabalho escolar e a organização industrial e do estado estão cada


vez mais entrelaçadas na construção do ensino, que é principalmente caracterizada,
sobretudo no Canadá, nos Estados Unidos, no Brasil e Grã-Bretanha, pela
introdução de controles burocráticos na gestão do trabalho docente. Os responsáveis
escolares adotam uma atitude prescritiva quanto às tarefas e aos conteúdos escolares;
introduzem medidas de eficiência e um controle cerrado do tempo. O currículo
torna-se pesado; ele é separado em partes muitas vezes sem relação entre si,
engendrando o parcelamento do trabalho.

Os autores constatam ainda que:

Os governos, por outro lado, pressionados por contextos econômicos, consideram


mais e mais a educação escolar como um investimento que deve ser rentável, o que
se traduz por uma racionalização das organizações escolares e enxugamentos
substanciais nos orçamentos (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 25).

Reconhece-se que “A escola e o ensino têm sido historicamente invadidos e continuam


ainda a sê-lo, por modelos de gestão e de execução do trabalho oriundos diretamente do
contexto industrial e de outras organizações econômicas hegemônicas” (TARDIF;

76
LESSARD, 2005, p. 23). Perdeu-se, com isso, a maior parte do valor da educação, tornando-
se uma qualificação quase que mecânica, apurada, urgente, com muitas distrações em função
do envolvimento com tecnologias. Conhecimento se adquire estudando, refletindo e
interagindo com pessoas aptas ao conhecimento. São múltiplas as funções de um aprendizado
escolar, em que o intelecto é desenvolvido, a educação assimilada, e a reflexão aprendida.
Quanto à profissionalização do ensino e o trabalho docente, Tardif e Lessard (2005, p.
26) constatam que: “Essa questão dos modelos de gestão e de realização do trabalho docente
nos leva diretamente ao tema da profissionalização do ensino. As pesquisas e as reformas
relacionadas ao ensino vêm dando bastante espaço a este tema”. E, assim, referem:

Tanto na América do Norte quanto na Europa observa-se a existência de alguns


consensos a respeito disso: dar novamente poder, sobretudo aos estabelecimentos
locais e aos atores da base; promover uma ética profissional fundamentada no
respeito aos alunos e no cuidado constante de favorecer seu aprendizado; construir
com as pesquisas de conhecimentos ao mesmo tempo rigorosa e eficiente que possa
ser realmente útil na prática; derrubar as divisões que separam os pesquisadores e os
professores experientes e desenvolver colaborações frutuosas; valorizar a
competência profissional e as práticas inovadoras mais que ações realizadas segundo
receitas ou decretos; introduzir nos estabelecimentos escolares uma avaliação do
ensino que permita uma melhora das práticas e dos atores; fortalecer a
responsabilidade coletiva dos professores e favorecer sua participação na gestão da
educação; integrar os pais na vida da escola e nos processos de decisão a respeito
dos alunos; reduzir a burocracia e valorizar o ensino na opinião pública (TARDIF;
LESSARD, 2005, p. 26).

Constantemente são realizados estudos quanto aos meios de se organizar e valorizar a


educação escolar, principalmente na escola pública. Afinal, professores são, ou deveriam ser,
pessoas que estudam para realmente interagir nesse meio escolar e fazer com que ele se torne
o melhor possível a fim de facilitar a aprendizagem. O educador, assim como outros
profissionais, é transformado pelo trabalho, passando a ser o que faz. Levando isso em
consideração pode-se questionar: como é sua qualidade de vida? Seu trabalho proporciona
uma vida digna, com tempo para se atualizar nos estudos? Ele possui momentos de lazer, sua
saúde é equilibrada dos desgastes do dia a dia, ou simplesmente trabalha até que fique doente
e se aposente por invalidez? A docência não atua com objetos, mas diretamente com pessoas
de todas as idades, o que exige um cuidado ainda maior.
Existem muitas profissões que agem diretamente com pessoas, mas nem todas
interagem de forma docente, como é o caso do professor. Em qualquer educandário ele é
responsável pela aprendizagem de discentes que ainda não sabem o valor de estudar. Resulta
daí o desgaste do profissional, que apesar de tudo precisa cativar até mesmo aqueles que vêm

77
menos preparados, o que configura o papel socializante da profissão. Pelo contrário, para
Tardif e Lessard (2005, p. 31),

No trabalho material, no caso do trabalho industrial, seu objeto concerne realidades


tangíveis, materiais, que possuem uma substância e uma forma determinadas,
definidas, fixas. Trata-se de produtos, utensílios, máquinas, organismos vivos ou de
substância inanimada. Essas coisas são manipuláveis fisicamente. No processo de
trabalho material elas são, por exemplo, ajustadas, ordenadas, manejadas,
amontoadas, amassadas, quebradas, entortadas, trabalhadas, etc.

Concorda-se com os autores quando afirmam:

O trabalho cognitivo, por sua vez, que é o trabalho sobre os símbolos, remete a
processos cognitivos baseados em informações, conhecimentos, concepções, ideias,
etc. Ele é ligado a atividades como a observação, a compreensão, a interpretação, e a
criação intelectual (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 32).

Da mesma maneira, os autores ainda defendem que:

Quanto ao trabalho sobre e com os seres humanos, esse leva antes de tudo a relação
entre pessoas, com todas as sutilezas que caracterizam as relações humanas:
negociação, controle, persuasão, sedução, promessa, etc. Esse trabalho sobre o
humano evoca atividades como instruir, supervisar, servir, ajudar, entreter, divertir,
curar, cuidar, controlar, etc. Essas atividades se desdobram segundo modalidades
complexas em que intervém a linguagem, a afetividade, a personalidade. Esse tipo
de trabalho sobre o outro envolve necessariamente “a existência de meandros
recorrentes de conhecimentos, emoções, juízos de valores susceptíveis de ser
constantemente reformulados nas relações entre o produtor e o usuário” (TARDIF;
LESSARD, 2005, p. 33, grifo dos autores).

Assim, pode-se concluir, a partir de Tardif e Lessard (2005, p. 38), que:

O trabalho docente não consiste apenas em cumprir ou executar, mas é também


atividade de pessoas que não podem trabalhar sem dar um sentido ao que fazem, é
uma interação com outras pessoas: os alunos, os colegas, os pais, os dirigentes da
escola, os funcionários de escola, etc.

Relações humanas – esse é o trabalho docente, o qual exige um preparo bem maior
que um simples técnico. Os autores reconhecem que: “É inegável que a docência também
comporta diversas ambiguidades, diversos elementos ‘informais’, indeterminados, incertezas,
imprevistos” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 43). São inúmeras as situações decorrentes das
diferenças entre as pessoas que convivem e atuam neste ambiente. Para eles,

O que se pode chamar de aspectos “variáveis”, que permitem uma boa margem de
manobra aos professores, tanto para interpretar como para realizar sua tarefa,

78
principalmente quanto às atividades de aprendizagem em classe e à utilização de
técnicas pedagógicas (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 43, grifos dos autores).

Complementam os autores ainda que: “Lidando com seres humanos, os docentes se


confrontam com a irredutibilidade do indivíduo em relação às regras gerais, aos esquemas
globais, às rotinas coletivas” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 43).
Segundo os autores, portanto, “Ensinar é agir na classe e na escola em função da
aprendizagem e da socialização dos alunos, atuando sobre sua capacidade de aprender, para
educá-los e instruí-los com a ajuda de programas, métodos, livros, exercícios, normas, etc.”
(TARDIF; LESSARD, 2005, p. 49). Quando se pergunta aos professores sobre sua carreira e
sobre as exigências da profissão, eles também evidenciam algumas experiências decisivas
dessa natureza, que têm em comum o fato de referirem-se às interações vividas com os alunos
e aquilo que os professores chamam de a “dura realidade dos grupos”.

Os docentes dizem muitas vezes: nas primeiras vezes que você entra numa sala de
aula, você sabe se foi feito para essa profissão; esta experiência é única, mas ela tem
valor de confirmação e de justificação. Trata-se de uma experiência de identidade
que não pertence ao saber teórico ou prático, mas da vivência, e onde se misturam
intimamente aspectos pessoais e profissionais: sentimento de controle, descoberta de
si no trabalho (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 51-52).

Na profissão docente a visibilidade é dada por ser uma profissão aberta a várias
pessoas – alunos, colegas de trabalho e todos os funcionários que ali atuam, em que todos são
vistos por todos. Mas em sala de aula o professor está sozinho perante a turma, ele é objeto de
observação de vários sujeitos. Além disso, “A escola possui algumas características
organizacionais e sociais que influenciam o trabalho dos agentes escolares” e, “Como lugar de
trabalho, ela não é apenas um espaço físico, mas também um espaço social que define como o
trabalho dos professores é repartido e realizado, como é planejado, supervisionado,
remunerado e visto por outros” (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 55).
A atuação docente é realizada na instituição escolar, local de interação e de
convivência intensificados devido à complexa diversidade de pessoas em idade e diferentes
culturas. Sua missão é educar e instruir para qualificar sujeitos, melhorar o convívio social,
bem como colaborar com a formação científica dos seres humanos. Quanto mais o homem
evolui e complexifica sua existência, mais necessária se torna a forma escolar no ensino de
conhecimentos.

79
3.4 A EDUCAÇÃO COMO UMA NECESSIDADE SOCIAL

“A vida somente pode ser entendida retrospectivamente,


mas ela deve ser sempre vivenciada pensando no
futuro” (BOWELL, 2005, p. 13).

A educação escolar não deixa de ser uma necessidade social, a qual desenvolve o
conhecimento para que o homem se torne o mais consciente possível em seu meio,
potencializando sua capacidade de ação. Com a evolução e o desenvolvimento tecnológico as
ferramentas de trabalho humano tem-se tornado cada vez mais complexas, exigindo um
mínimo de aptidão, capacidade de escolher entre várias alternativas, e entendimento dos
manuais de instrução, que tornam a leitura uma necessidade, além da compreensão de textos e
da interpretação de gráficos e tabelas, bem como, obviamente, da capacidade de lidar com as
novas tecnologias. O analfabetismo, absoluto ou funcional, é um fator limitante para quase
todos exercícios profissionais contemporâneos, além de a todo momento surgirem novas
exigências que geram diferentes profissões, cada vez mais dependentes de conhecimentos
específicos. Isso vem ao encontro do que afirma Marques

É tarefa imprescindível começar a dar maior atenção a este momento instituinte da


instituição escolar e é necessário fazê-lo tendo em vista a capacidade imaginativa de
criar e transformar, de transcender o mundo dado à experiência, antes de assumi-lo
como de responsabilidade própria, nos horizontes das possibilidades abertas nos
muitos campos da sensibilidade e do saber, da ação e da emoção conjugadas, nos
muitos tempo-lugares da aprendizagem (MARQUES, 2006, p. 91).

Tardif e Lessard (2005, p. 23) reconhecem que “A escolarização repousa basicamente


sobre interações cotidianas entre os professores e os alunos. Sem essas interações a escola não
é nada mais que uma imensa concha vazia”. Os autores complementam que, “essas interações
não acontecem de qualquer forma: ao contrário, elas formam raízes e se estruturam no âmbito
do processo de trabalho escolar e, principalmente, do trabalho dos professores sobre e com os
alunos” (p. 23). Em suma,

A escolarização supõe, historicamente, a edificação e a institucionalização de um


novo campo de trabalho, a docência escolar no seio da qual os modos de
socialização e de educação anteriores serão ou remodelados, abolidos, adaptados ou
transformados em função dos dispositivos próprios do trabalho dos professores na
escola (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 23).

Esta visão também é compartilhada por Savater (2005, p. 40), quando destaca que:
“Para o ser humano, estas são as descobertas originais que o abrem para sua vida própria: a

80
sociedade e o tempo”. O homem sem a educação escolar fica fora do grupo e ninguém quer
ficar fora dele, a maioria quer fazer parte da sociedade, sentir-se útil e participar, ser dotado
de inteligência para a transformação ou construção humana. Ao se discutir a sociedade é
imprescindível também dissertar sobre a escola. No entendimento de Marques (2006, p. 89),

Desde sua significação original, constitui-se a escola em tempo liberado e espaço


reservado, isento das injunções diretas e imediatas da vida cotidiana, bem como das
instituições e organizações conduzidas por interesses e preocupações outras que as
das aprendizagens formais e sistemáticas.

Surge assim, segundo Marques (2006, p. 89),

A escola como lugar, tempo e recursos destinados às aprendizagens em interação


dialogal dos nelas interessados com outro socialmente qualificado, para
compartilharem do entendimento, da organização e da condução dos processos
formais do aprender mediado pelo ensinar.

Apesar do trabalho da família na educação dos seus integrantes, é na escola que se


ampliam os horizontes sociais, é ali que ocorrem os primeiros contatos com outros diferentes,
e aonde vai se desenvolver a aptidão de interação entre colegas, professores e funcionários e
tantas outras formas de interação que surgem nesse meio tempo.
Nas palavras de Freire (2009, p. 21) “A educação como instituição social se funda na
luta, se mantém viva através da luta, e esta luta deve incluir amor, conciliação, liberdade e
esperança”. Sua mensagem é essencial em um mundo aonde a maior parte das pessoas que
podem exercer influência sobre os jovens e as comunidades tem sido cooptada para
disseminar a mensagem da globalização, a qual, segundo o autor,

prega que há somente uma maneira de viver, somente uma forma de fazer as coisas,
somente uma maneira de ser um ser humano e somente um caminho. E somente
uma forma, somente uma possibilidade, que é estar ligado aos interesses da
economia de mercado (FREIRE, 2009, p. 21, grifo do autor).

Paulo Freire é considerado um líder na tarefa de desmistificar a posição pessimista,


bem como uma inspiração para os que acreditam. Para ele, “Apesar de toda a propaganda, que
nós ainda podemos nos tornar seres humanos decentes e viver vidas significantes, sem
necessariamente comprometer nossa existência, fazendo dela um mero bem de consumo”
(FREIRE, 2009, p. 21). O autor discorre ainda que: “Para ser válida, toda educação, toda ação
educativa deve necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e de uma
análise do meio de vida concreto do homem a quem queremos educar” (p. 21). Reconhece-se

81
o fascínio em obter, atualmente, as novidades de mercado, o homem seduzido por seus
próprios produtos de consumo, evidenciando assim um esquecimento de seu ser, sua
formação, educação, obtenção de conhecimentos, estudos, que segundo Freire (2001, p. 38),
seria a base da pessoa humana em construção. Os bens de consumo seriam somente
ferramentas de auxilio ao seu cotidiano. O autor ressalta ainda que:

Faltando uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adotar métodos
educativos e maneiras de atuar que reduzem o homem à condição de objeto. A
educação deve considerar a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito –
e as condições em que ele vive: em tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto
(FREIRE, 2001, p. 38-39).

Para ser um instrumento válido, a educação deve ajudar o homem a partir de tudo o
que constitui sua vida a fim de chegar a ser sujeito. É o que expressam frases como: “A
educação não é um instrumento válido se não estabelece uma relação dialética com o contexto
da sociedade na qual o homem está radicado. O homem chega a ser sujeito por uma reflexão
sobre sua situação, sobre seu ambiente concreto” (FREIRE, 2001, p. 38-39). Antes mesmo de
qualquer conteúdo é necessário criar um vínculo de afeto e respeito para que o conhecimento
seja um motivo para esse indivíduo querer aprender.
Tal argumento também se encontra em Freire (2001, p. 71) ao enfatizar: “O desprezo
por si mesmo é outra característica do oprimido que provém da interiorização da opinião dos
opressores sobre ele”. E conclui: “Ouvem dizer tão frequentemente que não servem para nada,
que não podem aprender nada, que são débeis preguiçosos e improdutivos que acabam por
convencer-se de sua própria incapacidade” (p. 71). Incentivar, valorizar e elogiar – três
palavras mágicas para qualquer ser humano ouvir. Questiona-se: por que tanta dificuldade
para expressar essas palavras? Percebe-se, muitas vezes, em ambiente familiar ou
educacional, a dificuldade para engrandecer o outro que está aprendendo, ou que fez algo bom
para todos, sendo geralmente subestimado ou subjugado. Será que para alguns a vida é só
competição?
Nesta perspectiva, Savater (2005, p. 149-150, grifos do autor) ressalta que:

Durante séculos o ensino serviu para discriminar grupos humanos uns dos outros: os
homens das mulheres, os abastados dos necessitados, os citadinos dos camponeses,
os clérigos dos guerreiros, os burgueses dos operários, os ‘civilizados’ dos
‘selvagens’, os ‘espertos’ dos ‘bobos’, as castas superiores das e contra as inferiores.

Ao longo das gerações, a própria educação fez com que o homem percebesse a sua
falta nas atitudes adotadas perante o próximo. A discriminação em todos os sentidos deveria

82
acabar por ela mesma devido à ignorância com que se apresenta em meio humano. Nesse
sentido, Savater (2005, p. 149-150) explica que:

Universalizar a educação consiste em acabar com essas manobras discriminatórias:


embora as etapas mais avançadas do ensino possam ser seletivas e favoreçam a
especialização de cada um conforme sua vocação especial, o aprendizado básico dos
primeiros anos não deve ser recusado a ninguém nem se deve pressupor que alguém
“nasceu” para muito, para pouco ou para nada.

De acordo com o autor supracitado, “Nas épocas passadas, o peso da origem baseava-
se principalmente na linhagem socioeconômica de cada um (e, é claro, na separação de sexos,
que é a discriminação básica em quase todas as culturas)” (SAVATER, 2005, p. 150). Ainda
na opinião do autor, “Hoje continuam vigorando os dois critérios antiuniversalistas em muitos
lugares do nosso mundo” (p. 150). Prossegue-se, porém, com sérios problemas sociais devido
à falta de educação e, por mais criticada que ela possa ser, constitui-se na base social de
qualquer ser humano. O autor prossegue afirmando que,

Onde um Estado com preocupação social não corrige os efeitos das escandalosas
diferenças de fortunas, uns nascem para ser educados e os outros têm de se contentar
com um adestramento sucinto que os capacite para as tarefas subsidiárias a que os
superiores nunca se submeteriam a realizar. Desse modo, o ensino se transforma
numa perpetuação da fatal hierarquia socioeconômica, em vez de oferecer
possibilidades de mobilidade social e de um equilíbrio mais justo.

A educação é compromisso não só da sociedade, mas também familiar e escolar. Não


é só dos professores (apesar de muitos deixarem de cumprir seu papel), mas vem de cima,
possui uma hierarquia e, muitas vezes, o objetivo não é especificamente o de educar, como
citado por Savater (2005). Percebe-se, nesse contexto, uma domesticação, um adestramento
para que seres humanos atuem de forma aleatória, sem consciência de si e de seu entorno. As
escolas recebem todos os anos crianças das mais variadas famílias, muitas das quais ignoram
o papel de pais educadores, ficando a critério da instituição escolar a solução para ajudar
educandos que não sabem o que são limites, respeito ao próximo, o que vêm fazer na escola,
enfim uma gama de lacunas na formação da personalidade.
Freire (1983b, p. 61-62) salienta: “Por isso mesmo a educação, para não instrumentar
tendo como objeto um sujeito – ser concreto, que não somente está no mundo, mas também
está com ele”. Para o autor, existe a necessidade de se “Estabelecer uma relação dialética com
o contexto da sociedade à qual se destina, quando se integra neste ambiente que, por sua vez,
dá garantias especiais ao homem através do seu enraizamento nele” (FREIRE, 1983b, p. 61-
62, grifos do autor). E reconhece que, “Superposta a ele, fica ‘alienada’ e, por isso,

83
inoperante. Tal enfoque significa necessariamente uma superação do falso dilema
humanismo-tecnologia” (p. 61-62). O autor prioriza a questão ao afirmar que,

Numa era cada vez mais tecnológica como a nossa será menos instrumental uma
educação que despreze a preparação técnica do homem, como a que, dominada pela
ansiedade de especialização, esqueça-se de sua humanização. A primeira condição
mencionada faria perder a batalha do desenvolvimento; a segunda poderia levar o
homem ao anonimato da massificação de onde, para sair, necessitaria de reflexão
mais de uma vez, especialmente da reflexão sobre a sua própria condição de
massificado (FREIRE, 1983b, p. 61-62).

A preparação técnica é uma necessidade individual e coletiva, imprescindível ao


acompanhamento dos estudos que se desenvolvem cada vez mais rapidamente. Existe uma
complementaridade entre as duas, em que o técnico e o especialista sabem suas funções e,
com isso, podem se ajudar indistintamente. De acordo com Marques (1993, p. 109), “A
aprendizagem é construção coletiva assumida por grupos específicos na dinâmica mais ampla
da sociedade, que, por sua vez, se constrói a partir das aprendizagens individuais e grupais”.
O autor confirma: “As fases da aprendizagem individual detalhadamente descritas pela psico
e sociogênese tanto no nível cognitivo, quanto no nível moral [...] se correlacionam;
determinadas pelas etapas da aprendizagem por parte da sociedade ampla” (MARQUES,
1993, p. 109-110). E complementa que,

Numa nova educação que se coloque no e desde o mundo da vida, direcionadas para
as aprendizagens relevantes e efetivas, que só elas contam, a aprendizagem coletiva
da humanidade pelos homens se torna pressuposto fundante do que aprender, do
quando e como (MARQUES, 1993, p. 109-110).

Mais adiante Marques (1993, p. 112) confirma ainda que:

Esta concepção genético-dinâmica do processo de construção do conhecimento é o


processo básico da sistematização do saber escolar, em que nada se começa da
estaca zero, mas tudo se liga às aquisições anteriores e se projeta na dinamização de
novos avanços, ou na construção de conceitos mais abrangentes e, ao mesmo tempo,
mais articulados em interdependência com outros conceitos em conexão viva no seio
das teorias.

No ponto de vista de Arroyo (2000, p. 159), “A mente humana não é uma folha em
branco, uma tábua de cera, passiva, onde escrevemos saberes que um dia, acumulados,
servirão para enfrentar a vida”. Por outro lado, “Nem é uma mente ou razão inerte a ser
ativada para raciocinar, pensar e aprender. A mente das crianças já é ativa, enfrenta situações
diversas e nesse enfrentar se forma e estimula” (p. 159). O autor registra que a mente humana,

84
Dialoga, imita e na interação com os outros, na produção coletiva se estimula e se
forma. Os processos cognitivos são mais ativos do que receptivos, mais interativos
do que solitários. Teríamos de captar a importância da interação nos processos de
aprendizagem e desenvolvimento. Captar nosso papel de mediadores, estimuladores
de interações, ativas. Uma arte que faz parte de nosso oficio e que muitos
educadores praticam com tanta habilidade (ARROYO, 2000, p. 159).

Existe, portanto, um lugar melhor do que a escola para que ocorram estímulos e
interações, aonde os educandos possam desfrutar da aprendizagem em coletivo? Em grupos
de estudos? Em lugar de muitas diferenças? Onde possam perceber seus próprios erros e
corrigi-los? E que nem por isso deixam de acreditar em si mesmos? Imitar para perceber que
são possíveis toda e qualquer ideia ou sonho?
A escola é um espaço onde o ser humano tem a oportunidade de crescer e adquirir o
conhecimento em convivência e, com isso, tornar-se cada vez mais humano para atuar em
sociedade. Ser educador é acreditar na construção humana de cada educando, na infinita
possibilidade de esse indivíduo ser mais e melhor, garantindo com isso a docência humana.
Freire (1983b) lembra que, como seres do compromisso, os homens se encontram
profundamente feridos em si mesmos. Em consequência, sentem-se impedidos de atuar e de
refletir. Para ele, a educação deve ser “Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado
para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história” (FREIRE,
1983b, p. 18). Este compromisso com a humanização do homem, que implica uma
responsabilidade histórica, não pode se realizar por meio do palavrório, nem de nenhuma
outra forma de fuga do mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens
concretos. O autor acrescenta: “O compromisso, próprio da existência humana, só existe no
engajamento com a realidade, de cujas ‘águas’ os homens verdadeiramente comprometidos
ficam ‘molhados’, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro” (FREIRE, 1983b,
p. 19, grifos do autor).
Na escola, educadores e educandos, ambos em convivência diária, possuem também
responsabilidade social de educar e educar-se mutuamente. Sempre há, por toda essa tarefa,
uma predisposição da sociedade já constituída para que essa aprendizagem ocorra no sentido
de uma preparação futura da pessoa para participar em sociedade. Savater (2005, p. 142)
expõe nesse sentido que: “A sociedade prepara novos membros da maneira que lhe parece
mais conveniente para sua conservação, não para sua destruição: quer formar bons adeptos,
não inimigos nem singularidades antissociais”. Por outro lado, “Busca não só formar
indivíduos aceitáveis e úteis, como também precaver-se diante do possível surgimento de

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desvios danosos” (p. 142). Os pais, por sua vez, “também querem proteger a criança do que
possa ser perigoso para ela, querem ensiná-la a prevenir-se contra os males” (p. 142).
Ademais, a sociedade que se pretende é a que os adultos vão construir, afinal, as
gerações mais jovens precisam ser educadas, tanto para a convivência como para atuar com
consciência no meio social. E a responsabilidade é de quem já sabe e tem o dever de ensinar
aos que ainda não conhecem os valores morais e culturais e os conteúdos escolares.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidencia-se por intermédio desta pesquisa a aprendizagem humana enquanto


potencialidade, indiferente de cor, sexo, religião, nacionalidade e situação econômica. Cada
pessoa em sua individualidade nasce propensa a aprender a forma humana de ser, mas para
isso precisa de auxílio e, ao mesmo tempo, de esforço próprio. Além disso, a suscetibilidade
da formação do ser humano como pessoa exige minúcias por meio das quais se forma o
indivíduo. A partir do nascimento biológico e cultural, apreende-se a cultura, os costumes,
normas, regras, valores, jeitos e formas de ser e de se comportar. Em meio familiar o
indivíduo encontra a base de apoio para a sua formação durante o tempo necessário para seu
crescimento e aprendizagem. Com a intervenção escolar ampliam-se seus conhecimentos e a
educação torna-se abrangente, pois encontra professores que em seus estudos adquiriram
conhecimentos científicos que lhes permitem ensiná-los. As relações humanas também
ocorrem nessa intervenção educativa, por meio das quais se efetiva o ensino-aprendizagem,
com o objetivo de habilitá-los a atuar em sociedade.
A crença de que atualmente as crianças nascem sabendo devido ao manuseio de
aparelhos eletrônicos, e da informação em massa menospreza-se a educação familiar e o
trabalho pedagógico do docente escolar. Entretanto, o discente encontra na escola a base de
sustentação para aprender conteúdos científicos (ler, escrever, interpretar, calcular, relacionar-
se em grupos, etc.). Para que ocorra essa intervenção faz-se necessária a disciplina, a
concentração, dedicação, auxílio, respeito aos colegas e ao mestre, itens fundamentais para se
formar o educando.
A aprendizagem se confirma de acordo com a forma como o aprendiz é preparado e
educado para adquirir os conhecimentos culturais e os escolares. E, a partir do
aperfeiçoamento, os conhecimentos abrangem e envolvem o seu oficio/profissão. Percebe-se,
assim, que o aprender/ensinar é uma das características do ser humano, pois ele é o que
aprende, e se torna apto pela aprendizagem decorrente da educação.
O estudo proporcionou a compreensão da necessidade da relação complementar da
educação familiar e da educação escolar com vistas à inserção social qualificada. Em seu
primeiro capítulo foi evidenciado que a aprendizagem da pessoa sobrevém desde o seu
nascimento biológico e cultural, passando pela sua inserção no meio familiar e comunitário. O
segundo capítulo abordou a especificidade da educação e da intervenção escolar na
aprendizagem humana, na qual se adquire conhecimentos especializados e de modo
sistemático, demonstrando que pode ser um potencializador para as novas gerações e para as

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complexidades das sociedades modernas. No terceiro capítulo, finalmente, compreendeu-se o
papel do educador na especificidade da escola, a ética na atuação docente, o trabalho docente
como profissão e a educação escolar como uma necessidade social, ou seja, um trabalho pelo
qual se formam pessoas. Depreende-se daí a responsabilidade da profissão que prepara
indivíduos para atuar numa sociedade desenvolvida e complexa.
Com efeito, ao finalizar esta pesquisa, enfatiza-se que os seus resultados se mostram
importantes para uma melhor compreensão do ambiente educacional, evidenciando que
informação é diferente de saber e conhecimento, no processo de aprendizagem e na relação
educador e educando e, principalmente, para o convívio social. Este estudo, igualmente,
instiga a novas pesquisas que levem em conta contextos específicos, enquanto levanta
questionamentos sobre os desafios da educação na sociedade contemporânea, promovendo a
sua qualificação.

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