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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

MARCO AURÉLIO ALCÂNTARA DAMACENO

CAPOEIRA ANGOLA: mandinga de imagens em ação

RIO DE JANEIRO (RJ)


2018
MARCO AURÉLIO ALCÂNTARA DAMACENO

CAPOEIRA ANGOLA: mandinga de imagens em ação

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes Visuais (PPGAV), da
Escola de Belas Artes, do Centro de Letras e
Artes (CLA), da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), na linha de pesquisa
Poéticas Interdisciplinares, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Artes Visuais.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Luiza Fragoso.

RIO DE JANEIRO (RJ)


2018
DEDICATÓRIA

A Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, aos Mestres do Engolo


Muhalanbandje Mwendangula, Kahani Waupeta, Alberto de Freitas e todos os mestres que,
hoje, fazem parte do mundo dos ancestres e que são presentes na dinâmica da Capoeira
Angola como nossos ancestrais.
À minha mãe, Josefa Alcântara Damaceno, e ao meu pai, José Dantas Damaceno, que
partilharam os seus conhecimentos comigo e me orientam, no presente, através do mundo dos
ancestrais.
À minha amada companheira, Vera Lúcia, que, nos momentos de angústia, alegria e
tristeza sempre esteve presente e perseverante acreditando no meu empenho.
Aos meus amados filhos, Nauã Damaceno e Gabriel Damaceno, com suas presenças
iluminadas que me conduziram, e conduzem, na crença de que sempre se pode aprender com
os mais novos.
Aos Nkinses, Voduncis e Orixás que me orientam e estiveram sempre presentes nos
caminhos e encruzilhadas, dos conflitos, que deram corpo e alma aos estudos que, aqui, se
materializaram.
AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e à Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de nível Superior (CAPES), que permitiram as condições financeiras e materiais para
a realização desta Pesquisa.
À minha orientadora, Profª. Dr.ª Maria Luiza Fragoso, pela sua dedicação e parceria
nos percalços e percursos dessa investigação.
Ao meu coorientador, Prof. Dr. José Luiz Ligiéro Coelho, pelo seu apoio e orientação.
Ao meu coorientador, em Angola (ANG)1 - África, o decano Prof. Dr. Alberto
Raimundo Watchilambi Wapota, pelo seu apoio e ensinamentos sobre a cultura Banto-Kongo.
Aos amigos que participaram, direta e indiretamente, na construção deste Trabalho,
pela atenção e disponibilidade em suas contribuições: Aderbal Ashogun, Amanda Carvalho,
André Sampaio, Anyelkes Batista, Antônio Sobreira, Antônio Carlos (Totonho), Alessandro
Potter, Aloan Damasceno, Ayrson Heráclito, Camila Maria, Carlos Henrique, Carolina
Azevedo, Celso Guimarães, Claudia Silva, Denise Ribeiro, Ester Rosendo, Everaldo Santana,
Fagnon Calado, Fernando Frickmann, Floriano Romano, Gabriela Lucena, Geraldo Teixeira,
Guto Nobrega, Igor Cabral, Igor Rizutti, Ivana Souto, Leonardo Lopes, Leonard das Dores,
Lucas Costa Araújo, José Carlos Lisboa, José Domingo (Cone), Kant Rafael, Lívia Flores,
Marcelo José, Marina Teixeira, Maria de Fátima Alcântara, Marta Penner, Mel Loureiro,
Mestra Janja, Mestra Paulinha, Mestre Poloca, Mestre Cobra Mansa, Mestre Valmir, Mestre
Célio, Miha Maia, Mayk Andreele, Nadya Cruz, Nazaré Lopes, Paulo Adisse, Rosário
Bezerril, Rafael Cajueiro, Raphael Souza Viana, Ronald Duarte, Sérgio Ferreira, Sicília
Calado, Sueli Duarte, Tiago Sobrinho, Thyego Lopes, Wagner Spagnul e outros que talvez
não constem aqui, mas que fizeram parte do construto desta Pesquisa.

1
Angola (ANG).
É preciso enamorar-se pela Capoeira Angola. É preciso sentir. É preciso
aprender a lidar com o mundo de uma outra maneira que não aquela que
nos circunda habitualmente. É preciso re-ver o mundo de ponta cabeça.
Precisa-se desconstruir o corpo que se tem e o corpo das representações
que carregamos. É preciso re-ver a cultura que lhe tece a pele; necessário
mergulhar naquilo que lhe é mais seu e despojar-se disso como uma
serpente que troca de pele ou como a ave que troca de penas. Doravante
viver sem pele ou plumas. Ou melhor, viver com muitas.
(OLIVEIRA, 2007, p. 178).
RESUMO

Propõe investigar, através de Poéticas Interdisciplinares em Artes Visuais (vídeo,


impressão em monotipia, performance, escultura e instalação) com processos criativos, que
contemplam, a Capoeira Angola como corpo-arte em movimento, na qual se busca
identificar a mandinga como sua percepção totalizante (aisthésis) sua estética. Nesse
contexto, discorre-se, em reflexões teóricas e práticas, sobre o percurso realizado, que se
fez necessário para entender a produção e constituição das imagens que compreendem o seu
corpus em seus desdobramentos estéticos. Por tratar-se de uma dinâmica cultural de matriz
africana no Brasil (BRA) que se move a partir de uma filosofia de ancestralidade de corpo-
memória-oralidade, institui-se como uma prática regida por um sistema de pensamento
mítico (pensamento circular). Nesse sentido, sabe-se que se refere a um sistema de
pensamento pertencente a uma visão de mundo (lógica reversa) diferenciada da lógica de
pensamento linear desenvolvida pela visão de mundo ocidental. Para atingir e validar tal
empreendimento de Pesquisa-em-ação, percorre-se um caminho de encruzilhadas que
constituíram as imagens míticas formadoras do corpus da Capoeira Angola, inserida no
processo diaspórico entre a África e o BRA.

Palavras-chave: Artes Visuais. Capoeira Angola. Mandiga. Pensamento Circular. Imagens


Míticas.
ABSTRACT

Proposes to investigate, through Interdisciplinary Poetics in Visual Arts (video,


monotype print, performance, sculpture and installation) with creative processes, which
contemplate, Capoeira Angola as body-art in movement, in which one seeks identify the
mandinga as his totalizing perception (aisthésis) his aesthetics. In this context, it is based
on theoretical and practical reflections on the course, which was necessary to understand
the production and constitution of the images that comprise its corpus in its aesthetic
developments. Because it is a cultural dynamics of African matrix in Brazil (BRA) that
moves from a philosophy of ancestry of body-memory-orality, it establishes itself as a
practice governed by a system of mythical thought (circular thought). In this sense, it is
known that it refers to a system of thought belonging to a world view (reverse logic)
differentiated from the logic of linear thought developed by the Western world view. In
order to achieve and validate such a research-in-action venture, a path of crossroads that
constitute the mythic images forming the corpus of Capoeira Angola, inserted in the
diasporic process between Africa and BRA, is crossed.

Keywords: Visual arts. Capoeira Angola. Mandinga. Circular Thinking. Mythical Images.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Rabo-de-arraia e esquiva................................................................................... 20


Figura 2 – Cosmograma Bakongo...................................................................................... 40
Figura 3 – Tempo Cósmico Bakongo (Tadu Kiayalangana).............................................. 50
Figura 4 – Desenhos da trajetória dos passos da ginga na aparição do 3º ponto............... 53
Figura 5 – Movimentos cíclicos do Cosmograma Bakongo e da ginga na encruzilhada... 56
Figura 6 – Dikenga, à esquerda; no meio, o ponto riscado de Vovó Mombaça; e à 59
direita, o ponto de Benedito de Calunga........................................................
Figura 7 – Árvore Bantu..................................................................................................... 70
Figura 8 – Assinatura de Nkisi Sarabanda, Oeste de Cuba (CU), Século XX………. 83
Figura 9 – Engolo rascunhos: com movimentos que se assemelham a boi, sapo e zebra.. 119
Figura 10 – O boi e a semelhança com a chamada............................................................. 121
Figura 11 – Onkhankula, movimentos altos / baixos (significados diferentes)................. 122
Figura 12 – Exemplo da estética do Mestre Muhalanbandje............................................. 128
Figura 13 – Desenhos dos movimentos e desdobramentos do corpo-ginga do Engolo,
Okhadenka e Onkhankula............................................................................... 130
Figura 14 – N’Golo, fase intensa e típica da batalha, perna e pé....................................... 136
Figura 15 – Desenho esquemático – Movimento circular entre o sujeito e o objeto......... 168
LISTA DE FOTOGRAFIAS

Foto 1 – Encruzilhada: a passagem (vídeo-performance)................................................... 34


Foto 2 – Impressões em tampas de esgotos e águas pluviais (monotipias)........................ 37
Foto 3 – Águas pluviais - Impressão em monotipia........................................................... 39
Foto 4 – Imagem da tampa com desenho do Cosmograma Bakongo................................. 42
Foto 5 – Baraka, instrumento sagrado................................................................................ 82
Foto 6 – Performance 1 - Jogo pra Kalûnga..................................................................... 94
Foto 7 – Performance 2 - Jogo pra Kalûnga..................................................................... 95
Foto 8 – Performance 3 - Jogo pra Kalûnga..................................................................... 96
Foto 9 – Bombonjira........................................................................................................... 100
Foto 10 – Mono-lixo entre o Céu e a Terra - Escultura - Instalação................................. 106
Foto 11 – Coluna sem fim (bronze) (1937-1938)............................................................... 109
Foto 12 – Apresentação do Engolo - Comuna do Mucope, Província do Cunene............. 118
Foto 13 – Apresentação do Onkhandeka - Mucope, Cunene............................................. 120
Foto 14 – Apresentação da Onkhankula - Mucope, Cunene.............................................. 122
Foto 15 – Alunos e Mestres nas aulas no ISPH, Lubango.................................................. 124
Foto 16 – Alunos, em aula, no ISPH................................................................................... 125
Foto 17 – Mulheres vendendo macau................................................................................. 125
Foto 18 – Troca de ideias com os Mestres e o Prof. Alberto Wapota................................. 127
Foto 19 – Jogo de Corpo: frame 1....................................................................................... 142
Foto 20 – Jogo de Corpo: frame 2....................................................................................... 143
Foto 21 – Jogo de Corpo: frame 3....................................................................................... 143
Foto 22 – Jogo de Corpo: frame 4....................................................................................... 144
Foto 23 – Jogo de Corpo: frame 5....................................................................................... 145
Foto 24 – Jogo de Corpo: frame 6....................................................................................... 145
Foto 25 – Jogo de Corpo: frame 7....................................................................................... 147
Foto 26 – Jogo de Corpo: frame 8....................................................................................... 147
Foto 27 – Jogo de Corpo: frame 9....................................................................................... 148
Foto 28 – Ayãn transcende, simbólico transfigurada.......................................................... 149
Foto 29 – Ayãn, princípio vibrante no fundamento do fogo............................................... 150
Foto 30 – Bori Performance-Art: oferenda à cabeça.......................................................... 151
Foto 31 – Nimbo / Oxalá, 2008........................................................................................... 152
Foto 32 – Mutuê-Luminar - Dispositivo de cabeça............................................................ 161
Foto 33 – Exposição em Aveiro, POR................................................................................ 162
Foto 34 – Performance / Hiperorgânicos 6......................................................................... 162
Foto 35 – Tempo Circular (vídeo-arte)............................................................................... 164
Foto 36 – Aula sobre os movimentos de Capoeira Angola e a relação com os animais..... 195
Foto 37 – Aula de Capoeira Angola - Movimento da ginga - ISPH................................... 195
Foto 38 – Alunos reunidos após a 1ª aula no ISPH............................................................ 196
Foto 39 – Kimbo (casa) do Sr. Felipe e da Sra. Angelina - Mucope, Cunene.................... 196
Foto 40 – Mestre Okarrani no jogo do Engolo com outro jogador..................................... 197
Foto 41 – Jogo do Engolo no Kimbo do Sr. Felipe e da Sra. Angelina - Mucope, 197
Cunene..............................................................................................................
Foto 42 – Aula teórica e prática sobre as imagens geradas nos movimentos da Capoeira 198
Angola.................................................................................................................
Foto 43 – Aula teórica e prática sobre as imagens míticas da Capoeira Angola................ 198
Foto 44 – Aula teórica e prática sobre as imagens nos movimentos da Capoeira Angola. 199
Foto 45 – Mestres do Engolo, Okhadenka e alunos na 1ª aula com os Mestres no ISPH.... 199
Foto 46 – Mestre Muhalambagi demonstrando movimento do Engolo.............................. 200
Foto 47 – Jogo do Engolo entre o Mestre Okahani e o Mestre Muhalambagi - 200
Apresentação do final do Curso.....................................................................
Foto 48 – Aula de ritmo, quadro demonstrativo da ordem e do som dos instrumentos 201
(berimbaus) no ISPH.........................................................................................
Foto 49 – Aula de movimentos, rabo-de-arraia e negativa - Alunos do ISPH.................... 201
Foto 50 – Última aula no ISPH........................................................................................... 202
Foto 51 – Mãe da Sra. Angelina vendendo funghi e macau - Mucope, Cunene................. 202
Foto 52 – Bar de parada de estrada em Ombamdja, à caminho do Mucope, Cunene......... 203
Foto 53 – Mulher vendendo galinha nacional assada, Ombamdja - Mucope, Cunene....... 203
Foto 54 – Fazenda do decano Dr. Alberto Watchilambi Wapota, Xibia, Lubango............ 204
Foto 55 – Filho de Caroline - Mucope, Cunene.................................................................. 204
Foto 56 – Menina mexendo com fubá de maçango - Mucope, Cunene.............................. 205
Foto 57 – Mulher vendendo produtos no dia a dia, Lubango............................................. 205
Foto 58 – No táxi, saindo do Mercado Mutundo, Lubango................................................ 206
Foto 59 – Desenho com giz na tampa de bueiro – Encruzilhada: a passagem.................... 207
Foto 60 – Jogo de Angola sobre o Cosmograma Komgo e o vermelho – Encruzilhada: a 207
passagem.............................................................................................................
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Canto / Chula................................................................................................... 45


Quadro 2 – Por cima do mar.............................................................................................. 46
Quadro 3 – Na beira do mar............................................................................................... 48
Quadro 4 – É preto Kalûnga............................................................................................... 87
Quadro 5 – Maré................................................................................................................ 89
Quadro 6 – Solta a mandinga ê.......................................................................................... 153
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

abr. – Abril
ACBEU – Associação Cultural Brasil – Estados Unidos
ago. – Agosto
ANG – Angola
ANPAP – Associação Nacional de Pesquisadores em Artes plásticas
BA – Bahia
BRA – Brasil
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CECA – Centro Esportivo de Capoeira Angola
CHN - China
CLA – Centro de Letras e Artes
cm – centímetros
CU - Cuba
dec. – December
DEFER – Departamento de Educação Física, Esportes e Recreação
dez. – Dezembro
DF – Distrito Federal
Dr. – Doutor
Drª – Doutora
ed. – Edição
EdUERJ – Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo
ESP – Espanha
EUA – Estados Unidos da América
fev. - Fevereiro
FR – França
GCAP – Grupo de Capoeira Angola Pelourinho
ISPH – Instituto Superior Politécnico da Huíla
jan. – Janeiro
jul. – Julho
jun. – Junho
Kg – Quilogramas
MA – Maranhão
mar. – Março
MG – Minas Gerais
n. – Número
NANO – Núcleo de Arte e Novos Organismos
nov. – Novembro
out. – Outubro
p. – Página
PDSE – Programa de Doutorado – Sanduíche no Exterior
PE – Pernambuco
POR – Portugal
PPGAV – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
PR – Paraná
Prof. – Professor
Profª. – Professora
RJ – Rio de Janeiro
RS – Rio Grande do Sul
SC – Santa Catarina
SE – Sergipe
SEPROMI – Secretaria de Promoção de Igualdade Racial
set. – Setembro
SP – São Paulo
Sr. – Senhor
Sra. – Senhora
UCLA – University of Califórnia, Los Angeles
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UK – United Kingdom
UMN – Universidade Mandume ya Ndemufayo
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USA – United States of America
v. – volume
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: O GUNGA CHAMOU, O MESTRE DISSE: - JOGUE


SEU JOGO........................................................................................................... 18
1.1 Encruzilhada........................................................................................................ 27
1.2 Capoeira Angola na encruzilhada...................................................................... 28
1.3 Pensamento circular na filosofia Flusseriana e na cosmovisão africana........ 29
1.3.1 A orquestra já está arrumada, a roda vai começar!................................................ 29
1.3.2 O berimbau gunga chamou, outro jogo vai começar!............................................ 31
1.4 Encruzilhada: a passagem.................................................................................. 33
1.5 Processo de produção de imagens: uma encruzilhada..................................... 35
1.5.1 Objeto..................................................................................................................... 38
1.6 Tampa de escoamento e o Cosmograma Bakongo: encruzilhada................... 42
1.7 Ritual na roda de Capoeira Angola: um jogo na encruzilhada....................... 45
1.8 Atlântico do lado de lá e do lado de cá: um jogo de corpo na encruzilhada.. 47
1.9 Capoeira Angola e Cosmograma Bakongo: encruzilhada de imagens
reversíveis............................................................................................................. 51
1.10 Cosmograma Bakongo e Capoeira Angola: encruzilhada dos pés para a
cabeça e da cabeça para os pés........................................................................... 57
1.11 da Capoeira Angola: uma encruzilhada............................................................ 61
1.12 Sobre as imagens – informações......................................................................... 63
1.13 Apêndice da encruzilhada................................................................................... 65
2 MARÉ DE KALÛNGA: DINÂMICA ENTRE DOIS MUNDOS................... 66
2.1 Maré de Kalûnga, fluxos e refluxos entre Angola e Brasil............................... 67
2.2 A árvore Bantu..................................................................................................... 70
2.3 Dinâmica da árvore Bantu como reflexo da fisiologia vegetal......................... 71
2.4 Uma aproximação da gênesis do mito de Kalûnga........................................... 75
2.5 Kalûnga: uma origem na encruzilhada............................................................. 77
2.6 Breve apêndice: Tupi e filosofia ancestral na encruzilhada............................ 80
2.7 Maré de Kalûnga: conexão entre dois mundos................................................. 86
2.8 Breve apêndice: o triângulo, o círculo e a encruzilhada na Maré do Jogo
pra Kalûnga.......................................................................................................... 87
2.9 Jogo pra Kalûnga: processo criativo de performance e vídeo-instalação...... 88
2.10 Jogo pra Kalûnga: breve relato simbólico da performance............................ 93
2.10.1 Performance e ritual em Jogo pra Kalûnga............................................................ 97
2.11 A performance de Nzila: mensageiro entre dois mundos................................ 99
2.12 Exu: princípio dinamizador no corpo da Capoeira Angola............................. 102
2.13 Mono-lixo entre o Céu e a Terra: processo criativo de escultura -
Instalação.............................................................................................................. 105
2.14 Apêndice sobre as imagens míticas.................................................................... 111
3 IMAGENS MÍTICAS DO LADO-DE-LÁ E DO LADO-DE-CÁ,
MANDINGA DA CAPOEIRA ANGOLA......................................................... 113
3.1 Engolo: a reversa história da dança da zebra................................................... 114
3.2 Engolo, Okhadenka e Onkhankula: são imagens míticas derivadas na
Capoeira Angola?................................................................................................ 115
3.3 O mito de origem da Capoeira Angola: a dança da zebra que virou a
dança do sapo....................................................................................................... 133
3.4 Jogo de Corpo: a mandinga da Arte-Capoeira Angola.................................... 141
3.5 Jogo de Corpo: narrativa poética....................................................................... 141
3.6 Jogo de Corpo: diálogos de aproximação e distanciamento............................ 149
3.7 Jogo de Corpo: desdobramentos do corpo-mandinga na Arte-Capoeira
Angola................................................................................................................... 153
3.8 Canto, toques e movimentos da Capoeira Angola: uma ordem de
triangulação dinâmica......................................................................................... 155
3.9 Jogo de Corpo: triangulação dinâmica de tempo e pensamento circular...... 156
3.10 Jogo de Corpo: mandinga triangular, integração entre a Arte e a Capoeira
Angola................................................................................................................... 157
3.11 Mutuê-Luminar: dispositivo de inversão do Jogo de Corpo de mandinga-
circular.................................................................................................................. 160
3.12 Tempo circular: jogo de corpo da mandinga de pensamento circular na
Arte........................................................................................................................ 163
3.13 Sistema dinâmico de pensamento circular do corpo-mandinga na Arte e na
Capoeira Angola.................................................................................................. 165
3.14 Unidade dinâmica do triangulo: estrutura da lógica reversa do
pensamento circular............................................................................................ 170
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 174
REFERÊNCIAS................................................................................................... 178
GLOSSÁRIO........................................................................................................ 188
APÊNDICE A – RELATÓRIO – BOLSA PDSE / CAPES............................. 191
APÊNDICE B – ATIVIDADES REALIZADAS.............................................. 195
ANEXO A – EXPOSIÇÃO NO MUSEU DE UCLA – CALIFÓRNIA.......... 207
18

1 INTRODUÇÃO: O GUNGA2 CHAMOU, O MESTRE DISSE: - JOGUE SEU JOGO3

O autor desta Pesquisa nasceu em Aracajú, cidade do Nordeste do Brasil (BRA),


capital de Sergipe. Morou no conjunto habitacional Tiradentes que, ainda, faz parte do bairro
Novo Paraíso.
Filho de mãe e pai sergipanos (mestiços), teve à oportunidade, na sua infância, de ser
educado trabalhando com o seu pai na marcenaria (oficina no fundo de sua casa) e, em
momentos alternados, ajudava a sua mãe fazendo as estruturas, de isopor e madeira, dos bolos
de casamento e aniversário, que eram feitos sob-encomenda (talvez tenham sido estas as suas
primeiras esculturas). Guarda na sua memória essas lembranças, com muito afeto.
Aos 13 anos de idade, começou a treinar (fazer) Capoeira4, lá no conjunto Tiradentes,
no grupo Os Bambas, o Mestre Gil era o professor que foi aluno do Mestre Lucas
Salamandra que, por conseguinte, foi aluno do Mestre Queixada5.
Um ano depois, o autor desta Pesquisa passou a fazer Capoeira com o Mestre Lucas
Salamandra no grupo Os Molas.
Em uma roda de Capoeira, em comemoração de aniversário deste Grupo, o autor deste
Trabalho levou a sua primeira rasteira, que foi desferida pelo Mestre Queixada. Naquele
momento, recebeu seu nome de batismo6, após a rasteira, o Mestre levantou pela mão o autor
desta investigação e falou: seu nome é crucifixo7.
As primeiras imagens da memória do autor desta investigação sobre o envolvimento
com a Capoeira Angola volta-se para à experiência dos cantos e toques embalando o
movimento do jogo, a experiência do envolvimento do corpo, no movimento de uma prática
de matriz africana no BRA. Dentre estas imagens, desponta a lembrança do dia em que
visitou o Centro Esportivo de Capoeira Angola, academia fundada pelo Mestre

2
Gunga: berimbau de som grave, na roda de Capoeira Angola que dá início e fim aoss jogos; ele é o principal
regente do ritmo; o berimbau mestre que, na tradição da roda, é tocado pelo Mestre de Capoeira.
3
Jogue seu jogo: expressão utilizada na Capoeira Angola para dizer ao angoleiro que use suas habilidades no
jogo, desenvolva um bom jogo para sentir a Capoeira Angola.
4
Em Aracajú / Sergipe (SE), a Capoeira já era uma adaptação da capoeira-de-rua derivada da Capoeira Angola.
5
Mestre Queixada: grande capoeirista que não participou de nenhum grupo fixo, mas foi contemporâneo do
Mestre Boca Rica, Mestre Bola Sete e outros Mestres da Bahia (BA). Ele aprendeu Capoeira nos modos mais
antigos, nas ruas e no seu dia-a-dia com os mestres angoleiros da década de 70.
6
Batismo: ritual que contempla as práticas de Capoeira, nos modos mais tradicionais, no qual o capoeirista
iniciado, após uma rasteira, recebe um codinome que passa a representá-lo na comunidade e perante os outros
praticantes de Capoeira.
7
Apesar deste batismo, mesmo sem saber o porquê, o autor desta Pesquisa nunca utilizou este codinome apesar
de que crucifixo é também um símbolo que representa uma encruzilhada.
19

Pastinha8, e que se localizava no Largo do Pelourinho, nº 19 – Salvador / BA. Nesta época, o


autor desta Pesquisa tinha 15 anos e o Mestre Pastinha estava hospitalizado e muito
debilitado, por isso não estava presente. Estavam presentes à esposa do Mestre Pastinha e o
Mestre João Grande. Ali naquele espaço, o autor deste Trabalho imaginou os acontecimentos
das rodas de Capoeira e se sentiu emocionado. Em um dado momento, o Mestre João Grande
começou a tocar o toque de Angola e esse toque nunca foi esquecido pelo autor desta
Pesquisa, ficou, realmente, gravado em seu coração. Esse foi o seu primeiro contato com a
Capoeira Angola. Contudo, só passou a praticar a Capoeira Angola, em 1992, quando
ingressou no Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP), presidido pelo Mestre Moraes9,
seu Mestre.
A sua iniciação na Capoeira Angola foi proporcionada pelos amigos Rosangela Araújo
(Mestra Janja), Paula Cristina (Mestra Paula) e Paulo Barreto (Mestre Poloca). Os mesmos
eram integrantes do GCAP e, como sabiam do interesse do autor desta investigação pela
Capoeira Angola, convidaram-lhe para participar do Grupo. Neste período, já tinha concluído
a Graduação em Artes Visuais e, por estar envolvido e imerso, totalmente fascinado pelo
movimento do corpo e seus desdobramentos estéticos na Capoeira Angola, passou a
vislumbrar e experimentar possibilidades de constituir um trabalho plástico visual que
privilegiasse a riqueza poética que percebia como artista pesquisador e, ao mesmo tempo,
vivenciada na prática da Capoeira Angola.
Vale ressaltar que, neste momento, perante as suas inquietações de artista, já se
debruçava sobre a seguinte questão: - Como pode-se ressignificar o movimento criativo do
corpo da Capoeira Angola em uma poética visual? Esta questão perseguiu o autor desta
Pesquisa durante algum tempo.
Assim, imbuído por esta reflexão, passou a realizar um jogo, um diálogo entre a
Capoeira Angola e a Arte. A inserção dos movimentos do jogo da Capoeira Angola,
inicialmente, se deu com a pintura de telas realizadas a partir de registros fotográficos dos
movimentos do jogo na roda. As pinturas apresentam cenas que ressaltavam os movimentos
dos capoeiristas, em primeiro plano, sempre em ambiente de roda desenvolvendo seus jogos.

8
“Vicente Ferreira Pastinha vivenciou uma filosofia desde a Capoeira Angola, foi criativo e inventivo desde a
dança da ginga, criou um estilo de jogo informado pela tradição africana, experimentou um ritmo de vida ditado
pelo Gunga. Assim, a Angola fez dele um ‘instrumento’ da tradição e ele fez da Capoeira Angola uma
atualização da cosmovisão africana em território brasileiro” (OLIVEIRA, 2007, p. 192).
9
“Mestre Moraes é tido como a grande referência de Capoeira Angola na atualidade. Ele é o presidente-fundador
do GCAP, que hoje tem quatro núcleos: Bahia (sede), Ceará, São Paulo e Japão. Ele descende da linhagem
tradicional da Capoeira Angola no Brasil, que tem em Mestre Pastinha e seus contramestres João Grande e João
Pequeno os principais ícones” (OLIVEIRA, 2007, p. 178).
20

Estas pinturas integraram à exposição, Capoeira Angola: o corpo em movimento


tornando-se consciente. A mesma realizou-se em Salvador / BA, na Galeria da Associação
Cultural BRA (ACBEU) - Estados Unidos (EUA)10, em 1997. A montagem da exposição
configurou-se como uma instalação, em que as pinturas foram dispostas em 4 paredes do
espaço quadrangular da galeria. No chão da galeria, foram colocadas folhas sagradas de uso
no Candomblé. A exposição funcionou como uma instalação, que culminou com a
performance da roda de capoeira sobre as folhas.
Estas pinturas, que tornaram presentes as imagens dos movimentos do jogo da
Capoeira Angola, de forma individual e coletiva, foram executadas com contrastes entre luz,
sombra, fundos abstratos e o uso intenso de cores primárias. Buscou-se gerar um ambiente
pictórico, que proporcionasse ao espectador um envolvimento com a dinâmica expressiva dos
movimentos do corpo na Capoeira Angola. A apresentação e comentário sobre estes
trabalhos, no contexto atual, é importante, por esta Exposição constituir-se na fase
embrionária do atual processo da Pesquisa, por se tratar da primeira experiência prática que
conduziu a uma reflexão e investigação poético-visual sobre a Capoeira Angola, sua estética e
ressignificação nas Artes Visuais. Neste caso, estes trabalhos se inserem e se integram na
Pesquisa, em Poéticas Interdisciplinares, como fluxo do movimento até o momento atual.
Neste contexto, apresenta-se a figura 1 constituinte de uma das pinturas que compôs tal
Exposição.

Figura 1 – Rabo-de-arraia e esquiva

Fonte: O autor (1997).

10
Estados Unidos da América (EUA).
21

Passaram-se 17 anos desde a realização destes trabalhos, que, entretanto, persistem


como uma referência imprescindível como ethos para a investigação em Poéticas
Interdisciplinares pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que teve início no ano de 2013. A partir
deste momento, passou-se à investir nos elementos estéticos que constituem a Capoeira
Angola. Para tanto, ocorreram experimentações com ações de performances realizadas no
cotidiano da cidade, registradas através de fotos e vídeos. Estes registros passam pelo
processo de edição e são ressignificados em um contexto estético denominado, aqui, de vídeo-
performance. É sobre este processo de criação poética, com enfoque na estética do corpo em
movimento na Capoeira Angola e sua ressignificação em uma construção em Artes Visuais,
que será tratado a seguir.
Esta Pesquisa propõe refletir a dimensão da Capoeira Angola no locus da Arte, o papel
inovador de sua tradição como uma performance artística-cultural que se constituiu como
elemento que integra a formação da cultura brasileira. Neste sentido, buscou-se seu
entendimento como uma prática performativa que se instituiu e se move regida por um sistema
de pensamento e tempo circular. Uma dinâmica cultural fundamentada na filosofia de
ancestralidade das matrizes africanas no BRA, que é centrada no corpo e na oralidade, através
da transmissão e produção dos seus mitos e ritos. Os estudos para o desenvolvimento desse
empreendimento se desenvolveram através de procedimentos teóricos e práticos sobre e com
os desdobramentos estéticos dos movimentos do corpo na dinâmica da Capoeira Angola. Eles
contrapõem discursos, hegemônicos e excludentes, de conotações folclorísticas e reducionistas
produzidos, historicamente, nas relações sociais a partir e sobre as culturas de matrizes
africanas no BRA em torno de suas expressões artísticas. Para tanto, investiu-se, nesse
embate, para acrescentar e contribuir como produção textual acadêmica, na reversão de tais
discursos, através da abordagem e apropriação poética-visual da Capoeira Angola, buscando
re-contextualizá-la como arte na contemporaneidade. Em tal âmbito, se compõe este processo
de investigação na área de Artes Visuais em Poéticas Interdisciplinares.
Partindo dessa contextualização, desenvolveu-se esta Pesquisa-em-ação que,
consequentemente, deteve-se no corpus da Capoeira Angola. Nessa direção se constitui uma
abordagem poética-visual que tem como objeto de estudo a mandinga (elemento que compõe
a dinâmica expressiva dessa prática) como a estética (percepção totalizante) do corpo imerso
na sua dinâmica de performance cultural. Tal objeto de estudo se inscreve, aqui, pela sua
abrangência no campo de ação desse corpo que compreende e integra os seguintes elementos:
a ginga, os movimentos (golpes), o ritmo, o cantar, o tocar, o dançar, o jogar e a roda de
22

Capoeira Angola. A mandinga, além de tratar-se do elemento que define a forma e a função
dessa prática, ela, também, gera a percepção e a sensação na produção e transmissão das
imagens míticas, que a consolidam como uma expressão de origem das culturas de matrizes
africanas no BRA. Com essa abordagem, se busca também realizar um exercício de
desconstrução do modo pejorativo, preconceituoso e excludente, que foi tomado o uso do
termo mandinga como sinônimo de feitiçaria. Para assim, re-contextualizá-lo em sua
significação de “Magia: existência no espaço-tempo do eterno retorno” (FLUSSER, 2011c,
p.11 18, grifo do autor). A mandinga como objeto de estudo, nesta investigação, nasceu a
partir do embate do sujeito (artista-capoeirista) com o objeto (Capoeira Angola). A partir
deste esbarrar, ele foi gerado passando a ser o terceiro elemento dinamizador de todo o
processo de produção e significação desta Pesquisa.
O construto desta Pesquisa foi orientado pelo tema: Capoeira Angola no locus da
Arte. Um assunto de discussão e reflexão, o qual se apresentou como uma proposição de
investigação em processos criativos nas Artes Visuais. A partir da configuração desse tema, se
constituiu a sua problematização, que está relacionada à origem das imagens míticas da
Capoeira Angola e a relação entre o seu sistema de pensamento e o sistema de pensamento
exercido no processo criativo de produção e apresentação de trabalhos artísticos em Poéticas
Visuais. Ao aproximar-se, em um embate com tais relações, elas se transformaram em
questões que se tornaram fundamentais e nortearam todo o processo de desenvolvimento da
reflexão teórica e da construção das experimentações práticas. As mesmas foram formuladas
com 3 perguntas, 3 proposições que se pronunciaram assim: A Capoeira Angola pode ser
contextualizada como objeto-artístico nas Artes Visuais? A sua estética é a mandinga? O
pensamento circular que rege sua mandinga também se faz presente no processo de criação e
produção do artista? Tais questões se pautaram no contexto de interação e pertencimento entre
as culturas de matrizes Africanas-Bantu-Kongo no BRA e em Angola (ANG) e sobre a
interação entre a dinâmica da Capoeira Angola e a dinâmica do processo criativo na Arte
Contemporânea. Para tanto, se fez necessário um percurso sobre a origem e produção das
imagens míticas da Capoeira Angola, lançando-se em investigação poética-visual na busca do
entendimento sobre o que é o pensamento circular expresso pelas culturas de tradição oral-
corporal de matrizes africanas no BRA.
Assentando-se sobre uma perspectiva fenomenológica de interpretação, cuja
compreensão vem sendo constituída no desenvolvimento da própria Pesquisa teórica e prática,

11
Página (p.).
23

busca-se problematizar tanto a sua construção estética quanto a sua dimensão de arte, na forma
plástica-visual e enquanto conteúdo mítico e poético na sua função transformadora da
percepção do sujeito, inserindo-a como movimento de arte pronunciada através da cultura de
cosmovisão africana no BRA. Esta investigação desponta, aqui, como reflexão do processo
criativo que se possui como elemento significativo para a discussão da potência inversora da
Capoeira Angola. Sendo assim, se propôs trazer para a dimensão das Artes Visuais e dos
estudos culturais as seguintes reflexões:
• existem elementos artísticos na prática da Capoeira Angola que produzem a
percepção totalizante (aisthésis) da estética nos sujeitos envolvidos?
• estes elementos constituem-se como um conjunto que transmitem a Arte e o
conhecimento através do corpo e da oralidade?
• a Capoeira Angola pode ser ressignificada como uma performance do corpo, em
seus desdobramentos estéticos, e ser inserida na Arte contemporânea como produtora de
conhecimento e de saberes no contexto social e cultural?
• ela produz nos sujeitos envolvidos uma mudança do paradigma da lógica cartesiana
objetiva e contribui para transformar o pensar e o agir linear em um pensar e um agir da ordem,
circular reversa do pensamento mítico? e
• a Capoeira Angola no locus de Arte pode ser um agente transformador do processo
excludente e hegemônico das culturas de matriz africana no BRA?
Descreve-se, nos capítulos que seguirão, com palavras ordenadas linearmente através
de uma ordem de pensamento lógico, os resultados dos processos de investigação em poéticas
visuais. Os mesmos se constituíram em contextos de concepção e construção, geridos por uma
ordem de lógica reversa de pensamento circular. Tais resultados processuais contemplam a
vivência na prática da Capoeira Angola em sua unidade/complexidade de jogo-de-corpo
mandinga em metáforas de desconstrução e reconstrução do pensar e agir. A metodologia
utilizada para atingir esses resultados foi procedida com ações práticas de embate com materiais
(objetos do cotidiano da cidade) e imagens realizadas com o jogo de Capoeira Angola, que
consistiram em: impressões, fazer esculturas, capturas de imagens, performances e edição de
imagens, produzindo-as em um contexto relacional de cruzamentos, relacionando-as com
ideias, conceitos e teorias com procedimentos metódicos, complementares, entre teoria e
prática em refluxos constantes. Nesse intento, fez-se necessário percorrer um caminho de
encruzilhadas, conflitos de encontros-desencontros, erros-acertos orientados pela ambiência
interdisciplinar da Arte, Filosofia e outros campos do conhecimento. Estas conexões são fruto
24

de experimentações artísticas, produção de imagens, levantamento bibliográfico e vivência em


meio à capoeiragem no exercício de ser angoleiro e artista pesquisador. Buscou-se também,
através da leitura visual e dinâmica do corpo, munido de percepção e sensação em derivas na
cidade, constituir e evidenciar a sua produção semiológica e sua dialética em movimento nos
espaços cotidianos, nas relações de grupos e rodas de Capoeira Angola. A imersão nestas
ações, a partir de procedimentos em processos criativos, proporcionou a realização de
capturas de imagens fotográficas, impressões monotípicas em tampas de esgotos e águas
pluviais, performances com jogo de Capoeira Angola e vídeo-performances, para produzir,
através destas, uma poética visual e discutir o âmbito relacional entre o universo da Capoeira
Angola a Arte e a vida (entre o micro e macro). Visando também denotar a sua tradição de
cosmovisão africana no contexto social e cultural do BRA, “[...] como algo muito maior que
compreender e reproduzir conteúdos, mas olhar para o mundo e tornar-se parte implicada na
produção, gestão e difusão dos conhecimentos que se refazem e se renovam” (ARAÚJO,
2015, p. 12).
O constructo da filosofia na história do Ocidente detém, como seu fundamento, sua
estrutura, a priorização do intelecto a partir da razão (lógica) como a única forma de atingir a
verdade do mundo. Mas, contrariamente a esta, existe uma filosofia a-histórica, estruturada no
contexto da ancestralidade que, de forma reversa, detém como seu fundamento o corpo como
forma de conhecer e reconhecer o mundo em si na construção do conhecimento sobre o mundo.
No sentido de entender e contrapor tais filosofias, no contexto interdisciplinar desta Pesquisa
em ação artística, se fez imprescindível o diálogo e parceria com filósofos e teóricos. Os
mesmos foram essenciais no percurso investigativo que se apresenta no decorrer desta
Pesquisa pelas suas ideias que evidenciaram tal escrita. Nesse contexto, despontaram as
reflexões teóricas de Fu-Kiau (1980, 2001), PALESTRA..., (2011) e de Batsîkama (2010).
Além de Thompson (1979, 1984), Thompson; Cornet (1981), Schechner (2012),
Ligiéro; Ligiéro (2000), Ligiéro (2011a, 2011b), os filósofos Bergson (1999) e Flusser
(1998a, 1998b, 2002, 2010, 2011a, 2011b, 2011c). Este último foi de fundamental
importância na comparação e analogia entre o pensamento filosófico de ancestralidade com o
pensamento filosófico contemporâneo ocidental. Foram essenciais as ideias de Flusser
(1998a, 1998b, 2002, 2010, 2011a, 2011b, 2011c), que acompanhou do início até o final desta
escrita, visto que desenvolveu o conceito da dúvida como o principal pensamento, o qual
definiu situando a dúvida como exercício da reflexão de uma filosofia de dar um passo para
trás, ou seja, ao invés de o sujeito lançar a dúvida sobre o outro (o objeto), ele lança a dúvida
sobre si mesmo. Esse conceito sobre a dúvida, concebido por Flusser (1998a, 1998b, 2002,
25

2010, 2011a, 2011b, 2011c), coincidiu com o exercício da dúvida exercitado na filosofia do
corpo-ancestralidade-oralidade da dinâmica da Capoeira Angola – tal conceito tornou-se
fundamental. Além da contribuição das ideias desses filósofos e teóricos citados aqui, outros
contribuíram e se apresentaram no decorrer destes textos. Pois todos foram importantes nas
discussões que se encerram nessa roda de palavras e trocas de ideias na construção da Tese
que se apresentou como: A mandinga é a estética da Arte da Capoeira Angola que se expressa
através do pensamento circular de lógica reversa.
O capítulo 1 desenrola uma reflexão sobre a encruzilhada, como o lugar de encontros
e conflitos que constitui o corpo da Capoeira Angola e como o lugar de assimilações e
adaptações entre as culturas afro-ameríndias no BRA. A encruzilhada é enfocada também
como passagem entre essas culturas e a sua representação simbólica como lugar de passagem
entre 2 mundos (visível e invisível). Através de vídeo-performances e impressões de
monotipias, utiliza-se uma tampa de esgoto na encruzilhada como metáfora de passagem entre
2 mundos. A partir de um desenho do Cosmograma Bakongo na tampa ocorre um jogo de
Capoeira Angola em que o segundo sujeito é invisível. Esse jogo é simbólico, um recorte
artístico que representa o corpo da Capoeira Angola, com sua asthesis, como conexão e
passagem entre o céu e a terra (2 mundos). Os elementos simbólicos que constituem este
Trabalho se inserem em uma discussão sobre à Arte da Capoeira Angola ser um fenômeno
que se constitui e já nasce na encruzilhada e que também suas estratégias dinâmicas
funcionam em um modo de lógica reversa. Nesse sentido, denota-se à encruzilhada como
símbolo do Cosmograma Bakongo (Bakongo), presente no corpo da Capoeira Angola.
Discorre-se também sobre as conexões entre os mitos da luta da Capoeira Angola e os mitos
das lutas e danças angolanas na região do Mucope – Província do Cunene (pesquisa de campo
em ANG, África). Surge a hipótese da quebra de um dos paradigmas entre os mitos da origem
da luta da Capoeira Angola e as lutas e danças angolanas.
O capítulo 2 desenvolve uma reflexão sobre os elementos plásticos, visuais e sonoros
da estética da Capoeira Angola e suas relações com os elementos simbólicos do Cosmograma
Bakongo. Neste momento, se discute à integração entre ambos a partir de 2 princípios
filosóficos pertencentes às culturas de matriz africana no BRA: princípio da ancestralidade e
princípio de tempo espiralar. Neste sentido, se reflete sobre a construção e apresentação dos
trabalhos artísticos realizados através das linguagens de vídeos, performances, escultura e
instalação, que são: Jogo para Kalûnga e Mono-lixo: entre o Céu e a Terra (escultura e
instalação). A constituição destes trabalhos discute as relações de proximidade no exercício
do pensamento circular no processo criativo de esculturas e na Arte da Capoeira Angola.
26

Denota-se, nestes também, as estratégias do jogo de corpo na Capoeira Angola e na Arte


como procedimentos do uso de uma lógica reversa que desconstrói os princípios lineares de
uma lógica cartesiana na cultura brasileira. A performance Jogo para Kalûnga acontece
como uma ação simbólica de louvação à Kalûnga: Deus, na língua Bantu; o grande mar que
deu origem a tudo; o grande mistério e limiar de encontro entre 2 mundos (o céu e a terra ou o
invisível e o visível). O trabalho de escultura e instalação discorre sobre as relações entre o
corpo da escultura contemporânea e os desdobramentos estéticos do corpo na dinâmica da
Capoeira Angola. Também discorre-se, nesse capítulo, sobre as relações entre o mito de Exu,
o símbolo da Encruzilhada e o sistema de pensamento dinâmico da Capoeira Angola.
No capítulo 3, desenvolve-se uma reflexão sobre os trabalhos: Jogo de Corpo,
Mutuê-Luminar e Tempo Circular12. Nestes trabalhos, se discute, sobre a manifestação do
pensamento circular através da dinâmica do corpo em movimento bem como sobre os
movimentos do pensamento circular regido por uma lógica reversa. Apresentam-se também
os estudos com desenhos e um fluxograma dos movimentos da ginga-mandinga das lutas e
danças angolanas: Engolo, Onkhandeka e Onkhankula. Nesse momento, se constata as
relações dos movimentos destas com a dinâmica da ginga-mandinga triangular exercida nos
desdobramentos do corpo da Capoeira Angola. Neste contexto, se desenrola uma reflexão
sobre a encruzilhada no lugar de um sistema simbólico relacionado com a dinâmica dos
movimentos do corpo na Capoeira Angola. Também discorre-se, nesse capítulo, sobre as
relações entre Exu, a Encruzilhada e a Capoeira Angola. O trabalho artístico (experiência-
em-ação) Mutuê-Luminar se apresenta através de um dispositivo de cabeça (capacete com
uma lanterna a 30 cm13 acima do centro da cabeça, com o seu foco de luz direcionado para
baixo), em que o espectador é agente ativo na experiência. A partir deste trabalho, se
identifica o corpo movendo-se em um espectro circular em que ele é o centro desse círculo
(campo de energia). Denota-se que, os movimentos desse corpo, dentro do seu espectro circular
se realizam em 4 direções como os movimentos da cruz do Cosmograma Bakongo. No trabalho
Tempo Circular, se configura como uma vídeoinstalação que ocorre os movimentos em um
tempo circular.
A partir disto, o capítulo 4, apresenta as considerações finais desta Pesquisa,
assumindo o pensamento circular da lógica reversa como parte indissociável na experiência
do corpo na Capoeira Angola. Se define também, a mandinga como percepção totalizante

12
Refere-se aos trabalhos de vídeo-instalação produzidos no processo desta Pesquisa.
13
centímetros (cm).
27

(aisthesis) na Capoeira Angola movida pelas afecções e percepções dos sentidos, para só
assim chegar a conclusão destes estudos.

1.1 Encruzilhada

A conjugação do verbo na terceira pessoa, como é usado formalmente nos modos


acadêmicos da escrita, pode ser limitante, pois, sabe-se que toda ação humana advém do
conhecimento coletivo adquirido, pelas culturas sejam elas quais forem. Pois, de acordo com
o mestre no pensar do autor desta Pesquisa, a presença do ser humano diante da natureza é
cultura (FLUSSER, 1998a, 1998b, 2002, 2010, 2011a, 2011b, 2011c). A partir desse fato,
suponhe-se que o conhecimento da humanidade foi gerado de indivíduo para indivíduo e
partilhado coletivamente. Para proceder esse acontecimento, fez-se necessário que todo
indivíduo desse seu parecer a respeito de suas experiências (conversações e conversações) com
e sobre a natureza para o outro (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2011)14. Pensa-se que
esse processo ocorreu através da transmissão do conhecimento de forma oral e corporal, e que
só se sucedeu porque todo indivíduo sabia, institivamente, que o seu coletivo só sobreviveria
perante a natureza hostil, se cada um partilhasse o seu relato coletivamente, ocupando o lugar
da primeira pessoa. Segundo esta reflexão, pode-se perceber que não se realiza nenhuma ação
sem referências no conhecimento humano e que, talvez, não seja necessário sempre se
identificar em uma escrita acadêmica de doutorado, na terceira pessoa, pois o conhecimento
coletivo, acredita-se, já se faz presente na primeira pessoa. E aqui, nesta escrita, por relatar
esta Pesquisa-ação, tem-se a certeza que não se faz necessário se retratar sempre na terceira
pessoa. Mas, sem arrogância, não posso jamais esquecer que eu só existo porque o outro
existe. Portanto, Ubuntu!15

14
“A humanidade começou há mais ou menos três milhões de anos com a conservação – geração após
geração – de um modo de viver em conversações que envolviam a colaboração dos sexos na vida
cotidiana, por meio do compartilhamento de alimentos, da ternura e da sensualidade. Tudo isso ocorreu
sem reflexões, como aspectos naturais desse modo de vida. Nossa biologia atual é o presente dessa
história” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2011, p. 18).
15
Ubuntu: é uma filosofia africana, presente na cultura de alguns grupos que habitam a África Subssariana,
cujo significado se refere a humanidade com os outros. Trata-se de um conceito amplo sobre a essência do
ser humano e a forma como se inclui em sociedade. É uma expressão que significa eu só existo porque
você, o outro, existe.
28

1.2 Capoeira Angola na encruzilhada

Nesta subseção, a Capoeira Angola assume o lugar na encruzilhada. Um corpo que se


forma e informa através de imagens geradas nos desdobramentos dos seus movimentos. Neste
sentido, propõe-se traduzí-la como um corpo de imagens mítico-poéticas, em um enfoque
realizado a partir da produção de experimentações artísticas que evidenciam essas imagens.
Este recorte se articulou de acordo com o seguinte problema: Quais são as imagens míticas da
Capoeira Angola? Tal problema trata de respostas na Antropologia, na Sociologia, na
Etnografia, dentre outras áreas das Ciências Humanas que não deixarão, decerto, de ter as
suas posições reservadas para uma questão desse porte. Pois sabe-se que, nas abordagens
acadêmicas, os fenômenos culturais originados nas classes excluídas são estudados,
exclusivamente, por alguma dessas áreas que, como todo investimento científico fundado no
cartesianismo, se empenha em apurar a lógica da razão, afastando, cada vez mais, sujeito e
objeto do conhecimento. Aqui, se realiza uma reflexão em posição reversa, na qual sujeito e
objeto não se distanciam, pelo contrário, estão próximos e ligados, constituindo o
conhecimento. Estes estudos buscam a re-integração entre as imagens míticas visíveis e
invisíveis da Arte da Capoeira Angola, através de sua dinâmica como corpo-mandinga
(estética) em movimento. Neste contexto, trata da mandinga16 como a expressão da estética17
da Capoeira Angola; um jeito de corpo, regido pela sensação e percepção dos sentidos de
pensamento e tempo circular. Ou melhor, um jogo de corpo-mandinga que se move na
encruzilhada. Este termo é adotado nesta investigação como figura de linguagem, um
elemento conceitual de acordo com Martins (2003, p. 70), quando diz:

16
Mandinga: “Feitiço, despacho, mau-olhado, ebó. Os negros mandingas eram tidos como feiticeiros
incorrigíveis. Os mandingas ou malinkes, dos vales do Senegal e do Níger, foram guerreiros
conquistadores tornados mulçumanos” (CASCUDO, 1969b, 544, grifo nosso).
“Este povo, a que os negros chamavam mandinga, os espanhóis mandimença e amsmol, maniinga (do
radical mani ou mali, o hipopótamo, visto que eram povos totêmicos, e a terminação nke, povo), tinha
uma índole guerreira e cruel. Não obstante à influência maometana, eram considerados grandes mágicos e
feiticeiros, e daí o termo mandinga no sentido de mágica, coisa-feita, despacho, que os negros divulgaram
no Brasil” (RAMOS, 1946 apud CASCUDO, 1969b, p. 544, grifos do autor).
17
Estética: “Falar de estética no jogo de Capoeira Angola é trazer à baila uma discusso sobre o que é belo e
o que é feio. Etimologicamente, a palavra estética vem do grego aesthesis que, dentre outros significados,
quer dizer também ‘percepção totalizante’, daí o erro daqueles que querem ver a beleza analisando só o
exterior do objeto sabendo-se que a beleza é subjetiva” (MORAES, 2009, grifo nosso).
“Estética (do grego αισθητική ou: percepção, sensação, sensibilidade) é um ramo da filosofia que tem por
objetivo o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do
que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como: as diferentes
formas de arte e da técnica artística; a ideia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas
nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja,
o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo” (ABBAGNANO, 1966 apud ESTÉTICA, [20--
?], grifos do autor).
29

A noção de encruzilhada, utilizada como operador conceitual, oferece-


nos a possibilidade de interpretação do trânsito sistêmico e epistêmico
que emerge dos processos inter e transculturais, nos quais se
confrontam e se entrecruzam, nem sempre amistosamente, práticas
performativas, concepções e cosmovisões, princípios filosóficos e
metafísicos, saberes diversos, enfim.

Como parte de operações conceituais realizadas nesse processo de Pesquisa, o


substantivo feminino encruzilhada é usado de forma corrente, expandindo o seu conceito de
lugar de bifurcações, onde se cruzam estradas e caminhos. Para absorver e integrar o
significado simbólico que a situa como lugar de convergências e divergências. Um lugar de
conflitos e passagens que, possivelmente, origina e dinamiza os movimentos do pensar e agir.

1.3 Pensamento circular na filosofia Flusseriana e na cosmovisão africana

Algumas reflexões sobre a contextualização do pensamento circular na filosofia de


Flusser (1998a, 1998b, 2002, 2010, 2011a, 2011b, 2011c) subvertem a construção do
pensamento linear na cultura ocidental e apresenta, paralelamente, um diálogo entre suas
ideias e a filosofia de cosmovisão Africana. Uma filosofia que se funda e tem como modelo a
dinâmica circular da natureza. Nesse contexto, desenvolve-se a abordagem sobre o processo
de produção e experimentação artística nas linguagens de impressões com monotipias,
vídeoperformance e instalação. É a partir do exercício de tais linguagens que se constitue a
observação da mandinga como a estética do corpo na Capoeira Angola, como uma prática de
Sistema de pensamento circular de matriz africana no BRA. Os desdobramentos estéticos
resultantes da pesquisa teórico-prática são a base do pensamento circular como um fenômeno
transformador no processo sociocultural que envolve Capoeira Angola e Artes visuais.

1.3.1 A orquestra18 já está arrumada, a roda vai começar!

Em suas reflexões, Flusser (2010) evidencia a transformação do pensar ocidental, a


partir da invenção da escrita; a cosmovisão ocidental constituiu-se em um movimento de pensar
de forma linear. Com a escrita, observa Flusser (2010), o homem ocidental passou a organizar
e orientar seus pensamentos em linhas, possibilitando a relação, essencial, de transmissão do
conhecimento entre o sujeito (o homem) e o objeto (o mundo).

18
Também dita ritmo, é a ordem ou organização dos instrumentos na roda de Capoeira Angola, cuja música
dá início aos jogos.
30

Ao escrever, os pensamentos devem ser alinhados. Uma vez que, não


escritos e em si mesmos abandonados, movem-se em círculos. Esse
circular dos pensamentos, em que cada um pode se voltar para o
anterior, chama-se, em contextos específicos, de ‘pensamento mítico’:
os sinais gráficos são aspas oriundas do pensamento mítico
transformado em um pensar alinhado linearmente. Denomina-se esse
pensamento correto, por motivos que serão posteriormente discutidos,
de ‘pensamento lógico’ (FLUSSER, 2010, p. 20).

Propõe-se uma reflexão a partir do ponto de vista de quem escreve. Está-se a escrever e,
durante essa escrita, em dado momento, pára-se e reflete-se: é nesse momento que questiona-se
se o que se escreve está coerente com seus objetivos e se fazem sentido lógico, de acordo com
os pensamentos que se quer transmitir ao outro. Nesse movimento de reflexão, observa-se a
ordem das palavras, os acentos, a pontuação e o sentido das frases. O gesto de escrever orienta
e alinha os pensamentos nos trilhos corretos, e, assim, pode-se dizer, de acordo com Flusser
(2010), que a escrita ensinou a pensar corretamente, porque com seus sinais gráficos
(alfabeto), alinhados em sequência de linhas, ela produz a ordem dos pensamentos sobre os
quais se reflete. E, Flusser (2010), então, elucida: a partir da escrita, o pensamento do homem
ocidental passou por uma transição: de pensamento circular (mítico) transformou-se em
pensamento alinhado linearmente (linear).
Diante desse movimento do pensar, pode-se aproximar das questões que, para Flusser
(2010) indicam uma gênese do pensamento circular. Os pensamentos se movimentavam de
forma circular, solta e desordenada, à qual se refere como o pensamento mítico. E acrescenta:
os sinais gráficos foram originados do pensamento mítico. Deduz-se, assim, que em nossos
antepassados e em outras culturas (não ocidentais) os pensamentos se movimentavam de
forma circular e eram transmitidos através de sinais (provavelmente, por meio de desenhos e
sons). E com a escrita, os sinais usados, anteriormente, na forma de pensar circular foram
transformados e assimilados pelo pensamento linear. De acordo com Flusser (2010, p. 46), “O
alfabeto foi inventado para substituir o falar mítico pelo falar lógico e, com isso, substituir o
pensar mítico pelo lógico”. Cabe, portanto, entender que o falar ocidental transformou-se em
falar lógico devido ao fato de os pensamentos terem sido organizados em ordem linear através
da escrita. Entende-se também que, com essa transformação, o pensamento lógico substituiu
o pensamento mítico. Neste sentido, Flusser (2010, p. 22) direciona o movimento do seu
pensamento quando afirma: “Somente quando se escrevem linhas é que se pode pensar
logicamente, calcular, criticar, produzir conhecimento científico, filosofar – e, de maneira
análoga, agir.”
31

Segundo Flusser (2010), foi a partir da escrita que o homem ocidental passou a pensar,
falar e também a produzir conhecimento. Ou seja, a cosmovisão ocidental é movida pelo
pensamento lógico. Mas, como se desenvolveu o movimento do pensamento, para a produção
do conhecimento que constitui a cosmovisão africana? Como ocorreu o movimento dessa
filosofia nas culturas de cosmovisão africana no BRA? É sobre essa forma de pensamento que
esta Pequisa se deterá nas linhas que seguem sendo guiada como música, na direção de
respostas a essas perguntas.

1.3.2 O berimbau gunga19 chamou, outro jogo vai começar!

O jogo dos movimentos do pensar, nessa roda de trocas de ideias com Flusser (2010),
ainda não acabou. E, na sequência, vai acontecer em forma de compra20, na qual cada
participante contribui, com seus pensamentos, de forma alternada. De acordo com a roda da
vida e a roda da Capoeira Angola, o jogo nunca acaba: ele é um fluxo de movimentos
contínuos, em que cada pensamento conduz a outro pensamento. E, envolvidos nesse fluxo,
dá-se a continuidade da roda de pensamentos em movimento.
Por propor essa roda de trocas de ideias e devido ao autor deste Pesquisa se situar no lugar
de iniciado na cultura de cosmovisão africana no BRA, como participante da manutenção
dessa tradição, assume-se o pertencimento dessa cultura. Sendo assim, assevera-se que a
produção do conhecimento na cosmovisão africana constituiu-se através da oralidade. Foi por
este meio, contrário ao da escrita, que se moveu o pensar na cosmovisão africana. De acordo
com Beniste (1997), esse movimento se deu através da religiosidade formada por um corpo de
elementos das tradições orais: a mitologia de seus deuses, a liturgia, os cânticos, a linguagem e
os provérbios. Beniste (1997, p. 19) evidencia essa asserção, orientando o movimento de seu
pensamento nessa direção, quando diz:

Como não havia nenhuma forma de documento escrito no passado, tudo


que foi preservado sobre suas divindades chegou até nós por palavras
faladas, que passaram de geração a geração, constituindo-se o que se
costumou chamar de TRADIÇÃO ORAL. E isso remonta ao continente
africano. Essas tradições são os nossos únicos meios de se saber qualquer
coisa de sua teogonia e cosmogonia, o que eles pensam e no que
acreditam acerca das relações entre o CÉU e a TERRA.

19
É o berimbau que, com seu som grave, rege a orquestra na roda de Capoeira Angola; normalmente, é
tocado pelos Mestres e tem também a função de chamar os capoeiristas para o início de um jogo.
20
Jogo que se processa na roda de Capoeira alternando parceiros.
32

Com a tradição oral, se processou a transmissão e produção do conhecimento nas


culturas de cosmovisão africana. Nessas culturas, a visão de mundo desenvolveu-se a partir da
relação do homem com o ambiente (a natureza). E esse conhecimento foi constituído por suas
teogonias e cosmogonias. O pensamento da cosmovisão africana constituiu-se no movimento
do pensar e agir regidos pela ancestralidade, que remete a seus antepassados, sua origem, aos
primórdios de um tempo mítico imemorial, perdido no tempo cronológico. Pela tradição oral
se deu a manutenção desse conhecimento ancestral. Portanto, o pensamento nas culturas de
cosmovisão africana move-se através da oralidade em uma ordem circular, em que o pensar e
o agir voltam-se para o passado, sua origem, para construir e afirmar seu presente.
Ou seja, no movimento circular da cultura de cosmovisão africana, um elemento
explica o outro, e este explica o primeiro. Esse movimento circular do pensamento se
desenvolveu porque essas culturas sedimentam a visão de mundo a partir de sua teogonia e
cosmogonia, ou seja, a religiosidade que se estabelece na sua relação sacra com o mundo. Nesse
sentido, compreendem-se seus costumes, suas estruturas hierárquicas, seus conceitos
filosóficos e estéticos, sua língua, sua música, sua literatura oral e mitológica. Vale ressaltar
que, na constituição da cosmovisão africana o pensar e o agir moveram-se não só a partir da
oralidade, mas também de 3 elementos artísticos indissociáveis: cantar-tocar-batucar21 ‒
práticas performativas (ou performances culturais) do corpo em movimento, que reproduzem
e ressignificam suas mitologias e costumes.
Aqui, focaliza-se a Capoeira Angola como prática performativa (e performance)
envolvida por esses 3 elementos, que constituem seu corpo e que fazem parte das dinâmicas
motrizes. De pleno acordo com as palavras de Ligiéro (2011a), as dinâmicas das motrizes se
processam no corpo do performer como um todo. Nesse sentido, o corpo é seu texto. Nessa
cultura, o corpo do autor desta Pesquisa constitui-se em texto que se escreve (e escreve)
através de seus movimentos circulares para transmitir e viver uma literatura da oralidade.
E foi a partir do corpo do autor desta Pesquisa imerso no universo dessa prática, que
motivou o desenvolvimento dessa investigação. Assim, torna-se importante o uso do conceito

“No caso dos elementos performativos destacamos o conjunto de técnicas aplicadas, simultaneamente,
21

com o cantar-dançar-batucar – expressão usada por Fu-Kiau para indicar o denominador comum das
performances africanas negras. Bunseki K. Kia Fu-Kiau filósofo do Congo, seus estudos têm sido de
fundamental importância no tocante ao conhecimento dos simbolismos das culturas bantos” (FU-KIAU,
([20--?] apud LIGIÉRO, 2011a, p. 130).
“Ao considerar a junção das artes corporais às musicais e, sobretudo, acrescido do uso do canto como algo
simultâneo e, percebido como uma unidade dentro da performance africana, Fu-Kiau ([20--?] apud
LIGIÉRO, 2011a, p. 131, grifo do autor) destaca um dispositivo que, sem dúvida, continua sendo
característico das performances da diáspora Africana nas Américas – ‘não é possível existir performance
negra na África sem este poderoso trio’, e o mesmo é aplicável em relação às performances afro-
brasileiras” (FU-KIAU, [20--?] apud LIGIÉRO, 2011a, p. 131, grifo do autor.)
33

de motrizes culturais para refletir juntos sobre o pensamento circular em movimento no corpo
da Capoeira Angola. Logo, apresenta-se a descrição do trabalho artístico produzido a partir
das experimentações e inquietações artísticas, que se realizaram até o momento dessa
investigação dos processos criativos nas Artes visuais. Vale ressaltar que, os escritos que até
agora se alinharam para orientar os movimentos dos pensamentos partiram da produção deste
Trabalho e, agora, a ele se direcionam. É sobre ele, que orienta-se e discorre-se os pensamentos
do autor desta Pesquisa, ao longo destas breves linhas, na direção de atingir os objetivos que
foram propostos neste texto. Portanto, o autor desta Pesquisa vai ao pé do berimbau22, pedir
licença aos mestres23 e orixás, para entrar na roda de troca de ideias para desenvolver o jogo
dos movimentos dos seus pensamentos para transparecer o construto deste Trabalho.

1.4 Encruzilhada: a passagem

Encruzilhada: a passagem foi a primeira vídeoinstalação24 realizada no percurso


desta investigação e denota uma passagem de conflitos entre convergências e divergências de
ideias.
Uma passagem que deu início ao processo de construção e reflexão sobre as imagens
geradas, a partir dos desdobramentos estéticos do corpo na Arte da Capoeira Angola. É sobre
a produção destas imagens, como elementos de identificação do seu universo mítico-poético,
que se movimenta esta escrita.
A produção das imagens (FOTO 1) teve como proposição realizar a integração entre
os elementos do sistema simbólico do Cosmograma Bakongo25, com os movimentos do
sistema dinâmico da Capoeira Angola26.

22
Pé do Berimbau: Gesto pelo qual o capoeirista pede licença aos responsáveis pela roda para realizar um
novo jogo.
23
Responsáveis pela transmissão de conhecimento e orientação dos iniciados nesse processo de
aprendizagem.
24
Os trabalhos de vídeos aqui apresentados e, no decorrer destes escritos, estão disponíveis em
CAPOEIRA…, ([20--?]a).
25
Cosmograma Bakongo: sistema simbólico, que representa a cosmovisão Bantu-Kongo disposto de
elementos simbólicos de um todo coordenados entre si, e que funcionam como estruturas organizadas
para transmitir uma filosofia e visão de mundo.
26
Sistema dinâmico da Capoeira Angola: sistema simbólico que representa o pensamento-filosófico e visâo
de mundo da dinâmica da Capoeira Angola composto de elementos míticos-ancestrais coordenados entre
si, e que funcionam como estruturas organizadas para transmitir informações e produzir conhecimento
através de sua prática.
34

Foto 1 – Encruzilhada: a passagem (vídeo-performance)

Fonte: O autor (2013)27.

Torna-se importante, neste sentido, promover o entendimento da Capoeira Angola no


lugar de um corpo que nasce na encruzilhada, no ponto central das bifurcações, na passagem
entre 2 mundos. Lugar de conflitos, de convergências e divergências, entre culturas. Um
lugar em que, possivelmente, ela representa uma mudança de paradigma do pensamento
linear para o pensamento circular. Com este objetivo foram desenvolvidas as ações artísticas
que discorre-se nesta Tese – ações que são regidas pelos significados simbólicos e
metafóricos dos termos: passagem e encruzilhada nos trabalhos desenvolvidos.
O substantivo feminino encruzilhada é integrado, aqui, como metáfora. Uma metáfora
sobre os caminhos dos processos criativos. Neste caso, é o lugar onde ocorre o conflito de ideias
que convergem e divergem até gerar o trabalho artístico. No momento em que se consolidaram
as idéias, constituiu-se o trabalho (vídeoinstalação) e, então, se materializou como o centro dos
conflitos da encruzilhada. A esse momento, se refere como passagem. A passagem significa
também, neste contexto, o instante em que se resolve os conflitos de uma encruzilhada e se
move em direção a outra ou outras. Pois, nessa roda das palavras e ideias (imagens), as
encruzilhadas nunca acabam. Como movimento, desse trânsito entre encruzilhadas, exponhe-
se as experiências sucedidas que geraram o trabalho artístico, como um momento

27
Todas as fotos que constam nesta performance são frames do vídeo, preparados pelo autor deste Trabalho, a
partir de uma programação automática da câmera (com um tripé) que enquadrava a performance (realização da
ação).
35

significativo, uma passagem que fundamenta o desenvolvimento desta investigação que trata
do processo de produção das imagens míticas e poéticas da arte da Capoeira Angola.

1.5 Processo de produção de imagens: uma encruzilhada

Andar, observar os lugares por onde se passa, e as formas dos objetos, coletar
determinados objetos e materiais nas ruas, espiando também, a interação das pessoas com
esses objetos e materiais, este exercício no ambiente (espaço e tempo) da cidade faz parte dos
procedimentos e operações que o autor desta Pesquisa pratica no processo de construção do
trabalho artístico; este exercício também faz parte de sua vivência como angoleiro28. Nas obras
a serem construídas, as ações de observar, andar e coletar nasceram de suas inquietações,
atentas ao ambiente em que transita e vive. Sendo assim, o autor desta Pesquisa segue os
ensinamentos da Capoeira Angola de acordo com as sábias palavras de Pastinha (1964, p.
27)29: “O capoeirista sabe se aproveitar de tudo que o ambiente lhe pode proporcionar.” O
Mestre Pastinha vivenciou o seu ambiente cotidiano manifestando-se como angoleiro nos seus
ensinamentos, na prática da Capoeira Angola, tendo-a como sua filosofia e forma de se mover
e existir no mundo, ou seja, o seu viver e fazer eram indissociáveis do ser capoeirista. “Atuou
como marinheiro, alfaiate, estudou música e esgrima” (PASTINHA…, 1998)30. Além dessas
atuações, foi “[…] pintor (de quadros e de paredes) e também escreveu sobre a Capoeira Angola
que tanto amava” (ARAÚJO, 2015, p. 267). É importante ressaltar que a roda de Capoeira
reproduz, metaforicamente, a roda da vida, ou seja, um micro no macro. A vivência do ser
capoeirista na roda de Capoeira reflete sua vivência na roda da vida. Ou seja, “[...] o
capoeirista deve ter a condição de fazer uma correlação entre o que ele viveu dentro do círculo
menor, a roda de Capoeira, e o que vai acontecer fora” (MORAES, 2009, p. 41). Entende-se,
aqui, que a roda de Capoeira é reverenciada como metáfora da vida real. De acordo com
Moraes (2009, p. 41), a roda de Capoeira representa, simbolicamente, através de sua forma
circular, “[...] o fato de você estar dentro de um círculo menor se preparando, aprendendo a
viver num círculo maior [...].”

28
Nominação que se dá, usualmente, no universo dos praticantes da Capoeira Angola.
29
“Vicente Ferreira Pastinha vivenciou uma filosofia desde a Capoeira Angola, foi criativo e inventivo desde
a dança da ginga, criou um estilo de jogo informado pela tradição africana, experimentou um ritmo de
vida ditado pelo Gunga. Assim, a Angola fez dele um ‘instrumento’ da tradição e ele fez da Capoeira
Angola uma atualização da cosmovisão africana em território brasileiro” (OLIVEIRA, 2007, p. 192).
30
Documento online não paginado.
36

É corroborando com as ideias e vivências dos Mestres na roda da Capoeira e na roda


da vida que desenvolveu-se esta investigação em Artes Visuais. Aqui, comunga-se como
sujeito angoleiro e como o sujeito artista-pesquisador. Imerso no movimento (produção das
imagens míticas) do pensamento circular da Capoeira Angola e regido pelo movimento do
pensamento não-linear do artista-pesquisador. Nesses movimentos do pensar, juntamente com
ações, se constituíram as experimentações artísticas. Estas ações (pensar e agir) têm como
objeto poético e de estudo, o corpo da Capoeira Angola em sua mandinga como um corpo
que se constitui, transforma e se transforma, em suas passagens pela roda da vida. Um corpo
que se move no mundo de forma circular. Um corpo que em seu movimento produz Arte: “[…]
tira de onde não tem e coloca onde não cabe” (MONTEIRO, [19--] apud GAIÃO, 2011)31.
Nas andanças do autor desta Tese, nas derivas pelas calçadas e ruas do bairro da Lapa,
no Rio de Janeiro (RJ), passou a observar as tampas de esgotos e escoamentos de águas
pluviais. Tampas de ferro, circulares ou quadradas, que o atraíram por possuírem desenhos
vazados, em baixo e alto relevo e pelos seus desgastes expressivos registrados em suas
superfícies. São tampas marcadas pelo tempo e pela passagem do homem (cultura) na cidade.
Essas tampas possuem um caráter simbólico. Elas constituem-se como símbolo de passagem;
elementos e pontos de conexão entre 2 mundos; um mundo externo e visível (mundo dos
homens); e um mundo interno não-visível (mundo subterrâneo). Elas sinalizam, separam e
unem a presença desses 2 mundos. Diante disso, envolvendo-se por essas informações, realizou
impressões sobre as tampas de esgotos e águas pluviais.
Através de procedimentos operativos, as impressões foram realizadas, de acordo com
os seguintes métodos:
• escolher, a partir de derivas, quais as tampas de que devem ser tiradas as impressões;
• realizar as impressões após às 23 horas;
• escolher tampas localizadas em cruzamentos de ruas;
• limpar as tampas para imprimir os tecidos;
• passar tinta preta com um rolo sobre as tampas;
• colocar os tecidos tensionados sobre as tampas; e
• pressionar os tecidos sobre as tampas.
Ao retirar o tecido de cima da tampa, se obtém a captura da imagem da tampa em
negativo. A tampa original é utilizada como um carimbo ao contrário: em que a matriz é fixa e

31
Documento online não paginado.
37

o suporte que recebe a impressão é móvel. Ou seja, ao invés de o carimbo ir em direção ao


suporte, o suporte vai em direção ao carimbo (FOTO 2).

Foto 2 – Impressões em tampas de esgotos e águas pluviais


(monotipias)

Fonte: O autor (2013).

Estas impressões foram realizadas como parte de um processo de criação artística, para
capturar as imagens das tampas. Os procedimentos operativos usados para gerar essas
imagens revelam uma dinâmica de pensamento circular. Este modelo de pensamento é
importante para esta Tese por expressar a relação da prática artística visual e a Capoeira
Angola, usando, para isso, ações criativas, pois, elas se pronunciaram, a partir de uma inversão
de lugares, na qual o suporte (sujeito) móvel, de forma reversa, lança-se na direção da matriz
(objeto) fixa. Neste momento, assinala-se, entre suporte e matriz, uma imagem da tampa em
negativo, um carimbo sobre o tecido. Esse encontro, entre ambos, ocasiona um movimento
em que o sujeito-suporte (o tecido) se volta para o objeto-matriz (a tampa). Nesse sentido, o
objeto-matriz, ao carimbar o sujeito-suporte, torna-se objeto-sujeito (uma imagem da tampa)
impresso no sujeito-suporte. Por sua vez, o sujeito-suporte (o tecido) se torna sujeito-objeto
por conter em si, através do carimbo, a imagem inversa da tampa. Diante disso, esta operação
caracteriza-se como uma indicação da presença, do exercício do pensamento circular no
38

processo de experimentação artística. Esse modelo de pensamento é movimentado por um


tipo de lógica reversa, sobre a qual mais adiante se refletirá.

1.5.1 Objeto32

A operação realizada com as tampas de esgotos e águas pluviais tornou-se fundamental


nesta Pesquisa pois, a partir dessas reflexões, foram identificados 2 elementos poéticos,
originários, no processo criativo de produção destas imagens.
Esses elementos foram divididos em 2 momentos:
1) a tampa (objeto cultural33 do espaço urbano na realidade34 da cidade) é re-
significada como objeto poético-metafórico que possui dupla função – de ser tampa e
passagem entre 2 mundos (o mundo externo e o mundo subterrâneo);
2) a imagem (objeto da produção artística) impressa dá significado poético à tampa,
capturando-a do mundo dos objetos cotidianos para instituí-la como imagem artística que
simboliza as passagens e trânsito das pessoas na cidade.
Diante das imagens impressas, uma delas destacou-se, principalmente, por possuir
forma de círculo como uma mandala35 (representação geométrica da dinâmica de relação entre
o homem e o cosmo). Essa imagem da tampa circular agrega significados. Dentre estes, a
metáfora de um objeto artístico visual que representa, simbolicamente, o lugar de passagem
entre 2 mundos (o mundo visível e o mundo invisível). Entre os seus espaços vazados
transitam e fluem as águas usadas no dia a dia da cidade e as águas da chuva. São essas águas
que correm pela superfície do mundo externo da cidade e escorrem para um mundo
subterrâneo.
Foi a partir desta observação, que constatou-se as possibilidades simbólicas das tampas
de águas pluviais, como objetos urbanos, que poderiam ser re-significados, poeticamente, no
contexto do sistema simbólico da Capoeira Angola abordado nesta Investigação.
Das imagens carimbadas, especificamente, ressaltou a imagem de uma tampa de
escoamento (FOTO 3) localizada em uma encruzilhada, no bairro da Lapa, no RJ.

32
“Objeto: algo contra o qual esbarramos” (FLUSSER, 2011c, p. 18, grifo do autor).
33
“Objeto cultural: objeto portador de informação impressa pelo homem” (FLUSSER, 2011c, p. 18, grifo
do autor).
34
“Realidade: tudo contra o que esbarramos no caminho à morte, portanto, aquilo que nos interessa”
(FLUSSER, 2011c, p. 19, grifo do autor).
35
“Mandala, no tantrismo, é um diagrama composto de círculos ou quadrados concêntricos, que representa a
imagem do mundo e serve de instrumento de meditação” (D’ASSUMPÇÃO, [20--?]).
39

Foto 3 – Águas pluviais - Impressão em monotipia

Fonte: O autor (2013).

Durante a observação e reflexão sobre a imagem desta tampa, despertaram algumas


perguntas inquietantes que se apresentaram assim: Por que ressaltou esse interesse tão pungente
sobre essa tampa? Como posso integrar o símbolo circular que a imagem dessa tampa invoca
ao sistema simbólico circular da Capoeira Angola? Qual o significado simbólico entre as
imagens das tampas com as imagens míticas da Capoeira Angola? Para refletir sobre tais
perguntas, se faz importante observar as relações simbólicas geradas entre inconsciente e
consciente. De acordo com Jaffé (c1964, p. 232): “Com sua propensão para criar símbolos o
homem transforma inconscientemente objetos ou formas em símbolos conferindo-lhes assim
enorme importância psicológica e lhes dá expressão [...]”36. Ou seja, o potencial dos cosmos,
como símbolo, se faz presente na maior parte das ações e expressões na formação da cultura
humana.
Um círculo ou esfera, de acordo com Jaffé (c1964, p. 240), “[...] expressa a totalidade
da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza
[...]”. Na cosmovisão africana, a relação entre o homem e a natureza é representada através de
um símbolo composto por um desenho de um círculo e uma cruz: O Cosmograma Bakongo
(FIGURA 2).

36
“A história do simbolismo mostra que tudo pode assumir uma significação simbólica: objetos naturais
(pedras, plantas, animais, homens, vales e montanhas, lua e sol, vento, água e fogo) ou fabricados pelo
homem (casas, barcos ou carros) ou mesmo formas abstratas (os números, o triângulo, o quadrado, o
círculo). De fato, o cosmos é um símbolo em potencial” (JAFFÉ, c1964, p. 232).
40

Figura 2 – Cosmograma Bakongo

Fonte: MENOS…, ([201-])37.

O povo Bakongo da civilização Kongo38 assenta como base do seu sistema cultural e
religioso a concepção de um universo dual no qual coexistem 2 mundos, o mundo dos vivos e
o mundo dos mortos: um mundo visível e um mundo invisível. Esta ideia de 2 mundos que
coexistem está referenciada, também, com a relação de tempo e dualidade de oposição entre a
noite e o dia, meio dia e meia noite, nascente e poente do sol, pois na cosmovisão Bantu
compreende-se o mundo dividido em duas partes concebido em uma relação simétrica na qual
os mortos vivem em um mundo oposto ao dos vivos. “Os Bakongos acreditam e sustentam
como verdade que a vida do homem não tem fim, que ela se constitui num círculo. O sol, ao

37
Documento online não paginado.
38
“Pronunciar Kongo com um K ao invés de um C, africanistas distinguem a civilização Kongo e o povo de
Bakongo da entidade colonial chamada de Kongo Belga (hoje Zaire) e da atual República Popular do
Kongo - Brazzaville, ambos incluindo numerosos povos não-Kongo. A tradicional civilização Kongo
encerra hoje o Baixo - Zaire e territórios vizinhos da atual Cabinda, Kongo-Brazzaville, Gabão e do norte
de Angola. O povo Punu do Gabão, os Teke de Kongo-Brazzaville, os Suku e os Yaka do rio Kwango, na
área leste do Kongo no Zaire, e alguns dos grupos étnicos do norte de Angola, dividem conceitos culturais
e religiosos com os Bakongos e também sofreram, com eles, as penosas provações do tráfico de escravos
pelo Atlântico” (THOMPSON, 1984, p. 103, tradução nossa).
41

nascer e ao se pôr, é um símbolo deste círculo, e a morte é meramente uma transição no


processo de troca”39 (THOMPSON, 1984, p. 108, tradução nossa).
Além da circularidade ser um dos elementos que denotam, neste símbolo, o movimento
de transição entre os 2 mundos, tem-se também em sua configuração o símbolo da cruz que,
segundo Thompson (1984, p. 108, tradução nossa, grifo do autor): “[...] significa a visão
igualmente forçosa da ação circular das almas humanas sobre a circunferência de suas
linhas de intersecção. A cruz Kongo refere-se, por esta razão, à continuidade eterna de
todos os homens corretos e mulheres corretas.”40
Ou seja, as linhas que se cruzam simbolizam o movimento de passagem. Ainda diz
Thompson (1984, p. 109, tradução nossa) que: “Um forcado na estrada (ou mesmo um galho em
forquilha) pode insinuar este símbolo de crucial importância da passagem e comunicação
entre os mundos.”41 Neste sentido, Thompson (1984, p. 109, tradução nossa) conclui: “A
‘troca de caminho’, isto é, as encruzilhadas permanecem conceito indestrutível no mundo
Kongo-Atlântico, como ponto de intersecção entre os ancestrais e os vivos.”42
Na busca de conjugar o significado de passagem, contido no símbolo circular do
Cosmograma Bakongo com o significado metafórico de passagem, identificado na imagem
da tampa circular, realizou-se uma experimentação que também representa uma fusão entre
essas imagens. O resultado dessa fusão simboliza parte do processo, um trajeto na passagem,
por uma encruzilhada que conduz para a assimilação mútua entre os elementos simbólicos do
Cosmograma Bakongo com os elementos simbólicos que se denotaram na imagem da tampa,
através da metáfora de passagem entre 2 mundos. Esta fusão foi realizada a partir de um
desenho do Cosmograma Bakongo sobre a imagem da tampa (FOTO 4).

39
“Bakongo believe and hold it true that man’s life has no end, that it constitutes a cycle. The sun, in ets rising
and setting, is a sign of this cycle, and death is merely a transition in the process of change” (THOMPSON,
1984, p. 108).
40
“[...] signifies the equally compelling vision of the circular motion of human souls about the circumference of
its intersecting lines. The Kongo cross refers therefore to the everlasting continuity of all righteous men and
women” (THOMPSON, 1984, p. 108).
41
“A forkin the road (or even a forked branch) can alude to this crucially importante symbol of passage and
communication between worlds” (THOMPSON, 1984, p. 109).
42
“The “turn in the path,” i.e., the crossroads, remains na indelible concept in the Kongo-Atlantic world, as the
point of intersection between the ancestors and the living” (THOMPSON, 1984, p. 109).
42

Foto 4 – Imagem da tampa com desenho do Cosmograma Bakongo

Fonte: O autor (2013).

1.6 Tampa de escoamento e o Cosmograma Bakongo: encruzilhada

A imagem desta tampa de águas pluviais, superposta com o desenho do Cosmograma


Bakongo, representa uma passagem do processo de criação. Passagem que foi gerada na
encruzilhada, através dos conflitos de ideias. Algumas dessas ideias, a partir de suas
convergências e divergências, materializaram uma solução, uma passagem na encruzilhada.
Essa passagem não indica que os procedimentos de experimentação artística, com essas
imagens, resolveram o problema de integração entre elas. Essa passagem indica, sim, que foi
dado um passo à frente no percurso desta Pesquisa, e este fato significa que não se está mais
no mesmo lugar. Caminha-se, inevitavelmente, em direção a outra encruzilhada. Só assim,
nesse trânsito entre as encruzilhadas do pensar e fazer, é possível re-significar os mitos e ritos
da Capoeira Angola e, possivelmente, à integração destes com o Cosmograma Bakongo.
Após esta passagem, foi realizada outra experimentação artística, uma performance,
buscando conjugar uma fusão simbólica, um ritual de passagem entre os 2 mundos (mundo
visível e mundo invisível), por ter identificado a tampa de escoamento (após desenho) e o
Cosmograma Bakongo como símbolos de passagem. Apropriando-se dessas imagens, como
43

elementos poéticos, para assim empreender tal ação performática. A mesma configurou-se
na realização do desenho do Cosmograma Bakongo na tampa de escoamento localizada na
encruzilhada, entre à Avenida Mem de Sá com a rua do Rezende. Sobre esta tampa, foi
realizado um jogo de Capoeira Angola. Com essa ação, o autor desta Pesquisa propôs trazer
para o espaço e tempo do cotidiano, na contemporaneidade, a reflexão e discussão sobre o
corpo da Capoeira Angola como um sujeito e objeto de conexão entre o ritual e a
performance, e também a sua re-significação como Arte Contemporânea. Nesse contexto, a
Capoeira Angola “[...] é assumida como um território produtor de conhecimento que
congrega os sentidos explorados na contemporaneidade. É um antigo jogo de corpo que já
adianta os desdobramentos do pensamento contemporâneo” (ARAÚJO, 2015, p. 254).
Além da circularidade ser um dos significados simbólicos mais importantes entre a
imagem do Cosmograma Bakongo e a imagem da tampa impressa, existe outro elemento
que é essencial nessa relação de conexão. Nesse sentido, refere-se à água como símbolo
de conexão entre 2 mundos: no caso da tampa de escoamento, a água faz a passagem por
ela, fluindo da superfície e escorrendo para o subsolo; no caso do Cosmograma Bakongo, a
água é o elemento simbólico que está entre os 2 mundos (Kalûnga): o mundo visível dos
vivos e o mundo invisível dos mortos. Portanto, as duas imagens, também, são símbolos
que conjugam o significado comum, de ser passagem entre 2 mundos, como diz
Bachelard (1988, p. 178): “[...] a água oferece mil testemunhos”. Neste sentido, através de
uma certa fenomenologia da oralidade, a água tornou-se testemunha e conexão entre 2
mundos. Sendo assim, aproximou-se esses 2 símbolos circulares através de suas relações
intrínsecas com o elemento água. A partir desta aproximação simbólica, integrous-se o
jogo da Capoeira Angola, no contexto de um ritual-performance, como o corpo em
movimento no espaço circular da tampa-cosmograma (desenho do cosmograma sobre a
tampa). Esse jogo teve como objetivo apresentar a dinâmica da mandinga, com o
significado de magia, do corpo da Capoeira Angola na encruzilhada de conexão entre os
2 mundos: entre o céu e a terra; entre o mundo visível e o mundo invisível.
Com o objetivo de constituir a integração simbólica entre estes movimentos,
realizou-se, em forma de ritual, a ação-performance Encruzilhada: A passagem. Devido o
autor desta Pesquisa situar-se nesse lugar de fala, artista-capoeirista, imerso neste contexto,
o mesmo aproximou os significados simbólicos e poéticos dessas imagens integrando-as ao
sistema simbólico da Capoeira Angola. Neste caso, a integração entre ambos se realizou,
pelo fato de a Capoeira Angola se constituir como uma expressão cultural de matriz
44

africana no BRA movida pelo conceito filosófico de ancestralidade. Nesta prática, os


símbolos do círculo e da cruz se fazem, constantemente, presentes em sua dinâmica.
A forma circular e o movimento, o ritmo43, se fazem presentes em todas derivações
culturais originadas pela presença do povo Bantu e de outras culturas de matrizes africanas
no BRA. Para os Bakongos, “[...] viver é um processo emocional, de movimento. Viver é
movimentar, e movimentar é aprender. Você avança, você se movimenta para trás, você se
movimenta para a esquerda e você se movimenta para a direita, e essas são as quatro
direções [...]” (PALESTRA…, 2011).
Essas 4 direções do movimento são inerentes à prática da Capoeira Angola, como os 4
movimentos cíclicos e circulares contidos no Cosmograma Bakongo. Assim, propõe-se com
este Trabalho artístico integrar estes movimentos entre ambos a partir dos seus preceitos
ritualísticos. “Qualquer cerimônia de caráter sacro ou simbólico que segue preceitos
estabelecidos” (RITO, 2010, p. 1849).
Neste caso, se trata do caráter simbólico, pois os procedimentos criativos para a
realização desta performance se constituíram como ritos, ou seja, um conjunto de ações que
materializaram a performance na forma de ritual. Como um “Rito: comportamento próprio
da forma existencial mágica” (FLUSSER, 2011c, p. 19) com este objetivo, situado entre ritual
e performance. Respeitou-se o espaço circular da tampa de escoamento sob o preceito de
lugar de conexão entre 2 mundos. No momento em que ocorreu a performance, o espaço
circular da tampa simbolizou o espaço do Cosmograma Bakongo44 como lugar de ritual
de passagem entre 2 mundos. Ao mesmo tempo, essa ação significou, no cerne desta
investigação, a passagem de uma encruzilhada para outra. Vale esclarecer que essa
característica de ritual simbólico na dinâmica da luta da Capoeira Angola é recorrente e se
faz presente através dos preceitos (ritos) que compõem o jogo e a roda da Capoeira Angola.
Neste sentido, pede-se licença aos ancestrais e mestres do autor desta Pesquisa para
apresentar, aqui, através das palavras ordenadas linearmente, uma imagem do ritual na roda

43
Ritmo: “Todo o trabalho, tudo é som, são ritmos. Cada passo que damos é ritmo. Todas as palavras que
dizemos são ritmos. Todos estamos neste ritmo neste momento tudo é ritmo. Nós não vamos calar a voz
de nossa cultura. Vamos mantê-la viva. Estou seguro que vai continuar viva. Não há movimento sem
vida: Depoimento de um membro da cultura Malinké na região do Mali próxima da Niger”
(RHYTHM…, 2012, tradução nossa).
44
Cosmograma Bakongo: “O espaço ritual mais simples é uma cruz grega [+] marcada no chão, como se
para um juramento. Uma linha representa a fronteira; a outra vale tanto para a trilha central que cruza a
fronteira quanto para o cemitério; e a linha vertical do poder da união ligando ‘o acima’ com ‘o abaixo’.
Esta relação, por sua vez, é polivalente, visto que se refere a Deus e o homem, a Deus e a morte, e à vida
e a morte. A pessoa faz o juramento de pé em cima da cruz, o que a situa entre a vida e a morte, e invoca
o julgamento de Deus e da morte a si mesmo” (THOMPSON, 1984, p. 108, tradução nossa).
45

de Capoeira Angola. Ou melhor, imagens que podem tornar evidente para o leitor a
ordenação ritualística dessa arte, luta e dança.

1.7 Ritual na roda de Capoeira Angola: um jogo na encruzilhada

Do corpo como sua extensão, emerge um arco musical que, em sintonia singular,
reverbera um som gentil. Som que se expande e se assimila, sequencialmente, em trilogia, na
seguinte ordem: primeiro, o berimbau Gunga; logo após, entra o berimbau Médio; e, em
seguida, o berimbau Viola45. A partir desse momento, atabaque, pandeiros, agogô e reco-reco
vão se integrando no ritmo46, que culmina com a composição de uma orquestra47 regida pelos
3 berimbaus. Com todos os instrumentos embalados ao ritmo do toque de Angola, o berimbau
Gunga chama48 2 capoeiristas para dar início à roda, eles se postam em frente aos 3 berimbaus
(nos pés dos berimbaus). Nesse momento, ecoa um som visceral, um iêêêêê!!! que se
assemelha a um mantra, a um uivo animal, emitido pelo mestre no Gunga. Quando finda o iê,
começa o canto da ladainha, o qual é reverenciado com respeito e muita atenção, pois este
canto é também uma louvação da relação do homem com a natureza, em que se relatam histórias
sobre a vida e a morte dos mestres de Capoeira, seu cotidiano, seus antepassados e ancestrais.
Após o canto da ladainha, de forma sequencial, tem início a chula, como canto subsequente, em
que o mestre canta uma frase e esta é repetida em coro, como no exemplo:

Quadro 1 – Canto / Chula


MESTRE – Iê viva meu Deus!
CORO – Iê viva meu Deus, camará!
[…]
MESTRE – Iê volta do mundo!
CORO – Iê volta do mundo, camará!
Fonte: LOUVAÇÃO (2016, p. 20)49.

45
“Gunga, Médio e Viola são os nomes dos três berimbaus que compõem a orquestra da Capoeira Angola. O
Gunga tem o som mais grave e comanda a roda. O Médio inverte o toque de Angola e marca o ritmo. O Viola,
por sua vez, faz as dobras e dá vitalidade e colorido ao toque” (OLIVEIRA, 2007, p. 182).
46
Ritmo: nas culturas de matrizes africanas, o ritmo é movimento e o movimento é vida.
47
Orquestra, ou ritmo: expressão usada na Capoeira Angola, como forma de referir-se à arrumação dos
instrumentos na composição da roda.
48
O Gunga chama: toque do berimbau mestre, que avisa aos capoeiristas o término do jogo, ou para se
referir à alguma situação do jogo, chamando-os aos pés dos berimbaus.
49
Canto corrido de Capoeira Angola de domínio público.
46

Os 2 protagonistas, neste momento, erguem suas mãos e fazem gestos; com os braços
abertos, eles louvam a roda (como o mundo, espelho do universo onde tudo acontece), a Terra,
os orixás e ao jogo. Encerra-se o canto da chula e entra o corrido, o terceiro canto, anunciando
para os jogadores o início do jogo dentro da roda. Antes deles se saudarem com apertos de mãos
fazem desenhos de símbolos (normalmente, fazem o símbolo da cruz), para invocar a proteção
dos ancestrais. Os 2 jogadores apertam as mãos, cordialmente, e, com o consentimento do
Mestre, dão início ao jogo de Capoeira Angola. Durante o jogo que se iniciou e todos os outros
que ocorrem no desenvolvimento da roda, os movimentos serão acompanhados pelo canto
corrido.
O canto corrido difere do canto da chula, na construção da primeira frase cantada pelo
mestre e depois repetida pelo coro na seguinte estrutura:

Quadro 2 – Por cima do mar

MESTRE – Ou por cima do mar, eu vim / Ou por cima do mar, eu vou voltar!
Ou por cima do mar, eu vim / Ou por cima do mar, eu chego láá!
CORO - Ou por cima do mar, eu vim / Ou por cima do mar, eu vou voltar!
MESTRE – Ou por cima do mar, eu vim / Ou por cima do mar, eu vou voltar!
Ou por cima do mar, vou pra Angoláá!
CORO - Ou por cima do mar, eu vim / Ou por cima do mar, eu vou voltar!
MESTRE – Ou por cima do mar, eu vim / Ou por cima do mar, eu chego láá!

Fonte: CAPOEIRA…, [20--?]b50.

Cada jogo tem seu tempo, que é definido pelo berimbau Gunga, é ele que dá o sinal
para o término de um jogo e início de outro. Nesse momento, também pode ocorrer a troca de
instrumentos, em que uma pessoa da roda reveza com quem está tocando.
O canto de um corrido pode durar o tempo de um jogo; neste caso, o jogo acaba
quando o berimbau chama, e aí se dá início a outro jogo e a outro corrido.
Com ginga, mandinga, meia-lua, aú, negativa, tesoura, cabeçada, corta-capim, rabo-
de-arraia, bananeira, rolê, chamada, desenvolve-se o corpo, nos movimentos do jogo de luta
da Capoeira Angola. É nesse jogo dos movimentos na roda que o corpo faz que vai e não vai,
entra miudinho e sai grande, desloca-se por vários pontos com movimentos de equilíbrio e
desequilíbrio, com elegância e malemolência, simulações e dissimulações; nesse jogo de luta,

50
Documento online não paginado. Canto corrido de Capoeira Angola de domínio público.
47

a dúvida se faz presente, a calma é conselheira e a atenção se faz guia. O berimbau chama
mais uma vez, acaba o jogo, os capoeiristas se cumprimentam e saem pelos lados direito e
esquerdo da roda, nas laterais do banco, onde estão posicionados os 8 tocadores da orquestra.
Entram mais 2 capoeiristas e dá-se início a outro jogo. Na roda, todos os participantes
realizam seus jogos, sucessivamente, até o momento que o Mestre encerra a roda com um grito
de ié.
Assim, ocorrem os ritos que constituem a roda de Capoeira Angola. O jogo de luta,
desenvolvido nessa roda, se instaura através de uma permuta contínua entre, tocar, cantar e
dançar. Essas 3 ações, em suas interações simultâneas, configuram a totalidade do ritual da
roda de Capoeira Angola, neste, pode-se apreciar como público e participar como iniciado, de
um momento de inscrição do corpo em movimento no tempo e no espaço.
O corpo embalado pelos toques e cantos constrói frases na encruzilhada da ginga, entre
o EU e o OUTRO, em um diálogo de pergunta e resposta em contínuos movimentos de
corpus. Onda vai, onda vem...

1.8 Atlântico do lado de lá e do lado de cá: um jogo de corpo na encruzilhada

O jogo de Capoeira Angola é como as ondas do mar, em forma de vai-e-vem, ele


acontece em movimentos contínuos e circulares. Este jogo de corpo pertence a um corpo que
foi gerado na encruzilhada. Este corpo se transformou e se adaptou em um ambiente hostil,
nasceu dos conflitos convergentes e divergentes de um sistema escravocrata e excludente dos
colonizadores (invasores).
Um corpo-luta de resistência, que não se deixou dominar pela visão de mundo dos
europeus e com resiliência51 assumiu suas raízes e a identidade, de um Sistema de pensamento
circular de origem ancestral Africana-Bantu no BRA.
Neste Sistema dinâmico de pensamento, o jogo de Capoeira Angola é como as ondas
do mar, em forma de vai-e-vem, ele acontece em movimentos contínuos e circulares.

51
“No entanto, a colonizaçãqo da África, a transmigração de escravos para as Américas, o sitema escravocrata e a
divisão do continente africano em guetos europeus não conseguiram apagar no corpo / corpus africano e de
origem Africana os signos culturais, textuais e toda a complexa constituição simbólica, fundadores de sua
alteridade, de suas culturas, de sua diversidade étnica, linguística, de suas civilizações e história” (MARTINS,
1997, p. 25).
48

Quadro 3 – Na beira do mar


Foi na beira do mar
Foi na beira do mar
Aprendi a jogar
Capoeira de Angola
Na beira do mar.
Fonte: FOI…, [20--?]52.

Estes movimentos desse corpo, entre encruzilhadas, materializaram o jogo de corpo


da Capoeira Angola. Um jogo que está imerso em uma cosmovisão do pensamento da
filosofia Bantu.
Neste jogo, a Capoeira Angola ocupa um lugar de fala, encruzilhada, no qual ela se
movimenta com um conjunto de preceitos como ritual-performance, partindo do
envolvimento com tais elementos simbólicos. Neste sentido, surge uma questão
imprescindível: - Como a presença destes elementos se instituiu nesse corpo? Suponhe-se que
a presença destes elementos se institui no movimento circular da ancestralidade, resultante das
dinâmicas culturais de matriz Africana-Bantu no BRA.
Na cosmovisão Bantu, o ser existe (no mundo) a partir de um processo de
transformações contínuas, entre matéria e energia, que consiste no movimento circular de
nascer, viver, morrer e renascer.
Nesta filosofia, o conhecimento sobre o mundo é transmitido de forma oral-corporal,
tendo, como princípio, o culto à ancestralidade. Um princípio filosófico que se apresenta na
dinâmica da Capoeira Angola, através do corpo envolvido na transmissão do conhecimento
oral.
Como prática cultural de matriz africana no BRA, ela está imersa em uma cosmologia
do pensamento da filosofia Bantu “[...] uma filosofia de energia, focada mais no movimento
que na racionalidade, os Bantu dão ênfase ao movimento do ser, não ao ser metafísico”
(OLIVEIRA, 2007, p. 234). A visão de mundo dos Bantu se fundamenta na dinâmica da
natureza, “[...] na existência da força vital (nguzo)53” (OLIVEIRA, 2007, p. 234). Uma
cosmovisão que o ser é movimento, que se move no ritmo da natureza – nela, o movimento é
vida.

52
Documento online não paginado. Canto corrido de domínio público; cantado, frequentemente, nas rodas de
Capoeira Angola.
53
Nguzo significa força na língua Bantu.
49

Como já foi visto, em uma breve descrição deste símbolo, anteriormente, nesta
cosmovisão, o sistema dinâmico filosófico se apresenta como o símbolo do Cosmograma
Bakongo.
Neste sistema simbólico, o mundo é um círculo que gira sobre o eixo fixo de uma
cruz, de lados iguais, que é dividido em 4 partes por duas linhas: uma horizontal; e uma
vertical.
A linha horizontal simboliza a Kalûnga54, que significa Deus, o grande mar cósmico,
que sustenta o mundo separando-o e unindo-o em duas partes opostas que se completam: o
mundo visível e o mundo invisível (mundo físico e mundo espiritual; mundo dos vivos e
mundo dos mortos e ancestrais).
A linha vertical simboliza o corpo humano (homem e mulher) que, ao cruzar a fronteira
da Kalûnga, adquire conhecimento em suas passagens entre os 2 mundos e torna-se consciente
da unidade entre os mundos físico e espiritual.
Nas extremidades da cruz estão posicionados 4 círculos menores que simbolizam o sol
em seus movimentos cíclicos entre o dia e a noite (2 mundos).
Esta representação do sistema simbólico da cultura Bantu no Cosmograma Bakongo
reproduz, de forma mágica e simbólica, o movimento de rotação da terra, que gira sobre o seu
eixo em sentido anti-horário. Só se observa este movimento se posicionando fora do globo
terrestre. Neste lugar, pode-se ver o movimento do sol em sentido oposto ao dos ponteiros do
relógio. Esta informação indica que a terra gira em sentido anti-horário do Oeste em direção
para o Leste ocidental.
Diante disso, apresenta-se a imagem deste símbolo através de uma reprodução gráfica
mais atual.
Desse modo, se pode entender e perceber com mais apuração de detalhes, a filosofia
ancestral que se assenta na imagem desse sistema simbólico, através da cosmo-percepção que
rege a cultura Bantu (FIGURA 3):

54
“A KALÛNGA pode significar o mar, o deus, a perfeição, energia viva mais elevada. Significa estar
inteiro, por complete” (REDE…, 2016).
50

Figura 3 – Tempo Cósmico Bakongo (Tadu Kiayalangana)

Fonte: REDE…, (2016)55.

“Para os Bakongos a vida é como o leste, ocidental, movimento anti-horário


que o sol faz em círculos. O mundo da vida e dos mortos na oposição de um
espelho dentro de um universo repetitivo, assemelhando-se ao trajeto do sol”
(REDE…, 2016)56.
Os movimentos do sol no sistema simbólico do Cosmograma Bakongo
representam, e revelam também, uma ordem circular do tempo em movimento reverso,
de sentido anti-horário, que é contrário ao movimento do tempo horário da cosmovisão
ocidental.
Sobre estes movimentos do tempo, Flusser (2011c, p. 23) diz: “No tempo linear, o
nascer do sol é a causa do canto do galo; no circular, o canto do galo dá significado ao
nascer do sol, e este dá significado ao canto do galo.”
No tempo circular da cosmo-percepção, Bantu o nascer do sol significa o
nascimento do ser humano, ou seja, o nascimento do ser humano é regido pelo sol. Os 4

55
Documento online não paginado.
56
Documento online não paginado.
51

movimentos do sol57 (nos pontos cardinais) refletem, e significam, as passagens do ser


humano no mundo, em ciclos de transformações regidos por um tempo circular mágico-
revesso. Na visão de mundo Bantu representada, simbolicamente, no Cosmograma
Bakongo, o ser humano é o centro do eixo da cruz, de uma encruzilhada que ele move e se
move regido pelos movimentos do sol. Na encruzilhada do sistema simbólico da filosofia
Bantu, em que o ser humano move-se em 4 direções, os movimentos do sol significam este,
e este significa os 4 movimentos do sol.
Esta encruzilhada em movimentos em um campo circular representa,
simbolicamente também, o reflexo do micro no macro, no qual o ser humano está situado
como o micro e o sol é situado como o macro. Esta leitura do sistema simbólico se trata
para os Bakongo, acredita-se, em uma experiência de mundo vivenciada pelas culturas Bantu
regida por uma relação de tempo circular, um tempo de magia. Sobre esta relação temporal,
significativa, informa Flusser (2011c, p. 23): “[...] no tempo da magia, um elemento explica
o outro, e este explica o primeiro. O significado das imagens é o contexto mágico das
relações reversíveis.”

1.9 Capoeira Angola e Cosmograma Bakongo: encruzilhada de imagens reversíveis

“[...] É preciso pensar e movimentar-se. Pensar o movimento, mas, muito mais,


pensar em movimento. Isto é Capoeira Angola: pensar em movimento” (OLIVEIRA, 2007,
p. 180). É no movimento de pensar e vivenciar a Capoeira Angola que passou-se a
identificar as imagens míticas e sua produção no cruzamento entre ritual e performance, de
modo que, só assim, pode-se integrá-las com as imagens simbólicas do Cosmograma
Bakongo. É neste contexto, imerso em sua filosofia de ancestralidade, que se constituíram
os trabalhos artísticos em poética visual, sobre os desdobramentos estéticos do corpo na
Capoeira Angola.
“A cultura Kongo Angola é uma das forças mais dinâmicas da cultura do mundo.
Segundo a cosmovisão Bakongo, o movimento da vida humana é como do sol, após ser

57
Os 4 movimentos do Sol significam a passagem do processo vital do ser humano por 4 estágios subsequentes e
circulares: no primeiro estágio, MUSSONI - o ser humano toma forma, é gerado, formado como uma semente,
estágio simbolizado pela noite quando o sol está posicionado do outro lado da terra; no segundo estágio,
KALA - o ser humano nasce, estágio simbolizado pelo sol posicionado no nascente; no terceiro estágio,
TUKULA - o ser humano está na fase adulta, estágio simbolizado pelo sol posicionado no meio-dia; no quarto
estágio, LUVEMBA - o ser humano situa-se na fase madura e representa a passagem para a morte e
transformação, estágio simbolizado pelo sol no poente.
52

carregada deste mundo, a alma passa para uma outra existência” (REDE…, 2016)58. Na
cosmo-percepção, Bantu-Bakongo, o ser humano é matéria e energia em transformações
contínuas nas voltas que o mundo dá59, e ele existe pelo movimento, um movimento que
possibilita as trocas de saberes e mudanças das coisas (ideias) de lugar. Nesta cultura, como
em outras culturas de matrizes africanas, o ritmo é movimento e o movimento é vida. Na
dinâmica da Capoeira Angola, os movimentos são regidos pelo ritmo. Esta conjunção, entre
movimento e ritmo, constitui o seu corpo poético-visual- sonoro. Um corpo de luta que se
desdobra em um jogo de movimentos e expressão artística, através do dançar, cantar e
batucar (tocar). No jogo desse corpo, o ritmo é a pulsação da vida, e o movimento é ritmo.
No ritmo do jogo Arte-luta da Capoeira Angola é imprescindível para o angoleiro
saber gingar, pois, a ginga é sua alma e corpo. A ginga60 nasce pela necessidade do ser
capoeirista produzir movimentos em situações entre o equilíbrio e o desequilíbrio, sem
perder o ritmo dos seus passos. O autor desta Pesquisa situa-se, nesse momento, como o
sujeito capoeirista que desenvolve seu jogo no ritmo da ginga. Apoiado com os 2 pés
paralelos e distantes um do outro. Envolvido pelo som da musicalidade da Capoeira
Angola, começa a balançar o corpo, com as pernas arqueadas dando o primeiro passo para
trás lançando um dos seus pés (esquerdo ou direito) na direção das costas, o seu pé apoia o
corpo em posição de equilíbrio, logo após, retorna com um passo à frente (neste
movimento, o corpo do autor deste Trabalho encontra-se em desequilíbrio e busca
equilíbrio) pondo o pé no ponto de deslocamento paralelo ao outro pé. Em seguida, dá
outro passo atrás que repete os mesmos movimentos realizados pelo seu lado oposto.
Sobre a repetição constante desses passos apoiando-se em um terceiro ponto em que
se revezam, mutuamente, em movimentos de convergências e divergências. O corpo da
ginga, em movimentos, produz desenhos simbólicos no espaço plano do solo. Os pés
interagem como dois pontos que se integram e geram um terceiro ponto na ginga – a partir
desse momento, tudo se transforma em dinâmica na Capoeira Angola. Com o objetivo de
identificar as imagens produzidas pelo corpo em seus movimentos realizou-se alguns

58
Documento online não paginado.
59
Termo usado na prática da Capoeira Angola: este termo refere-se ao vai-e-vem circular da roda e do jogo
de Capoeira Angola.
60
“A palavra Ginga, em Capoeira, significa uma perfeita coordenação de movimentos do corpo que o capoeirista
executa com o objetivo de distrair à atenção do adversário para torná-lo vulnerável à aplicação de seus golpes.
Os movimentos da ginga são suaves e de grande flexibilidade – confundem, facilmente a quem não esteja
familiarizado com a Capoeira, tornando-se presa fácil de um agressor que conheça esta modalidade de luta. Na
ginga se encontra à extraordinária malícia, além de ser sua característica fundamental. A ginga da Capoeira
tem, ainda, o grande mérito de desenvolver o equilíbrio do corpo, emprestando-lhe suavidade e graça próprias
de um bailarino” (PASTINHA, 1988, p. 40).
53

desenhos que apresentam e denotam as trajetórias dos passos da ginga na aparição do


terceiro ponto e sua dinâmica na forma de encruzilhada (FIGURA 4). A partir desses
desenhos esquemáticos, sobre as ações em que desenvolve a ginga, se pode ter um breve
entendimento sobre o sistema dinâmico da mandinga61 da Capoeira Angola.

Figura 4 – Desenhos da trajetória dos passos da ginga na aparição do 3º ponto

Fonte: O autor (2018).

Assim, se complementam os movimentos de um ciclo, que constitui a forma essencial


da ginga do corpo na Capoeira Angola. Os movimentos triangulares na ginga são gerados a
partir da aparição do terceiro elemento e se comportam regidos pelo som. Nas culturas de
matriz africana, neste caso, que constituem a cultura afro-brasileira, a presença do som é
indissociável dos movimentos do corpo. Como diz Santos (2002, p. 49): “O som é o
resultado de uma estrutura dinâmica, em que à aparição do terceiro termo origina movimento.
Em todo o sistema, o número três está associado a movimento.” A Capoeira Angola é um
corpo-cultural formado na intersecção de uma encruzilhada, ela nasceu nesse lugar, entre

61
Mandinga: é enfocada, aqui, como a estética (aisthésis) no seu sentido de percepção totalizante, como a
dinâmica do corpo-Capoeira Angola em movimento, no qual, função e forma agem como um todo.
54

convergências e divergências. Em sua encruzilhada, se movimenta regida pelo som.


Interligada em uma conexão com o ritmo, em fluxos contínuos. Ela é corpo-ginga de luta que
se forma e informa, se constrói e desconstrói em compassos e descompassos, cadenciados no
espaço e tempo, entre 2 mundos. Um jogo de corpo em que os seus movimentos62 são
lançados no espaço vazio do céu, e recolhidos na superfície plana da terra.
Movimentos que desenham formas geométricas, abstratas e concretas, através da
unidade dinâmica do triângulo, imbricada, na ginga. É esta unidade dinâmica que gera o
movimento da ginga e integra todo o ritual da Capoeira Angola.
No sistema dinâmico da Capoeira Angola, o movimento é regido por essa estrutura
dinâmica triangular, a aparição do terceiro elemento (termo) é uma constante que se faz presente
em todos os movimentos do seu corpus. Essa unidade dinâmica estabelece e rege o seu ritmo.
Este ritmo é produzido através de uma formulação de som que ocorre no espaço-tempo entre
2 elementos: o corpo do capoeirista e o corpo da orquestra. Da interação entre os 2
elementos, nasce (é gerado) o terceiro elemento: a roda de Capoeira Angola. A roda, o jogo e a
orquestra, juntos, constituem uma unidade dinâmica triangular na qual o jogo de Capoeira
(primeiro elemento) interage com a orquestra (segundo elemento) e a integração dos 2 geram a
roda de Capoeira Angola. A integração entre esses elementos que geram a roda institui, nesse
momento, um ritmo de origem das culturas negras no BRA. “Como todo ritmo já é uma síntese
(de tempos), o ritmo negro é uma síntese de sínteses (sonoras), que atesta a integração do
elemento humano na temporalidade mítica” (SODRÉ, 1998, p. 21). Uma temporalidade mítica,
que se faz presente no ritual da roda de Capoeira Angola e se pronuncia através da unidade
dinâmica entre ela, o jogo e a orquestra (3 elementos). Neste ritual de luta, jogo e dança, a
música é a síntese que formula o som em um ritmo que dinamiza os jogadores e os componentes
da roda, através da orquestra. Neste contexto, além do fato dessa unidade dinâmica do triângulo
estruturar o ritual da roda de Capoeira Angola, ela também organiza e gera sua forma circular.
A partir dessas reflexões constatou-se que, quando a ginga se completa, ela evidencia
o desenho de um triângulo no qual o seu terceiro ponto é mutável de forma recorrente: um
vértice de um triângulo que se desloca lateralmente de um lado para o outro. Estes
movimentos do corpo da ginga, sobre os 3 pontos alternadamente, só se tornaram possíveis
através da aparição do terceiro ponto. A ginga nasce através da unidade dinâmica do
triângulo, a partir deste lugar, ela passa a existir movendo-se na forma de uma encruzilhada.
Neste lugar, a ginga é o corpo MANDINGA da Capoeira Angola que se apoia em 3 pontos

62
Movimentos: ao contrário das lutas ocidentais, no jogo de luta da Capoeira Angola, não se utiliza a palavra
golpe(s), usa-se em seu lugar a palavra movimento(s).
55

intermitentes e move- se em movimentos reversos. É no vai-e-vem desse corpo entre troca de


passagens do pé esquerdo com o pé direito que se dá a dinâmica triangular da ginga. Sobre a
repetição constante desses passos, apoiando-se em um terceiro ponto que se revezam,
mutuamente, em movimentos de convergências e divergências. O corpo da ginga conduzido
pelos pés move-se em 4 direções e, nessa dinâmica, apresenta, sob o solo, o desenho de uma
cruz, um símbolo da encruzilhada. Situando-se nessa encruzilhada o corpo ginga, canta,
dança, toca, mandinga e realiza todos os movimentos da Capoeira Angola, através de sua
mandinga (sensação e percepção dos sentidos).
Os movimentos dos passos da ginga, regidos, pelo terceiro ponto dinâmico constitui o
desenho simbólico da encruzilhada. Neste desenho, o corpo da Capoeira Angola é o seu centro
que se torna presente movendo-se em 4 direções de forma cíclica, em um vai-e-vem circular,
entre convergências e divergências no espaço-tempo. A dinâmica da ginga se apresenta como
um movimento circular do corpo em torno dele mesmo movendo-se entre os 4 cantos da
encruzilhada. Neste sentido, suponhe-se que o corpo da Capoeira Angola, através de sua
filosofia ancestral, se constituiu integrado ao sistema simbólico do Cosmograma Bakongo dos
Bantu. A ginga é o princípio que manifesta a Capoeira Angola como um jogo-de-corpo que a
partir do cruzamento dos seus passos, quando aparece o terceiro ponto, move-se em 4
direções na forma de uma encruzilhada.
Fato semelhante ocorre na cosmologia da filosofia ancestral dos Bakongos. Nesse
sistema simbólico, a linha vertical é a linha que cruza a fronteira entre os 2 mundos, simboliza
o ser humano na conexão do acima com o abaixo e é polivalente, pode se referir a Deus e ao
ser humano, a Deus e à morte, e à vida e à morte. Essa linha vertical indica também que o ser
humano quando cruza a linha da Kalûnga passa a se mover entre a vida e a morte (entre 2
mundos), ele transcende do plano imanente e passa a ser e viver os 4 ciclos do sol na
encruzilhada do Cosmograma Bakongo. Para o povo Bantu, viver consiste nesta dinâmica, viver
é um movimento cíclico em 4 direções. Na Capoeira Angola essa dinâmica cíclica, das 4
direções, é essencial; nela, as 4 direções dos movimentos cíclicos na encruzilhada são
inerentes ao corpo-da-ginga, assim como os 4 movimentos cíclicos e circulares contidos no
Cosmograma Bakongo são inerentes a sua encruzilhada. Para que essa relação de
aproximação entre o sistema simbólico do corpo-ginga da Capoeira Angola e o sistema
simbólico do Cosmograma Bakongo se torne mais evidente, apresenta-se uma imagem-
informação (desenho esquemático) que denota a similaridade e identifica, em ambos, os seus
movimentos cíclicos de tempo circular (FIGURA 5).
56

Figura 5 – Movimentos cíclicos do Cosmograma Bakongo e da ginga na


encruzilhada

Fonte: O autor (2018).

Para os Bakongos a vida dos seres humanos seguem como os ciclos do sol entre o
nascer, viver, morrer e renascer. Segundo REDE…, (2016)63, “Na RODA Bakongo estão os
quatro pontos cardinais, ligados pelas linhas de Kalûnga, que separam o mundo dos vivos do
mundo dos ancestrais. Dos cruzamentos das linhas, surgem as ‘esquinas de poder’ [...]”. É
neste cruzamento das linhas que o ser humano faz a conexão entre os 2 mundos, sobre esse
significado, conclui REDE…, (2016)64: “Dançar entre dois mundos é uma opinião do
Bakongo.” Dançar, cantar e batucar nessa cultura são ações do corpo na transmissão de sua
filosofia ancestral, são os movimentos de interação entre os 2 mundos.
Com relação a este conjunto de performances artísticas, diz REDE… (2016)65: “Dançar,
batucar e cantar é medicina espiritual, NKISI66, que fornecem o equilíbrio interno, que
permitem que os participantes e a comunidade possam aprender valores e padrões sociais. É o
músico que recebe e transmite a energia do mundo espiritual”. Vale ressaltar que na
constituição da cosmovisão Africana, o pensar e o agir moveram-se não só a partir da
oralidade, mas também destes 3 elementos artísticos indissociáveis: cantar-tocar-batucar.

63
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“OS NKISI SÃO AS DIVINDADES cultuadas pela nação Angolão Paquetan. Eles receberam de Zambi, o
deus supremo, a missão de criar o mundo e tudo o que nele está presente. Eles dão energia a elementos
como o fogo e a água, protegem as matas e outras riquezas que sustentam o universo” (ALVES, 2010, p.
131).
57

Práticas performativas (ou performances culturais) do corpo em movimento, que reproduzem


e re-significam suas mitologias e costumes. Ou seja, esses 3 elementos (performances
artísticas) estão, especificamente, ligados e fundamentam a transmissão de conhecimento na
cultura Bantu-Africana no BRA.

1.10 Cosmograma Bakongo e Capoeira Angola: encruzilhada dos pés para a cabeça e da
cabeça para os pés

“Aqui está o que a cosmologia Kongolês me ensinou: Eu sou um ir-e-voltar-estar em


torno do centro das forças vitais. Eu sou porque eu era e ré-era antes, e que eu vou ser e ré-ser
novamente”67 (FU-KIAU68, 1980, p. 2, tradução nossa). Assim como o ser humano no sistema
filosófico da cosmologia kongolês se move em torno das forças vitais em 4 direções
acompanhando os movimentos cíclicos do sol, o corpo-ginga no sistema dinâmico da Capoeira
Angola se move nas 4 direções em torno do centro das suas forças vitais. O ir-e-voltar faz
parte da dinâmica da Capoeira Angola, no jogo, na roda e no seu ritual. No lugar de uma
cultura de oralidade e filosofia ancestral imbricada na cosmologia kongolês, a dinâmica do
corpo-Capoeira Angola dança, canta e batuca em movimentos na encruzilhada entre os 2
mundos (entre o céu e a terra). O dançar, cantar e batucar é um conjunto de ações,
indissociáveis do corpo da Capoeira Angola e de outras manifestações de matrizes africanas
no BRA, são ações fundamentais para a transmissão e manutenção de saberes. Elas se
apresentam como propriedades derivadas69, oriundas do processo de deslocamento na
dinâmica dessas matrizes culturais. Aqui, essas propriedades derivadas, se apresentam no
corpo da ginga na dinâmica da Capoeira Angola, regida por um triângulo que se move nos 4
cantos da encruzilhada entre o céu e a terra (entre 2 mundos). Pois, de acordo com REDE…,
(2016): “Vários movimentos derivados Banto-Kongo são encontrados no samba e na Capoeira
Angola, servindo como guia para o bom movimento na sua viagem entre os dois mundos.” O
corpo do capoeirista, através da ginga, dança entre 2 mundos, ele faz a conexão entre o céu e a
terra com seus movimentos na encruzilhada.

67
“Here is what the kongolese-cosmology taught me: I am a going-and-coming-back-being around the center of
vital forces. I am because I was and re-was before, and that I will be and re-be again (FU-KIAU, 1980, p.2).
68
Filósofo do Kongo que estuda os simbolismos da cultura Bantu-Kongo.
69
Propriedades derivadas: são elementos plásticos, visuais e sonoros de lutas e danças tradicionais da
cultura Bantu-Angolana que, possivelmente, derivaram destas e se fazem presentes nas culturas de
matrizes africanas no BRA.
58

Sobre esta relação dos elementos cantar-tocar-batucar, como produtores e reprodutores


do conhecimento, através das performances culturais do corpo em movimento, na tradição
oral de matriz africana, Ligiéro (2011a, p. 22) desenvolveu o conceito de motrizes70 culturais
para estudar e definir o conjunto das dinâmicas que é regido por esses elementos. Em sua
pesquisa, Ligiéro (2011a) emprega o conceito de motrizes culturais para definir um conjunto
de dinâmicas culturais utilizado na diáspora africana para recuperar comportamentos
ancestrais africanos. Esse conjunto, Ligiéro (2011a, p. 3) denomina práticas performativas e
se refere à combinação de “[…] elementos como a dança, o canto, a música, o figurino, o
espaço, entre outros, agrupados em celebrações religiosas em distintas manifestações do
mundo Afro-Brasileiro.” Ligiéro (2011a) afirma que, essas dinâmicas são próprias das
práticas performativas (performances) culturais afro-brasileiras e desenvolve sua análise
focalizando 3 manifestações: Candomblé, Umbanda e Capoeira. Dentre os elementos que
constituem o conjunto dessas práticas performativas, Ligiéro (2011a) destaca o cantar-tocar-
batucar como elemento básico da performance cultural africana e determinantes das forças
motrizes.
Dançar, cantar e batucar: este conjunto de práticas performativas vivenciadas e
expressas na dinâmica do corpo da Capoeira Angola se constituem e se comportam como forças
motrizes que, nas diásporas africanas, restauraram comportamentos ancestrais como
movimentos dinâmicos desta cultura. Esse conjunto de ações manifestadas no jogo e na roda
de Capoeira Angola produzem imagens-informações que se apresentam, neste caso, nos
movimentos da ginga através de sua dinâmica triangular. Como já foi visto, o corpo do
capoeirista, nos passos da ginga, gera o símbolo de uma cruz (uma encruzilhada), ele se
movimenta pelas 4 pontas dela, em passagens pelo seu centro em ciclos constantes. No
Cosmograma Bakongo, símbolo da cruz representa nas suas 4 pontas o sol. Nesta cruz, o ser
humano acompanha os movimentos do sol e transita pelos 4 cantos da encruzilhada, em
passagens pelo centro dela, em cruzamentos entre o céu e a terra.
Neste contexto, pode-se identificar a produção de imagens míticas no universo da
Capoeira Angola, pois, o símbolo da cruz vem sendo usado pela humanidade desde os nossos
antepassados, antes da invenção da escrita (ocidental). Vale ressaltar que o uso do símbolo da

70
Conceito de Motriz: “O adjetivo motriz do latim motrice de motore, que faz mover; também substantivo,
classificado como força ou coisa que produz movimento. Portanto, quando procura-se definir motrizes
africanas, refere-se não somente a uma força que provoca ação como também a uma qualidade implícita
do que se move e de quem se move, neste caso, o autor desta Pesquisa está adjetivando-a. Portanto, em
alguns casos, ela é o próprio substantivo e, em outros, aquilo que caracteriza uma ação individual ou
coletiva e que a distingue das demais” (LIGIÉRO, 2011a, p. 5).
59

cruz pelo Cristianismo é posterior à pré-história humana. Ou seja, este símbolo é uma
imagem-informação ancestral que vem sendo transmitida por culturas ágrafas, neste caso, na
diáspora africana e Ameríndios no BRA. Não resta dúvida deste fato, pois, a representação
das culturas bantas no BRA, que descendem do antigo reino do Kongo (nos países do Kongo,
Zaire e Angola), “[...] tem demonstrado, historicamente, no Novo Mundo, uma enorme
capacidade de assimilar novos valores oriundos de tradições europeias, asiáticas ou ameríndias
sem, contudo, perder a essência de sua cultura” (LIGIÉRO; LIGIÉRO, 2000, p. 148). Em seus
escritos, Ligiéro; Ligiéro (2000) esclarece as relações de adaptações e assimilações do
símbolo do dikenga71 (Cosmograma Kongo; cruz de 4 lados iguais e círculos nas suas pontas),
através da interação entre os Bantu e Ameríndios, sobre as representações dessa cruz no
símbolo do ponto riscado na Umbanda72 e sua origem ancestral da cultura Bantu-Kongo.
Segundo Ligiéro; Ligiéro (2000, p. 160): “Na Umbanda, os pontos riscados dos pretos e
pretas-velhas são os que mais retiveram os elementos tradicionais da iconografia do dikenga.”
Como demonstração da assimilação dos elementos simbólicos da cruz e da encruzilhada entre
o dikenga e os pontos riscados apresenta-se 3 imagens (FIGURA 6) que Ligiéro (2000),
brilhantemente, torna evidente, através das relações de propriedades derivadas do dikenga
para os pontos riscados de Vovó Mombaça (preta-velha) e Benedito da Calunga (duas
entidades ancestrais que se manifestam no ritual da Umbanda):

Figura 6 – Dikenga, à esquerda; no meio, o ponto riscado de Vovó Mombaça; e à


direita, o ponto de Benedito de Calunga

Fonte: Ligiéro; Ligiéro (2000, p. 158; 160-161).

71
Dikenga: forma mais simples de representar o Cosmograma Bakongo.
72
Umbanda: o significado desta palavra foi encontrado através da palavra Ohmbanda que quer dizer Medicina
das folhas para o grupo étno-linguístico Nhaneca-humbi. (Dados coletados durante a Pesquisa de campo do
autor deste Trabalho, em ANG).
60

Comparando a cosmogonia do dikenga com o ponto riscado de Vovô Mombaça,


Ligiéro; Ligiéro (2000) indica que neste ponto riscado o desenho da dikenga emerge das
águas da Kalûnga e só aparecem visíveis 3 círculos. O quarto círculo: “[...] onde a posição
mais oculta do sol, Musoni, ainda não é visível, enquanto as outras extremidades (Kala,
Tukula e Luvemba) aparecem acima da superfície, desfazendo qualquer dúvida da origem
cultural desse ancestre” (LIGIÉRO; LIGIÉRO, 2000, p. 160). O ponto mais alto da cruz
Tukula orienta a transcendência e espiritualidade com a encruzilhada situada acima das águas
(cruzando a Kalûnga para o plano espiritual). No ponto riscado de Benedito da Calunga, a
cruz também se eleva à sua linha vertical, cruzando a Kalûnga na passagem para o plano
espiritual; no seu eixo, a flecha do caboclo (flecha) e o tridente de Exu fazem uma
encruzilhada, são potenciais de energia combinados. Os movimentos cíclicos do sol estão
representados pelas 4 estrelas nas extremidades envoltas pelo círculo. O próprio nome,
Benedito da Calunga, que este ponto riscado (assinatura) leva, já confere a sua relação
intrínseca de ancestralidade com o dikenga. A presença da encruzilhada do dikenga, nos
pontos riscados em suas relações de passagens de transcendência espiritual entre 2 mundos,
corroboram para o entendimento da filosofia ancestral Bantu-Angolense integrada e adaptada
no contexto das dinâmicas culturais com suas forças motrizes na constituição da cultura afro-
ameríndia no BRA. No caso dos pontos riscados e o dikenga, eles conjugam do mesmo
símbolo da encruzilhada como lugar de passagem entre 2 mundos. Na Umbanda, este sentido
da encruzilhada também representa e simboliza o lugar de encontro entre o imanente e o
transcendente, entre o espírito e matéria, lugar sagrado de passagem.
No intuito de denotar este lugar de passagem do corpo Arte da Capoeira Angola como
elemento de conexão entre os 2 mundos, simbolicamente, em um gesto sagrado, o autor desta
Pesquisa realizou o desenho do dikenga (Cosmograma Bakongo, neste Trabalho
Encruzilhada: a passagem), que também simbolizou o preceito de fazer o desenho da cruz,
pelos capoeiristas, no pé do berimbau antes de entrar na roda louvando aos seus ancestrais que
os conduza com proteção no jogo de cruzamentos e passagens entre os 2 mundos. No sistema
dinâmico da Capoeira Angola, esse desenho se apresenta, de forma subjetiva e objetiva, na
ginga do jogo-de-corpo que se move em encruzilhada no centro e nas 4 extremidades da roda.
Um corpo regido pelo cantar, dançar e batucar entre os jogadores, componentes e a orquestra.
Através de uma escrita de força motriz, o corpo na ginga desenha a cruz, que também é o
símbolo de encruzilhada.
A imagem da encruzilhada, possivelmente, se apresenta nos movimentos do corpo da
ginga como uma informação que indica a presença de propriedades derivadas da ancestralidade
61

da cultura Bantu-Angolense. Neste sentido, identificou-se a presença da encruzilhada como


uma imagem mítica que está imbricada no corpo da ginga da Arte da Capoeira Angola. Este
corpo desenha, no plano imanente, a projeção do plano transcendente, uma mandala, um
símbolo mítico que representa a conexão e passagem entre os 2 mundos. Sobre o conceito
simbólico de mandala, diz Deleuze; Guattari (1992, p. 118): “ [...] A mandala é uma
projeção sobre uma superfície, que faz corresponder os níveis divino, cósmico, político,
arquitetural, orgânico, como valores de uma mesma transcendência.” O sistema simbólico do
Cosmograma Bakongo denota-se como uma mandala-passagem e o corpo mandinga da
Capoeira Angola apresenta, registra e indica, com os seus desenhos de encruzilhadas, triângulos
e círculos, a passagem e encontro entre o plano imanente e o plano transcendente.
A experimentação artística que veiculou regida por uma relação imbricada entre
imagem e performance foi imprescindível nesta passagem, pois, no processo de edição
(vídeo) suas imagens-informações constituíram um vídeo-performance que foi apresentado
como a instalação de vídeo-arte - Encruzilhada: a passage -, no Fowler Museum at University
of California, Los Angeles (UCLA)73. Todas as reflexões que foram realizadas até esse
momento da Pesquisa têm como referência a produção de imagens-informações do trabalho
artístico já citado. Só através dos procedimentos e processos criativos, neste Trabalho, se
tornou possível a conjugação entre os sistemas simbólicos do Cosmograma Bakongo e da
Arte da Capoeira Angola. E assim, poder identificar à imagem mítica da encruzilhada na
ginga. Tais reflexões se desdobrarão, nos trabalhos de vídeo-performance, escultura e vídeo-
instalação que serão detalhadamente, enfocados e abordados nos capítulos que seguem.

1.11 A origem das imagens míticas da Capoeira Angola: uma encruzilhada

A partir da busca dessa conjugação entre ambos, pensa-se a Capoeira Angola como a
mandinga de um corpo em movimento munido pelas suas afecções e percepções74 (sensação e
percepção dos sentidos). O uso da palavra mandinga pronuncia-se, aqui, em seu étimo como
percepção totalizante. Os movimentos desse corpo-mandinga são resultantes da assimilação
de informações (imagens). Suponhe-se que são imagens geradas a partir da relação e

73
Fowler Museum at UCLA: exposição coletiva: Axé Bahia The Power of Art, em uma metrópole afro-
brasileira. Museu localizado no campus da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (USA).
74
“Mas é preciso levar em conta que nosso corpo não é um ponto matemático no espaço, que suas ações
virtuais se complicam e se impregnam de ações reais, ou, em outras palavras, que não há percepção sem
afecção. A afecção é portanto o que misturamos, do interior de nosso corpo, à imagem dos corpos
exteriores; é aquilo que devemos extrair inicialmente da percepção para reencontrar a pureza da imagem”
(BERGSON, 1999, p. 60).
62

observação dos seres humanos (nossos antepassados de uma pré-história) com e sobre a
natureza (o mundo). Estas informações (imagens) são referentes aos movimentos dos
elementos e seres vivos que constituem os mundos extra-terra e intra. Estas imagens foram (e
são) produzidas pelos movimentos do corpo-mandinga envolvido, em suas ações de conhecer
e reconhecer o mundo em que vive e habita. Estas imagens fazem parte do processo de
produção de conhecimento e reconhecimento humano sobre a terra e o espaço cósmico. São
imagens geradas, entre a lógica e a magia75, imagens que foram vivenciadas e ritualizadas
pelos nossos ancestrais como estratégias dinâmicas de manutenção das culturas, de uma
comunidade ou grupo social. Imagens sobreviventes.
Nas culturas de matriz Africana-Bantu, tais imagens são regidas (orientadas) por 2
princípios filosóficos que constituem a visão de mundo dos Bantu: o princípio de tempo
circular (espiralar) e o princípio de ancestralidade. Estes princípios foram transmitidos de
geração após geração, ordenados pelos movimentos do ritmo do corpo (cantar-tocar-dançar) e
da oralidade. A transmissão destes princípios é realizada através de narrativas míticas. A este
fenômeno gerador das narrativas míticas, Flusser (2011c) caracterizou como o pensamento
circular (pensamento mítico) e as imagens geradas por este tipo de pensamento, denominou
como imagens tradicionais76 (imagens miticas). Suponhe-se, a partir dessa ideia, que nas
culturas de oralidade, a comunicação se dá envolvida por um conjunto de ações, preceitos ou
ritos, que tornam presentes as imagens míticas. A transmissão do conhecimento sobre as
imagens míticas através de um conjunto de ações que se repetem, consiste em um ritual.
No lugar de capoeirista envolvido nos movimentos do corpo da Capoeira Angola, o
autor desta Pesquisa identificou, mediante sua vivência, que esse conjunto de ações, preceitos
ou ritos se fazem presentes no ritual dessa luta-dança. Haja vista que a Capoeira Angola “[...]
lida com o jogo da vida através da ancestralidade – é isso que confere à capoeira seu caráter
ritualístico, mitológico, ético, estético, pragmático, político e ideológico” (OLIVEIRA, 2007,
p. 183). Diante disto, atenta-se, especificamente, sobre a ancestralidade do corpo da Capoeira
Angola imerso em sua filosofia de corpo-mandinga. Corpo que se movimenta como ritual e

75
Sobre a lógica e a magia nas culturas dos indios Hopi: “Essa convivência da civilização com causalidade
mágico-fantástica revela o estado único de hibridização e transgressão em que as pessoas se encontram. Não
são homens primitivos, que dependem apenas de seus sentidos, e para quem não há atividade relacionada com
o futuro; mas tampouco são como os europeus, que confiam seu futuro à tecnologia e às leis mecânicas ou
orgânicas. As pessoas vivem entre o mundo da lógica e o da magia, e seu instrumento de orientação é o
símbolo. Entre o homem selvagem e o homem racional, está situado o homem das interconexões simbólicas.
Para entender esse nível de raciocínio simbólico, as danças das pessoas podem nos oferecer alguns exemplos”
(WARBURG, 2008, p. 27, tradução nossa).
76
Imagens tradicionais: “Historicamente, as imagens tradicionais precedem os textos, por milhares de anos
[…]” (FLUSSER, 2011c, p. 29).
63

performance a partir dos desdobramentos dos seus movimentos em um jogo que se


desenvolve entre o cantar, tocar e dançar. O cantar, o tocar e o dançar são elementos que
fazem parte de uma filosofia desse corpo em movimento.
“A Capoeira Angola é portadora de uma filosofia. A filosofia da Capoeira Angola
movimenta-se no corpo. O corpo é uma filosofia, ao mesmo tempo, atado à contingência
biológica que nos unifica e à diversidade cultural que nos fragmenta” (OLIVEIRA, 2007, p.
183).
É através dessa filosofia do corpo em movimento que se instituem suas imagens e
narrativas míticas ancestrais. Neste sentido, se torna imprescindível vivenciar e observar os
movimentos desse corpo, envolvido por ele, com sua filosofia de ancestralidade ligada à terra.
Sobre essa relação entre a ancestralidade e o corpo da Capoeira Angola, confirma Oliveira
(2007, p. 193, grifo do autor): “O corpo está profundamente ligado à terra e este vínculo
remete à cultura africana que lê essa relação de pertencimento a partir da ancestralidade.” Nas
artes visuais, estes conceitos são ainda mais evidentes, como será ilustrado, detalhadamente,
nos capítulos seguintes.
Abranger esse pertencimento de caráter ancestral foi e é fundamental na existência da
manutenção da prática da Capoeira Angola. O processo de vivência e aprendizado, nesta
dinâmica, requer, para o iniciado, o exercício constante de diversos preceitos que são
transmitidos, de forma oral e corporal, pelo mestre aos seus alunos. O conhecimento desses
preceitos é desenvolvido através do conjunto de diversas ações, como: construir e cuidar dos
berimbaus; tocar todos os instrumentos percussivos; cantar; jogar; entrar e sair da roda, dentre
outras ações que, aqui, se notabilizam como ritos. Esses ritos são imagens-informações, que
constituem os mitos no corpo da Capoeira Angola. Talvez, uma re-leitura desses ritos, através
dos processos e procedimentos artísticos, que possa conduzir à identificação das imagens
míticas ancestrais de matriz africana no BRA que estão presentes e manifestas na dinâmica
cultural da arte da Capoeira Angola.

1.12 Sobre as imagens-informações

As palavras imagem e informação são usadas em sentido conjugado, por tratarem dos
significados e significantes, formados e informados, nas ações do corpo em movimento na
Capoeira Angola. Com este objetivo, enfoca-se, aqui, este corpo como uma forma que se
informa, uma imagem que produz imagens. Um corpo que é matéria e memória, um corpo
que transforma as informações sobre a forma e objetos do mundo em imagens (BERGSON,
64

1999)77. Sobre este sentido da imagem, constituir-se como informação. Aumont (2012, p. 16)
o torna evidente, quando conclui que: “[...] a percepção visual é o processamento, em etapas
sucessivas, de uma informação que nos chega por intermédio da luz que entra em nossos
olhos.” Vale ressaltar que, no processo desta Pesquisa, não se trata só do processamento das
imagens em informações, através da percepção visual. Trata-se também do processamento de
informações em imagens, através da sensação e percepção dos sentidos regidos pelos
movimentos do corpo em movimento na dinâmica da Capoeira Angola.
Bergson (1999) identificou, através da fenomenologia, que o corpo humano é matéria
e memória: um corpo, uma imagem entre as imagens, que se posiciona no centro dessas
imagens. Um corpo matéria que se constitui no mundo, absorvendo suas imagens. Mas, ao
mesmo tempo, é memória, produzindo e representando essas imagens, entre suas presenças e
ausências no espaço e no tempo. Bergson (1999) torna evidente, com suas teorias, que o corpo
humano sente e percebe o mundo através de sua sensação e percepção dos sentidos (sua
aisthésis). Ou seja: o corpo a partir dos seus aceptos e perceptos, em movimento, produz,
reproduz imagens e também é produzido por elas. Neste sentido, enfoco o corpo-mandinga
como corpo-estético que, a partir dos seus movimentos de conhecimento e reconhecimento,
absorve informações sobre o mundo, se formando e informando em fluxos recorrentes.
Em tal contexto, o corpo-mandinga move-se através de sua imaginação que, de acordo
com Flusser (2011c, p. 18) é a “[...] capacidade para compor e decifrar imagens.” Aqui, a
imaginação toma o significado de informação, no sentido da capacidade inata do corpo
humano absorver imagens (informações) do mundo – em processos contínuos de se formar
através delas e informá-las decodificando-as em outras informações (imagens). Sobre esta
dinâmica do mundo das imagens-informações que são regidas pelo corpo em movimento,
Flusser (2011c) identificou a produção de 2 tipos de imagens nos processos formativos das
culturas humanas, que são: as imagens tradicionais e as imagens técnicas as quais distinguiu
em um movimento dinâmico de informações (imagens) que funcionam assim: “[...] as
imagens tradicionais imaginam o mundo; as imagens técnicas imaginam textos que concebem
imagens que imaginam o mundo” (FLUSSER, 2011c, p. 30). Neste caso, as imagens se
constituem em informações que formam e informam o ser humano em seus movimentos sobre
o mundo. Sobre as imagens míticas, Flusser (2010) se refere a imagens produzidas por um
tipo de pensamento, pertencente às culturas ágrafas: o pensamento mítico ou pensamento

77
Há portanto, no conjunto das imagens, uma imagem favorecida, percebida em sua profundidade e não
apenas em sua superfície, sede de afecção ao mesmo tempo que fonte de ação: é essa imagem particular
que adoto por centro de meu universo e por base física de minha personalidade (BERGSON, 1999).
65

circular. As imagens tradicionais são imagens míticas produzidas pelos nossos antepassados
há milhares de anos. As imagens técnicas são as imagens produzidas por aparelhos.
A produção das imagens citadas são informações que interessam, aqui, em 2 contextos
que se integram e se pronunciam: produzir imagens técnicas a partir de um conjunto de ações
(ritual-performance) com a Capoeira Angola e identificar (decodificar) as imagens míticas e
ancestrais (imagens tradicionais) da Capoeira Angola, através da produção e reflexão sobre as
imagens técnicas. Estes contextos integrados, de forma circular, tornaram presentes os
trabalhos artísticos sobre a mandinga do corpo da Capoeira Angola. Sendo assim, a partir das
conotações apresentadas, refletiu-se e constatou-se que as imagens são informações e as
informações são imagens, o corpo absorve e transforma em seus movimentos no mundo (na
natureza). Portanto, parte dos procedimentos metodológicos e fenomenológicos são
imprescindíveis nesta investigação em Artes Visuais. Toma-se o significado da palavra
imagem, empregando a ela, o seu significado tácito de informação.

1.13 Apêndice da encruzilhada

Neste percurso, alguns elementos essenciais se apresentaram e serão argumentados,


discutidos e refletidos no capítulo 2 – todos eles tratam, de maneira geral, de um olhar através
do universo de cosmo-percepção da filosofia ancestral Bantu na busca de uma identificação e
uma leitura artística das imagens míticas da arte da Capoeira Angola. Aqui, foram evidenciadas
imagens míticas como a unidade e estrutura dinâmica do triângulo, a encruzilhada e o círculo.
Também vieram à tona alguns conceitos como: o pensamento mítico; o pensamento circular; o
pensamento linear; mandinga; tempo circular e ordem de lógica reversa. Estes conceitos serão
abordados e discutidos, regidos por reflexões sobre os desdobramentos estéticos do corpo da
Capoeira Angola, em outras experimentações artísticas que enfocam o símbolo mítico e sagrado
da Kalûnga em sua força de conexão entre os 2 mundos. Com este objetivo, discorrerá o
próximo capítulo nesta roda de palavras que, como na roda de Capoeira Angola, o jogo nunca
acaba...
66

2 MARÉ DE KALÛNGA: DINÂMICA ENTRE DOIS MUNDOS

O autor desta Pesquisa chegou em Luanda, capital de ANG, no dia 3 de abril de 2017.
No aeroporto, após 7 horas de espera, embarcou no voo para Lubango - ANG. Chegando na
cidade, pegou o tradicional táxi do local e se dirigiu ao hotel mais próximo para descansar. No
dia 4 de abril, pela manhã, encontrou-se com o professor decano Alberto Raimundo
Watchilambi Wapota (Coorientador do autor desta investigação), que o conduziu ao lugar de
hospedagem, a Vanjul Lodge, um pequeno sítio com cabanas de estilo tradicional da cultura
angolana. Ambos almoçaram e trocaram várias ideias sobre a proposta da investigação de
campo. Assim, situaram-se sobre os objetivos da Pesquisa e, por volta das 17 horas, se
despediram. A partir daquele momento, esse foi o lugar que o autor desta Pesquisa ficou
hospedado pelos próximos 3 meses. Na manhã do dia seguinte, reuniu-se com o professor
Alberto Wapota e, logo, o corpo docente apresentou as instalações físicas do Instituto
Superior Politécnico da Huíla (ISPH) e o espaço onde seriam ministradas as aulas de Capoeira
Angola. As mesmas se tornaram parte da metodologia da Pesquisa, sendo realizadas, a partir
dali, no âmbito da pesquisa de campo sobre as imagens míticas da Capoeira Angola. Essas
imagens surgiram relacionadas aos mitos das lutas do Engolo e Okhadenka e da dança
Ocancula, referenciando as performances culturais Bantu-Kongo praticadas na região sul de
Angola na Província do Mucope na região do Cunene, pelo grupo étno-linguístico Nyanheca-
humbi (nkumbi). A experiência de campo foi fundamental, pois marcou a ponte de conexão
por constituir os elementos essenciais que indicariam as origens das imagens míticas da
Capoeira Angola. Ressalta-se, aqui, que esse envolvimento emocional com o lugar foi muito
intenso desde a sua chegada em Lubango - ANG. No primeiro dia de atividades, autor desta
investigação foi convidado por Alberto Wapota para participar de um ritual em torno de uma
fogueira para comemorar, juntamente, com os alunos do ISPH, o fim da guerra em ANG,
confraternizando, coletivamente, os 17 anos de paz. Em um dado momento, o professor
passou o microfone e pediu ao autor deste Trabalho para falar. Balbuciando de emoção diante
dos irmãos angolanos, as únicas palavras que conseguiu expressar foi um trecho de uma
música interpretada por Gilberto Gil, que diz: “A paz invadiu o meu coração […] eu pensei
em mim, eu pensei em ti, […] [eu chorei por] nós que contradição só a guerra faz nosso amor
em paz” (GIL, 1994 apud OLIVEIRA; WILIBALDO NETO, 1994)78.

78
Documento online não paginado
67

A experiência de convívio durante 10 dias com os mestres dessas lutas em ANG


proporcionou, ao autor deste Trabalho, a vivência in loco, as imagens míticas dessas lutas e
danças na cultura Bantu-Kongo-Angola. Esse aprendizado nesta Pesquisa-ação em ANG se
faz presente no contexto deste capítulo e, mais detalhadamente, no capítulo 3.

2.1 Maré de Kalûnga, fluxos e refluxos entre Angola e Brasil

“[…] Distância intinerária de um ponto a outro nas viagens fluviais em que se faz
sentir a ação do fluxo e refluxo do mar” (MARÉ, [20--?])79. Neste caso, o conceito de maré
indicado infere-se também aos fluxos e refluxos dos acontecimentos humanos,
especificamente, vinculados aos conflitos entre o pensamento mítico e o pensamento linear nas
culturas de matrizes africanas no BRA. É uma Maré direta que se define como uma unidade
dinâmica, literalmente formada do encontro simultâneo do Sol e da Lua no lado da Terra. Maré
de movimentos lá e cá, de um lado a outro do Atlântico, levando e trazendo imagens-
informações nas ondas do mar de Kalûnga.
Os fluxos e refluxos gerados na maré referem-se, aqui, no contexto de origem e
produção das imagens míticas da cultura Bantu-Kongo-Angola e às imagens míticas da
Capoeira Angola em suas possíveis traduções no âmbito do sistema de pensamento do processo
de criação artística. Não se sabe, por qual carga d’água, mas o construto desta Tese segue à
revelia uma ordem reversa na qual um trabalho (reflexão teórica e prática) incide sobre o outro
e ambos se significam, mutualmente, para gerar um terceiro trabalho que dinamiza todo o
processo de criação e construção nesta investigação.
Neste contexto, apresenta-se uma breve reflexão sobre a origem mítica da cultura
Bantu-Kongo-Angola, seguida da reflexão poética-visual sobre a relação de tais imagens da
cosmologia Bantu e suas articulações e configurações como imagens míticas presentes no
corpo-mandinga da Capoeira Angola. Portanto, a titulação Maré de Kalûnga: dinâmica
entre dois mundos refere-se à constituição dessas reflexões a partir da construção em
experiência-em-ação de 2 trabalhos artísticos que se encontram (se cruzam) e geram a
aparição do terceiro trabalho – o qual se constitui matéria-poética e dinamiza esta Pesquisa
gerando e assumindo-se no capítulo 3. Mas, vale ressaltar que, estes trabalhos se constituem
como 3 partes interligadas, uma trilogia: Jogo pra Kalûnga, Mono-lixo entre o Céu e a Terra e
Jogo-de-Corpo assim como os 3 capítulos que integram e dinamizam esta escrita.

79
Documento online não paginado.
68

Especificamente, tratar-se-á de refletir neste capítulo sobre Jogo pra Kalûnga e Mono-
lixo entre o Céu e a Terra, pois foi do encontro entre estes, que nasceu o Jogo-de-Corpo. A
produção, execução e apresentação destes trabalhos foram norteadas pelas seguintes questões:
• quais são as origens das imagens míticas da Capoeira Angola?
• como se configuram as imagens míticas e suas simbologias nos desdobramentos
estéticos entre o corpo-Arte e o corpo-mandinga da Capoeira Angola? e
• quais são as imagens míticas da cultura Bantu-Kongo que se constituem no sistema
dinâmico da performance artística da Capoeira Angola?
Para se obter possíveis respostas a estas questões, se tornou imprescindível a
realização de cruzamentos teóricos e práticos, oriundos de reflexões sobre a cosmologia
Bantu-Kongo, a performance cultural da Capoeira Angola e os trabalhos artísticos citados.
Essas questões se sedimentam como base nas dinâmicas culturais que ocorreram nas
diásporas africanas, do sequestro80 transatlântico entre ANG e BRA.
Tratando-se da continuidade do processo de criação-investigação sobre as imagens
míticas produzidas na dinâmica do corpo na Arte da Capoeira Angola, os procedimentos, aqui,
utilizados se apresentam como meio e fim, que podem tornar visíveis às imagens míticas
presentes nos desdobramentos estéticos das obras desenvolvidas. Com este objetivo, foram
produzidas as experimentações artísticas que trouxeram à tona as reflexões as quais foram
referidas até o momento.
Tais procedimentos se integram como uma metodologia teórica e prática na qual os
resultados se instauram em fluxos contínuos. Neste caminho, os elementos plásticos, visuais e
ritualísticos empregados nas performances com o jogo de Capoeira Angola e o desenho do
Cosmograma Bakongo assumiram o lugar de ações artísticas, que foram realizadas como
estratégias de denotar o corpo-poético-filosófico-ancestral da dinâmica cultural em seu sistema
simbólico de imagens míticas.
Através das dinâmicas culturais, diversos elementos do pensamento mítico da cultura
Bantu-Kongo foram re-assimilados pelos seus descendentes em processo de adaptação no solo
brasileiro, especificamente, no encontro fatídico com os Ameríndios, pois, ambos, fugiam da
escravidão implacável dos portugueses. Neste sentido, não se pode negar que a manutenção
de tais elementos se constituiu em um processo de resiliência que gerou diversas expressões e

80
“Os africanos transplantados à força para as Américas, através da Diáspora negra, tiveram seu corpo e seu
corpus desterritorializados. Arrancados do seu domus familiar, esse corpo, individual e coletivo, viu-se
ocupado pelos emblemas e códigos do europeu, que dele se apossou como senhor, nele grafando seus códigos
linguísticos, filosóficos, religiosos, culturais, sua visao de mundo” (MARTINS, 1997, p, 24).
69

performances culturais afro-ameríndias. Não se pode negar também, infelizmente, que alguns
pesquisadores brasileiros envolvidos por modelos ideológicos, racistas e excludentes fizeram
questão de construir ideias negativas sobre a cultura Bantu-Kongo e Ameríndia, denotando-as
como culturas de símbolos e míticas pobres.
Mas, como eles puderam afirmar tais ideias sobre essas culturas, se são justamente
essas culturas, em suas assimilações dinâmicas, que constituíram a fenomenologia da nossa
identidade brasileira?
Antes de adentrar, especificamente, nas simbologias das formas do círculo, do
triângulo e da cruz, e sobre a presença destas nas culturas Bantu-Ameríndia no BRA, como
imagens míticas integradas pela mandinga na Capoeira Angola, vale uma breve reflexão sobre
a origem das imagens míticas na cultura Bantu-Kongo e as semelhanças entre o seu sistema
cosmológico de pensamento circular e o dos nossos ancestrais Ameríndios. Para tanto, cabe a
tentativa de evidenciar a assimilação entre os sistemas simbólicos de pensamento circular
dessas culturas, através de suas imagens míticas, que são presentes na performance cultural da
Umbanda81 e podem estar corporificados na performance artística da Capoeira Angola.
Para um melhor entendimento da expansão da cultura Bantu e sobre a derivação dos
seus princípios filosóficos de ancestralidade em processo de dinâmicas culturais, é necessário
refletir sobre o mito de origem dos Bantus (Bantos)82, através de uma imagem que reflete o
seu processo dinâmico, como raízes de uma grande árvore. Esta imagem de uma árvore, como
metáfora, que pode denotar a dinâmica da cultura Bantu, se originou a partir de uma informação
transmitida pelo professor Alberto Raimundo Watchilambi Wapota (ISPH). O autor desta
Pesquisa perguntou ao professor o que significava a palavra Bantu. De forma simples, ele
respondeu que a palavra Bantu significava ser humano (pessoas), Bantu é como o tronco de
uma árvore. Naquele momento, ambos refletiram sobre a imagem da árvore (FIGURA 7)
como representação simbólica de uma cultura. Foi dessa troca de ideias que se constituiu a
metáfora seguinte.

81
Umbanda: seus elementos míticos e simbólicos que foram apresentados nos pontos riscados por Ligiéro;
Ligiéro (2000) nos quais identifica o Dikenga e Kalûnga.
82
OS BANTOS: “A partir do século XV inicia-se uma das maiores migrações forçadas da história da
humanidade, na qual milhões de africanos que haviam sido capturados em seus territórios ancestrais, na
maioria das vezes, por outros africanos de tribos rivais, foram levados para o litoral e vendidos como escravos
para os europeus e brasileiros em portos específicos na África e trazidos nessas condições para o Brasil”
(DIAS, 2009, p. 22).
“Durante o final do século XVI e final do século XVIII, a principal etnia trazida para o Brasil foi a dos
Bantu, povo que, durante o período colonial brasileiro, ocupava a maior parte do continente africano
situado ao sul do Equador, na região onde hoje estão localizados o Kongo, a República Democrática do
Kongo, Angola e Moçambique, entre outros” (DIAS, 2009, p. 22).
70

2.2 A árvore Bantu

Figura 7 – Árvore Bantu

Fonte: O autor (2018).

Existe na África uma árvore que se expandiu por todo o reino do antigo Kongo, ela se
compõe de três partes interligadas e inseparáveis entre si; o seu tronco (caule) denomina-se
Bantu; as suas ramificações bifurcadas de galhos e folhas são os grupos etnolinguísticos
formados a partir do seu tronco; as suas raízes, que subterraneamente se bifurcam, são os
ancestrais dos grupos etnolinguísticos, a água absorvida com os nutrientes da terra são os mitos,
ritos e símbolos do povo Bantu. No processo de tal árvore manter-se viva, os nutrientes são
enviados através do tronco (Bantu), passa pelos galhos (grupos etnolinguísticos) e chegam às
folhas, que os elaboram, e os enviam, internamente, através dos galhos, transportando-os pelo
71

tronco até retornarem para as raízes (ancestrais) que dão continuidade a este ciclo vital, mais
uma vez, alimentando-se da água (mitos, ritos e símbolos).
O movimento circular, da raiz às folhas, através do caule e ramificações, simboliza a
dinâmica da cultura Bantu. As raízes alimentam os galhos, por sua vez, os galhos, através das
folhas que se bifurcam em suas extremidades, realizam a fotossíntese que mantém a árvore
viva, no processo contínuo entre a terra, a água e a luz.
Pode-se fazer, aqui, uma equação simples: as raízes (ancestrais) transportam a água
(ritos, mitos e símbolos), seiva-bruta através do tronco (Bantu = seres humanos), que chega aos
galhos (grupos etnolinguísticos) e é elaborada pelas folhas (elaboração de costumes e hábitos
mantidos pela ancestralidade) no processo de fotossíntese e enviada de volta para as raízes.
Tal metáfora sobre esta cultura é uma imagem simbólica que apresenta o seu
movimento de existir e se manter, a partir dos princípios filosóficos de tempo circular e
ancestralidade. Ela reflete sobre a função da árvore em analogia à dinâmica da cultura Bantu.
Encontrando também, uma particular representação observada a partir do funcionamento do
sistema fisiológico vegetal de uma árvore, no seu processo de transformação dos nutrientes
para autossustentação que se realiza através de uma dinâmica circular, entre a água, a terra e o
sol (fonte de luz).
Com a ideia de evidenciar o movimento circular da ancestralidade, como princípio
filosófico de origem e manutenção da cultura Bantu, apresenta-se, aqui, uma relação entre sua
dinâmica de existência, em analogia à dinâmica da fisiologia vegetal, sob o contexto biológico.

2.3 Dinâmica da árvore Bantu como reflexo da fisiologia vegetal

As raízes (os ancestrais) intraterrenas absorvem a água com os nutrientes (seus mitos,
ritos e símbolos) dissolvidos: a seiva bruta. Elas enviam a seiva bruta via xilema83 em
movimento de capilaridade (de baixo para cima), através do tronco (Bantu), passa pelos galhos
e ramificações (grupos etnolinguísticos) e chega às folhas. Nas folhas, a seiva bruta é elaborada
no processo de fotossíntese e é reenviada via floema84 em movimento gravitacional, através do
tronco, até chegar às raízes que, em movimento de geocentrismo, absorvem a água e nutrientes,

83
“O xilema, ou lenho, é responsável pela condução de água e sais minerais - seiva bruta - das raízes até o
ápice da planta. É constituído por células mortas impregnadas por lignina e reforçadas com cellulose”
(LIMA, [20--?]).
84
“O floema, ou líber, é responsável pela condução da seiva elaborada das folhas às outras regiões da
planta. Esta é produzida graças à água e sais minerais que o xilema transportou até as folhas, que são
usados na fotossíntese, produzindo os compostos orgânicos que a constituem” (LIMA, [20--?]).
72

e repetem o mesmo processo de forma circular, em manutenção contínua do ciclo vital da


árvore.
As metáforas apresentadas sobre a origem e manutenção da cultura Bantu são imagens-
informações que trazem à tona o movimento circular de manutenção. Uma cultura regida pelo
princípio filosófico de ancestralidade gera uma dinâmica cultural que tem como modelo
referencial o funcionamento da natureza, em seu processo circular, na manutenção e integração
entre os seus elementos e seres-vivos. Neste sentido, a cultura Bantu se configura em uma
visão de mundo que é fundamentada nos movimentos cíclicos da natureza, tendo-a como
modelo dinâmico. Pois, como foi visto: sua dinâmica se assemelha ao ciclo-vital de uma
árvore, em um processo circular, que vai do geotropismo85 para o fototropismo86, (do mundo
subterrâneo para o mundo externo) e vice-versa.
Acredita-se que os mitos, ritos e símbolos da cultura Bantu têm suas origens, através
da relação dos grupos etnolinguísticos, com suas fontes de alimentos primordiais, como a
água, a terra e o sol. A constituição desses mitos, ritos e símbolos, a partir das forças e formas
da natureza, é um fenômeno imprescindível que fundamentou a sobrevivência e manutenção
dessa cultura. Segundo Batsîkama (2010, p. 20), “As árvores indicam as nossas proveniências
e os rios lembram-nos das nossas infâncias (origem?).”87/88
“Mulembeira […] embondeiro e figueira foram algumas das árvores que, depois de
fundar uma região, tiveram de ser plantadas a fim de testemunhar a amizade como origem
comum dos fundadores” (BATSÎKAMA, 2010, p. 20, grifos do autor). Se observa, aqui, que a
árvore como símbolo da formação de uma cultura foi recorrente nas culturas do povo Bantu.
Na visão de mundo Bantu, o ser humano é como uma semente plantada no fundo da
terra (mundo invisível) para germinar uma vida no mundo externo (mundo visível). De forma
inversa da relação desenvolvida, sobre o nascer e o morrer na concepção da cosmovisão

85
“O geotropismo é uma das formas de tropismo. Damos o nome de tropismo aos movimentos de
crescimento das plantas em resposta a um estímulo externo. As partes da planta respondem de modo
diferenciado ao estímulo da gravidade. As raízes apresentam geotropismo positivo, crescem em direção
ao solo, no sentido orientado pela gravidade. Os caules apresentam geotropismo negativo, crescem no
sentido contrário ao da gravidade” (MAGALHÃES, [20--?], grifos do autor).
86
“O fototropismo é a resposta do vegetal quando o estímulo é a luz. Os caules tendem a crescer em
direção à luz, assim apresentando fototropismo positivo. Esse movimento se dá pela ação do hormônio
auxina no alongamento celular. Quando a planta é iluminada apenas de um lado, a auxina vai para o lado
menos iluminado. Dessa forma, as células desse lado ficam mais alongadas do que as células do lado que
tem maior incidência de luz. É por isso que a planta se curva em direção à fonte de luz” (MORAES, [20 --
?], grifos do autor).
87
Patrício Batsîkama Mampuya Cipriano nasceu a 10 de agosto de 1974 em Maque do Zombo. É
Licenciado em História e Ciências Sociais, e especializado em Filosofia da Arte. Fala cinco idiomas:
Português, Inglês, Francês, Lingala e Kikongo” (PEDRO, [201-]). Autor de diversos livros publicados.
88
Adágio popular africano mencionado por Batsîkama (2010, p. 20).
73

ocidental. Na cosmovisão Bantu, morrer e nascer fazem parte do ciclo contínuo de


transformação na natureza. Nesta visão de mundo, parafraseando Gil (1982)89: “[…] tem que
morrer pra germinar […].” Neste caso, a dinâmica da cultura Bantu equivale, em analogia, à
imagem (figura de linguagem) da árvore apresentada no início. Pois, assim, os antepassados
sustentam e alimentam o mundo dos vivos através dos seus mitos, transformando o passado no
presente.
Além da imagem simbólica da árvore, a mítica Bantu-Kongo reflete sua relação
simbólica também com as águas dos rios, a terra, as florestas e o mar e, especificamente, com
o Sol (fonte de calor e vida). No lugar de angolano, o historiador e crítico de arte Batsîkama
(2010) desenvolve sua reflexão sobre a origem do Reino do Kongo, através de estudos da
tradição oral e dos mitos ancestrais dos grupos etnolinguísticos Bantu: Kimbûndu, Kongo,
Nyaneka-Nkumbi, Côkwe e Umbûndu identificando-os como ramificações que têm
procedência de um tronco comum (Cultura Bantu) e que a cosmogonia dos seus mitos
reconstitui a fundação do Kongo.
Nos seus estudos, Batsîkama (2010, p. 7) descreve que as primeiras populações
(antepassados do povo Bantu) habitaram o “[…] sul de Angola, na região que vai da bacia
inferior de Cunene até a região fronteiriça entre Angola, Namibia e Zâmbia”, em uma região
de clima quente e úmido, que possui muitas nascentes de rios. “Os rios, portanto, pelo facto de
fornecer água para beber, banhar, pescar, cultivar e outros trabalhos domiciliares de primeira
necessidade, são muito especiais” (BATSÎKAMA, 2010, p. 7). Por essas razões, segundo o
Batsîkama (2010), os nomes de rios não foram esquecidos e, até hoje, são mencionados em
lendas e mitos sobre as origens dos grupos etnolinguísticos Bantu. “Isto porque os mesmos
rios que marcaram as primeiras sociedades, foram, neste caso, imortalizados ou
antropomorfizados (personificados) através de canções de ritos, de pesca, de agricultura, da
infância etc” (BATSÎKAMA, 2010, p. 7). Nota-se, então, a identificação da cosmogonia dos
mitos a partir da origem das primeiras populações Bantu-Kongo.
Com os elementos linguísticos presentes na etimologia das palavras, na cultuta Bantu-
Kongo, Batsîkama (2010) sinaliza que suas origens começam no Kalahari inferior, em uma
região denominada MBÂNGALA (que significa ORIGEM) pelos antigos etnógrafos.
Batsîkama (2010) denota que, na toponímia desta região, os estudiosos a distinguem com o
topônimo MBÂNGALA, localizada, precisamente, na área meridional de ANG. Com relação
à etimologia desta palavra, explica: “[...] nos Kongo a palavra mbângala designa a época

89
Documento online não paginado.
74

marcada pela falta de chuva, tempo seco e de grande calor [...]” (BATSÎKAMA, 2010, p. 9,
grifo do autor). Além desta designação etimológica, acrescenta que “[...] em Kikôngo a
expressão kuna mbângala traduz-se por há muito tempo” (BATSÎKAMA, 2010, p. 9, grifo do
autor). Em sua análise, descreve que, nessa região, segundo o calendário Kimbûndu, durante o
período de grandes chuvas (fevereiro e abril), o volume das águas do rio Kwânza
aumentavam, transbordavam e todas as aldeias ficavam imersas, obrigando as populações a se
instalarem nas terras altas (com habitações provisórias).
As populações estabeleciam-se lá, durante as cheias, e só podiam retornar ao seu habitat
primitivo (parte baixa) após a baixa das águas (em fim de maio, início de junho ou julho).
Segundo Batsîkama (2010), este fenômeno repetido, anualmente, marcou a vida dessas
populações e constituiu-se como um signo, uma forma necessária de adaptação ao meio.
“[...] Aliás, durante as inundações as populações refugiam nas montanhas. Tipificação
de ‘Baixo da montanha’ como origem e ‘Cima da montanha’ como refúgio” (BATSÎKAMA,
2010, p. 26). Supõe-se, então, que a cultura Bantu se fundamentou na dinâmica dos seus
antepassados em movimentos, entre o mundo de baixo (origem) e o mundo de cima (refúgio).
Geograficamente, esses movimentos de ascendência e descendência, entre ambientes de
topografias diferentes, caracterizaram a habitação das populações Bantu. A relação de
deslocamento das populações, de baixo das montanhas (lugar de origem) para cima das
montanhas (lugar de refúgio), durante as cheias (altas chuvas) e a estação da seca,
possivelmente, reflete o processo de adaptação e sobrevivência dos antepassados do povo
Bantu.
Segundo Batsîkama (2010), os mitos de origem do povo Bantu estão ligados ao Sol
(calor e fogo), às águas e à terra (plantar, pescar e caçar). As suas pesquisas identificam, através
da etimologia das palavras, um mito comum aos grupos Bantus, que reconhecem KALÛNGA
como lugar de origem (região geografica).
Neste sentido, diz Batsîkama (2010, p. 22, grifos do autor): “A reinstalação ao habitat
‘primitivo’ é o verdadeiro recomeço da vida normal.” O tempo da baixa das chuvas ou
estações de seca em Kimbûndu é KIXIBU. Na verdade, diz Batsîkama (2010, p. 22, grifos do
autor), “[…] esse tempo é chamado MBÂNGALA nos Kongo, que, como vimos
anteriormente, lembra as origens (kuna mbângala: há muito tempo).” A estação seca (kixibu)
é o período de cultivar que significa PERÍODO DE SEMENTE, nos meses de agosto e
setembro, ou seja, em MBÂNGALA na linguagem dos Kongo. Explica Batsîkama (2010, p.
3): “Introduzir a semente debaixo da terra tem um termo em Kimbùndu (até Còkwe, e
75

Umbùndu). Este termo é SUMIKA: semear, plantar, tirar daqui para pôr acolá”90. Diz
Batsîkama (2010, p. 23, grifo do autor) que: “Temos tendência a voltar a Mbângala que é a
estação seca (kixibu).” Kixibu ou Mbângala refere-se ao período de semear e plantar. “Ora,
semear e plantar relacionam-se com começar” (BATSÎKAMA, 2010, p. 24). A origem dos
grupos Bantu-Kongo “[…] está ligada às palavras Sul-Calor (estação seca), semear (final da
estação seca)” (BATSÎKAMA, 2010, p. 24).
Conclui-se que, através de estudos semânticos e etimológicos, o lugar de origem dos
antepassados destes grupos foi Mbângala como o primeiro país do Kôngo, fundado nessa
região, que foi o ponto de partida do povo Bantu, que, em migrações do Sul para o Norte, se
expandiram até constituírem o Reino do Kôngo. Batsîkama (2010) identifica que as raízes
etimológicas destas palavras fazem parte da mesma raiz da palavra Kalûnga, que significa na
cosmogonia do povo Bantu: Deus das profundezas do mar e da terra; origem do mundo dos
ancestrais (mundo de baixo). Segundo Batsîkama (2010, p. 27, grifos do autor):

[...] certas orações reforçam [...] que os Ancestrais vêm realmente de


Mbângala, sinônimo de Kânga, ou melhor, di-kânga que significa o lugar
mais profundo, mais distante, mais longínquo, lugar onde vivem os gênios,
‘sinônimo de mbôz (boxi Kimbûndu), o mundo dos bí-sîmbi (espíritos
santos), de Kalûnga (Deus).’

Mas, eis uma questão essencial no contexto desta investigação sobre as imagens
míticas. Se Kalûnga refere-se ao lugar de origem dos ancestrais Bantu-Kongo, qual a origem
do mito de Kalûnga?

2.4 Uma aproximação da gênesis do mito de Kalûnga

Sobre a origem do mito de Kalûnga com relação ao começo do mundo dos ancestrais
Bantu-Kongo, Batisîkama (2010, p. 25) diz: “Os mitos apresentam o mundo dos mortos não
como uma ‘chegada’, mas passou a ser ‘ponto de chegada’ na compreensão física.” A partir
desta definição de chegada e ponto de chegada, entre os 2 mundos, conclui Batisîkama
(2010, p. 25) que: “Na compreensão metafísica, o ‘Mundo dos Mortos’ precede o Mundo dos
Vivos, eis porque aquele mundo (dos mortos) é lembrado nos ritos como ‘começo’ da
sociedade.” Segundo Batsîkama (2010, p. 26): “Nos ritos de nascimento e, especialmente, dos
gêmeos, os kimbûndu cantam que os recém-nascidos provêm dos Antepassados ou de Deus

90
Tirar daqui para pôr acolá (tira daqui e bota lá): expressão usada na dinâmica da Capoeira Angola .
76

(Kalûnga) do mar.” Neste sentido, nota-se que, na visão de mundo Bantu-Kongo o ser
humano é gerado no passado (mundo dos antepassados) e nasce no mundo dos vivos no
presente: “[...] os Bantus pensam [...] que os recém-nascidos vêm dos antepassados, do
princípio ou ainda da semente da vida” (BATISÎKAMA, 2010, p. 26), ou seja, morrer e
nascer para os Bantus fazem parte de um ciclo contínuo, que tem início no mundo mítico de
Kalûnga.
O mito de Kalûnga refere-se a um deus único91 (um ancestral comum aos grupos
etnolinguísticos), que está contextualizado em duas forças: um Deus celeste e um Deus
Terrestre. Um Deus da Terra e do céu, um Deus criador da semente da vida,
Kalungangombe92, cujo seu reino é o Mundo-dos-Mortos (Kalûnga). Assim, ele é o mito de
um Deus que está entre 2 mundos, separando-os e unindo-os ao mesmo tempo. Um Deus
onipresente regido pelos ciclos das estações do Sol, entre o céu e a terra. Um Deus que planta93
a semente da vida no mundo dos mortos (mundo de baixo / invisível) para fazê-la germinar no
mundo dos vivos (mundo de cima / visível).
No lugar de Deus do seu reino, Kalungangombe personifica-se como a dinâmica entre
os 2 mundos, regido pelos movimentos cíclicos do sol nos períodos de seca e chuvas. Em seu
reino, ele gera a semente da vida no fundo da terra (mundo dos mortos) para fazê-la germinar
sobre o mundo dos vivos, ou seja, é um mito que rege a vida e a morte, se situando em
movimento cíclico, entre o mundo de baixo e o mundo de cima (em sentido anti-horário).
Batsîkama (2010) faz uma análise da origem dos grupos Bantu-Kongo, sob um olhar histórico
que identifica, através da etimologia e da cosmogonia destes grupos etnolinguísticos, as raízes
das palavras Kixibu, Mbângala, Tûmba e Kakulu94(entre outras) como etmos da tradição oral

91
“Pode-se ler os autores que têm falado sobre as religiões de África Negra, tais como Baumann, Estermann,
Hubert Deschamps, Denise Paulme (se bem que de maneira superficial), Werlesse, E. Dammann, etc.
Existe um Deus único mas conceptualizado em duas potências: Deus celeste e Deus terrestre, tal como
pensam os Zûlu, Swâna e Xhosa, etc” (BATSÎKAMA, 2010, p. 25).
92
Kalûnga ngombe: “Nesta palavra, encontramos Kalûnga, um dos nomes-títulos de Deus. Está presente,
também, Ngômbe um outro nome / título do mesmo Deus. Ambos têm o sentido de Mundo-dos-Mortos, o
mar (domínio de Deus, na concepção Kimbùndu ou em geral nas populações zimbabweyanas que ocupam
todas regiões debaixo da linha equador). Ngômbe encontra-se em Umbûndu e outros falares do Sul, como
nome de Deus criador” (BATSÎKAMA, 2010, p. 25, grifo do autor).
93
Tûmba: “[…] é o nome do ancestral principal, que está ligado com o calor ou fogo. Mas não só. Além dos
sentidos fornecidos por [COELHO, 1996 apud BATSÎKAMA, 2010, p. 23], […] túmba deriva de 1)
túmba: semear, plantar, meter ou introduzir na terra (planta ou semente); 2) tûmba: nascer, formar-se,
desenvolver e 3) tumba: assentar, pôr apoiando-se sobre a BASE (mbetekete)” (COELHO, 1996 apud
BATSÎKAMA, 2010, p. 23, grifos do autor).
94
Kakulu: “Todavia, entre Kabàsà=Sàmbà (o mundo dos Vivos) e Kakùlù=Sàmbà (o mundo dos Mortos),
nessa ordem de ideias, KAKULU não significa somente em BAIXO, mas também traduz-se por começo
ou lugar de partida” (BATSÎKAMA, 2010, p. 25-26).
77

que remetem a uma palavra que possui o significado comum de KALÛNGA, como o mundo
de baixo e lugar de origem.

2.5 Kalûnga: uma origem na encruzilhada

Para o filósofo e antropólogo Fu-Kiau (1980, tradução nossa), profundo estudioso da


cosmologia ancestral Bantu-Kongo, Kalûnga refere-se, na sua mítica, não apenas ao mundo
de origem dos ancestrais, mas também à origem da terra em sua cosmo-gênese: “O mundo,
nza, tornou-se uma realidade física flutuando em Kalûnga (na água interminável dentro do
espaço cósmico): metade terrestre e metade submergindo para o mundo submarino e
espiritual”95 (FU-KIAU, 1980, p. 3, tradução nossa). Ora, esta relação entre a metade terrestre
e a metade submarina e espiritual poderia ser uma referência mítica sobre a adaptação dos
ancestrais Bantu nas baixas chuvas (secas); parte baixa das montanhas e altas chuvas na parte
alta das montanhas pois o mito de Kalûnga reflete e simboliza, também, um processo de
mudança e transformação uma gênese do mundo. Como diz Fu-Kiau (1969 apud FU-KIAU,
1980, p. 2, tradução nossa):

A força aquecida de Kalûnga explodiu e como grandes tempestades de


projéteis, kimbwandènde, produzindo uma enorme massa em fusão: o
luku iwallâmba nzâmbi. […] Kalûnga tornou-se símbolo de força,
vitalidade e mais, um processo e um princípio de mudança, todas as
mudanças na terra: ‘Kalûnga walunga mbûngi ye lungila yo wayika se n
'kîngu wa nsobolo’. E, esfriando a massa em fusão, zenge-zenge / Iadi
diambangazi, solidificou-se (Kînda) e gabe nasceu à terra. No processo
de resfriamento (mvodolo / nhodolo), o ‘Iuku Iwalâmba Nzâmbi’
(matéria em fusão) produziu água (Iuku Iwasânda) cujos rios, montanhas,
etc. são os resultados 96.

Traduzido como uma relação ambivalente de 2 mundos em um só: Kalûnga. Sobre a


cosmologia deste mito, Fu-Kiau (1980, tradução nossa) identifica um fenômeno mais
abrangente em sua dinâmica que qualifica os seus movimentos como a gênese da cosmovisão

95
“The world, nza, became a physical reality floating in Kalûnga (in the endless waterwithin the cosmic space):
half emerging for terrestrial life, and half submerging for submarin and spiritual world” (FU-KIAU, 1980, p.
3).
96
“The heated dorce of Kalûnga blew up and down as a huge storm of projectiles, kimbwandènde, producing a
huge mass in fusion: The luku lwalâmba nzâmbi. Kalûnga then became symbol of force, vitality, and more, a
process and a principle of change, all changesonthe Earth: “Kalûnga walunga mbûngiye lungila yo Wayika se
n’îngu wa nsobolo”. And, by cooling the mass in fusion, zenge – zenge / ladi diambangazi, solidified itself
(kînda) and gave birth to the Earth. In the processo of cooling (mvodolo / nhodolo) the “luku lwalâmba
Nzâmbi” (matter in fusion) produced water (luku lwalâmba) whose rivers montains, etc. are the results” (FU-
KIAU, 1969 apud FU-KIAU, 1980, p. 2).
78

Bantu-Kongo. Tendo tal premissa como objetivo, Fu-Kiau (1980, p. 3-4, tradução nossa)
ressalta: “Kalûnga, o princípio-deus-de-mudança, é uma força em movimento, e por isso,
nossa Terra e tudo nele estão em movimento perpétuo [...]”97. Nota-se, segundo as imagens
míticas descritas por Fu-Kiau (1980, tradução nossa), sobre a dinâmica de Kalûnga, que se
trata do mito de origem do mundo na cosmologia Bantu-Kongo.
Na cosmologia do povo Bantu-Kongo, de acordo com Fu-Kiau (1980, tradução nossa),
essa dinâmica é gerada por Kalûnga. No Cosmograma Bakongo, ela é representada por um
círculo que é dividido ao meio por uma cruz de lados iguais: a linha horizontal representa
Kalûnga, um Deus, que está entre 2 mundos; abaixo desta linha está seu reino (o mundo dos
mortos, dos ancestrais, o mundo invisível). A linha vertical pode representar, nesse sentido, o
movimento de ascendência e descendência dos ancestrais (personificação de um Deus), que
transita entre os 2 mundos para gerar a semente da vida.
Neste sistema simbólico, o ser humano (Bantu) é o centro da encruzilhada que existe
entre o céu e a terra (entre os 2 mundos). Nesta cosmologia, tudo está em movimento entre os
2 mundos. “O próprio homem é um ‘objeto’ (ma) em movimento porque ele é N'zûngi a nzila
[um tipo de Exu] em seu mundo superior e inferior”98 (FU-KIAU, 1980, p. 4, tradução nossa).
Kalûnga, sendo a origem mítica da cultura Bantu-Kongo, no sistema cosmológico, é
regido por duas concepções: na primeira, Kalûnga é o lugar, o espaço mítico, o mundo dos
mortos, o mundo de baixo onde vivem os ancestrais (o reino misterioso das profundezas da
terra ou do mar); na segunda função, ele é o mito, o Deus deste reino, um demiurgo, que
constitui e está entre os 2 mundos. Para o povo Bantu seus antepassados vivem no mundo dos
mortos, e eles são sua origem. Nessa cultura, o mundo dos mortos antecede o mundo dos
vivos; ele é o ponto de partida, ele é KALÛNGA.
Suponhe-se que foi a partir da geografia do lugar que a cultura Bantu-Kongo
estruturou sua cosmogonia mítica em uma dinâmica circular, e este fato se evidencia a partir
dos deslocamentos (de baixo para cima e de cima para baixo) entre as topografias, baixa e alta
das montanhas, uma adaptação estratégica de suas primeiras populações, durante as mudanças
de estações de chuvas e sol (plantar e colher). A partir dessa região, de origem de seus
antepassados, estas populações se desenvolveram e constituíram o Reino do Kongo,
estruturando-se assim, em movimentos circulares (de baixo para cima e de cima para baixo).

97
“Kalûnga, the principle-god of-change, is a force in motion, and because of that, our earth and everything in it
is inperpetual notice” (FU-KIAU, 1980, p. 3-4).
98
“Man himself is na “object” (me) in motion for he is “N’zûngi a nzila” in his upper and lower world” (FU-
KIAU, 1980, p. 4).
79

Com esta circularidade, a cultura Bantu-Kongo estabeleceu um centro-base (seu habitat


de origem) e expandiu com suas raízes. Também é possível perceber esse movimento de
círculo como uma dinâmica cultural na etimologia da própria palavra kongo que significa:
“[...] unidos, juntos e deriva do verbo kônga ou kôngesa, ou seja, juntar, unir, pôr junto,
misturar, fazer círculo e inclinar. É sinônimo de kolesa (kola) que significa cercar, inclinar,
formar um círculo, construir, fazer uma barragem ou círculo” (BATSÎKAMA, 2010, p. 19,
grifos do autor).
Denota-se, assim, que a cultura do povo Bantu-Kongo constituiu-se como filosofia
ancestral, assentada na origem dos seus mitos, ritos e símbolos, através da relação dos seus
antepassados, envolvidos na dinâmica de sobrevivência na natureza (geografia do meio
ambiente; as águas, a terra e sol). Neste sentido, os seus mitos de origem estão,
diretamente, imbricados com a função de adaptação e sobrevivência perante uma natureza
hostil e instável. As imagens míticas dessa cultura fazem parte de uma tradição oral, oriunda
dos seus primeiros antepassados, como um conhecimento que denota a origem do mundo. Em
verdade, se constata que tais imagens míticas e suas relações cosmológicas na dinâmica da
cultura Bantu-Kongo trata do desenvolvimento de uma cosmo-percepção do homem sobre o
mundo, que foi e vem sendo transmitida, geração após geração, através da palavra e da
memória corporal de ancestrais para descendentes. Uma Cosmologia que floresceu e
protagoniza a riqueza da filosofia-ancestral de um povo, através da sobrevivência de suas
primeiras imagens míticas.
Constituídas em suas relações com o meio ambiente, os ciclos do sol e suas influências
nas estações de secas e chuvas na região geográfica foi um processo de adaptação que se
constituiu em uma dinâmica, que reflete como modelo cultural para os seus descendentes
(ramificações: grupos Bantus que fundaram o Reino do Kongo).
Este modelo dinâmico da cultura Bantu-Kongo está representado no Cosmograma
Bakongo, e a cosmogonia de Kalûnga é imanente ao seu sistema simbólico, pois no
cosmograma, ele também se contextualiza como o Deus do tempo e do espaço, um Deus que é
o mediador da existência do ser humano, entre o céu e a terra, ele é o mito gerador e
dinamizador do mundo e da força vital. No Cosmograma Bakongo, como já foi visto, Kalûnga
é o elemento mítico que estrutura todo o seu sistema simbólico. O fato é que o sistema
simbólico do Cosmograma Bakongo remonta uma visão de mundo milenar, uma cosmovisão,
ele é uma imagem-informação que simboliza a sistematização da forma de pensamento e
tempo circular da cultura Bantu-Kongo, ou seja, ele representa e apresenta a lógica do pensar
e agir na dinâmica dessa cultura.
80

Dito isto, evidencia-se que, tanto os estudos de Batsîkama (2010) focados na


etimologia da tradição oral e na cosmogonia da cultura Bantu-Kongo, para identificar suas
origens quanto às pesquisas de Fu-Kiau (1980), que estão centradas na filosofia ancestral da
tradição oral Bantu-Kongo.
Identificam, através de sua cosmogonia, o mito de criação de suas origens como
elemento de construção de um sistema simbólico dessa cultura.
As ideias de Batsîkama (2010) e Fu-Kiau (1980) foram imprescindíveis, pois se
conjugaram nesta investigação para se chegar a um possível entendimento sobre as origens
das imagens míticas Bantu-Kongo. Tornou possível também caracterizar o pensamento mítico
e circular desta cultura como um modelo dinâmico de funcionamento, que tem como matriz
os movimentos cíclicos da Natureza. Neste contexto, se identifica a dinâmica da cultura Bantu-
Kongo com sua cosmogonia de sistema mítico simbólico como um modelo, ou seja, um
sistema de pensamento estruturado, que segue uma ordem circular que não foi produzido
através da escrita linear99. Pelo contrário, é uma ordem circular de pensamento que foi e é
produzido pela riqueza da língua falada e da memória do corpo na transmissão do
conhecimento ancestral a-histórico do povo Bantu-Kongo.
Constituído da relação direta entre o ser humano e o mundo (a Natureza), um
conhecimento milenar foi formulado e codificado por essa cultura e está representado no
símbolo gráfico do Cosmograma Bakongo como uma filosofia de vida ancestral, uma visão de
mundo que deve ser lida e entendida. Pela sua riqueza e importância no desenvolvimento das
culturas humanas. Uma herança filosófica de tempo e pensamento circular se manifesta no
sistema simbólico do Cosmograma Bakongo e nas performances culturais afro-ameríndia no
BRA. Como propriedades derivadas, vivenciadas pela tradição oral e a memória corporal,
através, de 3 expressões artísticas (motrizes culturais): dançar, cantar e batucar.

2.6 Breve apêndice: Tupi e filosofia ancestral na encruzilhada

Risério (2004), historiador baiano, no seu livro Uma história da cidade da Bahia faz
uma descrição breve, sucinta e bastante consistente sobre a importância e riqueza da cultura
Tupinambá a respeito da cosmovisão de mundo, dos nossos ancestrais brasileiros e seus
mitos. Risério (2004, p. 34) afirma que “Os tupinambás possuíam um conhecimento refinado

99
Escrita linear: “O método do rasgamento consistia em desfiar as superfícies das imagens em linhas e
alinhar os elementos imaginísticos. Eis como foi inventada a escrita linear, traduzir cenas em processos.
Surgia assim a consciência histórica, consciência dirigida contra as imagens. Fato nitidamente observável
entre os filósofos pré-socráticos entre os profetas judeus” (FLUSSER, 2011c, p. 24, grifos do autor).
81

de estrelas e constelações – e cultivavam crenças astrais.” Este fato pode tornar evidente a
existência de um sistema cosmológico100 (simbólico) na cultura ameríndia relacionada com os
ciclos do sol e as plantações, relações essenciais para a manutenção da vida da aldeia. Neste
sentido, Risério (2004, p. 35) diz: “Entre outras coisas, emanações celestes podiam favorecer a
vida, como no caso das plêiades, que faziam crescer no campo a mandioca.” Percebe- se, aqui,
como na tradição oral Bantu-Kongo, os tupinambás também tinham um modelo referencial
em sua cultura, a dinâmica da natureza em seus ciclos. Sobre tal relação, Risério (2004, p. 35)
denota: “Em resumo, aqueles brasis teciam e curtiam mitos e ritos, sentiam-se cercados de
‘encantados’, liam signos no firmamento, acreditavam na imortalidade da ‘alma’ [...]”.
Segundo Risério (2004, p. 34), eles acreditavam na “[...] existência de uma espécie de
paraíso, o Guajupiá, reservado aos guerreiros intrépidos, ao qual mulheres e homens covardes
jamais teriam acesso.” Indicando também que: “[...] A comunicação entre o mundo humano e
esse mundo extranatural era feita por intermédio dos xamãs, cuja função residia, basicamente,
na profecia e na cura” (RISÉRIO, 2004, p. 35). Ora, se torna evidente que nesta cultura já havia
um sistema cosmológico de pensamento e visão de mundo circular.
É delineada aqui uma provável resposta à pergunta anunciada no início desta escrita
que reflete sobre a riqueza da mítica das culturas Bantu e Ameríndia no BRA. Vale ressaltar
que sistemas simbólicos que têm como estrutura uma ordem de pensamento e tempo circular se
apresentam em diversas culturas de tradição oral, como é o caso dos nossos ancestrais
Ameríndios. Eles constituíram uma cosmogonia mítica, que enfoca a relação entre 2 mundos (o
mundo dos deuses e o mundo dos homens), entre o céu e a terra. E também têm como modelo de
funcionamento a Natureza. Como exemplo ilustrativo da existência de um sistema simbólico
que representa o pensamento mítico dos Ameríndios brasileiros, apresentar-se-ão duas
imagens que informam a simbologia da cruz como signo de um sistema cosmológico de
pensamento mítico estruturado.

100
“Considerando os povos indígenas, em sua maioria, excluídos e com pouca representatividade no mundo
acadêmico e em grande parte dos documentos oficiais, como jornais e livros didáticos, é que se faz
necessária a busca por suas tradições e por vezes de sua história em âmbito artístico e registrar em fatos
acadêmicos os mesmos” (NHAMBIQUARA; BENUTTI; DALGLISH, 2014, p. 2460-2461).
82

Foto 5 – Baraka, instrumento sagrado

Fonte: Nhambiquara; Benutti; Dalglish (2014, p. 2465).

Na foto 5, há o desenho da cruz, cunhado em baixo relevo sobre uma Baraka


(instrumento musical dos Guaranis, grupo étno-linguístico do tronco Tupi). “[…] o professor
Davi Martins, filho da nação Guarani Mbya […]” informa que: “[…] os Guaranis estão
sempre reproduzindo suas pinturas com figuras que traçam ‘X’, pois eles respeitam em suas
memórias a ligação direta com a constelação do Cruzeiro do Sul que os guiavam em sua
jornada para a Yvy marã ey (terra sem males)” (MARTINS, [20--?] apud NHAMBIQUARA;
BENUTTI; DALGLISH, 2014, p. 2464, grifos do autor). Como meio articulador de
identificar as relações de aproximação entre os sistemas simbólicos que significam as
cosmovisões de mundo das culturas Ameríndias no BRA e as culturas de matrizes africanas-
Bantu-Kongo. Se apresenta, aqui, uma imagem-informação (FIGURA 8), um desenho, que
significa a assinatura de um Nkisi101 (Sarabanda).

101
Nkisi: “O n’kisi para nós de Angola (Candomblé da nação, a Angola é entidade), a energia / força, a essência
existente em toda a natureza, contida nos elementos da natureza, mas que também se mostra para nós através
da incorporação nos seres humanos por ele escolhidos. Por isso, é que ninguém escolhe receber, incorporar
n’kisi, mas é escolhido para isso. Nenhum líder espiritual do Candomblé põe n’kisi em ninguém; cada um ao
nascer já traz o seu n’kisi. Os elementos naturais (em geral) utilizados por nós, são representações simbólicas
da essência invisível que nós acreditamos ser o n’kisi” (PINTO, 2015, p. 156).
83

Figura 8 – Assinatura de Nkisi Sarabanda, Oeste de Cuba (CU),


Século XX

Fonte: Thompson (1984, p. 110).

Curiosamente, se pode realizar uma observação relacional entre a imagem-informação


da foto 5 e esta imagem-informação da figura 8 apresentada por Thompson (1984) em sua
obra: Flash of the Spirit. O antropólogo argumenta que: “O cosmograma do Kongo surgiu nas
américas precisamente como cantos e pontos de contato entre os mundos”102 (THOMPSON,
1984, p. 110, tradução nossa, grifos do autor). Neste sentido, percebe-se significados e signos
que, ambas, possuem e comungam entre si, na constituição e representação dos seus sistemas
de pensamento cosmológicos de tradição oral e filosofia de ancestralidade visto que tais
sistemas de cosmovisão, se assemelham por suas formas simbólicas e pelas suas relações
ritualísticas relacionadas a ancestralidade mítica circular. Como se pôde notar, de acordo com
as informações de Thompson (1984), os desenhos de representações do Cosmograma
Bakongo103 existia e existe nas Américas. Além do fato de que, os 2 sistemas simbólicos
apresentados comungam da imagem mítica da cruz e do movimento circular. Neste contexto,
constata-se também, que as relações simbólicas contidas nas duas imagens-informações,

102
“The cosmogram of Kongo emerged in the Americas precisely as ainging and drawing points of contact
between worlds” (THOMPSON, 1984, P. 110, grifos do autor).
103
“[...] na ilha de Cuba, quando os líderes do ritual do kongo desejavam fazer o importante charme de Zarabanda
(ki-kongo: nsala-banda, um tipo de tecido de fazer charme), começaram por traçar, em giz branco, um padrão
cruciforme na parte inferior, de uma chaleira de ferro. Esta foi a ‘assinatura’ (firma) do espírito invocado pelo
encanto. É claramente derivado do signo Kongo que os discos solares foram substituídos por setas,
representando os quatro ventos do universo” (THOMPSON, 1984, p. 110, tradução nossa).
84

apresentadas (FOTO 5 e FIGURA 8), simbolizam e significam um Sistema cosmológico de


pensamento circular, no qual, o mundo dos vivos (mundo visível) se consolida no presente a
partir da memória dos ancestrais no passado (mundo dos mortos; mundo invisível). Ao refletir
sobre tais semelhanças de identificação entre os sistemas simbólicos dos cosmogramas
apresentados, denota-se que houve um encontro de identificação, aproximações e
assimilações, uma comunhão104, entre as matrizes africanas Bantu-Kongo e, especificamente,
entre os Ameríndios brasileiros.
Além da presença destes grafismos que emanam um sistema simbólico de pensamento
mítico do tronco Tupi, relacionando-os com os desenhos dos Cosmogramas Bakongos,
ressaltam também, entre estes, as performances artísticas dos seus grupos étno-linguísticos,
como dançar, cantar (fazer poesia) e batucar, que se constituem como elementos de motrizes
culturais (propriedades derivadas).
As expressões artísticas do dançar, cantar e batucar como motrizes dinâmicas das
performances culturais também se fazem presentes na tradição oral e na memória corporal dos
índios brasileiros.
Sobre a presença desses elementos artísticos nos grupos tupinambás na BA, Risério
(2004, p. 37, grifo do autor) diz: “Bem vistas as coisas, a poesia, a música105, o canto, a dança
e o vinho (cauim) permeavam toda a vida social tupinambá. Eram como que onipresentes,
marcando de uma ponta a outra a existência aldeã.”
Segundo Risério (2004), a música, a dança e o canto eram presentes em todas as
atividades festivas para os tupinambás. “Pelo número e variedade das situações em que tais
cantares afloravam, vê-se a intensidade da produção poético-musical daqueles ameríndios”
(RISÉRIO, 2004, p. 37). Ainda segundo Risério (2004, p. 37, grifo do autor), “[...] quando
havia cauinagem, havia canto e dança. Canções e mais canções. Poemúsica ameríndia.”
Concluindo sobre a riqueza destas performances artísticas na cultura oral dos tupinambás,
Risério (2004, p. 38) comenta: “[...] Em outras palavras, eram índios que conheciam a floresta
encantada da linguagem.”
Nota-se a importância da língua, na tradição oral dos Ameríndios, pois, na cultura
Tupi, a língua é um elemento dinâmico e transformador que transmite informações, associada
às ações de cantar, dançar e batucar. A língua falada (tradição oral) dessas culturas é

104
“A tolerância indígena e a comunhão africana são sinais de cosmovisões que dançam um com o outro; que
reconhece a alteridade. Apesar das diferenças, ameríndios e africanos puderam estabelecer relações de
reciprocidade porque pertencentes a uma cultura da ginga […]” (OLIVEIRA, 2007, p. 186, grifo do autor).
105
A música aqui também é referente ao batucar, pois os instrumentos eram sagrados e sempre estavam
presentes nas festividades dos Ameríndios brasileiros.
85

integrada, ou melhor, faz parte das dinâmicas culturais (forças motrizes) que movimentam
filosofias ancestrais, através de performances artísticas – nesta dinâmica de vai-e-vem, tira-
de-lá-e-bota-cá, entre culturas.
Sendo assim, tanto a cultura como a língua106 são estruturas dinâmicas de adaptação,
transformação e existência da tradição oral, neste caso, afro-ameríndia no BRA. Até o
momento, pode-se concluir que, nas tradições orais dos Ameríndios e dos Bantu-Kongo,
existem elementos simbólicos (propriedades derivadas) entre os seus sistemas de pensamentos
míticos (cosmovisão de mundo / filosofia ancestral) que se assemelham pelos seus
significados e formas. Sendo esses elementos assimilados pelas performances artísticas
(motrizes culturais), como no caso do uso dos símbolos do círculo, da cruz e de Kalûnga
(Cosmograma Bakongo), tem-se um sistema simbólico da performance cultural da Umbanda
(sobre os pontos riscados visto no capítulo 1).
No caso da performance artística da Capoeira Angola:
• como foram assimilados os elementos simbólicos do Cosmograma Bakongo?
• a cosmogonia do mito de Kalûnga se apresenta no sistema simbólico da performance
da Capoeira Angola? e
• qual a relação das imagens míticas de Kalûnga com as imagens míticas da
performance da Capoeira Angola?
No lugar de angoleiro, não se tem dúvida de que essa performance artística se
fundamenta em princípios filosóficos da ancestralidade e pensamento circular. Entretanto, se
fez necessário para entender ou tentar responder tais questões, realizar os trabalhos de
experimentações artísticas com performances sobre e com o jogo de Capoeira Angola.
São enfocadas: as ações de cantar, dançar e batucar, integradas aos dispositivos de
inversão do corpo na Capoeira Angola (cabeça, pés e mãos).
Os trabalhos abordados, aqui, propõem, de forma poética, através das Artes Visuais,
identificar as imagens míticas da Capoeira Angola, na cosmogonia do mito de Kalûnga, no
Cosmograma Bakongo. Com este objetivo, dá-se continuidade a essa reflexão através da
trilogia Maré de Kalûnga (performance, escultura e vídeo instalação).

106
Língua: […] “A estrutura da língua corresponde à estrutura do mundo vital de tal maneira que é possível
dizer-se que a língua lança sua estrutura sobre o ambiente e o transforma assim em um mundo da vida.
Isto explica porque quem fala várias línguas vive em vários mundos, porque o mundo se modifica quando
se modifica a língua (acontecimento raro, observavél não apenas no Brasil, mas no Japão de hoje). Se for
assim, então a modificação da língua NO BRASIL implica a modificação do pensamento brasileiro, e a
modificação do estar no mundo brasileiro […]” (FLUSSER, 1998a, p. 158).
86

Os princípios filosóficos de tempo circular e de ancestralidade foram e são conceitos


fundamentais para o processo de manutenção dos ritos, mitos e símbolos nas dinâmicas de
motrizes culturais no BRA. Mas como ou por que as performances artísticas culturais de matriz
Bantu-Kongo, não existe lá como existe cá? Tirando de lá e botando cá, em um jogo de
plantar ideias nesta roda de palavras, se pode “[…] dar uma passo atrás” (FLUSSER, 2011b, p.
142) para refletir e entender sobre as propriedades derivadas (imagens míticas) de lutas e
danças africanas Bantu-Kongo-Angola como elementos resultantes do processo da diáspora
africana.
Ainda na metáfora da árvore Bantu, propõe-se uma reflexão sobre as imagens míticas
produzidas nos ritos, mitos e símbolos na constituição da cultura afro-brasileira. Como
sementes desta árvore, que chegaram aqui, através do mar de Kalûnga, e germinaram em solo
dos Ameríndios brasileiros.
Apresenta-se, aqui, 2 trabalhos que constituem a trilogia Maré de Kalûnga em um jogo
de tira-de-lá e bota-cá nesta roda de palavras.

2.7 Maré de Kalûnga: conexão entre dois mundos

Os trabalhos Jogo pra Kalûnga e Mono-lixo entre o céu e a terra constituem uma
produção de multimeios (vídeo, escultura, performance e instalação) que se articulam,
sequencialmente, na relação entre a performance artística da Capoeira Angola e da Escultura
em um campo ampliado de imagens-informações.
Os trabalhos relacionados se desenvolveram e foram constituídos a partir dos
desdobramentos entre preamar e baixa-maré de fluxos e refluxos das marés, do processo de
criação que se intenta apresentar, aqui, nos quais um processo gerou o outro.
Os mesmos se fundamentaram em torno das inquietações a respeito das origens das
imagens míticas Bantu-Kongo e suas relações com as imagens míticas produzidas na
performance artística da Capoeira Angola.
As reflexões realizadas até o momento foram impulsionadas e constituídas pelos
trabalhos citados que resultam um corpo teórico-prático, apresentando-se como Maré de
Kalûnga: conexão entre dois mundos.
87

Quadro 4 – É preto Kalûnga


É preto, é preto,
É preto, ôôô
Kalûnga […]
Capoeira […]
É preto, ôôô
Kakûnga
Fonte: GRUPO MUZENZA DE
CAPOEIRA, ([20--?])107

2.8 Breve apêndice: o triângulo, o círculo e a encruzilhada na Maré do Jogo pra Kalûnga

No capítulo 1, foram identificadas as formas arquetípicas do triângulo, do círculo e da


encruzilhada a partir desta conjuntura que se compôs, anteriormente, sobre tais formas
simbólicas. Pode-se conduzir ao possível entendimento da produção das imagens míticas da
Capoeira Angola. O contexto que se aponta, a seguir, busca evidenciá-las como imagens
ancestrais (imagens tradicionais), imagens-informações que foram recuperadas por um “[…]
conjunto de dinâmicas culturais utilizado na diáspora africana para restaurar comportamentos
ancestrais africanos” (LIGIÉRO, 2011a, p. 3). Busca-se, neste sentido, também evidenciar os
desdobramentos do corpo na performance artística da Capoeira Angola em sua relação
(simbólica) de conexão com o sistema simbólico do Cosmograma Bakongo. Se trata de
uma reflexão e produção sobre as propriedades derivadas108 da mítica Bantu-Kongo que,
possivelmente, foram assimiladas e adaptadas na performance artística da Capoeira Angola.
Neste intuito, desenvolve-se uma abordagem poética através do trabalho de vídeo-performance
Jogo pra Kalûnga. Com o objetivo de denotá-las como imagens míticas corporificadas, no
corpo-mandinga da Capoeira Angola, regidas pelo pensamento e tempo circular presente,
também, no processo de criação artística.
Os desdobramentos poéticos-visuais destes trabalhos foram realizados sobre duas
instâncias: na primeira, Kalûnga é o mito de um Deus onipresente que deu origem ao mundo
Bantu-Kongo como símbolo de conexão entre 2 mundos; e na segunda, Kalûnga se apresenta

107
Documento online não paginado. Canto corrido de domínio público; cantado, frequentemente, nas rodas de
Capoeira Angola.
108
Propriedades derivadas: o termo propriedades é usado com referência as qualidades que são inerentes as
performances culturais de matrizes africanas; já o termo derivadas refere-se a ter origem, ser proveniente.
No caso das culturas de matrizes africanas Bantu-Kongo-Angola para as culturas de matrizes africanas no
BRA.
88

personificado como o mito de integração entre os mundos, um deus que gera a vida, que se faz
presente na cultura de matriz Africana-Bantu-Kongo no BRA.

2.9 Jogo para Kalûnga: processo criativo de performance e vídeo-instalação

Caminhadas, reflexões, discussões, experimentações e troca de ideias, em um contexto


de vivenciar, experimentar, construir, refletir e apresentar. São ações imanentes que
constituem o devaneio do processo de criação do artista pesquisador, e assim, se deu o processo
de construção dos trabalhos artísticos nesta investigação em poéticas visuais.
Ocorreram durante o semestre de 2014.2, na disciplina Linguagens de Configuração
Espacial – II, lecionada pelos professors / artistas Lívia Flores e Ronald Duarte configurando
tal processo. Como proposta da disciplina e para atingir os seus objetivos, realizaram-se
derivas no Campus da UFRJ - Ilha do Fundão, juntamente com encontros, em que eram
apresentados os trabalhos dos participantes e se discutiam suas proposições, visando refinar a
reflexão crítica e a produção poética.
Foi em um ambiente de derivas e encontros coletivos que se materializaram os
trabalhos relatados a seguir. Os mesmos constituem-se parte do desenvolvimento de
experimentações práticas, engajadas na pesquisa em Artes Visuais no processo de
doutoramento. No Galpão de Linguagens Visuais deu-se início ao desenvolvimento da
disciplina. Nos encontros, definiu-se as ações que seriam realizadas para se atingir os
objetivos. Foi acordado entre os participantes e professores que, durante o decorrer do Curso
abordaría-se as seguintes estratégias metodológicas:
1) realizar derivas na Ilha do Fundão e entorno, observando elementos ou situações no
ambiente que suscitassem o processo de criação;
2) eleger uma vez por semana ou quinzenalmente uma palavra-chave como estímulo
no processo de criação; e
3) discutir e apresentar os trabalhos e ideias gerados a partir das palavras-chave e das
derivas realizadas.
Andar e observar. Registrar com fotos, vídeos, anotações e rascunhos as passagens e
fatos no entorno e na Ilha do Fundão, ações que conectam e estimulam os sentidos na
assimilação do mundo que nos envolve. Essas ações têm um propósito inflexível: mergulhar
nos procedimentos operativos que constituem o processo criativo na construção do objeto de
arte, e que, nesta Pesquisa, podem gerar: escultura, fotografia, pintura, desenho, instalação,
performance, intervenção-urbana, vídeo, vídeo-instalação, objetos e ações. Essas possibilidades
89

de construção e produção imagética podem ganhar forma e corpo, de acordo com a linha de
pensamento, a vivência e a reflexão do proponente, ou seja, do artista na sua investigação
criativa.
Aborda-se, aqui, o termo investigação, entendendo que, na busca de uma construção
poética no fazer da arte, a Pesquisa torna-se um fator inerente para configurar, materializar e
fazer existir o objeto de arte109. O mesmo só passa a existir a partir do olhar atento, da
observação do artista sobre o mundo que o rodeia, ou melhor, da sua vivência e experiência.
Sobre a natureza das coisas em que se encontram envolvidas, se desenvolveu a ação-
performance Jogo pra Kalûnga110.

Quadro 5 – Maré

Fonte: Marrom (2017)111.

O processo desenvolveu-se a partir da palavra Maré, com essa palavra reverberando,


continuamente, em reflexões sobre o seu sentido e significado, passou a se realizar
caminhadas. Em uma tarde ensolarada, o grupo saiu a andar e observar a paisagem. Nesse
trajeto, entre troca de ideias e o envolvimento com os caminhos e passagens pela Ilha do
Fundão pontuaram-se, cada vez mais, as questões referentes a sua constituição urbana e
também à formação da comunidade que hoje lá habita.
Diálogos sobre a construção do Campus universitário, sobre as empresas com os seus
monopólios e os empreendimentos de exploração naquele ambiente, uma ilha, que em algum
tempo perdido já foi separada do continente, hoje, ligada à cidade através de pontes de
concreto e cercada pelo mar, ainda não perdeu totalmente a sua característica natural,
constituindo-se de plantas, árvores e uma fauna fascinante. “Já não é a ilha que se separou do
continente, é o homem que, estando sobre a ilha, encontra-se separado do mundo”

109
O conceito de objeto de arte utilizado, aqui, corrobora com o conceito de Flusser (2011c, p. 19) sobre
objeto cultural no qual define, acentuando, que é o “[…] objeto portador de informação impressa pelo
homem”. Neste contexto, o resultado da produção dos trabalhos artísticos, aqui, são objetos culturais.
110
Kalûnga: “Entre os vários significados da palavra Kalûnga destaca-se a interpretação religiosa da
palavra, que representa a divindade dos mares (enquanto Kalûnga grande representa o mar)”
(WIKINATIVA…, [20--?]).
111
Documento online não paginado. Canto de domínio público cantado corriqueiramente nas rodas de Capoeira
Angola.
90

(DELEUZE, 2006, p. 18). Um mundo de terra e água, que constitui a sua origem e de todos os
seres vivos. O mundo que, pela insensibilidade, arrogância e vaidade humana, vai sendo
recriado. “Já não é a ilha que se cria do fundo da terra através das águas, é o homem que
recria o mundo a partir da ilha e sobre as águas” (DELEUZE, 2006, p. 18).
Continuando a deriva, chega-se na Vila Universitária, onde o grupo andou em direção
ao píer da vila onde ficam 2 barcos. Neste local, sobre as águas que fluem e refluem nas
marés da ilha, torna-se visível o acúmulo de lixo, resíduos sólidos de todos os tipos em que
escoam nas margens da maré, por ser um lugar situado à beira-mar. Gaivotas, garças e outros
pássaros alimentam-se de peixes mortos devido ao alto índice de poluição das águas.
O lixo compõe uma cena degradante e comum aos moradores e animais que ali
convivem. Ao deparar-se com essa imagem ressalta-se o descaso e a falta de cuidado com a
destinação e o uso do lixo gerado pelas sociedades humanas, que causa impactos ambientais
e, consequentemente, o desequilíbrio na natureza. Esta cena marcou, profundamente, por
refletir o distanciamento gradual na relação do ser humano com a natureza. Não se trata, aqui,
de promover uma discussão sobre o lixo e seus impactos ambientais, pois essa questão é
apenas a ponta de um iceberg que denota uma reflexão sobre o distanciamento do homem
com a natureza. Trata-se, sim, de trazer à tona uma discussão sobre o que aflora a partir do
descaso relacional do ser humano com o ambiente, qual o mundo que o envolve e o nutre?
Desse modo, o que se propôs foi uma discussão sobre o corpo como organismo
detentor de um sistema sensorial perceptivo que, devido às transformações sociais, industriais
e culturais, vai adotando hábitos mecânicos e repetitivos, tornando-se, cada vez mais,
condicionado a tais hábitos. É notado que esse condicionamento embota a sensibilidade do
sistema perceptive e sensorial do corpo, distanciando-o da sua conexão com a natureza.
Potanto, interessa repensar e refletir sobre o ser humano como um corpo em movimento, que
se configura entre tradição e contemporaneidade. Um corpo que busca reconstituir a
sensibilidade do seu sistema perceptive através da unidade entre o mundo natural (mundo
visível) e o mundo sobrenatural (mundo invisível).
Ao munir-se dessas reflexões e inquietações, cresce a importância da prática da
Capoeira Angola, por sua capacidade de ativar o sistema perceptivo em uma relação com a
natureza e a ancestralidade, ambos elementos pertinentes e indissociáveis, no que se refere às
culturas de matriz africana no BRA. No lugar de artista-pesquisador-angoleiro, o autor desta
Pesquisa investiu em procedimentos operativos para a criação artística, lançando mão dessa
experiência. O envolvimento na performance Encruzilhada: a passagem foi imprescindível
91

durante a Pesquisa, com o símbolo gráfico do Cosmograma Bakongo112. Fato que


proporcionou uma apropriação deste símbolo, possibilitando partir para uma investida em busca
da ressignificação do sistema simbólico da Capoeira Angola com o sistema do Cosmograma
Bakongo113.
Daí, vieram as seguintes questões:
• como realizar um trabalho artístico que conjugue estes elementos?
• como despertar a atenção do olhar humano para sua relação de distanciamento da
natureza? e
• com este aparato de informações e interrogações, configurou-se a ideia de uma
ação-performance, que teve como proposição realizar um jogo?
Nele, buscou-se, simbolicamente, restituir ao corpo a conexão entre a terra, o homem e
o mar, traduzindo-se em uma dinâmica de interação com a natureza. O corpo torna-se uma
forma de oferenda, uma louvação à vida. Vê-se, aqui, o conceito de jogo acima da lógica
racionalista e eurocêntrica em consonância com as ideias de Huizinga (2008, p. 6) quando diz:
“A própria existência do jogo é uma confirmação permanente da natureza supralógica da
situação humana.” Também aponta nos seus estudos sobre o homo-ludens que o jogo é um
elemento imanente à natureza humana (HUIZINGA, 2008). Com este objetivo, conclui o seu
raciocínio: “Se os animais são capazes de brincar é porque são alguma coisa mais do que
simples seres mecânicos. Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é porque somos
mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional” (HUIZINGA, 2008, p. 6). Ou
seja, o jogo faz parte de atividades que não são regidas por uma ordem lógica e racionalista.
Além deste caráter irracional do jogo, que Huizinga (2008) apontou, e que se faz
presente na dinâmica da Capoeira Angola, se atenta também para outros elementos que
integram a dinâmica dessa arte-luta, como o ritual e a performance. Tais elementos são
característicos na arte e religião Africana-Bantu e são recorrentes nas dinâmicas culturais de
matriz Africana-Bantu no BRA. Esses elementos são características inerentes ao universo da
prática da Capoeira Angola, como também encontram-se inseridas no uso do Cosmograma
Bakongo.

112
“Tendwa Nzá Kongo: O Cosmograma Kongo o símbolo Kongo do cosmos e da continuidade da vida
humana” (THOMPSON, 1984, p. 108, tradução nossa).
113
“Os iniciados lêem o cosmograma corretamente, respeitando sua alusividade. Deus é imaginado no topo, os
mortos no fundo e a água no meio. Os 4 discos nos pontos da cruz representam os 4 momentos do Sol, e a
circunferência da cruz, a certeza da reencarnação: a pessoa Kongo, especialmente, rígida nunca será destruída,
mas voltará em nome ou corpo da progênie, ou na forma de uma piscina eterna, cachoeira, pedra ou
montanha” (THOMPSON, 1984, p. 109, tradução nossa).
92

Thompson (1984), nos seus estudos, descreve 4 grandes formas de expressão que são
influências e improvisações da arte e religião Kôngo, dentre estas, evidencia que os
cosmogramas são “[...] marcados na terra para fins de iniciação e mediação de poder espiritual
entre os mundos [...]”114 (THOMPSON, 1984, p. 108, tradução nossa)115 . Esta ação significa e
remete a uma performance ritualística de caráter religioso que, como já foi visto (CAPÍTULO
1), também se faz presente nos desenhos rituais de cosmogramas na performance cultural
(afro-ameríndia) da Umbanda (pontos riscados). Se detém um olhar, aqui, sobre o caráter
religioso e ambivalente entre ritual e performance, neste caso, especificamente, relacionado
aos desdobramentos estéticos do corpo da Capoeira Angola na relação circular com o
Cosmograma Bakongo.
Afora a circularidade ser um elemento de conexão entre a Capoeira Angola e o
Cosmograma Bakongo, a informação de Thompson (1984) sobre arte e religião conjugadas no
desenho ritual do cosmograma no chão, foi mais um dado que, dentre outros, fundamentou o
uso do Cosmograma Bakongo nas performances como uma representação ritualística. A partir
da articulação entre essas informações, pôde-se chegar a um processo de ressignificação do uso
deste símbolo Kongo, como uma inscrição, em uma conjunção relacional entre ele e a
Capoeira Angola, que se move em seu ritual de forma circular. Dentre os elementos
simbólicos contidos na forma circular do Cosmograma Bakongo, observou-se o seu principal
mito de cosmogonia, Kalûnga, como o Deus que rege e é regido por uma dinâmica circular
entre mundos, representado através do desenho rabiscado no chão. Neste sentido, o mito de
Kalûnga passou a ser, no âmbito da proposição da performance, o elemento simbólico de
conexão entre 2 mundos (entre o mar e o céu; entre o céu e a terra).
Por já ter assimilado alguns significados sobre o Cosmograma Bakongo, utilizando-os
na primeira performance (CAPÍTULO 1), buscou-se reproduzir uma ação de cunho
ritualístico. Desenhando o cosmograma no chão, subvertendo-o em ação de arte, integrado ao
Jogo de Capoeira Angola na forma de uma experimentação artística. O ato de desenhar o
cosmograma no chão e jogar Capoeira Angola sobre ele caracterizou-se como um ritual
simbólico, uma ação-performance que estabeleceu uma conexão entre Arte e ritual, a partir da
performance artística realizada anteriormente (Encruzilhada: A Passagem). O desenho do

114
“[...] marked on the ground for purposes of initiation and mediation of spiritual power worlds [...]”
(THOMPSON, 1984, p. 108).
115
“As influências e improvisações da arte e religião do Kongo no hemisfério oeste estão melhor discernidas
em 4 grandes formas de expressão: marcados na terra para fins de iniciação e mediação de poder
espiritual entre os mundos, os remédios Kongo sagrados, ou minkisi; o uso de sepulturas de mortos
recentes como atrativos da vigilância ancestral e retorno espiritual; e as utilizações supernaturais de
árvores, ramos, galhos e raízes” (THOMPSON, 1984, p. 108, grifo do autor, tradução nossa).
93

Cosmograma Bakongo passou a ser utilizado em outras ações-performances e tornou-se uma


inscrição, representando, simbolicamente, a relação de unidade do homem com os 2 mundos
(mundo visível e mundo invisível), através do mar de Kalûnga116. Portanto, foi realizada a
performance Jogo pra Kalûnga, propondo-se uma conjunção entre o sistema do
Cosmograma Bakongo e o sistema simbólico do corpo da Capoeira Angola. Buscou-se
também identificar as imagens míticas de ambos os sistemas e suas relações com o sistema
simbólico do mito de Njila (Exu). É a respeito deste trabalho artístico e suas representações
simbólicas e poéticas que discorrem as linhas seguintes.

2.10 Jogo pra Kalûnga: breve relato simbólico da performance

O performer anda, compassadamente, sobre a madeira do píer em um dos 4 caminhos


que compõem o seu tablado cruciforme, o corpo dele em molejos dançantes dirige-se na
direção que elege como um ponto de origem, no centro da encruzilhada. Ao fundo, o
berimbau o acompanha. Seus movimentos e o som tornam-se sintonizados no mesmo ritmo.
Ele agacha-se ali, naquele ponto central, e, em gesto sucinto, retira do bolso da sua calça
branca um bastão de giz branco. Rabisca o desenho de um círculo vazio que representa o
mundo. Em seguida, traça uma linha horizontal que preenche o círculo cortando-o ao meio,
em duas partes (2 mundos).
Esta linha representa Kalûnga117, o grande mar misterioso, que deu origem a tudo: o
Deus que fertiliza e faz germinar, Deus das florestas, Deus celeste e das profundezas da terra,
portanto, onipresente. Um Deus que está entre os 2 mundos dividindo-os e unindo-os.
Sequencialmente, ele traça outra linha, dessa vez, no sentido vertical. Uma linha que
liga os 2 mundos, aqueles partidos ao meio por Kalûnga.
O seu reino é o mundo abaixo de sua linha horizontal (o mundo invisível; mundo dos
mortos). Nesse reino, ele é Kalungaongombe. A linha vertical representa, neste caso, o

116
“Segundo Eduardo dos Santos, o termo Kalûnga vem do radical lûnga do verbo okulungai seja construir.
De acordo com Estermann, este termo que, no entender de Alves, se encontra em 66 línguas africanas,
vem do verbo okulunguka e significa «ser astucioso» ou «ser esperto». Ainda na opinião de Estermann,
em outros idiomas, este termo poderia originar da palavra ndûngi que significa «inteligente» ou do verbo
okulunga que significa «ser atento» ou «vigilante». Nestas diferentes observações, Estermann conclui
que Kalûnga deveria ser traduzido por «o ser pessoal inteligente»” (HAUENSTEIN, 1971-1972 apud
BATSÎKAMA, 2010, p. 38, grifos do autor).
117
Kalûnga: “Como diz Fu-Kiau [1969, 1970, 1986 apud PINTO, 2015) […], o termo Kalûnga, literalmente, é o
alguém-que-é-completo-por-si-mesmo, o todo-em-tudo. É também usado como um sinônimo e epiteto de
Nzâmbi, (Deus), entre os grupos Bantus, especificamente os Bakongo. Antes da introdução da religião
Judaico-Cristã na área do Congo, esse termo era usado para significar a presença do completo poder/energia
que deu nascimento a môyo (vida), e ao ‘luyalungunu’ (universo)” (FU-KIAU, 1969, 1970, 1986 apud
PINTO, 2015, p. 155, grifo do autor).
94

movimento de Kalûnga entre os 2 mundos (mundo dos ancestrais e mundo dos vivos),
personificado, como Nzila, cruzando sua linha fronteiriça entre-mundos em movimentos
dinâmicos, emergindo e submergindo entre eles para gerar a semente da vida (o ser humano)
no centro da encruzilhada.
Nas extremidades do desenho da cruz, formada pelas linhas horizontal e vertical, o
performer desenha 4 círculos menores. Eles representam a fonte de luz primordial que rege a
dinâmica de Kalûnga, o Sol.
Em continuidade ao rito que exerce, o performer, em gesto loquaz, traça 4 setas
circulares em sentido anti-horário, que indicam os ciclos do sol em torno da terra. Essas setas
significam os movimentos do Sol regendo a dinâmica de Kalûnga entre os 2 mundos, mundo
visível (mundo dos vivos) e mundo invisível (mundo dos mortos).
Neste momento, conclui o desenho e sai (FOTO 6)118.

Foto 6 – Performance 1 - Jogo pra Kalûnga

Fonte: O autor (2014).


Nota: O autor desta Pesquisa é o performer.

O som do berimbau reverbera em seu corpo, intensificando o seu beat119, envolvendo-


o mais ainda no ritmo que já é imanente a ele. Em um gesto reverse, ele retorna, na direção do
desenho no centro da encruzilhada, envolvido pelos seus aceptos e perceptos. Magicamente, ele

118
Todas as fotos que constam nesta performance são frames do vídeo, preparados pelo autor deste Trabalho, a
partir de uma programação automática da câmera (com um tripé) que enquadrava a performance (realização
da ação).
119
Beatt: termo que designa uma batida, uma pulsação, um ritmo.
95

pula miudinho no umbigo do cosmograma e passa a desenvolver movimentos circulares. Desta


forma, integra-se à dinâmica circular do cosmograma, gingando em unidade e no fluxo do
Tandu Kyalagama (Tempo Cósmico Bakongo).
A partir dos desdobramentos dos movimentos, regidos pelo som circular do berimbau,
seu corpo, arrebatado por aquele ritmo, cresce e fica pequeno, performando imagens
inconscientes de formas e animais. Neste momento, ele se dinamiza no espaço-tempo
ritualístico da performance e se expressa como nzila (exu na língua Bantu), que transita entre
2 mundos, em um jogo que tira-de-lá-e-bota-cá, tira-daqui-e-bota-lá, entre o céu e a terra. Em
um vai e vém como a maré de Kalûnga (FOTO 7)120.

Foto 7 – Performance 2 - Jogo pra Kalûnga

Fonte: O autor (2014).


Nota: O autor desta Pesquisa é o performer.

Neste jogo de corpo, sensação e percepção são inseparáveis do performer, pois sua
mandinga, reflete e absorve imagens assimiladas dos 2 mundos. Imagens míticas, que se
assemelham aos movimentos dos elementos naturais (terrestres e celestes): as águas dos rios,
as ondas do mar, o vento sobre as árvores, a lua crescente, os ciclos do sol e a terra. E, também,
imagens que remetem à estética121 dos movimentos de animais como: sapo, zebra, boi, raia e

120
Todas as fotos que constam nesta performance são frames do vídeo, preparados pelo autor deste Trabalho, a
partir de uma programação automática da câmera (com um tripé) que enquadrava a performance (realização
da ação).
121
Estética: a palavra estética é utiilizada no contexto desta investigação regida pelo seu étmo de origem,
aisthésis, no sentido de percepção totalizante (percepção e sensação) que se apresenta no corpo da
Capoeira Angola como a mandinga.
96

outros. O seu corpo-capoeira-angola mandinga, no centro que o gerou, louva Kalûnga e os


4 cantos da encruzilhada.
Deste momento em diante, o jogo é fluxo contínuo e pleno de tempo e pensamento
circular, em unidade na roda-cosmograma, neste caso, o corpo do capoeirista passa a ser o elo
entre o que está em cima e o que está em baixo. Ele é o meio. Conjugando-se nesta dinâmica,
como símbolo dessa integração entre ambos, o performer sai da roda dos ancestrais, no
movimento de aú e planta bananeira para selar sua integração e conexão com os 2 mundos (FOTO
8)122, pois o jogo não acabou, o seu ritmo continua...

Foto 8 – Performance 3 - Jogo pra Kalûnga

Fonte: O autor (2014).


Nota: O autor desta Pesquisa é o performer.

Jogo pra Kalûnga nasceu como proposição artística de integração, que apresenta e
representa, as imagens míticas do sistema simbólico-filosófico do Cosmograma Bakongo
como imagens presentes na constituição do sistema dinâmico da Capoeira Angola.
Trata-se de uma estratégia de reversão poética-visual que busca visibilizar imagens
míticas que se tornaram invisíveis no processo de exclusão e aculturação social, da diáspora
do povo Bantu-Kongo-Angola no BRA. Essa restituição mítica-simbólica, representou,
naquele momento, ou melhor, ocupou o lugar de um rito mágico de assimilações simultâneas

122
Todas as fotos que constam nesta performance são frames do vídeo, preparados pelo autor deste Trabalho, a
partir de uma programação automática da câmera (com um tripé) que enquadrava a performance (realização
da ação).
97

de 2s sistemas simbólicos. Neste sentido, o desenho do Cosmograma Bakongo é uma


inscrição que representa a integração do ser humano com os 2 mundos. Constituindo, para a
Capoeira Angola, o jogo de interação entre o corpo-capoeira-angola com o cosmograma.
A performance simbolizou a reintegração do corpo com o ambiente que o envolve,
celebrando a integração do homem com a natureza, através dos movimentos em um jogo
ritual. Caracterizado por movimentos corporais que se confundem e se alternam entre luta e
dança. O jogo nessa performance assemelha-se ao ir e vir das marés. “[...] A capoeira reproduz
em terra o desequilíbrio do mar [...]” (OLIVEIRA, 2007, p. 175).
Em conexão com a filosofia da cosmovisão Africana-Bantu-Kongo a capoeira é o mar,
e “[...] o capoeirista é feito de água, pois tem de diluir-se, esparramar-se, juntar, represar e
tornar a escorrer. A capoeira é da matéria da água” (OLIVEIRA, 2007, p. 175).

2.10.1 Performance123 e ritual em Jogo pra Kalûnga

De acordo com as ideias de Schechner (2003, p. 27), as performances são resultado de


ações, como comportamentos restaurados: “[…] ações performadas que as pessoas treinam
para desempenhar, que têm que repetir e ensaiar […]”. Schechner (2003) insere o conceito de
performance como comportamento restaurado, ressaltando-a como elemento inerente e
presente no fazer da arte, no fazer do ritual e no fazer cotidiano. Deixando claro também que,
essas ações são performadas de acordo com a vivência cotidiana e se expressam na relação de
ajustar a vida às circunstâncias pessoais e comunitárias, levanta-se a hipótese de que a
Capoeira Angola, como cultura de cosmovisão Bantu e Afro-ameríndia no BRA, contempla,
em si, a performance em 3 instâncias:
• a performance-ritual;
• a performance artística;
• a performance cultural (cotidiana).
Corroborando ainda com Schechner (2003, p. 28) quando diz que: “[…] A performance
não está em nada, mas entre. Deixa-se explicar que um performer do dia-a-dia, num ritual,
num jogo ou nas artes performáticas propriamente ditas, faz / mostra algo – performa uma ação

123
“Performances afirmam identidades, curvam o tempo, remodelam e adornam corpos, contam histórias.
Performances artísticas, rituais ou cotidianas – são todas feitas de comportamentos duplamente
exercidos, comportamentos restaurados, ações performadas que as pessoas treinam para desempenhar,
que têm que repetir e ensaiar. Está claro que fazer arte exige treino e esforço consciente. Mas a vida
cotidiana também envolve anos de treinamento e aprendizado de parcelas específicas de comportamento
e requer a descoberta de como ajustar e exercer as ações de uma vida em relação as circunstâncias
pessoais e comunitárias” (SCHECHNER, 2003, p. 27).
98

[…].” Foi neste contexto, de performar uma ação-jogo de Capoeira Angola sobre a inscrição
do Cosmograma Bakongo, situada em e entre 2 mundos, que se realizou a reintegração e a
hibridização entre tais sistemas simbólicos.
A relação entre o desenho riscado no tablado de madeira e o jogo realizado sobre o
mesmo, na forma de performance-ritual, sacralizou simbolicamente, e conjugou a relação de
pertencimento entre ambos. Ao mesmo tempo, constituiu o Corpo-Capoeira-Angola como
sujeito-objeto de conexão entre 2 mundos (o Céu e a Terra). Tradicionalmente, o jogo, no
ritual da roda de Capoeira Angola, ocorre em parceria com outra pessoa, em um diálogo de
corpos de pergunta e resposta.
Na performance apresentada, o deslocamento de lugar, que tira-de-lá e bota cá,
descontextualiza a prática da Capoeira Angola do seu ambiente de culto, porém,
contextualiza-se no campo da Arte, como performance-ritual, na qual o performer realiza
movimentos de Capoeira Angola em um jogo com o invisível, imerso em uma cosmologia de
tempo e pensamento circular, representada pelo círculo inscrito no chão. O jogo de pergunta e
resposta ocorre em diálogos entre o corpo do capoeirista (visível), o espaço vazio (invisível) e
o Cosmograma Bakongo, e ultrapassa, simbolicamente, os limites da realidade física,
configurando o sentido de um ritual realizado com música, ginga, chamada e movimentos.
A ludicidade e a liberdade do jogo são elementos intrínsecos à Arte e à Capoeira
Angola. Ambas as utilizam como estratégias no jogo de tira de onde não tem e coloca onde
não cabe.
Huizinga (2008) identifica esses elementos como a principal característica do jogo, a
Mandinga pelo “[...] fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade, uma segunda característica,
intimamente ligada à primeira, anuncia que o jogo não é vida ‘corrente’ nem vida ‘real’”
(HUIZINGA, 2008, p. 11). Assim, define o jogo como “[...] uma evasão da vida ‘real’ para
uma esfera temporária de atividade com orientação própria” (HUIZINGA, 2008, p. 11). O
jogo, nesse sentido, é uma estratégia criativa de subterfúgio da ordem linear de pensamento
do real para uma direção própria de outra ordem (pensamento circular) do real, que aqui se
configura através da performance.
Nesta investigação, a performance é a expressão artística-visual que, por meio da
memória corporal, reelabora os movimentos dinâmicos da Arte da Capoeira Angola para torná-
los visíveis como imagens míticas. Ela é o meio que deu inicio à construção poética-visual das
vídeo-instalações aqui apresentadas e de outras. Neste sentido, também, ela fornece
informações e restaura comportamentos, de acordo com as ideias de Schechner (2003) sobre o
conceito de performance triplamente orientada.
99

Há um jogo implícito no processo de criação artística, que se torna evidente e


inevitável no trabalho artístico apresentado neste Trabalho. Constata-se, aqui, que a
performance-ritual realizou um jogo entre culto (ritual) e ação artística. “O ato de culto possui
todas as características formais e essenciais do jogo, […] sobretudo na medida em que
transfere os participantes para um mundo diferente” (HUIZINGA, 2008, p. 22).
Como parte dos processos criativos nesta investigação em Artes Visuais, essa
transferência ocorre de forma contrária porque realiza uma ação reversa de arte, em que o
jogo antecede o culto (ritual) para regê-lo, juntamente com a performance. Neste jogo-arte
entre ritual e performance, o performer-capoeirista transfere-se, simbolicamente, para um
mundo diferente, de tempo circular. Flusser (2011c) indica que o tempo circular é um tempo
de magia, que estabelece relações significativas. “Tempo diferente do linear, o qual estabelece
relações causais entre eventos” (FLUSSER, 2011c, p. 23).
Na performance, o jogo de Capoeira Angola instituiu relações significativas com o
Cosmograma Bakongo através do ritual, em uma relação de tempo mágico-circular. Diferente
do tempo linear casuísta. No tempo circular, tempo da magia, um componente significa o
outro e este significa o primeiro, ou seja, a performance, através do Jogo, dá significado ao
Cosmograma, e este, dá significado à performance.
No trabalho desenvolvido, a performance-arte se conjuga com a Capoeira Angola-arte
a partir do ritual, no qual ambos dão significado à cosmologia do Cosmograma Bakongo. Há
uma contemporização, na qual o performer assume e realiza a performance do ser mítico,
nzila (Exu)124, que transita e transmite informações entre os 2 mundos, por meio do jogo de
arte-performance-ritual, que teve como campo de ação a encruzilhada de Kalûnga.

2.11 A performance de Nzila: mensageiro entre mundos

Como exemplo, sobre a leitura visual do mito de Nzila, e, para auxiliar o leitor a uma
compreensão acerca da força deste mito. Apresenta-se aqui, a seguir, a imagem de uma
escultura que foi construída como interpretação das narrativas sobre este mito (FOTO 9)125.

124
Exu: representa, aqui, um elemento mítico, das culturas de matrizes africanas, que está imbricado na cultura
brasileira e que independente do termo que for usado: Exu, Legba, Nzila ou Zé Pilintra (na Umbanda), refere-
se, especificamente, a autenticidade deste mito presente no pensar e agir, que se expressa no corpo do
angoleiro através da mandinga em um jogo-de-corpo em vai-e-vêm entre 2 mundos (subjetivo e objetivo;
razão e emoção). Neste contexto Exu representa, também, a qualidade do pensar e agir do ser angoleiro.
125
Bombonjira: escultura de Exú realizada na década de 1990, apresentada no Goeth Institut em Salvador -
BA.
100

Foto 9 – Bombonjira126

Fonte: O autor (1993).

Segunda feira na tradição do Candomblé é o dia dedicado a Legba [Exú


em Jêge; na nação Angola é Nzila], dia que o mundo anda, dia que
mundo fala, o dia em que o mundo come. Porque Exú é a positividade e
a negatividade, ele é o neutro da vida. Dono dos três caminhos. Exú
significa esfera que, sempre está em movimento. Então, Exú é isso. É o
movimento da vida, ele é responsável pelo caminho, o corpo e pela
criação do ser humano. Ele é a boca que tudo come, sem Exú ninguém
faz nada. Exú é nosso mensageiro que pega nossas notícias [imagens-
informações] na terra e leva até o céu, e traz de volta do céu pra terra para
serem executadas (informação verbal)127.

126
Bombonjira: “Ao longo da prática religiosa do povo do candomblé, muita deformação e distorção têm sido
geradas por instrumentos racistas e preconceituosos, e infelizmente muitos de nós temos alimentado essas
deformações, principalmente no que se refere a Bombonjira (Mbombo nzila) ou simplesmente Unjira (Nzila),
nkisi equivalente ao orixá Exu que vem sendo cada vez mais satanizado e diabolizado” (PINTO, 2015, p. 164,
grifo do autor).
127
Informação verbal proferida pelo Pai Marcelo, durante entrevista realizada pelo autor deste trabalho, em sua
residencia, em João Pessoa / PB, em fev. 2018. Vale ressaltar que o Pai Marcelo, em 1996, foi consagrado
Doté, sua digina (nome) é Odê Ofá Dana-Dana Farôkê da nação de Jêge Savalu.
101

“[…] LÉNDA A NZILA WÍA KWETU! (o poder do caminho chegue a nós!)


UNIJIRÉ!” (PINTO, 2015, p. 165, grifos do autor).
Em uma comparação de associação com o mito de Exu, dono do caminho, narrado
acima, se identificou em sua dinâmica à semelhança com Nzila que, na mitologia da origem
de Kalûnga, é reconhecido por Fu-Kiau (1980), como o ser divino que se movimenta entre os
2 mundos.
Em Kimbundu (uma das línguas Bantu-Kongo), Nzila (Bombonjira), significa:
“Divindade que controla o movimento e é o mensageiro entre o mundo terreno e o que é
habitado pelos Nkisi. Grande guardião” (ALVES, 2010, p. 130). Mito gerador do movimento
da vida e do corpo humano, ele se faz presente no sistema dinâmico Bantu-Kongo e nos
sistemas dinâmicos das culturas Nagô: Jêje e Yorubá. Na cultura Jêje, ele é Legba, na Bantu-
Angola, ele é Nzila e na Yorùbá, ele é Èsù.
Nestes 3 sistemas dinâmicos de matrizes africanas no BRA, este mito é expressado e
representado, simbolicamente, com as mesmas qualidades.
Na cultura religiosa da Umbanda, ele também é ritualizado como Zé Pilintra (Exu
masculino) e Pomba-Gira (Exu feminino). Exu, nesta forma escrita e falada recorrentemente,
também no linguajar popular, representa o dono da encruzilhada, o mensageiro entre o
mundo dos ancestrais e o mundo dos vivos. É ele que rege e informa o corpo.
De fato, [...] [Èsù] não só está relacionado com os ancestrais femininos e masculinos e
com suas representações coletivas, mas ele também é um elemento constitutive [...]”
(SANTOS, 2002, p. 130), que possibilita a ligação e a interação entre “[…] todos os seres
sobrenaturais, como também de tudo que existe” (SANTOS, 2002, p. 130). “Sem Exu, os
elementos do sistema e seu devir ficariam imobilizados, a vida não se desenvolveria”
(SANTOS, 2002, p. 131).
O mito de Exu tem uma representação simbólica nos sistemas dinâmicos das culturas
de matrizes africanas no BRA, tornando-se elemento essencial para dinamizá-los.
Suponhe-se que o mito de Exu, por ser comum às nações Ketu, Jêje e Angola, possui
significados e representações que se assimilam nas 3 culturas, aproximando-as como sistemas
semelhantes, que conjugam do mesmo mito de movimento. Ele é o elemento de conexão que
movimenta a energia (o axé) entre os ancestrais e os seres humanos, pois, sabe-se no
Candomblé que, antes de oferecer o Padê (ritual de comidas e oferendas) para os Nikisi
102

(Unjira)128, Orixás ou Voduns, se dá comida primeiro a Exu. Ele é o dono dos 3 caminhos e
move a vida e o corpo no espaço-tempo, entre o Céu e a Terra. Seu símbolo é o triângulo,
uma unidade dinâmica, que dá sentido e significado aos sistemas de pensamento destas
culturas.
Se constata assim, que o mito de Exu representa o terceiro ponto que nasceu no
cruzamento entre as linhas horizontal e vertical. Ele constitui-se como a unidade dinâmica
desse triângulo, gerado, entre o céu e a terra. Ele é a potência geradora do movimento, a partir
de sua unidade triangular, ele se move em círculos em um vai-e-vem de tira-de-lá e bota cá na
encruzilhada.
No lugar mítico de regente dos 3 caminhos, ele é representado, escultoricamente, pelo
imaginário artístico das culturas de matrizes africanas no BRA, na figura de um ser híbrido
entre homem e animal (boi) que carrega um tridente, o símbolo da sua regência, sob os 3
caminhos (FOTO 9).

2.12 Exu: princípio dinamizador no corpo da Capoeira Angola

O mito de Exu simboliza o movimento do corpo em suas ações no espaço-tempo, ele é


o dono e regente da dinâmica do corpo. Sem Exu, os elementos do Sistema de pensamento
circular das culturas de matrizes africanas no BRA, juntamente, com o processo de mudanças
efetivas pelas quais todo ser passa, não se desenvolveriam, ficariam inertes. De acordo com a
fala de Santos (2002), nos sistemas cosmológicos das culturas de matriz africana no BRA,
Exu (Nizila, Èsù ou Legbara) representa o princípio dinamizador, que movimenta e
impulsiona todos os elementos míticos e ritualísticos destes sistemas e o triângulo é signo da
sua dinâmica. O mito de Exu se apresenta nestas tradições de oralidade como o elemento,
essencial, que gera a dinâmica através da unidade do triângulo.
De acordo com a reflexão apresentada, sobre a presença da unidade dinâmica do
triângulo nos desdobramentos do corpo da Capoeira Angola (CAPÍTULO 1), denota-se que a
ginga da Capoeira Angola se constitui num corpo de mandinga que pode ser associado à

128
“O n’kisi Unjira, como a própria palavra já diz, é o caminho, nkisi do caminho, o remédio do caminho. Depois
da reverência aos bakulu, os ancetrais, Unjira é o primeiro n’kisi a ser reverenciado, não para afastá-lo dos
demais, nem para mandá-lo embora para não fazer confusão, mas para levar a mensagem e conduzir com
equilíbrio os caminhos dos nossos rituais. O poder de selar, codificar, enlaçar (kanga), empoderar cada um no
seu caminho é de Bombonjira, Unjira. É sua atribuição ser o guardião do caminho, e quem não tem caminho
não pode andar ou, quem escolhe andar por uma caminho que não é seu, não pode avançar. É o n’kisi que
sinaliza o equlíbrio ou o desequilíbrio do caminho de cada um, mas a escolha de buscar a manutenção do
equilíbrio ou a cura para o desequlíbrio depende de cada um, é de cada um” (PINTO, 2015, p. 164).
103

dinâmica do mito de Exu. A ginga é o primeiro movimento do capoeirista que gera o triângulo
dinâmico, mas, após a aparição do terceiro ponto, o corpo é só mandinga129. Na Capoeira
Angola a ginga é a base, o triângulo que dinamiza o corpo, mas, a mandinga é sua alma. Sem
a mandinga não existiria o sistema dinâmico da Capoeira Angola. Da mesma forma, ocorre
nos sistemas dinâmicos das culturas de matrizes africanas no BRA. Sem Exu não existiria
Candomblé, pois, sem ele tais sistemas não se moveriam.
Verificou-se com essas reflexões, que o mito de Exu é o princípio dinamizador dos
sistemas de pensamento das culturas de matriz africana no BRA. Aqui, se identifica esse mito,
como elemento presente e estruturante, também, do sistema dinâmico da Capoeira Angola.
Como já foi descrito, através da narrativa mítica-poética da performance artística apresentada,
o performer (capoeirista) ocupou o lugar simbólico de Exu, um corpo de mandinga que
informou e gerou formas.
Através dos desdobramentos dos seus movimentos no espaço-tempo, entre a Terra e o
Céu (entre o mundo visível e o mundo invisível), o corpo se assemelhou a Exu, em sua
dinâmica de mensageiro, em uma encruzilhada.
Vale ressaltar que, não se propõe, aqui, apresentar esse mito como o corpo da Capoeira
Angola, mas sim realizar uma leitura sobre ele como o elemento simbólico, constitutivo e
estruturante, presente no sistema dinâmico desta performance artística. Pois, assim, como Exu
dinamiza-se em movimentos lá e cá, conduzindo informações, entre-mundos (na
encruzilhada), o corpo-mandinga também realiza movimentos de tira-de-lá e bota-cá, ele
ginga na encruzilhada, se move em círculos, gera e transmite imagens-informações no jogo e
na roda de Capoeira Angola. O corpo, então, assume dinâmica- triangular do sistema
simbólico do mito de Exu.
No locus de performance artística cultural gerada pelas motrizes Africana-Bantu-Kongo
no BRA, atribui-se, aqui, a performance artística da Capoeira Angola, o valor e qualidade de
um sistema simbólico (dinâmico), que se expressa através dos desdobramentos do corpo na
mandinga: em uma dinâmica de movimentos triangulares e circulares.
O sistema dinâmico, o corpo do capoeirista desenvolveu-se em movimentos, através,
de 3 partes extremas do corpo: a cabeça, os pés e as mãos. Identifica-se, estas partes, como
dispositivos de inversão, pois, além delas constituírem-se no corpo – o sistema de percepção
dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) –, também desempenham as funções de

129
Mandinga: se constitui, aqui, como o elemento essencial que define o jogo de corpo de cada capoeirista
no exercício, neste caso, de suas habilidades de dissimular e lançar seus movimentos, entre o sim, o não
e o talvez. Refere-se ao corpo que se move gerando estratégias com seus dispositivos de inversão
(cabeça, pés e mãos) da lógica de percepção e sensação. Para vivenciar as ações do corpo no presente.
104

reverter os movimentos e realizarem as ações que invertem um sentido lógico de verticalidade


corpórea.
Tais partes, no corpo do capoeirista, constituem-se dispositivos que impulsionam e
regem o corpo para integrá-lo em uma ordem de pensamento e tempo circular. No sistema
dinâmico da Capoeira Angola, estas partes, sensoriais e perceptivas do corpo, também são
dinamizadas em unidade triangular, regidas e envolvidas pelo potente trio de expressões
artísticas, presentes nas motrizes culturais afro-brasileira, que são: o cantar, o tocar e o
batucar.
A partir das reflexões geradas pelas experimentações artísticas (performance, vídeo,
instalação, escultura, impressão e fotografia), sobre as origens das imagens míticas, produzidas
pelos desdobramentos do corpo, tornaram visíveis os elementos simbólicos (imagens míticas)
que constituem o corpo da performance cultural da Capoeira Angola como um sistema
dinâmico.
Dentro do construto poético-visual gerado, se identificou o mito de Exu, representado,
simbolicamente, pela unidade triangular, que é presença inerente e intrínseca em sua dinâmica
e na da Capoeira Angola. Com essa conjunção simbólica-artística, evidenciou-se a presença de
Exu como o elemento e o princípio estruturante do sistema dinâmico da Capoeira Angola.
Expressando-se, com desdobramentos estéticos, no espaço-tempo em movimentos entre o sim,
o não e o talvez: em cima, embaixo e no meio. Um corpo-mandinga integrado com seus
afectos e perceptos.
Com essas conclusões, passa a se evidenciar que as ações de cantar, dançar e tocar
(batucar), realizadas na performance artística da Capoeira Angola são propriedades
derivadas (motrizes culturais).
Suas imagens míticas se apresentam nestas ações transformadas pelo corpo-mandinga
que, em constante dinâmica, produz conhecimento em um jogo-de-corpo de pergunta e
resposta, entre sujeito (objeto) e objeto (sujeito).
A partir deste momento, nesta Pesquisa de poéticas visuais, o corpo-mandinga da
performance da Capoeira Angola passa a se apresentar como um corpo-arte, um corpo de
percepção de sentidos.
O corpo-mandinga na Capoeira Angola produz narrativas míticas nesse jogo-de-corpo,
entre corpos. Um corpo-estético que se move no espaço-tempo com teatralidade cênica e
plasticidade visual. Uma escultura em movimento constituída de imagens-ações.
A performance artística da Capoeira Angola, neste sentido, passa a se apresentar como
um corpo de arte-em-movimento, pois ela também, no lugar de arte, produz signos e
105

significados em uma dinâmica de plasticidade visual. Nota-se, aqui, que ela se integra no
campo das Artes, através da sua estética de mandinga, na qual estão associados ritos, mitos e
símbolos em conjunto com as expressões estéticas do cantar, tocar e dançar-lutar.
Estabelecendo-se como um sistema simbólico-artístico, dinâmico e visual, um corpo
tridimensional, que é imanente a ela e que também pode constituí-la como um corpo-escultura
em movimento. Inserindo-a, assim, em um contexto atual da escultura como um campo
ampliado que a situa como arte de escultura-e-não-escultura. “Nesse sentido, a escultura
assumiu sua total condição de lógica inversa para se tornar pura negatividade, ou seja, a
combinação de exclusões” (KRAUSS, 1984, p. 133).
Portanto, o corpo na performance artística da Capoeira Angola pode ser traduzido como
um corpo de percepção de sentidos, reconhecendo, formando e informando imagens-ações
sobre o mundo, neste sentido, ela pode instituir-se, aqui, como a arte do corpo-escultura-em-
movimento.

2.13 Mono-lixo entre o Céu e a Terra: processo criativo de escultura-instalação

Na busca de identificar tais relações de proximidades e assimilações entre os processos


criativos do sistema de pensamento circular exercido como praticante (aluno-mestre-aluno) de
Capoeira Angola e o pensamento que envolve as experiências estéticas do ser artista,
apresenta-se, aqui, o processo criativo de construção de uma escultura-instalação realizada,
também, conforme o enunciado anteriormente, sobre Maré de Kalûnga.
O trabalho de escultura-instalação Mono-lixo entre o Céu e Terra compõe esta
trilogia, como parte indissociável. O mesmo foi constituído também como parte dos estudos de
doutoramento na disciplina de Linguagens Visuais, realizada sob a orientação dos professores
artistas, Lívia Flores e Ronald Duarte.
O processo criativo e procedimentos operativos da escultura tiveram como elemento
propulsor a produção de lixo que polui o ambiente do entorno da Ilha do Fundão,
especificamente, relacionado, a poluição de suas praias (FOTO 10).
106

Foto 10 – Mono-lixo entre o Céu e a Terra - Escultura - Instalação

Fonte: O autor (2014).

A partir da reflexão gerada nas derivas realizadas no espaço da Ilha, enfocando a


produção de tal lixo na comunidade local, despontaram alguns questionamentos que
observaram que os objetos descartados e jogados fora, ao acaso, passou a ser uma constante,
principalmente, no que se refere à destinação final destes, como lixo no meio ambiente e suas
relações de uso e desuso.
Neste contexto, realizou-se à etapa de concepção e construção da escultura Mono-lixo
entre o Céu e a Terra. O processo de criação passou a ganhar corpo através da reflexão
dessas relações.
O lixo constituído de objetos e materiais descartados, diariamente, recorrentemente,
são destinados aos depósitos de lixos e aterros sanitários das cidades. Estes lugares,
normalmente, são áreas menos urbanas nas quais à acumulação é constante. Neles, são
soterradas toneladas e toneladas de lixo. A outra parte deste lixo é conduzida pelas águas da
chuva, águas de esgotos e escoamentos pluviais das cidades. A chuva, elemento natural, segue
o seu fluxo desembocando tal lixo nos rios, que, consequentemente, os conduzem para o mar
que, por sua vez, através de suas marés os destinam às praias.
Nos 2 contextos apontados, o lixo causa impactos ambientais terríveis, que é um
problema, por gerar um desequilíbrio no ciclo natural de movimento circular da grande Mãe
Natureza, pois, com todas as tecnologias desenvolvidas na contemporaneidade, o ser humano
ainda não conseguiu resolver, plenamente, esta questão.
107

Este fato causal reflete um comportamento humano de se postar perante a natureza


com um pensamento vertical, que se acredita, de superioridade sobre todos os elementos e
formas vivas que fazem parte do organismo da terra.
Se denota, aqui, um fenômeno construído pela cosmovisão ocidental de pensamento
lógico (linear) no qual a natureza é concebida como uma fonte de matéria inesgotável. Talvez,
quem sabe, ela pudesse ser, realmente, uma fonte inesgotável, se toda a matéria que dela fosse
usada e transformada, se reintegrasse ao seu processo cíclico natural, pois, como já é sabido:
“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”130 (LAVOISIER, [201-])131.
Devido a uma mentalidade constituída de produção e transformação dos elementos e
materiais da natureza, de forma acelerada, cada vez mais, cria-se produtos consumíveis nas
nossas sociedades, onde a natureza não os transforma. Este movimento constata que os
movimentos cíclicos de tempo e dinâmica circular não coadunam na conjugação com o
movimento de pensamento linear e domínio vertical da visão de mundo ocidental.
Aparentemente, cultura brasileira caminha em um processo que vai em linha reta e
disparada de causa-efeito, sem preocupação em estabelecer uma relação de unidade com a
natureza.
O autor desta Pesquisa, no lugar de um artista, conduziu este problema para uma
reflexão sobre esta relação de verticalidade do sujeito (ser humano) e sobre o objeto (a
natureza) buscando expressá-lo, através de ações artísticas. Passou a observar e coletar
objetos descartados, para assim, realizar um trabalho que abordasse de forma ampliada tal
reflexão.
Dentre tais objetos descartados cotidianamente, ressalta-se, os caixotes usados como
embalagens que transportam frutas e verduras distribuídas nas feiras populares. Esses caixotes
possuem forma simples e agregam valor de uso ao cotidiano, consolidando assim, a ideia de
deslocá-los deste universo do desuso e descarte da sociedade de consumo para ressignificá-los.
Em uma ação que consiste, em tira dali e bota cá, para constitui-los em uma
proposição escultórica (tridimensional). Se entende, aqui, que essa ação de pensar e fazer, do
ser artista, difere de uma ação de pensamento linear (lógico) por tratar-se, no caso, de uma
ação de pensamento circular, no processo criativo de fazer arte.
Este processo inferiu varias ações até ser realizada a proposta final, através de
reflexões, rascunhos e desenhos. Com estes procedimentos, foi elaborada a ideia de construção

130
“A Lei de Lavoisier, postulada em 1785 pelo químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794),
corresponde a Lei da Conservação das Massas. Considerado o Pai da Química Moderna […]”
(LAVOISIER, [201-]).
131
Documento online não paginado.
108

da escultura, um monólito de 6 metros, que representaria a verticalidade do humano adquirida


na contemporaneidade, pelo seu distanciamento da natureza.
Após a montagem, devido a sua relação dialética com o espaço físico, constituiu-se em
uma proposição artística de escultura-instalação. Tal relação tornou presentes as reflexões
contemporâneas sobre a escultura como um campo expandido.
Duarte (2006, p. 12) afirma que:

Se antes o processo de fruição da escultura era elaborado a partir de


contemplação e do movimento do observador em torno da obra, agora essa
fruição é processada com a participação do receptor na própria obra, da
imersão de seu corpo e de seu movimento no interior da instalação.

A montagem deste trabalho de escultura consolidou-se na forma de uma instalação,


quando inserida em um contexto, no qual o espaço do galpão passou a ser o seu interior, pois,
o galpão se tornou parte indissociável dela, que se postou como uma coluna, uma estrutura,
simulando, visualmente, sustentar o seu teto, apoiada com uma base sólida, se erguendo,
verticalmente, do piso do galpão. Integrada, plenamente, no centro do seu espaço
quadrangular, essa forma de montagem no espaço físico do galpão, conjugou a escultura com
a instalação. Neste espaço, em uma relação ambígua, o receptor participou em movimento no
seu interior.
Em um processo de investigação em poéticas visuais, não se pode deixar para trás a
produção dos trabalhos de outros artistas, pois, os mesmos são referenciais imprescindíveis na
construção do pensamento sobre a arte em sua relação com o conhecimento do ser humano
sobre o mundo.
Nesse sentido, a escultura Mono-lixo entre o Céu e a Terra denotou uma relação de
aproximação com a escultura de Brancusi, Coluna sem fim (LA COLUMNA…, (2011)).
Além das características de verticalidade, como uma escada de padrões sobrepostos com
formas repetitivas que se assimilam, visualmente, entre si, os arranjos são perceptíveis,
compondo a forma de uma coluna projetada, verticalmente, da terra para o céu (FOTO 11).
109

Foto 11 – Coluna sem fim (bronze) (1937-1938)

Fonte: LA COLUMNA…, (2011) 132

Há também elementos estéticos entre as esculturas citadas que denotam relações espaço-
temporais, geradas das articulações do exercício criativo do pensamento circular, presente na
produção poética-artística.
De forma breve e objetiva, descreve-se, nestas sucintas palavras organizadas em linhas
(pensamento linear), a presença do pensamento circular na criação artística como um princípio
constante de transformação exercido na produção escultórica da arte.
Abre-se um parêntese, para evidenciar a importância da obra escultórica de Brancusi
(LA COLUMNA…, (2011)), como uma das produções artísticas associada as transformações
que ocorreram no mundo das Artes. A partir da ação, seu trabalho corresponde a uma
classificação da escultura como uma categoria formalizada pelo historicismo. Com suas ideias
e ações, Brancusi (LA COLUMNA…, (2011)) foi um dos artistas do período do Modernismo
que deu o primeiro passo à frente para abolir a escultura de seus pré-requisitos que à
categorizavam em um modo fixo e imutável de produção artística tridimensional. “A arte de

132
Documento online não paginado.
110

Brancusi é uma demonstração extraordinária de como isto acontece” (KRAUSS, 1984, p. 132),
e continua em sua reflexão: “Num trabalho como o Galo, a base se torna o gerador
morfológico da parte figurativa do objeto; nas Cariátides e Coluna sem fim, a escultura é a
base, enquanto que em Adão e Eva a escultura está numa relação de reciprocidade com sua
base” (KRAUSS, 1984, p. 132, grifos do autor).
No sentido indicado por Krauss (1984), os procedimentos criativos na arte mudam as
coisas de lugar, e que essas ações geram uma inversão da lógica, transformando valores
estéticos pré-estabelecidos sobre a escultura.
O trabalho, aqui, ocupa o lugar de uma escultura sem base. Ele foi posicionado e
montado no espaço físico, em construção de superposições de caixotes que compõem um corpo
vertical e uniforme, que se apoiou em 2 pontos, entre o chão e o teto do galpão. Ao mesmo
tempo, esse trabalho de escultura-instalação apresenta-se como procedimento criativo gerado
no contexto de pensamento circular que tira de lá e bota cá (tira de onde não tem e coloca
onde não cabe). Neste contexto, as ações-pensar, realizadas através dos procedimentos
criativos do artista, constituíram-se em uma inversão da lógica na qual os valores formais e
visuais (estéticos) estabelecidos sobre o que é o lixo foram deslocados para o campo da
escultura-instalação, ré-contextualizando-os, na estética da Arte em sua forma e função.
Passa-se a se denotar aqui, o pensamento circular, presente no fazer da arte,
expressos nos processos criativos do artista. Ou seja, a partir de procedimentos criativos, os
caixotes descartados, como lixo, foram transformados em uma escultura-instalação. Nesse
contexto de reflexões e ações, traduz-se que, o fazer arte é movido e regido por um
pensamento circular de outra ordem lógica. Com essa constatação, se observa que a presença
do pensamento circular no processo de criação nas Artes é constante.
A escultura-instalação Mono-lixo entre o Céu e a Terra se realizou na montagem-
exposição no galpão de Linguagens Visuais (espaço atelier), do PPGAV da UFRJ, que a
envolveu em sua arquitetura interna. Por compor-se de madeira, matéria diferente e oposta às
qualidades materiais (cimento e concreto) que constituem o espaço do galpão, destacou-se
como escultura e elemento aquém do espaço, uma instalação.
É VENTO NO GALPÃO foi o titulo da Exposição no Espaço Público133 que
apresentou a escultura-instalação, como trabalho de final de Curso. A experiência-ação, neste

133
Espaço Público: “São confusas as noções do senso comum sobre espaço público. Normalmente, associa-
se a espaço público somente as estradas, as ruas, as praças e os edifícios de propriedade governamental.
Na verdade, cinemas e shopping centers são espaços públicos tanto quanto um estádio esportivo, um
museu ou um centro cultural, não importa o regime jurídico de propriedade” (DUARTE, 2006, p. 14,
grifo do autor).
111

contexto de produção artística, resultou em outras imagens-informações que desencadearam o


processo criativo e a realização do trabalho Jogo de Corpo. É sobre a construção de sua
poética visual que se desenrolam as letras, palavras e frases, ordenadas em linhas a seguir.
Mas, antes, em um sutil passo para trás (conceito filosófico de reflexão
Flusseriana)134, vale ressaltar que, todos os elementos estéticos apresentados, aqui, enunciou a
escultura constituída no espaço como um objeto, ambíguo, pendente entre oposições de
equilíbrio e desequilíbrio; força e fragilidade. Essa sensação acentuou-se pelo fato de sua
construção compor-se parte a parte, progressivamente, estruturando-se do chão ao teto. Sua
monumentalidade em forma de coluna, apoiada em 2 eixos (superior e inferior), tornou-a um
objeto ambíguo, pendendo entre o equilíbrio e o desequilíbrio. Como instalação, essa
característica gerou instabilidade e dualidade. Ao mesmo tempo em que se integrou ao
ambiente como uma coluna, tornou-se estranha pelas suas características materiais: uma
coluna feita de caixotes vazados e sobrepostos uns sobre os outros. Metaforicamente
(poeticamente), ela remete a um dispositivo vertical de uma armadilha, uma arapuca 135, que
garante a sustentação lógica do teto do galpão, mas, a qualquer momento, esse dispositivo
vertical pode cair. A vítima, presa nessa grande armadilha, pode ser o autor desta Pesquisa ou
você. O outro. Nós.

2.14 Apêndice sobre as imagens míticas

Em resumo, no contexto desta investigação que se inscreveu neste capítulo, sobre as


origens das imagens míticas da Capoeira Angola, fez-se imprescindível a pesquisa de campo,
realizada na África, em ANG, na cidade de Lubango e na Província do Mucope, na região do
Cunene. A experiência-em-ação, nessa viagem transatlântica, aprofundou os estudos teóricos
e práticos que possibilitaram uma aproximação do lado de lá (ANG) com o lado de cá (BRA)
e vice-versa. As imagens-informações que foram assimiladas neste processo de pesquisa-ação
ficaram escritas em anotações e inscritas, gravadas, no corpo-memória da oralidade do autor
desta Pesquisa. Algumas delas se apresentaram, aqui, e outras serão tornadas visíveis, talvez,
reveladas no decorrer desta escrita. Mas, interessa ressaltar que, tal processo de imersão sobre
a origem da cultura Bantu-Kongo em ANG foi fundamental, pois, só assim, aproximou-se de

134
Passo para trás: “A capacidade para a reflexão é a capacidade para afastar-se de si mesmo e ver-se a si e a
sua situação de fora; sendo a situação diferente caso a caso, diferente será também a filosofia”
(FLUSSER, 1998a, p. 142).
135
Arapuca: “Armadilha para apanhar pássaros, feita de pauzinhos ou talas de bamboo dispostas em forma
de pirâmide; urupuca. […] Armação para emboscar […]; armadilha, cilada” (ARAPUCA, [201-?]).
112

um entendimento sobre as origens das imagens míticas da Capoeira Angola além de uma
reflexão mais apurada sobre a unidade dinâmica do triângulo presente no ritmo das culturas de
matrizes africanas no BRA, constituindo os seus sistemas de pensamento e tempo circular.
Passou-se, aqui, a identificar as imagens míticas no corpo-mandinga da Capoeira
Angola como prováveis, propriedades derivadas de matriz africana no BRA. Nesta direção,
evidenciou-se as assimilações que reforçaram as constatações sobre o mito de Nzila (Exu), os
símbolos da encruzilhada, da unidade dinâmica do terceiro ponto (o triângulo) e do movimento
circular (o círculo). Além dessas relações expostas sobre tais elementos simbólicos do
Cosmograma Bakongo, se constituíram também, as relações desses elementos como
estruturas do sistema de pensamento e tempo circular na Arte e na Capoeira Angola. Neste
contexto, os 2 trabalhos apresentados são os 2 elementos que, em suas interações, geraram o
terceiro elemento (o trabalho Jogo-de-Corpo) que, por sua vez, gerou o terceiro capítulo a
seguir.
113

3 IMAGENS MÍTICAS DO LADO-DE-LÁ E DO LADO-DE-CÁ, MANDINGA DA


CAPOEIRA ANGOLA

Região do Cunene África Sub-Sahariana, período chuvoso. Um omucongo136 Nhaneca-


Humbe sai para caçar. Inflexível no seu objetivo, e com passos determinados, ele move-se a
andar, no encalço de sua possível presa: mafima137. Ele sabe qual é o habitat deste anfíbio.
Diante da deslumbrante paisagem afro-montana, segue em direção a uma lagoa, nos pés das
montanhas. Em um dado momento, pára e vislumbra no seu horizonte aquela paisagem
rarefeita. Respira o cheiro de chuva sobre a terra e sente seus pingos escorrerem em seu
corpo esguio e negro. Ele ergue seu braço direito na direção do rosto, posiciona sua mão em
forma de concha, acima das sobrancelhas, protegendo seus olhos dos respingos d’água. Com
esse gesto, distingue as formas em uma longa distância e avista uma pequena lagoa, passa a
se mover naquela direção. Com visão e olfato apurados de caçador. Munido de suas
ferramentas de sobrevivência, seu arco e 3 flechas na mão esquerda. Aproxima-se do lugar
avistado. Suas narinas se dilatam, respira fundo e consegue identificar o cheiro de anfíbios. Ele
sente que sua captura está a poucos metros. Avança entre os arbustos e árvores na flora
tropical e chega num pequeno lago arrudiado de plantas e mato. Humhuum!! Humhum!
Huumm! escuta um som estranho. Ele pára, fica de cócoras e lentamente abre um espaço
entre as folhas para olhar na direção do som que se propagava. Ali, estava sua presa, ou
melhor, presas. Já com arco e flecha em punho na mira dos anfíbios, subitamente, se depara
com algo nunca visto antes! Um grupo de sapos reunidos de forma circular. Aquele som que
ouvira eram grunhidos dos sapos, uma música que eles emitiam e dançavam naquele ritmo.
Saltando de um lado para outro, em uma luta, confrontando-se uns aos outros. Aquela visão
deixou o caçador encantado e surpreso. Ele, então, em uma ação reversa desistiu de sua caça
e voltou ao seu kanzo138. Eufórico falou com outro caçador e o levou ao local. Chegando lá,
os sapos continuavam aquela dança e os 2 concordaram que aquilo que os sapos estavam
fazendo era muito bom! E desse dia em diante, eles passaram a praticar aquela dança-luta dos
sapos. A qual adaptaram e introduziram nos seus costumes tradicionais como o Engolo a dança
dos sapos.

136
Omucongo: “significa em Nhaneca-Humbi caçador” (Informação verbal transmitida pelo Mestre Alberto,
em sua residencia Comuna do Mucope, Província do Cunene, Lubango, ANG, 2017).
137
Mafima: “significa em Nhaneca-Humbi sapo” (Informação verbal transmitida pelo Mestre Alberto, em
sua residencia Comuna do Mucope, Província do Cunene, Lubango, ANG, 2017).
138
Kanzo: palavra que na língua Bantu Kibundo significa “pequena casa” (NKISI, [201-]).
114

3.1 Engolo: a reversa história da dança da zebra

No percurso desta investigação em poéticas interdisciplinares, referente à origem das


imagens míticas da Arte da Capoeira Angola, a experiência-em-ação em campo realizada, em
ANG139, foi essencial – o terceiro elemento dinamizador nesta investigação entre ANG e
BRA. Na verdade, uma conexão transtlântica entre ambos, através do Engolo e o corpo da
Capoeira Angola, que conduziram às imagens míticas (propriedades derivadas) que
constituíram o seu corpo-mandinga. Nesta Pesquisa de campo, sobre as lutas-danças
angolanas, foi fundamental o encontro com os Mestres do Engolo: Muhalanbandje
Mwendangula, Kahani Waupeta e Alberto de Freitas, ambos integrantes do grupo etno-
linguístico Bantu-Kongo Nhaneca-Hum140. Foi um convívio de curto período mas, intenso que
possibilitou a experiência-ação in loco sobre o Engolo. Principal luta-dança angolana que é
evidenciada pelos historiadores brasileiros como a origem mítica da Capoeira Angola.
Decerto, o Engolo é uma das principais derivações da origem do corpo-mandinga
da Capoeira Angola, mas convém explicitar que o mito, propagado no BRA, sobre o Engolo
deter sua origem na dança das zebras se contradiz aqui. Não é verídica. Se do lado de cá,
esse mito ganhou tal enredo, do lado de lá, que é a sua origem cultural a-histórica, a estória
é diferente pois, de acordo com os Mestres do Engolo, sua origem mítica não descende da
dança das zebras mas, sim da dança dos sapos. A narrativa poética que deu início a este
capítulo nasceu da reflexão sobre tal origem mítica, a mesma foi narrada pelo Mestre
Alberto de Freitas que se apresenta aqui. A partir da transcrição da gravação do áudio, o
Mestre relatou o mito de origem do Engolo:

Na natureza o Engolo vem dos sapos. Porque no tempo chuvoso veio por
método de caça, então, o mais velho foi à caça e então encontrou esses sapos
ali numa lagoa. Então, ele já não foi mais com intenção de caçar. Então, tinha
que estar a observar o que é que aqueles animais estavam a fazer e qual era o
ritmo daqueles animais. Então, a partir dali foi avisar aos outros. Epá!
Vamos lá ver o que é que está a se fazer estes sapos. Estavam a dançar, mas
essa dança quer dizer lutar mesmo. Dava-se golpes. Ele aí aproveitou. Ah!
Isto aqui, tenho que aproveitar este som e essa dança. Então, a partir dali nas

139
“A capoeira tem sido vinculada a Angola desde os primórdios. Angolanos foram proeminentes entre os
africanos escravizados que jogavam capoeira nas ruas e largos do Rio de Janeiro, Salvador e outras
cidades portuárias no início do oitocentos. Na época, 80% de todos os africanos no Rio de Janeiro
vinham da África Centro-ocidental (territórios dos atuais Gabão, Angola e duas Repúblicas do Kongo)”
(ASSUNÇÃO, 2012, p. 2).
140
“Nhaneca-Humbi: Pelo menos dez línguas e grupos existem em Angola. Nhaneca, às vezes chamados de
nhaneca-nkumbi, é uma familia linguística localizada nas Províncias de Huíla e Cunene. Hoje sete
grupos étnicos – mwila, gambo, humbi, handa, quipungo, dongoena / hinga e quilengue – falam variantes
do nhaneca, representando 4% da população angolana” (ASSUNÇÃO, 2012, p. 4).
115

festas onde veio surgir o Engolo, através dos sapos, da dança dos sapos: nós
dizemos mafima (informação verbal)141.

O mito de origem do Engolo, narrado pelo Mestre Alberto, foi imprescindível porque
revelou outras possibilidades de identificar propriedades derivadas como as imagens míticas
expressas, visualmente, nessa luta-dança e, em outras performances culturais, constituídas da
estética-mandingada do cantar, batucar e dançar. Performances dinâmicas que, pela força e
resistência dos angolanos, ainda se fazem presentes no seu cotidiano. Especificamente, na zona
rural, em forma de ritos e rituais. Em tal contexto da cultura Bantu-Kongo-Angolana, se
apresenta, aqui, as narrativas e reflexões sobre o encontro com o Engolo, Okhadenka e
Onkhankula.

3.2 Engolo, Okhadenka e Onkhankula: são imagens míticas derivadas na Capoeira


Angola?

As festas para os angolanos não se limitam entre tristeza e alegria, trata-se, sim, de um
momento no qual se celebra a vida, o simples fato de estar vivo. Como disse meu amigo
angolano-Bantu, Anyelkes Batista, professor de química do ISPH: “Aqui quando a gente tá
triste, a gente canta e dança, e quando está feliz, também, a gente canta e dança.” (informação
verbal)142.
O autor desta Pesquisa se reconheceu como irmão de Anyelkes Batista. Aliás, ambos
se reconheceram como irmãos.
Anyelkes Batista viveu as atrocidades da Guerra quando criança, mas estar com ele era
sempre uma festa! A festa faz parte do cotidiano nas culturas de matrizes africanas Bantu-
Kongo.
Neste sentido, a presença ou apresentação do Engolo e outras lutas (Okhadenka) e
danças (Onkhankula) ocorreram e acontecem, especificamente, em exibições que são festas,
pois, as festas são também os momentos de trocas de informações e transmissão de
conhecimento nessa cultura de oralidade.

141
Informação verbal transmitida pelo Mestre Alberto, em Comuna do Mucope, Província do Cunene,
Lubango, ANG, em março de 2017.
142
Informação verbal transmitida por Anyelkes Batista, em Comuna do Mucope, Província do Cunene,
Lubango, ANG, em março de 2017.
116

Neste contexto de festa, foram realizadas as apresentações do Engolo, Okhadenka e


Onkhankula no último dia da Pesquisa de campo na comuna do Mucope - Província do
Cunene.
Vale evidenciar que a manutenção da tradição do Engolo está em processo de
restauração pelos seus poucos mestres, que ainda existem e que buscam desenvolver suas
práticas de transmissão oral-corporal entre os jovens.
O Okhadenka é praticado no Mucope e em outras províncias angolanas,
frequentemente, em feiras (feira na praça do Shibia-Lubango) ou espaços públicos, essa
performance cultural identifica-se como uma luta-dança-ritual que simboliza o embate entre 2
bois (touros). Na atualidade, sua prática tem se intensificado através dos jovens.
A Onkhankula acontece nos encontros, que são festas, entre os pastores, amigos e
familiares da comunidade na qual cada um conta a estória do seu boi, tirando vantagem sobre o
boi do outro. A dança ocorre em um verdadeiro ritual de representações simbólicas nas
relações do pastor com seus bois. Essa realidade tornou-se presente no decorrer da investigação.
Estar ali, naquela zona rural, em ANG, na África, junto à população que vive da terra e
do gado que produz, foi uma experiência-em-ação fundamental para entender, presencialmente,
sobre tais culturas performativas nas sua relação de existência e manutenção na
contemporaneidade visto que, no pouco tempo que foi presenciada e vivenciada a expressão
dessas performances naquela comunidade, ficou evidente que suas práticas eram mais
conhecidas nas zonas rurais.
Tratando-se de um fenômeno de resistência e resiliência de um povo que sofreu um
vácuo de aculturação em sua memória, que é resgatanda através dos mitos, ritos e cultos dos
seus ancestrais. Trazidos do inconsciente para a consciência da comunidade, através da
transmissão de conhecimento no cantar, tocar e batucar (tradição oral-corporal).
Esse encontro com a comunidade do Mucope foi proporcionado em um quadro de
integração desta investigação em poéticas visuais com o OTCHOTO143, Projeto de resgate das
raízes angolanas Bantu-Kongo, coordenado pelo professor decano Alberto Raimundo
Watchilambi Wapota. O professor Wapota propõe com este Projeto ações teóricas e práticas de
resgate dessas culturas, para integrá-las no contexto do acesso do seu reconhecimento e
conhecimento por todo cidadão e cidadã. Regularizando-as, como núcleos de prática e
pesquisa, no caso, inserindo-as como parte do ensino no ISPH. Um projeto essencial que

143
Otchoto: OTCHOTO ou melhor OTYOTO, é o espaço físico, o santuário onde nossos ancestrais
preservavam e transmitiam a sua cultura e tradições de Geração em Geração (WAPOTA, 2017a).
117

busca restituir o saber de suas culturas, vítimas do processo de aculturação dos seus ditos
colonizadores.
Em um período de 5 dias de imersão com a comunidade do Mucope, hospedado no
Kimbo (casa da família) da Sra.144 Angelina e do Sr.145 Felipe vivendo o dia a dia do lugar.
A alimentação básica era o fungi146 de maçaroca ou maçango acompanhados com
lombí147, galinha nacional ou bode assado acompanhados, normalmente, com o macau148.
Foi curta a duração temporal, mas foi rica e substancial a relação tempo-espacial de
convivência com a simplicidade de viver daquelas pessoas em um ambiente insólito e précario,
devido às condições pós-guerra.
Incrível, inenarrável, foi sentir a força e riqueza espiritual dessas pessoas, expressadas
sem separação entre a dor e a alegria. Em um rito-mágico de festa de luta, vivenciado todos
os dias, na manutenção das suas imagens míticas de tempo e pensamento circular no qual o
sagrado e o profano se fazem juntos para celebrar a vida e constituir o presente.
Aqui, se propõe a explanação de alguns elementos plásticos visuais dos desdobramentos
do corpo nessas performances culturais, no lugar de imagens míticas que foram
assimiladas como o / ou no corpo-Capoeira Angola.
As lutas-danças foram apresentadas também em um contexto de atualização de suas
práticas no qual se percebe, visualmente, a reestruturação dessas no cotidiano, através do cantar,
dançar e batucar como um conjunto de ações que as reorganizam em seus símbolos e mitos. Em
um estado de festa e interação com os seus mitos antepassados. Neste âmbito, se realizaram as
performances culturais que, aqui, se pronunciam.
A apresentação do Engolo tem início organizada, demarcada, circularmente, pela
presença dos engolistas e da comunidade. Os engolistas começam batendo palmas emitindo
sons como grunhidos de sapos. Os cantos se desenvolvem em narrativas de situações do seu dia
a dia. Um engolista vai para o centro da roda e desafia outro, que aceita e começa o embate
(FOTO 12).

144
Senhora (Sra.).
145
Senhor (Sr.).
146
Fungi: comida tradicional de Angola feita de milho ou maçango.
147
Lombi: comida feita de folha que, normalmente na zona rural, acompanha o fungi.
148
Macau: bebida tradicional da região de ANG.
118

Foto 12 – Apresentação do Engolo - Comuna do Mucope,


Província do Cunene

Fonte: O autor (2017).

Em um jogo-luta-dança que, cada performer tem seu jeito e adequa o seu corpo às
formas e funções dos seus movimentos, lançando-os, subitamente, em pulos no espaço. Um
jogo-luta no qual se apresenta uma mandinga de balanços suingados, que exige atenção, pois
a qualquer momento tudo pode acontecer…
Nesse jogo-luta, o corpo-engolo se desdobra em esquivas em uma ginga pulada e
sincopada regida pelo ritmo triangular-dinâmico do cantar, batucar (nas palmas das mãos),
dançar (lutar-jogar). A luta-dança ocorre com movimentos simples, entre golpes de giro das
pernas, chapas de costa com a planta do pé e rasteira, que se assemelham a alguns movimentos
da Capoeira Angola. Sequencialmente, eles se revezam na roda, nos cantos, nas palmas e nos
jogos (embates). O engolista vence a luta quando o outro cai no chão, mas o jogo-luta do
engolo149 nunca acaba. Os movimentos do corpo-engolo, dinamizado em jogo-luta-dança,
fluem e se assimilam à formas de animais como o sapo, a zebra e o boi (FIGURA 9).

149
Engolo: “[…] Ainda que engolo apareça nas narrativas brasileiras, sobretudo, como dança, podia ser
também um combate mortal, Mesmo jogos amistosos podiam acabar mal. Por isso, qualquer pessoa
entrando na roda do engolo nos tempos antigos, entrava a seu próprio risco, sem possibilidade de pedir
indenização. Como diz o mais conhecido refrão do engolo. ‘Quem morre no engolo não é chorado’”
(JOGO…, 2013).
119

Figura 9 – Engolo rascunhos: com movimentos que se assemelham


a boi, sapo e zebra

Fonte: O autor (2018).

Ao mesmo tempo, o corpo representa nesse jogo-luta, a força e a perserverança de


uma árvore. Como disse o Mestre Kahani Waupeta: “Como aquela árvore que está se movendo
ao vento, assim é que se pratica engolo. Você segue a árvore… a árvore se move, você
esquiva… Porque você é treinado no engolo” (JOGO…, 2013)150.
Em seguida, um grupo de jovens praticantes de Okhadenka deram início a sua
apresentação. Ordenados de forma semi-circular, começaram com palmas e cantos compondo
também um ritmo triangular de batucar, cantar e dançar. Um jogo que o combate se dá com
desafios em uma luta que só se usam as mãos, mas, nota-se que as pernas do lutador se cruzam
em deslocamentos entre o desequilíbrio e o equilíbrio.
Constituem também uma ginga na qual o corpo se assimila em desdobramentos
estéticos mandingados como na Capoeira Angola. Okhadenka também é um jogo-de-corpo
no qual se trava um embate entre corpos, um diálogo no qual os gestos e balanços
simbolizam uma pergunta ou uma resposta.
A performance dos lutadores é de combate, o campo de ação simbólico encena-se em
um pasto. Os personagens principais são representados por 2 homens, seus braços são os

150
JOGO de corpo: capoeira e ancestralidade. Direção: Richard Pakleppa, Matthias Assunção, Cinézio Feliciano
Peçanha (Mestre Cobra Mansa). Roteirista: Matthias Assunção. Produtor: Matthias Assunção, Richard
Pakleppa. Diretor de fotografia, Diretor de Arte e Cameraman: Richard Pakleppa. Brasil: Oh Land
Poductions; Manganga Produções, 2013. 1 longa-metragem (87 min.).
120

chifres e seus corpos, os bois. Um jogo-luta-dança que prevalece quem tiver mais habilidade
com as mãos, firmeza nos pés e molejo no corpo para desviar a atenção do seu oponente e
vencer derrubando-o no chão. Dá-se continuidade ao jogo-luta, com o vencedor sendo
desafiado por outro oponente que se apresenta na roda.
Os movimentos gingados do Okhadenka se aproximam dos movimentos da ginga-
mandinga da Capoeira Angola, no sentido de compor um desenho triangular com seus passos
e seus molejos corporais e de deslocamentos, em pulos alternados, de um lado para o outro
(FOTO 13).

Foto 13 – Apresentação do Okhadenka - Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).

Mas, neste caso, se distanciam por não utilizarem essa ginga-mandinga para lançar
movimentos (golpes) sequenciais com as pernas. E sim, para lançar e dinamizar os seus
movimentos lançados pelos braços (os chifres do boi). Nesse jogo-de-corpo-luta, as pernas são
usadas como base de sustentação que se movem entre equilíbrio e desequlíbrio para os braços
atingirem seu alvo (o outro). Os seus movimentos estão, especificamente, relacionados
somente à forma do boi que é representado na luta.
Percebe-se, neste contexto, que a relação estabelecida com esse animal, suponhe-se,
simbolicamente, representa a conexão entre o céu e a terra, que nutre e sedimenta os laços
ancestrais dessa cultura com a natureza.
121

Denota-se, também, que essa postura do corpo do lutador com os braços apontados
para o céu como chifres de boi se aproxima, em semelhança, de postura corporal do
movimento de chamada que realiza-se no jogo de Capoeira Angola (FIGURA 10).

Figura 10 – O boi e a semelhança com


a chamada

Fonte: O autor (2018).

As apresentações resumiam-se em uma festa, chegou o momento em que todos se


reuniram no Otchoto (lugar de reunião após as tarefas diárias), bebendo, comendo e a
trocando ideias. Os mais velhos (os kotas) e os mais jovens (cadengues), mulheres e homens,
todos sentados. De repente, os mais velhos começaram a cantar, bater palmas e repercurtindo as
mãos sobre as coxas em sons e cantos fascinantes na língua dos seus antepassados. Estava tendo
início ali, uma apresentação de Onkhankula151: dança-ritual na qual os pastores de gado se
reúnem para contar vantagens dos seus bois. Começa um tipo de embate no qual um tira um
verso sobre o boi e, logo após, outro responde em versos cantados, põe-se de pé e dança
representando o seu boi (FOTO 14).

151
Onkhankula: “é […] um desafio entre proprietaries de gad, Os pastores louvam cada um dos seus bois num
canto recitado (Sprechgesang) acompanhado de breves inserções dançadas que imitam a forma dos chifres ou
o andamento do boi como o soba pingafona explica no filme, isso permite aos homens maias abastados (e
geralmente mais velhos) brilhar, já que pastores mais pobres não têm tantas cabeças de boi para se gabar”
(JOGO…, 2013).
122

Foto 14 – Apresentação da Onkhankula - Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).

Nesta disputa-dança-jogo se apresentam também movimentos realizados pelo corpo


dos narradores que são mandigados com encenações em molejos dinâmicos como uma ginga,
que ajudam a distinguir e narrar os bois de cada narrador de forma e expressão individual.
Como forma de ilustrar estas ações apresenta-se a figura 11:

Figura 11 – Onkhankula, movimentos altos / baixos


(significados diferentes)

Fonte: O autor (2018).


123

Cada gesto representa um detalhe da qualidade do boi, quando um pastor se levanta e


põe-se a dançar, ele passa a apresentar tais qualidades, cantando e realizando seus
movimentos com os braços que, também, neste caso, simbolizam os chifres dos bois. Mas há
um detalhe importante nestes gestos, quando ele levanta os braços plenamente significa que
tem muitos bois e, quando o pastor abaixa os braços e os coloca para trás, significa que ele tem
poucos bois.
Envolvido por este ritmo, nesse ambiente, de uma África de tradição oral imemorial e
a-histórica, o autor desta Pesquisa ficou absorto, observando, atentamente, aquela
performance-ritual, expressada em batuque, canto e dança. Cada gesto e movimento
desenhavam as qualidades do boi (ogombe). Neste rito, os braços dos participantes
simbolizavam os chifres do boi e a sua forma, textura e cor pronunciadas através das
narrativas performativas dos seus donos. Neste cantar, batucar e dançar, todos expressam as
qualidades e quantidades dos seus bois (dotes), revezando-se, entre eles, em uma disputa, uma
dança, enquanto os outros tocam e cantam sentados. É um jogo-dança-disputa no qual vence o
pastor que possui bois mais dotados.
Os resultados apreendidos, nesta etapa da Pesquisa-em-ação, na Comuna do Mucope
foram essenciais.
Assim, se pode chegar à identificação de movimentos nos desdobramentos estéticos do
corpo, nas lutas e danças angolanas, especificamente, do Engolo, Okhadenka e Onkhankula
pois, estas performances culturais, através dos seus desdobramentos estéticos, indicam
elementos visuais que foram integrados na consolidação do corpo Capoeira Angola. São
movimentos regidos pelo potente trio de cantar, batucar e dançar.
Neste contexto poético-visual, as relações destes movimentos, nessas expressões
artísticas-culturais, adquirem a função de imagens míticas que, provavelmente, se
reconstituíram e foram assimiladas como o corpo da Capoeira Angola.
Os estudos da investigação de campo em ANG foram realizados em duas etapas, com
deslocamentos entre a Província do Mucope, na região do Cunene (sendo esta a primeira) e a
cidade de Lubango (sendo esta a segunda), realizada através da experiência-em-ação nesta
cidade, no bairro da Arimba, na Província da Huíla, junto ao ISPH, com aulas frequentes de
Capoeira Angola para os alunos do Instituto e da Comunidade de Arimba.
No processo das aulas também foi abordado, como tema da Pesquisa, o resgate das
raizes culturais angolanas. Com este intuito, foi bastante proveitosa e rica a presença e estadia
dos mestres do Engolo, juntamente com o mestre de Okhandeka, durante 5 dias nas aulas,
seguindo um metódo teórico-prático, pondo-se em ação exercícios com os movimentos da
124

Capoeira Angola, seguidos de aulas com os mestres sobre Engolo e Okhadenka e roda de
conversas. A estrutura básica para as aulas foram uma caixa de som, o quadro negro (verde) e
a sala que ficou à disposição da Pesquisa durante 3 meses. As aulas transcorreram obtendo
resultados saisfatórios com relação à troca de informações no aprendizado entre os alunos.
Com a chegada dos mestres foram intensificados os encontros que se estenderam pelas
manhãs e tardes no ISPH (FOTO 15).

Foto 15 – Alunos e Mestres nas aulas no ISPH, Lubango

Fonte: Kalenga (2017a).

Durante 5 dias de convívio com os mestres, em Lubango, o aprendizado nesta


investigação em campo foi intenso, especificamente, nos momentos de confraternização visto
que a transmissão de conhecimentos, através de imagens-informações, foram recorrentes
nestas ocasiões. O tradutor, mediador, entre nossas conversações foi o ilustre Mestre Alberto
que, inteligentemente, descrevia ao autor desta Pesquisa, os desenhos sonoros da língua
Nhaneca-Humbi em um certo português angolano. A conversa entre mestres, se assemelhava
a música, um falar cantado. Além do convívio com os mestres, foi constante o aprendizado
com os alunos, a alegria e a força nos seus movimentos suingados de mandinga durante as
aulas (FOTO 16).
125

Foto 16 – Alunos, em aula, no ISPH

Fonte: Kalenga (2017b).

Esses desdobramentos estéticos também eram característicos e frequentes nas relações


do dia a dia, desde as mulheres trabalhando, vendendo maçaroca e frutas, carregando seus
filhos pequenos nas costas, envoltos no tradicional tecido de samakaka (FOTO 17).

Foto 17 – Mulheres vendendo macau

Fonte: O autor (2017).


126

As pessoas nas ruas com suas composições de cores, roupas e estilos muito simples e
diversos.
A partir desta vivência, uma ordem reversa de pensamento e tempo circular passaram
a se apresentar nesta experiência-em-ação em ANG, na cidade de Lubango, na África.
Estas características foram identificadas também nas relações traçadas no encontro com
os Mestres do Engolo. O autor desta Pesquisa sentiu-se lisonjeado, agraciado com as
presenças dos Mestres, pois, naquele momento, eles eram o elo da dinâmica cultural Bantu-
Kongo-Angola, representavam e representam os ancestrais da Capoeira Angola. Eles,
também, são os Mestres do autor desta investigação.
Nas conversações que ocorriam sempre nos momentos após as aulas, observou-se que
o Mestre Kahani Waupeta, quando estava a pensar (sem falar), direcionava o seu dedo
indicador, da mão direita, um pouco acima do seu septo nasal e, de repente, emitia uma opinião
e se engajava no papo. Curioso, o autor desta Pesquisa, perguntou ao Mestre Alberto o que
significava aquele gesto. Ele direcionou essa questão ao Mestre Khani, e depois traduziu o
seguinte: “Kahani disse que, quando ele coloca o dedo em sua testa é para refletir sobre os
problemas e que, quando faz esse ato, sempre se depara com soluções” (informação
verbal)152.
Foi um grande ensinamento filosófico transmitido de forma oral-corporal.
A partir daquele dia, o autor desta investigação aprendeu, com o Mestre Kahani
Waupeta, que a melhor forma de refletir é apontar o seu dedo indicador para você mesmo, ou
seja, dar um passo atrás e lançar a dúvida sobre si e não sobre o outro.
Tal constatação também causou uma reflexão sobre essa relação, no jogo de Capoeira
Angola e na roda do jogo da vida. Como um movimento circular entre sujeito (ser humano) e
objeto (natureza ou outro).
No dia do encerramento das atividades, visitou-se a pequena fazenda do decano
Alberto Raimundo Wapota. Passeou-se com o professor que apresentou os seus projetos sobre
o Otchoto naquele espaço (FOTO 18).

152
Informação verbal proferida pelo Mestre Alberto, em Comuna do Mucope, Província do Cunene, Lubango,
ANG, em março de 2017.
127

Foto 18 – Troca de ideias com os Mestres e o Prof. Alberto Wapota

Fonte: Tchyssingue (2017).

Em dado momento, parou-se e todos passaram a conversar sobre os comportamentos


estéticos de suas culturas.
O professor Alberto Wapota observou que, nos grupos étno-linguísticos Nhaneca-
Humbi, sua estética, ou seja, a forma expressada a partir do corpo-oralidade não se distingue
da sua função, pelo contrário, se identifica com ela nos desdobramentos e hábitos culturais
deste mesmo corpo (informação verbal)153. Como exemplo, citou a estética do Mestre
Muhalanbandje Mwendangula, pedindo-lhe que desse um sorriso que deixou transparecer sua
estética (mandinga), usual, de pensamento mítico.
O Mestre Muhalanbandje Mwendangula, a partir das expressões do seu corpo-
oralidade, se fez entender naquele contexto, como se pronuncia a estética (afectos e perceptos)
no corpo daquele grupo do qual faz parte. Como uma mandinga que conjuga forma e função
no mesmo corpo-cultural.
Como parte do processo visual de percepção desta estética, apresenta-se um rascunho
que descreve, nitidamente, essa imagem-informação (FIGURA 12).

153
Informação verbal proferida pelo professor Alberto Raimundo Watchilambi Wapota, em sua fazenda no
município de Huíla, Lubango, ANG, em março de 2017.
128

Figura 12 – Exemplo da estética do Mestre Muhalanbandje

Fonte: O autor (2018).

O Mestre Muhalanbandje Mwendangula explicou que os seus dentes cerrados em V,


na arcada superior, juntamente com os outros dentes que faltam na arcada inferior,
significavam uma forma diferente e bonita (um estilo) (informação verbal)154.
Portanto, os distinguiam dos outros grupos étno-linguísticos daquela região do
Cunene, mas não apresentavam só essa característica de diferenciação física.
Tratava-se também de um tipo de ritual de iniciação da formação do corpo dos jovens,
no qual se retira os 2 dentes da arcada inferior porquê, segundo o Mestre Muhalanbandje, eles
acreditam que estes dentes não têm função, só acumulam sujeira (informação verbal)155.
Quanto à forma-função dos 2 dentes superiores, o decano Alberto Wapota explicou
que eles serram os 2 dentes frontais da arcada superior para se distinguir, visualmente, na sua
estética e, também, sonoramente (informação verbal)156.
Neste contexto, disse o decano: “Quando eles estão na mata, em um lugar escuro, se
todos falam a mesma língua os Nhaneca-Humbi são distintos pelo som que emitem ao falar”
(informação verbal)157.

154
Informação verbal proferida pelo Mestre Muhalanbandje Mwendangula, na fazenda do professor decano
Alberto Raimundo Watchilambi Wapota, no município da Huíla, Lubango, ANG, em março de 2017.
155
Informação verbal proferida pelo Mestre Muhalanbandje Mwendangula, na fazenda do professor decano
Alberto Raimundo Watchilambi Wapota, no município da Huíla, Lubango, ANG, em março de 2017.
156
Informação verbal proferida pelo professor Alberto Wapota, na fazenda do professor decano Alberto
Raimundo Watchilambi Wapota, no município da Huíla, Lubango, ANG, em março de 2017.
157
Informação verbal proferida pelo professor Alberto Wapota, na fazenda do professor decano Alberto
Raimundo Watchilambi Wapota, no município da Huíla, Lubango, ANG, em março de 2017.
129

Assim, o Mestre Muhalanbandje tornou evidente, transmitiu a imagem-informação de


que na cultura Bantu-Kongo-Angola a forma e a função são indissociavéis em suas práticas
estéticas.
Além dos elementos filosóficos-do-corpo-oralidade apresentados sobre os hábitos e
costumes da cultura Bantu-Kongo-Angola transmitidos pelos Mestres, o professor decano
Alberto Wapota, o professor Anyelkes Batista e os alunos foram de fundamental importância
nesta investigação além da inter-face realizada entre as atividades na Comuna do Mucope e
em Lubango.
Estas ações possibilitaram o entendimento da dinâmica da mandinga158 em
desdobramentos estéticos expressados nos movimentos do corpo-ginga do Engolo, do
Onkhandeka e da Onkhankula visto que constatou-se que o corpo-ginga dessas lutas-danças
se deslocam em movimentos que se aproximam da dinâmica do corpo-ginga, da performance
da Capoeira Angola.
A partir desta observação, se pode denotar tais movimentos do corpo-ginga das lutas-
danças citadas como propriedades derivadas que, possivelmente, foram assimiladas e
integradas ao corpo-ginga-mandinga da dinâmica da Capoeira Angola.
Com o objetivo de identificar estes movimentos e os seus desdobramentos estéticos,
apresenta-se desenhos como fluxogramas para denotar suas dinâmicas (FIGURA 13):

158
Mandinga: neste caso, são as estratégias que o corpo assume através da percepção-sensação desenvolvendo
sua forma e função, integrados, a partir dos seus dispositivos de inversão (cabeça, pés e mãos) e assim,
transmitir informações e conhecimento desse corpo (sujeito) sobre o mundo (natureza). Se observou esse
fenomeno, da mandinga, no contato in loco com as danças e lutas Bantu-Kongo-Angolanas nas suas
expressões para gerar e lançar movimentos envolvidos pelo seu ritmo dinâmico triangular.
130

Figura 13 – Desenhos dos movimentos e desdobramentos do corpo-ginga do Engolo,


Okhadenka e Onkhankula

Fonte: O autor (2018).

Com a observação destes movimentos presentes no corpo-ginga do Engolo, do


Okhadenka e da Onkhankula tornaram-se evidentes suas aproximações de semelhanças com
os movimentos do corpo-ginga da Capoeira Angola. Os mesmos se aproximam de acordo
com as seguintes características:
1) No corpo-ginga do Engolo sua mandinga é desenvolvida em pulos de
deslocamentos para o lado esquerdo e o lado direito, simultaneamente, realizando balanços e
esquivas para lançar movimentos (golpes). A unidade dinâmica do triângulo (o ritmo) se
apresenta no Engolo da seguinte forma: o primeiro elemento é o lado direito do corpo, o
segundo elemento é o lado esquerdo e o terceiro elemento é o pulo que dinamiza os 2 lados,
gerando o movimento dinâmico, o encontro entre os 2 lados;
2) No corpo-ginga do Okhadenka, sua mandinga é desenvolvida a partir de 2
pontos nos quais se apoiam os pés, direito e esquerdo, de forma diagonal (esse movimento
se assemelha ao movimento de chamada da Capoeira Angola) com o tronco posicionado
131

frontalmente. A sua dinâmica de unidade triangular (o ritmo) se dá com deslocamentos dos 2


pés para frente, um de cada vez. Nessa luta-dança, o primeiro elemento é o pé que fica na
frente, o segundo elemento é o pé de trás e o terceiro elemento é gerado quando é dado o
primeiro passo para frente, ele nasce do deslocamento do segundo passo que segue o primeiro
e dinamiza todo o corpo do lutador;
3) No corpo-ginga da Onkhankula, sua mandinga ocorre com variações de
deslocamentos em que os pés se movem, simultaneamente, em diversos pontos ao mesmo
tempo gerando uma dança sincopada (semelhante à um samba de roda). Seu movimento de
unidade triangular se expressa, é gerada, quando o primeiro pé dá um passo e o segundo pé
responde com outro passo. No contexto desta dança-embate, a aparição do terceiro ponto (o
ritmo) ocorre quando um dos pés dá o segundo passo, daí em diante, é só dinâmica.
Nota-se aqui, a partir destas explanações que, nas lutas e danças de raízes angolanas-
Bantu-Kongo, a unidade dinâmica do triângulo é uma constante nas expressões de forma e
função nos seus corpos-ginga. Constata-se, assim, que esta unidade dinâmica estabelece e se
estabelece no corpo do performer (lutador ou dançarino) como movimento a partir e através do
ritmo, que é uma dinâmica gerada do conjunto de ações integradas (no corpo) de cantar,
batucar e dançar. Como disse Fu-Kiau ([1981] apud LIGIÉRO, 2011a, p. 131): “Não é
possível existir performance negra na África sem esse poderoso trio”. Esse trio potente se faz
presente e é indissociável na expressão das culturas afro-brasileiras.
Consequentemente, no contexto desta investigação, a dinâmica desse trio também se
aplica relacionada às performances artísticas culturais de matrizes africanas no BRA,
especificamente, no caso da Capoeira Angola, pois, observou-se e constatou-se, nos estudos
comparativos e relacionais entre essas lutas-danças e a dinâmica da Capoeira Angola, que existe
um elemento comum. Esse elemento é caracterizado, aqui, como a mandinga (estética), que
acontece gerada pelo ritmo na aparição do terceiro ponto. A partir deste momento, ela se
dinamiza e se expressa no corpo, regida pelo conjunto das ações de cantar, dançar e batucar.
Denota-se, neste sentido, que estes movimentos apontados e identificados nas lutas do
Engolo, do Okhadenka e da Onkhankula se aproximam dos movimentos da Capoeira Angola
e podem tratar-se de propriedades que derivaram no corpo-ginga da Capoeira Angola, através
do ritmo, como unidade dinâmica triangular, presente em ambas, e expressados como jogo-de-
corpo-mandinga. Deduz-se que, essas propriedades foram integradas ao corpo-ginga da
Capoeira Angola através desse trio dinâmico, no contexto dos deslocamentos culturais de
matrizes africanas para o BRA. Tais propriedades também se consolidaram dinamizadas como
132

ritos-mágicos expressos na mandinga (estética) latente nestas culturas de pensamento mítico


e tempo circular.
A partir dos desdobramentos que se deram nesta investigação, sobre as origens do
Engolo159, como dança dos sapos ou das zebras, se tornaram visíveis as relações de conexão
entre essa luta-dança e a Capoeira Angola, como o resultado da diáspora ANG - BRA, que
torna presente, na contemporaneidade, uma discussão mais profunda sobre a Capoeira Angola
e a origem de suas imagens míticas no construto desta investigação em poéticas visuais além
do fato que contempla também, a identificação das propriedades derivadas de lutas e danças
Bantu-Angolanas como possíveis elementos estéticos que podem estar integrados no corpo da
Capoeira Angola, como: Okhadenka (luta-dança) e Onkhankula (dança-jogo). Neste contexto
de articulações poéticas entre a Capoeira Angola e as Artes Visuais, provavelmente, se
chegará às origens de suas imagens míticas.
Com os procedimentos criativos e reflexivos, apresentados nos desdobramentos
estéticos do corpo-ginga, nas lutas-danças das raízes angolanas, que foram pronunciados até o
momento, propõe-se dar continuidade às discussões em torno da poética-plástica-visual-sonora
da Capoeira Angola em relação às origens de suas imagens míticas, o mito do Engolo e como
arte-filosofia de ancestralidade imbricada nas culturas de matrizes africanas no BRA, através
da mandinga (sua estética).
Vale transparecer que, diante dos processos de invasão ocidental que aconteceram na
região do antigo Reino do Kongo, foi gerado um vácuo na memória, uma aculturação nas
culturas Bantu-Kongo-Angolanas, que elas, com resiliência, resistem. Neste sentido,
especificamente, os mestres do Engolo representam essa resistência preservando os mitos e
ritos que deram origem à performance cultural do Engolo, contudo, se do lado de lá, as
configurações de manutenção dessa luta-dança procederam assim, do lado de cá, como
aconteceram as relações sobre à origem angolana de matriz africana no BRA da Capoeira
Angola a partir do mito do Engolo?

159
“O mito do engolo como origem da capoeira tornou-se mais conhecido na década de 1990, quando a
política identitária brasileira fez das origens da capoeira, em particular de suas raízes africanas, uma
questão importante para muitos praticantes. Foi a partir das comemorações do centenário da abolição da
escravidão, em 1988, que aumentou o questionamento do significado da emancipação dos escravizados
em 1888” (JOGO…, 2013).
133

3.3 O mito de origem da Capoeira Angola: a dança da zebra que virou a dança do sapo

O relato mítico que foi apresentado no início deste capítulo sobre a origem do Engolo,
descrito pelo Mestre Alberto de Freitas, foi confirmado também pelos Mestres Muhalanbandje
Mwendangula e Kahani Waupeta (os mais velhos). Portanto, um relato que contradiz a versão
instituida, historicamente, no BRA. Versão esta, que sedimentou a mítica do Engolo (N’golo)
como uma luta dança, criada, a partir da observação da dança da zebra160 que seria a origem
mítica da Capoeira Angola. Neste sentido, um dos históriadores brasileiros que ressaltou e
apresentou o Engolo como dança da zebra, referenciando-o, como a origem mítica da
Capoeira, foi Camâra Cascudo. Na sua obra histórica Folclore do Brasil, Cascudo (1967, p.
184, grifo do autor), descreveu que o seu amigo, “Albano de Neves e Souza, de Luanda,
poeta, pintor, etnógrafo, encarregou-se de elucidar o lado de lá; as fontes da capoeira.” Souza
([19--?] apud CASCUDO, 1967, p. 184-185, grifos do autor) lhe forneceu a seguinte
informação: “Entre os Mucope do sul de Angola, há uma dança da zebra, N’golo, que ocorre
durante a Efundula, festa da puberdade das raparigas, quando essas deixam de ser muficuenas,
meninas, e passam à condição de mulheres, aptas ao casamento e a procriação”.
A ocorrência sobre as exibições do Engolo serem realizadas durante as festas 161 da
puberdade, registrada por Souza ([19--] apud CASCUDO, 1967), contradiz, com a fala do
Mestre Alberto, pois, de acordo com a sua informação, in loco (no Mucope), o Engolo
também era apresentado em outras festas (informação verbal)162.

160
“Ao mesmo tempo, as semelhanças formais de movimentos entre a capoeira e o engolo do século XX impõem
a pergunta: que vínculos existem entre os dois, e que ancestrais comuns poderiam ter? Essa é a linha que
estamos seguindo no projeto interdisciplinar « As raízes angolanas da capoeira ». Ao invés de amalgamarmos
provas e indícios contraditórios numa narrativa aparentemente coerente, procuramos, nesse projeto,
problematizar as disparidades e contradições nas informações que conseguimos. Assim, é forçoso reconhecer
que o engolo da atualidade difere bastante da descrição de Neves e Sousa, e ainda mais do mito um tanto
machista que se criou a partir do seu relato, editado e divulgado pelo folclorista Câmara Cascudo desde a
década de 1960. Cascudo […] enfatiza que o « vencedor » do engolo podia escolher sua noiva entre as
iniciadas e que não precisaria pagar « dote », estória muito repetida entre os capoeiristas. Os praticantes de
engolo de hoje, pelo contrário, afirmam que isso não é nem foi o caso, enfatizando o direito das mulheres de
escolher o seu parceiro. Além do mais, o engolo não se restringe a festa da puberdade feminina – essa é
apenas uma das muitas ocasiões de sua prática” (ASSUNÇÃO, 2012).
161
Festas: “[…] é forçoso reconhecer que o engolo da atualidade difere bastante da descrição de Neves e
Sousa, e ainda mais do mito um tanto machista que se criou a partir do seu relato, editado e divulgado
pelo folclorista Câmara Cascudo desde a década de 1960” (ASSUNÇÃO, 2012).
“Cascudo (1967, p. 185-186 […] apud ASSUNÇÃO, 2012, grifos do autor) enfatiza que o « vencedor »
do engolo podia escolher sua noiva entre as iniciadas e que não precisaria pagar « dote », estória muito
repetida entre os capoeiristas”.
“Os praticantes de engolo de hoje, pelo contrário, afirmam que isso não é nem foi o caso, enfatizando o
direito das mulheres de escolher o seu parceiro. Além do mais, o engolo não se restringe a festa da
puberdade feminina – essa é apenas uma das muitas ocasiões de sua prática” (ASSUNÇÃO, 2012).
162
Informação verbal proferida pelo Mestre Alberto, no Mucope, em Cunene, Lubango, ANG, em março de
2017.
134

Vale tornar visível que a palavra Engolo (N’golo) não se refere à dança da zebra, mas
tem semelhança com a palavra ongolo que significa zebra, especificamente, em Nhaneca-
Humbe (Umbûndu).
No grupo étno-linguístico Nhaneca-Humbe, a palavra ongolo também significa
joelho163, ou seja, uma parte do corpo humano.
Suponhe-se que, diante da complexidade da língua Umbûndu (Nhaneca), o artista
Albano de Neves e Souza tenha associado a conjunção da palavra ongolo (zebra) assimilando-a
com a sonoridade da palavra Engolo.
Os mestres do Engolo afirmaram de forma comum, entre eles, que o Engolo é a dança
dos sapos. Mas há uma característica na luta-dança do Engolo que interessou, no contexto da
investigação de campo, sobre as origens das imagens míticas da Capoeira Angola. Esta
característica refere-se à inserção de movimentos de lutas e danças de outros animais na
constituição da prática do Engolo.
O Mestre Kahani Waupeta disse que, no Engolo, existem movimentos que foram
referenciados em outros animais além dos sapos. Como exemplo, citou o coice da zebra: “Já
vi uma zebra matar um leão com um coice na cabeça” (informação verbal)164. Afirmou, com
esse exemplo, que um golpe do Engolo, que se assemelha ao coice de zebra, provém da
observação dos movimentos de outros animais pelos primeiros engolistas, que assimilaram
estes e adaptaram às suas práticas (informação verbal)165.
Este fato constata que o Engolo, por ter sua origem mítica na dança dos sapos, não
limitou-se só a esta referência, pois, os seus praticantes também inseriram movimentos de
outros animais em suas práticas. Portanto, se concluiu que a origem do Engolo na dança dos
sapos, evidenciado pelos Mestres, não anula a sua relação com os movimentos da zebra. E
também, não anula as possibildades de origem das imagens míticas da Capoeira Angola
relacionadas ao Engolo. Pelo contrário, essas evidências trazem à tona a concepção e prática do
Engolo e outras lutas-danças angolanas, enquanto performances culturais. Elas apresentam
características dinâmicas de inserção de movimentos, de elementos e de seres vivos na natureza,
como: o vento nas árvores, as águas do rio e do mar, o voo dos pássaros, os animais na caça e

163
Ongolo: os significados sobre essa palavra na língua Umbûndo-Nhaneca foram transmitidos pela Sra.
Angelina esposa do senhor Filipe chefe do Kimbo (casa da família), no Mucope, durante a investigação
na região do Cunene sobre o Engolo.
164
Informação verbal proferida pelo Mestre Kahani Waupeta, no Mucope, em Cunene, Lubango, ANG, em
março de 2017.
165
Informação verbal proferida pelo Mestre Kahani Waupeta, no Mucope, em Cunene, Lubango, ANG, em
março de 2017.
135

em suas lutas e danças de acasalamento, etc. Diante destas dúvidas historificadas, a origem
Africana-Bantu da Capoeira Angola veio à tona com mais firmeza.
Segundo Assunção (2012), a prática da Capoeira não tinha sido relacionada com
nenhum jogo de combate (lutas e danças) africano (a) de forma consistente, associado a uma
origem de ANG, ou seja, até 1960166, com a visita do pintor luso-angolano Albano de Neves e
Souza (1921-1995) ao BRA (JOGO…, 2013)167.
A origem angolana da Capoeira relacionada aos aspectos de combate do Engolo168
será abordada, aqui, especificamente, na relação ambígua que existe entre luta e dança nas
performances culturais de matrizes africanas Bantu, em ANG e no BRA.
Neste sentido, observa-se que os elementos do dançar, cantar e batucar se fazem
presentes em contextos semelhantes nos quais tais elementos integram o corpo em uma
dinâmica que se funde em luta-dança-jogo de mandinga (estética).
Acredita-se que estas movimentações põem em prática uma estratégia que lança a
dúvida para o espectador, desconstruindo o caráter de combate marcial ao dissimular a luta
em dança. Neste sentido, a Capoeira Angola por situar-se entre luta, dança e jogo já traz em
sua mandinga (estética), de corpo, características que se assimilam as lutas e danças
(performances artísticas) Africanas-Bantu-Kongo. São características expressivas, que, com
certeza, encantaram o olhar artístico de Albano de Neves e Souza que buscou refletir,
revindicar, em seu trabalho, a maternidade africana da Capoeira no BRA (FIGURA 14).

166
“Até a década de 1960, quando o pintor luso-angolano Albano de Neves e Souza (1921-1995) veio ao Brasil, a
Capoeira não tinha sido relacionada de maneira consistente com nenhum jogo de combate africano específico.
Observando a capoeira nas academias dos mestres Bimba e Pastinha na Bahia, Albano lembrou do engolo,
um dos jogos de combate que tinha assistido e retratado durante os anos 1955-1956 no sul de Angola. Ele
descreveu o engolo como acontecendo numa roda, acompanhado de palmas e canto, durante a celebração do
efiko, o ritual de iniciação feminine” (ASSUNÇÃO, 2013, p. 2, grifo do autor)
167
JOGO de corpo: capoeira e ancestralidade. Direção: Richard Pakleppa, Matthias Assunção, Cinézio Feliciano
Peçanha (Mestre Cobra Mansa). Roteirista: Matthias Assunção. Produtor: Matthias Assunção, Richard
Pakleppa. Diretor de fotografia, Diretor de Arte e Cameraman: Richard Pakleppa. Brasil: Oh Land
Poductions; Manganga Produções, 2013. 1 longa-metragem (87 min.).
168
“A prática do ENGOLO tem sido muito restrita em termos geográficos, pelo menos na memória oral – e
não se conhecem fontes escritas anteriores a 1995. Pelo que esta Pesquisa apurou, sua prática era
limitada aos humbi, subgrupo dos nhaneca, ao ponto que constituía um indicador de identidade étnica.
Além do mais, não tem sido praticado, de maneira regular, desde a década de 1970. Por isso, algumas
técnicas, ainda documentadas por Albano Neves e Souza, caíram em desuso e muitas das cantigas que
acompanhavam o engolo não são mais lembradas” (JOGO…, 2013).
136

Figura 14 – N’Golo, fase intensa e típica da batalha, perna e pé

Fonte: Sousa ([19--] apud CASCUDO, 1967, p. 183).

De acordo com Cascudo (1967), a abordagem artística de Sousa ([19--] apud


CASCUDO, 1967, p. 183) foi essencial para tornar visível e fortalecer as discussões, no
âmbito, político-social, sobre as origens míticas das raizes Africanas-Bantu da Capoeira
Angola no BRA, pois, além do artista desenvolver uma pesquisa visual sobre as lutas de
combate angolanas (FIGURA 14), o mesmo, ao visitar o Centro Esportivo de Capoeira
Angola (CECA), dirigido pelo Mestre Pastinha na década de 1960, deparou-se com a prática
da Capoeira Angola. Foi, a partir de tal visita, que o artista desenvolveu o discurso da origem
da Capoeira Angola vinculada ao Engolo, através de suas obras (desenhos e pinturas),
argumentando que ANG era a mãe do BRA. E também, que a Capoeira teria sido originada
do Engolo que, por sua vez, referia-se a dança da zebra.
Souza ([19--] apud CACUDO, 1967, p. 185) relata a prática do Engolo, na carta que
escreve para Cascudo, quando diz:

O N’golo é uma dança típica de povos so sul de Angola – vi no Mulondo e


no Mucope. Creio que além dêstes [sic] povos os Muxilengue e os Muhumbé
também a praticam. Tudo gente com costumes parecidos e vivendo uma vida
137

de pastorícia e com uma agircultura de apoio. Deslocam-se atrás do gado por


regiões muito vastas e juntam-se periodicamente para algumas festas. Uma
delas é Efundula, festa da puberdade das raparigas, que já tem sido
suficientemente estudada (SOUSA, [19--] apud CASCUDO, 1967, p. 185,
grifos do autor).

Cascudo (1967), eminente pesquisador e estudioso da cultura brasileira, emcampou os


argumentos apresentados por seu amigo Albano Neves e Souza sobre uma, provável origem
africana da Capoeira Angola a partir da dança e luta do Engolo.
Além deste, o Mestre Pastinha, outro eminente brasileiro, também emcampou a ideia
de Albano Neves e Souza sobre a origem Africana da Capoeira Angola. Pastinha, o mais
conhecido Mestre do estilo Angola, estava interessado em dar mais visibilidade aos vínculos
entre a Capoeira e suas raízes africanas. A partir deste momento, seus estudantes – muitos dos
quais viriam a ser mestres famosos – ouviram o Mestre contar a estória da dança da zebra.
Cascudo (1967), folclorista potiguar, disseminou nos seus escritos a informação que recebeu
de Albano Neves e Souza, particularmente, no seu livro o Folclore do Brasil (CASCUDO,
1967).
Não resta dúvida que, foi muito importante o argumento de Souza ([19--?] apud
CASCUDO, 1967) sobre a relação mítica da origem da Capoeira no BRA com a luta e dança
Bantu-Kongo, do Engolo em ANG.
Foi importante também, o folclorista, Cascudo (1967) ter historificado as informações
transmitidas pelo seu amigo Albano de Neves e Souza sobre a Capoeira deter sua origem
mítica em ANG, pois, no contexto político-social instaurado, naquele período de conflitos
intensos, que até hoje perduram, relacionados ao racismo, embranquecimento e exclusão das
culturas de matrizes africanas e Ameríndias no BRA, tais informações, contribuíram para
fortalecer o discurso sobre o lugar de pertencimento destas culturas na formação da identidade
brasileira (forma de pensar e agir).
Para o Mestre Pastinha que, na década de 1960, já vinha encabeçando a afirmação de
que a origem da Capoeira Angola era africana, e que provinha de ANG, foram
imprescindíveis as informações de Souza ([19--?] apud CASCUDO, 1967) e de Cascudo
(1967).
O Mestre Pastinha, em sua filosofia de vida, angoleiro, já defendia a origem africana da
Capoeira Angola. Neste sentido, o argumento de Souza ([19--?] apud CASCUDO, 1967),
sobre a Capoeira e sua relação com o Engolo (N’golo) foi fundamental para apoiar as
convicções do Mestre Pastinha sobre a origem africana da Capoeira. Com este objetivo, o
Mestre transmitiu para os seus alunos, que, hoje, são mestres, a informação de que a dança da
138

zebra era a origem mítica do Engolo e que a Capoeira Angola, no lugar de prática de matriz
Africana, se originou deste.
Vale ressaltar que, as relações de conexão entre a Capoeira e ANG já vinham sendo
pronunciadas e identificadas por Querino ([1916]) desde a primeira publicação do seu livro A
Bahia de Outrora. Em uma de suas narrativas, Querino ([1916], p. 67) descreve: “O Angola
era, em geral, pernóstico, excessivamente loquaz, de gestos amaneirados, typo completo e
acabado do capadócio e o introdutor da capoeiragem, na Bahia.” Esta descrição de Querino
([1916]) sobre a prática da Capoeira, no início do século XX, já informa 2 dados importantes.
No primeiro, Querino ([1916]) anuncia que, pelas suas habilidades e características, os
praticantes de Capoeira eram, referencialmente, os negros de ANG; no segundo momento,
Querino ([1916]) denota que os negros de ANG detinham o pertencimento da Capoeira, como
introdutores desta prática na BA.
Em tal contexto, especificamente, na década de 1940, o Mestre Pastinha, principal
referência na Capoeira Angola, já presumia e afirmava a sua procedência africana. Indicando
este fato, Pastinha (1988, p. 20) diz: “Não há duvida que a Capoeira veio para o Brasil com os
escravos africanos”. O Mestre Pastinha, apoiado por outros angoleiros169, fundou no dia 23 de
fevereiro de 1941, o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), a primeira academia de
Capoeira Angola do BRA (COUTINHO, 1993). De acordo com Pastinha (1988, p. 20): “O
nome da Capoeira Angola é consequência de terem sido os escravos angolanos, na Bahia, os
que mais se destacaram na sua prática.” Como o seu mestre, Mestre Benedito 170, um ex-
escravo de origem Bantu-Kongo-Angola.
As reflexões do Mestre Pastinha estabelecem uma filosofia do corpo-Capoeira Angola
que têm como precedente restituir a capoeira (filha), a ancestralidade africana de Angola (sua
mãe). Este objetivo é inseparável da vida e obra do Mestre angoleiro, que se faz notar em outra
frase que se desenha assim: “[...] minhas palavras seja fatos de conforto e esperança que sai do
meu coração com gestos confirmativos de circunscrever observações exclusivamente a capoeira
de origem Angola” (PASTINHA, 1960, p. 21).
Suponhe-se que, quando ele, juntamente com os outros mestres, fundou a primeira
Academia de Capoeira Angola, restituiu, simbolicamente, a unidade, entre a Capoeira (filha)

169
Mestres: “Daniel Coutinho, Noronha, Livino, Maré, Amouzinho, Raimundo ABR, Percilio, Gerado [sic]
(chapeleiro), Juvenal (engraxate), Gerado [sic] Pé de Abelha, Zehi Feliciano (bigode de Ceida [sic],
Bonome, Henrique (cara queimada), Anca Preita [sic] (cimento), Algimiro Grande (olho de pambo [sic],
Antonio estivador, galindeu, Antonio (burca de porco) estivador, Cândido pequeno (argolinha de ouro),
(campeão bahino [sic], Lúcio pequeno, Paqueite do Cabula” (COUTINHO, 1993, p. 17).
170
“Mestre Benedito, um preto natural de Angola com o qual iniciou a prática da Capoeira Angola e, nessa
época, o menino Vicente Pastinha contava 10 anos de idade” (GUARDIÃO…, [20--?]).
139

e Angola (mãe). Entende-se, assim, que a partir daquele momento, torna-se notório ao público
a restituição da legitimidade entre a Capoeira e ANG, através do uso corrente, com a junção
dos termos Capoeira Angola.
O Mestre Pastinha registrou, em seus escritos, a necessidade de agrupar e ordenar os
preceitos e ritos da Capoeira Angola como estratégia que possibilitasse o ensinamento e o seu
aprendizado, integrados no contexto da comunidade (PASTINHA, 1960). Sua vida e obra se
misturam. Sua filosofia oral-corporal se expressam em sua luta-dança para não se deixar
esquecer, do pertencimento às suas raízes africanas. A filosofia do Mestre Pastinha é
carregada de uma poeisis, do corpo-mandinga-Capoeira Angola, inusitada, que referencia a
fenomenologia e a estética desta arte-luta-dança-jogo. Evidenciando-a em sua subjetividade e
complexividade. Um bom exemplo deste fato, se denota na sua memoravél frase que reflete
sobre a prática da Capoeira Angola: “Angola, Capoeira, Mãe! Mandinga de escravo em ânsia
de liberdade; seu príncipio não tem método; seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista”
(PASTINHA, [20--?])171.
O Mestre Pastinha associa, poeticamente, a relação da Capoeira Angola com a sua
matriz africana. Na primeira frase, o termo mandinga pode ser compreendido como o
comportamento do corpo fugindo da escravidão (um jogo172 de corpo, um rito de magia). Na
segunda frase, evidencia, de forma metafórica, que o fundamento da Capoeira Angola não
nasce de um método de pensamento de ordem linear, mas sim, de uma ordenação de
pensamento circular. Este fato se constata na última frase, quando Pastinha realiza uma
verdadeira diagnose da Capoeira Angola, instituindo-a como uma dinâmica de tempo e
pensamento circular, ou seja, que em sua prática, não se estabelece nenhuma relação
cartesiana de causalidade que indique: o início, o meio ou o fim de suas ações dinâmicas.
Propõe-se, a partir daqui, realizar uma re-leitura do termo mandinga, em verdade,
uma desconstrução dos seus lugares que ocupa como conceitos de feitiçaria e malandragem
que foram caracterizados a partir de um olhar de fora. Busca-se realizar um processo de
reversão destes conceitos, a partir de um olhar de dentro, para assim, situá-la nos lugares de
rito mágico e jogo de corpo além de lhe instituir um lugar que deve ocupar, como à expressão
estética (aisthésis) das culturas de matrizes africanas no BRA. Para tanto, utiliza-se recursos
do processo de procedimentos criativos no fazer artístico em poéticas visuais. O mesmo se
resume em um jogo de troca e inversão de sentidos da ordem e lugar das coisas no mundo, que

171
Documento online não paginado.
172
“Jogo: atividade que tem fim em si mesma” (FLUSSER, 2011c, p. 18).
140

consiste em um tira-de-lá e bota-cá e tira-de-cá e bota-lá. Na verdade, trata-se de um jogo-de-


corpo entre à Arte e a Capoeira Angola.
As articulações e reflexões que foram realizadas, até este momento, entre os trabalhos
artísticos de performance-vídeo, vídeo-instalação e as experiências-em-ações na Pesquisa de
campo, na África, na região de ANG, foram essenciais para fundamentar os desdobramentos
estéticos do corpo-mandinga na Capoeira Angola bem como identificar as origens de suas
imagens míticas. Vale ressaltar que, tal Pesquisa in loco se tornou possível devido à
colaboração do Mestre Cobra Mansa assim como o Mestre Feliciano173 que indicou o professor
decano Alberto Raimundo Watchilambi Wapota, com à aprovação do Projeto de bolsa do
Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE) da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para 3 meses em Pesquisa de campo. O decano passou
a ser o coorientador do autor desta Pesquisa, na cidade de Lubango, no ISPH.
O professor Alberto Raimundo Wapota já tinha iniciado o projeto OTCHOTO sobre as
raízes angolanas e apoiou o Mestre Cobra Mansa e Mathias Assunção na produção do filme,
na Província do Mucope, em abril de 2014, através de uma parceria entre o ISPH, a
Universidade Mandume Ya Ndemufayo (UMN) e a Universidade de ESSEX174. Jogo de
Corpo é um filme que enfoca as raízes das lutas de combate angolanas tendo como referência o
Engolo. O trabalho de poéticas visuais, performance-ritual Jogo de Corpo, que será enfocado
a seguir, teve à origem do seu nome a partir deste filme. Além da Arte e da Capoeira Angola
que fundamentaram o construto da realização desta Pesquisa, este filme também foi um
produto artístico-cultural que conduziu a conhecer, de forma mais imbricada, as expressões das
lutas e danças das raízes angolanas (Bantu-Kongo) de perto. Esta Pesquisa-em-ação de campo

173
Mestre do autor desta Pesquisa.
174
“Em […] 2014, fez-se uma expedição conjunta entre o ISPH / UMN, a Universidade de ESSEX […] do
Reino Unido / Inglaterra, a Universidade de Bahia no Brasil, e a produtora sul africana de documentários
histórico-culturais de Richard Pokklepa que integra jornalistas Sul Africanos e Namibianos. Expedição
denominada ‘as rotas angolanas da capoeira’ que visa o resgate da Capoeira angolana, o Engolo, sua
estruturação em uma unidade didáctica [sic] e divulgação no estrangeiro (lá onde está a capoeira
brasileira) com a sua clara identidade estética e filosófica como uma das possíveis ancestrais da
capoeira Brasileira. Esta acção [sic] está prevista no projecto [sic] e-Otchoto, no seu subprojecto e-
Antropology (resgate e digitalização do património Cultural, Histórico dos Angolanos nas perspectivas
das antropologias cultural e botânica)” (WAPOTA, 2017a, grifo do autor).
“Está em curso, desde 15 de Abril de 2017, uma expedição conjunta com o investigador Marco [Aurélio]
Damaceno, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, para o resgate das raízes Angolanas da
Capoeira Angola no Brasil, que se presume ser o Engolo praticado na comuna do Mucope na Província
do Cunene. Dentro do conceito da e-antropology, a nossa equipa [sic] de resgate do Engolo esta [sic] a
trabalhar na digitalização do Engolo para sua divulgação em plataformas digitais no âmbito do projecto
[sic] integrado e-Otchoto, bem como a sua estruturação em uma cadeira para ser ministrada no Instituto
Superior Politécnico da Huíla, como orienta o Ministério do Ensino Superior na sua circular Nr 2/16, sobre
a necessidade do desporto universitário, incluindo o resgate das actividades [sic] desportivas tradicionais
e suas práticas nas Instituições do ensino superior” (WAPOTA, 2017a, grifo nosso).
141

foi realizada em um verdadeiro Jogo-de-Corpo e mandinga em uma dinâmica de tira de lá e


bota cá e tira de cá e bota lá. Esta Pesquisa também foi fundamental para refletir sobre a
expressão da mandinga-rito-mágico realizada, anteriormente, através da performance-ritual
Jogo de Corpo e é sobre este e seus desdobramentos que discorre-se a seguir.

3.4 Jogo de Corpo: a mandinga da Arte-Capoeira Angola

Passaram-se 2 meses desde à exposição É VENTO NO GALPÃO. Ao retornar às


atividades da Pós-Graduação, o autor desta Pesquisa se dirigiu ao seu espaço. Chegando lá,
deparou-se com à escultura. Naquele momento, foi fruição com seu espaço interno (o
Galpão). O autor desta investigação passsou a ser o observador. Neste contexto, o que mais se
evidenciou, enunciou-se, foi a monumentalidade de uma torre engradada de caixotes que
avançava, desenfreadamente, em direção ao céu, mas, por irônia do espaço-tempo, ela foi
limitada pelo teto da arquitetura que à abrigava. Essa foi a percepção e sensação que se teve
ao deparar-se, naquele momento, com à escultura Mono-lixo entre o Céu e a Terra visto que
percebeu-se, como espectador, posicionado ali, a percepção e sensação, expressada e
provocada por ela, erguida como um monolito incólume de forma que a escultura avançava
para o teto e por ela sentia-se suprimido.
Foi o seu equilíbrio e desequilíbrio em uma oposição que gerou uma relação
imprescindível naquele momento, pois supôs-se que ela, além de todos os predicados que
apresentava em seus desdobramentos estéticos, também apresentava uma altivez, uma
arrogância profunda, contradizendo o pensar do autor desta Pesquisa sobre o fazer Arte. No
lugar de espectador-artista denotou-se que ela poderia representar um monolito em
homenagem à verticalidade do homem, superpondo a circularidade da natureza (do mundo).
Neste contexto, se desenvolve a narrativa poética do trabalho Jogo de Corpo que foi gerado
através das sensações e percepções nascidas na escultura – instalação Mono-lixo entre o Céu
e a Terra.

3.5 Jogo de Corpo: narrativa poética

Ilha do fundão, no seu entorno, pontes a conectam à cidade. No seu meio, pairam
pequenos prédios, UFRJ e outros. Há um que se enfatiza, especificamente, não por constituir-
se em uma arquitetura insólita, e sim porque nele ocorrerá uma grande luta de performance-
142

ritual, entre um corpo de movimento linear-vertical e um corpo de movimento circular


horizontal, Galpão 9 é o espaço.
No centro, o corpo-coluna postado. Ele é composto de quadrados (caixotes) de
madeira vazados que se sobrepõem e edificam sua estrutura. Seu limite é o apoio da base no
piso de cimento (a Terra). Sua parte superior limita-se rente à laje de concreto do teto que o
constitui in box. Montado firme entre suas bases superior e inferior, sua estrutura apresenta
um corpo de forma longilínea, um monolito erguido pelo lixo.
A arrogância humana é revelada em uma arquitetura ereta, a supremacia da
verticalidade que aparenta estabilidade, mas é tenso, treme em suas bases.
Um corpo estrutural que se apresenta em uma construção, de ordem lógica linear, que
distancia, cada vez mais, o ser humano (sujeito) de uma possível relação horizontal com a
natureza (objeto).
Posicionado como um corpo alienado do seu meio, ele imóvel, espera o seu
desafiador.
Em frente ao monolito, 3 tocadores com 3 berimbaus: Gunga, Médio e Viola estão
posicionados.
A luz do sol resvala pela porta de trás situada ao lado direito do tocador. Na carona
desta luz, adentra a sala, o performer-capoeirista que, compassadamente, se dirige aos
berimbaus (FOTO 19):

Foto 19 – Jogo de Corpo: frame 1

Fonte: Cabral (2015a).


143

No fundo do Galpão 9, do lado oposto dos tocadores, a plateia aguarda: homens,


mulheres e crianças. Eles apreciam uma luta de arte-ritual, que significa um desencantamento.
No pé do Gunga, de cócoras, se posta na escuta da ladainha, que o envolve,
plenamente, de ritmo (FOTO 20):

Foto 20 – Jogo de Corpo: frame 2

Fonte: Cabral (2015b).

Logo após, levanta e com um bastão de giz branco faz um grande círculo envolvendo
o seu corpo vertical. Divide o círculo ao meio com uma linha horizontal (FOTO 21):

Foto 21 – Jogo de Corpo: frame 3

Fonte: Cabral (2015c).


144

Traça uma linha vertical, cruzando-a com a sua oposta (linha horizontal). O mono-lixo
fica no centro da encruzilhada, entre essas duas linhas.
Prosseguindo com seus movimentos arquetípicos, de rito-mágico175, realiza-se o
desenho de um ponto do Cosmograma Bakongo.
Assim, imerso nestes gestos, afirma-se sua conexão circular entre os 2 mundos (FOTO
22):

Foto 22 – Jogo de Corpo: frame 4

Fonte: Cabral (2015d).

O performer-capoeirista retorna aos pés dos berimbaus, neste movimento, reflete


reafirmando para si mesmo: esta performance constitui-se em um rito-mágico para identificar
o sistema simbólico de pensamento mítico e sua presença nos sistemas simbólicos de
pensamento na Arte e na Capoeira Angola (em segundos, que lhe parecem horas, ocorre esta
reflexão).
Ali, nos pés dos 3 berimbaus, pede licença aos ancestrais (FOTO 23):

175
“Desenho de um ‘ponto’, invocando Deus e os antepassados, formou apenas uma parte desse ritual de
mediação Kongo mais importante. O ritual também incluiu ‘cantar o ponto’. Na verdade, os Bakongo
resumem o contexto completo da mediação com a frase ‘cantar e desenhar (um ponto)’, yimbila ye sona.
Eles acreditam que a força combinada de cantar palavras de Ki-Kongo e traçar em meios adequados o
‘ponto’ ou ‘marca’ ritualmente designado de contato entre os mundos resultará na descida do poder de
eus nesse mesmo ponto [...]” (THOMPSON,1984, p. 110).
145

Foto 23 – Jogo de Corpo: frame 5

Fonte: Cabral (2015e).

E dá incio ao seu jogo com movimentos cruzados que se dinamizam, frequentemente,


sobre 3 pontos que conduzem o corpo em sua mandinga até o Mono-lixo, no jogo da
encruzilhada da roda (FOTO 24):

Foto 24 – Jogo de Corpo: frame 6

Fonte: Cabral (2015f).


146

Com o despertar desta dinâmica, o corpo começa a se soltar. O feitiço da mandinga


vai se intensificando no seu jogo-de-corpo, o ritmo o envolve com malemolência sendo
conduzido pelos mestres (berimbaus). Nesta dinâmica, o performer e o corpo escultura
envolvidos pelo grande círculo tornam-se um corpo de mandinga.
O objetivo deste jogo não é ganhar, isso não é a parte mais importante. Se trata de uma
mandinga, que, busca desencantar a verticalidade, da ordem rígida e lógica, expressa no
corpo-monolixo.
O Corpo-Mandinga ativado pela ginga e ativando os seus dispositivos de inversão,
através dos movimentos, produz gestos, imagens-rituais, performando no tira de lá e bota cá
em busca do tempo exato, o momento certo, para desconstruir aquele corpo monumento176 e
reintegrá-lo ao grande jogo da mandinga circular.
O corpo-escultura-monolito começa a desenvolver seus movimentos, na roda,
respondendo ao jogo mandingueiro com balanços oscilantes. Seguindo a dinâmica entre o
desequilíbrio e o equilíbrio, como o vento em um coqueiro, como o vai e vem das ondas do
mar. Os movimentos da performance-ritual, por sua vez, desenvolvem-se com: ginga, aú, rolê,
meia-lua, rabo-de-arraia, bananeira, parada de cabeça, negativa, tesoura, cabeçada e chamada.
Cada movimento deste, reflete desdobramentos mandigueiros em busca de alcançar seu
objetivo: uma desconstrução.
Em um dado momento, em um gesto de atenção, o performer-capoeirista faz uma
chamada, é um momento de atenção. Agora, seu corpo é todo mandinga, regido de sensação
e percepção. Tudo no mesmo lugar, o seu corpo. A plateia observa em um clima de tensão.
A qualquer momento poderá ocorrer seu desfecho e este será um imprevisto. O
elemento surpresa, sem aviso, para o público e para o performer.
Nesse meio tempo, ele sente, percebe que o encanto de sua mandinga se pronuncia no
exato momento em que a Natureza se abre, se apresenta para um diálogo, mostra um ponto e
faz um pacto com o performer. Ele, em um movimento suave, encaixa de forma certeira e
eloquente o seu pé, no Mono-lixo, em movimento177 de chapa de costas (FOTO 25):

176
Monumento: “A categoria escultura, assim como qualquer outro tipo de convenção, tem sua própria
lógica interna, seu conjunto de regras, as quais, ainda que possam ser aplicadas a uma variedade de
situações, não estão em si próprias abertas a uma modificação extensa. Parece que a lógica da escultura é
inseparável da lógica do monumento. Graças a esta lógica, uma escultura é uma representação
comemorativa — se situa em determinado local e fala de forma simbólica sobre o significado ou uso
deste local” (KRAUSS, 1984, p. 131).
177
Movimento: na luta-jogo e dança da Capoeira Angola, não se pronuncia a palavra golpe como em outras
práticas semelhantes, nela, o termo se refere a movimento.
147

Foto 25 – Jogo de Corpo: frame 7

Fonte: Cabral (2015g).

Este movimento repercutiu de forma desestruturante no seu corpo-vertical que, por sua
vez, desmonta-se de sua rigidez desconstruindo-se, rapidamente, de sua forma linear
realizando, assim, um jogo de corpo criativo e mirabolante (FOTO 26):

Foto 26 – Jogo de Corpo: frame 8

Fonte: Cabral (2015h).


148

Sua queda foi transformando seu jogo, desenhou-se, como imagem de uma
escultura-sinética de quadrados em movimento circular no espaço-tempo. No chão se
transformou construindo-se em uma imagem de corpo-escultura (FOTO 27):

Foto 27 – Jogo de Corpo: frame 9

Fonte: Cabral (2015i).

Uma composição de ordem desordenada (logicamente), reversa e abstrata, que


se compôs, integrando-se horizontalmente à natureza.
Reconstruindo-se em outro contexto, regida pelo pensamento circular da arte e
do Jogo-Mandinga, do corpo, na dinâmica da Capoeira Angola.
O performer planta uma bananeira afirmando sua unidade entre os 2 mundos
de cabeça para baixo, trocando os pés pelas mãos e as mãos pelos pés. O ápice da
performance-ritual. O artista-angoleiro sabe que o jogo-de-corpo-mandinga da Capoeira
Angola não acabou, apenas começou.
A Natureza, na sua suprema sabedoria e beleza (verdade), hostil, não
cessa o seu movimento espiralar (circular) e, para acompanhá-la em sua dialética
e não se perder de sua dinâmica, sabe-se que infinitos jogos de mandinga serão
jogados.
149

Só assim, pode lançar-se em gestos de in-formar178 e inscrever-se para abrir buracos


nos muros do mundo objetivo que encarceram.

3.6 Jogo de Corpo: diálogos de aproximação e distanciamento

Por tratar-se de uma proposta referente aos desdobramentos estéticos da cultura da


Capoeira Angola como prática de matriz africana no BRA, traça-se um diálogo de
aproximação e distanciamento entre a performance Jogo de Corpo e a pesquisa Corpo e
Ancestralidade da artista e pesquisadora baiana Inaicyra Falcão (SANTOS, 2006).
Sua proposta tem como princípio, a procura pelas raízes ritualísticas que os seres
humanos carregam e, pelas narrativas míticas, a razão de ser das tradições, na construção do seu
trabalho de dança (FOTOS 28 e 29):

Foto 28 – Ayãn transcende, simbólico


transfigurada

Fonte: Santos (2006, p. 1).

178
“[…] In-formar é um gesto negativo, orientado contra o objeto. O gesto de um sujeito que avança contra
os objetos. Ele faz incisões nos objetos. Ele faz incisões do ‘Espírito’ nas coisas que se preenchem
demais por elas próprias, para que essas coisas não queiram condicionar o sujeito. É o gesto do querer
livrar-se de uma resistência obstinada que os objetos oferecem ao sujeito. O inscrever é um gesto
informacional, cujo objetivo é romper com as condições do cárcere, isto é, abrir crateras nos muros do
mundo objetivo que nos encarceram” (FLUSSER, 2010, p. 26).
150

Foto 29 – Ayãn, princípio vibrante no


fundamento do fogo

Fonte: Santos (2006, p. 2).

A performance Jogo de Corpo mantém uma relação de aproximação com o trabalho de


Santos (2006), no momento em que desenvolve-se a partir da construção de imagens geradas
da ação do corpo criativo, em exercício de sua percepção sensorial para possibilitar uma
articulação com as matrizes corporais e instaurar a conexão entre tradição e contemporaneidade
na diversidade das culturas, denotando à importância do fenômeno transcultural.
Por outro lado, Jogo de Corpo distancia-se do trabalho de Santos (2006), quando
propõe, através das imagens míticas geradas com o corpo em movimento em seus
desdobramentos estéticos, realizar a assimilação entre ritual e performance, como elementos
indissociavéis no contexto da Capoeira Angola e da Arte contemporânea.
Para tanto, as imagens geradas nesta performance-ritual foram capturadas e
ressignificadas em linguagem de vídeo-performance ou vídeo-instalação. Constituindo-se
assim, como um processo de metalinguagem, no qual o trabalho incide sobre ele mesmo (o
mesmo processo de desdobramentos das imagens foram realizados com as outras
performances-ritual).
Dando continuidade à este diálogo de aproximação e distanciamento, no percurso desta
investigação, foi importante também a referência do trabalho de pesquisa do artista baiano
Ayrson Heráclito (NADA, 2009a), o qual desenvolve uma poética visual sobre o
151

pertencimento da cultura afro-baiana ressaltando as relações intrínsecas entre ritual e


performance.
Ayrson Heráclito desenvolve ações de performance, fotografia e vídeo-instalação em
um processo de ressignificação dos mitos e rituais das culturas de matriz africana no BRA
(NADA, 2009a).
No seu trabalho Bori Performance-art: oferenda à cabeça (NADA, 2009a), Ayrson
Heráclito realizou uma performance, um ritual poético inspirado no borí: prática ritualística de
ofertar comida para a cabeça realizada nas cerimônias religiosas de matriz africana no BRA.
A palavra bori tem sua origem em duas palavras yoruba: bó, que significa oferenda, e
orí que significa cabeça, a fusão das duas, literalmente, significa oferenda à cabeça. A ação
se configura em oferecer comida para cabeça de 12 performances, que representam, de forma
vocative, os 12 principais orixás (FOTO 30).

Foto 30 – Bori Performance-Art: oferenda à cabeça

Fonte: Nada (2009b)179.

Há um diálogo de aproximação da Obra de Ayrson Heráclito (NADA, 2009a) com a


poética da ação-performance Jogo de Corpo: pelo fato dele também trabalhar com a
ressignificação dos elementos míticos e rituais que pertencem às culturas de matrizes
africanas no BRA, através da assimilação do ritual e da performance na Arte contemporânea.

179
Documento online não paginado.
152

Esta aproximação se fez fundamental no contexto desta investigação, por possibilitar


uma troca de ideias enriquecedora na reflexão sobre o limiar entre o ritual e a performance nas
Artes visuais.
Por outro lado, há um distanciamento que se denota, pelo fato de a poética de Ayrson
Heráclito (NADA, 2009a) realizar esta assimilação inspirada em cerimônias religiosas, e, no
caso desta Pesquisa, buscou-se assimilar ritual e performance através da mandinga nos
desdobramentos estéticos do corpo na dinâmica da Arte-Capoeira Angola.
Neste contexto de aproximações e distanciamentos, a referência da obra do artista
carioca Ronald Duarte (FERREIRA, 2016) ressalta, especificamente, o trabalho Nimbo /
Oxalá, 2008 (SEID, 2016, p. 174) (FOTO 31), realizado no RJ no Centro Municipal de Arte
Hélio Oiticica, em 2008, o mesmo é carregado de significados que abrangem o limiar entre o
ritual e a performance, integrando estas qualidades, em uma instalação-intervenção escultural.
Este trabalho acontece em um rito-mágico, de forma circular, sob a regência mítica de Oxalá e
suscita sempre uma dimensão ritualística que envolve o coletivo.

Foto 31 – Nimbo / Oxalá, 2008

Fonte: Seid (2016, p. 174).


153

O trabalho acontece com 20 artistas vestidos de branco com extintores de incêndio


com 40 kg180 de gás CC CO2 nas mãos, acionando-os todos ao mesmo tempo, gerando assim,
uma grande nuvem branca. “Uma nuvem artificial, decerto, mas que nos envia à irrupção do
sagrado e à designação do infinito na tradição pictórica” (CESAR, 2014, p. 208).
O Jogo de Corpo, neste caso, se aproxima no contexto ritualístico do seu trabalho não
só pelo uso do círculo, mas também, devido a sua relação com as míticas de matrizes
africanas no BRA (yorubá). “Oxalá, sincretizado na Umbanda com Jesus Cristo, é um orixá de
natureza ambígua, sem gênero definido, de criação do homem” (CESAR, 2014, p. 208). Neste
trabalho, Cesar (2014) integra através da arte-performance-coletiva a presença deste mito,
ambíguo no cotidiano. Sendo este, um elemento poético de aproximação com a performance-
ritual Jogo de Corpo.
Por outro lado, o distanciamento entre este trabalho com Nimbo / Oxalá se dá pela
relação espacial e material na exposição, concepção e material.

3.7 Jogo de Corpo: desdobramentos do corpo-mandinga na Arte-Capoeira Angola

Há uma expectativa, aqui, que será abordada devidamente. Muita calma nessa hora!
Porque ela corresponde e trata do processo de identificação dos elementos poéticos
apresentados e representados nas narrativas que seguirão. É imprescindível, neste caso, situar
que a poiesis dessa Obra se reverbera com e no corpo-mandinga envolvido no seu contexto
de pensamento circular do sistema simbólico / dinâmico da Capoeira Angola. Nesta direção, se
faz necessário refletir sobre sua forma função na práxis desta performance artística, é a ação
para realizar uma transdução de suas características.

Quadro 6 – Solta a mandinga ê


Solta a Mandinga êêêê!
Solta a Mandingaaa!
Solta a Mandinga êê, camarada.
Que agora eu vou jogar (contar)!

Fonte: CANTIGAS… (2011)181

180
Quilogramas (Kg).
181
Solta a mandinga: corrido de domínio popular de Capoeira Angola cantado correntemente nas rodas.
154

De acordo com as questões evidenciadas nas obras, sobre o corpo-Capoeira Angola,


constatou-se que: ela é uma performance-artística; um sistema dinâmico constituído de
mandinga, que é o componente essencial na ginga e nos seus movimentos. A mandinga, em
seu exercício prático, de memória oral e corporal, produz e reproduz imagens-informações em
movimento: imagens míticas. Através do corpo, embalado pelo conjunto das ações de cantar,
dançar e batucar revela um trio inseparável do ritmo-síncope das culturas de matrizes africanas
no BRA. Esses elementos passam à evidenciar propriedades derivadas (forças motrizes)
integradas ao corpo-mandinga. A partir dos seus desdobramentos estéticos, com passos para
frente e passos para trás, como um angoleiro, sempre devagar, propõe-se conceber e entender
o corpo na Capoeira Angola, regido pelo pensamento a-histórico de matriz africana Bantu.
O seu sistema simbólico é estimulado, impulsionado, por um construto de percepção e
sensação do corpo-mandinga através de 3 partes indissociáveis nele, as quais foram
denominadas como dispositivos de inversão: a cabeça, os pés e as mãos. Neste movimento de
reflexão, a performance narrada foi realizada ocupando o lugar de um rito-mágico que propôs
estabelecer as relações de aproximação entre o pensamento que rege o sistema simbólico das
Artes e o sistema simbólico da Capoeira Angola. Um ritual-arte que buscou assimilar ambos os
sistemas através da ação narrada.
Como um intento da proposição de tese que vem se pronunciando, tornou-se essencial
apresentar tais elementos, através dos desdobramentos estéticos182 realizados nos
procedimentos criativos do corpo-mandinga da Capoeira Angola. Esses se denotam a partir
dos estudos práticos. Nesta imersão, passou-se a identificá-los como imagens-informações,
integradas no corpo-Capoeira Angola para produzir e transmitir conhecimento sobre o mundo.
Com este objetivo expõe-se, aqui, esses elementos dos desdobramentos estéticos do corpo-
mandinga para evidenciar, de forma plena, e identificar o sistema simbólico da dinâmica da
Capoeira Angola como uma construção de pensamento circular e, assim, identificar também,
a presença deste pensamento como regente dos processos de criação artística.
Define-se os dispositivos de inversão, como estratégias do corpo-mandinga, que são
realizadas, através dos seus movimentos. Nesta investigação, adota-se o termo dispositivo:
como “[…] regra, preceito, prescrição” (DISPOSITIVO, 2010, p. 727). Neste caso, como uma
ordem deferida pelo corpo-mandinga da Capoeira Angola, regida por seus preceitos de ritos-
mágicos que se prescrevem no seu jogo-de-corpo através de movimentos: para trás, lados e
frente; para cima, no meio e embaixo, ou seja, um “Mecanismo disposto para se obter certo

182
Estéticos: neste caso, se refere aos desdobarmentos do corpo a partir de sua aisthésis (sensação e
percepção dos sentidos.
155

fim” (DISPOSITIVO, 2010, p. 727), tendo, portanto, a função, neste caso, de desenvolver os
movimentos que conjugam e constituem o corpo-mandinga da Capoeira Angola, para
denotarem a forma específica de sua prática. Sendo assim, os dispositivos de inversão
resumem-se como um conjunto de ações mediadoras, dispostas e planejadas, por uma ordem
que organiza outro tipo de lógica exercida pelo corpo-mandinga. Esta tem, como fim,
apreender e performar à arte da Capoeira Angola. Para se entender a funcionalidade dos
dispositivos de inversão, integrados no corpo-mandinga, é necessário realizar uma apreciação
dos movimentos lançados pelo corpo no seu jogo-luta-dança.
Há uma ordem que rege o corpo-mandinga, que se faz presente no composto geral dos
elementos que consolidam o sistema dinâmico da Capoeira Angola. Uma ordem que é a
estrutura dos dispositivos de inversão e estruturante dos ritos e mitos que constituem sua prática.
A presença desse princípio ordenador pode ser identificada como uma unidade
dinâmica. Daqui por diante, o tratamento deste fenômeno estruturador do corpo-mundus da
Capoeira Angola será como ordem reversa de triangulação dinâmica.
É imprescindível aqui dar outro passo para trás para refletir sobre a presença da
ordem reversa nos movimentos, nos cantos e toques do jogo-luta-dança. Na performance
artística-cultural do corpo-mandinga da Capoeira Angola, só com o movimento (ginga) de um
passo para trás é possível repensar. Dar 2 passos para frente.
Entendendo tal unidade dinâmica como elemento essencial que estrutura a Capoeira
Angola, tem-se a função / imagem do tripé, que impulsiona e rege o seu jogo de mandinga em
3 instâncias, compreendendo a totalidade de seu corpus. Sendo presença constante e
irrevogável nos cantos (cantar); nos toques (batucar); e nos movimentos (jogar-dançar), é sobre
esta presença como composto estruturante no corpus da Capoeira Angola que apontam os
escritos a seguir.

3.8 Canto, toques e movimentos da Capoeira Angola: uma ordem de triangulação


dinâmica

No pé do Gunga, de cócoras, se postam 2 capoeiristas totalmente imersos no ritual da


roda. Eles sabem que o jogo vai ter início, a qualquer momento, e buscam acomodar suas
ansiedades. Escutam a ladainha centrados, pois sabem que, após esse canto, vem a chula e, em
seguida, o corrido (canto que abre o jogo na roda). Constitui-se como o sinal, o canto de
início, que inaugura o primeiro jogo-de-mandinga no ritual da roda de Capoeira Angola além
de regir todos os jogos e o encerramento da roda.
156

Os cantos e os toques envolvem todos os capoeiristas na roda, dando unidade à sua


grande roda de jogo-Capoeira Angola que se desenrolará. Os componentes da roda, sentados,
compondo o seu círculo, respondem as narrativas expostas nos cantos da chula e dos corridos.
O ritmo, já estabelecido por esses elementos, envolve plenamente, integrando o corpo-
mandinga desse jogo-luta-dança.
O Gunga fala, o Médio responde e o Viola retruca com dobradas. No ritmo, os 3
berimbaus em diálogos de som e poesia se desenvolvem e envolvem, como arcos musicais que
encantam. Neste momento, os capoeiristas, nos pés dos berimbaus, envolvidos
emocionalmente, reafirmam a relação com os ancestrais – a terra, a água, o sol, o mar e as
estrelas (tudo que nos faz viver). Eles se protegem, se resguardam e se preparam para a luta-
ritual, um jogo de mandinga. Tem início o corrido, o mestre Gunga abaixa a verga do seu
berimbau até o chão e dá o sinal! O jogo já pode começar.
Os 2 parceiros, do mesmo jogo, já se pronunciam com suas mandingas. Eles dão um
aperto de mão, amigável, e, com movimentos que podem ser, neste caso, um rabo-de-arraia,
negativa, aú, rolé iniciam o jogo que se desenvolve no ritmo da orquestra. Em torno de alguns
minutos, o Gunga chama e o jogo se finaliza. Mais uma vez, eles se saúdam e saem da roda
pelos lados direito e esquerdo. A roda dá continuidade com mais 2 capoeiristas, que vão nos
pés dos berimbaus, apertam as mãos e inciam outro jogo. É nessa dinâmica triangular entre os
2 jogadores e os berimbaus que se realiza o ritual do jogo. Esse jogo, realizado entre eles,
também consagra o ritual na Capoeira Angola, que se realiza na triangulação entre a roda, os
jogadores e o ritmo da orquestra.

3.9 Jogo de Corpo: triangulação dinâmica de tempo e pensamento circular

É de fundamental importância tornar visíveis, aqui, as relações imbricadas na


produção e construção da poética-artística entre os trabalhos que constituíram a trilogia Maré
de Kalûnga apresentados, até o momento, nesta escrita. Em consequência deste trabalho, nota-
se que a performance-ritual Jogo pra Kalûnga tratou da relação de integração entre o sistema
simbólico do Cosmograma Bakongo e o sistema simbólico da Capoeira Angola, tornando-se
perceptível através do processo criativo calcado em elementos estruturais da Capoeira Angola
e sua imersão nos procedimentos contemporâneos de produção artística. Exemplo: o uso da
vídeo-arte, instalação e processo de desconstrução de estruturas e padrões formais presentes na
Arte contemporânea.
157

Integrar todos os trabalhos neste construto trouxe à tona os seus desdobramentos


estéticos que denotam uma reflexão sobre a presença e uso, em tais procedimentos, do
pensamento circular, no exercício de criação e produção artística pois, se entende que, em tais
processos de criação na arte, o artista não segue um manual de instruções, ou seja, não se
define o produto artístico antes de ser apresentado. Não há relação de causa e efeito. Na
concepção do trabalho artístico, o artista não segue uma lógica de pensamento linear causal.
Em seu processo, ele pode até ter definido o que irá fazer, mas, no seu percurso de criação até
chegar a excução do trabalho, ressaltam ideias e imagens-informações de forma circular,
desordenada, que refletem e constituem o seu produto final. Tais ideias se apresentam em
vários envolvimentos do criador com o seu meio: no cotidiano da cidade, em casa, com os
amigos, etc. Ideias que são assimiladas, ou não, no seu processo de criação até se obter o
resultado final. Neste processo, ele revela elementos e conceitos que, antes não eram
percebidos comumente, e são apresentados no seu resultado final. Ele tira de lá e bota cá, tira
de cá e bota lá, resultando em ações de tira de onde não tem, supostamente, e, coloca onde
não cabe, em uma ação de pensamento e tempo circular onde um elemento significa o outro e
ambos se significam. (FLUSSER, 2011c).

3.10 Jogo de Corpo: mandinga triangular, integração entre a Arte e a Capoeira Angola

No contexto indicado, os resultados dos trabalhos da trilogia Maré de Kalûnga


revelaram a presença dinâmica do pensamento circular não só no processo criativo, mas
também, nos resultados que são presentes nas relações de conexão entre os 3 nas quais um
trabalho significa o outro e os 3 se significam na totalidade do processo criativo. Essas
relações se contextualizaram em uma triangulação dinâmica, logo após a conclusão da
performance-ritual Jogo de Corpo, pois, com a reflexão exercida sobre essa ação artística
tornou-se evidente que ela se constituiu como uma unidade triangular dinamizadora entre os
trabalhos produzidos durante o percurso desta investigação em poéticas visuais. Decerto, Jogo
de Corpo é o terceiro elemento. Nesta produção artística, ele é o terceiro ponto. Sua aparição
se deu gerada do encontro entre a performance-ritual Jogo pra Kalûnga e à escultura-
instalação Mono-lixo entre o Céu e a Terra. O trabalho Jogo de Corpo realizou-se em uma
dinâmica de vai-e-vem que integrou os elementos simbólicos e artísticos dos 2 trabalhos,
constituindo-se como o terceiro ponto dinâmico entre os 3 trabalhos, que os integrou de forma
inusitada. Os elementos integrados nesta relação entre os trabalhos foram distinguidos, como:
1) dinâmica circular entre sujeito (artista) e objeto (natureza);
158

2) estrutura triangular de tempo e pensamento circular;


3) o signo183 da encruzilhada como campo de ação espaço-temporal dos sujeitos (ser
humano e natureza); e
4) triangulação dinâmica do terceiro ponto como estrutura regente do corpus Capoeira
Angola.
Tais elementos caracerizados foram harmonizados, compostos, nas ações artísticas nas
formas seguintes, que são apresentadas, resumidamente, assim:
a) a performance-ritual (ação artística) Jogo pra Kalûnga tratou de representar e
assumir como um rito-mágico a integração dos elementos simbólicos do Cosmograma
Bakongo, com os elementos simbólicos que se constituem na dinâmica da Capoeira Angola;
b) o trabalho Mono-lixo entre o Céu e a Terra tratou da apresentação da relação do
processo criativo na Arte como um procedimento de pensamento e tempo circular, realizado
através da produção da escultura-instalação.
c) o trabalho Jogo de Corpo se apresentou como ação artística, que tratou de
representar à assunção dos elementos dos sistemas simbólicos da Capoeira Angola e do
Cosmograma Bakongo, integrados pela estrutura dinâmica de pensamento e tempo circular
através da performance-ritual, realizada no jogo entre o corpo-mandinga-Capoeira Angola e
a escultura Mono-lixo. Além de Jogo de Corpo ser o elemento dinamizador na trilogia
Maré de Kalûnga na qual ele se contextualizou, exercendo a função de terceiro ponto
dinamizador no contexto dessas experiências-em-ações que foram apresentadas.
Simultaneamente, ele também é o terceiro elemento dinamizador na relação entre os vídeos-
artes, gerados das performances apresentadas, que enfocam os desdobramentos estéticos do
corpo-mandinga da Capoeira Angola. Indubitavelmente, os vídeos também apresentam uma
triangulação dinâmica, gerada pelo trabalho Jogo de Corpo. Esta dinâmica triangular se tornou
visível através das relações de jogo-performance-ritual que se estabeleceram e convergiram
nos trabalhos de vídeo-arte.
Tais relações procederam e se evidenciaram assim: no primeiro vídeo, Encruzilhada:
a passagem, a analogia realizada entre os sistemas simbólicos do Cosmograma Bakongo e do
corpo-mandinga da Capoeira Angola tornou-se visível através do jogo-performance-ritual.
No segundo vídeo, Jogo pra Kalûnga, o Cosmograma Bakongo foi assumido como
uma inscrição que foi realizada em um rito-mágico através do jogo-performance-ritual,
conformando o símbolo Bantu-Kongo como elemento integrado às ações artísticas.

183
“Signo: fenômeno cuja meta é outro fenômeno” (FLUSSER, 2011c, p. 19).
159

No terceiro vídeo, Jogo de Corpo, ocorre um encontro, inusitado, que consolida e


integra os sistemas simbólicos do Cosmograma Bakongo, da Arte e do corpo-mandinga da
Capoeira Angola em um rito-mágico realizado através do jogo-performance-ritual.
Neste contexto de triangulações dos vídeos, através do jogo-performance-ritual, Jogo
de Corpo é o terceiro elemento que realiza a dinamização e assunção dos 3 sistemas
simbólicos em um só trabalho, que está presente também na trilogia de vídeos integrando-os
através do jogo-performance-ritual. Neste caso, além dele se apresentar como o terceiro
elemento dinâmico na trilogia Maré de Kalûnga, ele também se apresenta como terceiro
elemento e unidade de estrutura dinâmica nos vídeos-artes, articulando-se através do jogo-
performance-ritual. Sendo assim, este trabalho representa o terceiro ponto, a unidade dinâmica.
Jogo de Corpo simboliza, no contexto geral de produção artística desta investigação, a
integração do Cosmograma Bakongo assumindo-o em um jogo-performance-ritual de
pensamento e tempo circular que envolve o imbricamento desse sistema de pensamento na
Arte e na Capoeira Angola.
No âmbito da Pesquisa, a ação Jogo de Corpo tornou-se imprescindível ao revelar-se
como uma poética articulada na Capoeira Angola, promovendo assim, uma reflexão sobre a
relação tênue entre ritual e performance. Esta, se dá através dos elementos míticos contidos na
tradição da Capoeira Angola que são reconstruídos no contexto da ação artística apresentada.
Situando-se o performer como intérprete, no cerne desta investigação, tratou-se da relação
intertextual criativa em relação às ações cotidianas do homem, distanciando-se da abordagem
tradicional, centrada na repetição de formas do ritual, vivenciadas, comumente, no jogo da
roda de Capoeira Angola. Neste context, centrou-se o processo criativo na direção do
corpo do performer que age bailando com seus movimentos por meio de memórias
ancestrais. Neste sentido, suas ações corporais revelam significados que, através dos
desdobramentos estéticos dos movimentos da Capoeira Angola, são ressignificados, trazendo
para o tempo presente o processo criativo da Arte.
No contexto geral desta investigação, a performance-ritual Jogo de Corpo foi um
divisor de águas, em verdade, um interator com os 2 lados, BRA e ANG, entre as marés do
Atlântico.
Em outras palavras, foi o terceiro elemento que dinamizou e integrou a produção184
dos trabalhos para gerar este capítulo e suas reflexões sobre a unidade dinâmica do triângulo,
a encruzilhada e o círculo como elementos que constituem o sistema de pensamento da

184
“Produção: atividade que transporta o objeto da natureza para a cultura” (FLUSSER, 2011c, p. 19).
160

Capoeira Angola e se expressam através de sua mandinga185. Ele foi o último trabalho
realizado como experiência-em-ação de performance-ritual, no qual o performer é o própio
autor desta Pesquisa como artista-capoeirista, mas passou a ser o ponto de partida para a
realização de mais 2 trabalhos que são essenciais, aqui, relatá-los, pois os mesmos contribuem
com mais veracidade no intento que denota a Arte e a Capoeira Angola, imersas, em um
contexto de tempo e pensamento circular. Foi, a partir dos desdobramentos estéticos de Jogo
de Corpo, que se constituiu o trabalho Mutuê-Luminar e, em seguida, o trabalho Tempo
Circular os quais serão relatados e descritos, brevemente, nas subseções seguintes.

3.11 Mutuê-Luminar: dispositivo de inversão do Jogo de Corpo de mandinga-circular

O trabalho Mutuê-luminar (dispositivo de cabeça) foi construído a partir das


inquietações referentes à necessidade de situar, no receptor participante, o envolvimento com
as expressões (percepção e sensação) do seu corpo em um contexto de tempo e pensamento
circular.
Mutuê-luminar constituiu-se em duas instâncias que se definem assim:
1) na primeira instância, ele foi realizado exposto como um objeto interativo, integrado
às projeções de vídeo, compondo-se como um vídeo-instalação-sonora na qual sua forma e
função estão associadas para promover a percepção e a sensação do corpo imerso em luz, som e
imagem;
2) Na segunda instância, ele se apresenta como objeto-escultórico (dispositivo de
cabeça) de interação que pode ser usado em espaço aberto, especificamente, à noite para
proporcionar ao usuário o envolvimento com o campo de luz que emana do seu vértice
piramidal (FOTO 32):

185
Mandinga: Os depoimentos dos capoeiras mais antigos evidenciam a mandinga enquanto componente
fundamental da capoeira. Nesse imaginário, afirma Vieira (1998, p. 111), “A mandinga aparece como a
estruturante central, o que atribui a verdadeira identidade ao jogo da capoeira.” No contexto da capoeira,
diz Vieira (1998, p. 111-112), “[…] o termo mandinga designa tanto a malícia do capoeirista durante o
jogo, fazendo fintas, fingindo golpes e iludindo o adversário, preparando-o para um ataque certeiro,
quanto também uma certa dimensão sagrada, um vínculo do jogador da capoeira com o Axé, a energia
vital e cósmica para as religiões afro-brasileiras.”
161

Foto 32 – Mutuê - Luminar - Dispositivo


de cabeça

Fonte: O autor (2015).

A sua estrutura foi concebida como um dispositivo186 para a cabeça com 4 hastes de
alumínio que compõem à forma de uma pirâmide feita de estruturas lineares, que se consolida
com uma pequena e potente lanterna fixa no final da sua parte superior triangular.
A sua base se constitui como um capacete, em verdade, trata-se de um design
anatômico vazado na parte da cabeça que integra em suas partes auriculares, um
headphone187. No lado direito deste, se encaixa um pequeno cartão de memória que contém
áudio com música de Capoeira Angola.
A exposição deste trabalho aconteceu em 2 momentos sequenciais:
1) exposição188 realizada no 14º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia: Arte e
desenvolvimento humano, na cidade de Aveiro, Portugal (POR), em outubro de 2015, como

186
Dispositivo: “Aparelho ligado ou adaptado a instrumento ou máquina, que se destina a alguma função
adicional ou especial” (DISPOSITIVO, [20--?]).
187
“O Headphone é um fone de ouvido, como qualquer outro, porém ele vêm com uma funcionalidade a mais
que é com o microfone, onde você pode conectá-lo a um pc, notebook, celular, etc, e conversar com outra
pessoa, como por exemplo por Skype” (RODRIGUES, 2015, grifo nosso).
188
Exposição coletiva no Museu da Capitania.
162

vídeo-instalação-sonora (ENCONTRO INTERNACIONAL DE ARTE E TECNOLOGIA,


2015) (FOTO 33):

Foto 33 – Exposição em Aveiro, POR

Fonte: O autor (2015).

2) O Mutuê-luminar foi usado como objeto performativo189 no Hiperorgânicos190 6,


realizado no Solar do Jambeiro, Niterói / RJ, em novembro de 2015 (FOTO 34).

Foto 34 – Performance / Hiperorgânicos 6

Fonte: O autor (2015).

189
Performer: Maria Luíza Fragoso.
190
“Laboratório aberto Hiperorgânicos consiste de encontro imersivo (manhã e tarde) entre artistas-
pesquisadores, acadêmicos, cientistas e o público, tendo por objetivo, através de metodologia dialógica e
processual, o intercâmbio de experimentos em baixa e alta tecnologias de ponta, focados na construção de um
modelo hiperorgânico integrando práticas de hibridação, robótica, sonorização, visualização de dados,
performance e arquitetura” (HIPERORGÂNICOS…, 2015).
163

Mutuê na língua kikongo significa cabeça; o ponto mais alto do corpo humano;
espiritualmente, no Candomblé, é cultuada como parte sagrada, principal órgão receptor e
transmissor de energia (ngolo)191 ou axé.
A palavra luminar significa espalhar luz; aquilo que esparge luz em um foco fanal, por
exemplo: a lanterna. A junção destas duas palavras configurou esta experimentação artística
de Pesquisa em poéticas visuais, que teve como objetivo gerar um ambiente imersivo, no qual
o espectador se permita à experiência da percepção do movimento e pensamento circular.
Propôs-se, com este Trabalho, que o participante, envolto pelo foco de luz, o áudio
(acionado no head-phone) e a imagem em movimento (vídeo: Encruzilhada: a passagem),
vivenciasse uma experiência estética de movimento e pensamento circular. A partir de uma
interação relacional com a luz, o som e a imagem, de forma transcultural, possibilitando-lhe
uma ação entre performance e ritual. A mesma experiência se propõe, como performance, a
ser realizada em espaço aberto sem iluminações externas.
Neste contexto, o objeto-escultórico Mutuê-Luminar é um dispositivo de cabeça (objeto
artístico) que foi e é usado para possibilitar ao performer a sensação e percepção do corpo em
movimentos circulares regido por um campo de luz e o ritmo musical da dinâmica da Capoeira
Angola. Portanto, esse objeto-escultórico e vídeo-instalação-paisagem-sonora teve como
principal objetivo evidenciar e tornar visível, sensorialmente, o pensamento circular como
elemento presente e transformador nas culturas de cosmovisão africana no BRA.

3.12 Tempo circular: jogo de corpo da mandinga de pensamento circular na Arte

Dando sequência ao Jogo de Corpo nesta roda de palavras, sobre as imagens-


informações geradas nos desdobramentos estéticos da performance Arte-Capoeira Angola,
desenvolve-se uma breve descrição do trabalho de vídeo-arte Tempo Circular.
O mesmo se configura como a última produção de experimentação artística da série de
trabalhos realizados no construto desta investigação em Poéticas Interdisciplinares (FOTO
35):

191
Ngolo: em Kibundu significa “energia” (NGOLO, [20--?]).
164

Foto 35 – Tempo Circular (vídeo-arte)

Fonte: O autor (2016).

Ele foi resultado do processo de vivência de 15 dias no Nzinga192, fazendo aulas, como
professor e aluno na companhia dos malungos193 e Mestres: Rosanjela Costa Araújo (Mestra
Janja); Paula Cristina Barreto (Mestra Paulinha); e Paulo Roberto Barreto (Mestre Poloca).
Durante as aulas, foram abordadas as relações dinâmicas entre os movimentos da Capoeira
Angola e a simbologia do Cosmograma Bakongo, em ações – com desenhos do Cosmograma
no chão realizaram-se analogias entre os movimentos, a ginga e as direções cíclicas do Sol (de
acordo com os estudos e desenhos apontados no capítulo 1). Neste âmbito, ocorreram os
procedimentos e processos criativos que o constituíram.
Tempo Circular apresenta, especificamente, as expressões da mandinga da Capoeira
Angola como sua aisthésis (percepção totalizante). Suas imagens foram capturadas e editadas
conservando o plano fixo e frontal. Buscou-se, com a edição e produção deste vídeo,
apresentar as imagens-informações que o corpo-mandinga (estética) da Capoeira Angola
produz, envolvido em movimentos de tempo e pensamento mítico (circular ou espiralar). Sua
estratégia é denotar as ações de imagem-em-movimento do performer-capoeirista em seus
balanços suingados, titubeantes de aleotrias, mugangas e ludicidades. Nele, se busca

192
“O Grupo Nzinga de Capoeira Angola nasceu em 1995, quando Rosângela Araújo – hoje conhecida como
Mestra Janja – passou a residir em São Paulo, em função da elaboração de suas teses de mestrado e
doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, na área temática de Filosofia e
Educação” (GRUPO…, [20--?]).
193
Malungo: palavra de origem Banto que significa “companheiro, camarada”; “nome que se davam
mutuamente os negros escravos vindos da África no mesmo navio”; “[Brasil] irmão colaço, irmão de
criação” (MALUNGO, [20--?]).
165

apresentar a mandinga como o jogo-de-corpo da Capoeira Angola que, com a sua dinâmica, o
rege nos seus movimentos de rito-mágico para dissimular entre o sim, o não e o talvez.
Através destes movimentos, o corpo-capoeira194 do performer se estabelece entre o
equílibrio e o desequílibrio, imerso no ritmo de uma lógica de inversão de tempo e pensamento
circular pois, já é sabido, que esse corpo-Capoeira Angola move-se em todas as direções, em
cima, embaixo, no meio e se posiciona de ponta-cabeça entre o céu e a terra no espaço-tempo.
A sua plasticidade visual se revela pela mandinga, expressa na forma que informa e
transforma-se em jogo-de-corpo para se fazer testemunho presente e ativo de uma performance
artística, uma luta de resistência, de libertação, de uma lógica cartesiana, de discurso linear
(pensamento lógico). O jogo-de-corpo-mandinga da Capoeira Angola se move em uma
ordem reversa na qual inexiste o príncipio de não contradição195 nem tampouco o do terceiro
excluído196. Pelo contrário, ela se trata de uma lógica de movimento reverso197 no qual a
contradição se faz presente e o terceiro excluído é sempre o incluso visto que ele é o elemento
dinamizador que gera o ritmo de tempo e pensamento circular. A mandinga (estética), neste
caso, é o corpo-arte da Capoeira Angola que, entre o sim, o não e o talvez, se dinamiza em um
jogo-de-corpo-arte em movimento no qual o passado, o presente e o futuro se conjugam no
mesmo espaço-tempo circular.

3.13 Sistema dinâmico de pensamento circular do corpo-mandinga na Arte e na


Capoeira Angola

Aqui, o corpo-Capoeira Angola se instaura como corpo-mandinga, corpo-percepção


totalizante de um corpo-estética-escultural de arte-em-movimento. Essa relação, imbricada
entre à Arte e a performance da Capoeira Angola, já havia sido pronunciada nos estudos de
Sodré (2002). Investindo na ideia da Capoeira no lugar de Arte, o Sodré (2002, p. 87) diz:
“Capoeira não é uma disciplina esportiva, e sim uma arte mandingueira do corpo em suma,

194
Corpo-capoeira: “O termo corpo-capoeira, será a expressão utilizada para se referir aos dispositivos
usados pelo corpo na produção de narrativas e de conhecimentos produzidos, bem como os saberes que
estes corpos expressam utilizando-se de outros signos, outras formas de linguagem e de expressão, que
fogem a toda e qualquer tentativa de uma tradução meramente racionalista. Geralmente, são
conhecimentos enigmáticos, ricos em complexidades, e que revelam não só uma força cultural a partir da
realidade dos bens materiais de produção, mas também fruto do sentimento das realizações das paixões
humanas” (CASTRO JÚNIOR, 2012, p. 7).
195
Princípio da Não Contradição: “Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo”
(GONÇALVES, 2014).
196
Princípio do Terceiro Excluído: “Toda proposição ou é verdadeira ou é falsa, ou seja, verifica -se sempre
um destes casos e nunca um terceiro” (GONÇALVES, 2014).
197
Reverso: “Que está na parte posterior ou contraria àquela que se observa; avesso: lado reverse”
(REVERSO, [20--?]).
166

um jogo em que passado, presente e futuro podem pôr-se juntos num movimento ou num
repente”. De acordo com o que já foi constatado antes (nos capítulos anteriores) sobre a
Capoeira Angola como sistema dinâmico de pensamento e tempo circular, sabe-se que o seu
jogo-de-corpo-mandinga se institui através dos seus ritos e mitos que são dinamizados em
trânsito espaço-temporal, entre passado, presente e futuro. Estes movimentos se expressam na
ação criativa da mandinga (sua estética) através das ações artísticas de cantar, dançar e
batucar. Neste sentido, o corpus-Capoeira Angola traduz-se em um jogo-de-corpo-mandinga
que se apresenta e se revela como rito-mágico por comportar, conformar sua existência entre
passado, presente e futuro. Nesta direção, Sodré (2002) também reforça a existência e
manutenção do corpo-mandinga desta Arte a partir dos seus ritos na relação entre os sujeitos
em grupo (nas aulas e rodas),

[...] entendido como um conjunto de procedimentos cosmogônicos do


grupo, o corpo encontra um outro tipo de totalidade, na qual se produz
algo como uma sinergia (interação coletiva das energias ou dos sentidos
individuais), e ele se torna ao mesmo tempo sujeito e objeto, objeto, no
sentido de entrega ao domínio do ritmo e da liturgia coletiva (SODRÉ,
2002, p. 86).

Essa relação contextualizada na ritualística da roda, especificamente, de Capoeira


Angola possibilita uma organização (uma ordem) na qual o capoeirista angoleiro está conectado
ao grupo a partir dos seus ritos e mitos. O seu corpo passa a ser um dispositivo de conexão
movido pelas ações de cantar, dançar e batucar envolvido pelo ritmo, pelo axé da força dos
ancestrais. É neste contexto que se desenvolve o jogo-de-corpo da mandinga da Capoeira
Angola. Neste jogo, tudo pode acontecer, nada é pré-concebido, não há planos nem esquemas.
“É o corpo soberano, solto em seu movimento, entregue ao seu próprio ritmo, que encontra,
instintivamente, o seu caminho. Senhor do seu corpo, o capoeirista improvisa sempre e, como
o artista cria” (SODRÉ, 2002, p. 22). O corpo do capoeirista, na dinâmica da Capoeira Angola,
sintonizado no ritmo, é um corpo de processos criativos que se expressa na sua estética-
mandinga no embate entre ele (sujeito) e outro (objeto). No jogo ritual da roda, os 2 são
objetos de entrega do ritmo e da liturgia coletiva. Mas também se tornam, ao mesmo tempo,
sujeito e objeto deles mesmos pois, no exercício de refletir, entre o sim e o não, sobre qual
movimento vai lançar, existe o talvez e, essa dúvida, é um fato comum entre os 2, situando-os
como sujeito e objeto da mesma situação haja vista que, nesse jogo de mandinga não existe
certeza. Em tal situação acontece um esbarramento, entre o sujeito e o objeto, um embate, e
desse encontro nasce a dúvida (o talvez). Com a dúvida em pauta, o sujeito passa à exercitar à
167

observação dele mesmo, tornando-se sujeito-objeto de si, pois, no vai-e-vem circular do jogo
de Capoeira Angola, simbolicamente, sujeito e objeto se fundem (objeto vira sujeito e sujeito
vira objeto). Desse encontro entre o sujeito (objeto) e objeto (sujeito), ocorre a reflexão
gerada a partir do nascimento da dúvida, neste tempo breve do jogo acaba a cisão entre o
sujeito e o objeto tendo em visa que, no jogo-de-mandinga da Capoeira Angola duvidar é dar
um passo atrás e refletir sobre qual movimento dará e sobre qual movimento seu parceiro de
jogo vai lançar.
Neste caso, a dúvida prevalece como elemento de reflexão e de decisão. Sem a dúvida,
o jogo não se desenvolve tornando-se assim, o elemento essencial no jogo de mandinga da
Capoeira Angola. Sem ela, o sujeito não dá o passo atrás para refletir, tornando-se
vulnerável no jogo. Constata-se que, a dúvida como o terceiro elemento, na qual o sujeito
duvida dele mesmo, é imprescindível na filosofia de ancestralidade, do corpo-oralidade, da
mandinga da Capoeira Angola. Nota-se, em uma breve analogia, que no construto da filosofia
ocidental – a partir das ideias cartesianas – que a dúvida só é lançada em direção ao objeto e
nunca é revertida para o próprio sujeito da ação. É neste sentido, que foi absorvido e
reproduzido o pensamento filosófico cartesiano. Sobre esta acepção da dúvida, como um passo
atrás, que não foi dado na filosofia da modernidade, Flusser (2011b, p. 22) descreve: “Trata-
se, com efeito, do último passo do método cartesiano, a saber: trata-se de duvidar da
dúvida. Trata-se, em outras palavras, de duvidar da autenticidade da dúvida em si. A
pergunta ‘porque duvido?’ implica à outra: ‘duvido mesmo?’”.
Descartes198, a partir de sua frase clássica, ‘cogito ergo sum’ (penso, logo existo), tão
recorrente nos modos das culturas ocidentais desde a modernidade, distanciou o exercício
reflexivo da dúvida sobre o sujeito, lançando-a sobre o objeto (FLUSSER , 2011b). De acordo
com a reflexão de Flusser (2011b), a partir do desnvolvimento de tal ideia, afirmou, com sua
reflexão filosófica, a cisão entre sujeito (ser-humano) e objeto (a natureza). Neste sentido,
Flusser (2011b), de forma oposta a Descartes, dando um passo atrás, trás para a filosofia
ocidental, na contemporaneidade, o exercício da dúvida como necessário para se repensar as
relações de aproximação entre o sujeito e o objeto. No construto geral desta investigação, em
tese, suas ideias foram fundamentais e esclarecedoras visto que, a partir delas, pôde-ses realizar

198
Descartes, e com ele todo o pensamento moderno, parece não dar esse último passo. Aceita a dúvida
como indubitável. A última certeza cartesiana, incorruptível pela dúvida, é, a saber: ‘penso, portanto
sou’. Pode ser reformulada: ‘duvido, portanto sou’. A certeza cartesiana é, portanto, autêntica, no sentido
de ser ingênua e inocente. É uma fé autêntica na dúvida. Essa fé caracteriza toda a Idade Moderna, essa
idade cujo os últimos instantes presenciamos. Essa fé é responsável pelo caráter científico e,
desesperadamente, otimista da Idade Moderna, pelo seu ceticismo inacabado, ao qual falta dar o último
passo” (FLUSSER, 2011b, p. 23).
168

uma reflexão mais apurada sobre o pensamento circular nas culturas de matrizes africanas no
BRA além de possibilitar uma reflexão sobre a construção do pensamento linear (pensamento
lógico) das culturas ocidentais. Por outro lado, a sua filosofia foi importante também, neste
contexto, por ter como conceito a dúvida em exercício reflexivo de dar um passo para trás,
ou seja, o sujeito duvidar de si mesmo antes de duvidar do outro. Neste sentido, sua filosofia
foi imprescindível. Nela, deixa-se transparecer uma relação de proximidade do seu
pensamento filosófico com o pensamento filosófico da filosofia de ancestralidade da Capoeira
Angola haja vista que sua filosofia não deixa de ser um exercício de pensamento circular, no
qual o sujeito lança a dúvida sobre si mesmo e, consequentemente, sobre o outro. Para tornar
mais evidente a relação do exercício da dúvida entre sujeito e objeto, apresenta-se, a seguir,
um desenho esquemático que representa, visualmente, o movimento circular entre sujeito e
objeto na dinâmica do sistema de pensamento dinâmico da Capoeira Angola (FIGURA 14)

Figura 15 – Desenho esquemático – Movimento circular entre o sujeito e o objeto

Fonte: O autor (2018).

Na lógica deste jogo, a contradição se faz presente, ou seja, um elemento não é


excluído em função do outro como falso ou verdadeiro, pois ambas as qualidades podem estar
contidas no mesmo objeto (sujeito), gerando um terceiro elemento, uma terceira possibilidade
169

que indica a dinâmica do seu sistema de pensamento no qual o sim e o não podem se transformar
em uma terceira opção, que se resume em talvez sim ou talvez não. O talvez, neste caso, é a
dúvida entre o sim ou o não. Ela é o outro, o terceiro elemento, que nasce do encontro do
sujeito com o objeto. No sistema de pensamento circular que rege a Capoeira Angola, a
dúvida se faz essencial, não como um movimento do pensar, que é lançado sobre o objeto
(outro sujeito) para ter certeza sobre suas ações, mas sim, como um movimento de pensar que
lança a dúvida na direção de si mesmo e do outro. Neste sentido, se não há dúvida e só se busca
certezas, acredita-se que não há jogo de Capoeira Angola visto que a dúvida é a essência, o
terceiro elemento estruturante do seu sistema de pensamento.
Decerto, o Sistema Dinâmico de Pensamento e Tempo Circular que rege a Capoeira
Angola, a institui também como prática filosófica. Em verdade, refere-se ao exercício de uma
filosofia de ancestralidade na qual o conhecimento e as informações sobre o mundo (a
natureza) são transmitidos através da oralidade e da corporeidade. É a partir da oralidade e do
cantar, batucar (tocar) e dançar – trio de forças motrizes –, em um contexto de jogo, que são
elaborados (atualizados) e transmitidos os seus ritos e mitos no coletivo do grupo. Trata-se de
uma filosofia que se pronuncia através do corpo-em-movimento, que agrega o conhecimento
do sujeito (ser humano) e o objeto (a natureza; o outro; o mundo). O seu campo de ação, inter-
relação, abrange aspectos relacionais do capoeirista, nos seus movimentos e envolvimentos
emocionais entre a roda de capoeira e a roda da vida199. A lógica desta filosofia de
ancestralidade não se trata da lógica da razão, e sim, de uma lógica da emoção-razão na qual o
sujeito é o terceiro elemento que se dinamiza entre suas percepções e sensações de corpo-
mandinga-oralidade. É uma lógica200 reversa pelo fato de que, nela, o terceiro nunca pode ser
excluído, pois ele constitui a sua estrutura sendo, portanto, a sua unidade dinâmica. Neste
contexto, se trata de uma lógica que é contrária, avessa à lógica cartesiana do terceiro
excluído.

199
Roda da vida: frase popular usada, frequentemente, para se referir aos movimentos do mundo e da vida
cotidiana.
200
Lógica: o significado de lógica que se refere, aqui, se distancia do seu conceito formulado a partir da
tradição aristotélica como: “[…] conjunto de estudos que visam a determinar os processos intelectuais
que são condição geral do conhecimento verdadeiro” (FACHIN, 2014). Aqui, se refere a um significado
de lógica que se aproxima mais do seu conceito que se refere a “Maneira de raciocinar particular a um
indivíduo ou a um grupo […]” (SANTOS JÚNIOR; GALASSI; DIONYSIO, 2013, p. 5). Só que, com
uma ressalva, na lógica reversa, a racionalidade existe em conjunção com a emoção.
170

3.14 Unidade dinâmica do triângulo: estrutura da lógica reversa do pensamento circular

O sistema dinâmico de pensamento e tempo circular da Capoeira Angola se institui


através e com a filosfia de ancestralidade, o seu princípio é a triangulação de lógica reversa, na
qual a sua estrutura dinâmica é o triângulo, o seu campo de ação é a encruzilhada e o seu
movimento é circular. Não é por acaso que a sua dinâmica de construção do conhecimento se
funda na inter-relação triangular, entre o mundo dos mortos (ancestrais), o mundo dos vivos e
os Deuses. A sua ciência da estética que estuda a percepção e a sensação sobre as imagens-
informações do mundo se apresenta no corpo do sujeito-objeto. Contrariamente, a ciência da
estética na filosofia ocidental se centra no estudo dos objetos, das formas e da percepção dos
sentidos, a partir de um olhar externo, ocasionando a cisão entre sujeito e objeto. Na filosofia
de acenstralidade da Capoeira Angola, essa ciência da estética está embrenhada no corpo e se
expressa através da mandinga que é a sua percepção totalizante (aisthésis), que se expressa
no jeito e jogo-de-corpo do capoeirista.
Resta, aqui, entender 3 questões (mais uma triangulação) que se pronunciaram nesta
roda de escrita, desde o início deste percurso investigativo. As mesmas se formularam assim:
1) A mandinga, no lugar da estética das culturas de matrizes africanas no BRA,
também é a estética que orienta e está presente na criação e produção da Arte?
2) O pensamento circular se apresenta no processo de criação e produção dos
trabalhos dos artistas?
3) As propriedades derivadas das culturas de matrizes africanas são as imagens
míticas da Capoeira Angola?
Responder a tais questões é fundamental para o entendimento do leitor, sobre as
expressões do pensamento e do tempo circular, especificamente, no contexto da cultura
brasileira que tem, na fenomenologia da constituição, formação da identidade do ser
brasileiro, duas culturas de pensamento e tempo circular (culturas afro-ameríndias no BRA).
A primeira questão pode ser respondida na seguinte configuração: no BRA, sua língua
se constituiu da mistura entre 3 culturas, dentre estas, duas descendem de culturas de
pensamento circular, portanto, pensamento a-histórico. A terceira cultura detém-se como
cultura histórica, de pensamento linear. O que aconteceu? As línguas das culturas a-históricas
(de pensamento circular) romperam com a linearidade discursiva da língua histórica
portuguesa. De acordo com Flusser (1998a, p. 147): “O ritmo português foi enriquecido por
ritmos completamente incongruentes, e isto resultou em nova melodia, portanto, nova postura
vital e nova vivência do mundo”. Ou seja, segundo Flusser (1998a), este rompimento resultou
171

em nova adaptação no mundo. “A linearidade discursiva da língua foi rompida, e com isto foi
rompido o ‘homem unidimensional’ do historicismo” (FLUSSER, 1998a, p. 147). Por
consequência das misturas de tais culturas, este rompimento se instaurou. Flusser (1998a, p.
147) explica:

Tal rompimento foi conseguido graças a estruturas índias e bantu, à


ideogramas japoneses, e à tendência árabe para valorar a letra, mas tudo
isto adquiria significado novo em novo contexto. Tal poesia se dava em
isolamento, mas em contato constante, e em diálogo, desta vez, autêntico,
com o Ocidente e o Oriente. A revolução é fundamental e manifesta o
‘novo homem’.

A partir destas ideias de Flusser (1998a), sobre a fenomenologia do brasileiro, se pode


constatar que tal processo dinâmico da língua201 foi essencial para constituir a formação da
cultura brasileira pois, como já disse Flusser (1998a), tanto a língua quanto a cultura são
estruturas dinâmicas e transformadoras. Neste contexto, o processo de criação e produção dos
artistas brasileiros também está imbricado nas transformações da língua e constitui a cultura
do homem multidimensional. Portanto, se torna evidente que, o pensamento circular é
presente na Arte brasileira e sua estética é a mandinga tendo em vista que a língua brasileira
foi gerada pelo ritmo202, elemento estruturante das línguas das culturas a-históricas,
provavelmente, ela constituiu uma cultura provida de ginga e jogo-de-corpo, expressando-os
através da poiesis como a mandinga do artista brasileiro.
Além deste dado imprescindível, é importante denotar que essa resposta anunciada
também se qualifica como verdadeira, pelo simples fato de que, nesta investigação de
pesquisa-em-ação, as experimentações artísticas realizadas e apresentadas, aqui, foram
constituídas, regidas, por ações e procedimentos de envolvimento, pulsão, ordenadas em um
contexto do pensamento circular. Quanto à terceira questão, sua resposta transparece através
das relações da mandinga expressadas nas lutas e danças angolanas. Acredita-se que, nestas
performances culturais, os seus elementos próprios e indissociavéis se caracterizam no dançar,
cantar e batucar, expressos pelo jeito-de-corpo nas mandingas (estéticas) dos performers
envolvidos em tais ações. Decerto que, tais elementos expressivos são suas propriedades, que
derivaram na constituição do corpo-Capoeira Angola. Vale ressaltar que, tais propriedades

201
“Não importa que coisa a língua possa articular (e somos tomados de vertigem se considerarmos quanta
coisa pode articular), articula ela também a essência (consciente e inconsciente) do grupo que a ela
recorre para comunicar-se” (FLUSSER, 1998a, p. 153).
202
“O ritmo é um aspecto diacrônico, no sentido de permitir dissolver as estruturas em sequências
organizadas. Pois há um ritmo nitidamente africano e que pode ser constatado, praticamente, em todos os
fenômenos culturais, no nível agora considerado” (FLUSSER, 1998a, p. 136).
172

que derivaram deste corpo-Capoeira Angola, consequentemente, não se situam só nas danças
e lutas angolanas, mas também de todas as culturas de matrizes africanas 203 que foram
transplantadas, sequestradas para o BRA na sua colonização. Neste sentido, se abre, aqui, um
parêntese sobre tais propriedades derivadas que constituíram o corpo da Capoeira Angola.
Este, se refere às culturas Ameríndias no BRA pois, já é sabido que o étimo capoeira204 deriva
da língua Tupi além do encontro e fusão entre os Ameríndios brasileiros e o povo Bantu. Se
desse encontro há algum elemento que derivou compondo o corpo da Capoeira Angola,
provavelmente, foi o seu étimo capoeira.
O termo mandinga é usado, aqui, propondo-se uma desconstrução da sua conjugação
pejorativa de feitiçaria como: “Ação ou prática própria de feiticeira ou feiticeiro”
(MONTEIRO, 2010). Pois, a mandinga, neste caso, refere-se às ações do corpo de imaginar,
transformar as imagens-informações sobre o mundo movendo-se entre passado, presente e
futuro através dos seus ritos e mitos. A triangulação dinâmica exercida no pensamento
circular da filosofia de ancestralidade na Capoeira Angola perpassa, em cruzamentos
intermitentes, em toda a sua extensão prática desde o indivíduo até o coletivo do grupo. Estas
triangulações são definidas, aqui, linearmente seguindo esta ordem: ginga, movimentos e
mandinga; cantar, tocar e jogar; roda, jogo e orquestra. Estas triangulações se subdividem e
geram outras triangulações e se apresentam assim:
• no Cantar: Canto da Ladainha, Canto da Chula e Canto do Corrido;
• no Tocar: Berimbau Gunga, Berimbau Médio e Berimbau Viola;
• no Jogar: Embaixo, em Cima e dos Lados;
• na Roda: Capoeiristas, orquestra e jogadores.
Todos estes elementos se integram e se inter-relacionam no aprendizado da prática da
Capoeira Angola, em triangulações recorrentes.
Estas triangulações constituem a dinâmica de pensamento e tempo circular que é
vivenciada na Capoeira Angola, através de sua filosofia de corpo-ancestralidade. Como já foi
descrito sobre esta filosofia, o seu construto se potencializa e existe a partir do terceiro elemento
que é a unidade dinâmica do triângulo. O nascimento dessa unidade nas culturas de filosofia
ancestral, acredita-se, ocorreu do esbarramento do sujeito (ser-humano) com o objeto (a

203
“Além da sua capacidade de imaginação, buscaram os negros elementos de outros folguedos e de coisas
outras do quotidiano para inventarem novos folguedos, como teria sido o caso da capoeira” (REGO,
1968, p. 31).
204
“Atualmente, são quase unânimes os tupinólogos em aceitarem o étimo caá, mato, floresta virgem, mais
puêra, pretérito nominal que quer dizer o que foi, o que não existe mais, étimo este proposto em 1880 por
Macedo Soares” (REGO, 1968, p. 35, grifos do autor).
173

natureza). Este embate primordial e original nasceu a partir do movimento do sujeito na direção
do objeto, só que, desse esbarramento, o movimento persevero foi transformado em ritmo
pelos antepassados. Conforme o que foi abordado no capítulo 1, nas culturas de tradição oral-
corporal (matrizes Africanas e Ameríndias no BRA) de pensamento e tempo circular,
movimento é ritmo e ritmo é movimento. Neste sentido, o ritmo também é o terceiro elemento
que nasce da interação entre o sujeito e o objeto. Constata-se, assim, que o ritmo é o elemento
dinamizador da vida – o movimento.
174

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inscreveu-se, aqui, como construto desta investigação em Poéticas Interdisciplinares,


especificamente, na área de Artes Visuais – através de produção artística (impressões de
monotipias, performances, vídeo-arte, escultura e instalação) em cruzamentos com reflexões
teóricas da Filosofia e demais áreas das Ciências Humanas (História, Antropologia,
Sociologia e Etnografia) – uma proposição de transdução, em verdade, de identificação da
palavra mandinga como a expressão da percepção totalizante (aisthésis) no corpus da
Capoeira Angola, sua estética. Para tanto, se fez necessário empreender uma pesquisa sobre a
construção e constituição deste corpus em sua apresentação plástica, visual e sonora. Uma
Pesquisa-em-ação que se fez a partir de recorte espaço-temporal no qual os elementos
estéticos da Capoeira Angola (jogar, gingar, cantar, tocar, dançar) foram descontextualizados
do seu ambiente de prática ritual da roda e do coletivo do grupo (tradicional) e
contextualizados no ambiente dos ritos da Arte, via procedimentos do sistema de pensamento
criativo do artista.
Tal empreendimento se deu pela observação dos desdobramentos estéticos do corpo do
capoeirista como sujeito-objeto, a partir do olhar sobre si mesmo, envolvido na prática da
Capoeira Angola e na prática da Arte, em um exercício de metalinguagem, que buscou o
entendimento das imagens que geraram e impulsionam a forma dinâmica da mandinga no jogo
de Capoeira Angola, tendo suas origens míticas como base. Sendo assim, percorreu-se um
caminho de conflitos entre divergências e convergências, encruzilhadas sobre à origem das
imagens míticas que formam e informam o seu corpo de mandinga (sua estética). Como um
corpo resultante do transplante cultural das matrizes africanas para o BRA, um corpo composto
do embate de cruzamentos entre 3 culturas, especificamente, do encontro entre Bantus e
Ameríndios no seu processo de constituição em solo da terra brasilis. Um corpo de
resiliência, conformado de luta e resistência.
Ao se buscar o mito de origem da Capoeira Angola nas matrizes culturais Bantu-Kongo
em África, na luta de combate do Engolo (luta-dança praticada no sul de ANG na região do
Cunene) como proveniente da imitação da dança das zebras, se denotou que tal proveniência
foi fruto de narrativas míticas, constituídas pelo olhar de fora, de uma visão ocidental sobre as
culturas Bantu-Kongo. Narrativas míticas que foram reproduzidas por historiadores
brasileiros como fator de conexão da Capoeira Angola com a sua matriz africana. Para atingir
essa evidência, se fez essencial o desenvolvimento da Pesquisa de campo in loco com o
envolvimento imersivo, que proporcionou um olhar de dentro das culturas Bantu-Kongo a
175

partir da troca de informações e relações míticas, impulsionadas pela prática da Capoeira


Angola e do Engolo. Neste contexto, através de uma narrativa mítica relatada por um dos
Mestres do Engolo, sobre sua origem, tornou-se evidente que essa luta não nasceu da
observação e imitação da dança das zebras, mas sim, da dança dos sapos.
O fato da versão dos mestres sobre à origem do Engolo contradizer as narrativas que
foram construídas por alguns historiadores não significou a exclusão relacional de conexão de
suas imagens míticas como propriedades derivadas que constituíram o corpus da Capoeira
Angola no BRA. Pelo contrário, trouxe à tona uma discussão mais ampliada sobre a presença
de propriedades derivadas que compuseram o corpus da Capoeira Angola a partir das imagens
míticas do Engolo visto que, se constatou no capítulo 3 que, além dos movimentos do sapo, o
Engolo assimilou movimentos de outros animais como o coice da zebra. Neste contexto,
observou-se que as formas de movimentos dos animais se fazem presentes em outras
performances culturais de cosmovisão Bantu-Kongo, como na luta do Okhadenka e na dança
da Onkhankula. Notabilizou-se que, em ambas, os seus movimentos são relacionados ao
boi205, e que tais movimentos assim como os do Engolo se assimilam a movimentos que são
presentes no corpus da Capoeira Angola.
A evidência das relações de semelhança e a assimilação entre os movimentos das lutas
e danças angolanas com os movimentos da Capoeira Angola se tornaram mais fortes,
principalmente, quando se observou que, nessas performances culturais, a estética de suas
formas e funções se expressam através da mandinga como um jeito de corpo suingado e
amaneirado. Um jogo de corpo-de-mandinga composto de ritos e mitos que transmitem
imagens-informações de comportamentos ancestrais em um espaço-tempo presente gerado
por um ambiente de festas nas quais passado, presente e futuro se conjugam celebrando a
vida. Situando-se neste âmbito, o ritmo é o elemento que embala e dinamiza o corpo de
mandinga através de suas ações artísticas que se expressam no cantar, batucar e dançar. Neste
contexto, o termo mandinga foi absorvido como a expressão da percepção totalizante do
corpo em movimento para narrar uma representação mítica, no caso da dança, ou dissimular ou
desviar a atenção do seu oponente, no caso das lutas.
Tornou-se visível, através de tais observações, que as ações estéticas de dançar, cantar e
batucar se conjugam como forças motrizes que se orientam e orientam a transmissão e
transformação do conhecimento nas culturas de matrizes africanas, instituindo assim também a
cosmovisão de mundo destas culturas e, consequentemente, o sistema de pensamento e

205
Animal que, para os grupos étno-linguísticos Banto-congo, representa o principal dote nas festas de
casamento e iniciação dos rapazes e das moças quando saem da puberdade.
176

tempo circular da filosofia de corpo-oralidade-ancestralidade que as regem. Uma cosmovisão


que é representada pelo símbolo gráfico do Cosmograma Bakongo foi primordial nesta
investigação haja vista que a apropriação (assimilação) deste símbolo que agrega em si o
sistema de pensamento e tempo circular da filosofia de ancestralidade Bantu-Kongo e a sua
configuração no contexto geral da Pesquisa fez-se essencial. O seu uso como elemento de
inscrição traduz-se como uma mandinga (estética) de rito-mágico, nesta investigação, que
nasceu do embate entre a arte da performance e a performance da Capoeira Angola
aproximando e integrando as relações entre ambas através da mandinga como rito mágico.
Neste caso, a primeira aparição do terceiro elemento, unidade dinâmica que
estabeleceu o ritmo desta investigação, aconteceu a partir da inserção (assimilação) do
Cosmograma Bakongo, constituindo-o, aqui, como o signo integrador entre 2 sistemas de
pensamentos, não só entre a Capoeira Angola e a Arte, mas também entre ANG e o BRA. A
integração deste símbolo foi realizada nas performances artísticas com o jogo da Capoeira
Angola e orientou todas as triangulações dinâmicas que, aqui, se inscreveram visto que ele é o
principal símbolo que denota a cosmologia das culturas Bantu-Kongo, uma visão de mundo
regida por um sistema de pensamento circular e lógica reversa.
Uma lógica (certa ordem) cuja estrutura dinâmica é o terceiro elemento que nasce do
esbarrar do sujeito (ser humano) com o objeto (a natureza). Nesta lógica, o terceiro elemento,
nascido do embate, se estabelece como um ritmo de tempo circular, tempo da magia no qual
Flusser (2011c, p. 23) explica: “[…] um elemento explica o outro, e este explica o primeiro”.
Trata-se, em verdade de uma lógica que se move em tempo circular, gerando triangulações
entre o passado, o presente e o futuro, dinamizando-se na encruzilhada do tempo. Nela, o
terceiro nunca pode ser excluído, pois, ele é o resultado da sua dinâmica. Uma lógica da magia,
lógica da mandinga que tira de lá e bota cá pronunciando-se entre o sim, o não e o talvez.
Lógica da dúvida na encruzilhada de conflitos entre o sujeito e o objeto. Talvez esta seja a
lógica do homem multidimensional brasileiro.
A partir de todas as relações e reflexões conjugadas no decorrer desta investigação em
Poéticas Visuais, através de procedimentos interdisciplinares, depara-se, aqui, com conclusões
que identificam as imagens míticas da Capoeira Angola constituídas por um sistema de
pensamento circular impulsionado por uma lógica reversa. Constata-se que, tal sistema é
estruturado pelo ritmo através de sua unidade triangular. Constata-se também que o ritmo rege
o corpo-ginga da mandinga e que esta define a forma e a função dos movimentos e todo o
contexto do jogo do capoeirista-artista – ela é a sua estética, sua percepção totalizante (sua
alma).
177

Neste contexto, se tornou evidente que a mandinga é a estética da Capoeira Angola


que funciona regida por um sistema de pensamento e tempo circular, resumindo-se na ação
do corpo em processo de criação a partir do seu esbarramento com o mundo (a natureza).
Compreende-se que a estética (percepção totalizante), no processo de criação e produção do
artista, é a mandinga que se expressa, no seu embate, como sujeito com a matéria, o seu
objeto (o mundo). Neste caso, o artista também é regido, no seu processo de criação, pelo
mesmo sistema dinâmico de pensamento pois, assim como a Capoeira Angola trata de
realizar ações de ritos-mágicos do corpo para informar e transformar o mundo, deslocando as
coisas do lugar (estabelecidas em uma ordem lógica linear), a Arte também se infere como
rito-mágico em ações de transformar o mundo e não se pode negar o fato de que ambas se
utilizam de ações dinâmicas de pensamento e tempo circular que resultam em tirar de onde
não tem e colocar onde não cabe.
Neste caminho de encruzilhadas que foi percorrido, nesta escrita e que, como
resultado deste percurso, se apresentaram as reflexões sobre o seu processo, há a tentativa de
contribuir para a discussão e o entendimento de outras formas de estruturas de pensamento
produzidos pelas culturas de matrizes afro-ameríndias no BRA, que implicam também na
produção e criação da arte brasileira – possivelmente, estas matrizes possuem uma estética
diferenciada de perceber e sentir o mundo. Sabe-se que os estudos que foram apresentados,
aqui, podem ser postos em questão, pois trata-se de assunto polêmico que pode transformar-
se em foco de críticas e controvérsias que sejam bem-vindas se forem referentes à
contribuição do entendimento do processo do sistema de pensamento e da estética da
Capoeira Angola e das culturas de matrizes afro-ameríndias no BRA, objetivo maior desta
Pesquisa. Acredita-se, neste sentido, que a construção do conhecimento na
contemporaneidade pode se beneficiar dos procedimentos teóricos e práticos apresentados.
178

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188

GLOSSÁRIO227

A
AÚ: movimento circular no qual o corpo apoiado pelos braços (com as palmas das mãos
sobre o chão) é impulsionado pelas pernas, posicionando-se de ponta-cabeça, realizando um
giro em torno dele mesmo.

B
BANANEIRA: movimento no qual o corpo se põe de ponta-cabeça, com as pernas para o
alto e mãos apoiadas sobre o chão, desenvolvendo passos com os braços sustentando-o em
equilíbrio-desequilíbrio.
BERIMBAU GUNGA: primeiro berimbau de som grave que rege o ritmo da orquestra
(instrumentos de percussão), da Capoeira Angola; ele é o Mestre que dá o toque de início e fim
ao ritual da roda. Berimbau, normalmente, tocado por um Mestre.
BERIMBAU MÉDIO: segundo berimbau de som semi-grave que acompanha,
sequencialmente, o Gunga com o toque de angola invertido ou jogo-de-dentro. Berimbau
tocado por mestres e alunos mais experientes.
BERIMBAU VIOLA: terceiro berimbau de som agudo que acompanha o Berimbau médio e
o Gunga, fazendo toques invertidos e dobradas no ritmo da orquestra (instrumentos de
percussão). Berimbau tocado por mestres e alunos mais experientes.

C
CABEÇADA: movimento no qual o corpo do capoeirista se utiliza da cabeça,
impulsionando-a em direção ao corpo do outro capoeirista como forma de ataque e defesa.
CAPOEIRA ANGOLA: performance, de dinâmica cultural, que mantém através da tradição
oral-corporal os seus ritos e mitos originados da filosofia de ancestralidade das matrizes
africanas no BRA.
CHAMADA: movimento no qual o capoeirista (angoleiro) se posta em posição de pé,
chamando o seu parceiro para retomar o ritmo do jogo. Por sua vez, o outro capoeirista vai no
pé-do-berimbau louva a roda e os ancestrais e volta, posicionando-se em um corpo-a-corpo
com o seu parceiro em movimentos de passos para a frente e para trás, momento de atenção e

227
As informações contidas neste glossário são referentes ao conhecimento do autor desta Pesquisa quanto à
Capoeira Angola tanto como professor quanto como aluno.
189

reflexão. Sequencialmente, o capoeirista, que fez a chamada, realiza um movimento dando


passagem para o seu parceiro iniciar o jogo, que dá continuidade no ritmo da roda.
CORTA-CAPIM: movimento no qual o corpo do capoeirista faz giros circulares no plano
horizontal (no chão) em torno dele mesmo. Com os 2 braços sobre o chão e uma das pernas
dobrada com uma perna semi-estirada, ele dinamiza-se impulsionando a perna semi-estirada,
girando-a, enquanto os braços e a outra perna se alternam, simultaneamente, em 3 pontos.

G
GINGA: movimento do corpo na Capoeira Angola, que se constitui a partir da unidade
dinâmica do triângulo, gerada da triangulação de 3 pontos que são alternados pelos passos do
capoeirista em cruzamentos constantes. Base de todos os movimentos do corpo no jogo-luta-
dança da Capoeira Angola.

L
LADAINHA: canto de louvação aos ritos e mitos da Capoeira Angola, primeiro canto que dá
início ao ritual da roda, normalmente, trata-se de narrativas que contam e remontam histórias e
causos sobre os capoeiristas em suas relações com o cotidiano e a natureza.

M
MANDINGA: percepção totalizante do corpo na dinâmica da Capoeira Angola, expressa no
jeito de corpo do jogar, dançar, lutar, tocar e cantar da(s) ou do(s) capoeirista(s).
MEIA-LUA: movimento em posição vertical, no qual o capoeirista com os pés apoiados
sobre o chão desloca a perna posicionada atrás, lançando-a à sua frente e retornando a sua
origem, perfazendo o desenho de uma meia-lua.

N
NEGATIVA: movimento (defesa) no chão no qual o corpo do capoeirista, em posição
agachada, com os 2 pés paralelos e uma perna estirada e outra encolhida, postando-se no
plano horizontal, com as duas mãos sobre o solo e os braços protegendo o rosto.

R
RABO-DE-ARRAIA: movimento (golpe) no qual o corpo do capoeirista perfaz a forma de
um círculo, com uma perna estirada, apoiando-se sobre 3 pontos com as duas mãos e um pé
sobre o chão. O mesmo, se visto de cima, se assimila a forma da Raia (peixe).
190

ROLÊ: movimento circular no qual o corpo gira, em torno dele mesmo, no plano horizontal.
O capoeirista, sentado sobre um dos pés, com as duas mãos apoiadas no chão e com uma perna
estirada, move o seu tronco tirando a mão do lado da perna estirada e, lançando-a por cima
da cabeça, faz um giro sobre si mesmo retornando ao local de origem.

T
TESOURA: movimento (ataque ou defesa) em que o corpo desce miudinho no plano
horizontal constituindo-se, no desenho, a forma de uma tesoura. Este movimento se dá com o
capoeirista de cócoras, apoiando-se, lateralmente, nos 2 braços, com as mãos sobre o chão, ele
vai deslizando suas pernas, abrindo-as e movendo-as, rasteiramente, na direção do seu
parceiro.
191

APÊNDICE A - RELATÓRIO - BOLSA PDSE / CAPES

PPGAV
BOLSISTA: Marco Aurélio Alcântara Damaceno
MATRÍCULA: 113001105

ORIENTADORA: Drª. Maria Luiza Fragoso


CO-ORIENTADOR: Dr. Zeca Ligiéro Coelho
CO-ORIENTADOR (TUTOR) EM ANG: Dr. Alberto Raimundo Watchilambi
Wapota.

INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO EM ANG: Universidade Mandume Ya


Ndemufaio / ISPH
PERÍODO: 02/04/2017 a 02/07/2017.

1 BREVE INTRODUÇÃO

O estágio na cidade de Lubango, em ANG, teve como foco a investigação e produção


de imagens sobre os ritos e mitos que constituem a origem ancestral da Capoeira Angola em
sua relação matricial com o Engolo e o Onkhandeka (lutas Bantu-Angolanas). A partir deste
contexto, foram desenvolvidas atividades com aulas de Capoeira Angola no ISPH,
simultaneamente com a pesquisa de campo sobre as lutas angolanas na região do Mucope, na
Província do Cunene. Por se tratar de uma pesquisa em Poéticas Interdisciplinares, prevaleceu
o uso de um método de ordem circular, em que a objetividade e a subjetividade estão
imbricadas na produção de experimentações artísticas e, consequentemente, na construção do
conhecimento. Empregou-se uma relação processual que abordou e integrou a teoria e a prática
em fluir e devir em trocas de ações e informações através de uma metodologia interdisciplinar.
Aqui, se apresentam os resultados destas atividades realizadas no período da bolsa PDSE /
CAPES.

2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

• 4 DE ABRIL: visita ao ISPH acompanhado pelo decano professor Alberto


Raimundo Watchilambi Wapota (tutor). Neste dia, ocorreram as seguintes atividades:
192

apresentação da proposta de pesquisa ao corpo docente do ISPH; apresentação do espaço


físico e estrutural das instalações do prédio (Biblioteca, Sala de web design, Quadra de
esportes e Salas de aula);
• 5 - 7 DE ABRIL: encontros com o tutor e o corpo docente para o planejamento de
ações que integraram o desenvolvimento da investigação, sobre os elementos míticos
(plásticos-visuais-sonoros) das raízes angolanas na Capoeira Angola, ao projeto Ochoto
(Projeto desenvolvido pelo ISPH, sobre as raízes Bantu-Angolanas);
• 11 - 14 DE ABRIL: aulas teóricas e práticas sobre o corpo mítico da Capoeira Angola
e sua relação com as propriedades de movimentos dos animais, danças e lutas angolanas,
realizadas no ISPH, com os estudantes e jovens da comunidade de Arimba. Produção e
captação de imagens em fotografia e vídeo (FOTOS 37, 38 e 39);
• 15 - 19 DE ABRIL: deslocamento, em viagem, para a zona rural na Província do
Mucope – Cunene. Hospedagem durante 4 dias no kimbo (casa) do Sr. Felipe e da Sra.
Angelina. Neste período, realizou-se entrevistas sobre as raízes míticas das lutas do Engolo e
Onkhandeka, com captação de imagens e gravação de áudios das apresentações dos mestres
Kahani Waupeta, Muhalanbandje Mwendangula, Alberto de Freitas, Ernesto Jordão Patunga e
outros praticantes (FOTOS 40, 41 e 42);
• 24 DE ABRIL - 1 DE MAIO: continuidade das aulas teóricas e práticas sobre o
corpo mítico da Capoeira Angola e seus desdobramentos estéticos através do cantar, dançar e
batucar. Foram enfocadas as relações do cantar, tocar e batucar como elementos rítmicos
presents, constantemente, no comportamento dos alunos. Para identificar uma produção de
imagens míticas, foi realizada captação de imagens em fotografia e vídeo (FOTOS 43, 44 e
45);
• 2 - 7 DE MAIO: visita dos mestres Kahani Waupeta, Muhalanbandje
Mwendangula, Alberto de Freitas, Ernesto Jordão Patunga; aulas conjuntas e simultâneas de
Capoeira Angola, Engolo e Onkhandeka. Durante 4 dias foram realizadas oficinas cujo
objetivo foi identificar os elementos assimilativos entre essas lutas bem como as suas
produções de imagens míticas. Encerramento das oficinas com apresentação pública do
Engolo no ISPH (FOTOS 46, 47, 48);
• 9 DE MAIO - 30 DE JUNHO: aulas teóricas e práticas sobre a dinâmica da
Capoeira Angola, sua relação simbólica e mítica com o Cosmograma Bakongo e com
movimentos das lutas do Engolo e Onkhandeka e também sobre suas referências aos
193

movimentos dos animais. Produção de entrevistas em áudio e captação de imagens em


fotografia e vídeo (FOTOS 49, 50 e 51).
• Encerramento das atividades e retorno para o BRA, no dia 2 de julho de 2017.

3 DIFICULDADES ENCONTRADAS

• Serviço de migração regido por um sistema muito burocrático, não foi concedido o
visto de pesquisador para a pesquisa ser realizada em 4 meses, mesmo com a apresentação de
todos os documentos, inclusive, a carta de anuência do tutor em ANG, só foi concedido no
consulado de ANG no RJ o visto ordinário válido por 3 meses. Essa foi a maior dificuldade
encontrada, pois fez-se várias tentativas de prorrogar por mais 1 mês a estadia, em Lubango,
inclusive, com o apoio do ISPH, contudo, sem êxito;
• Hospedagem distante e a não existência de transporte público após as 18 horas. Mas,
em compensação, os angolanos são muito receptivos e à adaptação a cultura local ocorreu de
forma bastante fluida. Há muita semelhança com o comportamento do povo brasileiro, sendo
este, um fator positivo no processo da investigação.

4 RESULTADOS ALCANÇADOS

• A partir da imersão na cultura angolana, através da dinâmica da Capoeira Angola, do


Engolo e Onkhandeka, tornou-se possível uma leitura sobre as imagens míticas e os mitos de
conexão entre essas lutas e à estética que as regem. Este objetivo impulsionador desta
Pesquisa de campo foi alcançado, dando sustentação para a produção teórica e prática que
constituem o corpo da Tese de doutorado.
• Foi criado o blog Capoeira Angola: conexão entre mundos, podendo ser acessado
no endereço eletrônico:<capoeiraangolaconexaoentremundos.wordpress.com>. Este blog
continua a ser alimentado com textos, fotos, áudios e vídeos gerados durante todo o
processo de investigação em ANG.
• De acordo com o desenvolvimento da Pesquisa bem como o envolvimento dos
alunos com o tema, foi fundado, no ISPH, o primeiro Grupo de Prática e Estudos da Capoeira
Angola em Lubango. O Grupo criado chama-se Omucongo (caçador em nhaneca-humbi)228
podendo ser acessado através do endereço:<www.facebook.com/Omucongo-1582445705107

228
Nhaneca-humbi: grupo etno-linguístico Bantu.
194

571/>. Vale ressaltar que este foi um trabalho de Pesquisa gerado na interação com o decano
do ISPH, o Prof. Dr. Alberto Raimundo Watchilambi Wapota, o mesmo se propõe a dar
continuidade em um processo de investigação sobre as raízes ancestrais da cultura Angolana-
Bantu.
• Pela especificidade da Pesquisa e suas sutilezas, a imersão na cultura angolana e a
orientação in loco tornaram-se fundamentais para a assimilação dos elementos simbólicos do
Cosmograma Bakongo. Tornou-se importante, neste sentido, a observação e vivência na
cultura angolana durante 3 meses. Neste período, foram realizadas capturas de imagens em
fotografias (FOTOS 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58) e vídeo, a partir das derivas realizadas nos
lugares e municípios de ANG (imagens que, após a edição, vão integrar o material expositivo
desta Pesquisa). São imagens que fazem parte e constituem este processo de investigação
poético-visual as quais refletem comportamentos e hábitos e podem ser traduzidas como
imagens arquetípicas. A vivência nesta Pesquisa de campo contribuiu para identificar uma
possível mudança no paradigma229 sobre as imagens míticas da Capoeira Angola em suas
relações de origem com a dança das zebras que se referem ao mito de origem do Engolo.

_____________________________________________________
Marco Aurélio Alcântara Damaceno
Doutorando PPGAV / UFRJ

229
Paradigma: do mito da origem do Engolo e sua relação com a dança das zebras.
195

APÊNDICE B – ATIVIDADES REALIZADAS

ATIVIDADES REALIZADAS DE 11 A 14 DE ABRIL DE 2017


(TRILOGIA DE FOTOS, AULAS NO ISPH)

Foto 36 – Aula sobre os movimentos de Capoeira Angola e a


relação com os animais

Fonte: O autor (2017).

Foto 37 – Aula de Capoeira Angola - Movimento da ginga - ISPH

Fonte: Wapota (2017b).


196

Foto 38 – Alunos reunidos após a 1ª aula no ISPH

Fonte: Wapota (2017c).

ATIVIDADES DE 15 A 19 DE ABRIL DE 2017


(TRILOGIA DE FOTOS NO MUCOPE, CUNENE)

Foto 39 – Kimbo (casa) do Sr. Felipe e da Sra. Angelina - Mucope,


Cunene

Fonte: O autor (2017).


197

Foto 40 – Mestre Okarrani no jogo do Engolo com outro jogador

Fonte: O autor (2017).

Foto 41 – Jogo do Engolo no Kimbo do Sr. Felipe e da Sra.


Angelina - Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).


198

ATIVIDADES DE 24 DE ABRIL A 1 DE MAIO DE 2017


(TRILOGIA DE FOTOS AULAS NO ISPH)

Foto 42 – Aula teórica e prática sobre as imagens geradas nos


movimentos da Capoeira Angola

Fonte: O autor (2017).

Foto 43 – Aula teórica e prática sobre as imagens míticas da


Capoeira Angola

Fonte: Kalenga (2017c).


199

Foto 44 – Aula teórica e prática sobre as imagens geradas nos


movimentos da Capoeira Angola.

Fonte: O autor (2017).

ATIVIDADES DE 2 A 07 DE MAIO DE 2017


(MESTRES DO ENGOLO - AULAS NO ISPH)

Foto 45 – Mestres do Engolo, Okhadenka e alunos na 1ª aula


com os Mestres no ISPH

Fonte: Wapota (2017d).


200

Foto 46 – Mestre Muhalambagi demostrando movimento do Engolo

Fonte: O autor (2017).

Foto 47 – Jogo do Engolo entre o Mestre Okahani e o Mestre


Muhalambagi - Apresentação do final do Curso

Fonte: O autor (2017).


201

ATIVIDADES DE 9 DE MAIO A 30 DE JUNHO DE 2017


(TRILOGIA DE FOTOS AULAS NO ISPH)

Foto 48 – Aula de ritmo, quadro demonstrativo da ordem e do


som dos instrumentos (berimbaus) no ISPH

Fonte: O autor (2017).

Foto 49 – Aula de movimentos, rabo-de-arraia e negativa - Alunos


do ISPH

Fonte: O autor (2017).


202

Foto 50 – Última aula no ISPH

Fonte: Kalenga (2017d).

IMAGENS CAPTURADAS EM DERIVAS


(PERÍODO: 2 DE ABRIL A 2 DE JULHO DE 2017)

Foto 51 – Mãe da Sra. Angelina vendendo funghi e macau -


Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).


203

Foto 52 – Bar de parada de estrada em Ombamdja, à caminho


do Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).

Foto 53 – Mulher vendendo galinha nacional assada


Ombamdja - Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).


204

Foto 54 – Fazenda do decano Dr. Alberto


Watchilambi Wapota, Xibia, Lubango

Fonte: O autor (2017).

Foto 55 – Filho de Caroline - Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).


205

Foto 56 – Menina mexendo com fubá de


maçango - Mucope, Cunene

Fonte: O autor (2017).

Foto 57 – Mulher vendendo produtos no


dia a dia, Lubango

Fonte: O autor (2017).


206

Foto 58 – No táxi, saindo do Mercado Mutundo, Lubango

Fonte: O autor (2017).


207

ANEXO A – EXPOSIÇÃO NO MUSEU DE UCLA – CALIFÓRNIA

Foto 59 – Desenho com giz na tampa de bueiro – Encruzilhada: a


passagem

Fonte: DESENHO… (c2018, p. 159).

Foto 60 – Jogo de Angola sobre o Cosmograma Kongo e o vermelho –


Encruzilhada: a passagem

Fonte: JOGO… (c2018, p. 159).

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