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Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR

Pró-reitoria de pós graduação e pesquisa – PROPESQ


Diretoria pesquisa
Programa Institucional de Bolsas e Trabalho voluntário de iniciação cientifica.
PIBIC/UNIR/CNPq

Bolsista e Voluntário

Projeto do grupo de pesquisa: Grupo de pesquisa em teoria política contemporânea

Projeto do orientador: Reconhecimento, Justiça e Liberdade: A Teoria da Justiça de


Axel Honneth.

Projeto do bolsista/voluntário: Liberdade e Justiça na obra “O Direito da Liberdade” de


Axel Honneth.

Orientando: Elisandro Desmarest de Souza


Orientador: Prof. Dr. Fernando Danner

Dados do Candidato: ( X ) Bolsista ( ) Voluntário


Tipo: ( X ) Novo ( ) Renovação ( )Substituição

Período de pesquisa

01/07/2017 a 31/07/2018.

Resumo

O presente relatório final (PIBIC) tem por objetivo analisar a Teoria Crítica de A. Honneth
(1949), sendo que, em um primeiro momento analisar as questões do reconhecimento
intersubjetivo e liberdade, e num segundo momento o conceito de justiça no contexto social
presente em suas obras. De acordo com A. Honneth a evolução da teoria num contexto da
justiça não estar preocupada somente em eliminar a desigualdades sociais causada pela má
distribuição de renda, mas em aprofundar a discussão para extinguir as patologias sociais para
que o indivíduo possa alcançar através da liberdade sua dignidade e o respeito em todas as
esferas do reconhecimento, e assim conquistar a vida boa.
Abstract

This final report (PIBIC) aims to analyze the Critical Theory of A. Honneth (1949), being
that, at first, analyze the questions of intersubjective recognition and freedom, and in a second
moment the concept of justice in the present social context in their works. According to A.
Honneth, the evolution of theory in a context of justice is not only concerned with eliminating
social inequalities caused by the poor distribution of income, but in deepening the discussion
to extinguish social pathologies so that the individual can achieve through freedom his
dignity and respect in all spheres of recognition, and thus to conquer the good life.

Palavras Chaves: Dignidade; Justiça; Liberdade, Reconhecimento intersubjetivo e Respeito.

Introdução

O presente relatório apresenta os resultados finais do projeto de pesquisa


“Reconhecimento, Justiça e Liberdade: A Teoria da Justiça de Axel Honneth”. O objetivo
principal do projeto foi o de expor o desenvolvimento da teoria crítica da sociedade
desenvolvida pelo filósofo alemão Axel Honneth (1949), atual diretor do Instituto de Pesquisa
Social – também conhecida como Escola de Frankfurt – da Universidade Johann Wolfgang
Goethe de Frankfurt. Axel Honneth é tido como o representante da terceira geração da
mesma.

Com efeito, pela leitura das obras Sofrimento de Indeterminação, Luta por
Reconhecimento, O Direito da Liberdade e Patologia de la Libertad procurei, em um
primeiro momento, analisar o desenvolvimento da Teoria Critica da sociedade desenvolvida
por Honneth, especialmente a grande influência exercida pela teoria social de Georg W. F.
Hegel (1770-1831) em suas intuições e teses essenciais e, em um segundo momento, mostrar
quais foram as principais reatualizações da teoria crítica empreendidos pelo filósofo
frankfurtiano. Neste sentido, ainda com base nestas obras, o meu objetivo principal é mostrar
a evolução da teoria crítica de Honneth no contexto social, uma vez que as práticas de valores
ideais, tais como a justiça e a liberdade, a formação da identidade do sujeito, bem como a
construção de uma sociedade justa e solidária, responsável pela formação de um sujeito
autônomo em busca do bem-estar da comunidade, tanto quanto buscam o bem comum, isto é,
à vida boa, se configuram também como objetivos de uma concepção de justiça social.
De acordo com Honneth, a “reconstrução” da teoria crítica tem como objetivo não
apenas mostrar as mazelas sociais, mas também – e sobretudo – conduzir à compreensão de
como elas acontecem e, nesse sentido, procurar, através da eticidade, diagnosticar os conflitos
sociais característicos de nossas sociedades. A compreensão do reconhecimento intersubjetivo
leva Honneth, na obra O Direito da Liberdade, a desenvolver uma concepção de justiça e
liberdade contrária à concepção de justiça1 e liberdade ideal de John Rawls, defendendo uma
relação dialógica entre os sujeitos que procuram valores coletivos. Em Uma Teoria da
Justiça, Rawls vai dizer que a justiça é vista como a primeira virtude das instituições sociais.
Com isso, ele pretende dizer que por mais que sejam eficazes as leis dessas instituições, se
forem injustas devem ser abolidas e, como consequência, para torna-las justas, devem ser
reformuladas. Para ele, cada pessoa possui sua inviolabilidade fundada na justiça que nem
mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar, ou seja, a liberdade individual
não pode ser violada em troca de um bem maior que abranja os outros ou, nas palavras de
Rawls, os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociação política ou ao
calculo de interesses sociais (RAWLS, 1997, §2, p.3-4).
Para Rawls, o indivíduo liberal não delibera com a comunidade, e sim tão somente
consigo mesmo para poder, através de sua racionalidade e de uma reflexão intrapessoal, ter
uma concepção própria do que é justiça. Já para autores comunitaristas como Michael Walzer,
David Miller e Alasdair MacIntyre, as noções de justiça e liberdade só podem ser tidas como
legítimas quando podem ser avaliadas as condições em que vivem os indivíduos em uma dada
sociedade e, da mesma forma, a reflexão que o indivíduo faz para reconhecer que o outro
também tem os mesmos direitos que ele em uma forma recíproca ou reconhecimento
intersubjetivo, de modo que, em última instância, os valores sociais predominarão sobre a
ideia de uma sociedade atomista, como a liberal. Dessa forma, o sujeito se autodeterminará
por meio da sua racionalidade moral, chegando aos conceitos de direitos e liberdade
individuais; além disso, poderá ser criado um ordenamento legítimo para essa sociedade, e
ela, através da soma das autoconsciências de seus indivíduos, por si mesma se
autodeterminará.
Em Direito da Liberdade, Axel Honneth apresenta uma “construção normativa” de
três conceitos de liberdade, a saber: 1) liberdade negativa, isto é, “a ideia de liberdade do
indivíduo consiste na busca de seus próprios interesses sem que haja impedimentos ‘de fora’
repousa numa arraigada intuição do individualismo moderno” (HONNETH, 2015, p.46), visto
que a liberdade se encontra diretamente ligada à autonomia do indivíduo, não encontrando

1
“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento.
Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; da mesma forma
leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas como
injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade
como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por
um bem maior compartilhado por outros” (RAWLS, 1997, § 2, p.3-4).
nenhuma força externa que o coaja, uma vez que ele é dono de sua “vontade”; 2) liberdade
reflexiva, isto é, “[...], na verdade a ideia de liberdade reflexiva se estabelece, antes de tudo,
somente pela relação do sujeito consigo mesmo; segundo a ideia, é livre o indivíduo que
consegue se relacionar consigo mesmo de modo que em seu agir ele se deixe conduzir apenas
por suas próprias intenções” (HONNETH, 2015, p.58-59), que se apresenta quando a pessoa
faz uso de sua racionalidade para decidir o que é melhor para sua afirmação; neste conceito de
liberdade, a pessoa só pode ser considerada livre quando ela é capaz de reconhecer em si
próprio suas vontades, e; 3) liberdade social, isto é, [...] nessa nova concepção da teoria do
discurso da liberdade, “social” é a circunstância segundo a qual determinada instituição de
realidade social já não é considerada mero aditivo, mas condição e meio para o exercício da
liberdade” (HONNETH, 2015, p. 81); esta concepção de liberdade se estabelece quando o
sujeito faz uso do exercício tanto de sua liberdade reflexiva como de sua liberdade negativa
no âmbito social, nas relações institucionalizadas, tais como nas relações de mercado, nas
relações familiares e nas relação com o Estado.

Objetivos

Objetivo Geral

Partindo da leitura das obras de Honneth e de alguns comentadores, queremos estudar


a questão do reconhecimento intersubjetivo, da liberdade e justiça e, ao mesmo tempo,
problematizar e esclarecer a teoria crítica de Honneth, que assume como base principal as
esferas do reconhecimento. A tese honnetiana procura ir além de um mero reconhecimento
intersubjetivo de igualdade na distribuição de renda; para ele, a luta por reconhecimento no
mundo contemporâneo representa a procura por justiça social; e, para se ter justiça e
liberdade normativa, é necessário que tenha os reconhecimentos da dignidade e do respeito
de cada um; aliás, o reconhecimento da dignidade e do respeito de cada um representa o
verdadeiro ideal moral e político que perpassa as diferentes lutas sociais em nossa época. A
luta por reconhecimento, para nosso autor, é o remédio para as patologias sociais, que
impedem os indivíduos de exercer seus direitos de forma plena.

Objetivos Específicos

1. Mostrar que a liberdade do indivíduo é o grande objetivo das lutas por reconhecimento
na sociedade contemporânea;
2. Demonstrar a inversão efetuada por Honneth da tese da autoconservação e da luta de todos
contra todos em direção a uma luta social do reconhecimento intersubjetivo;
3. Estudar questões relacionadas ao reconhecimento intersubjetivo, à justiça, à liberdade,
à autonomia e etc.;

4. Refletir teórica e criticamente sobre os conceitos de autodeterminação,


autoconsciência e autorrealização, e de como estes conceitos podem ajudar a construir uma
sociedade mais justa e livre;

Materiais e Métodos

No decorrer da pesquisa foram feitos fichamentos, projeto de pesquisa para TCC com
o titulo “Evolução da Teoria Crítica de Axel Honneth” e resumos dos textos de A. Honneth,
bem como de alguns de seus comentadores. O objetivo principal foi reconstruir os argumentos
principais, presentes nas diferentes obras de A. Honneth, para o entendimento sobre
reconhecimento intersubjetivo que é a base para uma ideia de justiça e liberdade normativa da
sociedade moderna.

O método utilizado é analítico-interpretativo das principiais obras de Axel Honneth,


começando com Sofrimento de Indeterminação: Uma Reatualização da Filosofia do Direito
de Hegel; Luta por Reconhecimento: A Gramática Moral dos Conflitos Sociais; O Direito da
Liberdade e Patologia de la libertad. Além disso, examinaremos livros e artigos de seus
comentadores, de modo a melhor compreender o alcance e os limites da teoria crítica
honnethiana.

Resultado e discussões

A seguir, apresentamos os resultados da pesquisa realizada.

Luta por reconhecimento, um contraponto da teoria da luta por autoconservação

Em sua obra Luta por reconhecimento – A gramática moral dos conflitos sociais,
Honneth apresenta três esferas do reconhecimento intersubjetivo, a saber, o amor, o direito e a
solidariedade, bem como mostra como o reconhecimento intersubjetivo se transforma no
elemento essencial para entendermos as lutas dos diferentes movimentos sociais no mundo
contemporâneo. Nesta obra, Honneth reinterpreta as teses principais de Maquiavel e de
Hobbes, de que as lutas sociais se resumiriam em uma luta pela autoconservação: para
Maquiavel, o objetivo político último do príncipe deve ser com a conservação do poder e a
manutenção do principado; já para Hobbes, no cerne da sociedade haveria uma guerra
permanente de todos contra todos, de modo que cada um se esforçaria ao máximo para
conservar sua vida e os frutos de seu trabalho (com o medo da morte violenta, os súditos
acabam, de forma voluntária, criando um pacto social, que dá origem ao Estado e poderes a
um Soberano, pondo fim à guerra generalizada e instaurando, por conseguinte, paz e
segurança de todos. Diz Honneth:

A filosofia social moderna pisa a arena num momento da história das ideias em que
a vida social é definida em seu conceito fundamental como uma relação de luta por
autoconservação; os escritos políticos de Maquiavel preparam a concepção segundo
a qual os sujeitos individuais se contrapõem numa concorrência permanente de
interesses, não diferentemente de coletividades políticas; na obra de Thomas
Hobbes, ela se torna enfim a base de uma teoria política do contrato que fundamenta
a soberania do Estado. Ela só pudera chegar a esse novo modelo conceitual de uma
“luta por autoconservação” depois que os componentes centrais da doutrina política
da Antiguidade, em vigor até a Idade Média, perderam sua imensa força de
convicção (HONNETH, 2009, p. 31).

A teoria crítica do reconhecimento, elaborada por Honneth, possui um caráter de


“reconstrução”, isto é, seu objetivo é compreender a complexidade do contexto social e os
conflitos nele existente; além disso, sua teoria crítica não apenas preocupa-se com o
indivíduo, e sim leva em conta primordialmente a comunidade que este está inserido; assim,
em contraste com as teorias de Maquiavel e de Hobbes, a teoria honnetiana vai se formando
nos estudos dos conceitos das esferas do reconhecimento e, assim, assimila, de forma
racional, o reconhecimento intersubjetivo desde sua origem no indivíduo, passando pela
construção da pessoa até chegar à autonomia do sujeito.

No lugar dessa ideia influente de justiça, que pode ser vista em termos políticos
como manifestação da era da democracia social, parece ter surgido uma ideia nova
que, a princípio, parece politicamente um tanto ou quanto menos inequívoca. Seu
objetivo normativo não mais parece ser a eliminação da desigualdade, mas a
anulação da degradação e do desrespeito; suas categorias centrais não são mais a
"distribuição igual" ou a "igualdade econômica", mas "dignidade" e "respeito".
Nancy Fraser forneceu uma fórmula sucinta, quando se referiu a essa transição como
uma passagem da "redistribuição" para o "reconhecimento". Enquanto o primeiro
conceito esta ligado a uma visão de justiça, que visa alcançar a igualdade social
através de uma redistribuição das necessidades materiais para a existência dos seres
humanos enquanto sujeitos livres, no segundo conceito, as condições para uma
sociedade justa passam a ser definidas como reconhecimento da dignidade pessoal
de todos os indivíduos (MATTOS, 2007 p.79).

Podemos ver, portanto, na obra Luta por Reconhecimento, que Honneth faz uma
leitura apurada da sociedade contemporânea, mostrando que, através das esferas do
reconhecimento intersubjetivo, o indivíduo, por meio de sua capacidade cognitiva, consegue
construir uma consciência normativa, em que ele se reconhece não só a si mesmo, mas
também o outro em sua totalidade (Cf. Honneth, 2009, p.63).

Nesta obra, Honneth mostra que existe três esferas onde a luta por reconhecimento se
desenvolve: a primeira esfera do reconhecimento é o amor; nesta esfera, o indivíduo mostra-
se carente, tornando esse tipo de reconhecimento uma relação simbiótica. Honneth
exemplifica esse tipo de reconhecimento na relação entre mãe e filho, onde a dependência de
ambos é tão forte que quando há uma quebra há um conflito. Citando Mead, Honneth afirma:

[...] para o sujeito individual, só surge um mundo de vivências psíquicas no


momento em que, explicitando um problema prático preconcebido, ele entra de tal
modo em dificuldades que suas interpretações da situação, até então objetivamente
comprovadas, acabam sendo privadas de sua validade e separadas da realidade
restante a título de meras representações subjetivas: o “psíquico” é de certo modo a
experiência que um sujeito faz consigo próprio quando um problema que apresenta
praticamente o impede de um cumprimento habitual de sua atividade (HONNETH,
2009, p. 126).

Dessa forma, o filho pode se sentir desprezado, e a mãe se sente culpada por ter que
retornar as suas atividades regulares; porém, no decorrer do tempo, cada um desses indivíduos
reconhece que tem suas necessidades singulares; assim, se estabelece nessa esfera uma
relação de autoconfiança, isto é, eles passam a confiar em si mesmo, deixando de ser
dependentes.

A segunda esfera do reconhecimento intersubjetivo é o direito; nesta esfera, Honneth


trata o indivíduo como pessoa, pois ele deixar de ser singular e passa a ser particular; esta
esfera é fundamentada na autonomia formal da pessoa em relação positiva de direito, de
forma que é nesta esfera que se estimula a autorrealização da pessoa: “uma pessoa só pode se
‘sentir’ valiosa quando se sabe ser reconhecida em realização que ela justamente não partilha
de maneira indistinta com todos os demais” (HONNETH, 2009, p.204), dado que para isso
ela tem que reconhecer que existe uma relação de direto dela para com o Estado, e vice-versa,
permitindo assim que ela tenha uma segurança normativa que seus direitos serão resguardados
em sua particularidade, independente de suas condições sociais. É nessa esfera que o
indivíduo se reconhece como pessoa que têm direitos e obrigações com sua sociedade. A
última esfera de reconhecimento é a solidariedade; nesta esfera, a pessoa, na sua
particularidade, se reconhece como sujeito universal, alcançando sua autodeterminação;
Honneth afirma que por “‘solidariedade’ pode-se entender, em uma primeira aproximação,
uma espécie de relação interativa em que os sujeitos tomam por interesse reciprocamente por
seus modos distintos de vida, já que eles entre si de forma simétrica” [...]; dessa forma,
mesmo fazendo parte de uma sociedade, ele reconhece que tem a capacidade e a autonomia
fundamental para decidir sobre os seus atos para consigo mesmo. É exatamente nessa esfera
que a luta pelo reconhecimento dos interesses primários (dignidade e respeito) se dá, na
medida em que o sujeito reconhece que cada indivíduo de sua comunidade têm seus próprios
interesses, que devem ser respeitados; ora, se esses direitos forem violados, corre-se o risco de
que surjam patologias sociais como, por exemplo, a pobreza, a discriminação, a miséria, a
desigualdade social, o preconceito racial, o preconceito sexual, a violência e etc.

É nesse contexto que Honneth dispõe as esferas do reconhecimento, bem como a luta
por reconhecimento. Para ele, é na ideia de intersubjetividade que o indivíduo passa a ter a
capacidade de refletir e de agir de forma consciente, reconhecendo em si mesmo a
necessidade do outro em sua totalidade. É nesse ato de intersubjetividade que Honneth
defende sua ideia de luta por reconhecimento, que é motivada por situações de desrespeito
mútuo de algumas pretensões individuais que, por sua vez, gera um conflito e/ou uma
reconciliação entre as partes.

As Três Concepções de Liberdade na Teoria Critica de A. Honneth

Em sua obra O Direito da Liberdade, Honneth aborda questões tais como a liberdade
negativa, a liberdade reflexiva e a liberdade social. Ele analisa de forma ampla a teoria da
justiça na sociedade contemporânea, tendo como pano de fundo as intuições essenciais de
Hegel da sociedade moderna, especialmente àquelas contidas na Filosofia do Direito.

Honneth afirma que os valores das sociedades liberal-democráticas acabam se


fundindo em um único valor, que é a liberdade (autonomia do indivíduo). Para ele, cada
esfera de nossa sociedade tende a ter uma noção de liberdade individual de acordo com nossas
experiências e, por isso, o conceito de justiça pode se dividir em múltiplas esferas, procurando
uma “maneira justa” de legitimar essa liberdade em nossa sociedade contemporânea (Cf.
Honneth, 2015, p.10). Honneth argumenta que uma teoria da justiça deve se preocupar em
analisar a sociedade de forma a procurar princípios puramente normativos, os quais possam
mensurar a legitimidade moral do ordenamento social.

A intenção de elaborar uma teoria da justiça como análise da sociedade coincide


com a primeira premissa, uma vez que a reprodução das sociedades até hoje está
ligada à condição de uma orientação comum de ideias e valores basilares. Essas
normas éticas não apenas determinam ‘de cima’, sob a forma de ‘ultimate values’
(Parsons), quais medidas ou desenvolvimentos sociais podem ser concebidos, mas
também são determinados de baixo, precisamente como objetivos de educação mais
ou menos institucionalizados, pelos quais se organizaria a vida do indivíduo no seio
da sociedade (HONNETH, 2015, p.19).
Partindo do princípio acima, Honneth pôde dizer que os movimentos sociais – tais
como os movimentos feministas, LGBT, Direitos Humanos movimentos sindicais etc. –
procuram uma forma justa de exigir do governo e da sociedade que a justiça se faça de tal
maneira que a liberdade seja dada de forma igual a cada um de seus indivíduos, e essa só
pode ser legitimada quando a autonomia do indivíduo for reconhecida como algo fundamental
dentro dessa sociedade. Ora, a concepção de justiça e liberdade de Honneth é oposta à
concepção ideal de justiça e liberdade de Rawls: Honneth defende a relação dialógica entre os
sujeitos que procuram valores coletivos, ao passo que Rawls diz que cada pessoa possui
direitos invioláveis (por exemplo, a liberdade), que é fundado no princípio da justiça, visto
que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar este direito
fundamental.

Para Honneth, a liberdade negativa se exerce quando, através de um ato reflexivo, o


indivíduo toma por correto aquilo que pode ser mais de benéfico para ele, visto que não
haveria nenhum impedimento externo ou coação que pudesse interferir em sua vontade.
Honneth (2015, p.44) cita Hobbes para explicar a liberdade negativa: “um homem livre é
aquele que não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer naquelas coisas que é capaz de
fazer graças à sua força e seu engenho”; assim, nem mesmos os obstáculos internos como
medo ou falta de confiança podem impedir que a racionalidade do indivíduo o torne livre para
tomar suas próprias decisões. A liberdade negativa se configura na forma mais primária de
liberdade, estando atrelada a autodeterminação individual.

Todas as insuficiências reveladas pela ideia de liberdade negativa remetem, em


última instância, o fato de ela cessar antes do limiar legítimo da autodeterminação
individual. Para se conceber um tipo de liberdade que contivesse um elemento de
“autodeterminação”, seria necessário aprender também o objetivo do agir como
rebento da liberdade: o que o indivíduo realiza, quando age “livremente”, poderia
ser visto como resultado de uma determinação, que ele próprio realiza para si.
Entretanto, o conceito de liberdade negativa se refere inteiramente à liberação
“externa” da ação, enquanto seus objetivos são confiados às forças que operam de
maneira casual: em Hobbes era a natureza contingente do interesse próprio
individual; em Sartre, a espontaneidade da consciência pré-reflexiva; e em Nozick,
por fim, o acaso de desejo e preferências pessoais que decidem por quais objetivos o
sujeito vai orientar sua ação (HONNETH, 2015, p.57).

A liberdade reflexiva seria uma ampliação do conceito normativo de liberdade


negativa, visto que a primeira está ligada a capacidade do indivíduo em usar suas orientações
internas para desenvolver sua ideia de autonomia e, também, de autorrealização, fazendo com
que ele aja de forma que siga somente sua própria vontade; essa vontade deve ser livre e deve
acontecer no mesmo momento da intenção de fazer. Honneth descreve a diferença entre os
conceitos de liberdade negativa e reflexiva da seguinte forma:

A liberdade negativa é elemento originário e indispensável da autoconcepção moral


da modernidade; nela se expressa a ideia que o indivíduo deve desfrutar do direito
de agir sem restrição externa e sem depender de coerção para provar os motivos de
“seu bel-prazer” enquanto não violar os mesmos direitos de seus concidadãos. Ao
contrário do que se tem ai, na verdade a ideia de liberdade reflexiva se estabelece,
antes de tudo, somente pela relação do sujeito consigo mesmo; segundo a ideia, é
livre o indivíduo que consegue se relacionar consigo mesmo de modo que em seu
agir ele se deixe conduzir por suas próprias intenções (HONNETH, 2015, p.58).

Como se pode perceber, a liberdade individual pode ter diversas formas de


manifestações; entretanto, a ideia de liberdade reflexiva deixa claro que o indivíduo não pode
ter somente a vontade ou deixar levar por seus desejos; ele tem que, de forma racional, fazer
dessa vontade uma ação que o beneficie sem transgredir o direito do outro; servindo-se
sempre de sua autonomia e de sua autenticidade, deve sempre buscar sua autodeterminação e
sua autorrealização. Em relação à liberdade reflexiva, Honneth afirma:

A liberdade reflexiva, que em Kant é inteiramente monológica, adquire assim um


significado teórico-intersubjetivo que lhe permite estar mais fortemente ancorada
nas estruturas sociais do mundo real, já que o sujeito individual só chega à
autonomia da autolegislação ao socializar-se numa comunidade comunicativa na
qual aprende a se compreender como destinatário das normas gerais que,
simultaneamente, foi ele próprio que constituiu com todos os demais (HONNETH,
2015, p.70).

Historicamente, a liberdade reflexiva é a primeira das liberdades, e é através dela que


o indivíduo, de forma racional, vai interagindo com os demais membros de sua sociedade. Em
sua ação e reflexão racional, o indivíduo não só pensa no “eu”, mas em “nós”; essa forma de
liberdade se apresenta como uma autolegislação coletiva. Além disso, esse tipo de reflexão
faz com que o indivíduo compreenda que o outro também possui desejos que querem ser
realizados.

A liberdade social é um tipo de liberdade que o sujeito vai compartilhar com os


outros, bem como, através do exercício de sua autonomia, vai buscar a realização da
comunidade, e não somente dele. Diferentemente da liberdade reflexiva, que é uma liberdade
monológica, a liberdade social precisa da interação social, ou seja, do reconhecimento
intersubjetivo, pois é somente nessas condições que podemos exercitar realmente nossa
liberdade moral. Honneth (2015, p.83-84) diz que, “assim, sou livre somente à medida que
estou em condições de orientar minha ação para objetivos estabelecidos de maneira autônoma
ou em relação os desejos autênticos”. Honneth, baseado nas ideias hegelianas, cita como
exemplo de liberdade social as relações de “amor” e “amizade”, na medida em que, aqui, há
uma interferência externa sobre o indivíduo, reconhecendo no outro a suas vontades; Honneth
usa o termo “estar consigo mesmo no outro”, ou seja, há um reconhecimento recíproco entre
os indivíduos. A liberdade social, portanto, só pode ser realizada em meio de uma sociedade
ou comunidade, de modo que esse reconhecimento intersubjetivo só pode dar-se no meio das
instituições:

[...] Conceito “social” de liberdade: em última instância, o sujeito só é “livre”


quando, no contexto de práticas institucionais, ele encontra uma contrapartida com a
qual se conecta por uma relação de reconhecimento recíproco, porque nos fins dessa
contrapartida ele pode vislumbrar uma condição para realizar seus próprios fins.
Desse modo, na forma do “ser em si mesmo no outro” sempre se pensa numa
referência a instituições sociais, uma vez que somente práticas harmonizadas e
consolidadas fazem que os sujeitos compartilhados possam reconhecer
reciprocamente como outros de si mesmos. E somente essa forma de
reconhecimento é a que possibilita ao indivíduo implementar e realizar seus fins
obtidos reflexivamente (HONNETH, 2015, p. 86-87)

Por isso, Honneth afirma que o reconhecimento intersubjetivo, bem como a luta por
esse reconhecimento, ocorre principalmente na esfera da solidariedade, visto que é através de
instituições como a família, a escola, a igreja, o Estado, o mercado etc. que o indivíduo pode
se reconhecer e reconhecer os outros como iguais e portadores de direitos e liberdades. É
nesse sentido que poderemos ver a sociedade formada por sujeitos conscientes de seus direitos
e deveres, de forma a desenvolver uma sociedade mais justas, onde as patologias social sejam
amenizadas ou até extinguidas do seio dessa sociedade, prevalecendo a dignidade da pessoa
humana e o respeito mútuo. Portanto, a liberdade social é uma forma de liberdade baseado na
eticidade, em que o justo deve ser algo que ofereça igualmente aos indivíduos a oportunidade
de participação nas instituições de reconhecimento.

Conclusão

A teoria crítica de Honneth tem como objetivo reatualizar a teoria social de Hegel,
mostrando a evolução de sua teoria crítica através da luta pelo reconhecimento, no qual o
indivíduo tende a reconhecer que o outro possui as mesmas vontades de realizações que as
suas. Nas esferas do reconhecimento, Honneth procura delinear bem a evolução do
reconhecimento, desde a parte mais singular que é o amor, a qual mostra a necessidade do
indivíduo e sua carência, de forma que, através do reconhecimento intersubjetivo, ele passa a
ter sua autoconfiança, passando pela sua particularidade no direito, no qual a pessoa evolui à
sua autorrealização até o reconhecimento intersubjetivo da solidariedade em sua
universalidade, esfera essa que o sujeito adquire sua autodeterminação. Honneth mostra que a
teoria critica procura superar as patologias sociais próprias de nossa modernidade política,
cultural, econômica etc.; além disso, procura mostrar como o reconhecimento intersubjetivo
individual e social pode mudar a forma como cada um trata seus pares, procurando, através de
uma concepção de justiça normativa, respeitar a liberdade de seus indivíduos, podendo assim
formar uma sociedade com mais dignidade e respeito à pessoa humana, as quais possam
exercer seus direitos sociais de uma forma plena. Para Honneth, em cada esfera social, há um
conceito de justiça; a liberdade, para Honneth, é legitima na medida em que é conseguida de
forma dialógica, de modo que, para além do bem-estar do indivíduo, é a realização da
sociedade, através de sua autodeterminação, o cerne da ação e da reflexão em termos de
justiça social.

Referências Bibliográficas

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