Professional Documents
Culture Documents
Bolsista e Voluntário
Período de pesquisa
01/07/2017 a 31/07/2018.
Resumo
O presente relatório final (PIBIC) tem por objetivo analisar a Teoria Crítica de A. Honneth
(1949), sendo que, em um primeiro momento analisar as questões do reconhecimento
intersubjetivo e liberdade, e num segundo momento o conceito de justiça no contexto social
presente em suas obras. De acordo com A. Honneth a evolução da teoria num contexto da
justiça não estar preocupada somente em eliminar a desigualdades sociais causada pela má
distribuição de renda, mas em aprofundar a discussão para extinguir as patologias sociais para
que o indivíduo possa alcançar através da liberdade sua dignidade e o respeito em todas as
esferas do reconhecimento, e assim conquistar a vida boa.
Abstract
This final report (PIBIC) aims to analyze the Critical Theory of A. Honneth (1949), being
that, at first, analyze the questions of intersubjective recognition and freedom, and in a second
moment the concept of justice in the present social context in their works. According to A.
Honneth, the evolution of theory in a context of justice is not only concerned with eliminating
social inequalities caused by the poor distribution of income, but in deepening the discussion
to extinguish social pathologies so that the individual can achieve through freedom his
dignity and respect in all spheres of recognition, and thus to conquer the good life.
Introdução
Com efeito, pela leitura das obras Sofrimento de Indeterminação, Luta por
Reconhecimento, O Direito da Liberdade e Patologia de la Libertad procurei, em um
primeiro momento, analisar o desenvolvimento da Teoria Critica da sociedade desenvolvida
por Honneth, especialmente a grande influência exercida pela teoria social de Georg W. F.
Hegel (1770-1831) em suas intuições e teses essenciais e, em um segundo momento, mostrar
quais foram as principais reatualizações da teoria crítica empreendidos pelo filósofo
frankfurtiano. Neste sentido, ainda com base nestas obras, o meu objetivo principal é mostrar
a evolução da teoria crítica de Honneth no contexto social, uma vez que as práticas de valores
ideais, tais como a justiça e a liberdade, a formação da identidade do sujeito, bem como a
construção de uma sociedade justa e solidária, responsável pela formação de um sujeito
autônomo em busca do bem-estar da comunidade, tanto quanto buscam o bem comum, isto é,
à vida boa, se configuram também como objetivos de uma concepção de justiça social.
De acordo com Honneth, a “reconstrução” da teoria crítica tem como objetivo não
apenas mostrar as mazelas sociais, mas também – e sobretudo – conduzir à compreensão de
como elas acontecem e, nesse sentido, procurar, através da eticidade, diagnosticar os conflitos
sociais característicos de nossas sociedades. A compreensão do reconhecimento intersubjetivo
leva Honneth, na obra O Direito da Liberdade, a desenvolver uma concepção de justiça e
liberdade contrária à concepção de justiça1 e liberdade ideal de John Rawls, defendendo uma
relação dialógica entre os sujeitos que procuram valores coletivos. Em Uma Teoria da
Justiça, Rawls vai dizer que a justiça é vista como a primeira virtude das instituições sociais.
Com isso, ele pretende dizer que por mais que sejam eficazes as leis dessas instituições, se
forem injustas devem ser abolidas e, como consequência, para torna-las justas, devem ser
reformuladas. Para ele, cada pessoa possui sua inviolabilidade fundada na justiça que nem
mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar, ou seja, a liberdade individual
não pode ser violada em troca de um bem maior que abranja os outros ou, nas palavras de
Rawls, os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos a negociação política ou ao
calculo de interesses sociais (RAWLS, 1997, §2, p.3-4).
Para Rawls, o indivíduo liberal não delibera com a comunidade, e sim tão somente
consigo mesmo para poder, através de sua racionalidade e de uma reflexão intrapessoal, ter
uma concepção própria do que é justiça. Já para autores comunitaristas como Michael Walzer,
David Miller e Alasdair MacIntyre, as noções de justiça e liberdade só podem ser tidas como
legítimas quando podem ser avaliadas as condições em que vivem os indivíduos em uma dada
sociedade e, da mesma forma, a reflexão que o indivíduo faz para reconhecer que o outro
também tem os mesmos direitos que ele em uma forma recíproca ou reconhecimento
intersubjetivo, de modo que, em última instância, os valores sociais predominarão sobre a
ideia de uma sociedade atomista, como a liberal. Dessa forma, o sujeito se autodeterminará
por meio da sua racionalidade moral, chegando aos conceitos de direitos e liberdade
individuais; além disso, poderá ser criado um ordenamento legítimo para essa sociedade, e
ela, através da soma das autoconsciências de seus indivíduos, por si mesma se
autodeterminará.
Em Direito da Liberdade, Axel Honneth apresenta uma “construção normativa” de
três conceitos de liberdade, a saber: 1) liberdade negativa, isto é, “a ideia de liberdade do
indivíduo consiste na busca de seus próprios interesses sem que haja impedimentos ‘de fora’
repousa numa arraigada intuição do individualismo moderno” (HONNETH, 2015, p.46), visto
que a liberdade se encontra diretamente ligada à autonomia do indivíduo, não encontrando
1
“A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento.
Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; da mesma forma
leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas como
injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade
como um todo pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por
um bem maior compartilhado por outros” (RAWLS, 1997, § 2, p.3-4).
nenhuma força externa que o coaja, uma vez que ele é dono de sua “vontade”; 2) liberdade
reflexiva, isto é, “[...], na verdade a ideia de liberdade reflexiva se estabelece, antes de tudo,
somente pela relação do sujeito consigo mesmo; segundo a ideia, é livre o indivíduo que
consegue se relacionar consigo mesmo de modo que em seu agir ele se deixe conduzir apenas
por suas próprias intenções” (HONNETH, 2015, p.58-59), que se apresenta quando a pessoa
faz uso de sua racionalidade para decidir o que é melhor para sua afirmação; neste conceito de
liberdade, a pessoa só pode ser considerada livre quando ela é capaz de reconhecer em si
próprio suas vontades, e; 3) liberdade social, isto é, [...] nessa nova concepção da teoria do
discurso da liberdade, “social” é a circunstância segundo a qual determinada instituição de
realidade social já não é considerada mero aditivo, mas condição e meio para o exercício da
liberdade” (HONNETH, 2015, p. 81); esta concepção de liberdade se estabelece quando o
sujeito faz uso do exercício tanto de sua liberdade reflexiva como de sua liberdade negativa
no âmbito social, nas relações institucionalizadas, tais como nas relações de mercado, nas
relações familiares e nas relação com o Estado.
Objetivos
Objetivo Geral
Objetivos Específicos
1. Mostrar que a liberdade do indivíduo é o grande objetivo das lutas por reconhecimento
na sociedade contemporânea;
2. Demonstrar a inversão efetuada por Honneth da tese da autoconservação e da luta de todos
contra todos em direção a uma luta social do reconhecimento intersubjetivo;
3. Estudar questões relacionadas ao reconhecimento intersubjetivo, à justiça, à liberdade,
à autonomia e etc.;
Materiais e Métodos
No decorrer da pesquisa foram feitos fichamentos, projeto de pesquisa para TCC com
o titulo “Evolução da Teoria Crítica de Axel Honneth” e resumos dos textos de A. Honneth,
bem como de alguns de seus comentadores. O objetivo principal foi reconstruir os argumentos
principais, presentes nas diferentes obras de A. Honneth, para o entendimento sobre
reconhecimento intersubjetivo que é a base para uma ideia de justiça e liberdade normativa da
sociedade moderna.
Resultado e discussões
Em sua obra Luta por reconhecimento – A gramática moral dos conflitos sociais,
Honneth apresenta três esferas do reconhecimento intersubjetivo, a saber, o amor, o direito e a
solidariedade, bem como mostra como o reconhecimento intersubjetivo se transforma no
elemento essencial para entendermos as lutas dos diferentes movimentos sociais no mundo
contemporâneo. Nesta obra, Honneth reinterpreta as teses principais de Maquiavel e de
Hobbes, de que as lutas sociais se resumiriam em uma luta pela autoconservação: para
Maquiavel, o objetivo político último do príncipe deve ser com a conservação do poder e a
manutenção do principado; já para Hobbes, no cerne da sociedade haveria uma guerra
permanente de todos contra todos, de modo que cada um se esforçaria ao máximo para
conservar sua vida e os frutos de seu trabalho (com o medo da morte violenta, os súditos
acabam, de forma voluntária, criando um pacto social, que dá origem ao Estado e poderes a
um Soberano, pondo fim à guerra generalizada e instaurando, por conseguinte, paz e
segurança de todos. Diz Honneth:
A filosofia social moderna pisa a arena num momento da história das ideias em que
a vida social é definida em seu conceito fundamental como uma relação de luta por
autoconservação; os escritos políticos de Maquiavel preparam a concepção segundo
a qual os sujeitos individuais se contrapõem numa concorrência permanente de
interesses, não diferentemente de coletividades políticas; na obra de Thomas
Hobbes, ela se torna enfim a base de uma teoria política do contrato que fundamenta
a soberania do Estado. Ela só pudera chegar a esse novo modelo conceitual de uma
“luta por autoconservação” depois que os componentes centrais da doutrina política
da Antiguidade, em vigor até a Idade Média, perderam sua imensa força de
convicção (HONNETH, 2009, p. 31).
No lugar dessa ideia influente de justiça, que pode ser vista em termos políticos
como manifestação da era da democracia social, parece ter surgido uma ideia nova
que, a princípio, parece politicamente um tanto ou quanto menos inequívoca. Seu
objetivo normativo não mais parece ser a eliminação da desigualdade, mas a
anulação da degradação e do desrespeito; suas categorias centrais não são mais a
"distribuição igual" ou a "igualdade econômica", mas "dignidade" e "respeito".
Nancy Fraser forneceu uma fórmula sucinta, quando se referiu a essa transição como
uma passagem da "redistribuição" para o "reconhecimento". Enquanto o primeiro
conceito esta ligado a uma visão de justiça, que visa alcançar a igualdade social
através de uma redistribuição das necessidades materiais para a existência dos seres
humanos enquanto sujeitos livres, no segundo conceito, as condições para uma
sociedade justa passam a ser definidas como reconhecimento da dignidade pessoal
de todos os indivíduos (MATTOS, 2007 p.79).
Podemos ver, portanto, na obra Luta por Reconhecimento, que Honneth faz uma
leitura apurada da sociedade contemporânea, mostrando que, através das esferas do
reconhecimento intersubjetivo, o indivíduo, por meio de sua capacidade cognitiva, consegue
construir uma consciência normativa, em que ele se reconhece não só a si mesmo, mas
também o outro em sua totalidade (Cf. Honneth, 2009, p.63).
Nesta obra, Honneth mostra que existe três esferas onde a luta por reconhecimento se
desenvolve: a primeira esfera do reconhecimento é o amor; nesta esfera, o indivíduo mostra-
se carente, tornando esse tipo de reconhecimento uma relação simbiótica. Honneth
exemplifica esse tipo de reconhecimento na relação entre mãe e filho, onde a dependência de
ambos é tão forte que quando há uma quebra há um conflito. Citando Mead, Honneth afirma:
Dessa forma, o filho pode se sentir desprezado, e a mãe se sente culpada por ter que
retornar as suas atividades regulares; porém, no decorrer do tempo, cada um desses indivíduos
reconhece que tem suas necessidades singulares; assim, se estabelece nessa esfera uma
relação de autoconfiança, isto é, eles passam a confiar em si mesmo, deixando de ser
dependentes.
É nesse contexto que Honneth dispõe as esferas do reconhecimento, bem como a luta
por reconhecimento. Para ele, é na ideia de intersubjetividade que o indivíduo passa a ter a
capacidade de refletir e de agir de forma consciente, reconhecendo em si mesmo a
necessidade do outro em sua totalidade. É nesse ato de intersubjetividade que Honneth
defende sua ideia de luta por reconhecimento, que é motivada por situações de desrespeito
mútuo de algumas pretensões individuais que, por sua vez, gera um conflito e/ou uma
reconciliação entre as partes.
Em sua obra O Direito da Liberdade, Honneth aborda questões tais como a liberdade
negativa, a liberdade reflexiva e a liberdade social. Ele analisa de forma ampla a teoria da
justiça na sociedade contemporânea, tendo como pano de fundo as intuições essenciais de
Hegel da sociedade moderna, especialmente àquelas contidas na Filosofia do Direito.
Por isso, Honneth afirma que o reconhecimento intersubjetivo, bem como a luta por
esse reconhecimento, ocorre principalmente na esfera da solidariedade, visto que é através de
instituições como a família, a escola, a igreja, o Estado, o mercado etc. que o indivíduo pode
se reconhecer e reconhecer os outros como iguais e portadores de direitos e liberdades. É
nesse sentido que poderemos ver a sociedade formada por sujeitos conscientes de seus direitos
e deveres, de forma a desenvolver uma sociedade mais justas, onde as patologias social sejam
amenizadas ou até extinguidas do seio dessa sociedade, prevalecendo a dignidade da pessoa
humana e o respeito mútuo. Portanto, a liberdade social é uma forma de liberdade baseado na
eticidade, em que o justo deve ser algo que ofereça igualmente aos indivíduos a oportunidade
de participação nas instituições de reconhecimento.
Conclusão
A teoria crítica de Honneth tem como objetivo reatualizar a teoria social de Hegel,
mostrando a evolução de sua teoria crítica através da luta pelo reconhecimento, no qual o
indivíduo tende a reconhecer que o outro possui as mesmas vontades de realizações que as
suas. Nas esferas do reconhecimento, Honneth procura delinear bem a evolução do
reconhecimento, desde a parte mais singular que é o amor, a qual mostra a necessidade do
indivíduo e sua carência, de forma que, através do reconhecimento intersubjetivo, ele passa a
ter sua autoconfiança, passando pela sua particularidade no direito, no qual a pessoa evolui à
sua autorrealização até o reconhecimento intersubjetivo da solidariedade em sua
universalidade, esfera essa que o sujeito adquire sua autodeterminação. Honneth mostra que a
teoria critica procura superar as patologias sociais próprias de nossa modernidade política,
cultural, econômica etc.; além disso, procura mostrar como o reconhecimento intersubjetivo
individual e social pode mudar a forma como cada um trata seus pares, procurando, através de
uma concepção de justiça normativa, respeitar a liberdade de seus indivíduos, podendo assim
formar uma sociedade com mais dignidade e respeito à pessoa humana, as quais possam
exercer seus direitos sociais de uma forma plena. Para Honneth, em cada esfera social, há um
conceito de justiça; a liberdade, para Honneth, é legitima na medida em que é conseguida de
forma dialógica, de modo que, para além do bem-estar do indivíduo, é a realização da
sociedade, através de sua autodeterminação, o cerne da ação e da reflexão em termos de
justiça social.
Referências Bibliográficas
HOBBES, Thomas. Leviatã; organizado por Richard Tuck. Tradução de João Paulo
Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva, Claudia Berliner; revisão da tradução Eunice
Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_____. Luta por Reconhecimento: A Gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de
Luiz Repa; apresentação de Marcos Nobre. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
_____. O Direito da Liberdade. Tradução de Saulo Krierger. São Paulo: Martins Fontes.
2015.
_____. Patologias de La Libertad. Editado por Jesús Hernàndez; Benno Herzog. 1ª ed.
Ciudade Autónoma de Buenos Aires: Las Cuarenta, 2016.
RAWLS. John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Almiro Pissetta e Lenita M. R. Esteves.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
SOUZA, Jesse; MATTOS, Patrícia (Orgs.). Teoria Crítica no Século XXI. São Paulo:
Annablume, 2007.