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José Eduardo Martins


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HENRIQUE
OSWALD
MÚSICO
DE UMA SAGA
ROMÂNTICA

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Reitor
Vice-reitora
Flávio Fava de Moraes
Myriam Krasilchik
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led:l: EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
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Presidente
Diretor Editorial
Sérgio Miceli Pessôa de Barros
Plinio Martins Filho J
Editor-as.'ii,\·tente

Cotnissfi.o Editorial
Rodrigo Lacerda

Sérgio Miceli Pessôa de Barros (Presidente)


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Davi Arrigucci Jr. ,,
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José Augusto Penteado Aranha í
Oswaldo Paulo Forattini
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Copyright © 1995 by José Eduardo Martins

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Dados Internacionais de Catalogaç:io na Publicou;rHl (CIP)


(Cfm1ara Brasilt:ira do Livro, SP, Brasil)

Martins, Josê Eduan.h\ 1938-


Henrique Oswald: Personagem de uma Saga Rllmfmtica I lllSé EUuar·
Un Martins; pref<ício de Alfredo Bnsi.- São Paulo: Editora da Univt:rsi-
dade Ue Siio Paulo, 1995.
Bibliografia
ISBN: 85-314-0302-2
1. Oswah.l, Ht:nrique, U~52-193l I. Bnsi, Alfredo, 1936- IL Título.
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Índices para catiil~1gtl sistem:íllcrr.


l. Músicos brasileiros: ViJa c obra 927.809/:o\l

A
Maria Isabel Oswald Monteiro
D.Ueitos reservados à ll Neige!
Edusp- Editora da Universidade de São Pnulo
Av. Prof. Luciano Gu<tlberto, Trave::;~m J, 374 e o passo primeiro
6!! andar- Ed. da Antiga Reitoria- Cidade Universitária do convívio inefável.
05508-lJ(XJ- São Paulo- SP- Brasil Fax (011) 211-6988
Tel. (011) 1>13-8837 r. 2ló Permanecem ...

Printed in Brazil 1t)<)5

Foi feito o depósito legal


Sumário

Prefácio de Alfredo Bosi . ... . ... ..... .. . .... . .. . .... .. . .. .. ... .. ..... .. ... .. .. . .. ... . . .. . .. ... ... .. .. .. 11

Primeira parte - O personagem e sua saga

Introdução ............................................................................................... 17
Origens: infância e incertezas ...................... ... .. . .... ........ .. . . .. ... ............. .. 25
A formação básica escolar e musical .. . .. .. .. . . .. . ... .. .. .. .. . .. . .. . . . . . . . .. .. . .. . . .. . . 31
Os primeiros anos em Florença ··········:················································ 43
Laudômia Gasperini: do casamento à narrativa do cotidiano ......... 47
Bolsista de D. Pedro li ........................................................................... 49
Giuseppe Buonamici: o professor abrangente ................................... 53
Regressos ao Brasil .................................. ............... .. .. .. . .............. ........... 57
• Saint-Saens: um encontro decisivo 59
Diplomacia circunstancial 67
Il Neige! ............. 69
O retorno definitivo à terra natal 75
Diário de Munique 79
Solidão voluntária 85
Tutti riuniti 93
Darius Milhaud: o interlocutor antagônico .... 97
Anos de calmaria 105
Um longo crepúsculo 109
Notas da Primeira parte ........................................................................ 115

Segunda parte - Dilemas de um personagem


O homem: um olhar aristocrático 143
Magistério: subsistência e missão 147
O temor do "Canto das Sereias" Prefácio
contradizendo o discurso oficial.. .............................................................. 151
Henrique Oswald e a emoção 159
Alfredo Bosi
Um estilo detectável ...................................... . 161
Um nacionalismo universal 165
Notas da Segunda parte 173
José Eduardo Martins escreveu um livro sobre o compositor Henrique
Terceira parte - A obra para piano solo como tipicidade Oswald que certamente será lido com interesse em mais de um registro. É
obra densa, que pede aproximações sucessivas.
Destino e titulação da peça de curto fôlego 183 Começando pelo nível aparentemente mais simpl~, o biográfico: quan-
187 tas coisas novas e curiosas nos trouxe a sua pesquisa e que, sem o seu
O desenho como subsídio, a explicar o extramusical
trabalho de sapa em arquivos e acervos especializados, jamais chegariam ao
Opus e equívoco 195
nosso conhecimento de leigos! Assim, por exemplo, para os estudiosos da
A obra editada - veiculação 199
história do trabalho dito "livre" no Brasil, não é de somenos importância
Notas da Terceira parte 203 aprender que Henrique era filho de um imigrante suíço (de nome Jean-Jac-
À guisa de epílogo 205 ques ... ), o qual denunciou aos quatro ventos o tratamento iníquo dado a
colonos europeus e a escravos africanos pelo "progressista" e "liberal" Sena-
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Bibliografia dor Vergueiro em sua fazenda de Ibicaba ...
A mãe, Maria Carlota, italiana de Livorno (uma das cidades mais inter-
nacionais da península, com forte contingente hebraico), educou-o desde os
I. Documentação básica ........... . 207
primeiros anos com os olhos postos na Europa. O menino foi alfabetizado ao
2. Livros 207 mesmo tempo em português, italiano e francês. Tudo o chamava para o
3. Revistas especializadas e suplementos 209 Velho Mundo, e essa atração, estimulada pelos pais, faria dele o menos
brasileiro dos nossos compositores tardo-românticos e, por isso mesmo, o
. i
Índice das ilustrações . 211 mais incompreendido por certa crítica de filiação estreitamente nacionalista.
Índice onomástico ...... . 213 José Eduardo Martins, historiador da cultura, vai pontuando com ordem
e clareza as etapas dessa funda europeização de idéias, gosto, técnicas mu-
sicais e repertório, sobretudo pianístico, do compositor. Henrique moraria em
Florença entre os dezesseis e os cinqüenta e um anos de idade, toda uma vida
portanto, que se estende da primeira adolescência à maturidade avançada. E
vale a pena lembrar o apoio que lhe deu Pedro li concedendo-lhe, às suas
expensas particulares, uma bolsa de estudos na Itália, sem exigir nenhuma
contrapartida: o jovem brasileiro floresceu e deu frutos em terra estrangeira
sem que o mecenato imperial lhe cobrasse sequer um retorno obrigatório.
Belo exemplo de liberalidade. A bolsa, conferida em 1879, só foi suspensa
dez anos mais tarde com a proclamação da República.
12 I Henrique Oswald Prefácio 13

A imbricação de vida e obra está presente em todo o livro. O autor o que significou essa escola para a qual todo arroubamento de inspiração
mostra-se atento à rede de circunstâncias e de escolhas de que é feito um deveria ser represado pelo trabalho construtivo, que ia da mais rigorosa sin-
destino. Na Itália Oswald completa a sua formação musical. Quanto à inte- taxe tonal ao acabamento sem manchas da escrita no pentagrama*.
gração familiar no meio florentino, perfaz-se pelo seu casamento com Lau- José Eduardo Martins não se limita a provar a existência de laços que
dômia Gasperini, cantora lírica e filha do diretor do Instituto Educativo, atam seu biografado à cultura musical do tempo. Vai além e busca sondar o
Mmbos pro,testantes mas que, por influência da família de Oswald, se conver- que havia de pessoal e diferenciado nas criações de Henrique Oswald. Algu~
tem ao catolicismo. Esse componente de fervor e piedade ortodoxa se acen-
·--+ mas de suas intuições críticas confirmam aquela sábia empatia com que o
tuará nos últimos anos de vida de Henrique Oswald, levando-o a privilegiar pianista-intérprete já trabalhou a execução das melhores peças do mestre.
a música sacra; e terá sido provavelmente um dos motivos profundos que Assim, parece-me feliz a associação que José Eduardo faz entre alguns gê-
atuaram na decisão do seu filho Alfredo (também exímio pianista) que, já neros praticados por Oswald, como a barcarola, a berceuse e o noturno e um
adulto e casado, entrou, de comum acordo com sua esposa, para a vida seu peculiar fascínio pela água, sobretudo a que se move em ondas aliciando
religiosa, tendo ela igualmente professado. o ouvinte para um mundo onírico onde tudo flui, nada se fixa, fim e começo
O respeito às tradições foi a norma existencial do homem e da família. coabitam e se mesclam. É a infinitude romântica que lateja sob as formas
Em termos de clima estético, o romantismo, que perdurava nos círculos de academizadas pela tradição eclética desse fim de século saturado de erudição
música erudita, inflectia para um compromisso com o cânon acadêmico que musical. O salão onde se aprisionou a forma-sonata e a música-de-câmara
vai de Bach a Brahms. Paralelamente, triunfava o bel canto que, na Itália, não conseguiu abafar de todo a insofreável revolução do sujeito que o roman-
secundava generosamente o ideário e os gostos românticos. tismo empreendeu a partir da explosão beethoveniana. A burguesia e suas
Se do registro biográfico passamos à indagação do nível propriamente instituições triunfantes disciplinaram, como e quanto puderam, as expressões
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artístico, encontramos neste livro reflexões agudas sobre a situação geral e as j extremadas com que o artista rebelde disse a sua insatisfação pelo andamento
formas da música européia no período eclético que precede e prepara a dis- da nova sociedade em que o dinheiro e o status mercável reinstalaram sob
solução da música tonal: período intervalar que separa o ultra-romantismo de novas capas velhas hierarquias. José Eduardo Martins detecta, além daquele
Wagner e o impressionismo de Debussy. mergulho nas águas noturnas da fantasia e do devaneio, certa "garra" nas
É precisamente neste clima estético que se situa a produção inteira de passagens melódicas mais comunicativas e, difusamente, um desejo ardente
Henrique Oswald. Embora tenha conhecido a ruptura que vai do último de expressão, que arranca de um fundo emotivo, mas que se contém. na
Debussy a Stravinsky, o nosso compositor permaneceu fiel ao romantismo virtude da ascese técnica, a rigor ainda clássica, aceita como norma inviolá-
classicizado dos seus contemporâneos. Essa perfeita adequação ao repertório vel. Os atributos acadêmicos de clareza, distinção, simplicidade escriturai e
oitocentista, essa escuta e execução reiterada de Schubert, Chopin, Schu- elegância acabaram por transformar-se em uma segunda natureza que subli-
mann, Mendelssohn, Berlioz, Liszt, Brahms, Tchaikovsky, deram-lhe um lastro maria a primeira.
estilístico sólido e harmonioso, sem surpresas mas também sem descaídas de Relativamente mais fácil de compreender é a ausência de traços mar-
nível e de gosto. cadamente brasileiros em toda a obra de Henrique Oswald. Na sua formação
Quando o jornal parisiense Le Figaro instituiu um concurso interna- o cosmopolitismo, filtrado pelas culturas italiana e francesa, foi a tendência
cional de composição, a peça vencedora, dentre as 647 inscritas, foi ll Neige dominante. O compositor que cumpriu setenta anos de idade em 1922 não
de Henrique Oswald. Do júri participavam Camille Saint-Saens e Gabriel poderia ter aderido, na vigésima quinta hora, ao nacionalismo pregado por
Fauré, os mais ilustres corifeus da música francesa e conservatoriana. O Mário de Andrade e o seu círculo nos fins dos anos 20 e no começo da
epíteto aqui não envolve restrição alguma: é apenas descritivo e quer dizer
algo como "acadêmico", "erudito" ou "culto" em seu sentido mais nobre. * O Trio foi gravado em 1987 por Eliza Fukuda (violino), Antônio Dei Claro (violoncelo) e
José Eduardo Martins (piano). A produção deveu-se ao patrocínio da Funarte - Projeto
Ouvindo o belíssimo Trio em Sol Menor, opus 9, de Oswald, podemos avaliar Memória Musical Brasileira.
14 I Henrique Oswald

década seguinte. José Eduardo Martins trata com justeza os dados da questão
ao lembrar que os folclores europeus confluíram na música tardo-romântica
do século XIX. O ecletismo explorou alguns elementos rítmicos, melódicos
e tímbricos das danças populares sem, com isso, renunciar às técnicas de
Primeira parte
compor que a tradição ocidental desenvolvera desde a instauração da lingua-
gem tonal nos séculos XVII e XVIII. O cosmopotltimno europeu tinha incor-
porado, dos clássicos aos russos, o regional-popular em um vasto repertório
O personagem e sua saga
unificado por uma só gramática musical; e é essa fusão de particular e uni-
versal, diferente c comum, que Henrique Oswald herdou e dinamizou na
composição das suas barcarolas, polcas, serenatas, cançonetas, sarabandas,
mazurcas, valsas e polonaises, todo um tesouro de formas originalmente
populares que a tradição romântica culta reelaborou e estilizou. Mário de
Andrade pedia aos compositores brasileiros que fizessem outro tanto com o
samba e o frevo, o maxixe e o jongo, o cururu e o cateretê, os cantos indí-
genas de pajelança e os motivos afro-baianos do candomblé; na verdade, uma
reedição brasílica do nacional-cosmopolitismo russo, polonês, magiar ou
escandinavo do último romantismo internacional. Henrique Oswald, educado
integralmente na Itália, já praticava essa osmose pan-européia de técnicas
eruditas e conteúdos regionais, corrente no seu tempo. Quando um projeto
similar chegou ao Brasil, era tarde demais para ele ...
Vê assim o leitor que esta monografia de José Eduardo Martins lança
pontes não só entre a vida e a obra de um compositor de mérito como
também entre o seu roteiro musical e o drama cultural tantas vezes reence-
nado entre o nacionalismo e o cosmopolitismo.
Mas o essencial é o olhar do historiador que não cessa de perseguir a
imagem de um artista que as modas e o mercado tenderiam a submergir no
olvido. Essa fusão de empenho e afeto é ainda a melhor garantia de que o
sentido último da erudição continua sendo o que da História pedia um grande
romântico, Michelet: que ela fizesse ressuscitar o passado.
Lida a excelente pesquisa de José Eduardo Martins, resta o principal:
ouvir a música de Henrique Oswald não por acaso redescoberta e interpretada
por José Eduardo Martins.

-4
l
Introdução

(... ) et peut-être cessera ce sentiment insupporta-


ble, que j'ai parfois, de vivre dans une ville d'exil ou
rien nem 'attend et ml je suis destiné à zm petittrain-train
mélancolique.

Claude Debussy
30 Janvier 1892

Ü estudo da música praticada no período romântico por compositores


brasileiros com evidentes vínculos europeus teve, a partir da apreciação crí-
tica nacionalista após os anos da década de 20, claro norteamento. Os escritos
que se prolongaram a partir dessa fase até presentemente prenderam-se, quan-
do do estudo do compositor romântico brasileiro, quase sempre, a uma ava-
liação sob um prisma voltado ao nacional, desviando-se, na maior parte das
vezes, da análise do valor essencial da produção. Esta postura acentuou a
!1 marginalização decisiva da criação, durante aproximadamente meio século-
'~ do cerne dos anos 20 à década de 70 - e, mais recentemente, uma reava-
liação emerge, no que se refere à criação romântica realizada por músicos
brasileiros, trazendo consigo toda uma igualmente reavaliação dos valores
sócio-econômico-político-culturais. Esta retomada crítica da produção musi-
cal do prolongado período romântico está a se ater ao intrínseco da criação
e ao plano estético em que esta foi realizada, desvinculada de padrões a partir
de outra colocação estética, no caso, a nacionalista.
O presente estudo é o resultado reorganizado da tese de doutorado,
apresentada junto ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 1988. Reor-
ganizado devido a reflexões que levaram a possibilitar, inclusive, a alteração
de determinadas formulações de hipóteses. Visa, pois, a resgatar Henrique
Oswald, um dos mais fecundos compositores brasileiros, que praticou, ao
longo de sua trajetória, quase todos os gêneros conhecidos em sua época e
que se tornou um exemplo típico do autor que criou música envolvida com
vertentes do romantismo europeu. Sob outro aspecto, as apresentações públi-
cas e gravações de obras de Henrique Oswald, a partir de manuscritos, que
temos realizado de 1978 até o presente - em especial as camerísticas - e
que nos levaram à edição crítica de algumas delas, aproximam-no de deter-
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...
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'1:
18 Henrique Oswald O personagem e sua saga I 19

minados outros compositores coetâneos por ele eleitos, ratificando opções à medida que eram publicados, foram-no, por vezes, sem cabeçalho, sem data
estéticas românticas nítidas, transparentes e sobremaneira conscientes. ou até sem o nome da cidade ou do crítico. A existência deste livro, funda-
mental para a construção do perfil de Henrique Oswald como um todo, fez
com que a ele nos ativéssemos, e a ausência dos dados citados não elimina
*
a autenticidade da fonte. O Arquivo Nacional é depositário, igualmente, de
A bibliografia sobre Henrique Oswald épobre. Apenas um livro a ele quantidade de manuscritos autógrafos e cópias da época de significativa pro-
totalmente dedicado, escrito por Leozinha F. Magalhães de Almeida, aluna e dução oswaldiana nos gêneros camerístico e sinfônico.
admiradora do compositor. Se, por um lado, a obra da autora é imprecisa Expressiva documentação referente à programação musical de Henrique
quanto a certas datas dos acontecimentos apresentados não-seqüencialmente, Oswald, na qual se destacam as apresentações como intérprete e alguns pro-
louve-se no seu trabalho a narrativa de muitos episódios, fruto da devoção da gramas pontuando data e local onde suas obras foram executadas sem a
ouvinte atenta que, em casa dos Oswalds, soube pacientemente aguardar o presença do autor, encontra-se no Departamento de Música da Biblioteca
momento para aflorar recordações. Poder-se-ia pensar numa alteração do Nacional. Toda esta documentação referente aos programas ajuda na constru-
interpretar narrativas distantes no tempo. Contudo, quando em determinados ção da figura de Oswald como intérprete e compositor, suas preferências e
segmentos, como o magistério, outros músicos se pronunciaram, observa-se suas rejeições. Para o estudo, foi fundamental o acervo da Biblioteca Nacio-
que houve, por parte de Leozinha, coerência e fidelidade. nal, constituído de manuscritos autógrafos e de obras impressas, sobrema-
Carlos Penteado de Rezende realizou um minucioso estudo sobre a in- neira a apreciável e quantitativa produção para piano.
fância e a adolescência de Henrique Oswald - passadas em São Paulo - , O arquivo particular de Maria Isabel Oswald Monteiro, neta do compo-
sobremaneira baseado em fonte documental representada pelos jornais da épo- sitor, é, certamente, a mais copiosa fonte documental concernente a Henrique
ca. Carlos Oswald, filho do compositor, com razoável fidelidade quanto a datas Oswald. Pedra angular do amplo material existente, visando à construção de
e acontecimentos, revelou em sua autobiografia fatos coloquiais da vida de um corpus oswaldiano abrangente. Uma visão memorialista da família Oswald
seu pai, que guardam interesse ao presente estudo. Artigos em revistas espe- fê-la narrar a trajetória do compositor, com a certeza de ser ele um persona-
cializadas ou comentários constantes em obras sobre a música brasileira como gem que permaneceria na História pela qualidade. A narrativa do cotidiano,
um todo, geralmente fundamentam-se ou em episódios da vida do compositor do pormenor, do percurso musical de Henrique estão gravados com fidelida-
ou mais raramente nas criações musicais, trazendo, preferencialmente, o dis- de, estendendo-se de 1841 a 1936, ultrapassando pois as fronteiras da exis-
curso repetitivo. tência do músico e tornando-se a evidência de uma saga exemplar dos Os-
À precária bibliografia antepõe-se uma farta documentação existente walds a percorrer o pleno romantismo, da aventura não necessariamente
em arquivos oficiais, bibliotecas e arquivos particulares. musical à tranqüilidade aparente, da absorção do acervo cultural do período
O Arquivo Nacional contém, no ap. 30, dois livros: número 11, onde se ao requintado filtramento do mesmo no ato da criação.
encontram 186 cartas, bilhetes, telegramas de pessoas ilustres e amigas para A fim de melhor focar o personagem central, Henrique Oswald, traçar
o compositor; número 12, onde estão guardados 430 recortes de jornais cor- o perfil de seu pai, Jean-Jacques, mostrou-se fundamental. Inúmeros docu-
respondentes a críticas, comentários, artigos e notícias sobre Henrique Oswald, mentos concernentes ao genitor-aventureiro-abolicionista-idealista servem, in-
k clusive, para uma melhor compreensão do período histórico, onde se insere
numa seqüência que se estende através dos últimos cinqüenta anos do pianis-
ta e criador. No mesmo livro, recortes sobre Carlos Oswald completam a a denominada "Revolta dos Parceiros".
documentação. Cartas de Jean-Jacques, diários da mãe, Carlota, e da mulher, Lau-
Sob outro prisma, considere-se que o livro 12 foi montado pela família dômia, missivas desta ao filho, Alfredo, numeradas, datadas e, sobremaneira
Oswald, sendo que a filha Sissy doou-o ao Arquivo Nacional algumas déca- abundantes, possibilitam seguir os caminhos percorridos por Henrique e pe-
das após a morte do compositor. Ocorre que muitos dos recortes colocados los outros O.swalds. Por sua vez, o próprio compositor escreveu poucos


20 I Henr-ique Oswald
·s.,~

·f~
O personagem e sua saga I 21

na estética da emoção, vindo ao encontro do que era aceito no período.


textos. Algumas cartas foram conservadas, assim como o importante "diário
Através desta vastíssima recepção crítica exercida tantas vezes competente-
de Munique", destilação que leva à compreensã0 de parte do mundo interior
mente por estudiosos como Mathis Lussy, Saint-Saens, Diémer, Félix de
de Oswald e de seus pensamentos voltados ao lugar idealizado, Florença. À
Otero, Viana da Mota, Oscar Guanabarino, Darius Milhaud, Mário de Andra-
toda esta documentação juntam-se quantidade de manuscritos autógrafos,
de, Rodrigues Barbosa, foi possível, após leitura, separar e compreender, com
partituras impressas e farta documentação iconográfica. '
a distância de aproximadamente wn século .das críticas citadas, os vários
A partir das fontes documentais e da ôibliogra:fia existentes foipossrvet
gêneros por Oswald freqüentados, tecendo diagnóstico estético, estilístico e
realizar um levantamento biográfico que, pela própria natureza, torna-se sem-
sobre o nacional cosmopolita encontráveis em sua vastíssima produção; e
pre incompleto. Quando sentimos a ausência de determinados segmentos dos
sobremaneira entendê-lo enquadrado nas vertentes românticas vigentes na
diários, extraviados através das décadas, os programas existentes na Biblio-
Europa nas fronteiras dos séculos XIX e XX.
teca Nacional e os recortes de jornais guardados no Arquivo Nacional servi-
Realmente, é Henrique Oswald um autêntico compositor romântico? É-
ram para preencher, com o desejo de precisão possível, a trajetória do com-
o, a partir dos ascendentes e do ambiente favorável; é-o, na opção estética
positor.
mantida durante toda a sua trajetória.
Quando foi procurada uma bibliografia abrangendo o movimento ro-
Torna-se significativo o silêncio de Henrique Oswald quanto a determi-
mântico, a estética da emoção, estilo e nacionalismo, basicamente foi consul-
tada fonte estrangeira. Oswald, na Europa, prende-se às vertentes românticas 'f nados pontos relevantes de sua existência: afeto, política, engajamentos, teo-
rias. Oswald é pianista, compositor e professor. Os narradores falam por ele
e à estética da emoção; e é nesse campo que entendemos dever-se buscar uma
em assuntos do cotidiano. Quanto aos estados de alma ou participação fora
tentativa de explicação de sua obra. Em sendo esta européia na essência, o
desse cotidiano, há discreto silêncio. O "diário de Munique" é, sob outro
estudo visou à construção das preferências musicais oswaldianas e de seus ·.t
;~ aspecto, o grito interior de quem sente a impossibilidade do combate externo.
resultados na trama da textura musical, necessariamente embasado em fonte
! Quando impasses se nos apresentaram, buscamos no psicanalista Eduar-
bibliográfica da Europa.
do Etzel o aconselhamento competente. Em trabalhos anteriormente publica-
Frise-se: é constante a citação de autores brasileiros que dissertam sobre
dos em Geneve pelas Editions Minkoff, o referido especialista já nos formu-
o nacionalismo musical no Brasil. O conteúdo dessa fonte bibliográfica, em
lara tentativas de explicações sobre determinados conteúdos do mundo inte-
sendo a antítese da estética oswaldiana, está presente no trabalho, a fim de
rior de Debussy, Scriabin e Mussorgsky. Quanto a Henrique Oswald, a ele
se enfatizar a tentativa de uma "desmistificação" do discurso condicional, que
submetemos certos quadros "silenciosos", daí surgindo reiteradas hipóteses
buscou, desde o advento teórico do nacionalismo brasileiro, evidenciar o se
sobre o inconsciente do compositor.
Oswald tivesse aderido ...
Sob o aspecto da utilização de toda a documentação trabalhada, tería- *
mos a acrescentar que, determinadas vezes, documentos ou conceitos envol- ···~
O presente livro apresenta-se dividido em três partes distintas. Numa
vendo Henrique Oswald podem estar "aparentemente" recitados nas três partes
primeira, delineia-se o homem-pianista-compositor Henrique Oswald, resga-
do presente livro, quando em contextos distintos se fizeram necessários. Na
tado desde antes do nascimento a partir de documentação fidedigna, sem a
ocorrência de tal procedimento, buscamos basicamente lembrar ao leitor ci-
tações anteriores.
Chama a atenção a quase unanimidade crítica sobre Oswald durante
1

qual mesmo a formulação de hipóteses poderia parecer delirante. Numa se-
gunda parte buscou-se explicar o "olhar aristocrático" do compositor, os
silêncios misteriosos frente ao discurso oficial, a filiação estética, questões do
toda a sua trajetória como intérprete e compositor. Pareceria improvável que if,
estilo e a presença, em sua obra, de um nacionalismo universal.
os críticos da Itália, França, Alemanha e, quantitativamente, de São Paulo e
Na tese de doutorado apresentamos uma terceira parte, constante de um
Rio de Janeiro se tivessem lido mutuamente. O que surge como explicação
segundo volume, onde pormenorizou-se a obra para piano de Henrique Oswald.
mais viável, somando-se à competência da escrita, é a permanência de Oswald
22 Henrique Oswald
O personagem e sua saga I 23

tuto Nacional de Música; (Arq. part. MIOM) - Arquivo particular Maria


Nela, a título de ilustração analítica, 106 exemplos musicais destacam prefe-
Isabel Oswald Monteiro; (Arq. part. JEM)- Arquivo particular José Eduar-
rências oswaldianas. Em não sendo o precípuo objetivo deste livro a análise
exegética, a resultar em texto rigorosamente acadêmico, reduzimos à essen- -~ do Martins.
·rf-
.--
cialidade os segmentos daquela parte, evitando quaisquer exemplos extraídos
i

--
,.
das partituras escritas por Oswald. l~
Concentramo-nos inicialmente na destinação da peça curta e as titula-
ções por Henrique Oswald empregadas, seguindo o usualmente utilizado por "'
seus coetâneos. Esta concentração privilegia, ainda, segmento não-musical,
no caso, o desenho praticado pelo compositor, visando a unicamente eviden-
ciar a presença marcante do extramusical, transparente, preciso ou, quando
então, inconsciente e inquisidor; a indicar sendas esclarecedoras à compreen-
são de parte considerável da obra de Henrique Oswald voltada ao descritivo
ou à impressão ou mesmo à carga óptico-sensitiva a se tirar do sugestivo.
Extraíram-se igualmente deste segundo volume os princípios da causa
"mater" que dificulta, ao longo das décadas, uma catalogação da produção
oswaldiana ou precisamente o ter-se perdido o compositor na numeração dos
opus, a provocar obras diversas abrigadas sob um mesmo número. Um último
capítulo destina-se ao Oswald para piano solo, publicado ou inédito. Inserem- -i'
t
se, pois, estes quatro capítulos numa terceira parte, necessariamente reduzida 1
-,~

pelo contexto. A esperança sempre teremos de uma futura publicação, não '~'

apenas do texto analítico focalizando a obra para piano, como também, et


alii, das análises de outros segmentos da vasta produção do compositor.
Buscou-se ilustrar o presente livro com uma documentação iconográfi-
ca, que apresenta Henrique Oswald em várias fases de sua existência, dos
quatro anos de idade até o peristilo da morte. Apesar de médio burguês, há
a constante presença do olhar aristocrático. Alguns desenhos realizados pelo
músico, que exercia na descontração o desenho intimista, e programas onde
~
consta seu nome como intérprete ou compositor, completam o material ilus-
trativo, que ajuda uma leitura mais inteirada deste compositor singular. 1
ª
'.~

* 1
.'f
~!
A indicação das fontes documentais consultadas para a elaboração da ,j
pesquisa original, que resultou neste livro, foi expressa através das seguintes -~
--~
siglas: (AN)- Arquivo Nacional; (BN)- Biblioteca Nacional; (FD-USP)
-Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; (IEB-USP)- Ins-
tituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo; (INM) - Insti-
.'~
:;;~

Origens: infância e incertezas

Henrique Oswald nasceu no Rio de Janeiro, à Rua do Ourives, aos 14


de abril de 1852, tendo sido batizado aos 17 de abril, na Paróquia do Ssmo.
Sacramento da antiga Sé do Arcebispado de São Sebastião do Rio de Janeiro,
à Avenida Passos, sob os prenomes de Henrique José Pedro Maria Carlos
Luiz. Foram seus pais Jean-Jacques Oschvald, suíço-alemão natural de Obe-
raach, Kanton Thurgau - Suíça, e Maria Carlota Luiza Oracia Cantagalli,
natural de Livorno- Itália'.
Durante a década de 1840, Jean-Jacques, comerciante, empreende
com a mulher inúmeras viagens, entre as quais para Turquia e Argélia. Em
i Constantinopla o casal morou durante certo tempo, sendo que, em viagem
l
~ anterior e solitária à mesma cidade, Jean-Jacques escreve à sua mulher, em
J Livorno, sentindo-se ameaçado por pessoas que tentam impedir suas ativida-

i'f
i
2
des comerciais • No quarto trimestre de 1850, o casal parte para o Brasil, onde
Jean-Jacques deveria aplicar-se, em princípio, a desempenhos comerciais •
3

Após o nascimento de Henrique Oswald, Carlota permanece no Rio até


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meados de 1853, quando, juntamente com o filho, parte para São Paulo. A
viagem dá-se às sete horas da manhã do dia I o de junho de 1853, no navio
"Rio de Janeiro", com destino a Santos. Poucas horas após, na altura da Ilha
Grande, o barco incendiou-se, não sem antes ter sido desocupado pelos pas-
sageiros e tripulação. A grande quantidade de pólvora existente a bordo teria
4
sido a responsável pelas explosões pouco antes do naufrágio • O filho do
compositor, Carlos Oswald, narra que "por toda a vida Henrique Oswald
levou no subconsciente a impressão desse acontecimento. A fobia do estam-
pido, do estrondo, do trovão, acompanhou-o até o fim"'.
Chegando a Santos, Jean-Jacques os esperava. Fixaram-se em São Pau-
lo à Rua da Casa Santa, no 10. Nesta época, Oswald instalara uma das pri-
meiras fábricas de cerveja da cidade • . O empreendimento não resultando
lucrativo, abandona o projeto 7 • Uma das distrações do menino Henrique teria
sido as máquinas enferrujadas desativadas no quintal da moradia.
Inicia-se um período difícil para os Oswalds. Jean-Jacques partiria em
andanças comerciais, que o levariam a Campinas e Curitiba, entre outros
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26 Henrique Oswald
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O personagem e sua saga I 27

pontos; Carlota e Henrique permaneceriam em São Paulo'. Conhecedora de Estes primeiros anos são marcados pela incerteza. Carlota vive só com
vários idiomas, francês, inglês, alemão, italiano, e professora de piano, a mãe Henrique; ela estrangeira, ele, menino ainda, recebendo a carga maciça deste
9
de Henrique sobreviveria dando aulas, de piano preferencialmente • dialogar angustiado dos pais, não desprovido de afeto. Carlota pertence à
Carlota vive das lições, Jean-Jacques viaja. É um dos personagens que burguesia italiana e tivera formação cultural pertinente à sua situação social.
se envolvem na defesa dos colonos suíços no Brasil. Por suas idéias e atitu- A se julgar por suas cartas, o ser professora em época onde tal mister se
des, é perseguido em suas andanças, .sendo- reiteradas vezes. citado por Tho- mostraria raro, o conhecer vários idiomas elevam-na socialmente pelo inte-
maz Davatz, suíço que exercia a função de mestre-escola junto à Colônia lecto. Estes atributos, aliados à formação católica rígida, tornam-na resisten-
10
"Senador Vergueiro" em Ibicaba, na Província de São Paulo • te. As constantes viagens de Jean-Jacques nas condições já vistas teriam
Parte destes primeiros anos da vida de Henrique Oswald pode ser de- repercussões no pensamento de Carlota. Problemática financeira, ausência do
11
tectada através da correspondência entre seus pais • As andanças de Oswald marido, filho único após dois partos que não vingaram formam o quadro
levam-no a Campinas. Desta cidade escreve a Carlota, desejando para o filho propiciador da superproteção ao seu Enrico. A idade edipiana de Henrique é
o bacharelado em Letras e Ciências. Esta missiva reveste-se de significação, a da captação de ensinamentos europeus da mãe, da angústia permanente
pois Jean-Jacques posiciona-se sobre a execução de um escravo e os efeitos desta e da convivência com um modo de viver sempre financeiramente in-
que esse ato nele provoca 12 • Neste período, Carlota certamente tencionava constante. Que Carlota sofre, ou pelo menos transmite ao marido distante o
voltar à Itália. Na carta citada, Jean-Jacques dá razão à mulher por esse sofrimento vivido, é evidente. Em carta de Curitiba, Jean-Jacques explica
desiderato, que se realizaria apenas em 1868. Observa ser a terra prometida epicamente o porquê de não ser ele um bom marido 17 • Transmite na mesma
aquela onde a prostituição e o crime não estão na ordem do dia. Jean-Jacques, _t missiva o conteúdo daquilo que consideraria a sua missão na defesa de seus
durante o ano de 1H54, em outra carta, reitera o seu posicionamento pró- ·_,!)·.·
compatriotas ". As dificuldades fazem com que, por um momento, ele pense
negro, abominando a escravidão u. em partir do Brasil em busca de um pouso tranqüilo 19 •
1
À mulher escreve em francês. Esta, ao marido, em italiano. Este código
i Em inícios de 1856 escreve novamente à mulher. Esta carta reveste-se
de fundamental importância, pois Jean-Jacques posiciona várias de suas ca-
mútuo é europeu e não deixaria de ter forte influência na formação de Hen-
rique. É, certamente, nesta primeira infância que Henrique tem contato com racterísticas principais: aventura- sente-se sem sorte na tentativa de explo-
o piano. Em P.S. da carta de 16 de abril de 1854, Jean-Jacques escreve: "Papa rar a erva-mate, pois a concretização torna-se imprópria; nomadismo - in-
quer ouvir a pequena peça quando de seu regresso" ••. daga à mulher por que não viajarem para a Argélia; visionarismo - "tenho
O anúncio publicado no Correio Paulistano de 6 de julho de 1854 parece ainda idéias grandiosas". Tendo um de seus amigos perdido o emprego e
ter dado resultado em pouco tempo na pequena São Paulo, pois, aos 16 de no- sendo caluniado por seus subalternos, desde que não recebiam mais favores,
vembro do mesmo ano, Carlota escreve ao marido contando ter dado naquele Oswald se revolta e a desilusão está expressa na mesma carta20 • O agradeci-
dia oito aulas de piano. Igualmente tem alunos de línguas: italiano e francês. mento que faz à mulher, dos trinta mil-réis enviados, fruto das aulas de piano
As dificuldades de várias ordens, agravadas sobremaneira pela ausência em São Paulo e inseridos na missiva acima citada, é indício de que as cartas
do marido, ratificavam em Carlota a vontade de voltar à Europa com o filho. trocadas entre ambos poderiam ser detectadas e lidas pelos homens do Sena-
Jean-Jacques não a recrimina, sabendo que Henrique poderia ter fora do dor V ergueiro ".
Brasil melhores possibilidades de desenvolvimento, mas pede à esposa con- Na troca de cartas entre o casal há sempre um ambiente de atenção re-
15
sultar "pour cela Dieu même" • cíproca. Jean-Jacques pede a presença de Carlota e o menino para que se jun-
Quando em Curitiba, no ano de 1855, Jean-Jacques pede a Carlota tem a ele, sonhando em determinados momentos com a ida à África. Por sua
juntar-se a ele. Diz que em Curitiba há a possibilidade de muitas lições, cita vez, Carlota posiciona-se na vontade de voltar à Europa ou pelo menos per-
o preço das mesmas, insiste no convite. Sente-se perseguido. As cartas de manecer em São Paulo 22 • Delineia-se o impasse. Carlota sentira o desen-
16
Carlota, por segurança, deveriam ter outro destinatário • volvimento precoce do pequeno Henrique, este, depositário das esperanças da
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28 I Henrique Oswald i
j
O personagem e sua saga I 29

mãe, e, apesar do profundo respeito que tem por Jean-Jacques, a ele se juntar
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suíços e alemães e os homens do Senador Vergueiro permanecessem dora-
seria sufocar todas as aspirações para o filho, acalentadas no silêncio. Percebe
e narra, pouco a pouco, o desabrochar musical do menino. Essa certeza num
futuro ainda tão obscuro para o pequeno é traduzida, inicialmente, nessas
.I~. vante distantes. Nem por isso o espírito ligado à emancipação do colono e do
escravo desaparecia. Teve certamente outros entreveros. Escreve Carlos
Oswald:
missivas ao marido e, bem mais tarde, em diário. Nas cartas de Carlota a
Jean-Jacques, Henrique, em seus primeiros anos de vida, está sempre presen-
te: na doença, na saúde, nas brincadeiras, nas menções ao pai - "papa é
bonito, papa é buono", em pequena assinatura "Enrico", ajudado pela mãe e
escrita em italiano, o seu primeiro idioma. Inexiste o épico característico do
+-
]
João Jaime, por seu caráter e pelas suas empresas. tinha inúmeros
inimigos; alguns queriam liqiiidá-lo. Um dia, Henrique, menino de sete ou
oito anos, sozinho em casa, foi abrir a porta; dois sujeitos mal-encarados
entraram bradando: "Chama teu pai!". O pequeno, recuando rapidamente,
discurso de Jean-Jacques. A ausência da narrativa histórica possibilita o apa- ...t apanhou a velha espingarda do pai e apontando-a contra os assaltantes
recimento do afeto, do dia-a-dia com as aulas de piano, do desenvolvimento respondeu: "Papai não está em casa, saiam já!" Parece que um deles tirou
de Henrique e da preocupação com a ausência do marido. A insistência em o chapéu e disse: "Muito bem, menino!" 24•
seu posicionamento por São Paulo, captada não como definição mas como
transitoriedade, acaba por prevalecer. Por fim, Jean-Jacques instala-se defini- A partir de 13 de fevereiro de 1857, anúncios no Correio Paulistano
tivamente em São Paulo 23 • divulgam a atividade comercial de Jean-Jacques em São Paulo. Aderira ao
O regresso de Jean-Jacques a São Paulo teria como uma das causas a comércio de pianos e teve, durante os anos de desempenho no ramo, concor-
desilusão com a não-firmeza dos colonos, que se aproximavam novamente de rência restrita". Seguindo-se a trajetória dos negócios de Jean-Jacques, vemo-
Vergueiro. Compreende-se que nas cartas citadas por Jean-Jacques tenha-se lo inicialmente como depositário de pianos do negociante do Rio de Janeiro,
a visão de um europeu alicerçado em sólidas estruturas, observando o Brasil, F. A. Fiedler, estabelecido à Rua do Ourives, 19, que visava a expandir seus
não podendo aceitar as injustiças cometidas contra negros e brancos. Visão lucros tendo Jean-Jacques como representante em São Paulo. De 1857 a
de europeu cristão, culturalmente distinto do nativo brasileiro, fazendo per- 1868, Oswald desenvolve a sua atividade, passando ainda em 1857 a impor-
ceber esta diferença através da tentativa de reformar o mundo em busca de tar diretamente de Londres e Paris. Em 1859 associa-se a Peyre, passando a
uma comunidade ideal. Recapitule-se: estes quase três anos até a sedimenta- sociedade a chamar-se "Peyre e Oswald" 26 • No anúncio publicado aos 2 de
ção temporária em São Paulo apresentam, destilados nas missivas, relatos abril de 1864 no mencionado jornal, já não aparece o nome de Peyre, sendo
épicos por parte de Jean-Jacques: a abominação diante da situação do negro, que Jean-Jacques comunica ao público ter firmado com a Casa Henri Herz,
que não aprendera a rezar; o vício passado ao escravo; o horror à barbárie de Paris, contrato para venda de determinadas marcas em São Paulo. Verifi-
representada pela escravidão em seu limite extremo - a morte como castigo; ca-se que Oswald negociava com pianos de cauda em suas várias dimensões,
a vontade de ajudar a humanidade oprimida sobrepujando qualquer outra, a pianos verticais e horizontais. Por outro lado, Jean-Jacques mantinha a pre-
ponto de torná-lo "carrasco" da mulher; a distância de tipos de indução como sença, em seu estabelecimento, de afinador competente, de origem européia
a "caxasse", tida no caso Proprietário-Colono como fator de corrupção do como os demais que passaram pela casa comercial.
homem; o desânimo em ver fraquezas dos colonos que se submetem, fazen-
do-o desistir de desideratos maiores; a manutenção de todo o código europeu.
Esta parte do código de Jean-Jacques, unida ao de Carlota, este diferen-
ciado, ambos rigorosamente europeus, captados em parte por Henrique, so-
lidifica a sua estrutura "européia" no Brasil. A rejeição que o país propicia
ao pai ficaria no inconsciente, à espera de afloramento.
É possível que, para Jean-Jacques, os episódios envolvendo colonos
30 1 Henrique Oswald
A formação básica, escolar e musical

Quando do início da atividade de Jean-Jacques, Henrique tinha menos


de cinco anos. Tem-se, em período imediatamente anterior a este aconteci-
mento, um possível primeiro retrato de Henrique - desenho feito aos 28 de
27
setembro de 1856 pela amiga dos Oswalds, Maria Gabriela de A. S. Dantas •
O olhar do menino, de apenas quatro anos, é significativo. A iconografia do
compositor reterá a presença desta fixação terna e enigmática. Desde 1854
familiarizara-se fisicamente com o piano. Para uma criança em tenra idade,
conhecedora de alguns princípios elementares ligados ao instrumento, o vis-
lumbre de tantos pianos deveria ser incentivador. Observa Carlos Penteado
de Rezende:

Pianos ... Encaixotados uns, e descobertos outros, aqui um negro e


lustroso de meia-cauda, acolá um arranhado e em conserto, pianos, pianos
por toda a parte no depósito. Foi através dos vales sinuosos desse verdadei-
ro sistema oro gráfico de instrumentos que o menino Henrique Oswald apren-
deu a se mexer. Não admira que crescesse com a fascinação do piano".

A idade edipiana fora marcada pelo constante estado de angústia moti-


vado pela ausência do pai. Este, de volta à casa em 1857, é contrário aos tênues
anseios musicais de Henrique. Inicialmente, Jean-Jacques não pensava para o
filho a atividade de músico. Escreve a respeito de um futuro bacharelado em
2./'~ <~ Ciências e Letras; sonhara, igualmente, em ver o filho comerciante como ele.
Carlos Oswald reteve na memória reminiscências ouvidas pelos seus maiores:
Henrique Oswald aos quatro anos; desenho de M' Gabriela de A. S. Dantas.

Começou nessa ocasião uma série de desgostos para o pequeno futuro


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·~
músico, porque o pai, naturalmente, não queria ouvir falar de arte e dese-
java fazer do filho um bom comerciante. Repreensões, castigos ... daqueles

'
' usados naquele tempo ... severíssimos, às vezes injustos e que só eram sua-
vizados pelo amor e carinho de sua bondosa mãe, a Dona Carlota, como era
conhecida, professora de piano daquelas famílias fidalgas paulistas: os Pra-
dos, os Queiroz etc '"
32 I Henrique Oswald
O personagem e sua saga I 33

São desse período três pequenas cartas endereçadas a seu pai. Escritas
em francês, à tinta, certamente com total ajuda da mãe, evidenciam que
Henrique já trabalhava a caligrafia, pois os papéis estão marcados com linhas
a lápis, destinadas ao enquadramento das palavras. Há, igualmente, incorre-
ções quanto à língua utilizada. A primeira data de 25 de julho de 1857:

Mon cher papa, Accepte ce petit cadeau comme un gage d'amour de


30
ton Henri •

A segunda, escrita em 25 de julho de 1858:

Mon cher papà, En te presentant cette fleur, ton enfant t'offre peu de
chose, mais il te donne aussi son coeur, wz bon coeur vaut mieux qu 'une
rase.
31
Henri Oswald Catalli
(Observar o nome da mãe escrito erradamente.)

Uma terceira, de 3 de março de 1860:

À Mon Cher Papà, Petit souvenir pour le jour de sa fê te, de son Henri,
qui veut être toujours sage et prie Dieu de fui conserver pendant de longues
32
années son tres cher Pere!

Entre seis e sete anos, o pequeno Henrique apresenta-se em público. O


sucesso foi de tal ordem, que permitiu ao pai, afinal, concessão quanto aos
Fanu1ia de Henrique Oswald. São Paulo, 1860
destinos musicais do filho.
De 1860, uma foto apresentando os Oswalds. À direita de Carlota, o
pequeno Henrique tem, significativamente, a sua mão esquerda sobre o ombro
33 tutela até a partida para a Europa, em 1868. Se iniciou os estudos pianísticos
de sua mãe, professora e protetora •
Os estudos iniciais, realizados com a mãe, devem ter-se processado com Giraudon a partir dos oito ou nove anos até os dezesseis, deveria ter,
após a sedimentação técnica instrumental, iniciado contato com a composi-
com intenso aproveitamento. Aulas desde a mais tenra infância, convívio
ção, pois nos concertos que se realizaram em São Paulo, Giraudon não só se
com a mãe-professora, lúdico representado pela quantidade de pianos novos,
apresentava como professor e pianista, mas como compositor. Poder-se-ia
de diferentes cores e formas na loja do pai em sua própria casa, na São Paulo
acreditar que ao menos o gosto pela composição, em Henrique, teria surgido
provinciana, onde um piano usado já demonstrava a posição social, formaram
durante esse período de formação. Nesta época, igualmente, o menino-ado-
para Henrique Oswald quadro propício para o desabrochar natural, sem opo-
lescente freqüentaria saraus e concertos, dado o significativo fato de que seu
sições, doravante.
mestre atuava com regularidade. Teria despertado em Henrique o gosto pelo
Ainda menino, Henrique passa a estudar com Gabriel Giraudon, tido na
34 espetáculo 35 •
época como respeitado professor de piano em São Paulo • Com ele passa a
ter aulas possivelmente já em fins de 1860 ou 1861, permanecendo sob a sua
34 Henrique Oswald O personagem e sua saga I 35

Os estudos escolares, Henrique os desenvolveu no Pequeno Seminário Ahi vai o meu boletim e espero que esteja a seu gosto, porque eu fis
.:~
36
Episcopal de São Paulo, situado, hoje, no bairro da Luz • Apesar das difi- todos os esforços para lhe contentar, e se não estiver segundo o seu desejo,
40
culdades com a matemática, aplica-se não com brilhantismo aos conhecimen- prometo fazer para dehora em diante todos os esforços posíveis •
tos humanísticos. Anteriormente, a mãe iniciara-o no coloquial aprendizado
de vários idiomas: italiano e francês espontaneamente, inglês e alemão de As cartas aludidas, escritas em curtos intervalos, apresentam caligrafias
maneira mais formai. Algümas €aftas~S{;l"itas pelo ~danteOswald nli épo- cornpleta,meJlte ç]istinta.s e organizadas. D~monstram que duranteocurso no
ca do Seminário revelam um menino tranqüilo e cumpridor daquilo que se- Seminário, entre outras disciplinas, a caligrafia foi bem aprendida. A utiliza-
riam seus "deveres" como filho e aluno. Do Seminário Episcopal escreve em ção da escrita diferenciada serve como padrão de escolha. Durante toda a
1o de janeiro de 1861, aos nove anos de idade: vida Oswald manterá proximidade em relação a uma das caligrafias, a da
última carta citada. Continuaria, contudo, a tentar caligraficamente iniciais e
Meo pai paricia-lhe que estou aprontandome para os ezames que sea- assinaturas. Metamorfosearia, introduzindo ou suprimindo arabescos nas ini-
hão próximos: julgo serem no dia 4 de Fevereiro deste mez imidiato; no qual ciais, alongando ou não o traço terminal da assinatura. A precisão caligráfica
epregar todos eforses que me forem posivel para bem fazelo. Ahi vai meo será observada na notação musical, caracterizada pela nitidez e a quase au-
boletim para papai sabe/o 0 meo comportamento. Meo pai estimava muito sência de rasuras.
41
que a família esteja boa. Henrique Oswald ''. Conservam-se, até hoje, três boletins expedidos pelo Seminário e
que deveriam ser motivo de preocupação por parte do menino, pois cons-
A carta revela a presença de um menino desejoso de transmitir parte do tatada nas cartas aos pais. Dois estão datados. Um primeiro boletim com-
que ocorria com os seus estudos. Salientem-se duas palavras pertencentes ao preende as atividades entre os meses de setembro a novembro de 1862,
código ítalo-francês recebido da mãe: "eforses", "meo". apresentando Henrique Oswald como discípulo de terceira aula de "La-
Em outra carta não-datada, o menino Oswald escreve da chácara de tim", tendo as seguintes qualificações: "Conduta Religiosa", "Observação
amigos de seu pai, onde fora passar alguns dias. A mesma é explicativa desse do Regulamento", "Política", "Asseio", "Ordem e Economia", "Saúde",
período, pois Oswald não só revela tranqüilidade nesse passeio como inicia "Geografia": A - "muito bem"; "Aritmética" e "História Sagrada": E -
a missiva em inglês, continua em português e acresce palavras em italiano, "bem"; "Progresso na Aula": I - "sofrivelmente". Obtém, ainda, como
ratificando um código europeizado: lugar médio alcançado na classe sobre quarenta e um alunos, pela recita-
ção, 12°, pela composição, 17°.
My dear nzother. Iam very goet in Mr. Maglioni's (chácara). Mr. Nan- Num' segundo boletim, abrangendo os meses de maio a agosto de 1865,
dino are very gentil with me, eu me divirto muito, passo os dias muito bem, na classe da segunda aula de "Latim", o jovem apresenta: "Conduta Religiosa
somente me falta a companhia de meus caros parentes. Adeus cara mãe, e Moral", "Asseio" e "Economia": E - "bem"; "Aplicação ao Estudo",
abraça Papi de todo o meu cuore e credimi. Tua aff"'o figlio, H. Oswald. "Aula Especial de Geografia e História Natural", "Francês": I - "sofrivel-
N. B. Não tenho precisão de nada
38

mente"; "Progresso na Aula: O- "mal". Como lugar médio na classe, onde
estudavam dez alunos, conseguiu um sétimo lugar.
-~
Aos dez anos, escreve por ocasião do aniversário da mãe, 22 de setem- -~~ Num terceiro boletim, não-datado, onde Henrique se apresenta como
bro de 1862. Ainda no período do Seminário, uma carta não-datada é enviada discípulo de "Gramática Portuguesa", verificam-se notas mais signifi-
_f:

no natalício do pai 39 • Em ambas existe a presença de um contato direto com cativas:"Conduta Religiosa", "Observação do Regulamento", "Aplicação ao
os pais, sem abordagens de difícil interpretação. Uma outra carta enviada do Estudo": A - "muito bem"; "Progresso no Estudo": E - "bem"; numa
Seminário à mãe, sem data, evidencia a necessidade do cumprimento do classe de quarenta e seis alunos, obteria o 17° lugar médio pela recitação e
dever e o desejo de agradar: composição. Uma observação assinada pelo Reitor do Seminário, Frei Eugê-
"'~.:-

36 Henrique Oswald O personagem e sua saga I 37


I

nio, em francês: Il y a quelques fois sommeil pendant l'étude ". Naquele


estabelecimento de ensino Henrique Oswald desempenharia ainda a função
de organista da igreja, primeiro contato participante com a música religiosa.
Após os anos de Seminário, Henrique Oswald estudaria num bceu com
direção alemã. Do período escolar, a família Oswald conservaria dois signi-
ficativos exemplares. Um mapa da America Septentrional e Meridional per
Henrique Oswald, em grande formato e em papel vegetal, estando muito
cuidadosamente elaborado; e ainda um caderno de Geometria datado de 1867,
podendo-se perceber, apesar do esmero redacional, uma não tão forte destre-
41
za para o desenho geométrico •
O desenvolvimento escolar se processa, neste período, paralelamente ao
pianístico-musical. Contudo, ao piano é reservada a prioridade. A passagem
do aprendizado musical com a mãe para a tutela do mestre Giraudon verifica-
se, aproximadamente, à época da entrada para o Seminário. Em mãos do
professor francês a evolução de Henrique desenvolve-se celeremente.
Possivelmente apresentara-se em saraus e reuniões familiares. É, con-
tudo, a apresentação de 4 de abril de 1864, no Teatro do Pátio do Colégio,
a reveladora de um jovem talento, executando um programa de certa enver-
gadura: Le tourbillon, grande valsa de Giraudon em primeira audição; Tema
com Variações de Hunten, assim como acompanhando o professor em canção
44
:~
'to
J \,,~i)J~~
de Clapisson • O comentário do Correio Paulistano, no dia 10 do mesmo
mês, observaria:

O menino Oswald admirou aos assistentes pela descomunal inteligência


e estudo que revelou. Toca, para a sua idade, com apurado bom gosto. Quem
45
sabe se aí nessa cabecinha não estão os germes de um futuro gênio musica/! •
46
que Oswald e algumas "distintas senhoras desta Capital" • Neste programa,
Considere-se: Giraudon não confiaria uma primeira audição de uma o jovem apresentou em primeira audição na cidade, o Convite à Valsa de
obra de sua autoria, ainda mais uma Valsa Brilhante, se Henry não estivesse ~ Weber.
apto, compreendendo-se ser ele próprio pianista e executante de uma também Em continuação a toda transferência de parcela do código europeu es-
Valsa de Concerto; a prática de acompanhamento, exercida aos doze anos, é pecífico, Jean-Jacques não descuida da documentação legal do jovem filho.
indispensável a um músico que se dedicaria proficuamente no futuro à pro- t O certificado expedido em 6 de outubro de 1867, pelo Vice-Consulat de
dução camerística. Suisse - São Paulo, declara Henrique Oswald cidadão suíço 47 •
Com o início da guerra contra o Paraguai, campanhas são feitas, a fim Aos 20 de outubro de 1867, há apresentação de um espetáculo-concerto
de se angariarem fundos. Em um grande concerto realizado no salão da em benefício do menino-pianista Luiz Emílio de Vasconcelos. Henrique
Sociedade Concórdia, aos 15 de novembro de 1865, em benefício dos Volun- participa. Retenha-se o programa, bem ao gosto da época, evidência daquilo
tários da Pátria, dele participaram alunos de Giraudon, entre os quais Henri- que se via e ouvia; o caráter grotesco e diletante vigente na terceira parte, com
O personagem e sua saga I 39
38 Henrique Oswald

ViJ . .. . ~\ a apresentação a quatro mãos, juntamente com o menino Vasconcelos, de sete

~ THEATRO ~6.f}
anos e meio, de duas composições deste; a promoção com fins beneficentes
para o menino virtuose. É deste ano a foto do adolescente Henrique: cabelos
em desalinho evidenciam uma fronte ampla a caminho da calvície precoce.
Domingo, 20 de Outubro de 1867 No dia 1o de abril de 1868, o jovem participou de um concerto, onde
Espechu·ttlo-•·ou<·PI'Io em hPnetido dn uu·nino t•innistH fh• 7 •· mt-io 48
auuo...;. figuraram Braz.!1io ltiberê da Cunha e o _poeta Castro Alves •
LUIZ EMILlO DE VASCONCELLOS Os negócios de piano de Jean-Jacques transcorriam a contento. Conse-
lh~110i~ qut' o urchl!.-.tnl toçar umu ou..,~l·tm·n ~o1·rerU o espectaculo da maneira .~eguinte ·
:·_-} guira, inclusive, comprar um sítio na Chácara da Floresta, hoje Ponte Peque-
I'JIIJIEIH.1 1'.1/ITE _(

0 11
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~~~n~~~~~:>(:~~~_-~~~~~~;;~; 1 ~:.e~f~i;1 ,\l:il~~c~t~r, .'.~~::,~/~~:i~~~~~~;:=~~~, 'Joe p.~~~.u4t~ 1~r:~ !•fllt ·uo SOBBI' na 49 • O retorno à Europa, acalentado por Carlota desde os primeiros tempos
.W.'I;L\/U I'.IHTI:.' no Brasil, parte para a concretização em meados de 1868. A situação finan-
JA TENHO \OI\'\ ! ~cenH-o.:oulio·,. oru1ulo1 de uu1..;,u:n, .. denempenhru.l11. pelo tliMiucto
actor .ToRo fo:toy
J'f.'/11.'/,;/11.1 1'.1/ITf-'
ceira relativamente cômoda dos Oswalds não invalida a montagem de um pro-
tJ heueticiadu. Rcomp11ulwdn pelo w<~uiuo H~uritpw thw11ld l"llut~tgt~~lli, toc~t1-ir. ume lin-
da faDtasia ht-~pnnhola. u •t!Hllrn mA.o.~. ""uwR homtl\ \ s\Hil tAtnhPm a qurttro mllos de SUA
grama visando a angariar fundos para a viagem de mãe e filho. Um espetá-
~
composiçollo
culo-concerto realiza-se em duas apresentações com o mesmo programa, em

I
(11.1/1'/'cJ l'I111'E
O meuino \'a!iconrP-II•r,; torflrá 11m~ i":intH~ÍA riM rrpl:'t'a tK\YI \T\ por Ho ...f'llen, ~O )JI:'!I.:·
RRRR do Trovador
1)1'/,\1.1 I' A fiTE
_I 28 de junho e 3 de julho de 1868. Saliente-se a diferença entre os programas
de Henrique e do menino Vasconcelos, ambos beneficentes, constando naquele
(.:}I, 1-'_RUGHJ-::":•'i~"l'.\ U!•: g:.W \X , l'l•:l'l·:t; n~IIIIU, :>eCIHt-o:umicn om'lrbtr de IA~
ea:rpenhada reJo sr . .JoAo Jo:l<>.\'
.~J: ''.I I'. I /1 l'f.'
tJM.-
i ~~ não só a menção ao ilustrado público como à distinta corporação acadêmica,
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o~ua c~!n;:~i~:~~ .~~~:1~-~~~~=::!.'''~ ;p~•:'·,,!";,','!l'~ ~!~~~~~~·,,"\~~~;,•;=~~~~;t~~.:'a~:~~~~~n t~•;:.;~~


8 1 1 'i referência elitista aos componentes da Faculdade de Direito do Largo de São
aia da. opem Su\1:-;'·'IUI'l.A.. por .1. l.e_rbach. ·~
SC/'fJ/.1 I'Afl'fl:' Francisco 50 ; o Tema e Variações em Lá menor de Thalberg e o Mouvement
11 !"li. :O::IMPL!f'l(l i-;:0.1 :-: 1'..\.l"l.tl, ,;r:tmn.-comica ill'nMrltarl"' mn:'if'JII, N1111posiç-ao rle um '4 Perpétuel de H. Ravina, obras de execução difícil; a presença do Professor
~!
olistincto ac&demko, dEu•emptmluulll pdo nctot• .JrrAO Rloy

1'/.TU/.1 I'.IRTf;
G. Giraudon na execução a quatro mãos, com Henrique Oswald, na obra que
varia~:~~i:~~:~~.01~::~~·1nt;d:r!~t~~e~i~~t~,~~~~~~~!isia~n\_~ft~~:d:Rd:p~is :~~~~:~!~!'r~llt~~
~

car o hymuo de n. Luiz. finaliza o programa, e a presença da atriz Eugênia Câmara a cantar a música
Os bilhete~ podem desde jM ser proc'Jrndos no hotel l.etebre e no Ha!Ao Ac.ademlco
Commercift.l, 110 h1rgo de Paht.cio.
O espectaculo só ~>e tran!<fet·e !!e cho\·er na horu. de ~e ubrir o t!<eatro. l'mll ~irandol& de Giraudon. Aos 5 de julho, o Correio Paulistano salientava que "o Prof.
de roguetes !lerfl o signal
tle qut: o espectoculo nao roi tranferido
O mf'nino V~~concello!J e.:1pe~u a _nunco de_:-~mentida protect;9.o do nobre coqw ft.cademi·
ro do<~ seus patrtC!0!-1 e do.i lwsp•taletro~ 1''\Hlista~ Mr. Giraudon tem direito a gloriar-se de tão esperançoso discípulo"".
' Tewlo o menino VasconC'e:ln~ de !il!' rt>tirar partl Campinas 110 dia :C~ do corrente, p.-de
,, 11eRiie já. or.trtt.decr., a todft.s as. pesson:-1 qne SP. diguãrfl!m aceitar bilhetell para o seu beoe6-
cio o e .. pectali~iroo f~t.\'or t!P. cntreg-aremn~ liLIHS e"portulas. dentro de nm etl\'~ppe recb..to Em fins de julho dá-se a partida para a Europa. Durante a viagem
l'O~ 0 nom~
primeirll ve7. d••
pellsoa 1t. fJU~IIl pt~rtcnct• t:•l:i pnrtenros da plat~a e cadeiru. Depoi11 dt~tocar a
cot-r•tr,í. o~ r:ntn••rotP.~ p~trrt o :ne~rn1 R.m, rt>c1-1lrendn tambHm aeMa occa~illo os
Carlota escreve ao marido. Enaltece as qualidades do filho. Este acompa-
b•ll•Ptesdellf':i. ti meniuu Ül7. C'>tt~ p•·•lid" ntitu tlt' tJ>IO' 11 Slllt dagem nKo .:~ej11. retRrdada por CIIU-
aa dttl'nhrnnç& semprP 11\0!"l)>ll\ r• inrou!1ur•dntlv11 p&ra H:( JH~iiOI\i "'quem .il;) \"Ri importunnr.
o~ !teu_hor~!J que ht~n•ntlo Hc~itallo hilhul~~ nAo as11i.>~UI.o ao P-~pectR<":nlo, tt•rAu
( l
,....\~~ H Rmflhilularle ft'mettt•l' a >ltH• r.:lpnrtuiH flú hotf'!l LP.!P.bre, A" qu~. !4~ lhe!~. tt.gradet'~. ~
nha, em leitura à primeira vista, urna cantora aluna do Conservatório de
"-v1 _. Vrml't(H& 1\:-~ !-1 h•>r&.il .~

·~ @'l Milão. A mesma assegura que, no estágio em que se encontrava, Henrique


Typ Amrricuua não teria dificuldades em ser recebido no estabelecimento rnilanês. Comenta
alguns desenhos feitos pelo filho durante o transcurso. Esta prática não será
abandonada e deverá servir de subsídio à compreensão do conteúdo da
parcela descritivo-musical da criação do compositor. A missiva citada é a
presença da mãe disciplinada, ciente das qualidades do filho, preparada para
52
novo desafio •
Henrique escreve agudamente ao pai durante a viagem. A carta, em
italiano, demonstra a inquietação do jovem: "esta viagem parece-me longa
ao extremo, não vejo o momento de chegar para poder estudar"; ratifica um
posicionamento alegre com o piano: "a única distração que temos é o piano";

~
:~
40 Henrique Oswa!d O personagem e sua saga I 41

a longa convivência com referência às artes e à lingüística estabelece pre-


ferências: "Estamos a bordo com um jovem senhor, Raphael Fiesintino,

THEATRO
E!SP l~CT ACU~ ..0 4 00N'III::::'FJR•CO
músico, poeta, negociante, pintor; ele é muito instruído, fala francês, inglês,
alemão, espanhol, grego e latim e, além do mais, é amabilíssimo"; a diferença
de classes: "mamãe não se encontra bem em sua cabina, pois reparte a mesma
EM 111-:~EFH.:JO llO JOVfo:~ PIANISTA HJUZILEIRO
53
llR:NlUOt:Ji: ill!WAJ>D com damas muito ordinárias" •
ll!SCIPULO llE G. GIRAUllON A carta de 1o de setembro do mesmo ano, escrita de São Paulo por Jean-
DOMINGO, '28 DE JUNHO DE H!6!!
Jacques a Carlota, traduz a vontade de que nada falte a Henrique nesta nova
PROGRAMMA
1.• PARTI-:.- Ph<~ntnsta hrilhnntc~ohre motl'os da l:•~avorJtn, •Omt•nst<t t•or
etapa. Sexagenário, Oswald permanece só e esta situação faz com que se
A~chcr, t' ClCCUlilÚ!l !Jt'ln jon•n Osw~ld.
revele à mulher 54 •
i\Clo:::, ,;~··.h~:~~~fdE11. ;.,~-~ _"f~~ge~~ac~'~"":t~~~~hi;~ drautatic;~, da inten·~~.,nte t'<lnu•tlta t•rn Uous

O comércio de pianos continuaria durante algum tempo para Jean-


ANJO E DEMONIO Jacques, até o seu retorno definitivo à Itália. Compra e vende instrumentos.
:1.• I'AlffL- Ph;;.ntn~iõt <~quatro màos ~ohn• rnoli\!IS de .1Iernau1, ronq•usta
pl'los irmáü~ lhll<"ma, .. ('Xf'<'Ulada pelo bcncfic::ia!lo e G. Giraud•Jo.
O piano de Carlota e Henrique, propiciador de recordações, é entregue pelo
4.• PAHTE.- 2. 0 11cto lia comedia. marido e pai ao Seminário para ser conservado. Dificuldades financeiras
S.• PARTE.- Thtma ~ nl""o tr11 LA! lli61or, composi.Q p"lr Thalberg c I'~E'r•1t.adu
P"lo m,.ninoOs"ald.
fazem com que Jean-Jacques o venda em 1869. Retoma, após, à Europa.
6.• PARTE.- 8m11Jt d'amour, roma11ce~m pala•rijs, Y<Uiado, t:Oinpuslo (' Cll'<'Ulatlo
por G Giraudon
Considere-se que, em São Paulo, os Oswalds contavam com informa-
7.• PAUTE.- L' unto do e'l:lliu, mt•lodia! canl;ul,l peb t.hsliol:la aclrn: d. Eugt-ma Ca-
mata.- Pors111 do 1<'8d<'mico Carlos Ff"rmira, musica d" G. Giraudon.
'
~~
ções sobre o desenvolvimento pianístico na Europa. Ainda durante a viagem,
8.• PARTF..- Mout:emtr~tp•rpillltl de H. Ravina, e-xtcutado ptolu two .. ~·firiaoln.

media;
9.a PARTF..- Pela comp,anhia dramatica a st"gunda ropn-sl:'uta-:-llo da cspmluos.J t·o- a destinação deveria ser outra da que foi realmente. Carlos Oswald afirma

'
:MgiA HORA DE CYNISJ\1!0 que Munique se posicionava como etapa de estudos, onde Henrique deveria
Com musita do sr. Eruilio rio Lago. POl'sta do sr. (llstru Al.,.cs.

lo.• PARTE.- lo'iuah~aril Ot>spedllrnle rom a grar1dr phanlAsi.-. a <(Ualro mão<' !'obrr
J estudar com o velho von Bullow, genro de Liszt e um dos mais importantes
moÜYos dt~ Lu.?rocla. Bo:rgla, composl.l por !Uessmat"chrr, r. e:t('Cutad<~ pl!lo Ut>-
nf!Ociado e G. Grr;~udon. pianistas e músicos da época. Contudo, "o navio desembarcou os passageiros
do I:St.'l ~~·~:1~:~~a ~~~:·:~~~-c~~.~~r~~~!r i~~~~s~r!d~u~~f.1 i;,r•::::~t ~ 1 -!~~~a~·~~~ d,j'i~:, ~~~~c~~~p.~ ri~~~~
0
\
1 11 1 1 em Gênova; a família Oswald deu um pulo até Florença, só para passar
academtca, lllll" tospenJ toda a <'O.:ldJoVação, pdo l.jU•~ dt'~<k j;i s.· runrt·~.<a profun.iamrult• grntt•. 55
O Pspecl.aculoJ cunn!çaró. ;i lwra du cv~tllml·.
alguns dias, e lá ficou Henrique Oswald até 1895!"
Ao partir para a Europa, Henrique Oswald leva bagagem musical razoá-
vel, formação pianística de certa solidez, conhecimentos técnico-musicais
Typ. do YPIRANOA, rua do Ouvidor, n. 42.
limitados e o convívio com repertório pianístico de valor discutível. A estru-
tura básica do homem Henrique Oswald definida. Deixa um país que, na
essência, sempre fora transitoriedade. Civil e moralmente, a nacionalidade é
suíça, podendo, aos vinte e um anos, optar pela brasileira. Em todo o quadro
desenha-se o não-retorno e a fixação definitiva no continente europeu. Lá, a
sua adaptação deveria se processar como que em continuidade. Os idiomas
italiano e francês lhe são inteiramente familiares. Quase todos os códigos
apreendidos por Henrique no Brasil foram europeus. Passariam na produção.
Aos dezesseis anos embarca para a Europa. Foi um brasileiro por acaso.
Só retomará para ficar em 1903. Como brasileiro por opção definitiva.
42 I Henrique Oswa!d

Os primeiros anos em Florença

)/

-· ,~";; Gênova foi o porto de entrada na Europa. Florença, a cidade que,

~·····:. "" l
transitória nos desideratos, resultaria na permanente moradia por três déca-
das. Entre os arguJTlentos para a fixação em Florença: Carlota ser italiana, a
56
existência de alguns amigos e o ambiente cultural •
.; É certo que Henrique Oswald nunca chegaria a ter uma vida totalmente
à l'aise, sob o ponto de vista financeiro, pois exerceu a profissão de professor
de piano até o dia da morte. Contudo, os primeiros anos vividos na Itália
foram de extrema dificuldade. Em meados de 1869, Jean-Jacques retoma à
Europa e, juntamente com a mulher e o filho, passa igualmente a lutar pela
difícil sobrevivência.
Em Florença Henrique Oswald se estruturará como pianista e, sobretu-
do, como compositor. O embasamento musical será multifacetado. Entra para
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?
o Instituto Moriani, estuda inicialmente contraponto, harmonia e composição
com os Professores Maglioni e Grazzini; piano com Henry Ketten e, poste-
riormente, com Giuseppe Buonamici. Estes são basicamente os professores
que encaminham os estudos de Oswald. Pode-se seguir a trajetória do pianis-
Henrique Oswald aos 15 anos.
ta e compositor através dos programas em que participa e de dados colhidos
no diário de Carlota.
Sabe-se que, aos 31 de março de 1873, Oswald termina uma pequena
57
composição "para a primeira palavra de agonia de Nosso Senhor" • Carlota
acompanha os primeiros passos de Henrique nesta nova etapa. É a partir
desta época que Jean-Jacques começa a preocupá-la. Teria tido um problema
circulatório. Em 1875, esta mulher, imbuída de catolicismo enraizado, obser-
va que Jean-Jacques volta a freqüentar o culto. Sabe que o marido não vai à
58
igreja há cinco meses e dez dias • Impressiona, como um todo, a precisão
quanto às datas em seus escritos. Cifras relacionadas aos parcos recursos
auferidos com as aulas de piano e às despesas rotineiras são constantes no
diário de Carlota.
Os anos 70 permaneceriam inseridos no aprimoramento musical. Carla-
ta e o filho dão aulas. Ela, num estabelecimento de religiosas e ele, por sua vez,
tem seus alunos. Um deles é particularmente notado pela mãe: M. Chaves,
44 1 Henrique Oswald
{,r,,~
O personagem e sua saga I 45

um americano milionário. A situação financeira acima citada seria a possibi- cuja origem não deveria ter vindo de seus professores italianos. Um exemplo
lidade de ganhos melhores? O certo é que M. Chaves é mencionado no diário típico: o Molto Adagio do Quinteto, op. 18, de 1887.
a cada aula dada por Henrique, que à casa do milionário se dirige duas ou três No diário, Carlota cita amigos fiéis. São permanentes as visitas mútuas.
._·,;i
vezes por semana para transmitir conhecimentos pianísticos. Deter-se em M. .11 Quase todos estes amigos estão ligados a princípios bem próximos. O rela-
~t'

Chaves teria explicações sociais "hierárquicas". Problemática de uma mulher ,;: cionamento é enriquecido pela constância da participação musical. Cantam,
médio-burguesa, que busca a ascensão social? Tomando-se como base os ~--~-
tocam música instrumental, não há confrontos, menos ainda polêmicas. Oswald
primeiros anos da década de 70, verifica-se que o magistério será para Oswald está em formação e a sua própria condição de "promessa musical", em meio
a principal fonte de rendimentos durante aproximadamente sessenta anos. social que busca apoiar-se em valores sócio-culturais-religiosos ligados à
Entre 1870 e 1877, Henrique Oswald estará presente em muitas das tradição, explica parte da aproximação. Estas relações estão à altura do seu
retumbantes "Riunioni Musicali" do Prof. Giovacchino Maglioni, integrando- desenvolvimento. Não há menção a personagens extraordinários, que porven-
se numa programação bem ao gosto de determinada camada burguesa, onde tura tivessem intluenciado Oswald nos vários aspectos do conhecimento
o grandiloqüente e o grotesco musical caminham juntos. O jovem pianista humanístico e saídos deste relacionamento amistoso.
quase sempre se apresenta com "quantidade" de colegas pianistas. Tocará nas Ambiente ligado a valores tradicionais da média burguesia; entusiasmo
seguintes salas: Instituto Moriani, Circolo Artístico de Firenze, Sala Brizzi e pela participação musical cujo repertório é preferencialmente romântico; fé
Niccolai, Teatro Pagliano, Teatro Manzoni, Sala della Societá Filarmonica. católica e posicionamento político-ideológico não-claro percorrerão a trajetó-
Na Chíesa di S. Barnaba apresenta-se como organista. Poder-se-ia dizer que, ria de Oswald durante as décadas vividas na Itália. Uma quase inexistência
nestes primeiros anos em Florença, Oswald seria um pianista comunitário, do discurso polêmico, tanto no diário de Carlota como nas cartas de Oswald
pois presença constante nas audições coletivas. ou nos jocosos poemas que fazia, retrata a não-contestação, a aceitação da
Os Oswalds integram-se à vida burguesa florentina. Fiesole será a lo- realidade a que pertence. A partir dos primeiros anos da década de 70, tenue-
calização escolhida para residirem 59 • Os manuscritos de Henrique Oswald mente, o compositor começará a evidenciar o seu potencial: pequenas peças
alternam inúmeras vezes os nomes dos locais da criação de determinadas para piano que, bem mais tarde, nas décadas de 80 ou 90 serão aproveitadas
obras: Firenze umas, Fiesole outras. No diário, a mãe precisa as datas das juntamente com outras destas décadas, formando coletâneas.
produções do filho.
Carlota mostra-se atenta, mesmo nos momentos mais críticos, ao aspec-
to exterior de Henrique, atirado ao "dandismo", após as inúmeras apresenta-
ções, característica igualmente do médio burguês que busca a ascensão 60 • O
vestir-se bem e o cuidado com a composição se integrariam num todo, cujas
origens viriam possivelmente do ter sido filho único e capacitado para uma
atividade sensível.
As amizades dos Oswalds são, basicamente, do seu nível social. Em
agosto de 1875, Henrique Oswald conhece uma família russa, visitando-a e
fazendo-se visitar pela mesma. É com lisonja que Carlota se refere aos amigos
russos. Estes deveriam ter conhecimento musical razoável, pois Carlota ob-
serva que a senhora russa achou muito bom o piano de Henrique. Teria este
conhecido, naquela ocasião, algumas obras do repertório russo? Neste perío-
do de formação, o p~ manuseio de produções de compositores russos
poderia explicar determinados ingredientes existentes nas obras de Oswald,
46 I Henrique Oswald
Laudômia Gasperini:
do casamento à narrativa do cotidiano
1~· >~ ~í-.-,~u-·

~~~ ~L·~ ~L .. ,~,_, ·!LJl.,_,~jL.~! ,:.~ .....


t~·f-- h)~ g~"'~ , tA·-~- ~ I~ .~-~~ f::-L:...--
Por volta de 1875, Henrique Oswald conhece Laudômia Gasperini, sua
futura mulher, filha de Ottavio Gasperini e de Maria Bombernard Gasperini.
J-.. ~· .JL--tf; _{,_ ""'"'vL,- / ~A-- "'-(}v~--
Ottavio dirigia o Instituto Educativo em Florença. Laudômia estudava canto,
~· h,~,, 1,, ·'""'--" )''J '/''""' J"o.<~J~ ~k .:....,A..~ o ,.,..,~·m,..;~
colaborando posteriormente nas atividades didáticas do estabelecimento de
~,,_~~" 1 '--'"'.;::, .:fi.-,_,_. />.<~L
a':L
u u () / seu pai. A jovem pertencia à mesma camada cultural de Oswald, sendo que,
~~'-~~ ~1~ financeiramente, por certo mostrava~se em situação de maiores privilégios. O
.E.-- r:-~,. ~Et-:v y~ «" ~?-....-- pai diretor de escola, o irmão Guido, violoncelista, que se tornaria bibliote~
~ k;t.J'..._ 04J(r j <VYV"'-D
1
fl--<- "':'~ J.f<.h. ~ A~ ,'YYVC·.. /.y:... cário e professor de História da Música no Conservatório de Parma , for-
61

'f' f 1~

~
• ·.;t. ~~ ....... ·UVV') ,,f_ ~· .,),:~D mam um quadro propício para a integração de Oswald no lar dos Gasperinis.
; ~~·j·~ ~· j;~ .Ly. . Teria tido Oswald ascendência sobre os Gasperinis? É possível que sim.
If J(
~"'" {"""'- j ;,_ C<V>~'t"'~
(9...._~ 0:-r~ ,0
D' •
. ~e-~-.---
Numa carta datada de 8 de janeiro de 1876, Laudômia, a irmã Mathilde e o ir-
mão Guido, protestantes, após reflexão, assinam a conversão à Igreja Católica
Romana, o que caracteriza um poder de persuasão por parte de Henrique
Oswald 62 • Laudômia, outra futura adepta dos diários, mostraria durante toda a

1.i
•i
sua existência fé católica, através de escritos íntimos e cartas a filhos e amigos.
Em casa dos Gasperinis, Oswald preencherá o lado afetivo. A integração

-~i em um Jar onde há jovens, descontração, carinho dos mais velhos, cativa tam--
bém o jovem compositor. O elo musical se estabelece igualmente e de manei-
~l ra acentuada. Uma canção intitulada "A mi madre", com texto de Ottavio Gas-
f perini e datada de 24 de abril de 1879, atesta esta proximidade"'. É Laudômia,
L~ Lau entre os íntimos, a cantora que interpreta a peça para o pai. Deste relacio-
~~ namento há uma carta escrita por Oswald por ocasião do aniversário de Otta-
~) vio, em 23 de abril de 1881, em que o compositor cumprimenta o futuro sogro.
A mesma é redigida em versos e Oswald ainda desenha um auto-retrato cari-
cato, em trajes típicos do Império Romano, além de uma lira, coroa de louros
e espada. Perceber-se-á, ao longo de sua trajetória, a autovisão sempre aristocrá-
tica 64 • O casamento com Lau realiza-se em 10 de novembro de 1881. Carlota
ausenta-se, a fim de deixar a casa para os jovens nubentes. Uma carta carinhosa
de Henrique a Lau, um dia antes da cerimônia contratual, revela estar sua mãe
fora das fronteiras da cidade por ocasião do casamento. Através dessa missiva,
sabe-se que Jean-Jacques não mais existia"'.
,a
·~
48 Henrique Oswald ·: }~.

Bolsista de D. Pedro II

Uma das razões da estabilidade financeira temporária de Henrique


Oswald proveio da Bolsa que obteve de D. Pedro II e que durou de 1879 até
o início da República 68 •
Quando em Florença em 1878, D. Pedro li recebeu, entre outras ho-
menagens, um recital de Henrique Oswald, realizado no Hotel de La Paix,
onde se hospedara o Imperador, récita esta constituída apenas de obras de
Oswald e na qual constavam trechos da ópera La Croce d'Oro, em três
atos, composta em 1872. Mostrando-se interessado em ajudar o jovem
compositor, D. Pedro II abre-lhe um caminho, encorajando Oswald que, em
carta, ratifica o seu desiderato em receber apoio financeiro relacionado à
montagem da ópera.
..-t
r Problemas de subsistência dos Oswalds, agravados pela doença do pai,
~ Jean-Jacques, são citados na carta de Henrique, que demonstra a subser-
viência do artista ao mecenas; a nítida diferença de classe social e as
fórmulas contidas na missiva denotariam, ainda, profunda tensão. Frise-se,
foi escrita em francês:

Majestade. O infra-signatário, fidelíssimo súdito de Vossa Majesta-


Laudômia Oswald
de, animado pela benevolência com a qual se dignou Vossa Majestade a
recebê-lo ao passar por Florença, anima-se a apresentar-se, ainda uma vez,
Oswald Gasperini, típica fusão de duas famílias afins, de burguesia, aos pés de Vossa Majestade, para representar-lhe como a idade e a doença
ligadas, no caso, por profissão, às artes ••. A participação musical da mulher vêm tornando mais penoso o estado de seu pai e de sua mãe, obrigando-o
e do cunhado Guido faz-se presente em recitais apresentados por Oswald, que a arriscar para vir-lhes em auxílio e recompensá-los dos sacrifícios por eles
também os acompanha ao piano. A sólida formação musical de Lau é ressal- feitos para que pudesse continuar seus estudos musicais em Florença.
tada em críticas de Florença, nas décadas de 80 e 90, e, quando da apresen- Eis porque resolveu o abaixo assinado fazer representar a sua ópe-
tação de Oswald no Brasil, em 1896 e 1897, louvam-se os seus dotes de ra "La Croce d'Oro", da qual aprouve a Vossa Majestade fazer executar
mezzo-soprano, as facilidades lingüísticas na execução de peças em italiano, alguns trechos.
francês e alemão, e a "escola" de nível. Oswald diria que Lau "cantava como Crendo com confiança na generosidade de Vossa Majestade, no
um anjo" 67 • interesse paternal 4e que dá Vossa Majestade constantes provas aos mais
humildes de seus súditos, proteção e encorajamento de que é tão pródigo em
relação às belas-artes, suplica reverentemente o abaixo assinado se digne
5o I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 51

.,~
Vossa Majestade tomar em consideração as suas súplicas, acudindo em seu rias em que se acha" 72 • Desta forma, a partir de janeiro de 1879, Henrique
auxílio, a fim de que possa realizar o seu desiderato, que não é outro senão ·~ Oswald passa a receber a quantia estipulada. Verifica-se, igualmente, que o
a "mise en scene" da ópera que compôs. E com o mais vivo reconhecimento Imperador, em vez de auxílio imediato para a montagem da ópera, preferiu
ousa subscrever-se. De Vossa Majestade Imperial, muito humilde e muito fiel oferecer a Oswald a pensão mencionada.
súdito. Em carta escrita em francês a Carlota Oswald, datada de 23 de março
(as) Henri Oswald- Firenze- 241411878
69
- de 1879,_ ('!Screvia o Barii9 ele J_avary, ratificando clara distinção de classes,
apreendida pelo músico solicitante:
't~
Aos 6 de outubro de 1878, em ofício, o Barão de Javary, da Legação
Imperial do Brasil na Itália, escreve ao Conselheiro Barão de Nogueira Gama, Tenho o prazer de vos comunicar que Sua Majestade o Imperador, meu
Mordomo da Casa Imperial, respondendo à recepção, em Roma, da carta Augusto Soberano, ponderando com benevolente consideração o pedido do
procedente de Henrique Oswald, carta esta que já tramitara por outras instân- senhor seu filho, dignou-se a lhe proporcionar, durante o prolongamento das
cias. Na mesma, um equívoco, pois apresenta Oswald como nascido em São suas difíceis circunstâncias, a pensão mensal de IOO francos 13 •
Paulo:
-r E, seguindo princípios ligados à moral vigente e à subserviência do
~
O suplicante nasceu na cidade de São Paulo, onde seu pai, cidadão artista à classe dirigente:
suíço, se achava estabelecido com loja de pianos e música. Há sete anos a
família Oswald veio residir em Florença e ali o Sr. Henrique Oswald apli- i
-,;f
Não duvido que o jovem Henrique Oswald saiba se tornar digno deste
ato de magnanimidade, através não só de sua boa conduta como pelos pro-
cou-se com esmero ao estudo da composição musical. Sem ser dotado da
capacidade excepcional que só cabe em partilha às mentes privilegiadas,
este brasileiro tem mostrado bastante aptidão para a arte a que se dedicou,
I gressos perseverantes nesta arte à qual se dedica. Faço votos para a reali-
zação de seus trabalhos; isto será um nobre meio de dar provas do reconhe-
10
e suas produções não são destituídas de mérito • cimento ao Soberano, Generoso Protetor das Artes 74 •

No pedido, o Barão de Javary expõe um quadro extremamente preocu- No balancete das despesas da Casa Imperial no primeiro semestre de
pante quanto à real situação da família Oswald: 1879, o Visconde de Itajubá diz que o pagamento iniciou-se no mês de
75
janeiro • O diário de Carlota fixaria, quase dez anos mais tarde, novos encon-
... o suplicante acha-se em grande indigência. Seu pai foi acometido tros com o Imperador. Em 4 de abril de 1888, Henrique Oswald entregou
por uma paralisia e o Sr. Oswald é o único arrimo de sua família, a quem algumas partituras a D. Pedro li:
mal pode grangear a subsistência com as poucas lições de música que lhe
tem sido possível obter em uma cidade onde tanto abundam os mestres dessa Sua Majestade as aceitou com prazer e prometeu assistir ao Con-
arte. Pode quase qualificar-se como um brasileiro desvalido, que pelo seu certo de quarta-feira. O Concerto foi aplaudido e o Imperador pareceu muito
bom procedimento toma-se digno de um socorro da Beneficência Imperial, satisfeito.
11
que lhe minore o estado de penúria a que se acha reduzido • Quinta-feira, 12 - Henri esteve hoje com a Imperatriz.
Sexta-feira, 13 - Henri e Lau foram à estação para dizer adeus ao
A Mordomia da Casa Imperial, aos 11 de novembro de 1878, indaga ao Imperador 16 •
Barão qual mesada se deveria marcar, sendo que, aos 15 de fevereiro de
1879, a decisão imperial é transmitida aos Ministros de Paris e de Roma. Se Carlota tivesse ido à despedida de D. Pedro 11, narrá-la-ia. O evento
Fixara-se a mesada em 100 francos, "enquanto durarem as condições precá- lhe teria sido exposto por Henrique ou Lau e a dimensão que Carlota insere,
52 I Henrique Oswald

reverenciando o Imperador com "aura" característica, distingue a hierarquia: Giuseppe Buonamici:


"Sua Majestade deu-lhe a mão por duas vezes" 77 • A concessão da Bolsa foi o professor abrangente
um passo decisivo para a reaproximação de Henrique Oswald com a Mãe-
Pátria, desvinculada de raízes nativistas. A retornada de consciência de ser
brasileiro, postergada desde a chegada em Florença, tem na atitude de D.
Pedro li - paternal auxílio para sobrevivência-estudo - uma da.s bases -
decisivas. Sob outro aspecto, a proteção do Monarca se estenderia a muitos Certamente, Buonamici (1846-1914) foi o professor que mais acentua-
outros músicos brasileiros 78 • damente marcou Henrique Oswald. Buonarnici exerceu profícua atividade em
Florença, sua cidade natal. Tendo estudado no Conservatório de Munique
com Hans von Bullow, obtém o primeiro prêmio em sua classe de piano,

! tornando-se mais tarde professor do mesmo estabelecimento. Datam desse


peçíodo algumas obras de câmara e obras para piano escritas por Buonarnici.
I Ao voltar para Florença, dirigiu a Sociedade Coral Cherubini, tendo
l sido professor de piano do Instituto de Música de Florença. Ao lado da
carreira de concertista, são abundantes os seus trabalhos pedagógicos relacio-
nados ao piano.
I Importa compreender que o mestre florentino exercerá forte influência
sobre Oswald, influência esta que abrange segmentos distintos: pianístico,

I didático, composicional, ambiental, cultural e relacionamento amistoso. Oswald


teria captado não apenas os ensinamentos pianísticos de Buonarnici, mas
também o gosto por um repertório de melhor qualidade. O retumbante per-
petrado por Maglioni não deixou em Oswald quaisquer raízes. O contrário se
l dá com o Professor Buonarnici. Verifica-se que, a partir dos fins da década

l de 70, há por parte de Oswald preferência nítida por repertório que até os dias
atuais é profusamente executado. Beethoven, Liszt, Chopin, Saint-Saens, Men-
delssohn passam a integrar o universo pianístico de Henrique Oswald e,
1 igualmente, o piano carnerístico.
Buonamici, desempenhando carreira de concertista na Itália e em outros
79
países europeus, foi tido corno grande intérprete • Importa considerar a pre-
sença de alguns programas em que Henrique Oswald executa com o mestre
obras de grande envergadura técnico-pianística, como os Prelúdios de Liszt
em transcrição para dois pianos e as Variações sobre um tema de Beethoven
para dois pianos de Saint-Saens 80 • Esta coparticipação é testemunha da com-
petência de Henrique Oswald corno pianista.
Buonarnici pode ter influenciado, igualmente, a disciplina pianística de
Henrique Oswald e conteúdos inerentes à especificidade, quando da criação de
obras para o instrumento. Foi o mestre florentino, juntamente com Ferrucio
~~~t:.·~-

54 Henrique Oswald O personagem e sua saga I 55

Busoni, Alessandro Longo, Bruno Mugellini c Alfredo..,Casella, revisor dos gurança e dificuldades financeiras, a afeição por mestre confessadamentc
81
mais considerados na Itália • Observando parte das obras escritas por Hen- generoso preencheria espaços proporcionadores de equilíbrio para o discípu-
rique Oswald no período, constata-se claro norteamento pianístico. Entre as lo. Oswald fora sempre um homem voltado à família, encontrando no lar dos
peças de Oswald para piano, que no futuro estariam reunidas em coletâneas, Buonamicis a possibilidade de um desenvolvimento integral homogêneo. O
encontram-se: Macchiettes op. 2, Fogli d'album, op. 3, Six Morceaux, op. 4, professor desempenharia a função de amigo e até, poder-se-ia dizer, pai. Um
Deux Nocturnes, op. 6, Trois Romances, op. 7, Trais Romances, op. 8, Deux dos biógrafos de Buonamici, E. Del Valle, escreveu:
Valses Caprices, op. 11, Quatre Morceaux, op. 12, Seis Peças, op. 14, Sept
Miniatures, op. 16. Giuseppe Buonamici tinha o dom de atrair para si, com a sua bonomia,
O mestre florentino exerceu influência em compartimento largamente com a sua palavra seren.a e leal, com o sorriso benévolo e a sua SÚ11J!f~idade
freqüentado por Henrique Oswald, a música de câmara. Buonamici foi fun- (virtudes que se estendiam à sua vida familiar), todos aqueles que tiveram a
dador da Societá Del Trio Fiorentino e, numa Itália voltada basicamente ao sorte de dele se aproximar".
82
melodrama, o culto à música instrumental tornara-se algo raro • Comparado
aos próprios autores italianos, quantitativamente, Oswald talvez não tenha Quando no Brasil, mestre respeitado, Henrique Oswald faria de sua
sido sobrepujado na produção de música camerística. Deste período fecundo casa, nas últimas décadas da vida, o lar onde, igualmente, receberia com
da criação oswaldiana, destacam-se: Piccolo Quarteto, op. 5, Trio, op. 9, entusiasmo e estímulo amigos, alunos e músicos notáveis. Teria guardado os
Quarteto, op. 17, Quinteto, op. 18. Para orquestra, compõe Suite d'Orquestre 83 • princípios hospitaleiros de Buonamici?

;iI
A notoriedade de Buonamici como professor e pianista fizeram com que Durante este relacionamento profícuo com seu mestre, Oswald recebe-
a sua casa fosse um centro, onde acorriam músicos célebres. Foi admirado por ria, em 30 de março de 1893, uma das !áureas musicais importantes da Itália.
Wagner. Liszt, estando em Florença, fazia da residência de Buonamici ponto i"~
;'!<-,
Com o Concerto para piano e orquestra, op. 10, composto em 1890 e dedi-
obrigatório. Na visita do início de 1886, ano da morte do compositor húnga- J cado a Buonamici, obtém Menção de Honra, no Concurso Golinelli, promo-
ro, Liszt fora apresentado por Buonamici a Henrique Oswald. Carlota conta ~ vido pela Accademia de\ R. Instituto Musicale de Firenze. Os concorrentes
em seu diário, sem pretensão literária, porém com detalhes, o encontro: apresentavam-se anonimamente, disfarçados sob dizeres jocosos ou poéticos.
Oswald concorre camuflando-se através da frase "La speranza e la mia for-
23, sábado - Henri foi passar a noite com Buonamici, a fim de conhe- za". O sucesso da premiação possibilita as várias apresentações da obra.
cer o grande mestre Liszt. Ele teve a felicidade de ouvi-lo tocar, ficando Oswald reduz posteriormente a parte orquestral para conjunto de cordas, o
encantado. que facilitaria a execução em cidades onde inexistissem orquestras.
24, domingo - Henri foi almoçar com Liszt, que quis ouvir três com- É significativa a crítica recebida por Oswald em 1894, em que o arti-
posições de Henri e, após, como recompensa, Liszt executou para Henri
quatro de suas obras. Henri passou quase todo o dia com o grande mestre, ~ culista capta toda a absorção pianística que o compositor brasileiro teria
apreendido de Buonamici:
que o encorajou muito. I
~.?
25, segunda-feira - Henri e Buonamici foram pela manhã à estação ~: Oswald, entre os muitos maestros saídos da escola do ilustre Buonami-
para despedirem-se de Liszt, que partia para Roma. Liszt os abraçou afetuo- t: ci, é o artista que melhor recorda o maestro, pela delicadeza de toque, pelo
l
samente. Deus queira que o bom e amável mestre tenha muitos anos de vida
e de saúde 84 •
I som aveludado e pela exatidão mecânica 86 •

Reiteradas vezes, Carlota e Lau referiram-se, em seus escritos íntimos,


à admiração e à amizade que unia Oswald a Buonamici. Em época de inse-
~j-~

s6 1 Henrique Oswald "<l


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! Regressos ao Brasil
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Em 1896, após alguns recitais na Itália, vem Henrique Oswald pela
primeira vez ao Brasil, depois de vinte e oito anos de ausência. Acompa-
nha-o a mulher e o violoncelista Cinganelli. Um italiano que viajava no
mesmo barco, Amedeo Barbiellini, contagia-se com algumas das reações de
Oswald, que evidenciam ansiedade em chegar à sua terra natal, quando da
travessia do Atlântico.

Não há brasileiro em cujo coração pulse mais vibrante o amor da


Pátria. A bordo ele não falava senão do Brasil; vinte e sete anos de ausência
não chegaram a fazer com que o artista esquecesse a sua terra. Embora lhe
faltasse o hábito da conversação, ao viajar para o Rio de Janeiro, com o
pensamento inteiramente dedicado ao Brasil e às memórias de sua infância,
Henrique Oswald lembrava a língua materna e falava o português como se
nunca tivesse falado outro idioma (. .. ) Ao amanhecer do último dia de via-
gem, o maestro veio acordar-me ao meu beliche. Começava aparecer o cre-
púsculo. Quis que eu assistisse ao nascer do sol no seu belo céu astral,
indicando-me o oriente ensangüentado que se manchava de borrifos de fogo.
Fazia-me notar que na Itália não há dessas cores alvas avermelhadas e
falava-me com altas expressões poéticas, dignas de um grande artista que é
um religioso admirador da natureza 87 •
Na escada, o filho Carlos; em pé: H. Oswald, Laudômia e uma amiga; sentados: o
sogro Gasperini, a sogra com Sissy ao colo; no degrau, a mãe Carlota; no centro uma Acolhido festivamente no Brasil, apresenta-se em São Paulo nos dias 2,
criança; no chão, um amigo abraça os filhos Mimma e Alfredo ( 1892).
9 e 21 de setembro, no Salão Steinway, e no Rio de Janeiro em 2 de outubro,
na Sala Bevilacqua. Algumas de suas mais significativas obras camerísticas
são tocadas, como o Trio, op. 9 para piano, violino e violoncelo, e o Quinteto,
op. 18 para piano e quarteto de cordas. Peças para piano solo e canto e piano
figuravam no repertório. Partícipes das execuções: o violoncelista Cinganelli
e, nas obras para canto e piano, a mulher Laudômia Oswald.
A recepção jornalística de ambas as cidades louva obras e interpretações.
Saliente-se que havia no Rio de Janeiro e em São Paulo crítica competente
e abundante, sendo que um, dois ou três dias após o evento, os principais
58 Henrique Oswald úi
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. i'~,

88
jornais das duas cidades estampavam os comentários • No Rio, destacava-se ' ..
:-:_ Saint-Saens: um encontro decisivo
89 ~
Oscar Guanabarino e em São Paulo, Félix de Otero •
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Durante esta primeira viagem, saliente-se um artigo do pianista, com- :{

positor e professor português José Viana da Mota (1868-1948) que, escreven-


do sobre a música brasileira, observa a respeito de Oswald:
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É um músico finíssimo, dotado de uma fantasia rica, colorida e cheia de tal '
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Camille Saint-Saens (1835-1921), após a morte, recebeu de parte da
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harmonia, que dá mesmo aos seus trechos melancólicos uma leve sensação de crítica especializada, dos estudiosos e do público aceitação benevolente, sen-
bem-estar. Possui a tal ponto a técnica da composição, que as mais complica- do que, no decorrer dos últimos anos, processa-se lento redescobrimento de
90
das imitações aparecem com perfeita naturalidade. Modula como um mestre • sua extensa produção e de sua qualificação estética.
Um dos músicos mais ecléticos na França de sua época, Saint-Saens
Em 1897, antes de voltar novamente ao Brasil, apresenta-se no dia 26 impôs-se como pianista e compositor ligado à tradição. Escrevendo com
de maio na Sala Pleyel de Paris, com sucesso da crítica especializada. Neste enorme facilidade, abordando quase todos os gêneros conhecidos, Saint-Saens,
1897, em 1899 e em 1900, Henrique Oswald tornaria a realizar séries de sem ser um inovador como o foram Debussy, Stravinsky, Schoenberg, Scria-
f 92
recitais em São Paulo e no Rio de Janeiro, alcançando sempre boa acolhida bin, esteve a par dos processos que se sucediam na comunidade musical •
por parte da crítica, apesar da não grande presença de público, devido, pos- Pianisticamente, foi um dos compositores que, na passagem do século, me-
sivelmente, segundo alguns críticos, ao seu temperamento discreto, que se lhor soube compreender a transcendência natural resultando em produções
distanciava daquilo que se denominava na época "reclame", ou seja, das mais apropriadas para o instrumento.
91
publicidade em torno de seu nome • Após a morte de suas filhas, abandona a mulher em 1881, passando a
Nestes anos de regresso ao Brasil, Oswald fixará no papel pautado, viver com a mãe até o desaparecimento desta, em 1888. Este acontecimento
quando na Itália, algumas de suas mais importantes criações: 1897- Sinfo- o deixaria profundamente deprimido, datando desse período o início de suas
nietta, op. 27, Trio, op. 28 para piano, violino e violoncelo, Elegia, para longas peregrinações musicais pelo mundo como compositor e pianista, exe-
violoncelo; 1898- Quarteto, op. 26 para piano, violino, viola e violoncelo; cutando obras suas e de outros autores. Teria sido "o primeiro globe-trotter
1899- Deteto, para 4 violinos, 2 violas e 2 violoncelos; 1900- Concerto da música"".
para violino e orquestra. Quando esteve no Brasil em 1899, apresentou-se em São Paulo na Sala
Verifica-se que os vinte e oito anos de ausência do país possibilitaram Steinway, aos 5 de julho 94 • Participou de todos os números do concerto, no
a criação do mito. Vindo em 1896, não foi difícil a concretização de novas quais se incluíam obras de câmara de Beethoven, peças de Rameau e de
programações para os anos vindouros. As viagens que se sucederam puseram Gluck, assim como composições suas de câmara e para piano. Com Henrique
95

~
Oswald em maior evidência. A incipiência do meio propiciou a acolhida Oswald executou o seu Scherzo para dois pianos •
plena ao músico que vinha ao Brasil, considerado brasileiro, mas que voltava Na tarde do dia 5 de julho, deu-se o encontro entre Saint-Saens e
sempre a Florença. As amizades com os políticos importantes como Campos Henrique Oswald, presenciado por observador atento, o professor de piano
Sales e Rodrigues Alves determinariam radicais transformações "geográfi- Luigi Chiaffarelli 96 •
cas" para Henrique Oswald. Admirado pelo poder, sem, no entanto, partici- Em aula pública na sua Escola de Música, Chiaffarelli narrou às suas
pação política, soube discretamente dele se aproximar, a fim de conseguir alunas o ensaio que precedeu o concerto e a visita de Saint-Saens à sua
meios necessários para uma melhor subsistência. Assim procedera com D. casa, no desiderato específico de uma audição particular de obras de Henrique
Pedro li. Henrique Oswald receberia, nos anos vindouros, convites decisivos Oswald. Alguns pontos da narrativa de Chiaffarelli são de interesse, pois
e que se tornariam indeclináveis. este potencializa o valor do compositor francês, reverenciando o mito, e

r
60 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 61

Foi já um bom pedaço de caminho feito; tanto que, no dia seguinte,


estava decidido que Saint-Saens viria almoçar em minha casa para comer 0
"macarroni à la napolitaine" e que teria assistido ali mesmo a uma audição
do "Quarteto" de Oswald 99• Oswald teve de ceder aos novos pedidos: que
remédio!
À hora marcada, pareceu-nos que Saint-Saens chegasse um tanto des-
confiado; evidentemente esperava ter uma das tantas massadas que lhe pre-
t
t gam nas suas excursões artísticas. Logo disse que ele mesmo viraria as
~ ii
;;!>
páginas. Chegado o momento oportuno, Oswald sentou-se ao piano, um
t
Bfckstein de cauda. Diria uma mentira asseverando que ele, Bastiani, Ser-
liso e Rocchi estivessem perfeitamente calmos. Não se toca com sangue frio
pela primeira vez em presença de Camille Saint-Saàzs. Ele tomou lugar ao
compreende a importância de Oswald, não hesitando, para tanto, em ser o
pé de Oswald, continuando a falar em todos os objetos que via na sala com
anfitrião da experiência sonora que se sucederia. Importa considerar que o
a volubilidade de uma mocinha, mas com a agudeza de espírito e a versa-
Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, ao transcrever as palavras de Chiaffa-
relli, observa como premissa que: J tilidade que lhe são peculiares. Oswald olhou para os seus companheiros e
J a execução do "Quarteto" começou. Já no fim da primeira página, Saint-
t Saens exclamou baixinho: "Mais c'est charmant ça". O autor e seus com-
Na curta permanência que fez entre nós, o ilustre compositor francês
Camille Saint-Saens foi tão pouco curioso em conhecer o que possamos valer
t panheiros sentiram-se absolutamente à vontade e exprimiriam todo o primei-

musicalmente que vale a pena registrar o único fato que provocou a sua
97
I•
~
ro tempo com tanto sentimento, com tanta doçura e paixão, que Saint-Saens,
satisfeito, teve de notá-lo com uns enérgicos: "tres bien, tres bien".
atenção nesse sentido • r Durante a quarta variação do tema ouvimos Saint-Saens dizer: "C'est
d'une beauté superbe!" Mais tarde releu os finais e observou: "Chaque final
Chiaffarelli inicia a narração reproduzida no referido jornal:
de votre quatuor ferait mon bonheur. Aujourd'hui c'est une chose tres dijfi-
t
\
cile que de bien finir tm morceau. Les russes, suivant en cela Liszt, ont tâché
Prometi às minhas alunas contar-lhes um dia o encontro de Saint-
definir ou sur tout autre degrée de la gamme que la tonique, ou s'arrêtent
Saens com Oswald e como foi que o velho mestre reconheceu no compositor
brasileiro um artista de imenso valor(. . .) Já disse que o ensaio do "Scherzo" t court; mais pour moi il n 'y a plus de doure, il faut finir thématiquement et
sur la tonique. C' est comme ça, c' est comme ça. Bravo! 100
de Saint-Saens com o maestro brasileiro foi muito bem. O maestro francês,
O originalíssimo "Scherzo" foi tocado com uma verve diabólica: Saint-
agradabilissimamente impressionado, felicitou Oswald com calor.
Saens, que da arte pianística entende como poucos, ficou admiradíssimo da
Foi então que aproveitei o ensejo e disse em voz alta: "M. Oswald est
grande facilidade com que Oswald (com aquelas mãozinhas de menina!)
wz compositeur de musica de câmara qu'il vous faudrait connaftre"; Saint-
tocava aquelas difidlinzas passagens de oitavas (. .. ) Conhecem a comovente
Saens respondeu: "Oh, je le veux bien ". "Maftre, il ne tient qu 'à vous de fi- ~
"Romance" seguinte, sempre bisada. Saint-Saens observaria: "Je vois que
xer une heure", disse eu. Oswald observou com a S«ált1fi1Ntistia encantadora: ~
vous employez la gamme mineure sans altérer la sixieme et la septieme. C'est
"Je n 'ai rien qui vai l/e la peine d'être entendu ". "Mais bien au contraíre, mon
ausst· mon opmwn• • lOI

ami" disse eu com insistência, mas sem querer, contudo, ser inoportuno.
Chegou o final. O quarteto acabado, ouvimos o glorioso velho pronun-
À noite, a execução com Oswald do "Scherzo" a dois pianos, compo-
ciar estas palavras: "Je suis enchanté. C'est une oeuvre de nzaftre et surtout
sição que o autor chama "O Morcego", entusiasmou o público e satisfez
tres personelle. Vous êtes un artiste, monsieur".
completamente o maestro 98 •
\
O personagem e sua saga I 63
62 I Henrique Oswald

Pouco depois, Bastiani e Oswald executavam a célebre "Berceuse" de


Oswald que Saint-Saens ouviu de olhos fechados, sentado em uma cadeira de
balanço. Apenas as vibrações do último Si do violino se extinguiram no ar,
Saint-Saens levantou-se vivamente, exclamando: "Bravo, bravo, bis! et cette
fois, c'est à moi de l'accompagner, mais encare plus doucement" "''. «;;_-\
Durante toda a tarde Saint-Sal!ns e Oswald estiveram adoráveis de i'alão ~teinway 'll
'I r Ir

i.·r~
Qu<:..ll_té_.t.:l.:::;"eiré:.l. 5 ele Julltn de 1N!Jf) 1

bom-humor. _o;:_~~

Em 1903, Henrique Oswald agradeceu a Saint-Saens o prêmio do jornal ôNCE~Tõ


Le Figaro, atribuído à sua peça ll Neige!, ocorrido em novembro do ano
precedente. A carta daquele e a resposta de Saint-Saens se perderam. Contu-
11 j.

'I Gamille Saint-Saens


"" !
I
!
do, a missiva do compositor francês foi transcrita em La Razón de Montevi- 11
co1n o \'alto~'' connrr.~o elo~

déu, aos 23 de setembro do mesmo ano: -i Cernicchiaro, Niederber~er. Oswald. Chiaffarelli. Gravenstein

~!.
Srs.
•.i!:..;p

Recebi a Vossa carta, na qual agradeceis a mim e a meus colegas do 1'rogramma


l-
júri do concurso musical do Le Figaro, o primeiro prêmio que vos foi con-
Jc Trio pnur prano, n••lm1 C! ,·inloncdk•.
I." Parte
BccLhoveH

(
:::._~
cedido por unanimidade de votos. Nada tendes a nos agradecer, pois que o 4
:1' I :..._. A li<'j:!TO C<>ll brJn
!'\.:? - AnJ:\tl!t: Cautahilc cnn 'aria1.1oni

~
nome do autor premiado nos era completamente ignorado. O que posso vos ?J ~. \ ~ Fiu.d
-Satnt-.·•ar'lts, Ccnân·hinro, J:;i,·df'l1,erg(•
Caprice !>ur le ballct tl',\ke~tt· (iluck
garantir é que somos nós que vos agradecemos pela inspirada composição Lohengrin ;. \\'a::;n"~ marcbe
Saint-}·lai:ll~
rclij!tii!W) pour

"ll Neige!", que veio enriquecer a literatura musical com uma página na 1 piauo. h~•ru•numm e 'inlon ~ ... int~Sou.:n~

j Snillt-.'·;a,·n.", Chiaffardli. Ccrn!CChl·aro

qual o gênero descritivo não pode ser superado por nenhuma outra compo- ~ il ll." Parte li
~. ~
=~~~~~C~~~~:'';Ilal'stn~o
Quatuor, pollr pi:tnn, 'iolo11, ahr, ct v]l,lonccl!" Saint-Saen'>
sição do mesmo estilo. Reitero minhas felicitações e sou vosso sincero apre- ~ !1 ~: ~ ma crm mntn
101 ~ J i\ ] -· 1'oc" .,ll•·;.:rn pndn~.to rnnrl< r.1tn

l
ciador, As. Saint-Saens • ·!- '.·. .C..aiNI-:'-ur:ns. ('n 11;1.,.Juuro, (inln!IL,Icill, ~Yiulrr/,1.·rycr
1
'I z. Rapsod1e d'Auvergne.
j ~! Suinf-,)'nf'IIS

Quando de nova vinda para o Brasil, Saint-Saens dá um concerto no ·i 111." 1\_trtt'


'i I'ÍC'tl~ rk l{;lluC',tH•. :-.~trnt-~.H:ll'-
Salão do Instituto de Música do Rio de Janeiro, aos 31 de agosto de 1904 e, ~: .:\ Les Tourbillons.

~
:: J: Les Cyclope.~.;,.,,_s"' "·'
juntamente com Henrique Oswald, executa para dois pianos a fantasia África ;: z. Sonata pour

e o Scherzo, este apresentado no recital de 1899. Frise-se, Oswald era o i !i 3· A. Valse n~nchalante.
L Valse mrgnonne.
Diretor do Instituto Nacional de Música e o convite ratificaria a amizade. ~ i
1}, \''-..._
(
1
C Valse canariote.
·"Uiil/ ,\'(1/"1/S
11
j~
1

Em 1906, Henrique Oswald, na Europa, deveria se encontrar com /1!. -~~-~ 4 Scherzo r d• 11 ,,, ~ -v \ ~)
~·).
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,<..uud "o"l' (J,uaf,f t,~r.;~ y
Saint-Saens em Paris, encontro este que não se realiza, como observaria ~ -·" p '

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(,;;;;} ~ I'IIIHIJIHI li" h' /11•ra" fia 1101fr ~~

o compositor: ~\%''·"' ~"'j,..,.__'f)il~--~· "">\--~-~·~,~~·~;/


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Pretendia também ir para Paris, onde me esperavam Saint-Saens,
Gabriel Fauré, Diémer e a direção do Figaro, que já tinha posto os seus
salões à minha disposição para algumas audições. Só pude agradecer a
gentileza. Fatos independentes da minha vontade obrigaram-me a desistir da
104
minha licença •
64 Henrique Oswald O personagem e sua saga I 65

Quais as conseqüências do relacionamento estimulante com Saint- embora ambos não tenham morrido (. .. ) Ter passado de moda, para a arte,
Saens? Poderia ter ratificado em Henrique Oswald preferências musicais é o começo. Onde a moda acaba, a posteridade começa. A música pode ser,
francesas. Ambos os compositores pertenciam à classe média pressionada se e./a quiser, uma arte de sellsação; ela levanta as massas, faz delirar as
pela necessidade imperiosa de estar acimada da classe proletária - em multidões. O bamlho passado, ela se faz estátua imóvel e silenciosa e con-
período histórico de aceleramento industrial (na França preferencialmente e tinua sendo ela mesma 107 •
menos na Itália., onde Oswald vivia} .,.....,.. por motiYos culturais, ambientais,
participação religiosa e política; ambos os compositores tiveram a mãe como A partir do início do século, o contato com Saint-Saens mostrar-se-á
motriz da educação; Saint-Saens era anticlerical, Oswald católico confesso; ampliado a outros não menos importantes compositores franceses como Pau-
os dois têm formação musical disciplinada e de nível acima da média; Saint- ré, Milhaud e Pierné. Saint-Saens teria acelerado em Oswald o dirigismo
Saens polemiza o poder e, no fundo, teme a queda da burguesia, Henrique mais acentuado à terminologia francesa e à trama discursiva praticada em
Oswald, distante da discussão política, submete-se nos períodos de necessi- França. O raiar do século XX encontra Henrique Oswald brasileiro de nas-
dade à busca do mecenas público; ambos são "aparentemente" tradicionais cimento, florentino por adoção, imbuído de ideais europeus e, doravante,
quanto à escrita musical. Saint-Saens, de formação cultural enciclopédica, esteticamente ligado a correntes francesas pela maior aproximação ao modelo
discute o humanismo, a arte como um todo e, em alguns de seus escritos requintado praticado na França, onde a música instrumental era, por outro
epistolares, mostra-se um defensor da ecologia, da não-expansão da ciência aspecto, qualitativa e quantitativamente superior à praticada na Itália.
i Não teria Oswald, no início do século, tomado como exemplo o Scherzo
quando a serviço da destruição do homem, evidenciando premonição, pois
antevê o fim da natureza e do homem por culpa da insensatez deste •
105 f de Saint-Saens, de inesquecíveis recordações, quando compôs o seu Chauve-
Oswald, essencialmente músico e homen de relações familiares equilibradas,
i souris ou mesmo o Feux-follets para piano solo, onde, entre outras proximi-
distancia-se da discussão erudita ou mesmo multicultural. i dades, as idéias musicais estão interrompidas por pausas?
O ecletismo de Saint-Saens poderia ter sido o elo fascinante que apro- l
~

ximaria ainda mais Oswald do modelo francês. Observa-se que, durante os i


trinta anos passados em Florença, uma vez apenas, e em sentido hierárquico, "~
etário e sob a dimensão da "aura" do mito, houve a aproximação de Oswald
com Franz Liszt. Saint-Saens, não desprovido também desta "aura", torna-se f
i
o colega e, talvez, a segunda "grande" expressão que Oswald conhece, até ~
f:
então, mais de perto. Haveria o dimensionamento do ego em Oswald e
o modelo francês seria a extensão de aspirações que, de fato, concretizar-
i
[
l'

se-iam. •t~
Por outro aspecto, os relacionamentos com músicos importantes sempre '
causaram satisfação e orgulho em Oswald, que se sentia honrado com o respeito
a ele dedicado. O sucesso o envaidecia mas a discrição foi sempre marca
t!
imperativa na personalidade do compositor. Como ele própio dissera, a música !
i
precisa ser feita com "sinceridade" ")6. Não estaria Oswald em sintonia com o I
~
pensamento de Saint-Saens, quando este afirmara:
rf
A música passa de moda, como tudo no mundo, nem mais nem menos.
A tragédia passou de moda, o drama romântico também passou de moda,
_//

66 Henrique Oswald

Diplomacia circunstancial

1 Ü cruzar o Oceano Atlântico várias vezes, entre os anos fronteiriços


~-·1
à passagem do século, propiciou a Henrique Oswald a atenção das autorida-
des competentes. A pouca freqüência do público em seus recitais traria ao
compositor problemas financeiros. Por outro lado, o enorme sucesso junto à
crítica traz a aproximação dos políticos influentes, resultando em saldo favo-
rável para Oswald. A presença da figura do político abre as portas ao com-
positor para a solução de parte de suas preocupações quanto à subsistência.
D. Pedro 11 compreendera. O terceiro presidente da República, Manuel Ferraz
de Campos Sales, em 1900, igualmente entenderia as dificuldades do com-
positor 108 • Nesse mesmo ano, Henrique Oswald seria nomeado chanceler do
Brasil no Consulado do Havre. Há a nítida intenção de Campos Sales em
í querer ajudá-lo "19 • O compositor deixa a família na cidade de Florença.
j '1t
No Havre, em princípio, Henrique Oswald deveria ter tempo para com-
~
por e estudar para as suas "tournées". Sabe-se, contudo, que o Cônsul-Geral
c

c~
do Brasil na França, Monsieur Sodré, não compreendendo as razões do pre-
sidente, dá a Oswald trabalhos pertinentes à sua função, possivelmente até
exagerando as atribuições rotineiras confiadas ao chanceler. Assim, traba-
lhando o dia inteiro, o compositor encontraria tempo para a criação e o estudo
Dedicatória de H. Oswald de 1899.
de piano somente à noite. Durante o dia, Oswald ocupava-se com cifras e
110
importações de café, batatas etc •
A total idiossincrasia para com as tarefas do cargo faz Oswald pedir
licença de chanceler menos de um ano após a sua nomeação; e a volta à
Florença é certa, não sem antes ter havido apresentações significativas de
suas obras na Bélgica, em Bruxelas, e na França, nas cidades de Paris e
Havre, pelo autor ou não. Em 29 de janeiro e 11 de fevereiro de 1901,
Oswald tem algumas de suas mais importantes obras camerísticas, como o
Trio, op. 9, o Quarteto, op. 26 e o Quinteto, op. 18 apresentadas na Sala
Pleyel de Paris participando, inclusive, como pianista. A crítica parisiense
acolhe o pianista-compositor calorosamente'"·
Logo após, aos 21 de março de 1901, na Salle de la Lyre Havraise, o seu
Trio, op. 28 é executado por músicos franceses. O mesmo trio, tocado por muitos
68 I Henrique Oswald
intérpretes, será apresentado em Bruxelas no dia 6 de abril. Anteriormente a Il Neige
este concerto, executa obras suas em 29 de março na Sala Frascatti do Havre
e o sucesso não é menor.
Durante o período como chanceler no Havre, Oswald trabalha a ópera
Il Neo '". Finda esta, envia um exemplar com carta anexa a Campos Sales,
possivelmente mencionando a sua frustração no desempenho do car~o do
qual pedira licença. Quando da nomeação do compositor para o mesmo,
Campos Sales pensara que Oswald pudesse se dedicar quase que exclusiva- Em novembro de 1902, Henrique Oswald recebia um dos mais impor-
mente à música. Isto não acontecendo, o Presidente do Brasil transfere o tantes prêmios musicais concedidos na Europa: o ofertado pelo jornal pari-
músico para o Consulado de Gênova em 1901, a fim de ocupar o mesmo siense Le Figaro, através de concurso específico para obras escritas para
posto de chanceler, mas com a possibilidade de poder viver em Florença piano e canto e piano. Quando da premiação, o jornal recordou os objetivos
junto à família e, notadamente, continuar a compor. Aos 17 de novembro
...' do concurso, em artigo assinado por René Lara:
desse mesmo ano, escreve Campos Sales ao compositor, evidenciando que o
seu desiderato fora sempre ajudá-lo: Ele se destinou, como se sabe, não somente aos compositores pro-
fissionais franceses ou estrangeiros - laureados do Conservatório ou de
Queira receber meus sinceros agradecimentos pela valiosíssima oferta concursos oficiais - como a todos os músicos de real talento que lamenta-
de sua nova composição "/[ Neo", que certamente representa um esforço de mos, com razão, ter obstáculos com a ausência de notoriedade que se opõe
seu trabalho artístico, digno dos mais francos louvores. às suas legítimas ambições; destinava-se também a uma outra categoria de
Resolvi transferi-lo para Gênova, em posto igual ao que ocupava no "desconhecidos", dignos igualmente da nossa atenção e do nosso interesse:
Consulado do Havre. Autorizo-o a tratar com o Cônsul de Gênova as com- aquela dos amadores.
binações convenientes, a fim de que o Sr. possa aplicar-se à sua música de
Nosso regulamento impunha uma condição capital, tanto a uns como
modo mais completo. Acho mesmo que ele poderá permitir-lhe a residência
a outros: a exigência do ineditismo, da não-execução, seja em teatro lírico
em Florença, se assim o Sr. julgar necessário para os seus estudos e para
seja em grande concerto. O resultado de nosso apelo? Seiscentos e quarenta
o exercício profissional da música; pois, que o lugar lhe é dado como meio
e sete manuscritos ... seiscentos e quarenta e sete manuscritos, que nos foram
de facilitar estes estudos. Para este fim, o Sr. poderá dar conhecimento ao
endereçados não somente dos quatro cantos da França e da Europa, mas
cônsul desta deliberação, aliás feita em reserva.
ainda das duas Américas, da Ásia- a Pérsia e o Egito figuravam nesta lista
O Sr. Ministro do Exterior ficou encarregado de fazer a sua transferên-
- e mesmo - o que honra a vasta divulgtt~ #16ste ·jornal - Repúblicas
cia. É este o único meio pelo qual posso prestar-lhe o auxílio que solicitou
distantes, em plena revolução, como é o caso dos selos no rolo postal con-
em sua carta de 17 de setembro. Sinto não poder fazê-lo de modo mais
tendo partituras e vindo do Haiti...
satisfatório.
Com muita estima e apreço, O sucesso da nossa iniciativa artística estava, pois, eloqüentemente
Campos Sales •u assegurado pelo número imprevisto de remessas. A missão mais delicada e
trabalhosa da classificação e da relação definitiva estava por vir e foi assu-
A liberdade que Oswald teve durante este período, que se prolongou até mida com enorme boa-vontade pelo grande e glorioso mestre, que se chama
o primeiro semestre de 1903, tornava-o, na realidade, menos um chanceler e Saint-Saens; este artista sutil e delicado, que é Gabriel Fauré; enfim, pelo
mais um bolsista. É deste período a ópera Le Fate, em um ato e composta eminente pianista que vocês têm sempre aplaudido e de incomparável virtuo-
em 1902, algumas obras para piano, entre as quais Il Neige! sidade, que é Louis Diémer 114 •
70 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 71

A partir dos primeiros dias de outubro, inicia-se a seleção, dedicando-


-'::d;.fh se os examinadores aos estudos preliminares. Fauré encarregou-se basica-
mente das melodias, Diémer das peças para piano e Saint-Saens discutia as
deliberações de seus colegas, tornando-se um mediador entre ambos os gê-
neros escolhidos para o concurso. Os concorrentes, anônimos participantes,
escondiam-se, por imposição do regulamento, atrás de frase poética, máximas
ou palavras jocosas.
Foram premiadas treze peças para piano e treze para canto e piano.
Henrique Oswald obtém o primeiro prêmio com 11 Neige!, por unanimidade,
recebendo 500 francos como recompensa financeira e mais a publicação da
obra em edição de Le Figaro, e, comercialmente, pela Durand et Fils de
Paris, a mais importante editora francesa de partituras no período. Il Neige!
concorreu com a frase jocosa: "Figaro qua, Figaro !à, Figaro su, Figaro giu".
O segundo prêmio, de 100 francos, foi atribuído ao importante compositor
115
italiano Alfredo Casella , que compusera uma Pavane. Uma menção honrosa
116
foi destinada a Une nuit d'été, do não menos conceituado Florent Schmitt •
No dia seguinte à divulgação da premiação, o mesmo René Lara justi-
ficava, na coluna Notre page musicale, a escolha feita pelo júri:

A composição de Mr. Henri Oswald abre a série. Nós começamos


desde hoje, com efeito, a publicação das peças premiadas pelo júri de nosso
concurso musical. Eu fiz a alusão, ontem, às hesitações que, muitas vezes,
confundiram nossos jurados na atribuição das recompensas. Mas para "/l
Neige! ", nenhum debate. Houve apenas, em uma vez, a espontaneidade con-
Em pé: sogro de H. Oswald, a filha Sissy, H. Oswald, o filho Carlos; sentados: Laudômia, o filho
Alfredo, a sogra; em primeiro plano, a filha Mimrna. sensual mesmo!
Eu me lembro ainda da surpresa "charmée" e da fugidia e delicada sen-
sação de arte que nós experimentamos à primeira vez que o manuscrito do Sr.
Oswald caiu diante de nossos olhos. Saint-Saens, Fauré e Diémer estavam há
longas horas em volta do piano, tendo decifrado um bom número de peças con-
correntes quando, prestes a acabar a reunião, Diémer colhe, por acaso, no
"dossier": "-Se nós examinássemos ainda esta?" "Esta" era: "li Neige!".
Sob os dedos do pianista, eleva-se então uma refinada melodia, cuja
intensa e melancólica poesia, as lindas sonoridades de sonho envolventes e
doces, evocavam a nossa imaginação em direção a alguma paisagem de
inverno, à queda monótona e lenta dos flocos brancos sobre o misterioso
silêncio dos campos desertos. A escritura parecia delicada e firme: de uma
117
elegante maestria. Nós estávamos subjugados!
72 I Henriq- Oswald O personagem e sua saga I 73

Renê Lara, alguns dias antes, em 4 de novembro, participara a Henrique


Oswald a premiação. O compositor encontrava-se em Florença. Na carta,
Renê Lara evidenciava a unanimidade na escolha, solicitando dados biográ-
ficos de Oswald para uma nota especial em Le Figaro, caracterizando o des-
conhecimento apriorístico do recém-premiado por parte dos promotores do
concurso 118
Menos de um ano após a premiação, Renê Lara escrevia a Henrique
Oswald pedindo-lhe partituras. Na edição de 22 de agosto de 1903 do Le
Figaro, na seção Notre page musicale, o articulista lembra a repercussão
precedente:

Seu sucesso foi tão grande que nós tivemos a curiosidade de nos apro-
fundar nesse talento surgido tão inesperadamente e de querer conhecê-lo sob
seus diferentes aspectos. Pedimos, ultimamente, ao Sr. Oswald para nos
enviar algumas de suas obras, tendo recebido, num destes dias, de Florença,
uma série de coletâneas para piano, valsas de concerto, noturnos e folhas de
álbum, inspirações plenas de fantasia, de originalidade e de cor, que confir-
maram a nossa primeira impressão.
"In Hamac", que nós escolhemos hoje desta interessante produção
musical, foi, ao que parece, inspirada em um tema popular: sabemos que o
Sr. Oswald é brasileiro. A obra é uma espécie de melopéia, apresentando
modulações pitorescas, que vêm curiosamente interromper, "à la maniere"
de um refrão, o motivo de uma berceuse oriental. O efeito é inesperado e Casa em Florença onde H. Oswald compôs ll Neige.
119
plen9 de charme, evocando o sabor de terras distantes •

In Hamac saiu publicada na íntegra à página 6 do referido periódico,


corroborando o sucesso anterior.
O êxito de Il Neige!, ratificado com In Hamac, caracterizaria ainda mais
a preferência pela estética musical francesa. Conteúdo e terminologia apro-
ximar-se-ão daqueles professados na França. Observa-se que, tanto para Il
Neige! como para In Hamac, há, por parte de Renê Lara e, possivelmente,
daqueles que pertenciam à sua "entourage" musical, o julgamento descritivo.
Na obra específica para piano, Oswald daria especial atenção à música des-
critiva.
O retorno definitivo à terra natal

Na passagem do século, a situação da cultura musical erudita hrasi~


!eira continuava envolta numa névoa de incipiênci~ detectável. O Instituto
Nacional de Música do Rio de Janeiro surgia como o mais confiável esta-
belecimento de ensino no país. Motivos vários que se alinham, desde o
aproveitamento de músicos brasileiros que não tiveram oportunidade de aper-
feiçoamento indispensável na Europa e se prendiam à rotina sem padrões
comparativos; às crises políticas que se sucediam desde a proclamação da
República, resultando num enfraquecimento maior do Tesouro Nacional,
tornavam a expansão de uma cultura musical extremamente comprometida.
A República fez surgir uma nova burguesia que, voltada no começo do
século à noção de progresso compreendida na Europa, menos por convicção
e mais por modismo, estimulou os governantes a novas posturas culturais.
A atividade humana como um todo passou a interessar a essa nova burgue-
sia. Por outro lado, estudar música e sobremaneira piano fazia parte da
formação feminina na nova sociedade burguesa.
i O Instituto Nacional de Música surge no Rio de Janeiro, com a extinção,
!
~
por decreto, de 12 de janeiro de 1890, do Conservatório N acionai de Música,

i~ sendo que a direção do recém-criado estabelecimento fora entregue ao com-


positor e regente Leopoldo Miguez (1850-1902). Este não só reestrutura o

'l
120
quadro docente como empreende reformas no Instituto • Com a morte de
I Miguez, ocorrida em 6 de setembro de 1902, o nome de Henrique Oswald é
121
lembrado meses após, para a direção do Instituto Nacional de Música • O
122
pedido para o preenchimento do cargo vem do Barão do Rio Branco •

I
J
Aos 22 de maio de 1903, Oswald recebe do Consulado Geral daRe-
pública dos Estados Unidos do Brasil a seguinte carta:

i I;
Ilmo. Sr. Patrício e Amigo Sr. Oswald: por telegrama reservado do Exmo.
Sr. Barão do Rio Branco, recebido ontem às nove horas da noite, estou auto-
i rizado a perguntar-lhe se o Sr. aceitaria o lugar de Diretor do Instituto Nacio-

I nal de Música do Rio de Janeiro, pois o governo nomearia V. Sa. para este im-
portante cargo. Peço-lhe o obséquio de responder-me por escrito e de modo
k

l
76 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 77

a este Consulado poder responder a S. Excia. o Ministro do Exterior. Rei- trinta e cinco anos vividos em ambiente musical europeu, o estar só e até as
tero a V. Sa. os protestos da minha estima e consideração, José Antônio diferenças climáticas reforçam o desânimo que, celeremente, dele se apossa
Rodrigues Martins w. nesta sustentação do cargo de diretor. Como inequívoco, Henrique Oswald
distanciara-se, através da longa ausência do Brasil, da realidade sócio-mu-
124
O primeiro reflexo de Henrique Oswald foi o de recusar a honraria • sical brasileira.
Compreendendo-se os antecedentes, verifica-se que as "tournées" pelo Era- Fisicamente, in adendo, Oswald pode ser estudado como a antítese
si! nos anos de 1896, 1897, 1899 e 1900 tiveram o pleno conhecimento das do líder. Contemporâneos seus, escritos do compositor, fotos evidenciam o
autoridades constituídas. A aproximação constante de Oswald com estas homem de olhar aristocrático (mesmo sendo pertencente à média burguesia),
autoridades fez com que o seu nome sempre fosse ventilado. Lembrar-se essencialmente músico, haja vista o tédio que o dominara quando do cargo
dele era um ato que seria compreendido como de reconhecimento. Enaltecia- diplomático no Havre.
se o governante, fazia-se justiça ao músico. Na principal instituição de ensino musical, num Brasil de incipiente
Henrique Oswald, por fim, aceita a incumbência 125 , é nomeado, dirige- meio artístico, fervilhavam a intriga e a sistemática luta pelo poder. Nos
126
se a Gênova, sede do Consulado, e retoma ao Brasil • A família permane- bastidores, funcionários e docentes disputavam privilégios. O festejado
ceria em Florença. Doravante, o seu nome estaria ligado ao INM, através Henrique Oswald do dia da posse pouco a pouco sente a impotência de seu
dos vários postos assumidos de 1903 a 1931. À Europa retornou algumas mando que, considerando-se a sua estrutura psíquica, deveria ser de certa
128
vezes para apresentar-se como intérprete e compositor, e para descanso. serenidade • A deterioração do relacionamento diretor-corpo docente-fun-
A recepção de Oswald no Brasil foi festiva. Bandeiras e flores o aguar- cionários dá-se com rapidez.
davam. A posse do novo diretor deu-se aos 11 de julho de 1903. A Gazeta A direção do Instituto Nacional de Música durou, para Oswald, de
de Notícias assim transcreveu a cerimônia: 1903 a 1906. Durante esse período, as cartas do compositor para a mulher
davam conta da situação que se estava atingindo. O diário de Lau revela um
Foi uma festa altamente significativa e honrosa a que ontem provo- estado de extrema fraqueza a que chegara fisicamente o marido'". Laudô-
cou a posse do maestro Henrique Oswald, no cargo de Diretor do Instituto mia Oswald escreve: "após a triste carta de Enrico, decido, por unanimidade
Nacional de Música, festa organizada pelos alunos e alunas daquele estabe- de votos, partir só para o Brasil, para ver como estão as coisas" uo.
lecimento. Havia três bandas de música, uma na rua, outra no saguão e a A chegada de Lau ao Rio dá-se em meados de 1904, fixando-se o casal
131
terceira na Sala Miguéz, que estava lindamente ornamentada(. .. ) a uma hora Oswald em uma pensão • Mais acentuadamente, no diário da mulher serão
em ponto chegou o Sr. Henrique Oswald, que foi coberto de flores pelos alu- anotadas as várias fases de estados emotivos por que passa o compositor. O
nos e alunas, tocando as bandas nessa ocasião o Hino da República 121 • convívio, doravante cotidiano, aumenta o acervo de Lau, que serviria para
as interpretações que dará às poucas alegrias e muitas angústias de Henri-
Observando-se a trajetória de Oswald, verifica-se que, apesar de reite- que. Percorrem o diário os nomes de alguns amigos íntimos: Francisco Braga,
132
radas vezes ter solicitado junto ao Poder a necessária ajuda para a subsistên- Manuel Porto Alegre, Mendonça, Itiberê, Bevilacqua • O filho Alfredo
cia digna, que lhe propiciasse a tranqüilidade para o desempenho de sua junta-se Jogo após aos pais, realizando recitais de piano no Rio de Janeiro
atividade criativa, sempre se mostrou longe do espírito de liderança. Ao ser e alcançando enorme êxito. O outro filho, Carlos, que desenvolvia atividade
convidado para a direção do Instituto Nacional de Música, julgou que pode- ligada às artes plásticas, recebe carta do pai aconselhando-o a não vir para
ria colocar a serviço da comunidade os seus conhecimentos musicais. O não- o Brasil precipitadamente.
saber <:Omandar tornou-se, para ele, um verdadeiro pesadelo. Neste período convulsivo, Henrique Oswald realiza alguns concertos e
Dificuldades de relacionamento com a burocracia institucionalizada, recitais em São Paulo e no Rio de Janeiro, obtendo sucesso crítico perma-
impossibilidade de poder aplicar no Instituto a experiência adquirida nos nente. No repertório destas apresentações: Trio, op. 28, Quarteto, op. 26,
78 I Henrique Oswald
Ophélia, para canto e piano, e obras para piano solo. Os recitais dos dias 29
Diário de Munique
de outubro e 12 de novembro de 1905, no Salão do Instituto que dirigia,
pertencem ao período em que Oswald se encontra novamente só, no Rio de
133
Janeiro, pois Lau retornara à Itália •
Manter-se em forma pianística e compor deveriam, em parte, amenizar o
desânimo que ocãrgo'CfeâíretorlTuq)rÕpiciãvã:O agravamento surgido desta
situação complexa de relacionamentos com o Instituto resultaria na descrença Tendo-se agravado as relações Instituto Nacional de Música-Henrique
de Oswald nos seus próprios méritos. Este descreditar e mais a dúvida da sua Oswald, motivadas em parte pela incapacidade do compositor em manter o
real capacidade artística impulsionam-no a novos rumos. espírito de liderança em ambiente no qual sentia-se deslocado, chegou-se a
impasses exterior e interior.
O impasse exterior resultaria em dois pedidos de demissão do cargo de
diretor do INM não-aceitos. Henrique Oswald é impelido a requerer uma
licença de alguns meses e esta lhe é concedida. O impasse interior, decorrente
do exterior, teria nítida conotação criativo-musical. Chega a duvidar de seu
valor, aos 54 anos de idade. Tal deve ter sido a pressão a que Oswald fora
submetido que, para ele, a única saída seria aferir no Exterior nova aprecia-
ção de seu trabalho, emitida pela crítica especializada.
A Alemanha é o país escolhido. Munique, a cidade atávica. Reminis-
cências da localidade não-atingida quando, em 1868, ao chegar à Europa,
deveria ter-se deslocado a esta cidade, a fim de estudar com Hans von Bullow.
Em Florença todos o conheciam. Sua família permanecia fixada neste centro
cultural italiano. Provaria aos conhecidos o já provado nas décadas florenti-
nas? Munique, catarse de seu passado musical, estabeleceria novos parâme-
tros para a auto-estima de Oswald, absolutamente a nível baixo.
Aos 21 de março de 1906, apresenta-se no "Museum" de Munique, com
algumas de suas principais composições para conjunto de câmara e piano solo.
Em período de crise emotivo-profissional, longe da família, só, Henrique
Oswald escreve em forma de diário as suas sensações, esperanças, dúvidas e
temores. Este "diário de Munique" vem a ser o momento épico literário do
compositor, fazendo-o aproximar-se de modelo anterior, o seu próprio pai,
Jean-Jacques, quando descreve à mulher Carlota os seus infortúnios no Brasil.
Há, no "diário de Munique", autocrítica quanto à produção musical;
posicionamento frente ao incipiente meio cultural brasileiro; confissão clara
de sua escolha pela pátria cultural, a Itália, Florença, a cidade.
O relato destas "anotações" tem interesse desde o início. Apesar de ex-
periente, confessa-se agitado pela dimensão do evento. A reação do público
80 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 81

alemão, aparentemente frio durante quase todo o recital mas caloroso no


final do espetáculo, impressiona Oswald. No dia seguinte escreve: "Enfim,
estou contente. Posso dizer que este sucesso foi o mais importante da minha
vida. Posso apresentar-me em qualquer cidade de Alemanha, certo que me
134
tomarão em consideração" •
A sua ida ao empresário Bauer é constatação de que houve prejuízo na
apresentação. Voltando ao hotel Oswald faz as contas financeiras e constata
as perdas.
No dia 23 de março, Oswald mostra-se profundamente abatido; lera as
críticas e prepara-se para deixar a contenção que o caracterizava quando do
relacionamento circunstancial com as pessoas:

Por que me deixo tomar por este desânimo terrível? E 110 entanto, o
meu concerto, sob o ponto de vista artístico, foi bom, foi aquilo que se
denomina sucesso. Esta manhã, sozinho até o meio-dia, sem me distrair com
qualquer visita, desejei ver os belos lugares da cidade, todo absorvido em
minhas meditações; não conseguia ver o futuro senão através de um véu
negro, negro. Que faço agora? É horrível para mim o dever de retornar ao
135
Rio, naquele inferno em que tanto sofri! Só Deus sabe o que lá me espera!
Empreendi esta viagem com alegria demais, motivado pela reaproximação
com os amigos e igualmente pela idéia de poder dar um pequeno passo na
Arte, quase seguro de que este passo melhoraria as nossas condições, po-
dendo me livrar da necessidade de novas separações de minha família. O
que resultou desta, direi, quase nova tolice? O que trouxe de benefícios esta
vinda a Munique? três artigos em jornais que ninguém lerá e muito menos
se dará ao trabalho de traduzir 136• E pensemos, mesmo que sejam lidos,
quais os frutos que deles poderei tirar?
Queria ao menos encontrar um editor para as minhas pecinhas; mas

t
nada, aqui em Munique eles não se encontram. Para fazer-me conhecido
desta espécie de gente, seria necessário que eu seguisse a minha "tournée" a si, no Brasil. Pensa naquilo que poderia ser o melhor para os seus filhos e an-
artística, que fosse a Leipzig, a Berlim, mas faltam-me os meios. Esta via- gustia-se ao pensar na hipótese de ser o Rio a cidade de um futuro para os seus:
genzinha, só a Munique, custou-me cerca de 1.200 francos, dois meses de
vida para a minha família. Nada mais posso fazer, pois o que realizei já é Porque, no Rio, minha família seria muito sacrificada. Em Florença está
quase uma dívida. Retornarei, pois, a Florença, onde poderei passar duas o futuro de meus dois rapazes, sendo que no Rio as meninas não poderiam se
semanas com os meus queridos, tendo de abandoná-los logo após, sabe lá J~ 138
desenvolver intelectualmente • (. • .) O único meio para sair deste labirinto é
Deus por quanto tempo, talvez para sempre m. o de voltar só, para o Rio, ver como estão as coisas, retomar possivelmente as
I aulas particulares, assim prosseguir até outubro e, após, lá pelo mês de junho,

I
A partir deste ponto, Oswald projeta a possibilidade de ter a família junto
82 I Henrique Oswald O personagem e sua saga 83

.
se tivermos meios, que venha Carlos (. .. ) que se persuadirá de que no Rio o que está fazendo na crítica musical? Faço como Beethoven, que escrevia
14
ele não terá nada a fazer, principalmente na Arte, a não ser caricaturas ou música sem se ocupar com aquela dos outros ".
desenhos para jamais pornográficos. Ele, então, será o primeiro a me di- :.~.~.
zer: "Vamos voltar?" uy l Um trecho de profundo interesse para a compreensão de Oswald como
um todo, rejeitando o Brasil cultural de seu período, refere-se à não-vontade

+-
.

. em ver seus filhos fixando-se no Rio. Há, por parte do compositor, sérias
Todos estes pensamentos vêm em turbilhão. A sua intenção fixa-se . -
preocupações:--
novamente em Florença, o ponto de referência constante:'"" .
'rl Minhas filhas aprenderiam o português, sim, mas também a ficar à
Em outubro, portanto, voltaremos para Florença e, em sendo esta vol- janela, afazer doces, pentear-se e pintar os rostos; achariam marido, talvez

ta definitiva'"', "la mamnw" colocará anúncios nos jornais e nas casas de mú- viciado e jogador 145 •
sicas, assim redigido: "A 3 de novembro inicia-se um curso de piano na Via
142
Por fim, um patético desabafo em que Oswald evidencia toda a sua
Masaccio 20, dirigido pelos professores Henrique e Alfredo Oswald ( ... )
mágoa com a incipiência brasileira, tendo-se formado em meio ao código
cultural europeu. Não é o território que é rejeitado mas o arcaísmo cultural
Sonha estar instalado em Florença como outrora. Minimiza a sua pró-
não propício e incapaz de compreendê-lo: "Não. O Brasil não é para nós,
pria capacidade. Sente-se um recolhimento por parte do autor, um momento 146
somos europeus e é na Europa que deveríamos viver, porém, como?"
em que hesita e acredita que a sua música seria destinada somente àqueles
Possivelmente, sem a "frieza" da crítica alemã à sua linguagem musi-
que dela gostarem. Causam-lhe impacto as observações de um crítico, o que
cal próxima do modelo praticado na França, onde Oswald era profundamen-
o leva a minimizar, por sua vez, a função da crítica:
te aceito, não teria havido, por parte do compositor, este amargo desabafar.
As entrevistas concedidas por Oswald durante a sua trajetória musical sem-
Quando chegar em Florença não me moverei mais por ·toda a vida, pre camuflaram, por motivos ligados à sua cultura e temperamento, a pro-
lecionando e compondo para a minha própria satisfação(. .. ) porque à minha ximidade da verdade. O "diário de Munique", íntimo, intocável na .sua in-
família a minha música agrada sempre. O senhor (. .. ) crítico de lllll jornal trospecção, revela a angústia da fixação voluntária em terra que o viu nascer
diz que a minha música é graciosa, bonitinha, bem-feita, simples. Vê-se que mas com a qual não encontra identidade •
147

eu posso fazer aquilo que posso, que o meu talento é pequeno, porém inte- Aos 24 de março, escreve de Munique ao seu bom amigo Manuel Porto Ale-
ressante. Agradeço a Deus que me deu este pouquinho de talento, se eu não gre, desabafando a um interlocutor confidente as razões do ter ido a Alemanha:
tivesse ao menos isto, seria obrigado a ser "crítico", o que deve ser muito
enfadonho, apesar de fácil. Não disse a ninguém que daria um concerto em uma cidade alemã,
Concluindo, parece que estudei muito, de tal modo que posso fazer com porque, francamente te confesso, tinha um medo patife de fazer fiasco; fui
o pouco talento que tenho alguma coisa boa. Esta é uma novidade para mim,
pois não sabia que meus estudos foram tão severos, muito pelo contrário.(. .. )
Melhor, bem melhor dar aulas de piano em Florença, compor para mim e
para meus amigos, e, se quando morrer a minha música for considerada boa,
executá-la-ão. Entretanto, para mim é a mesma coisa, a mim ela agrada, aos
I
'
t
tão desprezado por meus compatriotas, que cheguei a acreditar que nada
valia. Os fatos provaram que, por esta vez, ao menos, os patrícios se enga-
naram. Entendo falar daquela turma de imbecis chefiados por aquele pobre (. .. )
doente, o Luiz de Castro. Por que não vêm cá todos estes grandes musicistas
com seu chefe? Não é dinheiro que lhes falta para a viagem, portanto, por que
148
outros que não gostam de ouvi-la, que escutem outras, existem tantas! não trazem as suas obras-primas?
Este senhor (. .. ) diz que eu sou romano, que sou da escola de Roma.
Valeria a pena que eu lhe recordasse toda a minha história artística w. Mas O "diário de Munique" é um escrito a mais no amplo debate do que é ser
se ele não escuta quando se lhe fala, quer dizer que é surdo, e se é surdo, brasileiro. Verifica-se que Oswald tenta manter acesa a escolha cultural, Floren-
84 I Henrique Oswald

Solidão voluntária

Após visitar Florença por curto período, Henrique Oswald volta ao


Brasil. O ano de 1906 será o da demissão, em caráter irrevogável, do cargo
de diretor do Instituto Nacional de Música. Continuará, contudo, ligado ao
149
estabelecimento • A partir do desligamento desta - para ele - difícil
atribuição, cada vez mais acentuadamente Oswald se dedicará ao ensino
150
particular •
Neste período solitário e amargo, durante alguns anos o piano será para
o compositor-professor o meio de subsistência através de aulas, muitas delas
a domicílio, o que o levará, muitas vezes, a percorrer os vários trajetos
destinatários de bicicleta.
Percebe-se urna diminuição criati va de 1906 a 1912, com relação ao re-
pertório composicional pianístico. Os Trois Études para piano são quase ex-
ceção.
Oswald continuaria a prática constante do estudo pianístico e os con-
certos realizados atestam uma participação ativa como executante de suas
próprias criações. As críticas sobre Oswald pianista e compositor exaltariam
constantemente as suas qualidades. Um concerto no Salão do Instituto Na-
cional de Música em 1o de julho de 1906, unicamente com obras suas, tem
corno regente do conjunto de câmara o amigo Francisco Braga "'. Oswald
interpreta, na récita, o Concerto para piano e orquestra (reduzida para con-
Henrique Oswald (início do século). junto de câmara) op. 10 e o Quinteto, op. 18.
Os problemas financeiros de Oswald acentuam-se após a demissão.
ça. Os dados contidos no "diário" explicam algumas de suas opções. O fato de Não são desesperadores mas provocam sempre forte contenção. As cartas à
estar fixado no Brasil de 1903 até a morte, com rápidas viagens à Europa, im- mulher Lau e o diário desta evidenciam cifras enviadas e recebidas ou, por
buído de ideal cultural europeu, marginalizaria Oswald da luta pelo poder e das motivos burocráticos, tardiamente recebidas. Lau permanecendo em Floren-
vantagens que deste pudesse usufruir. Explicaria, igualmente, que, sendo uni- ça com a família, Oswald sendo praticamente a fonte principal dos recursos
camente músico e distante das ambições diretivas, a realização financeira se da manutenção dos seus na Itália. Há em Lau urna quase obsessão quanto
tornasse mais penosa. Explicaria o ter sempre trabalhado muito para o sustento às contas precisas, meticulosas, reguladoras dos parcos recursos a serem
dos familiares e, tendo aspirações aristocráticas, o viver com altiva dignida- administrados. Que toda esta situação evidencia-se preocupante para Oswald,
de. Finalmente, explicaria, quando das últimas décadas vividas no Brasil, a é notório. Tensões contidas no dia-a-dia e a gentileza no trato com as pes-
manutenção de sua escritura musical romântica européia. soas camuflariam a certeza da impossibilidade de ser diferente.
l.
r
86 I Henrique Oswald '·4 O personagem e sua saga I 87

A distância provoca nos Oswalds a necessidade de reaproximações


r intercala com o pai a execução da obra para piano solo, a produção came-
I rística e o Concerto para piano e orquestra. Em 29 de março de 1910,
constantes, que igualmente acarretam onerosos gastos. O filho Carlos, em í
Alfredo, em récita de música de câmara em Florença, apresenta o Quarteto,
pleno desenvolvimento como artista plástico, vem ao Brasil, fica com o
pai durante um certo período e retoma para Florença, chegando à cidade i op. 26 de seu pai. Em 20 de dezembro do mesmo ano, Henrique Oswald
toscana aos 17 de outubro de 1907, "bem alegre e pleno de esperanças!" •
152
i executaria, juntamente com Ricardo Tatti e Max Benno Niederberger, o Trio
Em fins de 1907, é a vez de Henrique Oswald viajar para Florença. Lá
chega em começos de 1908. Aos 14 de fevereiro, termina a Sonata para
+-
f
••
em Ré maior, op. 28.
No início de 1911, Oswald encontra-se em São Paulo. Apresenta-se no
violino e piano, op. 36 em Mi maior, onde uma abordagem próxima de Salão do Conservatório aos 23 de janeiro e 10 de fevereiro. Nos programas,
várias tendências estilísticas francesas se faz notar. Virtuosismo de Saint- unicamente são interpretadas obras de sua autoria: o Trio, op. 28, Quarteto,
Saens, alguns atributos encontráveis nas linguagens musicais de César op. 26, Quinteto, op. 18, peças para piano e o poemeto lírico Ofélia, que foi
Franck e Gabriel Fauré evidenciam-se com clareza. Frise-se: a obra foi cantado por Liddy Chiafarelli.
concebida nos momentos de solidão no Rio de Janeiro e finalizada em Em abril, Alberto Nepomuceno comunica a Oswald que Alfredo obti-
Florença. Nesta, no mesmo ano, compõe o Quarteto de Cordas, op. 39. vera estrondoso sucesso em recital realizado em Paris. Oswald escreve ao
Quando Oswald retoma ao Brasil, espera-o o sistemático trabalho como filho pianista cumprimentando-o pelo êxito e aconselha-o a não vir à Amé-
professor. Mantém-se em forma pianística. Em 1909, realiza-se uma apre- rica do Sul, ratificando postura já revelada no "diário de Munique", de 1906:
sentação histórica nos salões do INM. No segundo concerto sinfônico, pro-
movido pelo estabelecimento em 12 de novembro, o então diretor do Insti-
tuto, o compositor e amigo Alberto Nepomuceno, rege o Concerto para
Você não pode imaginar quantas saudades eu tenho de nossos tempos
em Florença. Meu Alfredinho, tenha juízo, lembre-se sempre da grande
piano, op. 10 de Oswald (em sua versão original para piano e orquestra
bobagem que cometeu seu pai, não te deixes seduzir por esta terrível sereia
sinfônica), tendo o autor como solista 153 •
que é a América do Su/' 56•
O estar solitário para Oswald é difícil e paradoxalmente grandioso. As
peças para piano do compositor, isoladas ou reunidas em coletâneas, distan-
ciam-se na cronologia composicional, pertencendo à fase de intenso conví- Neste período em que a ausência da família resultava em desânimo por
vio familiar em Florença. A música de câmara, esta intermediação oswal- vezes aparente, Oswald recebe um convite que o entusiasma. O governo
diana entre o piano solo e a música sinfônica, permaneceria sempre presente paulista de Albuquerque Lins organizara, para a Esposizione lntemazionale
mas transformada, poder-se-ia dizer, mais depurada. A solidão dá a Oswald di Torino, uma série de concertos. A iniciativa para a participação no evento
o sentido do amplo. O desânimo e a frustração quanto ao Brasil como um surgiu de Antônio de Pádua Salles, secretário da Agricultura e Comércio de
todo existem nesta fase, mas superdimensionados pela mulher Lau. São Paulo. Henrique Oswald fora convidado para organizar a programação
Os anos de solidão vêem nascer duas obras importantes na produção brasileira para a Exposição Internacional. Na lista dos intérpretes constavam
sinfônica de Oswald: Paysage d'automne 154 e, talvez a mais significativa, a alguns nomes proeminentes da música brasileira e alguns que despontavam
Sinfonia, op. 43 em quatro movimentos. Em abril de 1911, Oswald copia o na atividade artística: os pianistas Guiomar Novaes, Magdalena Tagliaferro,
material de orquestra da mesma 155 • O compositor passa, no período, uma das Alfredo Oswald; a violinista Celina Branco e outros. Entre os compositores
suas mais críticas fases de descrença quanto à situação do país, assim como brasileiros com obras escolhidas para serem apresentadas em concertos no
à sua condição. pavilhão brasileiro da Exposição de Turim: Carlos Gomes, Alexandre Levy,
Henrique Oswald é praticamente o único nestes oito primeiros anos de Paulo Florence, Henrique Oswald 157 No dia 6 de agosto, Oswald é o pia-
Brasil a divulgar, como pianista, as suas próprias obras. Sente-se que, a nista na execução do Trio, op. 28 e do Quinteto, op. 18 em programa uni-
partir da década de 10, o filho Alfredo, pianista já estruturado e competente, camente dedicado às suas obras. Aos 2 de setembro, Alfredo Oswald é o

-- - -~ -. ~~.-
88 I Henrique Oswald
O personagem e sua saga I 89

\;;
pianista da Sonata-Fantasia para violino e piano de Paulo Florence e do Quar-
teto, op. 26 de Henrique Oswald. A crítica saúda os eventos, elogiando a
maciça participação representada pelos numerosos e qualitativos concertos 158 •
II Em fins de outubro, Henrique Oswald recebe em Florença, onde per-
manecera alguns meses, telegrama de Alberto Nepornuceno, constando no
L mesmo a notíóa da·n~açãe·do-autof 00.-IJ Neige! como catedrático. do
Instituto Nacional de Música 159 • O compositor retornaria ao Rio de Janeiro
aos 14 de novembro de 1911, a fim de assumir o cargo que manteria até a
morte, em 1931.
A nomeação ratifica a reverência de músicos, alunos e leigos por Hen-
rique Oswald. Mais acentuadamente a partir de 1911, uma "aura mística"
cresce em torno de seu nome.
Lau, em seu diário redigido na Itália em começos de 1912, não escon-
de um certo desapontamento pelas pequenas falhas do marido quanto às da-
tas de aniversário das filhas, determinadas atenções ... O certo é que Oswald
escreve bem menos que Lau; e este fato, e mais o distanciamento geográfi-
co, poderiam até ter provocado um certo esfriamento afetivo por parte do
compositor. É uma hipótese apenas. Contando o quase um ano passado no
Consulado do Havre e mais a longa separação, que se estenderia de 1903 a
1912, são aproximadamente dez anos em que o casal permanece praticamen-

It
te separado, pois relativamente curtos foram os períodos em que estiveram
juntos. As cartas à mulher, residente em Florença e cuidando dos filhos, não
revelam, por parte de Oswald, aquilo que Lau gostaria de ler.
Por outro lado, um desenho feito por Oswald nesse período é profunda-

II mente intrigante, considerando-se os padrões morais do compositor, a sua dis-


crição e, até, a sua timidez. Trata-se de um evidente auto-retrato, e bem ela-
borado. Contudo, Oswald está fumando e de seu cigarro ou cigarrilha sai urna

I
fumaça sinuosa, que se liga à de uma cigarrilha de uma mulher. Oswald está
num primeiro plano. No auto-retrato há ausência das mãos e, à mesa ou bal-
cão, próximas aos braços do compositor, duas cartas de baralho. A figura da
l mulher fumando poderia sugerir a presença de urna mundana do início do

I século. Sonho? Fantasia? A ausência das mãos não poderia indicar uma auto-

l censura, em sendo ele um pianista? As iniciais claras H. O. ratificam possíveis


intenções, que ficam sem resposta •
160

Da mesma maneira, determinados atos de Henrique Oswald ficam, por


t enquanto, obscuros. Qual a motivação exata que o prende ao Brasil, quando

Ii
~
toda a família permanece na Itália? O "diário de Munique" já registrara a sua
90 I Henrique Oswald :~w,~-:_=_·· r .a-:. c _c~·,;c:;.~ ,,, <..

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I
opm1éiO, em momento crítico, sobre o Rio de Janeiro e algumas pessoas,

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sendo que a carta ao filho Alfredo, cinco anos após, estende igualmente
opinião negativa com relação à América do Sul. Sem estar na direção do
definitivamente para Florença. Ele mesmo confessara no "diário de Muni-
que" que, na cidade toscana, ele poderia dar aulas e viver. ...J.-_, y ~' ~ ~- ----·--·-- -- - -- "'
Há urna força estranha, inconfessável, que o prende ao Brasil de 1903
a 1912, anos de solidão voluntária. Três entre algumas hipóteses poderiam
ser formuladas. A primeira, ligada ao desafio representado pelo chamamento 'l1V ~~~~~~~~~~;;
oficial, em 1903, para dirigir o INM e que, apesar da demissão posterior,

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motivou-o a continuar lutando por ideais ligados à melhoria das condições .. ~ -+===z:-F~-9
dos que o procuravam para as aulas. Nesta hipótese, a qualidade de alguns ----._l~:-~

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músicos dentre os melhores brasileiros atesta uma viabilidade. Uma segun- v' i=
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da, ligada à primeira, seria a de provar aos seus detratores que eles estavam
errados; e aqui se incluiriam burocratas, colegas menos dotados e outros.
t.
Uma terceira estaria ligada a um aspecto inconsciente. Apesar de sentir-se
europeu, como o atesta o "diário de Munique", não teria havido um conflito
entre o sentir-se europeu e o ser brasileiro, desarticulando-o completamente
quanto a qualquer ligação posterior com os movimentos nacionalistas? \ ~---

O certo é que, em 1912, parte do drama oswaldiano teria atenuantes.


Nesse ano e no seguinte, todos os Oswalds estariam reunidos no Rio de
Janeiro.
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1 '·Paysage d'automne" p/ orquestra.


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l-):

Tutti riuniti

Após apelos insistentes de Lau para voltar ao Brasil definitivamente,


Oswald compreende a situação delicada. Em 1912, a mulher, Lau, e a filha,
Sissy, chegam ao Brasil para ficar. Subsistir torna-se ainda mais penoso para
Henrique Oswald. Aulas infindáveis durante o dia esmorecem-no fisicamen-
te. Instituto Nacional de Música, Escola de Música "Figueiredo Roxo" e au-
las particulares preenchem largamente o espaço de tempo reservado à obten-
ção de recursos. Escreve a Alfredo, denotando o mais profundo abatimento:

A nossa vida aqui é sempre a mesma. Sissy e eu levantamo-nos cedíssimo


e, às sete, todas as manhãs, ela me acompanha até o portão. Na cidade tenho as
aulas de sempre, sendo que a única coisa que consegui, na realidade, foi voltar
mais cedo para casa, lá pelas 3 ou 4 horas, quando o calor é insuportável. Ao
voltar, estou tão cansado que me deito com um livro ou uma revista nas mãos,
não podendo sequer pensar em trabalhar, seja ao piano, seja compondo.
A arte já acabou para mim, restando-me apenas o "métier". Não pen-
so nisso, agradecendo sim a Deus, pois este "métier" serve para que ali-
161
mente a minha família. Isto é o essencial, o resto é luxo

Na mesma carta, Oswald comenta a apresentação da Sonata para violino e


f piano, op. 36, realizada em primeira audição aos 14 de dezembro, no Salão do
INM, tendo Ricardo Tatti ao violino e ele ao piano. A autocrítica é severa e não-

' desprovida de ce11o humor: " ... o concerto do Instituto (um honor), a minha Sonata

Em maio de 1913, Carlos, Alfredo e a mulher, Mímola, chegam ao Brasil •


Não muito tempo após, é a vez da filha Mim ma e do genro, Odoardo, juntarem-
se aos Oswalds. A família está novamente completa. Este doravante intenso con-
162
foi assassinada por Tatti e por mim, não obstante a crítica favorável dos jornais" •
163

vívio atenuará a crise de pessimismo que acometera o compositor.


Aos 13 de julho de 1914, os primeiros sintomas de uma lenta desati-
vação de Oswald como pianista. No Salão Germânia, em São Paulo, o filho
Alfredo será o pianista do Quarteto, op. 26, enquanto o pai o será do Quin-

I
teto, op. J 8, executando igualmente as peças para piano solo. No Teatro
Lírico do Rio de Janeiro, em concerto pró-Bélgica em benefício das viúvas,

I
94 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 95

órfãos c outras vítimas da guerra, em 10 de outubro de 1914, Oswald participa


como pianista do Quinteto, op. 18.
A família Oswald reunida nos anos vindouros, de tensão mundial devido
à primeira Grande Guerra, entrosa-se mais e abre-se para a comunidade musical
de maneira abrangente. Primeiramente, os Oswalds residem na Rua São Fran-
cisco XaYier, mudando-se em seguida para a Rua Haddock Lobo e, finalmen-
te, para a Rua Paissandu. Uma ligeira melhora financeira possibilita a compra
de uma casa em Petrópolis, onde os Oswalds passarão dias de descontração.
Com o decorrer dos anos, a moradia dos Oswalds seria uma extensão da
vida musical do Rio de Janeiro. Os artistas brasileiros e internacionais visita-
vam-na com freqüência. O diário de Lau é pródigo na citação dos que compa-
reciam à sua casa, a fim de conversar c executar música para piano, e para can-
to e piano, mostrar obras camerísticas, improvisar, conviver em proximidade
com aquilo que os Oswalds praticavam em Florença: a confraternização musi-
cal burguesa, sem questionamentos ideológicos maiores. Apesar das dificulda-
des financeiras, há sempre a imperativa necessidade da subsistência musical.
Desenho de Henrique Oswald
Freqüentavam a casa de Henrique Oswald geralmente aos sábados: os
compositores Alberto Nepomuceno, Lorenzo Fernandes, Luciano Gallet, Fru-
Sente-se que a estabilidade funcional e a "entourage" familiar proporcio-
tuoso Viana, Barrozo Netto, Villa-Lobos e, assiduamente, Francisco Braga;
naram a Oswald um novo surto de criações. Obras para canto e piano e came-
as pianistas Magdalena Tagliaferro e Guiomar Novaes; intérpretes; críticos e
rísticas, gêneros muito freqüentados por Oswald em Florença, surgem em
muitos outros. Entre os estrangeiros que passaram pelo Brasil em "tournées":
quantidade inusitada, comparando-se ao que escrevera até então no Brasil. Dir-
Miecio Horzowsky, Pablo Casais, Carlo Zecchi, Alexandre Borowsky, lgnaz
se-ia que a família reunida o fez voltar a determinadas origens composicionais.
Friedman, Joseph-Edouard Risler, Arthur Rubinstein, Alexandre Brailowsky,
Observe-se, contudo, que doravante é outra a tensão envolvendo a textura
o compositor italiano Ottorino Respighi. O escritor e poeta francês Paul Clau-
musical e todo o acervo dramático cumulando a vida de Oswald de 1903 a
del e o compositor igualmente francês Darius Milhaud foram freqüentadores
1913 não pode ser esquecido. Em torno dos anos 15, surgem para canto e
permanentes entre os anos de 1917 e 1918.
piano: Minha Estrela, poesia de Esther Ferreira Vianna; Sinos, poesia de Olavo
O período em que a família Oswald passa reunida no Rio de Janeiro
Bilac; Cantiga Boêmia, poesia de Olegário Mariano; obras camerísticas: So-
foi, inicialmente, de adaptação ao ambiente cultural; ao clima, tantas vezes
nata-Fantasia, op. 44 165 , Trio, op. 45 para piano, violino e violoncelo.
considerado por Henrique e Lau como insuportável; às novas relações de
Aos 13 de agosto de 1916, o Trio Barrozo-Milano-Gomes apresenta,
amizade; e a um novo ciclo de alunos, que acorria mais assiduamente às
no Salão do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, o Trio, op. 45 e a
aulas do respeitado professor.
Sonata-Fantasia, op. 44, esta tendo Barrozo Netto como pianista e, ao vio-
Em 2 de janeiro de 1915, dá-se a 24" audição da Sociedade dos Con- 166
loncelo, Humberto J\!Iilano •
certos Sinfônicos do Rio de Janeiro, récita realizada no Teatro Municipal.
A Sinfonia, op. 43, composta entre 1910-1911, tem sua primeira audi-
Dedicada inteiramente às obras de Henrique Oswald, tem Alfredo como
'~ão no dia lo de oulubro de 1918. Apresentada no Teatro Municipal do Rio
solista do Concerto para piano e orquestra, op. 10 e, como regente, Fran-
de Janeiro, teve como regente Marinuzzi, à frente da Orquestra do Teatro
cisco Braga. As críticas foram favoráveis, lamentando o crítico do Jornal do 167
104
Colón de Buenos Aires
Comércio a não-presença de alguns colegas •
96 I Henrique Oswald

Darius Milhaud: o interlocutor antagônico

N'avez-vous jamais eu subitement besoin de sympa-


thie, de secours, d'amitié? Oui, bien sür. Moi, j'ai appris
à me contenter de la sympathie. On la trouve plus
facilement. et puis elle n' engage à rien.

Albert Camus - La Clzute

A relação de Henrique Oswald com a música e músicos franceses


tornou-se sempre acentuada a partir do final do século, com o conhecimento
que travara com Saint-Saens. Entre os compositores, intérpretes e professores
franceses ou radicados na França, contam-se: Gabriel Fauré, Louis Diémer,
Gabriel Pierné, Izidor Philipp, Maurice Dusmenil, Moritz Moskowsky, Jo-
168
seph-Édouard Risler e outros • Estes músicos pertenciam a vertentes do
movimento romântico, em graduações diferenciadas.
A obra de Henrique Oswald, tantas vezes comparada à de César Franck,
Fauré e Saint-Saens, demonstra uma empatia com determinados atributos

l
l
encontrados entre os compositores franceses que praticavam decorrências ro-
mânticas.
Darius Milhaud quebra a linhagem precedente. Jovem- ao vir para
o Brasil contava 25 anos - , o compositor francês deslumbra-se com o Rio
t de Janeiro. É Milhaud quem conta a sua vinda:

Casa de H. Oswald em Petrópolis


l Em 1917, Claudelfoi nomeado Ministro da França no Brasil e me leva
como secretário. Passamos dois anos nesse país maravilhoso, em contato
com a grande floresta tropical 169 •

O autor sofre o impacto desde o primeiro instante:

Meu contato com o folclore brasileiro foi brutal; cheguei ao Rio em


pleno Carnaval e logo senti profundamente o vento que soprava sobre toda

I
a cidade 170 •

Sendo a casa dos Oswalds extensão de ambiente europeu - moradia que


acolheu um sem-número de celebridades que passavam pelo Rio de Janeiro-
percebe-se o que deve ter significado para o jovem recém-chegado "nesta
f 171
grande solidão, há um mês de distância dos correios postais da Europa' , o
I
~c
98 Henrique Oswald O personagem e sua saga I 99

contato caloroso com os Oswalds. Pareceria certo afim1ar que Paul Claudcl histórias divertidas, preferencialmente anedotas sobre cantores de ópera, segui-
e Darius Milhaud encontraram no Rio interlocutores de uma elite embasada em das de boas imitações destes. Em contrapartida às histórias contadas, eu também
refinamentos europeus, franceses mais precisamente. Juntam-se ao convívio contei algumas do meu repertório, obtendo igualmente grande sucesso. Aí, nos-
equalitário intelectual o folclore, a música urbana tipificada e as paisagens da so bom-humor virou um leve pandemônio, com cada um dos presentes tentando
cidade e tem-se o quadro completo. contar uma história melhor e todos falando em voz alta e ao mesmo tempo.
A relação de extrema amizade que se estabeleceria entre Darius Mi- Do outro lado da mesa esta\Ja sentado um homem que ria com grande
lhaud e Henrique Oswald interessa sobremaneira quanto ao estudo biográ- discrição. A expressão de seu rosto fascinou-me - ele parecia mais brasi-
fico dos dois compositores, assim como à melhor compreensão da fidelida- leiro que os outros, causando a impressão de um descendente de portugue-
de do autor de ll Neige! aos seus postulados estético-musicais românticos, ses ou italianos. Esse homem tranqüilo era gordo, bem-barbeado, rosto
desvinculados de qualquer tendência nativista brasileira. redondo, tez mais morena que os outros, e tendo olhar triste e inteligente.
Milhaud e Claudel foram reiteradas vezes convidados a freqüentar as O que mais me impressionou nele foi o seu francês fluente. Após um certo
reuniões em casa dos Oswalds; tocava-se muito e discutiam-se assuntos lite- tempo, dirigi-me a ele: "Permita cumprimentá-lo pelo seu impecável fran-
rários, pictóricos e outros. Milhaud, com o passar dos meses, tornou-se um cês; jamais ouvi um estrangeiro com tamanho domínio desta língua bonita
"habitué'' dessas reuniões, onde não faltava a mesa farta, apesar das dificul- e difícil". Ele sorriu. "Eu sou francês", disse-me ele, tranqüilamente, "sou
dades financeiras dos Oswalds. O autor de Saudades do Brasil descreve: o secretário particular do Ministro da França. Meu nome é Darius Milhaud
114
e sou violinista e compositor". Eu nunca tinha ouvido falar dele •
O diretor do Conservatório, Henrique Oswald, me convidava muitas
vezes para jantar aos domingos; sua mulher, uma florentina espirituosa e Os relatos de Milhaud e de Rubinstein revivem o ambiente em que os
viva, mantinha com seus filhos uma exuberante alegria. Lá eu encontrava Oswalds viviam e servem como crônica do período. As impressões que fica-
o regente dos Concertos Sinfônicos do Rio, Francisco Braga, que freqüen- ram registradas na psique de Milhaud seriam transmitidas aos Oswalds a partir
tara em Paris os cursos de Massenet, assim como um jovem casal de mú- de 1918, quando de seu regresso para a França. Alguns trechos desta corres-
sicos recém-casados: os Oswald Guerra. Oswald compunha música impreg- pondência inédit8-entre Milhaud e os Oswalds tornam-se de grande interesse
nada de influência francesa e sua mulher, Nininha, igualmente dotada para para a melhor compreensão do envolvimento extremamente amistoso entre
a composição, era, sobretudo, uma excelente pianista 172 • Milhaud e os outros participantes do ambiente criado pelo casal anfitrião:

Em uma dessas reuniões, Arthur Rubinstein, de passagem pelo Brasil ... é sábado à noite e eu penso que se estivesse no Rio, iria visitá-los.
numa de suas "tournées" triunfantes, é convidado pelos Oswalds e relata Era "exquis" os sábados em casa dos Oswalds. Talvez, nesta noite, vocês
com humor o jantar a ele oferecido: tenham: os Guerra tocando a música moderna francesa; Braga que ri; Gal-
let que toca a Sonata de Liszt; Octaviano fantasiado de índio; Mimma jo-
173 gando almofadas nas cabeças de todo mundo. ( ... ) Fora, o luar tropical que
O diretor do Conservatório Nacional, Maestro Henrique Oswald , um
inunda o belo cactus perto de sua casa, na Rua São Francisco Xavier. Aqui,
"channing gentleman" em seus sessenta anos, convidou-me para jantar e pas-
apesar do verão, acho que não faz calor, que a lua não é tão brilhante, que
sar algumas horas com proeminentes músicos da cidade. Foi uma ótima opor- as árvores são muito pequenas, que as frutas não têm o mesmo sabor, que
tunidade para aprender sobre a vida musical do Brasil. O anfitrião, a anfitriã as flores não têm o mesmo perfume e que as pessoas são bem menos gentis
115
e os convidados ocuparam a longa mesa. Eu sentei-me ao centro, entre dois que os meus amigos do Rio, como vocês e os meus outros caros •
importantes compositores, professores de harmonia e contraponto. Francis-
co Braga e Alberto Nepomuceno. Como é hábito entre os músicos, a conver- Em outra carta, Milhaud se recorda da paisagem perto da casa dos
sa tornou-se bastante animada após o primeiro copo de vinho, com muitas Oswalds e fala um pouco de si:
100 I Henrique Oswald
O personagem e sua saga !101

Faz frio e eu tenho inveja do sol, e das grandes palmeiras, e do


Percebe-se que o elogio a uma estética da qual se mostraria um crítico
engraçado cactus da Rua São Francisco Xavier, perto de sua casa à esquer-
arguto, é tributo igualmente ao compositor que, bem mais velho, é amigo e
da, quando se vem de "bonde" ( ... ) se me pedissem escolher entre "ir ao
interlocutor benevolente.
Paraíso" ou "retornar ao Rio", creio que escolheria retornar ao Rio ( .. .)
Ao participar cada vez mais acentuadamente, no Brasil, da busca do
Vou escrever música para um filme de Carlitos. Adoro o Carlitos ( .. .) Vocês
"novo", representado pelo folclore e pela música urbana do Rio de Janeiro,
podem me achar ainda mais louco que no Rio. O Milhaud maluco 116•
Milhaud incorporaria à sua linguagem musical, voltada à politonalidade, alguns
dos elementos musicais brasileiros '"'. Certamente, em muitas oportunidades
Entre os Oswalds e Milhaud, a correspondência será de certa regula-
nessas constantes e felizes visitas aos Oswalds, Milhaud deve ter destacado,
ridade. Cumprimentam-se mutuamente nos aniversários e trocam notícias do
com entusiasmo, este interesse pela música brasileira de cunho popular ao seu
cotidiano. Quando do nascimento do filho Daniel, Milhaud escreve:
interlocutor idoso. Ao regressar para a França, em 1920, distante do contato
O Rio é tão distante que, no momento em que vocês receberem a minha imediato, Milhaud é incisivo na crítica aos compositores brasileiros, que per-
carta, o bebê já será um homenzinho, a quem nós cantaremos modinhas 171 • sistiam num caminho tradicional:

É lamentável que todos os trabalhos de compositores brasileiros, des-


Por ocasião da morte de Henrique Oswald, Milhaud escreve carta pun- de as obras sinfônicas ou de música de câmara, de Nepomuceno e Oswald
gente à Madame Oswald. Quando da morte desta, à filha do casal desapa- até as sonatas impressionistas, ou de obras orquestrais de Villa-Lobos (um
recido, Mimma 178 • jovem de temperamento robusto, cheio de ousadias) sejam um reflexo das
Qual a real importância deste relacionamento, sob o aspecto estético- diferentes fases que se sucederam na Europa de Brahms a Debussy e que
musical, entre um jovem e impetuoso compositor francês, ávido do conhe- o elemento "nacional" não se exprima de maneira mais viva e mais origi-
cimento não-convencional, e Henrique Oswald, aos 65 anos de idade? nal. A influência do folclore brasileiro, tão rico de ritmos e duma linha
melódica tão particular, faz-se sentir raramente nas obras dos compositores
O código musical apreendido por Oswald é, todo ele, voltado às vertentes
cariocas. Quando um tema popular ou o ritmo de uma dança é utilizado
românticas. Os músicos franceses que conheceu, professavam aproximadamente
numa obra musical, esse elemento indígena é deformado porque o autor vê
as mesmas codificações. Milhaud vem a ser a "antítese" do compartilhar idéias através dos olhos de Wagner ou de Saint-Saens, se ele tem sessenta anos,
afins, estando o músico francês já imbuído de determinados princípios de técni- ou de Debussy, se tem apenas trinta ' 81 •
ca composicional que fugiam ao campo plurifacetado da estética romântica.
Por outro prisma, até a vinda para o Brasil, Milhaud ouviu muita música Importa compreender que os possíveis encorajamentos à música de cará-
que obedecia à citada estética. Decorre daí, o fato de o julgamento que faz de ter nacional, feitos a Oswald por Alberto Nepomuceno e Luciano Gallet até
Oswald, quando o impacto é o auditivo imediato, ser extremamente elogioso, então, não passavam de tentativas de músicos brasileiros a um compositor que
vindo ao encontro do acervo romântico adquirido. Milhaud escreve ao crítico está desvinculado do emergente processo visando a um código musical pátrio.
Rodrigues Barbosa, comentando a audição de um Trio de Henrique Oswald: Com Milhaud o problema é distinto. O pensamento do compositor francês
( .. .) para que os leitores do Jornal do Comércio saibam o quanto eu quanto às suas tentativas poli tonais e ao aproveitamento do folclore e da músi-
amo o "Trio" do Sr. Henrique Oswald, que revela uma sensibilidade tão ca urbana na elaboração erudita, deve ter sido exposto nas conversas durante
delicada, uma grande distinção na expresssão de seus sentimentos. Não se os longos serões em casa de Henrique Oswald. O Trio "Serrana" de Oswald é
pode pensar no primeiro movimento, no qual o balanço das quiálteras sus- de 1918 e, apesar do ritmo sincopado, é obra curta, discreta, mantendo-se dis-
tentam-no de ponta a ponta, sem se emocionar. Eu admiro particularmente tante de uma "vocacionada" composição brasileira. Anteriormente compusera,
a forma impecável deste Trio, o senso exato de suas proporções e o equi- em 1917, L' Enseigne para orquestra e Invocação à Arte para coro e orquestra.
líbrio sempre perfeito da sonoridade 179 • Não se tornaria, pois, Milhaud, o primeiro e competente músico vindo da Eu-
102 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 103
ropa para dialogar a respeito de novos processos e, igualmente, da música
onde ingredientes nativistas são aproveitados?
Se, por um lado, Oswald estava a par daquilo que ocorria musicalmen-
82
te na França ' , o impacto direto da fala de Milhaud não foi suficiente para
uma mudança. Isto explicaria, de maneira mais incisiva, o não-engajamento
futuro, quando da eclosão definitiva do movimento musical nacionalista.
Dir-se-ia que Oswald já houvera sido intensamente convidado e apesar dis-
so, não aderira.
As marcas do captado no Brasil, sob o aspecto musical, ficarão eviden-
tes em algumas obras de Darius Milhaud, como: os bailados L'homme et son
désir, sobre argumento de Paul Claudel (Paris, 1918); Le boeuf sur le toit,
sobre argumento de Jean Cocteau (Paris, 1920); La création du Monde,
sobre argumento de Blaise Cendrars (Paris, 1923); os dois cadernos para
piano Saudades do Brasil (1920-21); Scaramouche para dois pianos m_
Henrique Oswald, após a partida de Milhaud, iniciava a longa caminhada
de síntese estilísica. O Quarteto, op. 46 é de 1921, contudo, a penetração na
década de 20 é marcada pelo encontro seguro com o gênero musical sacro.

r
l Henrique Oswald em seu piano.
Anos de calmaria

No início de dezembro de 1918, Oswald termina uma segunda pro-


dução para piano e orquestra. Trata-se do Tema e Variações, dedicada a Al-
fredo e obra com a qual este muito se identificara, apresentando-a em diver-
sas oportunidades. Em 1919, seguindo possivelmente o caminho anterior,
compõe Tema e Variações Sobre um Tema de Barrozo Netto, a sua obra uni-
tária mais extensa escrita para piano solo, síntese de vários processos técni-
co-pianísticos anteriores.
Os anos 20 são, para Henrique Oswald, os do triunfo estabelecido. Todos
o respeitam, mas a sua música continua a ser pouco executada. A década de 20
é igualmente pródiga nos relatos minuciosos por parte de Lau; e o diário e as
cartas ao filho distante, Alfredo, tornam-se a possibilidade do narrar o cotidiano
caseiro, os acontecimentos do país e a preocupação constante com a saúde de
Enrico ou "papa", ou ainda "papaino". A narrativa de Lau é o filtramento do
acontecido, num caminhar da tênue alegria aos presságios cinzentos. Deve-se
ater: os anos de calmaria já prenunciam, para Lau, tempos sombrios.
Aos 22 de julho de 1920, Henrique Oswald recebe a Médaille du Roi
Albert (avec ruban strié d'une rayure), distinção do governo da Bélgica.
Entre julho e agosto de 1921, Oswald completa o Quarteto, op. 46 para
violinos, viola e violoncelo. O diário da mulher fixa: "O Quarteto de papa é

I moderno, explêndido, especialmente o adágio" •••. Próximo dos setenta anos, o


compositor apresenta uma obra onde a textura musical é extremamente depu-
185
rada, dir-se-ia a síntese de toda a anterior produção camerística • Compõe no
mesmo ano o "Étude pour la main gauche", uma obra para piano rigorosamente
singular quanto à estrutura formal.
Nos períodos de descontração, Henrique Oswald refugia-se com a família
em Petrópolis, tendo a casa varanda, árvores seculares e um rio correndo pa-

I
ralelo à Rua Carlos Gomes. Aos 20 de janeiro de 1922, ei-los, Henrique, Lau,
Mimma e a filha de criação, Lully, em Petrópolis. No dia 24, Oswald retoma
186
ao Rio: "Papa esteve no Rio para dar aulas. Ele está cansadíssimo" • Estas idas
ao Rio correspondiam à realidade dos Oswalds, ou seja, o compositor tinha que
dar inúmeras aulas de piano para suprir o orçamento familiar "'.

-------------- ---------- -----


____l ____
O personagem e sua saga j107
106 I-Henrique Oswald
Em outubro do mesmo ano, o compositor e pianista português Viana
Não há nenhuma alusão, nos escritos de Lau, à "Semana de Arte Moder- da Mota pensa realizar a execução de Paysage d'automne, não o fazendo por
na" realizada em São Paulo, em fevereiro de 1922, nem a suas repercussões. não poder contar com alguns instrumentistas a mais para o mister. Em carta
Lau não esconde, em seu diário e em suas cartas, a preferência - certamen- a Oswald, tece comentários elogiosos à obra •
193

te do casal -pelo movimento cultural de São Paulo, num senso tradicional Em fevereiro de 1923, Lau escreve que Oswald está jovem de corpo
como público, receptividade e esmero na execução por parte dos músicos da e de espírito. A presença de alguns netos alegra o casal, quando em Petró-
cidade. Sob outro aspecto, que eles liam os jornais, pareceria evidente. Aos 13 polis. Os anos de ~~l~~i~-;-ã-;;t;:;-bém-os anos da desativação completa de
de abril do mesmo ano, Laudômia comunicava ao seu diário que anúncios e Oswald pianista, não deixando, porém, de estudar piano diariamente na in-
188
contra-anúncioscitavam a morte de Chiafarelli • Haveria, sim, um distan- timidade do lar. Oswald, neste período, trabalha suas obras com alguns de
ciamento de Oswald com relação a qualquer tendência voltada ao nacional. seus intérpretes. Em abril, ei-lo ativamente a assistir aos ensaios de Barrozo
1 9
Daí o silêncio quanto à recepção de artigos sobre a "Semana" ' • Netto. Lau espanta-se e acha que chegou o momento de repousar. Esta sua
Nestes anos de calmaria, Oswald permanece ministrando aulas preferen- insistência na desativação completa de seu trabalho como professor será
cialmente a compor. Na intimidade, amigos, músicos ou não, alunos e parentes utópica nos anos vindouros. Oswald não cessará de dar aulas. Os alunos e
ouvem-no tocar e o admiram. Fazer música, para ele, é respirar e Lau, fixando pianistas de renome no cenário brasileiro de então, J. Octaviano e Accioli,
o cotidiano em seu caderno de anotações ou nas inúmeras cartas a Alfredo, pre- executam, em 26 de setembro, a Sinfonia, op. 43, em transcrição para dois
cisa este relacionamento quase místico do marido com a matéria sonora. pianos, agradando ao compositor.
Na rotina destes anos calmos, o casal tem uma vida social intensa. Vai A casa de Petrópolis, refúgio dos Oswalds quando cansaço e calor
a concertos, só não comparecendo a uma récita se não recebe convites ou esgotam suas forças, é mobiliada e pintada em dezembro, a fim de ser
então quando os mesmos são caros. Na narrativa do dia-a-dia, muitas alu- alugada, o que, entretanto, não ocorreria. A ausência de reservas monetárias
sões a Villa-Lobos. Oswald admira a impetuosidade do jovem compositor. obriga Oswald a hipotecá-la, para poder emprestar 10 contos à filha Sissy e
190
Percebe um futuro promissor para Villa • Contudo, assim como deve ter ao genro Mário.
acontecido nos diálogos com Milhaud, não há por parte de Oswald nenhuma Em abril de 1924, assim como acontecera seis meses antes, são pres-
possibilidade de adesão irrestrita ao que se estava fazendo musicalmente no tadas homenagens a Henrique Oswald no Rio de Janeiro. Em setembro do
Brasil. Oswald não influi, igualmente, com o seu modo de pensar, o cami- 19
mesmo ano, Lau observaria: "como é forte este homem!" ", motivada pelo
191
nho a seguir e Luciano Gallet observaria este fato com agudeza • Oswald retorno às intermináveis aulas de piano após breve enfermidade.
encoraja, participa no desenvolvimento de seus alunos, passa-lhes o que Os anos de calmaria chegam ao fim. O final de 1924 é o limite da
conhece, mas não adere às tendências nacionalistas. Esta postura de obser- descontração plena. Doravante, as alegrias ficarão por conta: do convívio
vador, que encoraja mas não se vincula, é alvo de admiração declarada, com os netos, apesar de Lau mesma confessar que "papa nunca teve propen-
porém, origem da lenta e segura desativação de suas obras pelas sociedades são para o grande barulho" 195 ; das notícias que recebe das execuções com
de concertos em tempos futuros. sucesso das suas obras no Brasil e no Exterior; da realização de Carlos como
Lau em seu diário, dá conta das insistentes menções do compositor ao artista plástico; dos êxitos de Alfredo e, após, da definição deste e da nora
Instituto Nacional de Música, problemática jamais solucionada. O ano de 1922 pela vida eclesiástica; da sua lenta e progressiva ascensão mística.
é o ano da Independência. O Rio de Janeiro, doravante, é a cidade "bonita" e
que agrada ao casal. É possível que a calmaria, a adaptação sonhada durante
quase vinte anos, tenha-se realizado.
Em agosto de 1922, Lau comenta: "Papaino tem esta noite um pequeno
ataque de paralisia" 192 • Lamenta o fato de que, neste momento de felicidade,
algo possivelmente perigoso possa acontecer.
108 I Henrique Oswald
.,, ,, Um longo crepúsculo
/I"
;t+
,:~· O ma vieil/e compagne, ma musique, tu es

·-r--
.J
meilleure que moi. (. . .) Je ne t'ai jamais trahie, tu
ne m 'as jamais trahi, nous sommes súrs l'wz de
l'autre. Nous partirons ensemble, mon amie. Reste
i avec moi, jusqu'a la fin!
l Romain Rolland - Jean-Christophe
I
tf
"Primeira pequena operação de papa. O ano começa mal"" • 1925 é o
6

início da progressiva queda física para Henrique Oswald. Os sintomas de um mal


no aparelho urÍnário, surgido em fins de 1923, recrudescem um ano após e, aos
2 de janeiro de 1925, o músico submete-se a uma pequena cirurgia, realizada pelo
Dr. Dias da Cruz. Lau questiona: " ... durará?" 197 Até a morte de Oswald, Lau
não mais cessará de ter preocupação obcecada com a saúde do marido.
Em fins de janeiro, parcialmente recuperado, o compositor vai a São
Paulo para ouvir a sua Sinfonia, op. 43, tendo Villa-Lobos à frente da or-
questra. A crítica não poupa elogios, apesar de se terem apresentado apenas
Um olhar aristocrático dois tempos da obra"".
No final de abril, Oswald recolhe-se à Casa de Saúde Dr. Eiras para
tratamento orientado pelo Dr. George de Gouvêa. Novamente, um mês após,
ei-lo parcialmente recuperado, retornando às suas aulas. Uma notícia alegre
no dia 27 de maio: a apresentação, com êxito, de sua ópera Il Neo.
Em meados da década de 20, o compositor apreende o desiderato final
do casamento de seu filho Alfredo. Este, solidamente estruturado como
concertista e professor do Peabody Conservatory of Music em Baltimore,
casara-se com Beatrix Bacchelli, filha de deputado por Bolonha no Parla-
mento italiano. Alfredo converte-a à sua religião antes do casamento, ela que
não professava culto algum. Rapidamente ela se incorpora à religião romana
e foi um apelo do noivo que a impediu de entrar para o convento antes do
matrimônio. Sem filhos, o casal resolve abraçar a vida religiosa; Alfredo e
Beatrix tiveram de esperar a longa tramitação junto ao Vaticano, que resul-
taria na separação e não na dissolução do casamento. Poucos meses antes da
t morte de Oswald, Alfredo entra para a ordem dos jesuítas como irmão leigo
e Beatrix, para a das carmelitas, recebendo o nome de Beatrix de Jesus J99.
f

1-
O personagem e sua saga l111
110 \ Henrique Oswald

ão de Alfredo e Beatrix, tendo origem no início da década de A volta ao lar dá-se aos 19 de março. Recebe a notícia do sucesso da ex-
Ares Oluç aluna Maria Antônia de Castro que, em Paris, executa o Andante e Variações
a inicialmente uma decepção em Oswald, que almejara para o
20, provoc eira de p~amsta . . - p Iena rea l'd
1 a d e, ate, entao
- - mas o desenrolar para piano e orquestra, acompanhada pela Orquestra Colonne, sob a regência
filho a carr . do compositor francês Gabriel Pierné (1863-1937). As críticas mostram-se fa-
cimentos transforma-se em aceitação velada, e, num último está-
dos acon t e voráveis, sendo que o crítico do Le Matin vê na obra algo francês 202 •
. em plena iQ..~ntifi_c!~-~~ ~<J_IIla vontade ~~--filho e nora.
0 Outra alegria. o recebimento da carta do renomado pianista e professor
gi ' que resultaria de tudo isso para Henrique OswàliiTUrnã âedica<;ão
0 do Conservatório de Paris, Isidor Philipp, em junho de 1926, comunicando-lhe
na à composição de música sacra, doravante imperativa. Não apenas este
ple afundamento místico gera a produção mas, igualmente, há intensa soli- que, na publicação de um trabalho seu sobre L'École Moderne du Piano, en-
a~r _ de Alfredo, em seu caminho eclesiástico, pedindo ao pai a criação comendado pela Editora Durand de Paris, a peça ll Neige! estaria incluída203 •
c1taçao Em fevereiro de 1927, o Quarteto, op. 46 obtém pleno êxito em São
ue pudessem ser executadas em sua comunidade religiosa.
de 0 b ras q 20
Paulo. "Como é diferente São Paulo do Rio", observa Lau J. Junho é o mês
Duas Missas, uma em Dó menor a quatro vozes mistas, com acompanha-
'raão· outra, de Réquiem em Mi menor para quatro vozes a capela; Pater de duas versões inacabadas de um Quarteto de cordas, op. 47. Em julho,
mento d e O "' ' Ottorino Respighi rege no Rio, alcançando retumbante sucesso; visita com
uatro vozes; Memorare a quatro vozes femininas; Tantum Ergo a três
Noster a q . . . ~ . a mulher os Oswalds e recolhe apontamentos sobre a música brasileira 205 •
culinas; Vem Sancte Sptntus a tres vozes masculmas e Magnificat a
vozes m as . Maria Antônia de Castro recebe em Paris, em nome dos Oswalds, as
es compõem o acervo sacro-musical cnado de 1925 a 1930, que viria
quatro v Oz . . "Palmes Académiques", condecoração oficial da "Instrução Pública", aos 21
do a obras antenores, como Ave Mana a quatro vozes; Ave Maria para
a ser soma de março de 1928.
Oh Salutaris Hostia a quatro vozes. A Sonata para órgão dedicada ao
soprano e . . . , , É com prazer que Henrique Oswald, Carlos, Mimma e o marido diri-
. t e professor F uno Franceschim, pertencente a esse penodo rmstico, teve
orgams a gem-se a São Paulo em 31 de maio de 1929, a fim de participar de uma festa
a estação, de 1925 a 1931, quando foi editada. Ao todo, seis anos em que
long g h' . d, .d , - em homenagem ao compositor. Em programação dedicada à sua obra, a
Oswald submete a Francesc m1 as suas uv1 as quanto ao orgao e suas registra-
- s Ascetismo deliberado faz o compositor cultuar a Fuga: processo linear aus- Sociedade de Concertos Sinfônicos realiza, no seu 90° evento, a récita con-
çoe · aJ·uda a compreensão dos conteúdos polifônicos em sua obra. Citem-se tendo: para orquestra, Prelúdio e fuga, três peças transcritas (Noturno, Bebé
tero, que s'endort, Sérénade), dois movimentos da Sinfonia, op. 43 (Adagio e Schcr-
, -ao prelúdios, fuguetas e fugas compostas nesse período crepuscular.
para org . zo) e o Concerto para piano e orquestra, tendo J. Octaviano como intér-
Em fins de 1925 agrava-se o mal de Hennque Oswald. Em princípios
206
inte a operação sendo inevitável, fazem-se todos os exames. Os prete • A crítica saúda efusivamente o espetáculo 207 •
do anos egu ' Intensificam-se, doravante, as homenagens a Oswald, que não cessa-
idade apresentam-se como dificuldade para o êxito da interven-
74 anos de riam até a sua morte. Percebe-se que o crescente acúmulo de elogios ao
. , gi·ca A vida insuportável que Oswald levava ultimamente é levada
ção c1rur · compositor não o afeta. A opção pela obra sacra, mais pronunciada doravan-
ta Operado da próstata no dia 23 de fevereiro pelo Dr. George
em con · , . " . 200 te, é a evidência da interiorização mística. Se, ideologicamente, Oswald é
~ na Casa de Saude Dr. Eiras. Segundo Lau, quase sem anestesia" .
Gouvea, censurado por parte da crítica pelo seu não-envolvimento com as correntes
No dia 24, em carta a Alfredo, Lau observa:
nacionalistas 20 ', esteticamente não se lhe fazem maiores restrições. Na efer-
Papai está apavorado e diz que trabalhará muito depois de sarar. Pelo vescência tumultuada em busca de uma escola nacionalista de composição
209
, ·a nós não o deixaremos trabalhar e arranjaremos bem os nossos musical, Mário de Andrade é o teórico • Um crítico do Correio Paulistano,
contran , ao analisar "Serrana" de Henrique Oswald, comenta os excessos a que che-
201
últimos anos 110
garam os modernistas, cometendo o articulista excessos, igualmente •
pavor a~ referia-se menos à complicada operação da próstata mas Em 1930, Henrique Oswald dá mostras de real definhamento físico. A
0
. , ~-t!BtU3 em dinheiro a que correspondia uma intervenção cirúrgica. música sacra tem como irmãs na criação algumas peças para piano, que o
s1ma ......
I
112 I Henrique Oswald O personagem e sua saga !113
compositor escreve para suas netas. Publicadas postumamente, estas peque-
nas obras de nível escolar são editadas periodicamente.
1930 é ainda um ano de vida social relativamente intensa. Reuniões,
musicais ou não, povoam esse agitado ano. A situação financeira, como de
hábito, não é risonha. Recebe o compositor dinheiro de seu filho Alfredo,
destinando-o à filha Sissy. Orgulho, sentir-se-ia diminuído? Em junho. nova
remessa de Alfredo a mãe, Lau, que sofre intervenção cirúrgica. Desta vez
1
I

I
Oswald aceita. Envia ao filho, que se tornaria organista e regente coral, a sua
r
Missa de Réquiem para ser divulgada.
O ano da morte parece ser pressentido por todos. As homenagens
tornam-se mais expressivas. Ao completar 79 anos de idade, há a celebração
de uma missa na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, quando se exe-
cutam unicamente obras de sua autoria. Um grande banquete é-lhe oferecido
no dia 14 de abril. Algumas das mais eminentes personalidades da cultura
brasileira e alguns políticos fazem-se presentes 211 •
Aos 28 de abril é eleito membro do Conselho Técnico-Administrativo
do Instituto Nacional de Música.
Celeremente a saúde se esvai. "Papaíno piora, piora sempre! O médico
diz que ele não viverá muito, pois é impossível fazê-lo repousar!" 212 • O mal
que o acomete, doravante, é a angina pectoris.
Francisco Braga rege no dia 30 de maio, no Teatro Municipal, um con-
certo sinfônico dedicado exclusivamente às obras de Oswald. Outro recital
homenageia o compositor, dele constando unicamente obras camerísticas.
Alguns dias antes da morte, o embaixador da França no Brasil, Conde Dejean,
comunica a Oswald que a França houvera por resolução distingui-lo, assim como
o maestro e amigo Francisco Braga, com o título de Chevalier de la Légion
d' Honneur. Convidava-o na ocasião para um banquete que se realizaria dias após. Henrique Oswald concertista

Aos 9 de junho, Oswald, após um dia de normalidade, que incluiu


leitura, arrumação de suas obras e aulas até o crepúsculo, sofre o ataque
cardíaco fatal. E sucumbe serenamente 213 • No diário de Lau, o dia 9 de junho
vem precedendo uma cruz: "Papaíno está morto( ... ) todos o adorávamos!" 214
Durante o velório foi colocada na lapela de Oswald a fita vermelha da
condecoração francesa. O enterro deu-se no dia 10 de junho, acompanhado
215
por numeroso séquito • Quatro discursos foram pronunciados à beira do
216
túmulo, salientando-se o de Luiz Heitor • Sobre a lápide, no cemitério de
São João Batista da Lagoa, a máscara mortuária, executada em bronze pelo
escultor Paulo Mazzuchelli, atestaria um derradeiro tributo.

I
Notas da primeira parte
""c:\: c

I. Nos vários documentos de Jean-Jacques, concernentes aos seus deslocamentos

L I"
"l
pela Europa, Turquia e Argélia, e emitidos por autoridades oficiais, constam o
nascimento e a idade, e não o ano em que teria nascido. Este pode ter sido entre
1806 e 1808. A sua morte teria ocorri<to entre 1877 e 1880. Carlota nasceu
aproximadamente em 1820, dia e mês comprovados: 22 de setembro. A sua
morte ocorreu aos 13 de fevereiro de 1903. O casamento de Jean-Jacques e
t Carlota foi celebrado aos 27 de setembro de 1840, na cidade italiana de Livorno.
2. Carta de 16 de novembro de 1843. Arq. part. MIOM.
3. Em passaporte "au nom de la Confédération Suisse", expedido em Alger aos 19
de setembro de 1850, encontra-se o requerimento para livre trânsito de Monsieur
~ Jean-Jacques Oswald e de sua esposa, Charlotte Cantagalli, para se dirigirem a
! Marselha. Partiram dia 20 para este porto, sendo que aos 28 do mesmo mês obtêm
i visto para Paris. Aos I O de outubro, a Administração Sanitária da República Fran-

I cesa no porto de Cette (Sete), a oeste de Marselha, certificava, através dos docu-
mentos 148 e 149, que Jean-Jacques Oswald, de 42 anos, e Carlota Cantagalli
Oswald, respectivamente, poderiam partir para o Rio de Janeiro a bordo do "Ce-
rese", de bandeira sarda. No dia seguinte, no verso do mesmo documento, ao lado

\ do timbre do "Vice-Consulado do Brasil em Montpellier", a autorização final para


a partida do casal com destino ao Rio de Janeiro. Arq. part. MIOM.
4. Carlota Oswald precisa, no verso da passagem emitida pela "Linha Intermediária
\ de Paquetes a Vapor de Caravelas a Santa Catarina", o horário (11 da noite) e

I 5.
as duas explosões. Arq. part. MIOM.
Cf. Carlos Penteado de REZENDE, Dois Meninos Prodígios, p. 21. A neta do
compositor, Maria Isabel Oswald Monteiro, afirma ter presenciado, quando
menina, reações angustiadas do avô por ocasião de relâmpagos seguidos de
trovoadas e tempestades.
6. A Rua da Casa Santa, hoje Riachuelo, situava-se entre a extremidade da Rua do
Príncipe, hoje Quintino Bocaiúva, e uma extremidade em apêndice do Largo de
São Francisco, ligando basicamente o Largo de São Gonçalo, hoje Praça João
Mendes, ao Largo de São Francisco. A origem do nome Casa Santa vem de uma
construção onde os franciscanos, através da caridade, distribuíam comida aos
necessitados. A posição da Rua da Casa Santa situava-a praticamente como rua
limítrofe da cidade, tendo como seqüência paralela o vale do Anhangabaú. A
planta consultada foi a primeira da Imperial Cidade de São Paulo, elaborada pelo
capitão de engenheiros Rufino J. Felizardo e Costa (1810) e copiada em 1841,
tendo legenda e inscrições das ruas assinaladas por Paulo Cursino de Moura em
São Paulo de Outrora.
7. O pai de Jean-Jacques, de sobrenome Hoschwald, retirou o H do nome, tomando-
o mais fáciL Posteriormente, o próprio Jean-Jacques, ainda na Europa, suprimiria
o clz. simplificando ainda mais a pronúncia e a grafia. Leozinha F. Magalhães de

I
;

116 I Henrique Oswald ~ c"


O personagem e sua saga !117

~. I 11. O casal reclama mutuamente do não-recebimento de algumas cartas. Verifica-se que


Almeida, em seu livro Henrique Oswald (p. 9-10), afirma, baseada na oralidade,
Davatz, em conversa com o administrador da Colônia Vergueiro, escreve o discurso
que a retirada do ch do nome Oschwald deu-se no Brasil, após a desativação da
do interlocutor deste: "Sou mais que um polícia secreta. Tão certo como me chamo
fábrica de cerveja.
Jonas, afirmo-lhe que o senhor não tem meios de escrever para onde quer que seja,
8. São Paulo deveria contar, por volta de 1850, com uma população de aproxima-
sem que eu saiba o que está escrito na carta e a quem ela é dirigida. Também estou
damente 30.000 habitantes, segundo Teodoro Sampaio em São Paulo no Século
ciente de que o senhor escreveu ao Oswald" (p. 115); e, incrédulo, Davatz observa:
XIX e outros Ciclos Históricos, p. 84.
"Onde teria ido parar, neste caso, a carta que enviei ao Sr. Oswald?" (p. 115, nota
9. Aos 6 de julho de 1854, o Correio Pàulistanó publicava o seguinte anúncio:
--I 53). Cf. Thomaz DA V ATZ, op. cit.
"Madame Carlota Oswald participa ao público desta Capital que dá aulas de
piano, tanto em sua casa como pelas casas particulares. Pode ser procurada de
manhã, das 8 às I O horas; de tarde, das 4 horas em diante". Cf. Carlos Penteado
II 12. "Estou só em casa, no momento da execução do escravo de M. Peyril. Todo o
meu mundo assiste à execução de um pobre negro que, na verdade, matou o seu
I feitor, expiando neste momento seu crime, um enforcado. Eu não posso ver tal
de REZENDE, op. cit., p. 22-23. i
injustiça humana. Um branco tudo pode fazer e não será punido pelo enforcamen-
10. Thomas DAVATZ, Memórias de wn Colono 110 Brasil ( 1850). Na maior parte das
to, mas o negro, que talvez nada mais tenha feito do que responder aos maus-
fazendas paulistas, quando do início da imigração dos colonos suíços para o
tratos sofridos, paga com a própria vida o crime cometido. Um negro traz-me
Brasil, vigorava o sistema de parceria que, na essência, significava o pagamento '
do trabalho do colono através de porcentagem sobre o que era colhido. Discordân-
i madeira neste momento e eu lhe peço para rezar pelo seu desgraçado irmão, a fim
cias, desacertos entre os conceitos dos colonos suíços sobre a produção e o sis-
tema existente na colônia do poderoso senador Nicolau Pereira de Campos Ver-
gueiro em Ibicaba, interior de São Paulo, levaram os imigrantes àquilo que seria
l de que Deus lhe faça misericórdia. Ele me responde que não sabe invocar a Deus.
Que monstros! Que abominação!! Não vos espantais, povo brasileiro, que vossos
escravos vos assassineis, vós nada lhes ensinastes a não ser os vossos vícios e os
vossos maus tratos. Uma coisa me espanta: a não tão grande freqüência destes
conhecido como a "revolta dos parceiros". Em seu diário, Davatz observa que
assassinatos, e isto graças ao fato de a natureza do negro não ser perversa." Após
"esse Oswald é um suíço estabelecido na cidade de São Paulo. Em companhia de
esta posição em defesa do escravo, continua: "E chorei não sentindo vergonha de
outros senhores ele teria saído ao encontro de nossa caravana durante a viagem
minhas lágrimas. Sim, foram por um negro, mas este negro é a imagem de Deus".
para Ibicaba nas proximidades da cidade, procurando convencer a muitos de que
Torna-se de importância a máxima transmitida à mulher a respeito do que deve
não deveriam ir à Colônia Senador Vergueiro". Segundo o autor, "o Sr. Oswald
ser passado ao filho: "Sua mãe lhe ensinará o horror pelo crime e o respeito pelo
conhecia bem a questão da colonização". Apreendera Davatz "por muita gente
gênero humano". Carta de Jean-Jacques a Carlota, enviada de Campinas aos 3 de
que ele era bem-intencionado com relação aos pobres colonos" (p. 113, nota 51).
abril de 1854.
O administrador da Colônia Vergueiro, por sua vez, transmitira ao mestre-escola
13. "Um povo que pratica a escravidão será um povo imoral." Carta de 16 de abril
que a Oswald "foram reservados trinta e cinco mil réis (dinheiro da 'passagem
de 1854. Arq. part. MIOM.
para a outra vida')" (p. 113-114), revelando ainda que "um mulato de péssimos
14. Arq. part. MIOM.
antecedentes" (p. 157) "deveria receber os trinta e cinco mil réis reservados para
15. Carta de lo de abril de 1855. Arq. part. MIOM.
Oswald e chegara a ir a São Paulo para fazer jus a tal soma, porém a 'vítima',
16. " ... pois a prudência pede que eu me cale doravante neste país de confrarias, pois
suspeitosa do que se projetava, tomou em tempo as providências adequadas para
eu vejo que os V ... têm as mãos mais longas do que eu possa imaginar." Carta de
frustrar o plano" (p. 157, nota 80).
10 de novembro de 1855. Arq. part. MIOM. V é a inicial de Vergueiro.
Segundo depoimento de Maria Isabel Oswald Monteiro, Sérgio Buarque de Ho-
17. "Sofre, bela amiga, com resignação, ainda um golpe, mais outro e mais um último
landa, autor de prefácio substancioso da obra de Davatz, quando da elaboração de
e a coroa estará à tua espera pelo teu amor e pelo teu martírio. Serei eu a causa
sua pesquisa, pediu ao neto de Henrique Oswald, Henrique Carlos Bicalho Oswald,
de tantas penas? será por minha causa que você sofre? Sim- não, eu nada sei,
pintor e gravador, para que investigasse junto aos papéis da família a existência
eu te amo e te faço sofrer- que destino bizarro me persegue! Eu quero ajudar
de cartas de Jean-Jacques. Aquelas encontradas por Henrique Carlos estavam
a humanidade oprimida e me torno o carrasco de minha mulher." Carta de 27 de
totalmente destruídas por traças. Bem mais tarde, parte dessa correspondência foi
novembro de 1855. Arq. part. MIOM.
encontrada em outro lote de documentos da família Oswald, sob a guarda atual de
18. "A Divina Providência tem olhos sobre nós, mas ela nos chicoteia. Eu gostaria de
Maria Isabel Oswald Monteiro, e que serviram para esclarecer, neste trabalho,
ter sido um grande homem, o protetor dos meus compatriotas nesta terra de exílio.
fundamental etapa particularizada ainda em penumbra. Sobre o sistema vigente na
Seria muito orgulho, sem dúvida, não sabendo eu mesmo me proteger. Contudo,
Colônia Vergueiro e a discordância entre os colonos e o senador e seus homens
minha fuga lhes serve talvez mais que minha pretensa proteção. Deus fará o resto."
leia-se, de José Sebastião WITTER, A Revolta dos Parceiros.
118 I Henrique Oswald O personagem e srw saga !119

Continua, mostrando liderança: "Teu marido não deve ser lamentado. Teu marido 32. Idem.
consola os mais desgraçados que ele, teu marido é, por assim dizer, o chefe de uma 33. Idem.
companhia de bravas pessoas que lutam contra a desgraça". Arq. part. MIOM. 34. Gabriel Giraudon, que obtivera prêmios nos conservatórios de Marselha e Paris,
19. "Lotchen (Carlota), querida Lotchen, coragem, eu estou em boa saúde, tenho os estudara com Thalberg, desenvolvera várias funções ligadas à música: professor,
meus braços, posso trabalhar, trabalharei para você, para meu Henrique, e quando regente, pianista e compositor. Viera ao Brasil em 1859 e, após apresentações no
tiver ganhado o suficiente para levá-los convenientemente para a África, nós Rio de Janeiro, dirige-se a São Paulo como regente de urna orquestra bufa fran-
partiremos- mesmo que eu tenha que me tomar marinheiro." Arq. part. MIOM. cesa. Giraudon permaneceu na cidade até a sua morte em 1906...A partir de 1860,
20. "Verdadeiramente esta gente é vil; pouco me importa que os colonos distribuam passou a dar aulas de piano, canto, harmonia e composição, cuidando igualmente
hoje elogios a Vergueiro e comparsas, o povo será sempre o povo, pronto a se da organização de concertos. Vários músicos que seguiriam com sucesso a carrei-
deixar levar como quiserem levá-lo. Mas que os meus adversários não se glori- ra foram alunos seus durante os primeiros anos de aprendizagem: Luiz e Alexan-
fiquem de seus triunfos; a 'caxassc' não será meu meio de persuasão. Que os dre Levy, Antonieta· Rudge, Magdalena Tagliaferro, entre outros. Sobre Giraudon,
senhores Proprietários se façam prosélitos à força da pinga, que seja, eu não consulte-se a obra de Carlos Penteado de Rezende, Tradições Musicais da Facul-
lutarei contra eles nesse campo. Assim, a respeito dos colonos, eu não mais me dade de Direito de São Paulo, capítulo 13: "Polifonia", p. 121-138. São Paulo
ocuparei. Doravante deixarei o cuidado de reformar o mundo a homens mais contava ainda com outros professores de piano, como Mademoiselle Ignez Duvel,
sábios e hábeis do que eu." Ca1ta de 8 de janeiro de 1856, enviada de Curitiba. Gustavo Helond e o jovem Emílio Eutiquiano do Lago, de Mogi-Mirim, falecido
Arq. part. MIOM. precocemente em 1871.
21. Na exposição que o Senador Vergueiro fez ao vice-presidente da Província sobre Sob outro aspecto, dos trinta capítulos da obra de Vincenzo Cernicchiaro
as ocorrências de Ibicaba, em 10 de fevereiro de 1857, o proprietário escreve: "O sobre a música brasileira, de 1926, dedica cinco ao piano, escrevendo sobre com-
mesmo Oswald retirando-se para essa cidade, onde me disseram vive de lições de positores, professores e pianistas. Quanto a São Paulo, no capítulo XX - "Dei
piano de sua mulher, continua a escrever calúnias para a Suíça por meio de seu pianoforti e dei pianisti nella virtuosità e nell' ensegnamento (1844-1890)" -
patrício Luden (?)". Cf. Thomaz DAVATZ, op. cit., p. 228. enumera mais de urna dezena de professores, muitos estrangeiros, que se dedica-
22. Na carta de 16 de janeiro de 1856, Carlota insiste na presença de Jean-Jacques: ram ao ensino no período citado. No capítulo XVIll -"Dei compositori dilettanti
"Venha, Oswald, apesar de estarmos condenados a passar alguns anos no Brasil, nella rnusica pianistica, melodramatica e popolare (1844-1889)" - desfila os
creio ser esta cidade (referindo-se a São Paulo) a melhor que poderíamos esco- autores brasileiros que estarão ligados à composição de quadrilhas, polkas, modi-
lher''. Arq. part. MIOM. nhas, valsas. Cf. Vincenzo CERNICCHIARO, Storia de/la Musica nel Brasile-
23. Um pequeno envolope, cuja carta ou bilhete se perdeu, expedido de Viena aos 21 dai Tempo Coloniale sino ai Nos/ri Giomi (1549-1925 ).
de fevereiro de 1860, passando por Leipzig aos 22 e por Londres aos 24 de mesmo 35. Exemplificando: em 1859, Carlos Gomes apresenta-se em São Paulo, marcando
mês, tem como destinatário "Monsieur Oswald Hoffmann", o mesmo Jean-Jacques o ano de 1866 a presença do afamado pianista português Arthur Napoleão, que se
no endereço de Ibicaba (riscado), "São Paulo pres de Santos en Brésil" e, intrigan- apresentou no Teatro São João, obtendo grande sucesso.
temente, "aos cuidados dos Senhores Vergueiro C 0 ". No verso do envelope, o ca- 36. Fundado em 1856, contava seis anos após com duzentos e vinte e nove estudantes.
0
rimbo "Vergueiro C - Forwarded by Santos". Arq. part. MIOM. Estudava-se no Seminário matemática, astronomia e física, línguas, retórica, his-
24. Cf. Carlos OSWALD, Como me Tomei Pintor, p.l86. tória universal, teologia e filosofia. Sobre o Seminário Episcopal e os demais
25. Somente em 1860 instalava-se em São Paulo Henrique Luiz Levy, inicialmente com estabelecimentos de ensino em São Paulo leia-se: Ernani da Silva BRUNO, His-
loja de jóias e mais tarde comercializando música e pianos. Resultaria a Casa Levy, tória e Tradições da Cidade de São Paulo, volume li, cap. IX: "A presença dos
existente até hoje. Dos Levys, salientem-se os compositores Alexandre e Luiz. Acadêmicos", p. 807-857.
26. Na correspondência entre Jean-Jacques e a mulher, várias vezes o nome de Peyre 37. Arq. part. MIOM.
é citado, sempre relacionado a pianos e a importâncias em dinheiro decorrentes 38. Idem.
de vendas daqueles. 39. Idem.
27. Arq. part. MIOM. 40. Idem.
28. Carlos Penteado de REZENDE, op. cit., p. 25. 41. Idem.
29. Carlos OSWALD, op. cit., p. 187. 42. Nas cartas trocadas entre 1854 e 1856 pelo casal Oswald, várias vezes o nome do
30. Arq. part. MIOM. Pere Eugene é mencionado, sempre lisongeirarnente. Jean-Jacques cita-o como um
31. Idem. protetor; Carlota, como um homem bom. Possivelmente, pelas mãos do Padre
120 I Henrique Oswald O personagenz e sua saga I 121
Eugênio, Henrique tenha sido encaminhado ao Seminário. A existência de padres credor e entrando, inclusive, na justiça com uma objugatória publicada no Correio
estrangeiros não passaria despercebida por segmento mais radical da sociedade Paulistano em 7 de maio de 1862. Leia-se em Carlos Penteado de REZENDE,
paulista de então. Em "A Independência" de 14 de junho de 1868, a respeito de Tradições Musicais da Faculdade de Direito de São Paulo, p. 33.
um sermão feito por um capuchinho do Seminário, afirmava-se: "Que vrp:'•nha 51. Correio Paulistano. (BFD - USP)
para o nosso clero esta de ser o primeiro e único rrc·L':tdm ·::: ··.:"' Paulo, um 52. Carta de 18 de setembro de 1868, sexta-feira, tendo como início: "Na esperança
missionário estrangeiro". Cf. Richard M. MORSE. I J,, , .,.,,.,,,/ude à Metrópole de chegarmos hoje a Gibraltar". Arq. part. MIOM.
-Biografia de São Paulo, p. 145. Por extensão. não haveria, por parte de deter- 53. Arq. part. MIOM.
minadas carriadas paulistanas, sentimento hostil para com os estrangeiros em São 54. "Constantinopla, África, Rio de Janeiro e São Paulo constataram a tua devoção.
Paulo, que praticavam as mais variadas atividades? Você pode morrer tendo cumprido amplamente teus deveres. Infelizmente eu
43. Arq. part. MIOM. estarei de mãos vazias diante de meu Deus, em confrontação com as tuas obras."
44. São Paulo contava com poucas salas de espetáculos. O Teatro do Pátio do Colé- Carta de I o de setembro de 1868. Arq. part. MIOM.
gio, muito freqüentado, recebia do Correio Paulistano, aos 8 de julho de 1854 e 55. Carlos OSWALD, op. cit., p. 188. Na realidade, até 1903.
19 de ~lembro de 1860, críticas à sua arquitetura, ao estado de conservação, às 56. Entre o Congresso de Viena e a formação do Estado italiano, Florença pertenceu
acomodações acanhadas e ao mobiliário impróprio. O amplo Teatro de São José, !
:k ao Grão-Ducado de Toscana, governado pela dinastia austríaca dos Augsburgo-
inaugurado em 1864, veio suprir em parte as deficiências daquele. Os salões da Lorena, que se destacou pela política tolerante e relativamente liberal. Esta situa-
Sociedade Concórdia abrigavam espetáculos e recitais. Sobre as salas de teatro e
récitas, assim como parte da vida teatral e musical de São Paulo, leia-se Ernani
i•
l
ção privilegiada favorece Florença, que se torna rapidamente um centro cultural
importante nos campos literário, político e artístico. De 1855 a 1867 aproxima-
!
da Silva BRUNO, op. cit., capítulo: "Entre comédias e serenatas", p. 861 a 895. damente, torna-se de importância na cidade o grupo de pintores denominado
t.
45. Cf. Carlos Penteado de REZENDE, Dois Meninos Prodígios, p. 34. l "Macchiaioli". O estilo do grupo era baseado na busca do real e a pintura, estru-
46. Anúncio no Correio Paulistano de 15 de novembro de 1865. (BFD - USP) turada em manchas de cores, recorda e antecipa, até, em parte, determinados
Quebrava-se um tabu na sociedade paulistana com a inclusão de senhoras perten- atributos impressionistas. Florença é igualmente o centro de uma corrente política
centes às mais tradicionais famílias de São Paulo, revertendo o posicionamento de que teve um papel importante na luta pela unidade e independência da Itália. Entre
1862, quando Giraudon fora alvo de críticas severas ao pensar em apresentar os seus representantes principais: Niccolo Tommaseo, Gian Pietro Viesseux, Gino
publicamente a sua aluna D. Josefina Porfírio de Lima. Capponi. Em 7 de agosto de 1859, através de um plebiscito, a Toscana é pacifi-
47. Arq. part. MIOM. camente anexada ao Reino de Piemonte, que se tornará Reino da Itália em março
48. Brazílio Itiberê da Cunha foi diplomata, falecendo em Berlim em 1913. Notabi- de 1861, após a conquista da região meridional. De junho de 1865 a junho de
lizou-se por ser o autor de uma pequena peça, A Sertaneja, onde possivelmente 1870, isto é, até a conquista de Roma e do Estado Pontifício por parte das tropas
pela primeira vez no Brasil uma temática com vínculos nativistas é empregada em italianas, Florença foi a capital da Itália.
obras que teriam no futuro uma apreciação erudita. Quanto a Castro Alves, por A partir da década de 80 no século XIX, a Itália começou a sofrer os efeitos
tradição oral, os descendentes de Henrique Oswald apreenderam que Jean-Jacques da revolução industrial, permanecendo Florença presa a uma economia baseada na
teria participado de várias reuniões antiescravocratas juntamente com o poeta. agricultura, no artesanato e culturalmente destacando-se como centro importante,
49. O Correio Paulistano de 25 de janeiro de 1865 menciona como propriedade de Jean- característica que sempre manteve. Como centro cultural, Florença viveu, na segun-
Jacques uma chácara na "Várzea da Ponte Grande" (BFD- USP) e que seria a da metade do século XIX, um florescimento inusitado, graças à invasão de artistas
mesma "Chácara da Floresta" citada por Carlos Oswald (op. cit., p. 188). Consta na e intelectuais de várias nacionalidades que habitaram residências nas colinas que
tradição oral transmitida pela família Oswald que o adolescente Henrique costumava circundam a cidade. Entre estes, cite-se o norte-americano Bernard Berenson, um
ali se divertir quando a passeio com seus pais aos fins-de-semana. dos nomes importantes da crítica moderna de arte. Berenson passou grande parte de
50. A "corporação acadêmica" desempenhava relevante papel na vida cultural de São sua vida na Villa Tatti di Settignano. O pintor simbolista Arnold Bocklin viveu
Paulo. Professores e alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco muitos anos em Fiesole, lá morrendo. A respeito da história de Florença durante esse
participavam como atores, declamadores, encenadores, autores e ouvintes nos período leia-se o amplo estudo de G. Candeloro, Storia dell'a Italia Moderna.
espetáculos da cidade provinciana. Ernani da Silva Bruno traça com humor fatos 57. Diário de Carlota Oswald. Arq. part. MIOM.
ocorridos durante o período entre 1828-1872, envolvendo alunos e cidadãos de 58. Diário de Carlota Oswald, 20 de julho de 1875. Arq. pari. MIOM.
São Paulo. Cf. Ernani da Silva BRUNO, op. cit., p. 808-831. Por outro lado, Jean- 59. Fiesole, nos arredores de Florença, abrigou igualmente ingleses e norte-americanos
Jacques tivera problemas com o acadêmico e poeta Fagundes Varela, sendo dele abastados. Leia-se Giuliana Artom Treves, Anglo-Fiorentini Di Cento Anni Fa.
122 I Henrique Oswald O personagem e sua saga l123

60. Debussy, Scriabine, Ravel, entre outros, estiveram ligados ao culto ao "dan- Pereira, João Gomes de Araújo, Tito Higino de Miranda, Teodoro Schleusner,
dismo". Maria Monteiro, Euclides José Nazaré. O nome de Carlos Gomes, apesar de não
61. Como violoncelista, em recital de 17 de dezembro de 1890, apresenta-se na Sala constar da lista dos bolsistas, foi lembrado por D. Pedro 11, que durante quatro
Filarmônica, executando a Sonata em Ré maior para violoncelo e piano de Ru- anos concedeu-lhe pensão de 1.800$000 anuais para que se aperfeiçoasse no
binstein, tendo Oswald como pianista. Institui em Parma a Associação de Musi- Conservatório de Música de Milão. Dados contidos na obra de Guilherme Auler,
cólogos Italianos. Como historiador escreveu: Storia de/la Semiografia Musicale já citada, às páginas 54 a 60. Sobre D. Pedro TI e suas dotações leia-se: Heitor
(Hoepli, 1904), L'Arte d'lnte1pretare la Scriuura del/a Musica Vocale del Cin- LYRA, História de Dom Pedro I!, vol. 2.
quecento (Loescher, 190 I), /1 R. Conservatorio di Musica in Parma - Cenni di 79. Escreve Beccherini: "Foram nítidos os seus méritos graças à excelente formação
Storia e di Statistica (Zerbini e Fresching, 1913). É autor de um quarteto de recebida, assim como aos seus dotes artísticos e técnicos ( ... ). Em Firenze des-
cordas, melodias, peças instrumentais. taca-se como professm, formando alunos c deixando lembranças por suas execu-
62. Arq. part. MIOM. ções e por sua escola, particularmente louvada, assim como pela perfeição técnica,
63. Idem. pela delicadeza c pelas qualidades de toque". Cf. Bruna BECCHERINI, "La vila
64. Idem. musicale fiorentina de XIX Secolo e la Scuola di Giuseppe Buonamici". In: Il
65. Idem. Grande Anniversari de! 1960 e la Musica Sinfonica e da Camera nell'Ottocento
66. Do casamento de Henrique Oswald com Laudômia Bombernard Gasperini Oswald in /tal ia, p. 89.
(nascida em Florença aos 30 de dezembro de 1859) nasceriam cinco filhos: Carlos 80. Os Prelúdios de Liszt foram executados na noite de 7 de janeiro de 1886, na Salle
Julião Jaime, sendo posteriormente acrescentados mais os nomes de Ignacio Ale- della Societá Filarmonica, sendo que as Variações sobre um tema de Beethoven
xandre Maria, nascido a 18 de outubro de 1882 e não a 20 de outubro como consta de Saint-Saens tiveram apresentação em 4 de março de 1890, na Sala Filarmônica.
na certidão; Alfredo Mário Henrique Alberto Leão, nascido a 28 de julho de 1884; Sobre esta última obra, a crítica, saída dois dias após na Gazzetta de! Popa/o, na
Maria Clara Horácia Ana (Mimma), nascida em 27 de janeiro de 1886; Charlotte seção "La Vedetta", foi categórica: "Execução maravilhosa sob todos os pontos
Marie Erminie (Nini), nascida em setembro de 1888, falecida em 1891; Henri- de vista, mesmo na opinião dos mais exigentes. E foi uma execução que colocou
queta Marguerita (Sissy), nascida em 10 de julho de 1892. Os cinco filhos seriam em relevo os efeitos da peça" (AN).
registrados no Consulado do Brasil. 81. Buonamici escreveu alguns estudos preparatórios para as Sonatas de Beethoven.
67. Leozinha F. M. de Almeida, op. cit., p. W. Sob sua supervisão foram os mesmos editados. Entre outros autores que tiveram
68. A bolsa concedida a Henrique Oswald era de caráter pessoal do Imperador. Logo obras revisadas por Buonamici destacam-se Carl Czerny, Dussek, Kuhlau, Haydn,
após a proclamação da República, um decreto de 19 de novembro de 1889, pro- Haendel e Schumann. Estas revisões abrangiam fraseologia e terminologia musi-
mulgado pelo governo provisório, afirmava que: "O Senhor Dom Pedro TI pen- cais e dedilhado, preferencialmente. Nas casas especializadas podem-se encontrar,
sionava, de seu bolso, a necessitados e enfermos, viúvas e órfãos, para muitos dos ainda presentemente, partituras musicais, obras revisadas por Buonamici e edita-
quais esse subsídio se tornara o único meio de subsistência e educação". Cf. das pela Ricordi (Milano-Buenos Aires).
Guilherme AULER, Os Bolsistas do Imperador, p.3. 82. É igualmente de exceção a opinião de Abramo Batevi ( 1818-1885), músico que
69. Fotocópia da carta original em francês, assim como a tradução para o português viveu em Florença, fundador do jornal L'Amzonia, que escreveria: "Comparada a
publicada no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de 23 de abril de 1952, ora música dramática com a instrumental, aquela não é senão uma transição, seja qual
utilizada, encontram-se no AN. for o seu grau de aperfeiçoamento. A música que para penetrar a alma e suscitar
70. AN. emoção (. .. ) pede socorro à poesia, confere a própria impotência". Cf. Bruna
71. Idem. BECCHERINI, op. cit., p. 83.
72. Guilherme AULER, op. cit., p. 56. 83. Datada de 1884, a Suite d'Orquestre compreende cinco números: Prélude, Cortege,
73. AN. Songe, Gavotte e Fina/e. Tem-se: O Fina/e, cuja indicação de andamento, na partitu-
74. Idem. ra, é Allegro Festoso, transformou-se no poema sinfônico. Oswald não deixou nenhu-
75. Guilherme AULER, loc cit.. ma indicação precisa sobre o pentagrama e as intenções dessa música. Deduz-se que o
76. Arq. part. MIOM. simples título, Festa, seja suficiente para orientar o ouvinte, proporcionando-lhe as im-
77. Idem. pressões jubilosas de uma reunião festiva, com a sua movimentação, o seu alarido, a sua
78. Receberam da parte de D. Pedro Il bolsas específicas: Juvenal Augusto César brilhante diversidade de formas e cores. ( ... ) essa página brilhante, espécie de Scherzo
Sampaio, José Lino de Almeida Fleming, Carlos de Mesquita, Alfredo Ângelo formidável, conduzido do princípio ao fim com incansável energia e consu-
124 I Henrique Oswald O personagem e sua saga I 125
t
·""''-f· ·.· "A imprensa não conseguiu despertar a apatia do público, que entretanto
mada habilidade orquestral." Cf. UPTON & BOROWSKI, O Lil'ro das Grandes
Sinfonias, p. 303. 'J tem protegido mediocridades cujo merecimento consiste em saber rufar a caixa de
reclamo ( ... ) O que pensará ele de nós? Triste, muito triste! ( ... ) Como os verda-
84. José Eduardo MARTINS, "Liszt, um Romântico por Excelência". In: O Estado de
deiros compositores modernos, foi beber na fonte, foi pedir inspiração à Alema-
S. Paulo. Cultura, ano V, 320:6-7, 2/8/86. Liszt, quando de um encontro, teria
dito: "maintenant je vais jouer quelque chose pour mon jeune brésilien". Cf.
Alberto MONTALVÃO, Os Mestres da Música, p. 72.
85. Apud Bruna BECCHERINI-, op. cit., p. 89. E. Del Valle, compositor e pianista ~.
y
.._.·_i_l··- nha, o verdad~iro país da música ( ... ) sua melodia tem um caráter de distinção
muito caracterizado. Ele é perfeitamente moderno, quer na idéia, quer na harmo-
nia." Extraído de um jornal do Rio de Janeiro, provavelmente na mesma data das
. -~--

apresentou-se em recital onde constavam apenas obras suas, aos 24 de janeiro de críticas anteriormente citadas (AN).
1887. No mesmo, Henrique Oswald executou juntamente com o autor as Scenes
de Ballet op. 39, em transcrição para dois pianos.
l "Difícil seria dizer acertadamente qual a escola a que filiou-se o notável
compositor. O que é fato porém, indiscutível, é que Henrique Oswald embora
86. Cf. La Nazione. Firenze, 14/3/1894. l tenha estudado na Itália, aproxima-se mais da escola alemã. Suas composições são
87 · O escrito de Amedeo foi publicado sob o título "Henrique Oswald" em A Música \ cheias de belezas inesperadas e o ouvido, o mais educado, surpreende-se a cada
para Todos (São Paulo, 15/8/1896), editada quinzenalmente. No mesmo, o autor momento por sensações novas que fazem rir ou chorar como o poder da verda-
capta a fala muitas vezes poética do compositor. Comete pequenos equívocos: a deira magia." In: Pátria. Rio de Janeiro, 10/l 0/1896 (AN).
ausência de Oswald do Brasil foi de 28 e não 27 anos, e isto se deve ao fato de Observe-se que a fonte alemã citada é referência competente às obras escri-
que certamente Henrique Oswald passara-lhe uma informação errônea, pois é tas por Oswald até os primeiros anos da década de 90, onde se nota, a par do me-
extremamente comum a falha numérica nos escritos do compositor; a língua materna lodisrno marcante sempre presente na obra do compositor, o rígido enquadramen-
era a italiana; e a aurora, não o crepúsculo, anunciava o novo dia. to formal carnerístico, apreendido da fonte alemã, notadamente via Buonamici. A
8 8. Toma-se importante a citação de trechos de algumas das críticas recebidas por estética da emoção romântica é detectável nestas obras camerísticas de Oswald.
Oswald nesta primeira reintegração ao meio brasileiro: "Oswald é um talento 89. Félix de Otero (1868-1946), crítico e professor de piano em São Paulo, formou
sinfônico de primeira ordem: o Trio e o Quinteto que ontem ouvimos são provas escola pianística nesta cidade. Amigo pessoal de Oswald, tendo-o hospedado em
irrecusáveis desse asserto. ( ... ) Como consentirem os habitantes desta adiantada uma de suas viagens ao Brasil, manteve-se imparcial quando reiteradas vezes, pela
capital, que daqui retire-se um artista que honra o Brasil, sem a calorosa consa- imprensa, louvou ou fez críticas menos favoráveis à maneira do pianista e com-
gração?" In: Platéia. São Paulo, 3/9/1896, ass. Raboces (A.N.). positor executar obras que não fossem de sua autoria.
"Toda gente compreende quanto é difícil escrever sobre o valor da música de câma- 90. Trecho do artigo "Música no Brasil", escrito na Bahia por Vianna da Motta e
ra, sem larga reflexão e atento estudo dos trabalhos. A fatura de Henrique Oswald impõe- datado de 2 de setembro de 1896, tendo sido publicado aos 25 de outubro do
se, porém, de uma maneira absoluta." In: Diário Popular. São Paulo, 3/911896 (AN). mesmo ano. Perdeu-se a referência do jornal (AN).
"( ... ) não nos parece tarefa fácil prender a atenção de um auditório, por mais 91. Interessa o comentário pitoresco do crítico Carlos de Mello após o concerto de Hemique
musical que seja, durante algumas horas com composições de um _só autor; e somos Oswald em 2 de agosto de 1897, no Salão Steinway em São Paulo, quando participaram
da opinião que, para um feliz êxito de um concerto nessas condições, os trabalhos do mesmo o professor e pianista Chiafarelli (1856-1923) e os melhores intérpretes de ins-
a se executarem devem ter muitas qualidades de estilo, apreciáveis destacadamente trumentos de cordas da cidade: "A sala estava cheia, brilhando na concon·ência a fina flor
e em conjunto. As composições do nosso mestre brasileiro, digamo-lo com orgu- da sociedade paulista, realçada pelo ilustre presidente do Estado, a quem no intervalo Oswald
lho, acham-se justamente no caso- satisfazem geralmente logo à primeira audi- foi cumprimentar e agradecer a presença. A banda do 3° batalhão dava maior brilho ao
ção." In: Diário Popular. São Paulo, 4/9/1896. Ass. Félix de Otero (AN). sarau, que foi urna verdadeira festa, tocando no peristilo antes, no intervalo e depois do
"Henrique Oswald é o nome de um artista que nos honra, e muito, na Itália, concerto. As homenagens e as ovações ao concertista não pararam com o sarau: continua-
onde vive há longos anos ( ... ) O adágio do Trio op. 9 é urna página magistral ( ... ) ram depois até a casa do distinto professor Otero, onde ele está hospedado, porque nume-
0 lmpromptu de grande dificuldade e tocado de modo a produzir verdadeira ova- rosos admiradores e amigos de Oswald entre os quais vimos jornalistas, professores, críti-
ção, pelo que foi repetido." In: O Paiz. Rio de Janeiro, 4110/1896 (AN). cos e artistas, o acornpanhardill até a travessa da Consolação, rodeando, a banda do 3° que
" ... porque a rnaleabilidade do talento do compositor revelava-se naqueles tocou a marcha de Oswald, dedicada a este batalhão quando ele era o 5°. Durante o trajeto
trechos, alguns singelos, despretensiosos, graciosos, outros de formas mais se- não faltaram os vivas a Oswald, a Vianna da Motta que o acompanhava, à Arte, a São
veras mas castigadas: todos, porém animados por urna inspiração delicada e Paulo, ao Presidente do Estado e ao Brasil". In Diário Popular. São Paulo, agosto de 1897
traduzindo um sentimento muito íntimo, uma imaginação muito opulenta e es- (AN). A marcha aludida foi composta por Oswald a pedido de um aluno seu em Florença,
pontânea." In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 4/10/1896 (AN). o alferes Antão, mestiço que era músico do 5° batalhão em São Paulo.
O personagem e sua saga l127
126 I Henrique Oswald
105. Michel Faure detalha as opções ideológicas e estéticas de Saint-Saens na sua obra
92. "Sobretudo pelo fato de que Saint-Saens pressentiu a crise da música atual, citada, às páginas 60-69.
batendo-se para atrasar a sua instauração, tentando impedir à música o caminho 106. In: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13/51!906.
do futuro, a fim de melhor proteger a herança sonora do Ocidente." Cf. Michel 107.SAINT-SAENS, Hannonie et Mélodie, p. 30-31.
FAURE, Musique et société du Second Empire aux années vingt, p. 14. 108.Manuel Ferraz de Campos Sales (1841-1913) foi governador de São Paulo de
93. Idem, ibidem, p. 20.94. Georges Servieres, em sua biografia sobre Saint-Saens, 1894 a 1898 e terceiro presidente da República, de 1898 a 1902.
pouco evidencia as toumées realizadas pelo compositor na América do Sul, não 109. "O intuito do _presidente foi ml!ito louvável, porque visou a melhorar a situação
precisando os países do continente: " ... em 1899, ele empreende uma touniée econômica do artista, que, morando perto de Paris, e tendo pouco trabalho no
pela América do Sul, mas, durante o inverno, permanece fiel à sua estadia pre- consulado, poderia realizar seus concertos aí em Londres." Cf. Leozinha F. M.
ferida, Las Palmas" (p. 65); em torno de 1904: "Todo esse período é repleto de de ALMEIDA, op. cit., p. 87.
viagens ao Egito ( ... ), 'Provence', Argélia, Suécia, Inglaterra, Itália, Espanha e 110. "Aumentam as dificuldades do chanceler Henrique Oswaldo pouco conhecimen-
até às duas Américas, seguindo apelos de festivais, representações de suas obras, to da nova profissão, em que se sente desambientado. Não tendo prática de
townées de concertos ... " (p. 70); "'tournée' de concertos em 1916 pela América escrituração, acontecia freqüentemente enganar-se nas contas, e houve mesmo
do Sul" (p. 74). Cf. Georges SERVIERES, Saint-Saens. uma ocasião em que o cônsul mandou chamá-lo para explicar de que maneira e
95. " ... o Scherzo para dois pianos deve ser considerado, na minha opinião, entre as onde havia ele achado dez mil sacas de batatas a mais do que constava das notas
obras mais 'personelles' de Saint-Saens." Idem, ibidem, p. 92. O Scherzo foi do Consulado." Idem, ibidem, p. 88.
composto em 1890 e leva o op. 87. 111. "Todo o programa foi aplaudido com o mais vi vo entusiasmo. Na platéia numerosa
96. Luigi Chiafarelli, italiano de nascimento, foi um dos mais notáveis professores de destacavam-se Theodore Dubois eM. Moskowsky, etc." Um jornal de Paris; fevereiro
piano do Brasil. Entre seus alunos: Antonieta Rudge, Guiomar Novaes e Souza de 1901 (AN). Theodore Dubois (1837-1924) foi professor do Conservatório de Paris
Lima. e teórico respeitado; Moritz Moskowsky (1854-1925), pianista e compositor alemão de
97. In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1899 (AN). Não consta o dia da edição. ascendência polonesa, autor de renomados estudos para a técnica pianística. Um outro
A narrativa de Chiafarelli fora anteriormente publicada no periódico A Música, jornal parisiense comentaria um dos recitais de Oswald: "O público aplaudiu um Quar-
segundo informa o Jornal do Comércio. O catálogo da Biblioteca Nacional es- teto e um Trio para piano e instrumentos de cordas, obras delicadas e elegantes, mais
pecifica: A Música, ano 4, no 74, setembro, p. 3-4 e no 75, setembro, p. 7-8, 1899. do que fortes e de grande elevação. Procedem das escolas francesa e alemã. Nenhum
Extratos da narrativa seriam ainda publicados em O Estado de S. Paulo, em julho exotismo se poderia encontrar no pensamento musical ou no ritmo deste compositor
de 1899, e na Gazeta de Notícias do mesmo mês, em texto selecionado por um brasileiro e igualmente nenhum italianismo, que domina a obra de Carlos Gomes." Fe-
aficionado. vereiro de 190 l. (AN) Em outro jornal encontra-se: "É um excelente pianista e um
98. Na partitura utilizada por Henrique Oswald, concernente ao primeiro piano, Saint- compositor de talento. Poder-se-ia dizer que a sua música, seu toque, seu perfil soam
Saens autografaria a seguinte dedicatória: "À Monsieur Henri Oswald souvenir no uníssono: deixam transparecer uma sensibilidade grande, um estado nervoso muito
du 5 juillet 1899". Arq. part. JEM. claro, uma nativa distinção, uma originalidade não sem charme( ... ) em todas as com-
99. Tratava-se do Quarteto, op. 26 para piano, viola e violoncelo, escrito um ano posições existe uma ciência real da composição unida à distinção dos temas melódi-
antes do evento narrado. O referido Quarteto em Sol maior, op. 26 tem edição cos; nada é banal." Paris, fevereiro, 1901. "(... ) o Quarteto op. 26, cuja Romance é re-
crítica a partir de cinco manuscritos, sendo que dois autografados pelo autor e finada(. .. ) seis peças para piano de uma distinção e de um 'charme exquis' ( ... ) Mon-
datados (1898), e três cópias realizadas não pelo autor e não datadas. Uma edição sieur Oswald mostra-se um pianista encantador e hábil." Le Monde Musical. Paris,
particular computadorizada foi realizada pelo autor deste texto, após análise dos fevereiro de 190 I. "Monsieur Oswald não é somente um compositor sério e interessan-
manuscritos citados. te, é também um pianista muito bom( ... ) Saliente-se o Quinteto para piano e cordas
100. Verifica-se o culto à tradição nestas observações quanto ao final de uma obra cujo Scherzo e Final são excelentes; um Concerto que o autor executou com maestria
musical. ( ... )o Improviso e a Barcarola, plenas de charme." Le Menestrel. Paris, fevereiro,
101. Idem. 1901. "Nos movimentos rápidos somos levados nas asas dos ritmos variados e chega-
102. Pode ter sido a "Berceuse pour violon ou violoncelle" dedicada a Mlle. Esther de mos satisfeitos aos finais. Nos movimentos lentos, ao contrário, os ouvidos experimen-
Mesquita e escrita em Florença, em 12 de abril de 1898. Ms. autógrafo encontra- tam à primeira audição um certo cansaço, até descobrir o pensamento musical um pou-
se no arq. part. JEM. co disperso. Mas que fé, que consciência de artista! Nada é vulgar, tudo possui o 'c a-
103. Cf. Leozinha F. Magalhães de ALMEIDA, Henrique Oswald, p. 38.
104.Entrevista concedida ao Correio da Mcmhã, no R. J., em 13/maio/1906 (AN).

I
128 I Henrique Oswald O personagem e sua saga !129

chet' de uma perfeita distinção." Le Monde Musical. Paris, 20 de fevereiro de Rodrigues Alves (1902). Aos 9 de julho de 1905, o Barão do Rio Branco
190 l. Ass. Mathis Lussy ( 1828-191 0) -pedagogo e musicógrafo suíço, que se es- envia um cartão a Henrique Oswald, a este agradecendo uma visita que lhe
tabelece em Paris como professor de piano, crítico, escrevendo igualmente importantes fizera. Corrobora o argumento da aproximação discreta que o compositor
trabalhos na área da teoria musical. "Nós comentamos aqui mesmo, a respeito do mantinha em relação ao poder.
grande sucesso obtido outro dia pelo excelente compositor brasileiro Henrique 123. AN.
Oswald, quando da primeira audição de suas obras. A segunda audição que ele deu, 124. " ... não compreendia como, vivendo longe da Pátria, fosse lembrado o seu nome,
sábado último na Sala.Pleyel ( ... )apresentou o mesmo êxito, tanto na escolha do de preferência ao de artistas de alto valor que nela brilhantemente exerciam a
programa como na execução." Le Gaulois. Paris, 12 de fevereiro de 1901 (AN). mesma atividade musical." Cf. Leozinha F. M. de ALMEIDA, op. cit., p. 91.
112. É significativo o comentário do crítico Sant' anna sobre Oswald, quando de sua 125. Uma das razões para aceitar o cargo poderia ter sido a de finalmente encontrar
excursão ao Brasil: "Mas, Oswald, e isto já não é novidade, trabalha atualmente uma estabilidade financeira. Em depoimento, Maria Isabel Oswald Monteiro
numa ópera. Ele bem sabe que a ópera está em decadência. Wagner, que deci- afirma: "Havia uma luta terrível dos Oswalds pela subsistência. Houve épocas
didamente não tem discípulos dignos de seu altíssimo mérito, estragou o gênero em que as apreensões da família fizeram-na temer a miséria e Lau queixava-se
com o inimitável esplendor dos seus imortais dramas líricos. Oswald sabe isto amargamente de sempre ter sido assim. De tudo isso tinha conhecimento meu
melhor que ninguém, mas não foi possível resistir aos pedidos e aos conselhos pai, que assistia aos sacrifícios da mãe, pois, por vezes, esta era obrigada a
de muitos amigos, que desejam ver o seu nome popularizado, e está compondo despedir uma empregada, fazendo todo o serviço da casa e ainda lecionar canto.
uma ópera, com amor, com carinho, com um desejo ardentíssimo de que os Embora mergulhado nos estudos, não passava despercebido a meu pai o deses-
aplausos das platéias correspondam aos votos dos seus amigos." O Estado de S. pero de minha avó, quando tinha de recorrer a amigos, penhorar jóias ou assinar
Paulo, 1900 (AN). Tratava-se de Il Neo, em dois atos. letras de empréstimo, pois o dinheiro que vinha do trabalho do marido era
113. AN. instável, levando às vezes meses sem que um centavo entrasse em sua casa".
114. In: Le Figaro, sexta-feira, 7/1111902 (AN). 126. No documento da nomeação lê-se: "O presidente da República resolve nomear
115. Alfredo Casella (1883-1947), pianista, compositor e regente italiano, quando Henrique Oswald para o lugar de Diretor do Instituto Nacional de Música do Rio
aluno do Conservatório de Paris estudou com Louis Diémer. de Janeiro em 25 de maio de 1903, décimo quarto da República" (AN). Era
116. Florent Schmitt (1870-1958), compositor francês, estudou com Gabriel Fauré no presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1918), que governou de
Conservatório de Paris. 1903 a 1906.
117. In: Le Figaro, sábado, 811111902 (AN). 127. AN.
118. Arq. BN. 128. A aluna Leozinha, que captou muitas das narrativas de Oswald, afirma que o
119. In: Le Figaro, 22/8/1903 (AN). In Hamac (na rede) retoma o sempre constante compositor tinha que cuidar " ... desde a limpeza do edifício e da correção das
balanço presente nas barcarolas e nas berceuses. In Hamac, no compasso 6/8 é, fardas dos contínuos, tudo tinha que ser fiscalizado por ele, cuja assinatura era
na realidade, uma barcarola. indispensável em todos os papéis de ordem, mesmo os mais prosaicos ( ... )
120. "O edifício em que funcionava o velho Conservatório foi ampliado, construindo- Henrique Oswald era a negação do homem prático, e se consumia ao contato
se um belo salão de concertos, com capacidade para mil ouvintes, excelentes das cousas materiais". Referindo-se ao Instituto, cita a frase atribuída a Hen-
condições de acústica e artística cúpula projetada pelo arquiteto italiano Santo rique Oswald: "Se não me tirarem dali, morrerei dentro de quinze dias". Cf.
Bucciarelli e decorada pelo grande pintor brasileiro Henrique Bernardelli." Luiz Leozinha F. M. de ALMEIDA, op. cit., p. 93-94.
Heitor Corrêa de AZEVEDO, 150 Anos de Música no Brasil, pp. 114-115. 129. Por outro ângulo, a cidade do Rio de Janeiro sofria sérios problemas de salu-
121. Oscar Guanabarino afirma que "o presidente Campos Sales, quando se deu a bridade pública. "As áreas pantanosas faziam da febre tifóide, impaludismo,
vaga do cargo de diretor do Instituto, quis nomear para aquele posto um jorna- varíola e febre amarela, endemias inextirpáveis. E o que era mais terrível: o
lista meio músico e meio crítico. A recusa foi formal pelos motivos que ainda medo das doenças, somado às suspeitas para com uma comunidade de mestiços
hoje subsistem; mas foi, pelo escolhido, indicado um outro com forte soma de em constante turbulência política, intimidava os europeus ... " Cf. Nicolau
conhecimentos, vantagens e cultura que honraria aquele posto com o seu pres- SEVCENKO, Literatura como Missão, p. 28.
tígio artístico". In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1929 (não constam o dia 130. Arq. part. MIQl\1. Reunidos mãe e filhos em Florença, certamente comentam os
e o mês). Ass. Oscar Guanabarino (AN). infortúnios do marido e pai, respectivamente, e decidem-se pela votação.
122. José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco (1845-1912), foi 131. Lau afirmaria em seu diário ter encontrado Henrique bastante emagrecido. Arq.
ministro das Relações Exteriores durante quase dez anos, a partir da presidência de part. MIOM.
130 Henrique Oswald O personagem e sua saga 1131

to mais nobre. Justamente pelo fato de não querer projetar-se, revelando com na-
13 2. Francisco Braga (1868-1945), compositor, regente e professor, foi durante as dé- !
cadas vindouras o amigo mais próximo de Oswald. turalidade e simplicidade aquilo que é, e, por outro lado, pelo fato de dominar
13 3. De uma das apresentações, frise-se crítica assinada por Oscar Guanabarino: "O 1 plenamente aquilo a que se propôs, sua música ligeira, jamais trivial, se mostra
ilustre compositor brasileiro tem a inspiração elevadíssima, e para glória sua e l agradável e descontraída" (AN) .
nossa como brasileiro basta dizer que às vezes as suas produções têm a mesma .:~:f·o· O Der Sammler, saído na mesma ocasião (não consta a data), expunha: "Na
majestade das frases de Beethoven, com mais jovialidade, no entanto, e mais 1 quarta-feira houve uma noite de composições. O Sr. Enrico Oswald, Diretor da
i
ardis nos movimentos rápidos, no Scherzo, por exemplo, onde bem se pode
apreciar a sua originalidade". In: O Paiz. R. J., 14/ll/1905 (AN).
·-+-··
!
Academia de Música do Rio de Janeiro. apresentou juntamente com o Quarteto
Closner uma série de suas composições para piano e música de câmara, das quais
!34. Arq. part. MIOM. o Andante da Sonata para violino op. 36, com sua linguagem que impressiona,
!35. Grifo JEM. mostrou-se a mais valiosa. No Quarteto op. 26 constatou-se a capacidade formal,
136. A tradução destas três críticas torna-se necessária para a compreensão do todo. O contudo; evidenciando criações temáticas modestas e determinados atributos ultra-
Algemeine Zeitwzg de 23 de março de 1906 publicava: "soirée musicale- Apre- passados. Mais rico quanto à criatividade foi o Quinteto op. 18, apresentado no final
sentou-se ontem no 'Museum', o Diretor do Instituto de Música do Rio de Janei- e do qual agradou especialmente a parte lenta. Das seis pequenas peças para piano,
ro. Enrico Oswald, juntamente com o Quarteto Closner, executou composições de talvez de gênero chopiniano, agradaram-me mais as duas últimas. Outras três obras
sua autoria. Oswald é pianista brasileiro nato, formado pela escola do excelente para piano se seguiram e destaquem-se Il Neige!, uma pintura que revela estados de
Buonamici de Florença e desde alguns anos reside novamente no Brasil. Sua manei- alma, e o Impromptu, peça fluida. Apesar de não ter sido uma récita impressionante,
ra de tocar é elástica, exata, especialmente cativante quanto ao espírito captado de há que se convir que as pequenas peças para piano e o Quinteto exprimem um
suas composições. O artista possui criatividade, o dom de apresentar uma música compositor bem dotado. O Sr. Oswald, português nato, aparentando 40 anos, com
com clareza e precisão e seu temperamento latino imprime à sua apresentação a gra- estudos em Paris, mostrou-se pianista hábil e de bom gosto" (AN). O cótico faz
ça da autenticidade. Como compositor, Oswald é eclético; Liszt, Chopin e a esco- restrições ao Quarteto op. 26 quanto à temática e atributos ultrapassados. Novamen-
la francesa exerceram sobre ele profunda influência. Composições como Nocturne, te tem-se o choque entre duas correntes distintas: alemã e francesa, no que se refere
Jmpromptu e li Neige! não poderiam ser imaginadas sem estas influências; o mesmo à construção musical na segunda metade do século XIX. Saint-Saens percebeu,
se poderia dizer das outras pequenas peças, se bem que em grau menor. Mas é tudo como francês, atributos no Quarteto que vinham ao encontro de seus propósitos
sóbrio, espirituoso, totalmente individualizado. Acima de tudo, são legítimas com- musicais. O cótico equivocou-se ao indicar a nacionalidade portuguesa para Oswald.
posições para piano, onde o autor capta a natureza mesma deste instrumento. O 137. Arq. part. MIOM.
Quarteto op. 26 e o Quinteto op. 18 são ricos, têm segmentos belos e nobres, salien- 138. Grifo JEM.
tando-se o Scherzo do Quarteto em seu ritmo tratado de maneira original. Além dis- 139. Em depoimento, Maria Isabel Oswald Monteiro afirma: "Meu pai jamais consi-
to, Oswald apresentou um Andante envolvente da Sonata op. 36" (AN). Duas ob- derou-se italiano, repetiu isto incessantemente, ofendendo-se quando o chama-
servações: "a escola do excelente Buonamici de Florença" é a lembrança do crítico vam assim".
ao professor e compositor italiano que estudara em Munique; a ênfase à escola fran- 140. Em depoimento, Eduardo Etzel, psicanalista ortodoxo e autor de inúmeras
cesa, que teria exercido influência sobre a composição de Henrique Oswald, ressal- obras sobre arte sacra brasileira, nas quais busca explicar a criação artística
tada pela maneira "clara" com que o compositor elabora a sua textura musical. através de dados psico-sociais, afirma: "Henrique Oswald deveria estar com
As duas outras críticas provocariam o desânimo em Oswald. Em um perió- o ego enfraquecido pela emoção e projetaria, pois, a vida em Florença
dico (não consta o nome do mesmo, tampouco a data), lê-se: "Enrico Oswald, como ideal para a sobrevivência psíquica. Caso contrário, teria que aceitar
diretor da Academia de Música do Rio de Janeiro, juntamente com o Quarteto a 'falência cultural' do Rio de Janeiro. Para Oswald, a cultura era essencial,
Closner, apresentou na quarta-feira uma noite de composição na qual ele deu provas pois vivera em ambiente italiano, voltado à criação musical e às artes como
de ser um músico bem-formado, possuirfor de bom talento, se bem que não excep- um todo. Quantos de nós já não elegemos uma cidade, um país, um conti-
cional. Além de uma série de pequenas peças para piano que o compositor apresen- nente, como ideais para a sobrevivência psíquica?"
tou com bom gosto e técnica elegante, e dentre as quais poderiam ser salientadas 141. Grifo JEM.
algumas que encontram receptividade, foram apresentadas duas obras de música de 142. Arq. part. MIOM.
câmara mais significativas: o Quarteto op. 26 e o Quinteto op. 18. Estas obras 143. Inserido em outro momento histórico, Francisco Mignone mostrar-se-ia mais
revelaram um músico de descendência e formação romântica, apesar de que Oswald descontraído ao falar de tendências recebidas e até do plágio: "Si os outros
entende a música de câmara apenas num sentido de música de salão e entretcnimen- disserem que estou imitando, si disserem que a minha invenção melódica é
·--:-;"'f"T:J!.
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132 I Henrique Oswald O personagem e sua saga 1133

banal, que estou mostrando o meu rabinho italiano em meu brilho e violên- 153. Rodrigues Barbosa escreveu uma das críticas sobre o concerto sinfônico: "Henri-
cia apaixonada, mandaria todos àquela parte. Todos os grandes artistas de que Oswald, compositor de uma originalidade incontestável, de um gosto raro,
todas as artes foram enormes plagiários. O plágio só é condenável quando variado, fecundo nos seus efeitos esquisitos, de estranho sabor, veio tocar o seu
feito com intenção de roubar o sucesso alheio". Francisco MIGNONE, A Concerto para piano com acompanhamento de orquestra. Já tivemos ocsaião de
Parte do Anjo - Autocrítica de um Cinqüentenário, p. 39-40. falar desse Concerto tocado há poucos anos pelo autor com acompanhamento de
144. Arq. part. MIOM. um quarteto de cordas, se nos não falha a memória. Ouvindo-o ontem novamen-
145. Idem. Em depoimento, Maria Isabel Oswald Monteiro afirma: "Sinto nas te com o realce orquestral, admiramos ainda mais o engenho do compositor e a
notas autobiográficas de meu avô, que não lhe agradava o fato de que os riqueza da sua linguagem sinfônica, tão simpática, de uma urdidura tão hábil, de
filhos aqui permanecessem. Isto, depois de os ter formado no amor ao uma 8utileza tão penetrante, realçada pelas belezas propriamente pianísticas de
Brasil e na consciência de sua brasilidade". efeito delicioso- tudo isso realçado pela frase dramática do Concerto, de forma
146. Arq. part. MIOM. inteiramente livre e urdido numa harmonização inteiramente nova, moderna, ca-
147. Ainda segundo depoimento de Maria Isabel Oswald Monteiro: "O diário de racterística". In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 13/12/1909. Ass. Rodrigues
Munique esclarece, dentro desta mágoa, o fato de, mais tarde, fixado e presti- Barbosa. Alberto Nepomuceno é outro músico de envergadura a quem Oswald
giado no Brasil, não se ter sentido inclinado a pesquisar seus ritmos. Realmente admirava e com quem sempre manteve clima de mútua amizade e apreço.
ele foi um compositor europeu". 154. Paysage d'automne teve no pianista, c0mpositor e regente Viana da Mota um dos seus
148. Arq. part. MIOM. Trata-se de um texto inusitado, em que Oswald abertamente apologistas. Trata-se de versão orquestral do primeiro dos três estudos para piano.
critica um "opositor", desafiando-o "não frontalmente" a mostrar as suas, como 155. O filho Carlos dá uma interpretação à Sinfonia, op. 43, comparando-a à realida-
afirma, "obras-primas". de vivida pelo pai: "Nesta peça ele descreve a sua vida íntima, os seus triunfos e
149. Em 14 de maio de 1907, Francisco Braga, como diretor interino do I.N.M, as mesquinhas intrigas que o obrigaram a largar a direção do Instituto, as lutas e
designa Henrique Oswald professor de piano, pois este curso tinha sido desdo-
i. a resignação por ter que recomeçar a vida aos cinqüenta e tantos anos! De fato,
para viver e ajudar a sua família, tem que procurar lições particulares de manhã
brado, passando o pianista-compositor a reger a aula suplementar do referido
instrumento (AN). até a noite". Cf. Carlos OSWALD, Como me Tornei Pintor, p. 197. Corroboraria
o relato de Carlos a carta ao filho Alfredo, datada de 27 de abril de 1911, em que
150. Em um artigo do violinista brasileiro Francisco Chiafitelli, publicado em Paris
Oswald observa a triste situação brasileira em geral. Arq. part. MIOM.
no Courier du Brésil e transcrito em jornal de São Paulo, encontra-se: " ... Hen-
156. Carta de 27 de abril de 1911. Arq. part. MIOM. Grifo JEM. Cinco anos após
rique Oswald, que, durante três anos melhorou o ensino do Instituto Nacional de
o "diário de Munique", Oswald ratifica a sua descrença para com a situação
Música de um modo notável. Infelizmente, porém, Oswald deixou, em 1906, a
cultural brasileira como um todo.
direção do Instituto para consagrar-se ao professorado particular, em que é exí-
mio". In: O Commercio de S. Paulo, 15/2/1909 (AN). Chiafitelli foi amigo 157. O pavilhão brasileiro foi decorado por vários artistas do Brasil, como os irmãos
particular de Oswald e intérprete de numerosas produções camerísticas do com- Bernardelli, os irmãos Thimóteo da Costa, os irmãos Chambelland, Pedro Bruno.
positor. A sala para os seus concertos foi decorada com painéis de Carlos Oswald. Foi nesse
151. A amizade de Francisco Braga para com Henrique Oswald, que se prolongará período que este último sofre o impacto da obra de Puvis de Chavannes.
até o fim da vida do último, estender-se-ia a todos os Oswalds, que viam em 158. O periódico ltalie lllustrée resenha os eventos e a tradução da crítica sai estampa-
Braga o amigo de fidelidade. Diferença etária, de raça, pois Braga era mestiço, da em São Paulo: "Esses concertos, em número de seis, foram executados, como
nada abalaria a fraterna convivência. Leozinha precisa este relacionamento du- dissemos, no pavilhão de honra do suntuoso palácio do Brasil na Exposição, e sus-
rante o período da demissão de Oswald do cargo de diretor do Instituto: "Du- citaram sempre o maior interesse do público cosmopolita, que honra com a sua
rante a época tormentosa da vida de Oswald como diretor do Instituto Nacional presença, alguns meses há, a graciosa metrópole piemontesa. No primeiro, con-
de Música, mais se estreitou a amizade dos dois grandes luminares da música corrência de pessoas curiosas e competentes. No segundo, intervenção das clas-
brasileira, em cujos corações jamais entrou a inveja nem a rivalidade, sendo ses mais elevadas da sociedade; nos demais, uma enorme multidão, ávida de
Francisco Braga um dos poucos amigos que, naquelas aflitivas condições em aplaudir os excelentes artistas brasileiros ( ... ) Henrique Oswald é sempre e em
toda parte o mestre consagrado. As suas composições são perfeitas. Tem o estilo
que Oswald vivia, o visitava diariamente, confortando-o e dando-lhe estímulo".
puro, possui elevação, elegância, distinção e tanto os amadores como os artistas
Cf. Leozinha F. M. de ALMEIDA, op. cit., p. 104.
não sabem que mais admirar nele, se o seu profundo conhecimento da harmonia
152. Diário de Laudômia Oswald. Arq. part. MIOM. Uma próxima vinda de Carlos
e contraponto, se a maneintfina, nobre e delicada de exprimir pelo som a subli-
Oswald ao Brasil seria definitiva.
midade da arte". In: Correio Paulistano. São Paulo, novembro de 1911.
134 I Henrique Oswald O personagem e sua saga 1135

159. Diário de Laudômia Oswald. Arq. part. MIOM. houve quem se animasse a tratá-la com incompreensível desdém, só se pode
160. Álbum íntimo de desenhos feitos por Henrique Oswald. Arq. part. MIOM. lamentar tamanha h~11iandade ou tão cega inconsciência". In: A Notícia. Rio de
161. Caaa de 20 de dezembro de 1912. Arq. part. MIOM. Janeiro, 2/10/1918. Ass. Roberto Gomes (AN).
162. I.km. 168. Um bilhete de Massenet (1822-1884), afirmando que teria prazer em ver Hen-
163. Carlos Oswald vem expor no Brasil, juntamente com o artista brasileiro Eugene rique Oswald em Paris, tornaria mais precoce um conhecimento deste com a
Latow-; Alfredo Oswald, para recitais e concertos no Rio de Janeiro e em São música praticada em França (AN).
Paulo. Convidado para ser o primeiro professor de água-forte no Liceu de Artes ~~·
169. Darius MILHAUD, Études, p. 32.
e Ofícios do Rio de Janeiro, Carlos tornar-se-á o pioneiro da gravura em metal no 170. Idem, ·Ma vie lzeureuse, p. 66.
Brasil, pintor dos mais importantes entre os chamados "acadêmicos" e autor dos 171. Idem, Études, p. 32.
primeiros esboços da imagem do Cristo Redentor no morro do Corcovado, no Rio. 172. Idem, Ma vie heureuse, p. 68.
Casa-se em 1917. Alfredo Oswald fixa-se em São Paulo durante a guerra. Leciona 173. Tanto Arthur Rubinstein corno Darius Milhaucl emllleamente citam Henrique Oswald
e dá recitais em algumas cidades brasileiras. Finda a Primeira Grande Guerra, como diretor do Conservatório Nacional. No período da narrativa, Oswald ocupava o
retoma às suas ativida!les de concertista na Europa e, mais tarde, nos Estados cargo de professor catedrático do INM.
Unidos, tomando-se catedrático de piano no Conservatório Peabody de Baltimore. 174. Arthur RUBINSTEIN, My many Years, p. 26-27.
164. A crítica serve igualmente como uma interessante crônica cultural da cidade do 175. Carta de Darius Milhaud a Mme. Oswald, enviada de Aix-en-Provence aos 26 de julho
Rio de Janeiro: "apesar do calor do momento (eram 16 horas, quando toda de 1919. Arq. part. MIOM.
gente gosta de passear pela Avenida Rio Branco), a sala do Teatro Municipal 176. Carta de Darius Milhaud a Mme. Oswald, enviada de Paris aos 28 de outubro
tinha uma brilhante assistência. Entretanto, causava tristeza ver que se não de 1919. Arq. part. JEM.
achavam presentes muitas pessoas que deveriam ter comparecido, por cortesia 177. Carta de Darius Milhaud aos Oswalds, datada de 14 de fevereiro de 1930 (AN).
ao menos. Que fazer? Aqui, cada um pensa em si, crê na sua superioridade 178. Arq. part. MIOM.
sobre todos, tem fé na própria glória e acreditaria sofrer uma 'diminutio capi- 179. In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1917 (AN).
tis', se levasse a um colega, com a sua presença, uma demonstração de apreço, 180. Leia-se, de José Miguel WISNIK, "Nazareth segur.do Milhaud", in: José Miguel
uma prova da sua admiração, o reconhecimento do artista festejado. É que, WISNIK, O Coro dos Contrários, p. 39-50.
como povo novo, sem cultura, sem ideais, ainda não nos consubstanciamos 181. Apud José Miguel WISNIK, op. cit., p. 45.
com a arte, que é uma planta exótica entre nós, definhando às asperezas do 182. Entre as obras pertencentes à biblioteca de Henrique Oswald encontravam-se, de De-
meio". In: Jomal do Comércio. Rio de Janeiro, 311/1915 (AN). bussy: a ópera "Pelléas et Mélisande" (Durand, 190.')- Arq. part. MIOM; o mis-
165. Maria Isabel Oswald Monteiro afirma que, ao ouvir um recital do violoncelista tério Le Martyre de Saint-Sébastien (Durand- 1' ed., 1911)- Arq. part. JEM.
Pablo Casais, Oswald ficou impressionado. Prometeu-lhe uma sonata. Somente 183. Maurice Ravel afirmaria: "Por exemplo, nas obras de Darius Milhaud, provavel-
em 1916 estaria pronta a Sonata-Fantasia em um só movimento segmentado. A mente o mais importante dos nossos jovens cornpc•sitores, muitas vezes ficamos
obra difere substancialmente da Sonata em ré menor, op. 21, de 1898, destinada impressionados com a amplidão dos conceitos do compositor; esta qualidade da
à mesma organização instrumental. Ambas editadas a partir dos manuscritos em música de Milhaud é-lhe muito mais pessoal do que a politonalidade (deste
1982, pela Novas Metas, São Paulo. emprego simultâneo de muitas tonalidades encontram-se exemplos embrionários
166. O Trio, op. 45, datado de 1916, foi dedicado a Barrozo Netto, Humberto Milano nos corais de J. S. Bach, em certas passagens de Beethoven e na utilização que
e Alfredo Gomes, constituintes de um trio que se tornaria divulgador de parte dela faz Richard Strauss), tão freqüentemente comentada e muitas vezes critica-
substancial do repertório brasileiro no gênero. Barrazo Netto, compositor, pia- da." Trecho da conferência realizada no dia 7 d•: abril de 1928 em Houston,
nista e professor foi um dos bons amigos de Henrique Oswald. Texas (EUA). Apud Marguerite LONG, Au piano avec Maurice Ravel, p. 100.
167. Um dos críticos observa: "Há muito tempo- desde a magistral Sinfonia em Sol 184. Diário de Laudôrnia Oswald, 29 de novembro de 1921. Arq. part. MIOM.
maior do Sr. Alberto Nepomuceno - que não ouvíamos uma música sinfônica, 185. Quanto ao Quarteto op. 46, Emani Braga observa: "Não se sabe o que mais ad-
uma obra brasileira de semelhante importância. Às suas qualidades habituais de mirar nos três tempos desse Quarteto. A inspiraçãJ corre límpida e espontânea,
finura e delicadeza, o Sr. Oswald soube por vezes juntar urna nota de vigor com como se brotasse de milagrosos e inexauríveis mar anciais. A fatura é simples. A
que não estávamos até hoje acostumados. A sua Sinfonia primorosamente escrita contextura contrapontística, embora cerrada, nunca perde as qualidades declare-
e trabalha!la com esmero, é uma obra que honra sobremodo o artista que a za que lhe são essenciais". Crítica saída em jorna de São Paulo, em 1927. Em
compôs, e se for exato que, enquanto ela permanecia no mistério dos ensaios, recente leitura, comenta Régis Duprat sobre a m ~sma obra: "Neste Quarteto,
136 I Henrique Oswald O personagem e sua saga 1137

Oswald supera definitivamente a linguagem romântica, ainda que mantendo uma garotada e abria para a interpretação do Oswald músico, sem o saber, a inclina-
rigorosa arquitetura formal. Note-se que, na época de sua composição, Bela ção deste para as baixas intensidades, o que se evidencia claramente em grande
Bartók só escrevera os dois primeiros da série de seus quartetos de cordas. A parte de sua obra.
tensão aqui é permanente, constante, sem clímax. Até as pontes, os episódios, as 196. Diário de Laudômia Oswald, 2 de janeiro de 1925. Arq. part. MIOM.
separações das secções são inquietas, com movimentação em semicolcheias". 197. Idem.
Comentário inserido no Lp Música de Câmara, vol. I, série "Discos de Cultura", 198. "A música brasileira era representada por dois tempos de uma Sinfonia do Sr.
BASF, 1984. Henrique Oswald. Foi esta 'Sinfonia parcial' acolhida com entusiasmo, tanto mais
~'"
186. Diário de Laudômia Oswald, 24 de janeiro de 1922. Arq. part. MIOM. caloroso quanto até hoje a escolha dos números da música nacional, nem sempre
187. Oficialmente, pelo menos quatro alusões em épocas diferentes às dificuldades de parecia ter sido muito feliz ( ... )Foi porém com inexcedível prazer que se tornou a
subsistência digna: carta do Barão de Javary (1878), A Platéia de São Paulo ouvir ontem aquela música tão fina e luminosa de tão sincera e discreta emoção!
(1896), Jornal do Comércio (1900 e 1910). Quanto aos diários de Carlota e A orquestração apresenta as qualidades de gosto e sobriedade que já estávamos
Laudômia Oswald, as menções são constantes. acostumados a encontrar nas obras do nosso compositor patrício ( ... )A música do
188. Arq. part. MIOM. Sr. Oswald poderia ter qualidade de 'musique blanche', se um adjetivo assim em-
189. Toma-se importante destacar alguns segmentos de artigos publicados pela im- pregado não parecesse a alguns encerrar qualquer acusação de fraqueza e falta de
prensa paulista quando da Semana de Arte Moderna, o que evidencia o nítido energia." In: O Estado de S. Paulo, 251111925. Ass. Roberto Gomes (AN).
acirramento: "Assinados ou não, uma série de artigos publicados pelo Correio 199. Leia-se a história pormenorizada deste singular episódio em Carlos OSWALD,
Paulistano, O Estado de S. Paulo, A Gazeta, a Folha da Noite, o Diário Popu- Henrique Oswald e seu Filho Alfredo. Petrópolis, Vozes de Petrópolis, janeiro-
lar, o Jornal do Comércio, se comprometem na defesa ou na acusação do fevereiro, 1945.
nodemismo ( ... ) Em tomo da música, os limites da tópica Semana são ocupa- 200. Diário de Laudômia Oswald, 23 de fevereiro de 1926. Arq. part. MIOM.
dos, de um lado por Carlos Gomes (ao qual adere o crítico Oscar Guanabarino) li 201. Arq. part. MIOM.
r
( ... ) e de outro, por Villa-Lobos e Satie, assim como Stravinsky e os Seis, í· 202. "Gabriel Pierné apresentou no último sábado a primeira audição do Andante e
comparecendo estes muitas vezes, no entanto, como nomes e não como autores
F Variações para piano e orquestra do Sr. Henrique Oswald. 'Quem é este jovem re-
,_j', cém-chegado, perguntareis vós e de onde ele vem?' O Sr. Oswald, brasileiro célebre
( ... ) Debussy é uma figura ambígua, incorporada aos festivais mas sob ressalvas i
de Graça Aranha, apontado por Guanabarino como 'doido' (ainda que genial) em seu país, tem 73 anos e foi um dos melhores diretores do Conservatório do Rio
mas defendido ironicamente pel' o Estado contra os exageros dos modernistas: t de Janeiro. A obra que tivemos razão de aplaudir é curta na verdade, sem pretensão,
Só a senhorita Guiomar Novaes conseguiu ser ouvida em silêncio profundo,
mesmo quando executava esse 'arcaico musicista' chamado Debussy, natural-
l e que data provavelmente de uma época mais distante. Foi executada de uma maneira
elegante por Mlle. Maria Antônia de Castro. A obra é simples, equilibrada, solida-
mente uma perfeita nulidade para os que querem iniciar a Nova Era... " Cf. José mente construída, logicamente desenvolvida, suficientemente interessante quanto às

190.
Miguel WISNIK, op. cit., p. 80-81.
Em depoimento, Laura Oliveira Rodrigo Octávio, viúva do acadêmico escritor
I idéias e ao estilo. Ela não tem nada de exótico, de anormal nem excessivo. Se neces-
sário fosse aproximar a obra de uma escola, seria àquela de César Franck, embora ine-
xista pasticho do soberano mestre das Beatitudes. Percebe-se que a obra do Sr.
Rodrigo Octávio, conta que, em 1919, recebia aulas de piano de Henrique Oswald
na Casa Araújo, à Rua do Ouvidor. Em certa ocasião, durante uma lição, o Oswald tem algo de 'chez nous' antes mesmo de ter recebido a acolhida simpática
professor pediu desculpas, interrompeu a aula e foi atender a um jovem que o e justa que lhe foi devida." In: Le Matin. Paris, 22/3/1926, Ass. Alfred Bruneau de
esperava na ante-sala. Ao retomar a lição, comentou com a aluna: "O jovem que L'Institut (AN). No dia seguinte, uma outra crítica: " ... M. Gabriel Piemé prestou
lá estava sentado é uma brilhante promessa. Chama-se Heitor Villa-Lobos e será uma justa homenagem à música brasileira, inscrevendo em seu programa o Andan-
o maior compositor do Brasil". te e Variações para piano e orquestra do Sr. Oswald, que é mestre de todos os pia-
191. "Entretanto indicaste o caminho a nós todos, mas livremente, sem compromis- nistas de seu país, que têm sido apreciados no nosso. Sua obra, classicamente cons-
so." Em um jornal do Rio de Janeiro, de 15 de abril de 1931 (AN). truída e sabiamente ordenada, é maravilhosamente feita para evidenciar o intérpre-
192. D!ário de Laudômia Oswald. Arq. part. MIOM. te.". In: Le Figaro. Paris, 23/311926. Ass. Robert Brassel (AN).
193. "E de uma poesia penetrante, fina harmonização e um colorido riquíssimo." 203. AN.
Carta de Vianna da Motta a Oswald, de 4 de outubro de 1922 (AN). 204. Diário de Laudômia Oswald, 21 de fevereiro de 1927. Arq. part. MIOM.
194. Diário de Laudômia Oswald. Arq. part. MIOM. 205. Laudômia observa: " ... recebemos em casa Respighi e a mulher- ele se lembra bem
195. Idem. Esta afirmativa de Laudômia, dois anos antes, referia-se às algazarras da de você, Alfredo, em Bologna. É um grandíssimo musicista em tudo e por tudo -
138 I Henrique Oswald O personagem e sua saga j139

regente de orquestra, pianista, violinista e um fino compositor, moderno, clássico, espírito desse poema; nosso seu ritmo bárbaro e primittvo; nosso o tema
claro. Delicioso como homem, pois tímido, simples e modesto". Carta ao filho melódico perpassado de romantismo caboclo, do mais puro sentimentalis-
Alfredo, 12 de julho de 1927. Arq. part. MIOM. Escreve Daniel Spini: " ... em mo sertanejo. Nossa mania atual é entronizar cabeludas divindades cacofô-
julho, Respighi rege dois concertos no Rio: a orquestra é medíocre, mas o êxito, nicas. Os altares da democracia artística são destinados a todas as irreve-
ótimo. Respighi despede-se da Filarmônica do Rio com a promessa de escrever rências plebéias da estética. É o tempo dos novos Marats, Saint-Justs,
para a mesma uma suíte brasileira: no dia 10 de julho embarca para a Itália, Herberts da estetísica. Estamos em pleno 'sansculotismo' artístico, com
levando diversos apontamentos, frutos do interesse nele despertado pela música guilhotina armada nos jornais, cujo cutelo é afiado pela crassa ignorância
popular do Brasil". Daniel SPINI, "Ottorino Respighi (1879-1936): Profilo Biogra- crítica do arrivismo metidiço que fala de pintura, arquitetura, escultura,
fico". In: AA.YV. Ottorino Respighi. Torino, Eri, 1985. música, poesia sem ter nascido com a centelha divinatória da verdade es-
206. É pitoresca a narrativa do crítico Mário de Andrade, que neste concerto-homenagem tética, que é o inato senso da arte. Tal qual na revolução francesa. Do
encontra-se com Henrique Oswald no saguão do teatro, uma primeira e última vez: nivelamento inicial da mediocridade, surgem os juízes das criações do es-
"Escutando o meu nome, o velhinho disse 'Ah !',que na suave paciência daquele ar- pírito, como da turba anônima e inculta, que cantava a Carmagnole, sur-
tista tão sutil, tenho a certeza que era um elogio. Mais do que essa aproximação não giam, sob o Terror, os magistrados que davam as suas vítimas a Fouquier
pedida por nenhum de nós, não nos companheiramos nem mesmo numa conversa Tinville ... Todos os grandes artistas foram executados pelo 'sansculotis-
rápida". Mário de ANDRADE, Música, Doce Música, p. 215-216. mo' desses desencadeados rebeldes: Nepomuceno, Almeida Júnior, Aleija-
207. Mário de Andrade fez uma das críticas do concerto: "Essa op. 43 me parece a dinho, Bilac, para citar os que for.am executados depois de mortos ... " In:
obra mais significativa do pensamento sinfônico de Henrique Oswald. O jeito Correio Paulistano. São Paulo, 11/1011929. Ass. Helios.
compacto dele trabalhar a orquestra atinge nessa obra a manifestação mais 211. Compareceram: "Luciano Gallet, Presidente da A.B.M. e Diretor do INM,
sistemática e o mais perfeito equilíbrio ( ... ) essa mesma flexibilidade melódica Francisco Chiafitelli, Corbiniano Yillaça, Oscar Lorenzo Fernandes, Barrozo
de que entre nós Henrique Oswald é o criador incomparável e que é o caráter Netto, Otávio Bevilacqua, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Alfredo Gomes,
que tanto o em parceira com Fauré ( ... ) O que afirmo é que como eficiência de Arnaldo Estrela, Alcina Navarro de Andrade, J. Octaviano, Oscar Borgheth,
caráter brincalhão, de alegria, de ironia perereca, de borboleteamento improvi- Walter Burle Marx, entre outros. Quanto aos políticos, salientem-se: Dr. Afrâ-
sado, que são os valores psicoloquecos evocados imediatamente pela palavra nio de Mello Franco, Ministro das Relações Exteriores; Dr. Francisco Campos,
Scherzo, não sei de ninguém que tenha inventado tão legítimos e tão numero- Ministro da Educação e Saúde Pública; Aloísio de Castro, Diretor do Depar-
sos Scherzos como o nosso grande compositor. Foi ele que em arte até agora tamento Nacional de Ensino etc.
abriu o mais delicioso e puro sorriso que jamais pairou em boca brasileira". In: 212. Diário de Laudômia Oswald, 4 de maio de 193 I. Arq. part. MIOM.
Diário Nacional. São Paulo, 2/6/1929. Ass. M. de A. Quando sentiu o impacto 213. A causa-mortis assinada pelo Dr. Gabriel de Souza Teixeira: Artero sele-
causado pela sensação estético-musical representada pela audição das obras de rase collapso cardíaco, no termo de óbito n° 2.408 (AN).
Henrique Oswald, Mário de Andrade não poupou elogios ao compositor. 214. Diário de Laudomia Oswald, 9 de junho de 1931. Arq. part. MIOM.
208. Mário de Andrade à frente (Ensaio sobre a Música Brasileira, p. 5, e sobre a 215. "Saindo da Rua Paissandu, 126, às 17 horas, para o cemitério São João Batista,
morte de Henrique Oswald em Música, Doce Música, p. 215-218); Luiz Heitor o corpo do saudoso compositor foi acompanhado por elevado número de pes-
Corrêa de Azevedo (Música e Músicos do Brasil, p. 233-234). soas, entre as quais se viam representantes do Governo Provisório e dos mem-
209. Observa Arnaldo Contier: "O nacionalismo crítico de Mário de Andrade opu- bros do seu Ministério, das associações musicais e intelectuais, artistas, homens
nha-se, por exemplo, ao nacionalismo acrítico de um Alberto Nepomuceno. A de letras, jornalistas." Notícia publicada em um jornal do Rio de Janeiro aos 11
descolonização no sentido de uma possível ruptura com a música de traços de junho de 1931 (AN).
nitidamente europeus resumia-se em alguns princípios de conotações ideológi- 216. A respeito do discurso de Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, um jornal do Rio de
cas". Cf. Arnaldo D. CONTIER, Mzísica e Ideologia no Brasil, p. 30. A posição Janeiro comentou: "A oração do Sr. Luiz Heitor produziu mau efeito. Continha
de Henrique Oswald tomara-se delicada junto aos nacionalistas, inexistindo por uma censura pelo menos extemporânea à obra de Oswald por não ter sido, na
parte do compositor posicionamento oficial quanto ao movimento emergente. opinião do orador ... de música brasileira! Graças a Deus! Foi muito mais do que
210. "Pensei na magistralidade desse compositor patrício, ouvindo ainda uma vez isso. Foi de música 'universal' da mais bela. A ocasião é que não era a mais
sua brasileiríssima Serrana. Sem cerebralismos, sem preocupações de espan- própria para analisar com tanta minúcia esse ponto levando a questão para o
tar zoilos, moderno na sua técnica, espontâneo na sua inspiração. Em Serra- terreno mesquinho e tacanho do 'jacobinismo' musical! Nem a peroração apo-
IW, Henrique Oswald realiza uma obra-prima genuinamente nossa. Nosso é o teótica, apelando para os artistas nacionais a fim de que não deixassem cair no
140 I Henrique Oswald
esquecimento a obra de Oswald, conseguiu apagar do espírito dos presentes a
impressão fundamente desagradável deste discurso, longo, impróprio e absolu-
tamente inadequado ao momento fúnebre ... " Comentário publicado em jornal do
Rio de Janeiro. Junho de 1931 (AN). Segunda parte
Luiz Heitor, muitos anos após, escreveria sobre o episódio: "'Sendo embora
o menos brasileiro dos nossos compositores - tinha eu dito - fostes também,
oh! Mestre! o maior compositor do Brasil, aquele cuja obra é universal, comple-
ta e harmoniosa'. Houve quem visse nessa constatação um ultraje à memória do Dilemas de um personagem
mestre e me acusasse de apontar defeitos na obra de Oswald, no instante mesmo
de seu corpo baixar à sepultura. Não é exato; eu seria incapaz dessa terrível
prova de mau gosto." Cf. Luiz Heitor Corrêa de AZEVEDO, Música e Músicos
do Brasil, p. 234.
O homem: um olhar aristocrático

i~
-~-

A compreensão de Oswald, no seu aspecto físico e em alguns dos


principais e marcantes traços de seu modo de ser, ajuda a esclarecer atitudes
decisivas frente à profissão de músico e à própria existência.
Henrique Oswald é a antítese do homem que se impõe pelo físico. De
pequena estatura, magro, fronteira de um valetudinário, precocemente calvo,
tendo deixado crescer a barba por várias vezes, todos os seus atos tornam-no
um homem de requinte. Frise-se, um médio-burguês com olhar aristocrático '.
A iconografia do compositor atesta-lhe determinados atributos. Sempre
há a natural inclinação para o bem-vestir e o posar com altivez. Esta tendên-
cia ao "dandismo" acentua-se nas fotos das últimas décadas. Mesmo na
descontração, quando Oswald se encontra ao ar livre, não perde a pose em
direção à aristocracia jamais alcançada.
Às observações de seus contemporâneos sobre o seu físico e a sua
figura delicada juntam-se os comentários a respeito de traços característicos
de sua personalidade, como modéstia e timidez. Verifica-se que Henrique
Oswald tem conhecimento claro das reiteradas manifestações dos críticos e
redatores quanto ao seu temperamento. Aceita a rotulação, permanece fiel
aos atributos ventilados pela imprensa e não parece que tente sequer mudar
a imagem, a fim de grangear popularidade, mesmo que, por vezes, os jornais
comentem que estas "chamadas qualidades" possam prejudicar a divulgação
do seu nome, de suas obras e dos eventos dos quais participa.
Durante cerca de trinta e cinco anos, modéstia, recato e timidez tor-
nam-se palavras a fazer parte integrante das críticas aos concertos e recitais
de Oswald ou mesmo dos comentários de programas, entrevistas ou simples
noticiários'. Estes traços característicos de Oswald seriam ainda objeto de
referência de amigos e de seus íntimos.
É possível que a modéstia e a timidez corresponda a uma defesa do
compositor frente ao mundo exterior. Provável, igualmente, que sejam respon-
sáveis pelos seus pronunciamentos "oficiais", mordazes, sutis mas não polê-
micos. Estas posições de discrição, paradoxalmente, não fazem supor um
compositor plenamente envolvido com vertente romântica, sendo que as cul-
144 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem 1145

minâncias exacerbadas existentes na música de câmara evidenciam carga


.ic
i governamental. Se é convidado pelo governo de São Paulo para organizar os
passional inusitada. concertos brasileiros na Exposição Internacional de 1911 em Turim, isto
Muitas das atitudes de Oswald quanto à própria existência permane- . ··}! deve-se mais ao fato de estar com o nome consolidado e ser o brasileiro
''.~
cem obscuras. Vê-se que o compositor permanecerá fiel a alguns princípios: ' l. mais ligado à Itália. Percebe-se igualmente em Oswald que a não-manuten-
freqüência ao culto religioso católico; dedicação às aulas; prazer em receber ção do poder, quando no INM, é o resultado de um amplo des-poder por

t
colegas, alunos e amigos em casa quando, aos sábados e domingos, a família parte do compositor 3 •
fazia música, descon.traía-se e sabia fazer-se gostar. Em 20 de dezembro de 1911, Oswald escreve ao filho, Alfredo, carta
A rotulação de Oswald seria francamente a de médio-burguês com já comentada em alguns de seus itens. É interessante observar que, na mes-
aspirações aristocráticas. Valores da burguesia e dificuldades financeiras ma, o compositor, de regresso para o Brasil após a Exposição de Turim, fala
acompanham-no durante toda a vida, havendo flutuações de intensidades. da situação brasileira péssima e de possível eclosão de uma revolução. Na
Quanto à política, não se percebe por parte do compositor uma ideolo-
gia clara. Oswald é o homem que se aproximou do poder em momentos de-
cisivos, quando as condições de sobrevivência tornaram-se praticamente in-
I mesma missiva, o compositor mostra-se um observador, inexistindo o juízo
crítico do porquê da situação, uma proposta individual para a solução, etc.
Na narrativa do momento vivido no Brasil inexiste o "eu compartilho", "eu
sustentáveis. D. Pedro II, Campos Sales, Rodrigues Alves, Barão do Rio Bran- critico", "a solução seria ... ". A adesão ou a rejeição não fazem parte do
co são algumas figuras procuradas nestes momentos em que se tornava críti- pensamento oswaldiano quanto à política. Simplesmente há o receio do ris-
ca a manutenção do lar. A sua competência facilitava a concessão de meios, co, como expressa em carta a um de seus filhos:
fossem eles monetários ou cargos. Verifica-se contudo que, concedido o so-
licitado, Oswald discretamente mantinha-se à distância não comprometedora, ... Não te aconselho a vir este ano, porque a situação é péssima,
cultivando porém o reconhecimento ao governante através de gentilezas como estamos à beira de uma revolução que poderia ser tremenda se Deus não
visitas, oferta de partituras, telegramas desejando boa viagem ou felicidades proteger este pobre e belo país 4 •
à autoridade competente, em data especial. Não há adesão, mas uma discreta
aproximação do Império ou da República. O olhar aristocrático poderia ser a A timidez e a modéstia camuflam intenções; o silêncio e o distancia-
inconsciente visão elitista a determinar, por si só, uma postura ideológica, mas mento, a não-vontade de expressar-se sobre pontos que ele, Oswald, preferia
o temperamento e a necessidade de sustentar a família numerosa não coloca- não abordar. O não-comprometimento político, o sentir-se europeu vivendo
ram Oswald em situação de qualificar regimes ou sistemas de governo. neste espaço geográfico tropical, onde há a sedução que leva ao não-cresci-
Em idade edipiana, Oswald sentiu o impacto do pai sempre perseguido pe- mento intelectual, igualmente inserem-se nesta não-vontade de lutar, este
los homens do Senador Vergueiro. Aos dezesseis anos parte para a Itália e lá será, despoder como um todo, que só será resgatado através da obra musical.
durante mais de trinta anos, um italiano por adoção. A timidez característica so-
lidificar-se-ia. Sendo estrangeiro em Florença, não sentiria ele que qualquer en-
gajamento não-musical poderia resultar numa provável perseguição? A média-
burguesia é a realidade. O olhar aristocrático, a visão da meta jamais atingida, a
esperança em uma classe que, apesar de decadente, existia, promovia determina-
da cultura elitista e despertava uma nítida admiração por parte de Oswald.
A demissão do Instituto Nacional de Música foi um duro golpe para
Henrique Oswald. Percebe-se que, durante as décadas posteriores, ele e a
mulher narradora persistem na alusão ao fato. Relação jamais superada.
Curiosamente, é a partir de 1906 que Oswald deixa de solicitar a benesse
Magistério: subsistência e missão

i
·---!--
Desde os anos florentinos até o final da vida, Oswald dedicar-se-á às
aulas. O magistério é praticamente o único meio de subsistência e, mesmo
nos momentos financeiros difíceis, as aulas proporcionam sempre ao com-
positor o necessário premente.
Todos os desacertos e incompreensões vividos no Brasil são assimila-
dos pela "vocação" do magistério. Se este é cansativo - e são constantes
as lamentações do professor à sua mulher em cartas desanimadoras - isto
se deve ao fato de: ter necessidade de enfileirar em sua agenda alunos sem
a menor vocação; quantidade enorme de aulas percorrendo o dia inteiro; e,
finalmente, ll' calor que, quando excessivo, era-lhe insuportável.
As aulas no INM ou em escola particular, ou ainda em sua residência
ou a domicílio, compõem o quadro professora! de Henrique Oswald. Nesses
espaços o compositor formará gerações de músicos brasileiros importantes
e se irritará com a mediocridade e má vontade de grande legião de alunos'.
Leozinha F. M. de Almeida estudou com Oswald. Em sua singela
biografia sobre o compositor mitifica-o mas, apesar do discurso pleno de
reverência ao mestre, a autora teria captado, após longo convívio, algumas
das características da sua atividade como professor. Importa compreender
que o texto de Leozinha refere-se, em muito, àquilo que presenciara, escu-
tara e filtrara à sua maneira. Neste contexto depreende-se a narrativa da
autora, presa à interpretação não desprovida de conteúdo romântico. Lau, em
seu diário, não está distante deste expressar metafórico e lânguido. Sobre o
apreendido por Oswald na Europa escreve Leozinha:

Oswald tinha a religião da arte. Coube-lhe a glória de trazer para o


6
Brasil jovem a velha cultura da Europa, que bebeu na própria fonte •

Leozinha explica a metodologia empregada por Henrique Oswald em


suas aulas de piano:
Ministrava sempre o mestre, mesmo aos alunos menos dotados, uma
inclinação artístico-musical, desvelando diante deles belezas ignoradas. En-
148 I Henrique Oswald
Dilemas de um personagem I 149
sinava-os a ler, a compreender o idioma universal da música, a interpretar- amigos e o procuravam imitar na fidalguia da palavras e das atitudes ele-
lhes as frases, descobrir-lhes os desenhos melódicos, a respeitar os valores, vadas que os impressionavam 11 •
'jermata' e vírgulas, a conhecer a íntima expressão das 'ligaduras', a graça
dos 'trilas', a poesia dos 'grupettos', a leveza das 'quiálteras', a malícia do
--r'
Novamente Luciano Gallet corroboraria as palavras de Leozinha:
'rubato' e tudo sem exageros nem omissões 7 • !
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___ l
Por tuas mãos passou uma geração de moços artistas que recebeu de
A relação composição-interpretação, fazendo parte de um todo, é assim ti as lições do futuro; estes moços constituem hoje uma falange numerosa
descrita por Leozinha: que pugna pela elevação social e artística de nossa terra. E todos nós te
veneramos. Assim é porque soubeste ser o mestre ideal. Desde a lição do
Dava a todos a noção da medida, uma sábia preparação, verdadeiro
equilíbrio, do bom-gosto, da elegância discreta. E o fizeste despretensiosa-
noviciado para o pe!feito conhecimento dos clássicos, cujas regras impunha
mente, pela força irradiadora que partia de ti, atingindo os que te cerca-
sempre. Conhecendo, porém, o temperamento do aluno, permitia-lhe certa
vam, sem esforço nem desperdício 11 •
liberdade de interpretação, cultivando-lhe ao mesmo tempo, com afetuoso
apreço, a sensibilidade artística. Facultava ao discípulo o direito de conser-
Durante mais de um quarto de século, Henrique Oswald foi professor
var a própria personalidade, fugindo, assim, ao molde, ao padrão da má-
no Brasil. Aos alunos pianistas-compositores, as aulas não se restringiam ao
quina de tocar. Daí a noção da responsabilidade própria, a exaltação da
estudo pianístico, tão somente. Entre os principais alunos: os compositores
natural vaidade artística, fazendo sentir mesmo aos principiantes, o gozo de
Luciano Gallet, Frutuoso Viana, Lorenzo Fernandez; os pianistas Maria
uma pequena glória íntima, a ilusão de poder criar! •
Antônia de Castro, Honorina Silva, Leonor Macedo Costa, J. Otaviano, as
Corroboram o relato de Leozinha as opiniões de Luciano Gallet e de irmãs Sílvia e Heloisa Figueiredo, e o regente e pianista Walter Burle Marx.
Renato Almeida, dando autenticidade ao todo da narrativa da aluna. A mulher, Lau, guardaria cuidadosamente as folhas em que se encon-
Luciano Gallet, igualmente aluno, no discurso proferido durante o ban- tram agendadas as últimas lições dadas por Henrique Oswald em 1930-31 e
quete oferecido a Henrique Oswald quando da passagem dos seus setenta e manuscritas pelo próprio professor. As aulas, de trintq minutos, tinham iní-
nove anos, diria: cio· às oito horas da manhã. Ao meio-dia Oswald as interrompia, a fim de
almoçar e descansar. Recomeçava às quatorze horas e as lições prolonga-
Entretanto, indicaste o caminho a todos nós; mas livremente, sem vam-se até as dezoito ou mesmo dezenove horas! 13 Assim foi até o dia da
9
compromtsso .
o

morte.
Oscar Lorenzo Fernandez, aluno e compositor, entendeu o seu profes-
Renato Almeida, um ano após a morte do compositor, escreveria: sor num ponto que favoreceu à perpetuação do drama oswaldiano, ou seja,
a competência que proporcionou a quantidade de alunos:
Por isso foi um grande mestre, cujo esforço era sempre o de estimular
e conduzir, sem contrariar, porém, o dinamismo de cada personalidade 10•
Henrique Oswald foi 'infelizmente' o maior dos nossos professores.
Leozinha observaria ainda que Oswald sabia descobrir no estudante Digo 'infelizmente', porque se Oswaldfracassasse como professor, quantas
promissor as qualidades para o desenvolver do "métier", assim como pro- outras páginas imortais não teriam saído do seu privilegiado cérebro, en-
porcionava tratamento amistoso para com seus alunos: riquecendo ainda mais o nosso patrimônio artístico? 14

Oswald foi um animador, mostrando-se sempre encantado com a des-


coberta do veio de ouro do talento de seus discípulos, que todos eram seus
150 \ Henrique Oswald

O temor do "Canto das Sereias"


J~---c:--~ contradizendo o discurso oficial
,;:-_ ~~ ~ ... i,._ b/.-..___, .

S; :J a.~
~~ /}1/~~
No que se refere aos conceitos emitidos por Henrique Oswald sobre
1- ?1/- ~·
o Brasil, considerado como um todo cultural, duas posturas são claras e
f.-:Je-- 6- ~~---~· diferenciadas, mas não totalmente antagônicas: escritos íntimos e entrevistas
~-z=-~/'-~/~~r / à imprensa. Tem-se de compreender que o Brasil, para Oswald, restringia-
/P-
.3~ ~..5.(:-J~ ~-
se ao Rio de Janeiro e a São Paulo. Petrópolis é extensão da primeira cidade.
/c- . Quando na intimidade, ou seja, nos escritos fixados em diário ou car-
~-L/C tas, há, por parte do compositor, um nítido amargor quanto às condições em
que se encontra o país nos planos cultural e institucional; amargor esse
3_ "3b ~~ ,A#Jl-.r ~- 6 ~o"J 3"' causado por várias razões: burocracia, ambiente desmotivador, não-perseve-
--f- ~. h-J....... ~- ~ ~~ rança dos estudantes brasileiros e, sobretudo, a incipiência cultural.
O "inferno" aludido no "diário de Munique" em 1906 é menos o Rio
--Y-'3"· ~--,!44 ... ,_ecYr_sg· e~ de Janeiro como ponto geográfico e mais o asfixiante "establishment", que
.:s--1-~ ~~/S- prejudicava qualquer projeto visando a objetivos renovadores. O provincia-
S /.._~ ..s . r L, y1---v .---. f nismo cultural republicano pouco se diferenciava do que era produzido nos
últimos anos no Império. O Rio era a capital, os eventos culturais aumen-
tavam, mas a mentalidade dos burocratas pe11nanecia envolta em desideratos
h~~iJI~- relacionados às benesses do poder, intrigas intestinas, invejas etc. O "infer-
~-:;} 4-. ~.::::;; no" é a crítica à situação estagnante do Instituto Nacional de Música, que o
impedia de reformar o ensino nesse estabelecimento.
&--,C$~ Quando, em 1906, é contra a vinda dos filhos para o Brasil, alarga-se o
conceito de Oswald sobre as fronteiras da incipiência brasileira no campo do
ensino, e a crítica é contra a incompetência generalizada. O "nós somos eu-
ropeus", inserido no "diário de Munique", é ratificação qualitativa e rejeição
Últimas aulas agendadas
ao meio cultural do Rio de Janeiro. Este seria o grande adversário do com-
positor e contra o qual, por formação e natureza, não tem forças nem lide-
rança para combater.
Em 1911, Oswald retoma de maneira metafórica a crítica ao meio
cultural. Sem o poder da direção do INM, só, lutando para sobreviver, acre-
ditando talvez numa redenção da nova geraçãQ aLravés de suas aulas, o
músico pede ao filho para não cometer a mesma bobagem que ele, não se
deixando "seduzir por esta terrível sereia que é a América do Sul".
152 I Henrique Oswald Dilemas de um person~gem I 153
Alfredo é pianista; em parte, exerce o mesmo "métier" que o pai. A se- Um orgulho não demonstrado nas atitudes de Oswald, interno, subje-
dução terrível é o "canto das sereias", que esconderia convicções amadurecidas. tivo, impedem-no talvez de tomar a decisão de regressar para a Europa
Poderia ser a louvação da mulher e filhas pelos encantos do Brasil, pois Lau, definitivamente. As críticas que faz na intimidade de seus escritos escondem
mesmo angustiada, nesse período pensava seriamente em voltar para o Rio de sempre as razões que o levaram a permanecer. As hipóteses levantadas na
Janeiro em definitivo. Poderia igualmente ser referência mais distante a 1903 parte biográfica ("Solidão Voluntária") são sempre possibilidades de dissi-
e o episódio do INM, o que seria mais apropriado. O certo é que Oswald mos- par as névoas. Pareceria certo que, se por um lado Oswald desabafa as suas
tra-se descrente do Brasil. Tal qual Ulysses, há a necessidade de Alfredo ser mágoas, sob outro aspecto dissimula e não explica o porquê de ter voltado
amarrado ao mastro e ter cera em seus ouvidos, a fim de evitar o pior. Isto com ao Brasil, o porquê não ter retornado para a Europa em termos definitivos.
Henrique não acontecera, e a sedução fora a responsável pela permanente e des- Será sempre a música o desaguadouro de todas as tensões e a emoção,
consoladora angústia que teria percorrido grande parte de sua vida no Rio de característica romântica, uma constante na produção oswaldiana, perceptível
Janeiro. Se Alfredo permaneceu durante os anos de guerra em São Paulo, o na trama da textura musical quando a catarse se dá.
motivo foi outro, circunstancial, fuga transitória à hecatombe que se abatia A dúvida contida no "diário de Munique" quando se desacredita e, após
sobre a Europa. Guerra finda, Alfredo retoma ao hemisfério norte e inicia pro- o recital de câmara na cidade alemã, retoma o fôlego, achando que poderia
missora carreira como intérprete e, futuramente, professor nos Estados Unidos. servir à comunidade com o que ele considerava o seu pouco talento, desapa-
Há no intimismo oswaldiano, quando o coloquial aflora, a presença recerá e se transformará em desânimo causado pelas lições incontáveis e a tem-
deste negar obstinado ao que se passa culturalmente no Brasil, esta crítica peratura abrasiva do Rio de Janeiro. Se, na carta de 20 de dezembro de 1912,
dolorosa à sua situação deslocada na geografia, ao calor "insuportável" do Oswald acha que para ele a arte chegara ao fim, o motivo é o clima que não
Rio de Janeiro. Prende-se ao Brasil por uma necessidade, talvez inconscien- o anima a compor após um dia intenso de trabalho. Uma força interior, con-
te, de reencontro com suas raízes extremamente tênues em solo brasileiro. tudo, faz com que não relaxe na transmissão de seus conhecimentos aos alu-
16
O inconsciente poderia também guardar, da infância, essa rejeição que o pai, nos • Os desabafos do compositor em seus escritos têm natureza intimista,
Jean-Jacques, teve quando em ambiente de contenda, a determinar, por parte do homem contra um meio por ele entendido pleno de distorções.
do filho, comportamento distante e desesperançoso. Os problemas de Henrique Oswald são tantos- institucional, financei-
Quando, movido por circunstâncias de subsistência e não ideológicas, ro, isolamento- que o depositário de seus anseios, da comunicação com o
pede subservientemente auxílio a D. Pedro li, dá-se um reencontro com o mundo exterior será o universo que cerca o magistério e seus personagens, que
"Pai" maior, a Pátria, através do Imperador. Registrar os filhos no consulado gravitam num todo. Se a composição persiste- muitas de suas principais
brasileiro é decorrência do auxílio imperial. Se, quando na Itália, insere nes- obras foram compostas no Rio de Janeiro ou em Petrópolis- compreenda-se:
tes a admiração pelo Brasil, dois fatores poderiam ter sido preponderantes: o inexiste o engajamento ao Brasil como um todo e o seu código, íntimo, intocá-
ter nascido em terras brasileiras e o sentir-se protegido por D. Pedro li, e, vel, será o do meio geográfico feliz para ele- a Itália. Aderir ao Brasil, às suas
por extensão, pelo Brasil, o que não acontecera com seu pai. correntes culturais, não seria a possibilidade de corroborar o infortúnio?
A carta a Alfredo é aviso, motivo de desencanto. Rodrigues Alves e o Se do ponto de vista interior Oswald mostra-se infeliz no Brasil e os
Barão do Rio Branco foram os instrumentistas, assim como a mulher, Lau, momentos de alegria ficam por conta de prazeres familiares e das raras
desta melodia sedutora, esse "canto das sereias" que, em 1911, ainda ator- amizades fiéis, por outro lado, exteriormente, quando se pronuncia em en-
mentaria Henrique Oswald. Quantas não deveriam ter sido as fantasias? trevistas oficiais mostra-se pleno de "verve", escondendo por vezes uma
reconciliação com a terra natal; possibilidade da estabilidade; vaidade e certa ironia, criticando levemente o ambiente cultural brasileiro como um
glória, palavras que se mesclariam quando da decisão de dirigir o INM; todo, mas havendo um velamento que se mostra evidente após o conheci-
esperança, inconsciente talvez, de o olhar aristocrático se tornar ação aris- mento de seus textos íntimos.
tocrática através da ascensão social. As entrevistas são o retrato da amabilidade, da objetividade e de progra-
154 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem I 155
mada clareza, inexistindo o desânimo e a aridez em relação ao Brasil. O discur- O maestro Rebikoff é um revolucionário da música. Expôs-me sucin-
so oficial é o palco em que o músico exercita diretamente a linguagem que tamente as suas teorias. A música para ele deve ser unicamente a expressão
11
busca o agradar. A imagem passada ao leitor interessado no "mito Oswald" é do sentimento : o sentimento não tendo tonalidade nem cadência, a música
sempre positiva. O discurso oficial, em sendo o palco, camufla sempre o dra- também não deve ter cadência nem tonalidade ...
ma dos bastidores.
A entrevista que Oswald concede ao Correio da Manhã, aos 13 de maio A esta altura, o entrevistador observa "É fantástico", ao qual Oswald
de 1906, pode explicar algumas preferências do compositor, conceitos sobre caracteriza:
a música européia e o futuro da música no Brasil". Sobre o lugar ideal:
Não, é original, é lógico até certo ponto. Tive ocasião de ouvir em minha
(. .. )meu velho lar de Florença, onde passei tantos anos da minha vida casa, em Florença, algumas de suas composições e a impressão que recebi foi
de artista, em doce intimidade com alguns dos mais belos espíritos da Itália deliciosa. A música deste autor é sempre originalíssima; quase toda ela baseada
contemporânea, numa atmosfera ideal, em que se respira a grande haustos na escala dos grandes tons; revelam uma grande riqueza de hamwnia e ritmos,
a própria Arte disseminada no ambiente ... Já vê ... e temas de wnafrescura admirável. Em suma, é um artista extraordinário 22 •

Ratifica a admiração incontida pela cidade toscana, evidenciando As palavras de Oswald sobre Rebikoff atestam, por parte daquele, o
sempre esta perene ligação: observador arguto e um interesse marcante quando encontra o interlocutor
musical competente. Não seria este sentido de relacionamento cosmopolita
Firenze é a cidade em que senti as primeiras e as mais fortes emoções um dos atributos que estará presente em suas partituras?
da arte; foi ali que verdadeiramente estreei como músico e professor, ali Na entrevista citada Oswald opina sobre a atual música européia:
tenho bons e leais amigos que me dedicam uma sincera e fraterna amiza-
de 18 • Devo-lhe as mais gratas recordações da minha vida. ... as escolas novas estão fazendo um assombroso progresso. Há "novos"
de admirável talento, especialmente na França e na Itália 13• Já não se ridicula-
Esta admiração pelo ambiente europeu continua, quando fala da excur- riza tanto como dantes a "música do futuro" ... Hoje toda música é admirável,
são à Alemanha, em 1906: basta que seja feita com arte, talento e sinceridade, especialmente sinceridade.

É certo, venho encantado da maneira por que fui recebido na Alema- Sobre o futuro da música no Brasil, Oswald evita abordar os empeci-
nha 19• Senti apenas que a exigüidade do tempo que dispunha não me per- lhos institucionais, que tão grandes dissabores estavam a lhe provocar, for-
mitisse efetuar uma tournée artística pelo Velho Continente 10• Pretendia necendo nesta entrevista oficial dados que não o afligiam significativamente,
também ir a Paris, onde me esperavam Saint-Sai!ns, Gabriel Fauré e Dié- mas permaneciam como impasses ainda não resolvidos na cultura musical
mer e a direção do Figaro, que já tinha posto os seus salões à minha erudita brasileira: a profissionalização prematura e a falta de disciplina. Devido
disposição para algumas audições. à incipiência do meio musical cultural erudito brasileiro, haveria a não-
dedicação exclusiva à arte:
Na entrevista, após a alusão à viagem não realizada a Paris, Oswald
narra com humor o seu encontro com Vladimir Ivanovitch Rebikoff (1866- O Brasil musical tem diante de si um futuro deslumbrante. Raramente
1920), compositor russo e diretor do Conservatório de Moscou, acontecido tenho encontrado na Europa talentos como os que há aqui em tão grande
quando do percurso ferroviário de Berlim a Florença. Ao discorrer sobre as abundância. O que nos falta, porém, é a perseverança, força de vontade para
teorias de Rebikoff, não deixa de compartilhar, em parte, das mesmas: cumprir os cursos. A maior parte dos nossos alunos estuda um instrumento e
156 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem 1157

dedica-se ao professorado, ou entra para alguma orquestra, deixando de com- de Henrique Oswald a resposta seguinte: "Em Francisco Braga, Nepomuce-
pletar o estudo do contraponto e da composição, tão imprescindíveis à carreira no e mais alguns".
do músico. Quantos verdadeiros talentos já não temos perdido com este falso No ano de 1929, Oswald concede uma outra entrevista, desta vez a Luiz
sistema! Falta-nos, além de tudo, um meio artístico apto a fomentar o desen- Heitor Corrêa de Azevedo. A efervescência nacionalista já se processara há
volvimento do gosto musical'". Os Institutos servem apenas para ensinar a muitos anos e tornara o nacional causa ganha, mas Henrique Oswald mostra-
teoria e não para formar artistas, para isso é n8Cessário viver na arte. se distante desta e ratifica o seu posicionamento da música como missão, sem
" polêmica, compreendendo-a como vontade e disciplina. Em 1906, o compo-
Oswald continua mostrando, em 1906, um caminho para os pósteros sitor dissera que faltava ao Brasil um meio artístico. Em 1929, ambiente, o que
quanto à orientação nacionalista, caminho distante daquele por ele trilhado. resulta praticamente no mesmo problema não solucionado 27 •
Percebe-se que o compositor pensa nesta música brasileira como algo que
virá e que deverá ser realizado por músicos nativos. Do que precisa a música no Brasil, é de ambiente musical: de compre-
Na entrevista há o uso da primeira pessoa do plural. O ser europeu, ensão, de religião da arte 28, que não estão espalhados entre o nosso povo.
íntimo, transforma-se num benevolente "nós", "nosso", ao tratar, em entre-
vista oficial, da música no Brasil. O "nosso" a que se refere é genérico, Aproveita para discorrer sobre o ingresso dos alunos no INM:
coletivo, estando ele, Henrique Oswald, distante desse processo que desa-
guaria na música nacionalista. Por outro lado, há nesse "nosso" o sentir-se
As famílias põem no Instituto as meninas que não conseguiram entrar
"oficialmente" brasileiro. Quanto à pesquisa do folclore pátrio, deve-se en- para a Escola Normal. Não compreendem que, para a arte, é preciso ter
tender que o compositor estava a par dos caminhos percorridos pelas escolas aptidões, não é possível fazer musicistas de professoras falhadas ... De todos
os alunos que freqüentam o Instituto, apenas duzentos, talvez, estão em
nacionalistas européias e daí, possivelmente, a extensão:
condições de cursar esse estabelecimento.
Quando, a pouco e pouco, o nosso meio se for criando - o que não pode Luiz Heitor apreende da entrevista com Henrique Oswald conceitos a
deixar de ser- teremos em breve uma arte, e uma arte nossa, baseada nos respeito das novas tendências da música:
nossos cantos populares, no vasto folclore musical deste imenso Brasil.
Quanto à música moderna, Henrique Oswald a compara a uma árvo-
Torna-se significativa a "noção" que o compositor tem do vasto folclo-
re. Tem forçosamente que se desenvolver, que achar novos processos, novos
re. Ratifica a postura clara da vontade de não-engajamento ao nacional, tare- caminhos. Como a árvore tem, também, galhos e ramificações, que nem
fa destinada aos seus coetâneos e àqueles que lhe seguirão. Aproximadamente sempre são bons, que nem sempre constituem o verdadeiro sentido do de-
nos anos I O, entrevistados Francisco Braga, Alberto Nepomuceno e Henrique senvolvimento musical. O tronco, porém, deve crescer sempre.
Oswald sobre a música brasileira, este último, reafirmando o seu código mu- A comparação com a Europa é constante. Mesmo quando se trata de
25
sical europeu e o seu não-interesse pela música brasileira, afirmaria : audiência a concertos mostra-se um crítico arguto:

Quem menos poderá falar sobre a música nacional sou eu. Saí do Nós, no Brasil, fazermos economia? Não vamos ao concerto porque va-
Brasil com a idade de 17 anos 26 e toda a minha educação é européia. mos ao cinema e ao futebol ... Realmente, pelas aparências, as audições grá-
Confesso-lhe que não estou bem a par da música brasileira. tis do Instituto, cheias, e os concertos pagos sem concorrência, vendo-se as
galerias, nos concertos sinfônicos, repletas e as frisas e camarotes vazios-
O entrevistador pergunta ainda: "E não me poderá o maestro informar poder-se-á pensar que a economia é a causa do indiferentismo do público.
quais os trechos e as composições onde se sente a música brasileira?", obtendo Ilusão: os brasileiros estão num ponto em que gostam de música ou ouvem-
r
158 I Henrique Oswald r'r
na de bom grado, gratuitamente ou pagando pouco, mas não a reclamam, não
\ Henrique Oswald e a emoção
a exigem, como nos países em que há gosto musical desenvolvido. ;-'
!'

Luiz Heiror, após a entrevista, sem ter tido acesso aos escritos íntimos i-
f'
de Oswald, capta contudo parte do mistério do não-dito: '
i
"-~

Há, nas palavras de Henrique Oswald, um leve ceticismo, ático, fino, Henrique Oswald, como compositor e intérprete, insere-se plena-
que põe o homem em comunhão absoluta com o artista de tantas páginas mente nos conceitos do romantismo, este longo período que se estende
cheias de luz. de graça aérea ... Ele só sabe dizer coisas agradáveis, de tudo, das fronteiras dos séculos XVIII-XIX e vai se dissipar em plena primeira
de todos; mas a gente está bem longe de supor a sua opinião íntima, que metade do século XX.
o seu juízo crítico seja tão bom, tão indulgente como as suas palavras. Pode-se dizer que Oswald, em toda a sua trajetória composicional, que
se processa aproximadamente de 1870 até a morte, em 1931, não deixa de se
O ter ouvido o "canto das sereias" e por ele se ter deixado seduzir teria adequar à estética da emoção. Os seus modelos são românticos, a sua estru-
resultado, para Oswald, no fechamento em seu mundo interior, no resguar- tura de médio-burguês favorece a aceitação sem questionamento dos postu-
dar-se quanto aos conceitos emitidos, no compreender o não-retorno ao lu- lados do período. Sob outro ângulo, Oswald tem o olhar aristocrático. A dis-
gar ideal e no compor efusivamente, entendendo a música como expressão tinção é nítida em relação ao aristocrata. Este não necessita buscar a postura,
subjetiva. Advém que a emoção que ele busca transmitir pode ser detectada pois a tem. O compositor procura, desde a infância, enobrecer-se, não se
à simples audição de suas obras. A distância entre o intimismo das cartas e misturar. A sua iconografia é clara. Sempre o olhar altivo, onde a aspiração
diários e o pronunciar-se oficialmente é enorme. É a música como missão aristocrática pode estar presente num músico pertencente à média-burguesia,
e "catarse" que revelará "a quem dela gostar", como diria Oswald no "diário que assistiu ao rápido declínio de uma classe por ele almejada. Transforma,
de Munique", o compositor como um todo paradoxalmente equilibrado e pois, Oswald em profissão de fé esses seus vínculos eminentemente pessoais
homogêneo. com a estética da emoção, o que, se de um lado resultará numa produção bem
aristocrática pelos traços já assinalados, sob outro prisma esse vínculo pes-
soal, quando o cotidiano aflora, mostra-se bem pouco aristocrático.
Que Oswald busca a expressão comunicativa direta é evidente em sua obra,
preferencialmente a camerística. A intensa emoção exteriorizada e raramente
contida não seria fruto dessa aspiração aristocrática não solucionada? Não seria
resultante, igualmente, de aspirações afetivas não totalmente resolvidas? A
música, na sua básica subjetividade, não estaria a amalgamar os antagonismos dis-
cursivos oficiais ou não, enobrecidos ou não, numa evidência final em que ape-
nas o segmento sensível, síntese dos contrários, pudesse aflorar?
Percebe-se, em Oswald, que o sólido enquadramento formal a que se
adequa não subtrai esse extravasamento emotivo. A pequena peça para piano
obedece a critérios da época e a generosidade melódica nela existente é
sempre guarnecida pelo emprego competente da estrutura formal. Se por
vezes Oswald distancia-se, nestas pequenas peças, da comunicação emotiva
mais direta, compreenda-se, o enquadramento estará voltado a uma estética
160 J Henrique Oswald

da descrição - representação do algo visto e traduzido em sons. Para tanto, Um estilo detectável
o ter sido diletante no desenho favorecerá a captação do visual que se trans-
formará em criação sonoro-descritiva. Quanto à música de câmara e sinfô-
nica, tem-se a apologia da forma e, através desta, Oswald expõe sempre de Não conheço uma só obra-prima que não tenha suas fraque-
zas ou que esteja inteiramente isenta de imperfeições, pois as ten-
maneira intensa essa relação com a emoção. dências pessoais que criam o gênio e a integridade de propósitos
Torna-se significativa a curva que grande parte dos compositores ro- que sustenta sua obra constitlU!m a .fonte não apenas da grandeza
mânticos desenvolveu, partindo do explosivo romantismo em sua categoria de uma obra-prima, mas também das suas falhas.
mais extrovertida da emoção, ao retorno a um "classicismo" - emotivo,
29
Andrei Tarkovski - Esculpir o Tempo
igualmente - tranqüilo repouso de extroversão deixada para trás •
i"
I
Em Oswald, este impulso romântico, que para muitos foi mais clara-
Ü estilo de um compositor é a sua identidade. Através do estilo, seus
mente intenso nos anos que antecedem a urna certa maturidade no todo
traços se evidenciam e a trama da textura musical revela determinados atri-
homem-criação, prolonga-se até o início da década de 20. O compositor
butos que só pertencem a um autor.
beirava os setenta anos. O retorno a esta "classicisation" do romantismo, de
O estilo, esta característica personalizada, não deixa de conter, no cerne,
que falam autores mencionados, verifica-se igualmente no compositor ro-
a prese~ça da citação, disfarçada ou não, de contemporâneo ou não. A ad-
mântico Henrique Oswald e a sua música sacra vocal, juntamente com a
30
miração mútua entre compositores pode permitir esta "transferência" de idéias
produção organística, atesta-o inegavelmente •
e do estilo, o que não impede a permanência, corno um todo, do estilo
daquele que escreve e admira 31 •
Sob outro aspecto, há que se considerar o estilo num conceito coletivo,
muitas vezes confundindo-se com a palavra "estética". Haveria, pois, um
estilo que representa características típicas de um país, estilo de determinada
época, estilo profano ou religioso. O estilo individual de um compositor, por
sua vez, pode ser o exemplo particularizado que, unido a outros estilos de
seus contemporâneos, pode tornar a representatividade estilística coletiva
mais significativa. Georges Migot comenta que:

Queira-se ou não, cada época cria um estilo, isto é, cada época, so-
bretudo por ser função eterna da geografia e da etnografia, é também fun-
ção do ambiente psíquico que varia para cada etapa da humanidade através
do Espaço e do Tempo 32 •

Pressupondo-se o talento, idéia e técnica formam basicamente os


elementos para a detectação do estilo de um compositor. Através do estilo,
as "impressões musicais" de um autor fixarão a sua identidade. Entre outros,
Stravinsky. e Schoenberg, em situações diferentes, ponderariam sobre talen-
33
to, técnica, idéia, criação e estilo •
Qual o estilo de Henrique Oswald? Como identificá-lo entre os seus
outros contemporâneos europeus?
"'1-:i_.-.

162 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem 1163


'
Em Oswald pode-se perceber de imediato a feitura técnica. Os profes- das ao longo da textura musical. Na música de câmara: nos movimentos
sores foram competentes e lhe transmitiram o hodierno praticado em fontes extremos, a condução melódica das vozes nos instrumentos de corda susten-
igualmente competentes e insofismáveis. Por parte de Oswald, existiu o tadas por um piano abrangente, por vezes transcendental; nos andamentos
"talento" do aluno que pressupõe a assimilação dos conhecimentos acadêmi- lentos, a melodia comunicativa, ditada preferencialmente pelas cordas, e a
cos a ele oferecidos e a posterior transformação dos mesmos: melodismo e presença constante de contratempo e síncopa ditando a participação do pia-
determinada fluência italianos, modelo formal rígido praticado na Alemanha
e a relação nítida com o que se denominou "clareza francesa" 34 •
Se, por vezes, determinados procedimentos que caracterizariam Fauré,
-+- no; nos Scherzos, onde o piano quase sempre fixa a pulsação, geralmente em
staccatto e non legato, mas sempre com inusitada "garra" e que levaria
Mário de Andrade a confessar não ter conhecido um outro compositor que
César Franck, Saint-Saens, Schumann encontram-se na obra de Oswald, isto tivesse composto Scherzos tão bem quanto Oswald 36 • Na música para piano
deve-se ao aprofundamento que este fez nas obras daqueles, sendo que os solo, podem-se perceber constantes traços estilísticos: preferência por deter-
três primeiros são-lhe básicos coetâneos. minados desenhos técnico-pianísticos; contratempos ou síncopas abundan-
Da técnica aprendida e das idéias que surgiam abundantemente Oswald tes; especial trato às várias linhas que caminham em percepção polifônica,
desenvolverá um estilo próprio, "aparentemente" não pessoal. As vertentes mas estruturadas em harmonias decorrentes daquelas; preferências acordais.
românticas conhecidas são por ele assimiladas sem questionamento maior, A leitura de algumas das inúmeras críticas recebidas por Henrique
resultando produção que se contagia pelo que habitualmente era praticado na Oswald quando da apresentação de suas obras num período elástico, recaem
Europa 35 • i com insistência no estilo do autor e, nessas críticas, muitas vezes "estilo"
As produções de Henrique Oswald, quando submetidas a alguns com-
positores contemporâneos como Saint-Saens, Buonamici, Fauré, Viana da
l pode ser entendido como estética, técnica, idéia. Chama a atenção determi-
nada "unanimidade" crítica durante mais de trinta anos e que abrangeria
Mota, Rebikoff, Isidor Philipp têm por parte destes eminentes músicos ad-
miração e respeito. Há de se entender que não existe nas produções oswal-
I
I
conceitos como requinte, elegância, distinção, clareza, inexistência do re-
tumbante, do pleonasmo musical, da complexidade escriturai •
37

dianas o déjà vu relacionado a recuo histórico acentuado e sim ao que era Todos estes atributos e características apontados evidenciam Henrique
praticado naquelas décadas. Características pessoais podem ter sido a causa
do não-comprometimento a tendências musicais mais tensionadas, assim I Oswald freqüentador dos modelos românticos praticados de Schumann a
Saint-Saens mas, por outro ângulo, um compositor de estilo definido.
como esta permanente timidez bloqueadora até da incursão a outras inova-
ções, como bem afirmara na entrevista concedida em 1906, citada anterior-
I
I
mente. Sob outro enfoque, é possível que Oswald tivesse receio de ser en-
tendido como "ridículo", se tivesse se engajado às novas correntes.
Os compositores mais ventilados, e que se mantêm nos repertórios,
geralmente o são pela qualidade de suas produções. Determinados autores
como Schubert, Tchaikowsky, Fauré, entre muitos, são detectáveis inúmeras
vezes por uma simples frase musical, no contexto de um todo da textura com-
pleta. O estilo evidencia-se e tantas v e ~es um leigo, em ouvindo apenas um
pequeno trecho de uma obra musical, identifica o autor da mesma. No caso de
Henrique Oswald, autor pouco ventilado, a capacidade de se fazer identificar
torna-se possível através de certos atributos próprios, características presentes
em obras distintas, revelando a individualidade do pensar, um estilo definido.
A particularização oswaldiana caracteriza-se por várias sen~espalha-

~ ..
Um nacionalismo universal

Verificando-se a eclosão do nacionalismo musical europeu da segun-


da metade do século XIX, é detectável a percepção de características mais
enraizadamente nacionais em países onde um ecletismo cultural se mostrou
menos contundente.
Já na primeira metade do mesmo século, determinados atributos mu-
sicais extraídos do folclore nacional e recodificados após destilação cultural
processada por um criador, são perceptíveis em compositores de vários países
europeus: o nacional polonês encontrado nas Mazurkas e Polonaises de
Chopin; a expressão exterior virtuosística das danças e rapsódias húngaras
nas produções de Liszt. Na segunda metade do século XIX, o folclore no-
rueguês e o lirismo de Grieg; o "campesino" de Smetana; o telúrico russo
na criação do Grupo dos Cinco; a diversidade rítmico-melódico-agógica na
obra dos espanhóis Isaac Albeniz, Enrico Granados e Manuel de Falia.
Estas características, perceptíveis pela simples audição das obras dos
compositores citados, em que se percebe o folclore reprocessado erudita-
mente, mostram-se menos evidentes nos autores da Alemanha e da França.
Na Alemanha, a tradição polifônica e mais tarde, a partir do século
XVIII, da harmonia, a presença do filosófico-literário-poético fazem com
que, deste ecletismo, mais "sutilmente" o elemento nacional se pronuncie.
Esta sutileza é resultado do básico não-aproveitamento dos alicerces da música
popular, sendo pois o nacional o conjunto dos vários elementos culturais
processados através de um pensamento mais "universal" e menos voltado,
pelo próprio ecletismo, às raízes folclóricas.
Na França, um processo mais ou menos semelhante verifica-se quanto
à não-fixação ao elemento nativo. A busca do que se chamou "clareza fran-
cesa" no campo intelectual, a visão cosmopolita, tornam o compositor me-
nos ligado às bases folclóricas e mais revelador de uma linguagem universal
que, no final, resultará francesa, pois um "estilo" musical francês pode ser
compreendido como ligado a um sentido de elegância das linhas, refinamen-
to da expressão, clareza, entretanto, frise-se, estilo erudito.
Resultaria, pois, que Alemanha e França, no período romântico, tomam-
166 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem I 167
j._'·
se a somatória das criações individuais que, sofrendo a c·arga ambiental e cul- Os russos, por sua vez, compreendem - paralelamente ao aproveitamento do
tural, desaguarão num código nacional seletivo e também detectável, basica- folclore - a relevância das escalas modais, há séculos praticadas eclesiastica-
mente excluindo-se a participação folclórica como ingrediente abastecedor 38 • mente num amalgamar entre cultura erudita e popular. Observa Bertrand:
Já em 1872, Gustave Bertrand mostrar-se-ia preocupado com esta perda
de uma linguagem nacional francesa que, na essência, desvinculara-se há A arte russa tem um terrível medo de parecer jovem: sem passar pelas
séculos de raízes telúricas: etapas da música clássica, ela sente necessidade, ao mesmo tempo, de ter
sua música reputada como "a mais avançada". É assim que em política,
Nesta era de Exposições que ora começa, cada vez menos a França se por exemplo, a jovem Rússia é menos trabalhada de intenções parlamenta-
pertencerá; pois a questão nem é mesmo a hospitalidade: os estrangeiros res do que de fermentos socialistas e no campo da filosofia caminha direto
vêm se encontrar em nossa casa. Por força do cosmopolitismo, Paris se ao nihilismo. Há uma pequena facção de músicos e diletantes para quem
esquecerá de ser nacional 39 • Beethoven começa a ficar "fora de moda" ... "

O livro de Gustave Bertrand tem profundo interesse, a se pensar o ano


Sob outro aspecto, Bertrand percebe no nacionalismo emergente um
da publicação, o que o torna uma visão crítica estrangeira e contemporânea
caminho que, através de comparações e destinações, vai da política à arte:
dos fatos ocorridos:

Não acontece algo de análogo na ordem política? Na medida em que A nova escola russa quer ter não somente um estilo mas também uma
as relações entre as nações multiplicavam-se e estendiam-se, o sentimento linguagem musical própria. O seu estupor é tão grande em ser acusada de
de patriotismo tomou-se mais vivo. Alguma vez se foi tão calorosamente imitação, que ela pretende repudiar até a escala ítalo-franco-germânica e
francês, italiano, russo, alemão ou inglês como neste século? Este sentimen-
to que hoje não é senão amor à bandeira estende-se aos costumes e deixa t todo o sistema de tonalidades e de modulações que foram considerados nestes

suas marcas nas obras da imaginação e do espírito 40 • I três séculos como a base de toda a civilização musical; tratar-se-ia de entro-
nizar um outro sistema de escalas, uma outra gramática, uma outra sintaxe 44 •

Um século após, o esteta Carl Dahlhaus apreende a significação desta 1 A presença acentuada, durante o período ro nântico, do intérprete via-
"bandeira", no caso, o Hino Nacional: jante fez com que a difusão dos repertórios nacionais ultrapassassem com
facilidade as fronteiras dos países e quase todos os compositores tinham
(. .. )a obra é de pequena relevância estética, sendo que o mais impor- conhecimento daquilo que se fazia na Europa como um todo. Na Itália
tante elemento é a expressão do orgulho nacional e da emoção 41 • romântica, o repertório internacional com ou sem características nacionais
era apresentado com certa freqüência e deste conhecimento, de certa forma
A somatória dos elementos que sedimentam a nacionalidade, como territó- rotineiro, Henrique Oswald não deixa de participar.
rio, língua, costumes, religião, e seus símbolos exteriores, como bandeira, hino e Onde enquadrar Oswald dentro de uma categoria ligada ou não ao
as armas nacionais, possibilitam o afloramento de uma idéia do nacionalismo. nacional, sem se correr o risco de manipular uma rotulação?
A duração do nacionalismo é compreendida por Dahlhaus como estenden- O cerne do "affaire" Henrique Oswald é, na visão nacionalista brasi-
do-se da Revolução Francesa à Primeira Grande Guerra, e, na história da músi-
ca, da Sinfonia "Eróica" de Beethoven a "Das Lied von der Erde" de Gustav
42
Mahler (1860-1911) • Observe-se que o período nacionalista faz emergir o fol-
clore como fator de integração nacional e a importância do mesmo evidencia-se
sobremaneira na Europa - exceção à França e à Alemanha - e nas Américas.
l t
leira, a sua não-vinculação ao movimento emergente. Viu-se que a configu-
ração nacionalista musical no Brasil deu-se quando os extertores de certos
movimentos europeus atingiam o seu ômega.
Quando Mário de Andrade - teórico do mo 1imento nacionalista musi-
cal mas de formação acadêmica romântica- criti.;a Henrique Oswald, ~o

l
168 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem I 169
faz no julgamento da obra como valor intrínseco mas na sua não-vinculação go sistemático, prazeiroso destes ritmos profusamente exercitados na tarantela
ao nacionalismo musical brasileiro. Viu-se anteriormente a constância de um e barcarola. As métricas 6/8, 9/8, 12/8, inconscientemente ou não, fazem brotar
retorno ao "classicismo", revisitação de síntese e de depuração, empreendida da criação oswaldiana quantidade apreciável destas danças italianas. A alegria
por grande parte dos compositores românticos. Quando Oswald conhece entusiástica e plena de pulsação rápida das tarantelas contrasta com o balançar
Milhaud em 1917, contava sessenta e cinco anos de idade e apesar do en- tranqüilo das barcarolas, mesmo que em 2/4 ou 4/4 em berceuses e noturnos.
tusiasmo caloroso do compositor francês quanto ao aproveitamento do fol- Tarantela, barcarola e, por extensão desta, berceuse e noturno fazem parte de
clore brasileiro na música de concerto - prenunciadores dos textos de Mário 49
um universo "nacional" italiano • Resulta, pois, que na Itália, Oswald não
de Andrade - não houve ressonâncias na produção do mestre sexagenário. deixa de sentir esta participação sonora intensa, melódica e rítmica, praticada
Oswald já estaria voltado à sua síntese, que se realizaria sobremaneira a na Península. O italiano "por adoção" incorpora-se ao que ouve.
partir do Quarteto, op. 46 e da posterior obra sacra. O nacionalismo francês do final do século é mais um resultado estilís-
Em um de seus textos, Mário de Andrade observa: tico a partir de elementos outros que a presença de aproveitamentos do
folclore. Oswald, conhecendo o modelo francês, por ele interessa-se igual-
Henrique Oswald, que podia nos dar a sua expressão particular de nos- mente - menos pela presença física - e parte da música de câmara, assim
sa raça, provinha dum epicurismo fatigado e refinado por demais pra aban-
donar suas liberdades em favor dessa conquista comum da nacionalidade 45 •

Voltado à visão nacionalista, Mário de Andrade observaria, ainda den-


tro de um prisma do julgamento que faz de um compositor não-engajado:
l como substancial produção pianística da qual Il Neige! é típico exemplo, não
desapontam procedimentos praticados na França.
Na obra de Oswald percebe-se a inteira compreensão de ingredientes
russos, encontrados sobremaneira em alguns movimentos lentos de sua obra
camerística. Relacionamento com amigos russos quando nos primeiros anos
florentinos? É possível que o compositor tenha tido conhecimento de obras
Henrique Oswaldfoi talvez o mais despaisado, o mais desfuncional de russas naquele período. Aquela família russa não poderia representar um
quantos artistas vieram dessa segunda metade do século XIX. .. 46 primeiro passo para uma aproximação com parte do universo musical russo?
Quando conhece Rebikoff em 1906, dele tornando-se um bom amigo e ad-
Volta-se à pergunta: onde enquadrar Henrique Oswald, sob o aspecto mirador, descreverá com competência a técnica de composição deste inova-
nacionalista? Possivelmente, o Oswald não-nacionalista, se rotulado tivesse dor russo, criador de miniaturas precisas 50 • Por sua vez, Mário de Andrade
que ser sob determinado padrão nacional, este corresponderia a um nacional- capta aquilo que ele denomina "( ... ) sensibilidade melódica ( ... ) que tem
cosmopolita, preferencialmente, ao nacionalismo específico de um país.
Os dezesseis primeiros anos vividos no Brasil substanciaram o código 1 Manas pela Rússia", referindo-se à melodia oswaldiana 51 •
Percebe-se nitidamente na obra de Oswald este integral comprometimen-
cultural perpetra.io por seus pais. Na Itália será sempre um italiano por to com o romantismo musical europeu. A elaboração de sua produção torna-
adoção. Quando retoma definitivamente ao Brasil, por duas vezes em épocas o cultor daquilo que conhece, ouve, estuda e, neste caminho em direção à sua
distintas - 1906 e 1911 - , dará nítida preferência aos padrões culturais linguagem musical, Oswald não deixa de verter profusamente para o papel
europeus. Não há, por parte de Oswald, a "tolerância" necessária às mani- pautado conteúdos nacionais existentes na Europa musical; recapitulando-se:
festações de cunho popular urbano, código ao qual se mostraria indiferente47 • o melodismo e ritmos italianos, cosmopolitismo voltado à "clareza" exisente
Há, sim, a prática de conteúdos típicos nacionais mas sempre, note-se, im- na música francesa, determinadas inflexões melódicas encontráveis na músi-
buído da visão cosmopolita, que pode ser igualmente uma visão nacional: ca russa e, como estrutura universal, um competente formalismo alemão.
"nacionalismo é uma alternativa para o universal" 48 • Quando regressa ao Brasil definitivamente, Oswald está plenamente côns-
Oswald, quando na Itália, capta elementos nacionais italianos como a cio de sua linguagem, na qual os elementos acima citados estão tantas vezes pre-
prática de um metodismo comunicativo existente na canção popular e o empre- sentes. Algumas hipóteses já expostas - não em seqüência - poderiam ser
170 I Henrique Oswald 'f.'"~ .
Dilemas de um personagem I 171
agrupadas para explicar o não-engajamento às correntes nacionalistas brasileiras Apesar das dificuldades financeiras, que nesse ano de 1926 eram ter-
num compositor que se tomara pem1eável aos conteúdos nacionais europeus: ríveis desde a cirurgia a que Oswald submetera-se, é tão grande a não-
1) Infância e adolescência vividas no Brasil, cercadas de conceitos vontade de compor com elementos brasileiros que o compositor não faz
culturais europeus e de constante tensão pela perseguição a que fora subme- concessão aos seus postulados e deixa de ganhar urna soma considerável,
tido o seu pai, Jean-Jacques. Este, idealista europeu, tendo calorosamente assim como seu amigo Francisco Braga:
lutado a favor dos imigrantes suíços e alemães, mostrando-se igualmente um
antiescravocrata, caçado sistematicamente, não teria provocado no filho - Braga diz que não quer entrar no projeto e observa que aqueles se-
que sentira a possibilidade de perder o pai - o recolhimento, a modéstia e diados em Washington e que pedem música daqui fazem-no por motivo de
a timidez - um certo distanciamento da luta direta, a que coloca a vida em dinheiro, porque recebem muitos maxixes, tangos etc. e vendem tudo. Eu
risco- fazendo com que Henrique Oswald tivesse, talvez, um "inconscien- não sei de nada, repito! 55
52
te" receio do nativo- compreenda-se índio, negro, mestiço?
2) A longa permanência na Europa (1868-1903) e a assimilação do Em 1945, o filho Carlos fixa em seu diário a sua opinião a respeito do
código musical europeu romântico impossibilitariam Oswald, na maturidade, nacionalismo e copia uma carta a ele enviada por Luiz Heitor Corrêa de Aze-
de entrosar-se com a rítmica "popular", sincopada- talvez até considerada vedo, onde "extra-oficialmente" este se posiciona frente a esse movimento:
inferior pelo compositor- o que resultaria numa mudança estética".
3) O modelo musical sendo europeu, a cidade ideal sendo Florença Recebi uma carta interessantíssima e sintomática do Luiz Heitor Cor-
não teriam impedido, sob outro aspecto, a utilização sistemática de modelos rêa de Azevedo em resposta à minha carta, onde defendo o universalismo
nativistas brasileiros, o que poderia até significar a adesão e o distanciamen- da música de meu pai. Diz ele "( ... )o pensamento moderno começa a não
to dos ideais europeus sempre acalentados? dar muita importância à questão do nacionalismo em música. Alguns dos
4) A posição social era nitidamente a de médio-burguês, mas o olhar, nossos mais jovens compositores, como Cláudio Santoro, são deliberada-
sempre aristocrático. O ater-se ao nacionalismo brasileiro não poderia cor- mente antinacionais. Eles já não querem saber de fazer música rotulada de
responder a um "capitis diminutio"? brasileira tipo Nepomuceno, Vi/la-Lobos ou Gallet. Como vamos estranhar,
5) A incipiência do meio cultural brasileiro, as dificuldades de relacio- pois, que um artista do passado, puro, sincero, nobre, grande em todas as
namento que tem com burocratas, funcionários e colegas quando diretor do suas concepções, não tenha tomado conhecimento, em virtude de sua forma-
INM não teriam provocado uma quase idiossincrasia quanto à pesquisa da ção, de uns sincopatozinhos ou de umas tantas linhas melódicas sestrosas?
rítmica brasileira? (. .. ) É, o nacionalismo verde-amarelo está ficando, indubitavelmente, uma
Corrobora a formulação das hipóteses uma significativa carta de Lau c ousa do passado, em música. Causa mesmo, para historiadores".
a Alfredo, escrita em 1926, quando a ebulição nacionalista musical brasileira Esta confirmação vale ouro! quem diria que as teorias nacionalistas
era nítida. Evidencia a missiva o distanciamento de Oswald dos ritmos "po- em arte ruíssem tão depressa e seguindo de perto a derrota do fascismo e
56
pulares", ainda mais sabendo-se que o conteúdo da carta deveria traduzir o do nazismo! Será que aquela arte era fascista?
resultado das conversas entre Lau e o marido:
Pareceria e vide 1t~ que o universalismo oswaldiano, prendendo-se à

I
la contei que Barrozo e etc. obtiveram de papai a promessa de escre- estética romântica da emoção, conteria a presença de elementos nacionais
ver uma peça original de música brasileira. Junto a esta envio um cartão "cosmopolitas". É significativo salientar que, somando-se todos os ingre-
postal que dá um pouco de notícia a respeito. Não é verdade, porém, que dientes que caracterizam os vários nacionalismos europeus utilizados por
papai tivesse escrito sua peça sobre temas brasileiros conhecidos. Ao con- I Oswald, é insignificante a presença de rítmica nacional brasileira sincopa-
trário, inventou tudo. Aqui são loucos pela música brasileira 54 • 1 da 57 • Apenas em três oportunidades: no segundo dos três Estudos para piano

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-~":'~_·•.

172 I Henrique Oswald ~*'t Notas da segunda parte


solo, no trio Serrana e no Scherzo da Sinfonia, op. 43. A desproporção é .-~~-
gigantesca. Serviria como pretexto para um longo desfilar de "condicionais" ' :-~ ·.,··..

pelos estudiosos brasileiros que ponderariam que se Oswald tivesse se apli- I. O crítico Rodrigues Barbosa fez o retrato de Oswald durante uma execução mu-
. ;
cado mais assiduamente à rítmica nacional, .uma enorme contribuição teria j,
sical: "Era o próprio autor que sentava ao piano: homem pequeno, magro, calvo,
58 b~ alva fronte, cheia de nobreza, olhos pequenos e cintilantes através das lentes de
prestado ao movimento nacionalista brasileiro • L'
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cristal, pequeno nariz aristocrático, finos bigodes grisalhos que se alongavam em
Percebe-se que o critério adotado é ideológico, não se atendo os estudio-
k pontas recurvas, contraindo-se um pouco a boca num ríctus de amargura". In:
sos a parâmetros avaliativos de Henrique OsWald como compositor de ver- Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1909 (AN). Quinze anos mais tarde, Lorenzo
tente basicamente romântica européia - mas brasileiro e nacional - , pos- Fernandez traçaria um perfil bem próximo ao anterior: "Pequenino, vivo, enxuto
sibilidade da nítida marginalização. em carnes, olhos cintilantes, inteligência, um sorriso constante a bailar-lhe nos
O "nacionalismo" circunstancial oswaldiano - europeu, no caso - lábios - sorriso às vezes de bondade, às vezes de ironia - eis a simpática figura
de um grande artista brasileiro". Cf. Lorenzo FERNANDEZ, "Henrique Oswald.
enquadrar-se-ia melhor naquilo que Dahlhaus classifica como "fenômeno
Um Grande Artista". In: Brasil Musical, ano II, n°• 25 e 26, abril de 1924 (BN).
pan-europeu" 59 • Médio-burguês, italiano por adoção, suíço que, tendo a ci-
2. "Diremos que em Oswald, malgrado a sua grande modéstia, é-lhe reservado um
dadania suíça, opta pela brasileira na maioridade, um diplomata circunstan- dos primeiros lugares entre os modernos compositores de música de câmara." In:
cial que, quando na França, ratifica esse olhar aristocrático, Oswald é o Opinione Nazionale. Firenze, 13 de maio de 1896 (AN). "Mas trata-se de um
típico exemplo para onde convergeriam os conteúdos desse pan-europeísmo. desses temperamentos que imprimem ao homem mais do que a modéstia - a
Esporádica, sim, foi a citação de ritmo "nacional" brasileiro. timidez; de forma que todo o seu valor artístico tem sido ocultado por essa qua-
O nacionalismo oswaldiano é, pois, cosmopolita e ao mesmo tempo lidade que, se é apreciável e até digna de um homem de talento, não deixa de ser
prejudicial." In: O País. Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1896 (AN). "Todos que
"marginal", frente à acepção do compositor nativo compondo música nacio-
aqui estamos e que conhecemos Oswald, bem sabemos de que feitio é o grande
nal. Isto torna Oswald, ao praticar elementos nacionais, um "apátrida", pois brasileiro e de que grau elevado são a modéstia e a timidez que o acompanham,
não reivindicado por nenhum país. O não-engajamento ao movimento na- que o perseguem." In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, circa 1900 (AN). "Na
cional brasileiro tornar-se-ia um "anátema" para Oswald e para outros com- sua habitual modéstia, o nosso eminente artista que chegou sem arruído, sem
positores românticos brasileiros não avaliados em suas respectivas posturas 'reclame'." In: O Estado de S. Paulo, circa 1916 (AN). "Porém a timidez, a
malfadada timidez faz de Oswald - um insulado operário da música." Cf. Loren-
estéticas. Fator preponderante para o lento e prolongado esquecimento de
zo FERNANDEZ, "Henrique Oswald. Um grande artista", op. cit. "Espírito doce,
suas obras pelos pósteros. bastante tímido, incapaz da energia violenta que então exigia a direção do nosso
A partir da década de 1960, uma progressiva e tênue reavaliação da primeiro estabelecimento de ensino musical." In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,
música criada no período romântico se faz sentir e Henrique Oswald, assim 14 de abril de 1931 (AN). "( ... )a figura de Henrique Oswald, através de um nimbo
como outros compositores brasileiros do período a que pertenceu, começa de modéstia, de doçura, e até de humildade, como se a todos pedisse que lhe
perdoassem ter tanto valor." In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1931. Ass.
discretamente a emergir.
Rodrigues Barbosa (AN). "Já nessa época não compreendia bem por que razão
podiam ser os autores estrangeiros alvos de admiração e culto, o mesmo não se
dando com os artistas brasileiros. Para corrigir este equívoco, ideei a fundação
imediata de uma sociedade que se destinaria a propagar a música de nossos com-
positores, executando-lhes as obras, e tomando-as conhecidas no Brasil; e, quem

I &abe mesmo no mundo artístico internacional. A idéia foi comunicada ao meu


mestre, que seria o presidente desta sociedade que, além do mais, realizaria uma
série de audições de obras suas. Mas já naquele tempo, Henrique Oswald era o

I
mesmo de hoje, não concebia absolutamente que pudesse ser o presidente de uma
sociedade, e muito menos, que nesta sociedade fossem executadas séries de obras

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174 I Henrique Oswald ..


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suas. Desesperado com a modéstia incalculável do futuro presidente da sociedade 21. A adesão à estética da emoção.
inexistente remeti meus projetos para futuro indeterminado." Extraído do discurso 22. " ... este impressionista russo foi um dos primeiros a utilizar de uma maneira con-
pronunciado por Luciano Gallet, quando do 79° aniversário de Henrique Oswald seqüente e refletida a escrita por tons inteiros. A 'música', declarava ele, 'não é
e publicado em jornais do Rio de Janeiro. 15/4/1931 (AN). .. feita para exprimir as idéias: a palavra é suficiente. O essencial da música é tradu-
3. "A inocência moderna fala do poder como se ele fosse um: de um lado, aqueles -·-...-~
zir impressões que não possuam uma forma pré-estabelecida, nem cadência'." Cf.
que o têm, de outro, os que não o têm; acreditamos que o poder fosse um objeto Michel R. HOFMANN, La musique russe des origines à nos jours, p. 183. Rebi-
exemplarmente político; acreditamos agora que é também um objetQ ideQlógi<:Q; koff é autor, entre outras obras, de pequenas peças para piano, miniaturas, onde
que ele se insinua nos lugares onde não o ouvíamos de início, nas instituições, nos toda a sua compreensão da impressão e emoção pode estar configurada.
ensinos, mas, em suma que ele é sempre uno. E no entanto, se o poder fosse 23. Evidencia, no momento, um maior conhecimento das escolas italiana e francesa.
plural, como os demônios? 'Meu nome é Legião', poderia ele dizer: por toda 24. O ".meio artístico", a sempre referência.
parte, de todos os lados, chefes, aparelhos, maciços ou minúsculos, grupos de 25. Em coluna de jornal do Rio de Janeiro intitulada "Nossa Terra", tendo como título
opressão ou de pressão: por toda parte vozes 'autorizadas', que se autorizam a da entrevista: "A Música Nacional", circa 1910 (AN).
fazer ouvir o discurso de todo o poder: o discurso da arrogância." In: Roland 26. Na realidade, 16 anos.
BARTHES, Aula, p. ll. 27. "De que precisa a música no Brasil? Uma visita a Henrique Oswald." Entrevista
4. Arq. part. MIOM. de Henrique Oswald a Luiz Heitor Corrêa de Azevedo para O Imparcial. Rio de
5. Já em 190 I, um crítico observava: "Sem um pequeno esforço da parte dos pode- Janeiro, 30 de janeiro de 1929 (AN).
rosos e dos ricos de seu país, Oswald há de levar vida modesta e cheia das maiores 28. Extensão de sentimentos religiosos católicos?
dificuldades que tem atravessado. Imaginem um homem daquele talento para a 29. Jean Chantavoine e Jean Gaudefroy-Demombynes observam que: "A maioria dos
composição, lecionando piano a certas meninas sem habilidade nenhuma e talvez grandes músicos românticos evoluiu como Goethe, do romantismo para o classi-
enfastiadas. Como há de poder um tal artista procurar os remédios ensinados pela cismo, uma espécie de 'classicisation' do romantismo. Schubert irá do Rei dos
meticulosa pedagogia moderna, para despertar nos maus alunos a 'vontade'? É Aulnos à Sinfonia inacabada; Mendelssohn, do Sonho de uma Noite de Verão a
pretender que um filósofo preocupado com os problemas da vida ensine a sole- Paulus e Elias; Berlioz, da Sinfonia Fantástica à Infância de Cristo e aos Traia-
trar". In: Jornal do Comércio. São Paulo, s.d. (AN) nos( ... ) Liszt, dos Anos de Peregrinações a Cristus e à Santa Elizabeth; Wagner,
6. Cf. Leozinha F. M. de ALMEIDA, Henrique Oswald, p. 52. de Rienzi a Parsifal. Evolução lógica: após os primeiros 'élans' da juventude, o
7. Idem, ibidem, p. 53. ideal estético se estabiliza, o estilo sofre decantação, a arte se aprofunda, e am-
8. Jd., ib., loc. cit. biciona-se a criação de obras duradouras, numa reaproximação dos moldes tradi-
9. O discurso foi publicado no dia 15 de abril de 1931, num jornal do Rio de Janeiro. cionais". Cf. Jean CHANTAVOINE e Jean GAUDEFROY-DEMOMBYNES, Le
10. Renato ALMEIDA, "Henrique Oswald". In: Revista da Associação Brasileira de Romantisme dans la musique européenne, p. 562.
Música. Rio de Janeiro, ano I, 2/3:27, 3° e 4° trimestres, 1932. 30. Octavio Bevilacqua acrescenta uma sempre fidelidade de Oswald à religião como
ll. Leozinha F. M. de ALMEIDA, op. cit., p. 53. uma das causas da dedicação à obra sacra: "Com a mesma facilidade com que
12. Publicado em um jornal do Rio de Janeiro, em 15 de abril de 1931. abordara outros setores da composição musical, Oswald começou a deixar correr
13. Laudômia anota como referência: "ultime sue lezione". Arq. part. MIOM. sua pena também neste, em admirável fluência e não sem o gozo espiritual de
14. Oscar Lorenzo FERNAWl)EZ, op. cit.. quem sempre fora um sincero crente, assíduo às cerimônias da igreja, antigo
15. Cf. nota 156 da 1• Parte. organista militante. Não se trata pois de um convertido ao gênero; mas, ao con-
16. Em depoimento, Maria Isabel Oswald Monteiro afirma: "Menina, lembro-me de trário, de quem nele está perfeitamente à vontade, já porque o pratica com since-
meu avô dando aulas sempre impecavelmente vestido e, ao terminar um dia in- ridade de crença, já por feitio psicológico, evidentemente adequado ao caso". Cf.
tenso de magistério, mantinha a mesma serena presença". Octavio BEVILACQUA, "Música sacra de alguns autores brasileiros". In: Bole-
17. "Maestro Henrique Oswald". In: Correio da Manhã, Suplemento Ilustrado. Rio de tim Latino-Americano de Música, v. 6, abril de 1946, p. 341.
Janeiro, 13 de maio de 1906 (AN). 31. René Leibowitz teceu comparações a respeito das obras de Schumann e Brahms,
18. Entre amigos italianos, franceses, russos e alemães, frise-se a presença de alguns no que conceme a captações de conteúdos musicais, mercê dos laços de amizade,
brasileiros: o pintor Décio Villares, Inácio Porto Alegre. inclusive, e que estudados em conjunto formariam, na concepção do autor, o
19. Percebe-se que Oswald contradiz os escritos íntimos. compositor romântico ideal. Leia-se, de René Leibowitz, o capítulo VI, "Schu-
20. No diário, o problema real não foi o tempo, mas financeiro. mann et Brahms et les paradoxes du rêve romantique", inserido em seu livro
J

176 I Henrique Oswald


Dilemas de um personagem I 177
\
L'évolution de la musique de Bach a Schoenberg, p. 127-140. Por outro aspecto, o uma operação que revela aspectos típicos da vida social; neste sentido, o artista
originalíssimo "Sacre de Printemps" (1913) de Stravinsky contém certa influência escolheria os perfis relevantes do 'original' antes de figurá-lo; assim seriam os
de "Jeux" (1913) de Debussy, e esta obra do autor francês não deixa de ter sofrido tipos apresentados nas comédias de Aristófanes. A teoria do 'realismo típico',
igualmente influência daquela. A admiração mútua entre os dois compositores te- defendida vinte e quatro séculos depois pelos escritores militantes da Revolução
ria favorecido o vazamento de idéias e tampouco "Sacre de Printemps" e "Jeux" I russa, não se afasta epistemologicamente desse alvo". Cf. Alfredo BOSI, Refle-
deixam de ser produções estilisticamente personalizadas de seus criadores. l xões sobre a Arte, p. 28. Musicalmente, Francisco Mignone observa que "nin-
guém é inteiramente pessoal. O que devo é organizar essa faculdade de maneira
32. Georges MIGOT, Essais commen.tés et complétés en vue d'une Esthétique géné- l
~-' a me aproveitar do alheio, trftflsfurmando esse alheio em aquisição minha. O
rale, p. 108, n.r. no 2.
33. Arnold SCHOENBERG, E/ Estilo y la ldea. Igor STRAVINSKY & Robert aproveitamento do alheio se faz especialmente nos elementos mais construtivos da
música rítmica, harmonia, polifonia, forma, etc. Já é muito difícil aproveitar o
CRAFT, Conversas con lgor Strawinsky.
34. Uma das características comentadas por estudiosos franceses de música desde o alheio quanto à melódica, não só por ficar o aproveitamento mais sensível aos
século XVIII refere-se à presença da "clareza". Denominava-se clareza, atributo outros, como porque deforma inicialmente o resto da criação, me dificultando ser
estilístico nacional. François Couperin (1668-1733), no Prefácio de sua referencial pessoal". Cf. Francisco MIGNONE, A Parte do Anjo (autocrítica de um cinqüen-
obra L 'art de toucher /e clavecin, compara as noções claras ao gosto. Jean-Phi- tenário ), p. 39.
lippe Rameau (1683-1764) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) degladiar-se-iam 36. Verificar a nota 207 da Primeira parte.
na "guerra" conhecida por "Querelles des bouffons" (1752-1754), em que os dois 37. "( ... )novidade de idéias, sabedoria do tratamento, inspiração elevada." In: Fiem-
antagonistas defendiam posições buscando, entre outros desideratos, uma clareza mosca. Firenze, 13 de março de 1897 (AN). "Sem receio de contestação, podemos
de expressão. O certo é que, na França, clareza musical passou a ser considerada, afirmar que a obra do nosso eminente compositor conservará sempre essa atração
do século XVIII em diante, como antítese da densidade cumulativa composicio- imensa que exerce toda obra de arte de valor sobre organizações preparadas a
nal, como: escrita mais sobreposta, o monumental etc. Há em toda esta carga vi- receber impressões estéticas elevadas." In: Revista Artística. São Paulo, junho de
sando à clareza uma antítese, igualmente, à música alemã. A clareza, compreendi- 1899. Ass. Félix de Otero (AN). "Henrique Oswald, compositor de uma origina-
da na literatura, era-o também na música. E não seria apenas a criação que seria lidade incontestável, de um gosto raro, variado, fecundo nos seus efeitos esquisi-
rotulada. A própria interpretação, esta intermediação entre a obra criada e o públi- tos ... " In: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, l3 de novembro de 1909. Ass.
co, seria-o igualmente. Assim, a escola francesa de formação de instrumentistas Rodrigues Barbosa (AN). "Tem estilo puro, possui elevação, elegância, distin-
teria repercussão internacional pela "clareza" dos ensinamentos. À clareza juntam- ção ..." In: Correio Paulistano. São Paulo, 1911 (AN). "Para compreendê-lo na
se as palavras "elegância", "refinamento", "brilho". La clarté, que seria atributo total beleza de sua pujante inspiração, como na magistral riqueza de seus segredos
da escola francesa de piano do final do século XIX até segmentos presentes, evi- orquestrais, é preciso ouvi-lo mais vezes." Crônica musical de um jornal do Rio
dencia esta designação através da maneira de tocar, onde a "transparência cristali- de Janeiro, circa 1915 (AN). "Henrique Oswald não é apenas um músico claro,
na", como sinônimo de nitidez e igualdade, e mais a "elegância" do fraseado fize- conhecendo admiravelmente a técnica de sua arte: ele tem, ao mesmo tempo, a
ram a nomeada de pianistas como Marguerite Long, Yves Nat, Robert Casadesus qualidade precisa de ser sóbrio nos desenvolvimentos melódicos, isto é, ele diz o
e outros. A própria composição de autores como Fauré, Saint-Saens, Ravel e de- que tem a dizer, sem inútil prolixidade, não insiste em demasia, não se deixa
terminadas obras de Debussy teriam apreciações feitas pelos contemporâneos e arrastar pelo prazer de longos e fastidiosos devaneios. As suas composições de
pósteros, como pertencentes à linha clara do compor. Roland Barthes tenta desmi- música de câmara são perfeitamente equilibradas, têm a justa medida e nunca
tificar o que se denominou clareza como linguagem única- compreenda-se o seu chegam a fatigar o espírito do ouvinte." In: A Noite. Rio de Janeiro, 14 de agosto
posicionamento na estruturação de teoria emergente - e comenta: "A antiga crí- de 1916 (AN). "E tanto mais significativo o seu grande sucesso que nada há na
tica é uma casta entre outras e a 'clareza francesa' por ela reconhecida é uma gíria sua música para arrebatar a massa do público. Tudo no seu trabalho é discrição,
como qualquer outra". Cf. R. BARTHES, Crítica e Verdade, p. 30. medida, nuança. O artista parece recuar diante de alguma expansão mais larga do
35. Alfredo Bosi, numa visão sobre a arte, afirma: "Uma das mais antigas tradições seu pensar. O cuidado da forma e a distinção do espírito são as suas qualidades
teóricas filia-se à representação. É o conceito de arte como mímesis. O seu sig- predominantes, e observamo-las ontem, em plena pujança, do começo ao fim da
nificado preciso depende, naturalmente, de contextos. Pode aludir à mera imitação sua admirável Sinfonia." In: A Notícia. Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1918. Ass.
de traços, gestos humanos, tal como ocorria nos mimos e na pantomima, repre- Roberto Gomes (AN). "( ... ) segue-se uma frase lírica, colorida, sentimental, ele-
sentação de caráter jocoso e satíri-co. Pode também significar a reprodução sele- gante, caracteristicamente de Oswald." In: O Imparcial. Rio de Janeiro, 3 de outubro
tiva do que parece mais característico em uma pessoa ou coisa, e ser, portanto, de 1918. Ass. Benjamin Costallat (AN). "( ... )essa mesma flexibilidade melódica
178 I Henrique Oswald Dilemas de um personagem 1179

de que entre nós Henrique Oswald é o criador incomparável e que é o caráter que carinho especial para com negros ou mestiços. Francisco Braga teria sido uma
tanto o emparceira com Fauré." In: Diário Nacional. São Paulo, 2 de junho de exceção grandiosa e a relação entre os dois sempre mostraria uma enorme admi-
1929. Ass. M.A. (Mário êe Andrade) (AN). ração deste para com Oswald. Não escreveria Braga, como dedicatória, em sua
38. Alfred Einstein observa que "o estilo nacional é numa ampla consideração, um partitura "Jupyra", ofertada ao colega ilustre: "A Henrique Oswald a homenagem
estilo individual apropriado a posteriori pelo sentimento nacional". Apud Carl do pigmeu ao Hércules"? (Arq. part. MIOM) Sob outro aspecto, Braga poderia
DAHLHAUS, Between Romantism and Modemism, p. 82. representar o mestiço que se distinguiu, sendo que seus estudos, realizados na
39. Gustave BERTRAND, Les nationalités musicales, p. 4. Dezessete anos após o texto Europa (a sempre referência) com Massenet (um modelo constante), são testemu-
de Bertrand, há a Exposition Universelle de 1889. Debussy encantar-se-á com o nhos de um elitismo musical. A amizade de Braga (competente interlocutor) e a
exotismo do Extremo Oriente, filtrando as suas sensações em obras que, a partir do sua veneração por Oswald não teriam uma relação "inconsciente" ditada pelas
final do século, evocariam as sonoridades do longínqüo geográfico. raças distintas? Oswald, por sua vez, dedica a Braga o Quarteto, op. 39, escrito
40. Idem, ibidem, p. 6. em 1908.
41. Carl DAHLHAUS, op. cit., p. 86. 53. Corrobora o argumento a opinião de Arnaldo Estrela: "A formação européia do
42. Idem, ibidem, p. 81. A emergência do movimento musical nacionalista brasileiro autor manteve-o quase impermeável à inquietação nacionalista que fervilhava à
basicamente se robustece a partir do final da Primeira Grande Guerra. sua volta. Conservou-se à margem da correnteza, sombreando-a com dignidade de
43. Gustave BERTRAND, op. cit., p. 332. O autor refere-se aos músicos que seriam artista sincero, conhecedor da sua arte". Cf. Arnaldo ESTRELA, "Música de
conhecidos como "Grupo dos Cinco", formado por Balakirev (1837-1910), César Câmara no Brasil", in: Boletim Latino-Americano de Música, v. 6, abril de 1946,
Cu i (1835-1918), Moussorgsky ( 1839-1881 ), Rimsky- Korsakov (1844-1908), Bo- p. 259.
rodine (1833-1887) e que se rebelaram contra as influências da música francesa, 54. Carta de Laudõmia Oswald a Alfredo, número 44, 1926. Arq. part. MIOM.

44.
45.
italiana e alemã na música russa.
Idem, ibidem, p. 333.
Mário de ANDRADE, Música, Doce Música, p. 217. Quando sofre o impacto da
I 55.
56.
57.
Idem.
Diário de Carlos Oswald, 5 de agosto de 1945. Arq. part. MIOM.
Observe-se que a rítmica sincopada, de nítida presença africana, era igualmente
execução de uma obra de Oswald, Mário de Andrade não fica imune à sedução
do romantismo oswaldiano e a apreciação estética do audicionado é o elogio
substancioso. Leia-se crítica sobre um concerto com obras de Oswald no Diário
Nacional. São Paulo, 2 de junho de 1929 (AN).
l 58.
utilizada pelos negros nos Estados Unidos, tendo penetrado largamente em discur-
sos musicais europeus antes mesmo de uma conscientização "teórica" no Brasil,
esta a partir das fronteiras dos anos 20.
Mário de Andrade precisa que "Serrana" c o segundo dos três Estudos, em que
46. Idem, ibidem, p. 216. Oswald utiliza a rítmica sincopada, "( ... ) mostram bem a importância da colabo-
47. "Para entrar no cerne do problema, só há uma relação válida e fecunda entre o ração que ele poderia nos dar, sem no entanto abandonar coisa nenhuma de suas
artista culto e a vida popular: a relação amorosa. Sem um enraizamento profundo, qualidades individuais". Cf. Mário de ANDRADE, op. cit., p. 217. Seguindo uma
sem uma empatia sincera e prolongada, o escritor, homem de cultura universitária, trilha sem revisão, autores repetirão as obras aludidas e aproveitar-se-ão do con-
e pertencente à linguagem redutora dominante, se enredará nas malhas do precon- ceito de Mário de Andrade: Renato ALMEIDA, História da Música Brasileira, p.
ceito, ou mitizará irracionalmente tudo o que lhe pareça popular, ou ainda proje- 379; Luiz Heitor Corrêa de AZEVEDO, 150 Anos de Música no Brasil, p. 132-
tará pesadamente as suas próprias angústias e inibições na cultura do outro, ou, 133; Vasco MARIZ, História da Música no Brasil, p. 83; José Maria NEVES,
enfim, interpretará de modo fatalmente etnocêntrico e colonizador os modos de Música Contemporânea Brasileira, p. 18. Israel PELAFSKY, A Música Contem-
viver do primitivo, do rústico, do suburbano." Alfredo BOSI, Dialética da Colo- porânea e Francisco ACQUARONE, História da Música Brasileira, que, sem
nização, p. 331. mencionarem as peças citadas, reiteram o conceito do não-envolvimento.
48. Carl DAHLHAUS, op. cit., p. 89. 59. Carl DAHLHAUS, op. cit., p. 89.
49. Fauré não faz da barcarola- esta visão das águas serenas- a versão "naciona-
lista" francesa em sua mais intensa expressão de elegância e requinte?
50. In: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1906 (AN). Há proximidade
entre algumas das pequenas composições de Rebikoff e as de Oswald. A estrutura
formal c o melodismo sensível evidenciam parentesco.
51. Mário de Andrade, op. cit., p. 214.
52. Não há menção em diário ou cartas de Lau ou de Henrique a uma amizade ou
' -_;.,
. ·~·

Terceira parte

A obra para piano solo


como tipicidade
.·--r

182j Henrique Oswald

Destino e titulação da peça de curto fôlego


Sf\Li\0 IBI\CH
6 d Antigo Steinway ~---.,--
~
Terça-feira, 7 de Julho de 1903, ás 8 1
/2 da noite

12: CONCER.TO Henrique Oswald elege, desde a tenra infância, o piano como defini-
do pianista Bauer, do violoncellista Casais ção. Este será o confidente que capta as criações específicas a ele destinadas
e do violinista Moreira de Sá e partícipe na numerosa obra camerística ou na típica, com a participação
orquestral. O compositor escreve quantidade de peças curtas acima da média
-~~99~-99 PI\OGI\AMMA EEEEEEEEEE- em comparação com alguns de seus contemporâneos. A destinação destas
1.• Parte pequenas peças - que sob certo aspecto eram preservadas pelas classes
1. Mendelssohn - Trio em ré menor.
I Allegro dominantes - atenderia a vários segmentos sociais, mas, poder-se-ia dizer,
li Andante
III Scherzo obedecendo destes camadas diferenciadas.
IV Final
2. Valentini Sonata para violoncello
No caso específico de Henrique Oswald, os vários compartimentos so-
I Largo. - Allegro ciais: aristocrático, burguês "oficial" e o familiar, igualmente burguês, acei-
li Tempo di Gavotta
III Andante tavam o que seria de seu agrado. Percebe-se que a fluência do "salon musik"
IV Final.
3. Beetboven - Sonata Appassionata nos segmentos apontados agradava basicamente a todos, inclusive ao veículo
I Allegro
li Andante e III Final. comercial, o editor 1• A absorção sem maiores questionamentos dos valores
2.• Parte de uma sociedade - no caso, a florentina - e a reiteração do compositor
4. Oswald - Berceuse } num gênero pianístico estabelecido resultariam no amalgamar das tensões
Zarzlcky - Mazurka para violino.
5. Oluck-Brahms - Gavotte} sociedade-criação.
Liszt - XIII." Rhapsodia para piano.
6. Bach - Sarabanda }
Klengel -- Scherzo para vinloncello. I A apresentação oficial significava aquilo que o recital ou concerto atual
configura. Promovidas por associações mais ou menos organizadas, estas
@..
Piano I bach gentilmente cedido pelos Snrs. ChiaffareHi & Comp.
Il récitas realizavam-se em salas de concertos públicas ou particulares e tinham,
geralmente, programas impressos. Executavam-se obras de câmara, de canto
acompanhado e de piano solo. Mescla programática. Quanto à apresentação
em sarau restrito, poderia esta se realizar em salão aristocrático ou da burgue-
sia mais abastada, com assistência previamente convidada. A programação
poderia ser a da apresentação oficial. Continha, no cerne, um certo diletan-
tismo. Pós-apresentação, uma recepção selava o evento. A reunião em casa
de família, com espaço suficiente para o mini-espetáculo, distinguia-se pelo
informalismo; por forte dose de amadorismo condescendente justapondo-se

Il
I
ao profissionalismo de alguns músicos; pela não-seqüência entre as peças
durante a execução. Tornava-se de suma importância, pois servia em parte

l como "laboratório inconsciente" ao desabrochar de talentos e à apresentação


de obras recém-criadas, que receberiam o crivo da receptividade. Perpetuava-
I
l
!-
184 I Henrique Oswald
A obra para piano solo como tipicida.de 1185

se igualmente a repetição do aceito que, doravante, integrando-se ao acervo e pela textura musical praticadas nesse país. Viu-se anteriormente que o
auditivo deste público informal, tornava-se continuadamente presente nas modelo pós-romântico musical camerístico do compositor foi o germânico.
audições, propiciando a possibilidade do rótulo, tipicidade do autor. O da música de salão, a pequena peça de gênero, uma miscigenação de
Poder-se-ia sintetizar que, para Henrique Oswald, a infância e a adoles- vários conteúdos existentes na Itália, Alemanha, Áustria, França, Rússia.
cência em um Brasil pianístico de gosto duvidoso; ambiente italiano pleno de Henrique Oswald divide-se quando a titulação é descritiva entre os idio-
alternativas as mais variadas, inclusive da prática melódica. característica mas italiano e, preferencialmente, o francês, e não deixa de chamàr a atenção
marcante da imperativa ópera; estudos profundos, estabelecedores das regras o fato de que o modelo francês da pequena p·eça, praticado por Saint-Saens,
com posicionais, constituíam elementos estimuladores da pequena peça. Soma- Fauré e Debussy- da primeira fase- seja empregado naturalmente por Hen-
se a estas possibilidades o magistério. rique Oswald em paralelismo, sem defasagem. Pode-se igualmente comparar
A criação específica para piano solo, destinada à apresentação em pú- estas pequenas criações ao tipo desenvolvido por Grieg, Tchaikowsky,
blico, atenderia também ao fluxo crescente dos problemas técnico-pianísticos Mussorgsky, Borodine e tantos outros autores, inclusive em suas titulações.
individuais de cada aluno. Muitas das peças partem do observar. A numerosa
Quanto a estas, Henrique Oswald privilegia a língua francesa, assim como, ba-
produção para piano percorre níveis de dificuldade. Tem-se, cartesianamente, sicamente, o seu conterrâneo, Alberto Nepomuceno, em peças para piano.
um caminhar do simples para o mais complexo. Dir-se-ia que a obra de salão
Se as doze peças de Macchiette, op. 2 têm títulos italianos, no futuro,
tem, "inconscientemente" ou não, fins didáticos e voltados também à função ao utilizar-se do descritivo, Henrique Oswald buscará titulações na língua
do agradar. A fronteira da dificuldade técnico-pianística mantém-se, na peça francesa. Verifica-se que as designações italianas são menos abrangentes: La
de curto fôlego, a níveis não-transcendentais. Se os Noturnos, op. 6, o Impro- Campana del/a sera, Ninna-Nanna, La Caccia, Sognando, Serenatella. É,
viso, op. 19, os seis Estudos e as Variações sobre um tema de Barrozo Netto contudo, a terminologia francesa que mais freqüentemente será utilizada por
evidenciam problemas técnico-pianísticos de envergadura, compreende-se que Henrique Oswald: Petite Valse, Un Rêve, Rêverie, En Nacelle, Sérénade
o salão ficara esquecido. grise, Romances sans paroles, Quand te reverrais-je ?, Bonheur, La Plante,
In Hamac, Nocturne, Trais morceaux, op. 8, Feuilles d'album, Inquiétude,
* Chansonnette, Feuxfollets, Désir ardent, Sur la plage, Idylle, Pierrot, Bebé
s'endort, Pierrot se meurt, Chauve-souris, Il Neige/, Bluettes e, em 1921,
Observe-se que Henrique Oswald tem como motivação criadora para a após quase duas décadas do regresso ao Brasil, Étude pour la main gauche.
peça destinada ao piano solo: ou a dança com título específico, a caracterizar Chama a atenção que, mesmo no Rio de Janeiro, Henrique Oswald continua-
a pulsação; ou a dança, berceusc ou barcarola contendo título descritivo - ria a utilizar, para as peças de piano, a terminologia francesa, descartando de
pedra angular na compreensão da origem inspiradora; ou uma terceira, for- vez as titulações italianas. Missivisticamente, persistiu na utilização dos dois
mada pela motivação abstrata, onde as possivelmente únicas preocupações idiomas para com os que os praticavam, assim como da língua portuguesa
residissem na elaboração da obra e na sua transcendência pianística. em território brasileiro, quando se fazia mister.
Estes três compartimentos são aparentemente antagônicos. Inúmeras obras Algumas razões podem ter influído nesta preferência pela língua france-
para piano camuflam, em pertencendo a determinado segmento, sugestões e sa. Henrique Oswald pianista, praticando, entre outros gêneros, a música de
propostas contidas em outros. O abstrato faz vislumbrar, por vezes, a fronteira salão, é aceito por editores e pelo público. O modelo italiano da pequena peça
do descritivo não nomeado, em permanente velamento. O descritivo, por sua estava longe de alcançar divulgação em ambiente propício como o que existia
vez, em determinados exemplos, possui carga técnico-pianística expressa. na França. O modelo pianístico francês assimilado - com trama musical mais
Há que se considerar o fato de Henrique Oswald ter convivido, desde rica, qualitativamente superior ao italiano- é-o também, mesmo que incons-
o nascimento, com os idiomas francês e italiano. As mais de três décadas cientemente, na sua terminologia descritiva. Se Liszt emprega com total natu-
vividas na Itália deveriam, forçosamente, estabelecer preferência pela língua ralidade o francês e o italiano para as titulações de suas peças, isto deve-se
1861 Henrique Oswald

O desenho como subsídio, a explicar o extramusical

Ü romantismo prodigalizou, em enfoque outro ao dos séculos prece-


dentes, a freqüência às epígrafes a suscitarem a descrição. A guarida que o
século XIX oferece à música programática, por sua vez, abre as portas à
captação do sugestivo nas fronteiras do século XX. Descrição, programatis-
mo, sugestão são palavras que podem até amalgamar-se na imensa tentativa
do compositor romântico rumo ao extravasar o mais pleno.
Henrique Oswald não se distancia desse trinômio. Poder-se-ia dizer
que da música programática não se mostra apologista, mas é intensamente
partícipe do descrever e do sugerir. O universo criativo musical oswaldiano
povoa-se do amplo imaginário, e cenas vistas, sensações, sonhos e desejos
apresentam-se nas titulações de algumas peças sinfônicas e sobremaneira na
quantitativa produção para piano. Parte do segredo que poderia existir na
descrição de suas composições para piano estaria decifrado em seus inúme-
ros desenhos, corretos mas de cunho diletante.
Henrique Oswald foi desenhista conhecedor do "métier". A prática é anti-
ga. A carta da mãe, Carlota, quando da viagem à Europa em 1868, precisa dese-
nhos realizados pelo filho, sendo que dois álbuns foram conservados pela famí-
lia2. Neles capta-se conteúdo integrante do universo visual do compositor, filtra-
do e colocado no papel. Seguindo-se o desenvolver desses desenhos, verifica-se
como Henrique Oswald, partindo de percepção ótica, compreende o descritivo.
Desenho de Henrique Oswald registrado em álbum íntimo.
Um primeiro álbum, pertencente à sua mãe, tem como escrito inicial um

I
texto datado de 1841. Finamente encadernado, alternando folhas brancas com
mais ao seu profundo cosmopolitismo e aos seus vínculos, que se definiriam algumas azuis e beiges, o pequeno depositário de anseios poéticos e pictóricos
eclesiásticos com a Itália. Henrique Oswald, fixado em Florença, faz a esco- da mãe toma-se, com o correr dos anos, relicário de textos e desenhos de amigos

l
lha no decorrer de sua existência, e a preferência pelo modelo escriturai francês e do próprio compositor. Abre-se para a pequena comunidade. Ali se encontra
e pela titulação teria também relação com uma postura voltada a segmento do um desenho - j á mencionado - de seu rosto, primeiro documento da icono-
requinte, característica interior e exterior de sua personalidade. Sob outro ân- grafia de Henrique Oswald, datado de 1856. O jovem Henrique cresce vendo este
gulo, a atividade diplomática no começo do século no Havre e a premiação em j álbum confidente, ainda pleno de folhas em branco e, em estudando desenho no
Paris, com Jl Neige!, teriam determinado as epígrafes sugestivas das três peças j Pequeno Seminário de São Paulo, deixa registrados os seus primeiros traços co-
op. 33 e das três op. 36, e a fixação definitiva na titulação francesa. I
j
nhecidos, realizados por ocasião do aniversário da mãe, 22 de setembro

f
1.
188 I Henrique Oswald A obra para piano solo como tipicidade 1189
t
sídios para a interpretação do descritivo-visual-musicaL O decifrar do pic-

I
de 1867. Os últimos desenhos datados fixam-se nos dias 20 e 21 de novem-
bro de 1878, período italiano. As motivações destas fixações não são muitas, tórico expresso serve como parte do desvelar conteúdo imbuído de descrição
em determinadas obras musicais, mesmo quando inexiste titulação.
o tratamento, sim, veleiros, barcos, paisagens e esgrimistas. Percebe-se a
necessidade da mais exata reprodução da natureza, do objeto, da ação huma- I
r~
Instalando-se na pequena peça, esta, pela sua dimensão, pode possibi-
na. Pássaros, tratados a cores, são pormenorizados. Esgrimistas, do estático litar o descritivo, que tão mais diversificado poderá ser quão mais informado
ao movimento. Ele próprio tornar-se-ia um floretista amador 3 • ~·
estiver o autor. A experiência do des~n_ho. tt:ria .tornado Henrique Osw.Ud
i atento. Um observador amalgamando impressão visual à música. As insis-
Em um segundo álbum, de capa de papelão, grosso só se encontram dese-
nhos do compositor. Não houve a intenção de datá-los, como fizera em alguns do tências em certas motivações temáticas encontradas nos desenhos fazem-se
volume precedente. São ou paralelos ou posteriores àqueles do primeiro álbum. O igualmente presentes na música. Contudo, é a diversidade de procedimentos
bucólico, vasos de guerra, soldados, canhões, evocação seguida a Henrique li e distintos em mesma orientação originário-descritiva que torna o discurso
alguns personagens da sua época. A ser fixado um amplo H na poltrona do rei e musical de Henrique Oswald particularizado.
a inicial de seu nome pelo piso, esta que é a sua própria e que, em outras páginas, A mesma temática no desenho e na música preenchendo respectiva-
servirá, sem evocação monárquica precisa, para estudo de seu monograma: rebus- mente espaço e tempo. Quando do desenho, a figura toma parte no espaço,
cado, pleno de arabescos. Esta ligação, em universo imaginário, com um rei que estando ligada ao tempo, em se tratando de composição musicaL Oswald
tem o seu nome e cujas feições, grafadas, não se distanciam da sua própria, não comprenderia esta dualidade.
seria a preferência pelo aristocrático e requintado? O descritivo oswaldiano na música compartimenta-se em segmentos
A presença de animais como cavalo, burro, galo, macaco, porco, e a definidos. Alguns, sem serem programáticos, induzem à ação que, hipoteti-
continuação dos esgrimistas em trajes típicos das evocações livrescas, a camente, poderia sugerir um enredo qualquer. Nesses segmentos, Henrique
mulher Lau, damas, cavalheiros e algumas caricaturas compõem o álbum. Oswald busca tratamentos diferenciados a movimentos ou ações que suge-
Estas captações óticas revelam descontração, seriedade e humor por parte do rem certo paralelismo.
autor. Alguns são extremamente bem-cuidados, outros, menos. Quando se Poder-se-ia afirmar que um compartimento do descritivo estaria reserva-
trata de humor, de caricatura, importa menos o acabamento que o momento, do ao instante do acontecido. Feuxfollets é o instante mínimo, a difícil percep-
capaz de fixar o humorístico do personagem. ção visual que inspirara anteriormente Liszt, entre outros. Henrique Oswald,
Chama a atenção nesses desenhos a presença constante da interpretação. nas Feuilles d'album, op. 20, evoca este fenômeno explorado no romantismo
A autocrítica é um divertir-se do divertir, pois em um desenho de Colbert assi- em aura fantástica e o instante mínimo da aparição, flash por vezes não acredi-
nala "expressif'; o mosqueteiro será "insipide"; mulher com tigela nas mãos, tado, traduz-se na textura musical do compositor em passagens rápidas e fugi-
"drôle"; uma dama elegante, "inoffensive"; alguns retratos femininos, "natu- dias. A descrição sonora revela filtração do captado visualmente, que poderia
rel"; Garibaldi, "ressemblant"; paisagem com barco, "pitoresque"; Henrique li, inclusive ter sido motivada por narrativa oral ou leitura apriorística.
4
enfático e comprometedoramente "superbe" ; soldados e canhões, "enfantilla- Ainda dentro da noite, envolvendo mistérios, tem-se no Álbum, op. 36,
ge"; a mulher, Lau, "terrible"; outros desenhos, "joli", "joujoux", "poétique", Chauve-souris, possibilidade de descrição sugestiva. Alternar as mãos, li-
"foudroyant", "amusant", "beau type", "magnifique", "stupide", "bien pris", nhas ondulantes, curtos ornamentos em rápidas passagens induzem o ouvin-
te a associar título e música.

I
"surprenant"; a caricatura de um inglês, "Oh Yes! !".Alguns possíveis auto-
retratos, onde estaria caracterizada a não-identidade com o real: seria num dos "La Caccia" obedece a critério de descrição fiel e que somente no
desenhos um norte-africano"? em outro, não seria, porventura, um boêmio, romantismo contagiara Mendelssohn, Liszt e mais outros. Trompas de caça
imaginário de aspirações não reveladas? enunciadas ao piano mostram o quadro descritivo da ação que se desenrola.
Todas estas captações de não muita diversificação quanto aos motivos, Mais serenamente, La Campana delta sera, de Macchiettes, op. 2, evo-
mas extremamente remanejadas- variações sobre um tema?- fornecem sub- ca sinos e suas badaladas; e a timbrística da nota repetida através do tempo da
I
j
I
!
A obra para piano solo como tipicidade 1191
I 90 I Henrique Oswald
duração aproximaria a textura musical à realidade em momento contem-
plativo.
Pastorale, op. 2, n° 9 é a visão do campo e, possivelmente, da ação
festiva de camponeses. Em compasso 6/8, tranqüila, tem na secção central,
em piu vivo, a idéia de dança campesina. Da obra de Henrique Oswald,
---=-~
certamente 1l Neige! torna-se a mais famosa pelas circunstâncias que a cer-
cam. Fauré, Saint-Saens, Diémer apreenderam, na apreciação da textura
musical, a descrição deste fenômeno da natureza. O certo é que a lenta
evolução dá linha básica em grupos alterados de três colcheias sugere opção
voltada preferencialmente ao declínio da natureza, da vida, da emoção. A
longa coda em lenta descida cromática subentende'.
O descrever emoções pode estar contido em algumas das peças: lnquié-
tude, op. 20 n° l, Désir ardent, op. 20 n° 4, ldylle, op. 33 n° 2, Bonheur,
Doce aflição, op. 16 n° 5, Saudade, op. 16 n° 6.
Os sonhos evocados estão presentes em peças como Sognando, op. 3
n° 2, Rêverie, op. 4 n° 2, En Rêve. As criações caracterizam-se pela instau-
ração, em andamentos lentos, de melodias fluentes e modulações constantes.
A transferência do descritivo, determinada quando da mudança de certos
títulos, não altera, aparentemente, a essência da aproximação. Caso típico
6
acontece com ll Neige!, primitivamente pensada para ser ll Pleut • Em
1888, Henrique Oswald compõe Bluettes, Dix petits morceaux pour piano.
Busca o autor interpretar flores, indicando possível impressão que lhe cau-
saram. Tem-se: Muguet, Mizosotis, Bouton d'or, Paquerette, Bruyere, Pier-
7
ce-neige, Coquelicot, Violette, Bluet e Pervenche" • Das dez, algumas foram
editadas sob a designação de Sept Miniatures, op. 16. Desconhece-se a razão
da mudança dos títulos das pequenas peças que, ao serem publicadas, ti ve-
ram titulações voltadas a sentimentos ou danças: Muguet = Travessa, Mizo-
sotis = Mazurka, Bruyere = Saudade, Violette = doce aflição. Teria Henrique
Oswald associado a titulação original à definitiva? As flores mencionadas
corresponderiam, para o autor, às emoções dos títulos finais? Na versão
última, títulos e textura musical aproximam-se, compreendendo-se serem
aqueles do op. 16 mais detectáveis, pois ligados a estados da alma.
Henrique Oswald, por vezes, em seu acervo descritivo, utiliza-se da
ação teatral, ou seja, introduz na pequena peça titulação envolvendo perso-

Desenhos de Henrique Oswald registrados em álbum intimo.


\ nagem romântico e o mesmo pode estar caracterizado distintamente. Pierrot
e Pierrot se meurt são dois descritivos em situações distintas. A textura

I
traduz esta mutação. Pierrot, em Ré bemol maior, é apresentado em Tempo
192 I Henrique Oswald
A obra para piano solo como tipicidade I 193
de Polka. Tem em suas secções diferenciações rítmicas e de dinâmica, la plage, op. 33 n° 1, Barcarola em Ré bemol, tendo na secção B, em Dó
ratificando a jocosidade do personagem. Pierrot se meurt, op. 36 n° 2, em sustenido menor em "agitato", a possível visão da angústia. A berceuse Bebé
Lá bemol menor, não esconde na Polka (tres lente) determinado conteúdo de s'endort, op. 36 n° 1 tornou-se obra bem popular, tendo transcrições para
8 orquestra do próprio compositor. In Hamac (na rede), op. 3 n° 2 e En
brejeirice. "Se meurt" de paixão?
Descritivisrno, "inconsciente" ou não, preenche parte considerável da Nacelle, (no cesto do balão) trazem em suas titulações o calmo ondular,
obra de Henrique Oswald - talvez a mais íntima - , ligado à água ou ao proximidade transparente da aquática barcarola e da enternecedora berceuse,
respectivamente.
ondular desta ou, ainda, a balanço calmo outro.
Viu-se anteriormente, quando se tratou da infância de Oswald, que o Considerando-se que em todas as suítes e nas obras isoladas há a
impacto causado pelo naufrágio de 1853, precedido por explosões, percor- presença da barcarola e da berceuse compreende-se que a existência do
reria toda a vida do compositor. Nos desenhos realizados, dois representam ondular, constante nos gêneros, é perene em seu intimismo, e ao balanço da
belonaves severas, de guerra, talvez, sendo que os outros fixam veleiros e onda ou do berço poder-se-ia agregar a enorme familiaridade que Henrique
Oswald terá com arpejos, acordes arpejados, contratempo, síncopa.
pequenos barcos a remo, todos em águas calmas.
A presença, durante várias décadas, na Itália, o faz freqüentar urna das Um último compartimento estaria reservado ao abstrato pleno - con-
9
formas mais tipicamente italianas, a barcarola, paradigma das águas tranqüilas • siderando-se que a dança pode conter em sua essência símbolos descritivos
Paradoxalmente, a aplicação da barcarola o deixará mais próximo ao - e Henrique Oswald penetra inteiramente a virtuosidade. Fase derradeira
exemplo francês, simbolizado por Fauré. Ambos cultuam este gênero e têm da criação pianística, em que ao abstrato pleno apenas algumas peças des-
por ele verdadeiro fascínio. Distanciam-se da sui generis barcarola de Cho- tinadas preferencialmente a crianças viriam se juntar. Passara a fase da obra
pin; estão longe do tormento que é Une barque sur l'océan, terceiro quadro pertencente à coletânea de danças e peças descritivas.
10 Neste compartimento situam-se os Estudos, compostos a partir das
de Miroirs de Ravel •
São várias as barcarolas de Henrique Oswald nos "nonchalantes" rit- fronteiras do século XX, em número de seis, e que representam amplo la-
mos em compassos 6/8, 9/8, 12/8 e o compositor não ultrapassa os limites boratório de pesquisa técnico-pianística. O Estudo, para Oswald, descende
da tranqüilidade contida. O balançar das barcarolas encontrar-se-á igualmen- de Chopin e sobremaneira de Liszt. Na essência, Estudo é o repositório de
te nas berceuses originárias do movimento carinhoso de um berço e que, em determinada problemática pianística a ser revolvida. Chopin capta o abstra-
Henrique Oswald, estarão tantas vezes relacionadas à efernéride natalícia de to, Liszt freqüentemente usa a carga descritiva, e seus Estudos, por vezes,
sua mãe. A tranqüilidade das barcarolas e berceuses pode igualmente estar distanciam-se da unilateralidade técnico-pianística. Scriabine e Debussy, ao
presente em outras obras do compositor, corno os noturnos, mais abrangen- comporem Estudos, permanecem no universo abstrato. O Estudo no 10 de H.
tes e mais extravasados melódica e dinamicamente''. Oswald, do tríptico de 1910, quando orquestrado, receberá o sugestivo título
A "Barcarola" op. 4 n° 5 do autor brasileiro ultrapassa os limites in- de Paysage d'automne, título já aposto num manuscrito autógrafo do ano
trovertidos e, juntamente com a tendência à tensão, converte-se em obra de citado 12 •
dimensão descritiva mais abrangente. A op. 14 n° 4 é urna das mais venti- Uma obra virtuosística, não-descritiva, e que, em suas evoluções, tem
ladas criações de Henrique Oswald, peça obrigatória nos currículos dos proximidade com o ambiente criado por Gabriel Fauré, é o Impromptu, op.
conservatórios, devendo-se a sua popularidade aos ternas de fácil assimila- 19, em sua linha ininterrupta em semicolcheias, que ora estão na mão direita
ção. Quanto à Berceuse inédita de 1886, tem-se francamente urna obra de ora na mão esquerda, como um verdadeiro perpetuum mobile. Completa o
acalanto, expondo a op. 14 n° 1 incessantes modulações. conjunto abstrato a mais vigorosa obra do compositor, as Variações sobre
Ao conjunto de peças formado por barcarolas e berceuses não nomeada- um tema de Barrozo Netto (1916). Escrita aos seus 64 anos, revela, tanto na

mente com títulos descritivos agregam-se determinadas produções em que caracterização do terna quanto no discurso da variações, intensa contenção.
Henrique Oswald coloca uma epígrafe sugestiva, geralmente em francês: Sur
194 I Henrique Oswald
!.

Opus e equívoco

Se na produção de Henrique Oswald, como um todo, há uma constan-


te preocupação com a feitura musical impecável, e onde raras falhas da
escrita são decorrentes de desatenção, comuns à grande maioria dos compo-
sitores; o mesmo não se poderia afirmar quanto à catalogação do autor frente
às suas obras. Datas e locais precisam, em contrapartida, ao final de parte
considerável das suas composições, o momento e o espaço físico que visam
ao seu término. O memorialista tem consciência desses sinais que fixam o
final de mais uma concretização.
A preocupação com o requinte não esconde, contudo, o descuido, até
paradoxal, na colocação dos opus. A obra final, geralmente em caligrafia
nítida, com o mínimo de rasuras, podendo inclusive ser executada sem pas-
sar pelas mãos do copista profissional, recebia título adequado e nem sempre
um número de opus seqüencial. É sobretudo na obra para piano, quantita-
tivamente mais abundante, que tais lapsos de numeração evidenciam-se,
desorientando, por vezes, o pesquisador, que buscará a precedência crono-
lógica através da textura musical, do timbre do papel e das datas. Encontrará
~ este, também, na caligrafia fixada durante décadas em várias nuances de
,.""r·"--~~,...--·r---:,.·
. ... . "'.A.·.·
•"-··~·-"2:--V'Y j'iy caracteres musicais, subsídios para a detectação das origens. Esta desorien-
17
~
tação far-se-á maior quando inexistir a data e o local da criação.
Alguns exemplos testemunham lapsos oswaldianos quanto aos opus:
i
f - Macchiette, op. 2 é constituída por doze peças divididas em quatro
fascículos, tendo sido editada por G. Venturini, Firenze. A peça de no 4,
primeira do segundo fascículo, está em Mi bemol maior e tem o título de
Canzonetta. Um manuscrito datado de 25 de junho de 1878 posiciona-a em
13
Mi maior e com o título de Romance sans paroles. Nesta inexiste o opus •
•.
- A série Fogli d'album, op. 3 contém seis peças: Prélude, Sognando,
~-""/
Impromptu, In Hamac, Romanza e Scherzo. Tiveram edição realizada pela
Desenhos de Henrique Oswald registrados em álbum intimo. mesma G. Venturini. Um manuscrito autógrafo, existente na Biblioteca
Nacional e datado de 1884 apresenta como título Pagine d'Album, no qual
constam três peças: Prélude, Sognando e Scherzo. Este, em "prestissimo",
não consta da edição citada. Um segundo manuscrito autógrafo, datado de

...
v
196 I Henrique Oswald A obra para piano solo como tipicidade I 197
14
junho de 1885 tem como título Tre piccoli pezzi per pianoforte, op. 2,
sendo constituído pelo Prelúdio, mais uma Romance, que terá o nome
Sognando, op. 3 quando editada, e ainda pelo Impromptu, que será igual-
mente op. 3 quando da publicação.
- A Tarantella, op. 14 no 3 tem manuscrito precedente indicando op.
14 n° 6 15 •
-Manuscritos autógrafos datados, compostos entre 1887 e 1888 16 con-
têm expressivas miniaturas denominadas: Bluettes, Dix petits morceaux, op. 6,
todas com títulos de flores: Paquerette (lnnocence), Mizosotis, Bruyere, Perce-
neige, Coquelicot, Muguet, Bluet, Pervenche, Bouton d'or, Violette. Das dez,
sete serão editadas pela Bevilacqua e terão como número o op. 16, e o senso-
rial-visual-olfativo, propiciador do motivo inspirador, desaparecerá nesta nova
\J~~
numeração, que terá transferência desta percepção sensitiva, já abordada, para
a evidência de estados da alma.
- A Biblioteca Nacional guarda os manuscritos autógrafos de três
~~
peças op. 9, escritas em Florença em 1887. Duas delas atestam opus dife-
renciados: o Nocturne, op. 9 n° 1, editado pela Carish-Milano sem o opus Desenho de Henrique Oswald registrado em álbum intimo.
do manuscrito, como Nocturne, op. 6 n° 1; e o Minueto, op. 9 n° 2, publi-
cado por G. Venturini, Firenze, corno op. 4 n° 3. Quanto ao op. 9, há um
mesma Sonata, existente no Arquivo Nacional, apresenta o nome da cidade
Trio em Sol menor inédito para piano, violino e violoncelo, escrito em Flo-
Firenze, a data precisa de 14 de fevereiro de 1908 ê o número do opus como
rença e datado de 1889 (B.N.).
36. Deste manuscrito não consta o Andante citado, publicado à parte, corno
- Um manuscrito conservado na Biblioteca Nacional indica Valsa,
acontecia comumente com os andamentos lentos camerísticos de Henrique
op. 8 n° 1, possivelmente dos últimos anos da década de 80 e que, editado
Oswald. Os três movimentos manuscritos permanecem inéditos. Editadas pela
por G. Venturini, terá o op. 4 e um número 1.
Bevilacqua, três peças para piano solo levam o op. 36: Bebé s'endort, Pierrot
- As Edições Bevilacqua publicam duas valsas op. 25, que em ma-
se meurt e Chauve-souris. Desta última, um manuscrito autógrafo 20 tem a
nuscrito autógrafo 17 levam o op. 28. Um Trio em Ré maior, inédito para
data de 14 de abril de 1907, aniversário do compositor.
piano, violino e violoncelo, escrito em Florença em 1897, guarda o mesmo
Estes são alguns exemplos da complexa numeração dos opus na obra de
op. 28. Em outro manuscrito autógrafo, datado de 2 de maio de 1899, há o
Henrique Oswald. Um catálogo da obra completa do compositor deverá partir
título Valsa Impromptu 18 para a peça que, editada, receberia a referência
de urna nova referência básica unitária, que será ascendente na medida em
Valsa, op. 25 n° 1.
que a cronologia de parte dos manuscritos existentes e de todas as outras
- Com o op. 34 n° l, editado pelas Edições Bevilacqua, tem-se a
fontes trouxer bases sólidas para este mister 21 •
Polonaise. Um manuscrito autógrafo datado de 1902 19 , dedicado a Mlle.
Antoniera Rudge, leva o mesmo opus e o mesmo número, somente que se
trata de obra diferente, um Scherzo-Étude.
- Em 1906, em concerto apresentado em Munique, Henrique Oswald
apresenta o "Andante" (terceiro movimento) da Sonata para violino e piano,
op. 36, constando no programa esta numeração. O manuscrito autógrafo da
198 I Henrique Oswald
A obra editada - veiculação

Em ambiente pouco cômodo para o desenvolver da música instrumen-


tal- comparado aos da França, Áustria, Alemanha e Rússia, em que quali-
dade e quantidade permaneceram- a Itália divlllga a sua "música de salão".
Henrique Oswald, tendo habilidade na criação deste gênero, sobressai-se. A
aceitação pelos editores torna-se clara, em se compreendendo Oswald como
melodista nato. As dificuldades financeiras faziam-no aceitar encomendas ou,
ao contrário, compor antes e vender depois. Não era difícil para os editores en-
tenderem a facilidade de penetração que determinadas obras obtinham. A dan-
ça, fosse ela valsa, polka, mazurka, minueto, atendia à demanda. O ingrediente
exterior-comunicativo inerente a essas danças era consumido sem restrições.
Corrobora este fato a publicação desta produção e a inexistência de edição
paralela para a sua complexa obra de câmara. Sonatas para dois instrumentos,
Trios, Quartetos, Quinteto e Octeto permaneceriam nos manuscritos. Postuma-
mente, o Trio, op. 45 e o Quinteto, op. 18 são pubLcados. Alguns tempos len-
tos da obra de câmara são editados em vida: a evidência a mais de que estas
páginas plenas de melodia debordante eram aceitas pela facilidade de penetra-
ção, trazendo benefícios para ambas as partes: autJr e editor.
Interessam-se pelas obras de Henrique Osv.ald, publicando-as: Gene-
zio Venturini- Florença; Carish e Janichen -leipzig I Milão; Ricordi-
Milão; Durand - Paris; Boston Music Co. -- Boston; e, mais tarde, no
Brasil: Ricordi - São Patilo; Bevilacqua- Rio de Janeiro; Arthur Napo-
Henrique Oswald em um dos últimos retratos oficiais. leão- Rio de Janeiro; Vieira Machado- Rio de Janeiro; Mangioni- São
Paulo; Mello Abreu - São Paulo; e, ainda mais tardiamente, Novas Metas
- São Paulo, entre outros. Ao todo, nota-se uma quantidade apreciável da
produção para piano do compositor editada.
Torna-se de importância a relação até o pre~;ente das obras publicadas
e inéditas de Henrique Oswald para piano:

Publicadas:
* Polka, op. 1.
* Macchiette, op. 2 (12 peças divididas em qJatro fascículos)- 1°: La
200 I Henrique Oswald A obra para piano solo como tipicidade I 201
Campane della Sera, Scherzo, Valzer Lento; 2° Canzonetta, Ninna-Nanna, * Estudo (Edição Póstuma).
Marcia; 3°: Romanza, Seconda Gavotta, Pastorale; 4°: Minuetto, Sarabanda, * Étude pour la main gauche.
La Caccia. * Scherzo-Étude.
* Fogli d'Albium, op. 3: Prélude, Sognando, Impromptu, In Hamac, * Variações sobre um tema de Barrozo Netto.
Romanza, Scherzo.
* Six Morceaux, op. 4: Valse, Rêverie, Menue, Berceuse, Barcarola, Inéditas:
Impromptu. Mazurka- 1872; 2a Barcarola- 1872; Marcia Religiosa- 1873;
* Deux Nocturnes, op. 6. Berceuse Orienta/e- provávelmente da década de 70; Quand te Reverrais-
* Trois Romances, op. 7. je? e Romance sans paroles- 1876; Trois Romances sans paroles- 1878:
* Trois Morceaux, op. 8: Valse, Polonaise, Tarantelle. Bonheur, Agitato, La Plante; Nocturne; Menueto- 1883; Gavotte- 1883;
* Deux Valses Caprice, op. 11. Berceuse- 1886; Lento e expressivo- 1887; Vivacissimo- 1887; e, sem
* Quatre Morceaux, op. 12: Sérénade, Valse Impromptu, Berceuse, data: Tema e Variações; Marchons ; Mo/to Allegro.
Tarantelle.
* Seis peças para piano, op. 14: Berceuse, Mazurka, Tarantella, Bar- Entre os inéditos, há quantidade apreciável de pequenas peças como
carola, Noturno, Scherzo. valsas, romances e curtas criações sem maiores pretensões.
* Sept Miniatures, op. 16: Confidencia, Mazurka, Travessa, Ingenuida- Fatores ideológicos, no Brasil pós-1920, minimizaram quase toda a
de, Doce Aflição, Saudade, Capricho. produção editada de Henrique Oswald, ficando para a publicação repetitiva
* Impromptu, op. 19. algumas das peças da Suíte, op. 14, as Pequenas Peças da Edição Escolar,
* Feuilles d'Album, op. 20: Inquietude, Chansonette, Feux Follets, Il Neige!, os Trois Études e um dos Estudos (Edição Póstuma), corroborando
Désir Ardent. a visão miniaturista tão somente.
* Trois Morceaux, op. 23: Menuet, Romance, Valse. Seria necessária a passagem de várias décadas para que, em 1982, a
* Deux Valses, op. 25. Editora Novas Metas publicasse duas composições inéditas de Henrique
* Album, op. 32: Romance, Valse, Sérénade, Menuet. Oswald: o Scherzo-Étude (1902) e o Étude pour la main gauche (1921), com
* Album, op. 33: Sur la Plage, ldyle, Pierrot. títulos em português; a Sonata para violoncelo e piano, op. 21 e a Sonata-
* Polonaise, op. 34. Fantasia, op. 44; e, por fim, a Berceuse, esta a partir de um manuscrito-
* Album, op. 36: Bébé s'endort, Pierrot se Meurt, Chauve-Souris. esboço a lápis, dedicado ao filho Carlos.
* Edição Escolar: Pequena Marcha, Valsa, la Marcha, 2a Marcha,
Gavotta, Triste, Chansonette, Folha d' Album, Valsa Lenta, Mazurka, Taran-
tella, Scherzando.
* Un Rêve.
* En Nacelle.
* Sérénade Crise.
* Sérénade.
* Serenatella.
* Il Neige!.
* Valsa Lenta.
* Trois Études.
202 I Henrique Oswald
No tas da terceira parte

1. A dança, quase sempre com titulação própria, revela integração com o meio. Se
mazurkas, marchas, sarabandas, minuetos, tarantelas, gavota e até a pulsação rít-
mica do scherzo povoam parte do universo "dançante" de Henrique Oswald, é a
valsa que será mais insistentemente freqüentada. Não a valsa vienense de discurso
grandiloqüente ou mesmo a praticada na França, igualmente eloqüente, mas a
típica valsa de salão, pianística, cômoda, plena de articulações, com temas con-
trastantes, extremamente melódica. Entre as danças, a valsa é a que possibilitaria
difer~nciações mais sutis de requinte.
2. Arq. part. MIOM.
3. Em certa oportunidade, Henrique Oswald, deixara-se fotografar com um florete.
Este, entre outros, pertence à coleção MIOM.
4. O "superbe" para desenhos retratando Henrique li não seria a própria auto-estima
do compositor, mantida em silêncio?
5. Há inclinação, na obra para piano de Debussy, para esta queda não forçosamente
cromática, mas voltada à região grave do instrumento, em segmento marcado por
peças em que a titulação dirige-se ao ocaso. A queda cromática de Il Neige! é
geotrópica, seguindo ditames da epígrafe.
6. "Nascido de uma só inspiração e de um só impulso, o seu primeiro nome foi 'Il
pleut', que Madame Oswald sugeriu fosse mudado para Il Neige!, achando que o
seu movimento mais se parecia com o cair da neve." Leozinha F. Magalhães de
ALMEIDA, Henrique Oswald, p. 35.
7. Manuscrito original autógrafo- Arq. part. MIOM. François Couperin (1668-1733),
na Ordre de no 13, dá às peças para cravo títulos de Dominós, em colorações va-
riadas. Virtudes e vícios têm suas cores propostas pelo autor. A associação músi-
ca-título é subjetiva, mas evidencia as correspondências que Couperin fazia entre
o resultado sonoro e o significado de determinados valores extramusicais.
8. Schumann exorta a figura de Pierrot explícita e implicitamente em seus Carnavais,
expressos ou velados. Debussy não foge à magia do personagem e em seu ballet
"La boite à joujoux", Pierrot é amoroso, aventureiro e vilão do enredo.
Henrique Oswald floretísta amador. 9. Barcarolos eram chamados os gondoleiros de Veneza. Daí surge o nome da pe-
quena peça instrumental ou vocal. O ritmo 6/8 evoca movimentos de suave on-
dular. Em peças para piano, o 6/8 é por vezes substituído por 12/8 ou 3/4.
10. Aplicam-se a Henrique Oswald e Fauré conceitos emitidos por Vladimir
Jankélévitch em seu estudo sobre o último: "Barcarolas pneumáticas, gondoleiras
alegóricas, cruzeiros quiméricos; o apelo que a alma apreende nestas músicas não
cessa de ser convite a uma viagem imaginária". Cf. Vladimir JANKÉLÉVITCH,
Fauré et l'inexprimable, p. 316.
11. O mesmo Jankélévitch observa em Fauré que" ... Barcarola, Berceuse e Noturno
representam três formas de uma mesma realidade espiritual, três visões de uma
mesma paz ... Tanto o título escolhido designa pouco um gênero ou uma categoria
204 I Henrique Oswald
nitidamente determinados! Na maioria dos casos, poder-se-ia tenuemente distin- À guisa de epilogo
guir entre os sintomas das Berceuses e aqueles das Barcarolas". Cf. Idem, ibidem,
p. 315.
12. Arq. part. MIOM. Guarda para Maio o pão tremês,
13. Arquivo da Biblioteca Nacional. Dedicada a Décio Villares, a pequena obra com Nem no vendas, nem 110 dês.
data precisa serve, em parte, para determinar o possível período da criação da v-
Adágio popular dos Açores
coletânea quando, no caso, outros ms, encontram-se extraviados.
14. Arq. part. MIOM.
15. Arq. part. JEM.
16. Arq. part. JEM.
17. Idem. Perpetuarem-se através da Memória. O deslizar de uma pena, fosse
18. Arq. part. JEM.
ela guiada por mãos femininas ou masculinas a registrar, durante mais de um
19. Idem.
20. Arq. part. MIOM.
século, a extensa trajetória dos Oswalds. Em segredo, a tinta é consumida
21. Um primeiro esforço, no início da década de 80, visando à catalogação foi sustado em diários destinados à longa espera, na certeza de um dia verem-se desve-
com a desativação da Funarte em 1990. As circunstâncias obrigaram-nos a pro- lados. Quando não, o líqüido negro, resultando em caligrafias precisas, se-
telar o desiderato. Pretendemos regressar à catalogação, a partir da formação de guirá estradas levando mensagens àqueles que o remetente sabe fiéis e que
equipe de pesquisadores do Departamento de Música da Escola de Comunicações
também estarão à espera de uma póstera leitura.
e Artes da Universidade de São Paulo, ao longo de 1995.
O registro da saga fez-se durante gerações, numa inequívoca noção dos
partícipes de que não bastava apenas evidenciar o cotidiano, mas interpretar
as reflexões, os passos pensados - inúmeras vezes a claudicarem - em
trilha escondida rumo ao desiderato da esperança.
Se os escritos de Jean-Jacques e de sua mulher- documentação que
exteriorizava a imperiosa necessidade do silêncio da fala - corroborarão a
pesquisa às referências dos que clamavam pela abolição da escravidão negra
e igualmente pela não-tirania à camada específica de imigrantes; se os textos
de Carlos Oswald aguardam para um maior aprofundamento a revisitação,
que já se faz tardia, ao pioneiro da gravura em metal no Brasil; é contudo
o personagem central dessa trilogia de estirpe qualitativa, Henrique Oswald,
que mereceria por parte do clã uma quase imperiosa vocação de seguir-lhe
através, até da respiração - essa essencialidade musical - os seus rumos,
os seus desalentos, mas sobremaneira, e sempre, o seu porvir.
Há a nítida percepção dos Oswalds a apreenderem que, entre os seus,
um transcendeu. Henrique, o compositor, é o projeto maior que tem de ser
acalentado sem desesperança, em intensa vibratilidade. Diários, anotações,
cartas sérias ou jocosas testemunham a assertiva a dimensionar, sem exacer-
bação, a música realidade-volatização-miragem; a arte visual, exercida no
inusitado por Carlos - o filho que igualmente se perpetuará - e seus
descendentes, artistas plásticos. Ratifica o enfoque dessa noção do preciso
206j Henrique Oswald

qualitativo a não-menção aos desenhos do compositor, estes diletantes, e Bibliografia


disso os Oswalds pareceriam ter acurada certeza.
Uma quantidade expressiva de figurantes, pertencentes a vários níveis 1. Documentação básica
sociais: Liszt, Saint-S,aens, Milhaud, Respighi, Nepomuceno, Arthur Ru-
binstein, D. Pedro II, Barão do Rio Branco, alunos, colegas, visitantes e Arquivo Nacional. No arquivo particular 30 (Henrique Oswald), encontram-se dois
visitados, cruzam o caminho de Henrique e a passagem nunca acontece sem livros: LIVRO 11, contendo 186 documentos, cartas, telegramas, bilhetes a Hen-
rique Oswald endereçados; LIVRO 12, contendo 430 recortes de jornais incluin-
a observação dos porquês dos encontros onde, em camadas diferenciadas,
do críticas, comentários, entrevistas, anúncios da atividade musical de Oswald e,
um código cultural se faz onipresente. As decorrências dessa fixação do em parcela pequena, de seu filho Carlos Oswald. O Arquivo Nacional é deposi-
personagem central, dos personagens, substanciam-se e se explicam através tário de substancial produção de H. Oswald, como manuscritos autógrafos, ma-
do conhecimento abissal, assim compreendido a partir da prática do registro. nuscritos não autografados pelo compositor e cópias manuscritas do período.
Poder-se-ia deduzir que Henrique Oswald configurou-se entre os Os- Biblioteca Nacional. Manuscritos autógrafos do compositor; quantidade considerá-
vel de obras editadas e programas em que Henrique Oswald participou ou teve
walds, desde os meados do século XIX, como o vir a ser de uma consciente
obras apresentadas.
catarse. A excelência documental seria, na realidade, o princípio básico para Escola Nacional de Música. Manuscritos autógrafos, obras publicadas e cópias rea-
o entendimento do compositor. Ao material intimista soma-se o vasto jorna- lizadas pela filha do compositor, Sissy Oswald.
lístico crítico, que outra decifração teriam se a família não guardasse tam- Biblioteca da Faculdade de Direiro da USP. Jornais referentes à época em que
bém, sob o maior cuidado, a essência da causa, os manuscritos que contêm Henrique Oswald viveu em São Paulo (1853-1868).
a criação musical de Henrique. O bem precioso resultante de uma prática Arquivo particular Maria Isabel Oswald Monteiro. Trata-se do maior manancial de
pesquisa. Contém: diários de Carlota Oswald e Laudomia Gasperini Oswald, mãe
escriturai que perdurou mais de sessenta anos manter-se-ia, desde os primór-
e mulher do compositor, respectivamente, e abrange- considere-se o desapare-
dios criativos, em baús vigiados, à espera do resgate. Basicamente, as cópias cimento de segmentos dos diários - de 1841 a 1936; cartas de Jean-Jacques
destes serviram para a divulgação durante a vida do compositor e as décadas Oswald, pai do compositor, entre 1841 e 1868; de Henrique Oswald e sua mulher
posteriores à sua morte. É a obra destilada na partitura que, sob outro en- Laudomia; dois álbuns de desenhos realizados pelo compositor; o "diário de
foque, testemunhará com nitidez as opções estéticas. Munique"; manuscritos autógrafos, manuscritos e cópias manuscritas do período,
partituras editadas; cartas de Darius Milhaud a Mme. Oswald, e o diário poste-
Se o corpus composicional de Henrique Oswald está majoritariamente
rior de Carlos Oswald.
à espera da edição que pereniza, há que se ater ao distorcido complexo Arquivo particular José Eduardo Martins. Alguns manuscritos autógrafos, manus-
cultural imperativo neste país, onde o clamar cultura erudita musical prati- critos incompletos, fragmentos, caderno de esboços musicais, algumas cartas e
cada no Brasil pode ser efetuado sem quaisquer ressonâncias na media - fotos de Oswald.
o que é sempre deplorável - , a tornarem atuais as palavras já citadas de Aos 4 de novembro de 1994, a neta do compositor, Maria Isabel Oswald Montei-
Jean-Jacques Oswald, no longínquo 1855: "( ... ) pois a prudência pede que ro, através de termo de doação, destinou especificamente ao Depto. de Música da
ECA-USP, o arquivo particular por ela preservado até aqauela data, assim como
eu me cale doravante neste país de confrarias, pois eu vejo que os V ...
outros manuscritos igualmente preciosos conservados por seus familiares próximos.
(entenda-se, em 1994, todo o Sistema) têm as mãos mais longas do que eu
possa imaginar". 2. Livros

ACQUARONE, Francisco. História da Música Brasileira. Rio de Janeiro, Francisco


Alves, s.d.
ALMEIDA, Leozinha F. Magalhães de. Henrique Oswald. Rio de Janeiro, Dep. de
Imprensa Nacional, 1952.
ALMEIDA, Renato. História da Música Brasileira. 2• ed., Rio de Janeiro, F. Bri-
guiet e Cia., 1942.
r

208 I Henrique Oswald ~

i:
- Bibliografia I 209
-i
i
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1928. 1981.
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1
21 O I Henrique Oswald
Índice das ilustrações
BECCHERINI, Bianca. "La vita musicale fiorentina de! XIX secolo e la scuola di
Giuseppe Buonamici". In: Il Grandi Anniversari de! 1960 e la Musica Sinfonica pág. 30, Henrique Oswald aos quatro anos; desenho feito por Maria Gabriela de A.
e da Camara nell'Ottocento in Italia. Chigiana, (XVII):81.91, 1960. S. Dantas, datado de 28 de setembro de 1856 (Arq. part. MIOM).
BEVILACQUA, Octávio. "Música Sacra de Alguns Autores Brasileiros". In: Bole- pág. 33, Família de Henrique Oswald. Da esquerda para a direita vêem-se, Henrique,
<
Carlota e Jean-Jacques (Arq. part. MIOM).
tim Latino-Americano de Música. Montevidéu, (6), abril, 1946.
c.BIAFARELLI, Luigi. "Camille Saint-Saens e Henrique Oswald". In: A Música.
São Paulo, (74):3-4, set., (75):7-8, set., ano IV, 1899.
I
1
pág. 37, Certificado expedido em 6 de outubro de 1867, pelo Vice-Consulat de Suisse
- São Paulo, no qual Henrique Oswald é declarado cidadão suíço (Arq. part.
MIOM).
ESTRELA, Arnaldo. "Música de Câmara no Brasil". In: Boletim Latino-Americano pág. 38, Programa do espetáculo-concerto "em benefício do menino-pianista Luiz
de Música. Montevidéu, (6), abril, 1946. Emílio de Vasconcellos". Domingo, 20 de outubro de 1867 (Arq. part. JEM).
FERNANDEZ, Oscar Lorenzo. "Henrique Oswald. Um Grande Artista". In: Brasil pág. 40, Programa do espetáculo-concerto "em benefício do jovem pianista brasileiro
Musical, (25.26):"n.p.", abr., ano 2, 1924. Henrique Oswald". Domingo, 28 de junho de 1868 (Arq. part. JEM).
MARTINS, José Eduardo. "Em torno de uma Sonata para órgão". In: O Estado de pág. 42, Henrique Oswald aos 15 anos (1867) (Arq. part. JEM).
S. Paulo. Suplemento Cultural, (179):11, ano IV, 1980. pág. 46, Carta escrita por Henrique Oswald por ocasião do aniversário de Ottavio
_ _ _ _ . "A Obra de Henrique Oswald". In: O Estado de S. Paulo. Cul- Gasperini, em 23 de abril de 1881, em que o compositor cumprimenta o
futuro sogro. Redigida em versos, contém em acréscimo um desenho auto-
tura, (52):6-7, ano I, 1981.
caricato do compositor (Arq. part. JEM).
- · "Liszt, um Romântico por Excelência". In: O Estado de S. Paulo.
pág. 48, Laudômia Oswald. Desenho de Henrique Oswald, datado de 20.11.187?
Cultura, (320):6-7, ano IV, 1986. (Arq. part. MIOM).
SPINL Danielle. "Ottorino Respighi (1879-1936): Pro filo biografico". In: AA.VV. pág. 56, Oswalds e Gasperinis. Na escada, o filho Carlos; em pé, Henrique Oswald,
Ottorino Respighi. Torino, 1985. Laudômia e uma amiga; sentados, o sogro, Gasperini, a sogra, com Sissy ao
colo; no degrau, a mãe, Carlota; no centro, uma criança; no chão, um amigo
abraça os filhos Mimma e Alfredo (1892).
pág. 60, Dedicatória de C. Saint-Saens a Henrique Oswald, sobre a partitura impressa
do Scherzo para dois pianos de autoria do compositor francês, datada de 5
de julho de 1899, dia em que ambos apresentaram a obra (Arq. part. JEM).
pág. 63, Programa de concerto de Camille Saint-Saens realizado no Salão Steinway
em São Paulo, datado de 5 de julho de 1899. No mesmo, como última peça,
o Scherzo para dois pianos de Saint-Saens, sendo este e Henrique Oswald os
intérpretes (BN).
pág. 66, Foto de Henrique Oswald com a dedicatória, "Ao simpático amigo José
Vicente Sob 0 com gratidão oferece o seu admirador". Ass., H. Oswald. 7-8-
1899 (Arq. part. JEM).
pág. 70, Oswalds e Gasperinis. Em pé, o sogro de H.Oswald, a filha Sissy, H. Oswald,
o filho Carlos; sentados, Laudômia, o filho Alfredo, a sogra, em primeiro
plano, a filha Mimma (Arq. part. MIOM).
pág. 73, Casa em Aorença onde H. Oswald compôs Il neige! (Arq. part. MIOM).
pág. 81, Programa do concerto realizado em N. Museum de Munique aos 21 de
março de 1906, quando Henrique Oswald apresentou-se como pianista em
recital camerístico dedicado às suas obras (Arq. part. JEM).
pág. 84, Henrique Oswald em foto do início do século (Arq. part. JEM).
pág. 88, Programa do 2° Concerto Sinfônico dos "Concertos do Instituto Nacional de
Música", realizado 80S 12 de novembro de 1909. No mesmo, Henrique
Oswald interpreta o Concerto para piano op. 10, sob a regência do colega
Alberto Nepomuceno (Arq. part. JEM).
pág. 91, Paysage d' automne para orquestra. Página isolada de um manuscrito (Arq.
part. JEM).
212 I Henrique Oswald

pág. 95, Desenho intrigante de Henrique Oswald, em que, entre motivos outros, o
Índice onomástico
compositor se auto-retrata (Arq. part. MIOM).
ACCIOLI, 107 BATEVI, Abramo, 123
pág. 96, Casa adquirida por Henrique Oswald em Petrópolis (Arq. part. MIOM).
pág. I 03, Henrique Oswald em seu piano (Arq. part. MIOM). ACQUARONE, Francisco, 179 BAUER (Empresário), 80
pág. 108, Henrique Oswald fotografado em traje de gala, "Um olhar aristocrático" ALBÉNIZ, Isaac, 165 BECCHERINI, Bruna, 123, 124
(Arq. part. MIOM). ALEIJADINHO (Antônio Francisco BEETHOVEN, Ludwig van, 53, 59,
pág. 113, Henrique Oswald, concertista (Arq. part. MIOM). 123, 126, 130, 133, 135
pág. 150, Últimas aulas agendadas (Arq. part. JEM). Uma das folhas nas quais. até o Lisboa), 139
ALFIERI, Henriqueta Marguerita BERENSON, Bernard, 121
final de seus dias, o compositor assinalava horários e os nomes dos alunos.
pág. 182, Programa do concerto realizado no Salão Ibach em São Paulo, no qual o Oswald, 18, 97,111,116,122 BERLIOZ, Heitor, 12, 175
pianista Harold (?) Bauer, o violoncelista Pablo Casais e o violinista Mo- ALMEIDA, Leozinha F. Magalhães BERNARDELLI, Henrique, 128,
reira de Sá apresentam-se. Uma Berceuse para violino de Oswald é inter- 133
de, 18, 115, 122, 147, 148, 149,
pretada (Arq. part. JEM). BERNARDELLI, irmãos, 128, 133
pág. 186, Desenho de Henrique Oswald registrado em álbum íntimo (Arq. part. MIOM). 154, 203
ALMEIDA, Renato, 148, 174, 179, BERTRAND, Gustave, 166, 167,
pág. 190, Idem.
pág. 194, Idem. 189 178
pág. 197, Idem. ALMEIDA JÚNIOR, José Ferraz de, BEVILACQUA, Otávio, 144, 139,
pág. 198, Henrique Oswald em um dos últimos retratos oficiais (Arq. part. MIOM). 175
144
pág. 202, Henrique Oswald, floretista amador (Arq. part. MIOM).
ALVES, Francisco de Paula Rodri- BEVILACQUA, Ricardo, 77
gues, 58, 129, 144 BILAC, Olavo, 95, 139
ANDRADE, Alcina Navarro de, 139 BOCKLIN, Arnold, 121
ANDRADE, Mário de, 3, 21, 111, BORODINE, Alexander, 178, 185
138, 163, 167, 169, 178, 179 BORGHET, Oscar, 144
ANTÃO, Alferes, 125 BOROWSKY, Alexandre, 94
ARAÚJO, João Gomes de, 123 BOROWSKY, Felix, 124
AULER, Guilherme, 122 BOSI, Alfredo, 11, 177, 178
AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de, BRAGA, Ernani (Costa), 130, 135
140, 157, 171, 175, 179, 140 BRAGA, Francisco, 77, 85, 94, 98,
132, 156, 171, 188
BRAHMS, Johannes, 101, 175
BACCHELLI, Bcatrix, vide BRAILOWSKY, Alexandre, 94
OSW ALD, Beatrix BRANCO, Celina, 87
BACH, Johann-Sebastian, 12, 176, BRASSEL, Robert, 137
182 BRUNEAU, Alfred, 137
BALAKIREV, Mily A., 178 BRUNO, Emani da Silva, 118, 119,
BARBIELLINI, Amedeo, 59 120
BARBOSA, Rodrigues, 21, 133, 173 BUCCIARELLI, Santo, 128
BARROSO NETTO, Joaquim BULLOW, Hans von, 41, 53, 79
Antônio, 94, 107, 134, 139, 170 BUONAMICI, Giuseppe, 43, 53, 54,
BARTHES, Roland, 174, 176 123, 125
BARTÓK, Bela, 136 BURLE MARX, Walter, 149
BASTIANI, 61 BUSONI, Ferruccio, 54
Índice onomástico I 215
Henrique Oswald
2141
FLEMING, José Lino de Almeida, HÉLIOS, 139
COUPERIN, François, 176, 208
CÂMARA, Eugênia, 139 122 HELOND, Gustavo, 119
CRUZ, Dr. Dias da, 109
CAMPOS, Francisco, 144 FLORENCE, Paulo, 87 HERBERT, 139
CAMPOS SALES, Manuel Ferraz de, CUI, Cesar, 178
FOUQUIER-TINVILLE, 139 HÉRCULES (personagem mitológi-
CZERNY, Carl, 123
58, 67. 68. 194 FRANCESCHINI, Fúlvio, 110 co), 179
DAHLHAUS, Carl, 166, 178, 179,
CAMUS, Albert, 97 FRANCK, César, 97, 142, 170 HOFMANN, Michel, 175
188, 189
CANDELORO. G., 121 FRIEDMAN, Ignaz, 94 HOLANDA, Sérgio Buarque de,
DANTAS, Maria Gabriela de A. S.,
CAPPONI. Gino, 121 FUKUDA, Elisa, 13 116
"CARLITOS" (Charles CHAPLIN), 30, 31 -·! HORZOWSKY, Miécio, 94
DAVATZ, Thomaz, 26, 116, 118
100 HUNTEN, 36
DEBUSSY, Claude, 12, 17, 21, 63,
CASALS, pablo, 94, 134 GALLET, Luciano, 94, 99, 154,
101, 125, 140, 141, 185, 193,
CASADESUS. Robert, 176 148, 149, 174
CASELLA. Alfredo, 54, 71, 133 203
GASPERINI, Guido, 49, 50 ITAJUBÁ, Visconde de, 51
DEJEAN, Conde, 112
CASTRO. Aloísio de, 139 GASPERINI, Laudômia, vide ITIBERÊ, 77
CASTRO ALVES. Antônio, 39, 124 DEL CLARO, Antônio, 13
OSW ALD, Laudômia ITIBERÊ DA CUNHA, Brazílio, 39,
DEL VALLE, E., 55, }27
CASTRO. Luiz de, 83 GASPERINI, Maria Bombernard, 47 124
CASTRO. Maria Antônia de, 111, DIÉMER, Louis, 21, 62, 69, 71, 97,
133, 154, 128, 200 GASPERINI, Mathilde, 47
138, 149 GASPERINI, Ottavio, 47
DUPRAT, Régis, 135
CENDRARS. Blaise, 102 GAUDEFROY-DEMOMBYNES, JANKÉLÉVITCH, Vladimir, 203,
CERNICCB1AR0, Vincenzo, 63, DUSMENIL, Maurice, 97
Jean, 175 204
DUSSEK, Jan Ladislav, 123
119 GIRAUDON, Gabriel, 32, 33, 34, JAVARY, Barão de, 50, 51, 136
CHAMBELLAND, irmãos, 133 DUVEL, Ignez, 119
36, 37, 39, 120, 123 JESUS, Beatrix de, vide OSW ALD,
CHANTAVOINE, Gian, 175 GLUCK, Christoph Willibald, 59 Beatlix
CHAVES. l\1., 43,44 GOMES, Alfredo, 100, 139
EINSTEIN, Alfred, 178
CHAVANNES. Puvis de, 133 GOMES, Antônio Carlos, 87, 119,
EIRAS, Dr., 113, 115
CHIAFARELLl. Liddy, 87 123 KETTEN, Henry, 43
CHIAFARELLl. Luigi, 59, 63, 110, ESTRELA, Arnaldo, 139, 187
GOMES, Roberto, 139, 177 KUHLAU, Daniel, 123
ETZEL, Eduardo, 21, 131
125, 126 GOUVÊA, George de, 109, 110, 115
CHIAFITELLI. Francisco, 132, 139 EUGÊNIO, Frei, 37, 123
GRANADOS, Enrico, 173
CHOPIN. Frédéric, 12, 55, 165, 205 LAGO, Emílio Eutiquiano do, 119
GRAÇA ARANHA, 136
CINGANELLl. 57 GRIEG, Edward, 165, 185 LARA, Renê, 69, 72
FALLA, Manuel de, 165
CLAPISSON. 36 GRAZINI, 43 LATOUR, Eugene, 134
CLAUDEL. Paul, 94, 97, 98, 102 FAURÉ, Gabriel, 12, 62, 75, 85,
GUANABARINO, Oscar, 21, 58, LAU, vide OSWALD, Laudomia
101, 126, 128, 154, 170, 185,
cocTEAl.J. Jean, 102 130, 130, 136 LEIBOWITZ, René, 175
COLBERT. Jean-Baptiste, 188, 199 195, 203
GUERRA, Oswald (Nininha pianista LEOZINHA, vide ALMEIDA,
FAURÉ, Michel, 65, 69, 71, 129,
CONTIER. Amaldo Daraya, 138 e Oswald Guerra), 98, 99 Leozinha F. Magalhães de
130, 176, 193
CRAFT. Robert, 176 LEVY, Alexandre, 87, 118
COSTA. Leonor Macedo, 149 FIEDLER, F. A., 29
LEVY, Henrique Luiz, 118
COSTA. Rufino J. Felizardo e, 115 FIESINTINO, Raphael, 40
HAENDEL, George F., 123 LEVY, Luiz, 118
FIGUEIREDO, Heloisa, 149
COSTA. Thimóteo, 133 HA YDN, Joseph, 123 LIMA, Josefina Porfírio de, 120
COSTALLAT, Benjamin, 177 FIGUEIREDO, Silvia, 149
j

J
2161 Henrique Oswald
Índice onomástico I 217
OSWALD, Beatrix Bacchelli, 93, PORTO ALEGRE, Manuel, 77, 83,
LINS, Albuquerque, 87 MILHAUD, Darius, 21, 65, 69, 94,
109, 114 174
LISZT, Franz, 12, 41, 53, 54, 54, 97, 98, 100, 101, 102, 135, 176,
OSWALD, Carlos, 18, 25, 31, 33,
64, 70, 104, 165, 174, 189, 193, 206
82, 85, 90, 97, 111, 121, 124, 125,
200, 205, 206 MIMMA, vide MARCHESINI,
133, 138 139, 179, 188, 205 RABOCES, 124
LONG, Marguerite, 135, 176, 181 Maria Clara Oswa1d
OSWALD, Carlota Cantagalli, 11, 19, RAMEAU, Jean-Philippe, 59
LONGO, Alessandro, 54 MIMO LA, vide OSW ALD, Beatrix
25, 26, 27; 28, 29, 31, 39, 41, 43, RAVEL, Maurice, 122, 135
LORENZO FERNANDEZ, Oscar, Bacchelli
44, 45, 50, 53, 54, 56, 57, 83, 115, RAVINA, H., 39
94, 139, 149, 174, MIRANDA, Tito Higino de, 123
116, 120, 121, 123, 125, 141, 197 REBIKOFF, Vladimir lvanovitch,
LUDEN, 118 MONTALVÃO, Alberto, 124
OSW ALD, Charlotte Marie, 122 154, 155, 169, 175, 178
LUSSY, Mathis, 21, 128 MONTEIRO, Maria, 123
OSW ALD, Henrique Carlos Bicalho, RESPIGHI, Ottorino, 94, 111, 115,
LYRA, Heitor, 123 MONTEIRO, Maria Isabel Oswald,
119, 120 206
19, 23, 115, 119, 120, 121, 122,
OSWALD, Jean-Jacques, 11, 19, 25, REZENDE, Carlos Penteado de, 18,
123, 130, 132, 136, 137, 138,
26, 27, 28, 29, 31, 32, 41, 43, 47, 33, 115, 120, 121
139, 140, 141, 142, 144, 183,
49, 50, 51, 83, 115, 116, 119, RIMSKY-KORSAKOV, Nikolai, 178
MAGLIONI, Giovacchino, 43, 44, 188 RIO BRANCO, Barão do, 70, 75,
120, 121, 122, 123, 124, 142,
55 MORSE, Richard M., 120
158, 178 144, 150, 159, 206
MAGLIONI, Mr., 34 MOSKOWSKY, Moritz, 101
OSWALD, Laudômia Gasperini, 12, RISLER, Joseph-Edouard, 94, 97
MAHLER, Gustav, 166 MOURA, Paulo Cursino de, 119
19, 49, 50, 54, 56, 70, 77, 78, 81, ROCCHI, 61
MARAT, Jean-Paul, 144 MUGELLINI, Bruno, 56
86, 89, 94, 105, 107, 109, 110, ROI ALBERT, 105
MARIANO, Olegário, 95 MUSSORGSKY, Modest, 21, 185
1ll, 112, ll5, ll6, ll7, 122, ROLLAND, Romain, 109
MARCHESINI, Odoardo, 94 ROUSSEAU, Jean-Jacques, 176
134, 137, 138, 140, 141, 142,
MARCHESINI, Maria Clara Oswald, RUBINSTEIN, Anton, 122
143, 144, 152, 155, 158, 159,
110, 115, 123 NANDINO, Mr., 34
179, 188, 199 RUBINSTEIN, Arthur, 94, 98, 99,
MARINUZZI, 95 NAT, Yves, 176
OSWALD, Lully, 105 102, 135, 140, 206
MARIZ, V asco, 179 NAZARÉ, Euclides José, 123
OTÁVIO FILHO, Rodrigo, 136 RUDGE, Antonieta, 119, 126, 196
MARTINS, José Antônio Rodrigues, 76 NEPOMUCENO, Alberto, 88, 89,
OTÁVIO, Laura Oliveira Rodrigo,
MASSENET, Ju1es, 135, 178 94, 98, 101, 139, 156, 180, 195,
136
MAZZUCHELLI, Paulo, 112 206
OTERO, Félix de, 21, 58, 124, 125, SAINT-SAENS, Camille, 12, 21, 53,
MELLO, Carlos de, 125 NEVES, José Maria, 179
186 59, 60, 61, 62, 65, 67, 75, 76, 97,
MENDELSSOHN Bartholdy, Fe1ix, NIEDERBERGER, Max Benno, 63,
106, 154, 162, 185, 195, 200, 206
12, 53, 175, 189 87
PEDRO Il, Imperador, 11, 49, 51, SAMPAIO, Juvenal Augusto César,
MENDONÇA, 77 NOVAES, Guiomar, 87, 136
52, 53, 54, 58, 144, 158, 159, 206 122
MESQUITA, Carlos de, 122
PELAFSKY, Israel, 179. SAMPAIO, Teodoro, 116
MESQUITA, Esther, 126 OCTAVIANO, J., 104, 111, 116, 144,
PEREIRA, Alfredo Ângelo, 123 SATIE, Erik, 136
MICHELET, Jules, 14 155 SCHLEUSNER, Teodoro, 123
PEYRE, 29, 118
MIGNONE, Francisco, 131, 132, 177 OSW ALD, Alfredo, 12, 22, 70, 77,
PEYRIL, M., 115 SCHMITT, Florent, 128
MIGOT, Georges, 162 82, 87, 92, 94, 97, 98, 99, 107,
PIERNÉ, Gabriel, 65, 97, 110, 111, SCHOENBERG, Arnold, 59, 161,
MIGUEZ, Leopoldo, 75 109, 112, 114, 115, 116, 125,
137 176
MILANO, Humberto, 95, 134 138, 139, 142, 143, 158, 159,
PHILIPP, Izidor, 97, 111, 115, 170 SCHUBERT, Franz, 12
MILHAUD, Daruel, 168 179, 188
21s I Henrique Oswald Título
Produçiio
Henrique Oswald
Cristina Fino
Marcos Keith Takahashi
SCHUMANN, Robert, 12, 123, 163, VARELLA, Luís Nicolau Fagundes, Orlinda Emiko Teruva
175 120 Capa Helio de Almeida
SCRIABIN, Alexander, 21, 59, 122, 193 VASCONCELOS, Luiz Emílio, 38, Projeto Gráfico Editora Giordano Ltda.
Composiçiio Editora Giordano Ltda.
SERRISO, 61 39
Editoraçiio de Texto Editora Giordano Ltda.
SEVCENKO, Nicolau, 129 VERGUEIRO, Senador Nicolau
Revisiio de Provas Editara Giordano Ltda.
SILVA, Honorina, 149 Pereira de Campos, 11, 26, 44, Divulgaçc7o Ana Paula Hisayama
SISSY, ver ALFIERI, Henriqueta 116, 117, 119, 144 Ana Lúcia Novais
Marguerita Oswald VIANA, Esther Ferreira, 95 Secretaria Editorial Rose Pires
SODRÉ, Monsieur, 67 VIANA DA MOTA, José, 21, 58, Formato 16 x 23 em
Mancha 25 x 44 paicas
SOUZA LIMA, João de, 130 128
Tipologia Times Roman I 0/1 3
SPINI, Daniel, 138 VIESSEUX, Gian Pietro
Papel Cartão Supremo 250 gim' (capa)
STRAUSS, Richard, 135 VILLA-LOBOS, Heitor, 94, 109, Off-set linha d'água 90 gim' (miolo)
STRAVINSKY, Igor, 12, 59, 136, 161 136, 171 Númem de Páginas 224
VILLAÇA, Corbiniano, 139 Tiragem I 500
VILLARES, Décio, 174 Laser Film Edusp
lmpressiio Imesp
TAGLIAFERRO, Magdalena, 87, 94, 119
TARKOVSKI, Andrei, 161
TATTI, Ricardo, 87, 97
TCHAIKOVSKY, Peter 1., 12, 185, WAGNER, Richard, 12, 54, 101,
195 128, 175
TEIXEIRA, Gabriel de Souza, 139 WEBER, Carl Maria von, 37
THALBERG, Sigismond, 39, 122 WISNIK, José Miguel, 135, 136
TOMMASEO, Niccolo, 121 WITTER, José Sebastião, 116
TREVES, Giuliana Arton, 121

ULYSSES, personagem mitológico, !52 ZECCHI, Carlo, 94

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