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1 CORÍNTIOS

[Clique em CONTEÚDO]

Original em inglês:
New Testament Commentary: 1 Corinthians

Author: Simon J. Kistemaker

TRADUTOR: CARLOS BIAGINI

Baker Book House

Grand Rapids, Michigan, 1983


1 Coríntios (Simon Kistemaker) 2
CONTEÚDO

PREFÁCIO

ABREVIATURAS

INTRODUÇÃO
A. CORINTO
B. CRONOLOGIA
C. MENSAGEM
D. DESTINATÁRIOS
E. TEOLOGIA
F. AUTENTICIDADE
G. CARACTERÍSTICAS
H. TEXTO
I. PROPÓSITO
J. ESBOÇO

1. INTRODUÇÃO (1CO 1:1–9) E DIVISÕES NA IGREJA, PRIMEIRA


PARTE (1CO 1:10–31)
I. Introdução. 1Co 1:1–9
A. Saudações. 1Co 1:1–3
B. Ação de graças. 1Co 1:4–9
II. Resposta a problemas que foram comunicados a Paulo.
1Co 1:10–6:20
A. Divisões na igreja. 1Co 1:10–4:21
1. Facções. 1Co 1:10–17
2. A loucura da cruz. 1Co 1:18–2:5
a. Os que se perdem e os que se salvam 1Co 1:18–20
b. Sabedoria e insensatez. 1Co 1:21–25
c. O fraco e o forte. 1Co 1:26–31
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 3
2. DIVISÕES NA IGREJA, SEGUNDA PARTE (1CO 2:1–16)
d. Poder e fé. 1Co 2:1–5
3. Sabedoria do Espírito. 1Co 2:6–16
a. Sabedoria e maturidade. 1Co 2:6–8
b. Deus e a revelação. 1Co 2:9–10a
c. O Espírito Santo e a sabedoria humana. 1Co 2:10b-13
d. O homem não espiritual e o espiritual. 1Co 2:14–16
3. DIVISÕES NA IGREJA, TERÇA PARTE (1CO 3:1–23)
4. Obreiros de Deus. 1Co 3:1–23
a. Tão somente homens. 1Co 3:1–4
b. Servos de Deus. 1Co 3:5–9
c. Edificadores que trabalham para Deus. 1Co 3:10–15
d. O templo de Deus. 1Co 3:16–17
e. Advertência e conclusão. 1Co 3:18–23
4. DIVISÕES NA IGREJA, QUARTA PARTE (1CO 4:1–21)
5. Servos de Cristo. 1Co 4:1–21
a. A fidelidade. 1Co 4:1–5
b. O orgulho. 1Co 4:6–8
c. Uma descrição. 1Co 4:9–13
d. Uma admoestação. 1Co 4:14–17
e. A visita que se aproxima. 1Co 4:18–21
5. IMORALIDADE E LITÍGIOS, PRIMEIRA PARTE (1CO 5:1–13)
1. Incesto. 1Co 5:1–8
a. Um irmão imoral. 1Co 5:1–5
b. Uma ilustração oportuna. 1Co 5:6–8
2. Excomunhão. 1Co 5:9–13
a. Um mal-entendido. 1Co 5:9–11
b. Um juízo. 1Co 5:12–13
6. IMORALIDADE E LITÍGIOS, SEGUNDA PARTE (1CO 6:1–20)
3. Litígios. 1Co 6:1–11
a. Os santos julgarão. 1Co 6:1–3
b. Os sábios falarão. 1Co 6:4–6
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 4
c. Os humildes perseverarão. 1Co 6:7–8
d. Os ímpios perderão. 1Co 6:9–11
4. Imoralidade. 1Co 6:12–20
a. Permissividade. 1Co 6:12–14
b. Prostitutas. 1Co 6:15–17
c. Comprados. 1Co 6:18–20
7. PROBLEMAS CONJUGAIS (1CO 7:1–40)
1. A conduta apropriada. 1Co 7:1–7
2. Fidelidade e casamento. 1Co 7:8–11
a. Solteiros e viúvas. 1Co 7:8–9
b. Casados e divorciados. 1Co 7:10–11
3. O crente e o incrédulo. 1Co 7:12–16
4. Digressão. 1Co 7:17–24
5. As virgens e o casamento. 1Co 7:25–40
a. O estado matrimonial. 1Co 7:25–28
b. Penalidades. 1Co 7:29–31
c. Casamento e serviço. 1Co 7:32–35
d. Noivado e casamento. 1Co 7:36–38
e. Votos conjugais. 1Co 7:39-40
8. COMIDA OFERECIDA A ÍDOLOS (1CO 8:1–13)
1. Conhecimento. 1Co 8:1–3
2. Unidade. 1Co 8:4–6
3. Consciência. 1Co 8:7–8
4. Pecado. 1Co 8:9–13
9. OS DIREITOS DE UM APÓSTOLO (1CO 9:1–27)
1. Direitos apostólicos. 1Co 9:1–12
a. Marcas de apostolicidade. 1Co 9:1–2
b. Defesa. 1Co 9:3–6
c. Serviço. 1Co 9:7–12
2. Renúncia dos direitos. 1Co 9:13–18
a. Remuneração. 1Co 9:13–14
b. Recompensa. 1Co 9:15–18
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 5
3. Liberdade apostólica. 1Co 9:19–27
a. Estratégia paulina. 1Co 9:19–23
b. Ilustrações de Paulo. 1Co 9:24–27
10. ADVERTÊNCIAS E LIBERDADE (1CO 10:1–11:1)
1. Advertências que a história oferece. 1Co 10:1–13
a. Uma analogia. 1Co 10:1–5
b. Um exemplo. 1Co 10:6–10
c. Uma admoestação. 1Co 10:11–13
2. Advertências contra a idolatria. 1Co 10:14–22
a. Uma comparação gráfica. 1Co 10:14–17
b. Um exemplo de simetria. 1Co 10:18–22
3. Liberdade de consciência. 1Co 10:23–11:1
a. Liberdade e Escritura. 1Co 10:23–26
b. Liberdade e consciência. 1Co 10:27–30
c. Conclusão. 1Co 10:31–11:1
11. CULTO, PRIMEIRA PARTE (1CO 11:2–34)
1. O homem e a mulher no culto. 1Co 11:2–16
a. O homem e a mulher. 1Co 11:2–6
b. Imagem e glória. 1Co 11:7–12
c. O homem e a mulher outra vez. 1Co 11:13–16
2. A Ceia do Senhor. 1Co 11:17–34
a. Excessos. 1Co 11:17–22
b. Instituição. 1Co 11:23–26
c. Preparação. 1Co 11:27–34
12. CULTO, SEGUNDA PARTE (1CO 12:1–31)
3. Dons espirituais. 1Co 12:1–31
a. O Espírito Santo. 1Co 12:1–11
(1) A confissão cristã. 1Co 12:1–3
(2) Diferentes dons, mas todos dados por Deus. 1Co 12:4–6
(3) Dons para o bem comum. 1Co 12:7–11
b. O corpo. 1Co 12:12–31
(1) O corpo e o Espírito. 1Co 12:12–13
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 6
(2) O corpo físico. 1Co 12:14–20
(3) As partes honrosas e as pudentes. 1Co 12:21–26
(4) Membros e dons. 1Co 12:27–31
13. CULTO, TERÇA PARTE (1CO 13:1–13)
4. Uma carta de amor. 1Co 13:1–13
a. Requisito para o amor. 1Co 13:1–3
b. Uma descrição do amor. 1Co 13:4–7
c. A permanência e perfeição do amor. 1Co 13:8–13
14. CULTO, QUARTA PARTE (1CO 14:1–40)
5. A profecia e as línguas. 1Co 14:1–25
a. Busca anelante. 1Co 14:1–5
b. Analogias apropriadas. 1Co 14:6–12
c. Orar e louvar. 1Co 14:13–17
d. Ação de graças. 1Co 14:18–19
e. As línguas e a Escritura. 1Co 14:20–25
6. Uma conduta ordenada. 1Co 14:26–40
a. Edificação. 1Co 14:26–28
b. Profetas e revelação. 1Co 14:29–33a
c. Ordem. 1Co 14:33b-35
d. Conclusão. 1Co 14:36–40
15. A RESSURREIÇÃO (1CO 15:1–58)
1. A ressurreição de Cristo. 1Co 15:1–8
2. A apostolicidade de Paulo. 1Co 15:9–11
3. A ressurreição dos mortos. 1Co 15:12–34
a. Um argumento lógico. 1Co 15:12–19
b. A realidade da ressurreição. 1Co 15:20–28
(1) Em Adão e em Cristo. 1Co 15:20–22
(2) A vinda do Senhor. 1Co 15:23–28
c. Argumentos quanto à ressurreição. 1Co 15:29–34
4. Paralelos ao corpo ressuscitado. 1Co 15:35–44a
a. Vida que surge da morte. 1Co 15:35–38
b. Espécies, estrelas e planetas. 1Co 15:39–41
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 7
c. Semeados e ressuscitados. 1Co 15:42–44a
5. Corpos físicos e espirituais. 1Co 15:44b-49
6. Imortalidade e vitória. 1Co 15:50–57
a. Transformação. 1Co 15:50–53
b. Celebração. 1Co 15:54–57
7. Exortação. 1Co 15:58
16. A OFERTA PARA O POVO DE DEUS E CONCLUSÃO
(1CO 16:1–24)
I. A oferta para o povo de Deus. 1Co 16:1–4
II. Conclusões. 1Co 16:5–24
A. Pedidos de Paulo. 1Co 16:5–12
1. Paulo planeja as suas viagens. 1Co 16:5–9
2. Chegada de Timóteo. 1Co 16:10–11
3. A relutância de Apolo. 1Co 16:12
B. Exortações e saudações. 16:13–24
1. Últimos encargos. 1Co 16:13–18
2. Despedida. 1Co 16:19–24

BIBLIOGRAFIA SELETA
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 8
PREFÁCIO
Meu predecessor, o Dr. William Hendriksen, dedicou-se totalmente
a escrever Comentários para a série Comentário ao Novo Testamento.
Mesmo quando sua saúde tinha começado a declinar, empreendeu a
tarefa de realizar a pesquisa preliminar para um Comentário a 1
Coríntios. Já tinha escrito sobre todas as epístolas paulinas, excetuando a
correspondência aos Coríntios. Seus estudos sobre a introdução ao
Comentário foram publicados depois de sua morte, e faço referência a
eles, tanto no texto como nas notas de rodapé.
Tenho o privilégio de pôr este livro em mãos do leitor. Bem como o
resto, o presente Comentário foi escrito para proveito do pastor e de todo
aquele que estuda a Bíblia com seriedade. Os problemas técnicos foram
colocados em notas e seções separadas, desta forma o livro poderá ser
lido com maior facilidade. É incrível a quantidade de artigos e livros
eruditos que se publicaram recentemente. No presente volume, tratei de
incorporar a maioria destes últimos estudos, citando-os nas notas ou na
bibliografia. Não cessa a pesquisa de 1 Coríntios, o que acrescenta cada
vez mais nosso entendimento desta epístola, que foi escrita aos Coríntios
do primeiro século e a nós que vivemos os últimos anos do século vinte.
Algumas das interpretações que apresento neste Comentário não
terão uma acolhida universal, o que é normal para qualquer um que
escrever sobre 1 Coríntios. Mas embora difira de alguns autores, têm
todo meu respeito e recomendo sinceramente aos leitores que leiam seus
livros e artigos. Confio em que minha exposição será fiel ao texto da
Palavra de Deus, pois tratei que escutar de seu servo, Paulo.

Simon J. Kistemaker
Semana Santa, 1993
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 9
ABREVIATURAS
ASV American Standard Version
ATANT Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen Testaments
ATR Anglican Theological Review
AusBRev Australian Biblical Revue
BA Biblical Archaeologist
BAR Biblical Archaeology Review
BAGD Bauer, Walter. A Greek-English Lexicon of the New
Testament, 2a ed. Traducido
por W. F. Arndt, F. W. Gringrich y F. W. Danker
BDF Blass, A. Debrunner, R. W. Funk, A Greek Grammar of the New
Testament and
Other Early Christian Literature
BEB Baker Encyclopedia of the Bible
BF British and Foreign Bible Society, The New Testament, 2a ed.,
1958
Bib Biblica
BibOr Bibliotheca Orientalis
BibRev Biblical Review
BibToday Bible Today
BibZ Biblische Zeitschrift
BJ Biblia de Jerusalén. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1975
BJRUL Bulletin of John Rylands University Library of Manchester
B of T Banner of Truth
BP Biblia del Peregrino. Bilbao: Ediciones mensajero, 1993
BS Bibliotheca Sacra
BTB Biblical Theological Bulletin
BTr The Bible Translator
Cassirer A New Testament Translation, E. Cassirer
CB La Biblia, La Casa de la Biblia. Salamanca: Sígueme, 1992
CBQ Catholic Biblical Quarterly
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 10
ChrSchRev Christian Scholar’s Review
CI Sagrada Biblia, F. Cantera y M. Iglesias. Madrid: BAC, 1975
CNT W. Hendriksen y S. Kistemaker, Comentario al Nuevo
Testamento
ConcJourn Concordia Journal
ConcThMonth Concordia Theological Monthly
CrisTheolRev Criswell Theological Journal
CTJ Calvin Theological Journal
DT E. Harrison, ed., Diccionario de teología
EDNT Exegetical Dictionary of the New Testament
EDT Evangelical Dictionary of Theology
EphThL Ephemerides théologicae lovanienses
EvJ Evangelical Journal
EQ Evangelical Quarterly
Exp The Expositor
ExpT Expository Times
GNB Good News Bible
GNT The Greek New Testament, editado por Aland, Kurt, Matthew
Black, Bruce M.
Metzger y Allen Wikgren, edición 1966
GThJ Grace Theological Journal
HA Nuevo Testamento Hispano Americano. Sociedades Bíblicas en
América Latina
HTR Harvard Theological Review
Interp Interpretation
ISBE International Standard Bible Encyclopedia, ed. rev.
JBL Journal of Biblical Literature
JETS Journal of the Evangelical Theological Society
JQR Jewish Quarterly Review
JR Journal of Religion
JRH Journal of Religious History
JSNT Journal for the Study of the New Testament
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 11
JSOT Journal for the Study of the Old Testament
JSS Journal of Semitic Studies
JTS Journal of Theological Studies
KJV King James Version
LCL Edición de Loeb Classical Library
Liddell H. G. Liddell, R. Scott, H. S. Jones, Greek-English Lexicon,
9a ed.
LuthQuart Lutheran Quarterly
LT La Biblia, J. Levoratti y A. B. Trusso
LXX La Septuaginta. Versión griega del Antiguo Testamento
Merk Augustinus Merk, ed., Novum Testamentum Graece et Latine,
9a ed.
MLB The Modern Language Bible
MM J. H. Moulton, G. Milligan, The Vocabulary of the Greek
Testament Illustrated from
the Papyri and Other Non-Literary Sources
Moffatt The Bible—A New Translation, James Moffatt
MSJ The Master’s Seminary Journal
NAB New American Bible
NASB New American Standard Bible
NBE Nueva Biblia Española. A. Schökel y J. Mateos. Madrid:
Cristiandad, 1975
NC Sagrada Biblia, E. Nácar y A. Colunga. Madrid: BAC, 1965
NCV New Century Version (The Everyday Bible)
NEB New English Bible
NedTTS Nederlands theologisch tijdschrift
Neotest Neotestamentica
NTG Novum Testamentum Graece, editado por D. Eberhard Nestle, y
revisado por E. Nestle y Kurt Aland, 26a ed.
NIDNTT New International Dictionary of New Testament Theology
NJB New Jerusalem Bible
NKJV New King James Version
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 12
NovT Novum Testamentum
NRSV New Revised Standard Version n. s. serie nueva
NTS New Testament Studies
NTT Nuevo Testamento Trilingüe. J. M. Bover y J. O’Callaghan.
Madrid: BAC, 1977
NVI Nueva Versión Internacional
Phillips The New Testament in Modern English, J. B. Phillips
PitPer Pittsburgh Perspective
RB Revue biblique
REB Revised English Bible
ResScRel Recherches de Science Religieuse
ResQ Restoration Quarterly
RevExp Review and Expositor
RevHistPhilRel Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses
Robertson A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament
in the Light of Historical Research
RSV Revised Standard Version
RTR Reformed Theological Review
RV Revised Version
RV60 Santa Biblia. Versión Reina-Valera, revisión 1960. Sociedades
Bíblicas Unidas
RV95 Santa Biblia. Versión Reina-Valera, revisión 1995. Sociedades
Bíblicas Unidas
SB H. L. Strack, P. Billerbeck, Kommetar zum Neuen Testament aus
Talmud und Midrasch
SBL Society for Biblical Literature
SBT Studies in Biblical Theology
SEB Simple English Bible
SJT Scottish Journal of Theology
Souter Alexander Souter, ed., Novum Testamentum Graece
SR Studies in Religion/Sciences Religieuses
SWJourTh Southwestern Journal of Theology
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 13
Talmud The Babylonian Talmud
TDNT Kittel, G. y G. Friedrich. Theological Dictionary of the New
Testament
Thayer Joseph H. Thayer, Greek-English Lexicon of the New
Testament
ThEd Theological Educator [New Orleans]
ThF Theologische Forschung
ThLZ Theologische Literaturzeitung
TheolZeit Theologische Zeitschrift
TNT The New Translation
TR The Textus Receptus: The Greek New Testament According to the
Majority Text
TrinityJ Trinity Journal
TT Theologisch tijdschrift
TynB Tyndale Bulletin
VigChr Vigiliae christianae
VM Versión Moderna. Sociedades Bíblicas en América Latina
Vogels H. J. Vogels, ed., Novum Testamentum Graece et Latine, 4ª ed.
VoxEv Vox Evangelica
VoxRef Vox Reformata
VP Versión Popular (1983). Sociedades Bíblicas Unidas
WBC Word Biblical Commentary
WDB Westminster Dictionary of the Bible
WTJ Westminster Theological Journal
WesThJ Wesleyan Theological Journal
WUNT Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament
ZNW Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft
ZPEB Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible
ZTK Zeitschrift für Theologie und Kirche
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 14
INTRODUÇÃO

A. CORINTO

1. Localização geográfica

A antiga cidade de Corinto estava localizada na ampla planície que


está debaixo do elevado Acrocorinto, um inexpugnável topo de 630
metros de altura que se ergue na península do Peloponeso. O escarpado
pendente do Acrocorinto converteu o lugar numa fortaleza quase
invencível, pelo que a própria cidade desfrutava de uma relativa
segurança. Entre a antiga cidade de Corinto e a cidade porto da Licaônia,
no golfo de Corinto, só havia uma distância de mais ou menos 3,2
quilômetros para o norte. A 11 quilômetros para o este, estava o porto de
Cencreia, no Golfo Sarónico. Foi através destes dois portos que Corinto
se encheu de comércio e riqueza. Os barcos que vinham do Ocidente
(Itália, Espanha e África do Norte) traziam suas mercadorias a Licaônia;
e os barcos que chegavam do Oriente (Ásia Menor, Fenícia, Palestina,
Egito e Cirene) atracavam em Cencreia.
Capitães e tripulação evitavam navegar as duzentas milhas náuticas
que havia ao redor do cabo que estava ao sul da península (Cabo Malea),
porque as imprevisíveis tormentas podiam converter a navegação numa
aventura traiçoeira. Tanto proprietários como marinheiros sabiam que
jamais poderiam esquecer a perda de vidas, barcos e carregamento.
Assim que preferiam ancorar na Licaônia ou em Cencreia. A partir
destes dois portos, as mercadorias eram distribuídas em pequenos navios
que percorriam as ilhas que conectavam a península com a Grécia
central.
Periandro (625–583 a.C.) teve a ideia de construir um canal para
facilitar o transporte de mercadoria, mas em última instância edificou um
cruzamento de pedra com o nome de diolkos, palavra que significa
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 15
plataforma deslizável sobre rodas. O sistema consistia em colocar
pequenos barcos em plataformas, para arrastá-los do Golfo Sarónico (ao
oriente) até o Golfo de Corinto (ao ocidente), e vice-versa. Desta forma,
Corinto podia arrecadar uma considerável soma de impostos, cobrando
pedágio pelo trânsito de mercadorias através do istmo. 1
Naqueles tempos, o rei grego Demétrio e os imperadores romanos
Júlio César e Caio Calígula tiveram a intenção de cavar um canal que
corresse através do istmo em sua parte mais estreita (7,25 Km.). Foi
Nero que pôs em marcha o projeto, mas por várias razões teve logo que
abandoná-lo. Não conseguiu financiá-lo, corria a crença de que cavar um
canal era um sacrilégio e, além disso, surgiu a teoria de que o nível das
águas das duas margens do istmo era distinto. 2 Por sua vez, Vespasiano
assumiu o comando das tropas romanas designadas a Palestina e
escravizou a muitíssimos judeus. Josefo afirma que em 67 d.C. este
general enviou cerca de seis mil judeus a Corinto, para que cavassem ao
longo do istmo. 3 Finalmente, a fins do século dezenove (1881–93),
engenheiros franceses construíram e terminaram o canal de Corinto.

2. História

Em sua obra A Ilíada, Homero faz menção de Corinto. Isto significa


que a cidade remonta pelo menos ao segundo milênio antes de Cristo.
Sua influência foi sentida em toda a península, no istmo e em partes da
Grécia central. Por ser uma cidade atrativa do ponto de vista econômico,
Corinto chegou ao topo de seu poder no sétimo século a.C. Foi Periandro
que fomentou a influência econômica de Corinto, equipando os
pequenos barcos para que pudessem transitar pelo istmo. Mas durante os

1
Jerome Murphy-O’Connor, «The Corinth that Saint Paul Saw», BA 47 (1984): 147–59.
2
Suetonius. Life of Apollonius of Tyana 4.24; Pliny. Natural History 4.9–11; Jerome Murphy-
O’Connor, St. Paul’s Corinth: Texts and Archaeology, Good News Studies, vol. 6 (Wilmington, Del.:
Glazier, 1983), pp. 53, 85.
3
Josefo Guerra judaica 3.10.10 [540].
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 16
dois séculos que se seguiram, Corinto teve que enfrentar Atenas,
poderoso rival.
Depois veio o conflito bélico entre Atenas e Esparta, a chamada
guerra do Peloponeso (431–404 a.C.). Corinto tomou partido em favor
de Atenas. A guerra debilitou tanto Atenas e Corinto que Filipe II da
Macedônia conseguiu conquistar Corinto em 338 a.C. Seu filho,
Alexandre, o Grande, utilizou Corinto como centro de comércio e de
atração turística. Depois da morte de Alexandre (323 a.C.), Corinto
transformou-se na mais importante das cidades-estado gregas do
Peloponeso e do sul da Grécia.
Quando os romanos conquistaram a Grécia (196 a.C.), puseram
Corinto à cabeça da confederação das cidades da província da Acaia.
Cinquenta anos depois, Corinto se revoltou contra Roma, o que forçou
Lúcio Múmio a destruir a cidade. A cidade permaneceu em ruínas por
todo um século, até que Júlio César a restaurou em 44 a.C. O imperador
também construiu o porto da Licaônia e o de Cencreia. Desta forma,
Corinto converteu-se numa colônia romana, conhecida como a Colonia
Laus Julia Corinthiensis (= a colônia de Corinto é um louvor a Júlio).
Tratava-se, pois, de uma colônia que dava honra a Júlio César. A cidade
voltou a prosperar, chegando a ser um centro de comércio que atraiu
gente de muitas partes do mundo.

3. População

Como se tratava de uma colônia romana, Corinto estava sujeita ao


direito romano. Assim que, seu governo era semelhante ao da cidade
imperial. 4 A língua oficial era o latim, embora o povo em geral falasse
grego. Paulo registra os nomes latinos de alguns irmãos que viviam em
Corinto: Tércio, Gaio, Quarto (Rm 16:22, 23); o casal judeu Áquila e
4
Victor Paul Furnish, «Corinth in Paul’s Time. What Can Archaeology Tell Us?» BA 14 (1988): 14–
27. Nota do tradutor: A RC segue os Mss. inferiores que em At 18:7 só leem Justo, mas Mss. mais
antigos registram Tício Justo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 17
Priscila, Tito Justo Crispo, principal da sinagoga, e Fortunato (At 18:2,
7; 1Co 1:14; 16:17). Militar ou civis, os oficiais romanos residiam em
Corinto, como era o caso do procônsul Gálio (At 18:12). Também vivia
ali uma multidão de colonos veteranos do exército e libertos (que antes
foram escravos) de Roma. Também havia comerciantes, artesãos,
artistas, filósofos, mestres e trabalhadores provenientes de muitos dos
países que rodeiam o Mediterrâneo. Dentro da população também se
contavam judeus provenientes de Israel e de outras partes, gregos
nativos, exilados e escravos. Toda esta gente vivia e trabalhava em
Corinto ou em seus dois portos, incrementando assim sua população, sua
diversidade e sua economia. Os campos de lavoura contribuíam para a
base agrícola de Corinto, a cidade era um centro fabril, e os dois portos a
convertiam num eixo do comércio mundial. Em suma, Corinto
desfrutava de fama internacional.

4. Religião e cultura

Nos séculos anteriores ao cristianismo, autores gregos e romanos


com frequência descreviam a Corinto como a cidade da fornicação e a
prostituição. Os gregos cunharam o termo corinthiazethai (literalmente:
«viver à moda coríntia») para descrever a imoralidade da cidade. Corinto
tinha mais de uma dúzia de templos. O antigo templo dedicado a
Afrodite, a deusa do amor, era famoso por sua imoralidade. Antes de
Corinto ser destruída pelos romanos (146 a.C.), Estrabão já havia escrito
sobre o templo de Afrodite. 5 E embora muitos eruditos tenham posto em
dúvida a exatidão de suas palavras, 6 Estrabão afirmou que em tal templo
havia milhares de prostitutas. Como Corinto tinha dois portos, é possível
supor que alojava uma multidão de marinheiros, comerciantes e
soldados. Isto tornava difícil que a cidade fosse conhecida por ter uma
5
Strabo, Geography 8.6.20.
6
Veja-se, entre outros, H. D. Saffrey, «Aphrodite a Corinthe: Réflexions sur Une Idée Reçue,» RB 92
(1985): 359–79.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 18
moral respeitável. O fato de Paulo ter que exortar explicitamente os
coríntios a fugirem da imoralidade sexual (1Co 5:1; 6:9, 15–20; 10:18) é
uma indicação precisa de que a promiscuidade era algo bastante comum
na cidade.
Corinto dava liberdade para que diferentes grupos religiosos
praticassem sua fé. Não só estava o culto a Afrodite, também se adorava
a Asclépio, a Apolo e a Poseidon. Também havia altares e templos para
as deidades gregas como Ateneu, Hera e Hermes. Outros altares estavam
dedicados a Ísis e Serápis, os deuses do Egito. 7
Os judeus constituíam outro dos tantos grupos religiosos. Os
imperadores Júlio César e Tibério concederam aos judeus liberdade para
praticar sua religião, sempre e quando cuidassem para não participar de
atos sediciosos contra o governo romano. O imperador Cláudio
confirmou este decreto imperial. De modo que os judeus tinham sua
própria sinagoga, 8 à qual Paulo foi convidado a pregar, para logo ser
expulso dali. Lucas nos relata que os líderes judeus arrastaram Paulo até
o tribunal de justiça (bema) do procônsul Gálio, 9 para acusá-lo de
ensinar uma religião contrária à lei (At 18:12, 13). Sabendo que a
religião judaica estava autorizada, Gálio não fez caso das alegações por
escrito dos judeus, porque nada tinham que ver com o direito romano.
Para ele, só se trava de um assunto religioso de caráter particular. Como
não era um assunto civil, desprezou as acusações.

7
Veja-se Dan P. Cole, «Corinth & Ephesus. Why Did Paul Spend Half His Journey in These Cities?»
BibRev 4 (1988): 20–30.
8
Os arqueólogos têm descoberto um batente com a provável inscrição «Sinagoga dos hebreus».
Embora a arqueologia propõe o terceiro século ou quarto como a data para esta inscrição, ninguém
nega que no tempo de Paulo houvesse uma sinagoga judaica em Corinto. Veja-se Richard E. Oster,
Jr., «Use, Misuse and Neglect of Arqueological Evidence in Some Modern Works on 1 Corinthians
(1Co. 7,1–5; 8,10; 11,2–16; 12,14–26),» ZNW 83 (1992): 52–73.
9
O imperador Augusto declarou Corinto a capital da província da Acaia. Embora esta província
estivesse sob jurisdição senatorial, algumas vezes o imperador nomeava um procônsul para que
administrasse o direito romano. Assim que o imperador Cláudio enviou Gálio a Corinto, para que
fizesse as vezes de procônsul (presume-se que desde julho 51 a junho 52).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 19
Não pareceu mal a ninguém que o cristianismo se instalasse em
Corinto. Por um lado, o povo estava acostumado a conviver com
diferentes correntes religiosas. Pelo outro, tinha-se a impressão de que
era outra versão da fé judaica, embora para os gentios de Corinto fosse
mais fácil aceitar a fé cristã que a religião judaica. Paulo ensinava que os
gentios que se convertiam ao cristianismo não estavam obrigados a
guardar os ritos da fé judaica, tais como a circuncisão. Este ensino
terminou enfurecendo os oficiais da sinagoga local, quem levou Paulo
diante de Gálio. Como os judeus não ganharam o juízo, Paulo e a igreja
puderam continuar pregando o evangelho sem temor de ser agredidos
(At 18:10). A igreja continuou crescendo, porque o Senhor tinha muito
povo naquele lugar. Em contraste com os judeus, em Corinto os crentes
começaram a reunir-se nas casas dos irmãos. Usaram, por exemplo, a
casa de Tício Justo, que ficava ao lado da sinagoga. Foram estabelecidas
congregações nos lares. Uma casa grande abrigaria umas cinquenta
pessoas, enquanto casas mais pequenas, umas trinta.
Um dos eventos mais destacados desta cidade cosmopolita do
primeiro século eram os jogos ístmicos, cuja importância só era ofuscada
pelos jogos olímpicos. Os jogos ístmicos eram realizados cada dois anos
ao chegar a primavera, e incluíam pedestrianismo, boxe, luta livre e
corridas de carro (cf. 1Co 9:24–27).10 Durante sua estadia de dezoito
meses em Corinto, Paulo deveu assistir os jogos ístmicos da primavera
de 51 d.C. Supomos que pondo em prática seu principio de «fiz-me tudo
para com todos» (1Co 9:22, 27), usou a ocasião para comercializar as
carpas que fabricava e para proclamar o evangelho de salvação.

10
Oscar Broneer, «The Apostle Paul and the Isthmian Games», BA 25 (1962): 2–31; e «Paul and the
Pagan Cults at Isthmia», HTR 64 (1971): 169–87.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 20
5. Importância

Paulo decidiu pregar o evangelho nas capitais das províncias. Por


exemplo, pregou em Tessalônica, capital da Macedônia, e em Corinto,
capital da Acaia. O apóstolo pensava que as capitais eram centros
estratégicos onde, em alguns casos, o tráfego terrestre encontrava-se com
o marítimo. De Corinto o evangelho se estendeu às aldeias rurais e às
cidades que estavam ao seu redor, para logo saltar a muitas outras partes
do mundo mediterrâneo.
Nenhuma outra congregação recebeu tanta atenção da parte de
Paulo, quem ofertou talentos, tempo e lágrimas em favor deles. A
congregação não só foi visitada três vezes (2Co 13:1), mas recebeu sãos
conselhos, longas epístolas e incessante oração. Diversos problemas
práticos acossavam esta inexperiente congregação. Como pai desta igreja
local (1Co 4:15), Paulo aconselhou os crentes para que soubessem como
enfrentar todas as suas dificuldades. Não obstante, o alcance das suas
palavras não se limita a um grupo ou a um momento histórico, mas
transcende a toda a igreja universal. A teologia que Paulo registra nesta
epístola pode ser aplicada às situações que se vivem em inumeráveis
congregações ao longo de todo o mundo. De fato, o que ele ensina a
respeito do casamento, do divórcio, da separação, da virgindade e das
viúvas (capítulo 7) toca a vida de todos nós. Portanto, esta epístola está
dirigida a todos os crentes de todo o mundo, não importa sua idade ou a
época em que vivam. 11

11
Veja-se Larry McGraw, «The City of Corinth», SWJourTh 32 (1989): 5–10.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 21
B. CRONOLOGIA

1. O procônsul Gálio

Lucas informa que, em sua primeira visita, Paulo ficou em Corinto


por um ano e meio (At 18:11), e acrescenta que tal visita ocorreu dentro
do período em que Gálio serviu como procônsul da Acaia (At 18:12).
Sabemos que o período de serviço proconsular durava um ano, isto é, de
primeiro de julho até o último dia de junho do ano seguinte. Uma das
inscrições descobertas perto de Delfo menciona Gálio como procônsul
da Acaia e o relaciona com o imperador Cláudio. A inscrição precisa a
data como o décimo segundo ano do reinado de Cláudio e a vigésimo
sexta vez que era proclamado imperador. Pelo fato de que Cláudio
assumiu seu primeiro ano de governo em 25 de janeiro de 41 d.C, o
décimo segundo ano devia começar em 25 de janeiro de 52. Para essa
data, Gálio já tinha quase sete meses no serviço proconsular de Corinto
(julho de 51 a junho de 52). Paulo permaneceu por muitos dias mais em
Corinto, depois de comparecer diante do tribunal de Gálio (At 18:18) e
dali partiu para Éfeso. Pelo fato de que sabemos com exatidão qual foi o
período em que Gálio serviu como procônsul, também podemos
estabelecer com certa precisão de que Paulo fundou a igreja de Corinto
durante os anos 50–52.

2. O imperador Cláudio

Em Atos 18:2 encontramos outro dado cronológico. Lucas nos diz


ali que Áquila e sua esposa Priscila, logo tinham chegado da Itália
porque o imperador Cláudio (41–54 d.C.) tinha expulso de Roma todos
os judeus. Os historiadores romanos entregam alguns detalhes sobre esta
expulsão. Por exemplo, Suetônio registra que «Cláudio expulsou os
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 22
judeus porque, instigados por Cresto, viviam promovendo tumultos». 12
Ao que parece este historiador não estava familiarizado com o nome
grego Christus (o ungido), conhecendo o mais comum, Chrestos (o
benevolente). Embora Suetônio cresse que Cresto instigava os tumultos
pessoalmente, nós conjeturamos que o problema estava em que os judeus
de Roma começaram a chocar-se com os seguidores de Cristo. Ignorando
a diferença entre judeus e cristãos, Cláudio simplesmente ordenou
expulsar de Roma todos os judeus. Entre os expulsos estavam Áquila e
Priscila, que logo atracaram a Corinto.
Dion Cássio afirma que o imperador Cláudio não expulsou os
judeus em seu primeiro ano de governo, só proibiu que se reunissem. 13 O
decreto foi publicado em 41 d.C. Segundo o historiador cristão Paulo
Orósio, em seus escritos Josefo nos informa que Cláudio expulsou os
judeus no nono ano de seu reinado, isto é, no ano 49 e Orósio menciona
que Suetônio escreveu que os judeus foram expulsos devido aos
distúrbios fomentados por Christos.14 Mas surge o problema de que,
embora se examine todos os escritos de Josefo, não se encontrará uma só
afirmação que diga algo semelhante. Isto faz com que alguns eruditos
ponham em dúvida as palavras de Orósio, preferindo a data que Dion
Cássio entrega com relação à suspensão de alguns dos direitos dos
judeus em Roma. 15
Os eruditos que adotam a data anterior proposta por Dion Cássio
também expõem um número de interrogantes com relação à cronologia
das vezes que Paulo visitou Corinto. Por exemplo, se Paulo visitou

12
Judaeos impulsore Chresto assidue tumultuantes expulit; Suetonio Claudius 25.4. Contudo,
Suetônio não diz em que data ocorreu tal expulsão.
13
Dion Cássio, Roman History 60.6.6.
14
Paulus Orosius, The Seven Books of History Against the Pagans, en la serie Fathers of the Church,
traduzido por Roy J. Deferrari (Washington, D.C.: Catholic University Press, 1964), p. 297. Orósio
também menciona que Suetônio escreveu que os judeus tinham sido expulsos porque Chresto os
instigou a provocar distúrbios.
15
Assim, por exemplo, Gerd Luedemann, Paul, Apostle to the Gentiles: Studies in Chronology
(Philadelphia: Fortress, 1984), pp. 164–171; Murphy-O’Connor, St. Paul’s Corinth, pp. 129–140.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 23
Corinto pela primeira vez no ano 41, quando Cláudio emitiu seu decreto
a respeito dos judeus em Roma, não podia ter retornado a Corinto até
princípios da década de cinquenta, quando Gálio estava ali. Vem a
pergunta: Onde esteve durante esse tempo? Tentando resolver este
problema cronológico, os eruditos supõem que Lucas tinha uma
memória frágil e que carecia de perspectiva histórica, 16 coisa que nos
custa crer. Antes, pensamos que a data correta para a expulsão dos
judeus é o ano 49, o qual precede imediatamente à primeira visita de
Paulo a Corinto e encaixa bem com a chegada de Gálio no ano 51. 17

3. O rei Aretas

Paulo nos oferece uma interessante nota histórica em sua segunda


epístola aos Coríntios, pois ali nos informa que para capturá-lo, o
governador que estava sob o rei Aretas pôs guardas em toda a cidade de
Damasco. Mas ao amparo da noite, Paulo pôde escapar com a ajuda de
alguns crentes, que o baixaram num cesto por uma das janelas do muro
da cidade (2Co 11:32, 33). Aretas IV reinou como príncipe nabateu de 9
a.C. até 39 ou 40 d.C. O imperador Tibério morreu em 16 de março do
ano 37, e Caio Calígula, seu sucessor, outorgou a Aretas o controle de
Damasco em qualidade de rei vassalo. Isto quer dizer que Paulo escapou
da cidade depois que Aretas assumisse o controle de Damasco no ano 37
e antes de sua morte dois anos mais tarde. 18

16
Murphy-O’Connor, St. Paul’s Corinth, p. 140; Luedemann, Paul, Apostle to the Gentiles, p. 170.
17
Veja-se Robert Jewett, A Chronology of Paul’s Life (Philadelphia: Fortress, 1979), pp. 36–38; E.M.
Smallwood, The Jews under the Roman Rule (Leiden: Brill, 1976), pp. 210–216.
18
Jewett, Chronology, pp. 30–33; George Ogg, The Chronology of the Life of Paul (Londres:
Epworth, 1968), pp. 22–23; veja-se também o livro The Odyssey of Paul (Old Tappan, N.J.: Revell,
1968).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 24
4. Paulo e Barnabé

Depois de estar ausente por três anos, Paulo chegou a Jerusalém e


se reuniu por quinze dias com Pedro e Tiago (Gl 1:18, 19). Pelo fato de
que os crentes temiam pela vida de Paulo, levaram-no a Cesareia e o
subiram a um barco que ia para Tarso (At 9:29, 30). Paulo fundou igrejas
na Cilícia e Síria (At 15:41; Gl 1:21) e depois, ao ser convidado por
Barnabé, foi para Antioquia, onde ensinou por um ano (At 11:25, 26).
Foi durante esse período que Paulo e Barnabé viajaram a Judeia para
levar ajuda aos irmãos que passavam pela fome ocorrida em 44 ou 45
(At 11:29, 30). A primeira viagem missionária provavelmente ocorreu de
46 a 48. Durante esse tempo Paulo e Barnabé pregaram o evangelho em
Chipre, em Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe (At 13–14).
Tendo voltado a Antioquia, a igreja os enviou para participar do concílio
de Jerusalém (At 15). Paulo diz que voltou para Jerusalém depois de
quatorze anos (Gl 2:1). Se isto quer dizer quatorze anos depois de sua
conversão, ocorrida em 35 d.C., o concílio de Jerusalém foi realizado
então em 49 d.C. 19

5. A igreja de Corinto

Depois da reunião em Jerusalém, Paulo começou sua segunda


viagem missionária visitando as igrejas da Ásia Menor (At 15:36–16:5).
Depois cruzou o Mar Egeu e viajou até Filipos, Tessalônica, Bereia e
Atenas (At 16:8–17:33). Supomos que Paulo chegou a Corinto no outono
do ano 50, ficando ali por oito meses (At 18:11).
Na primavera do ano 52, Paulo partiu de Corinto. Junto com Áquila
e Priscila zarpou rumo a Éfeso, onde se separaram, porque o apóstolo
continuou viagem a Cesareia, Jerusalém e Antioquia (At 18:18–22).

19
A referência aos «quatorze anos» poderia ou não incluir os «três anos» mencionados em Gl 1:18, o
qual dá espaço para alguma diferença de cálculo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 25
Logo viajou outra vez pela Ásia Menor, fortalecendo as igrejas, até
chegar a Éfeso, provavelmente no outono de 52 (At 18:23; 19:1). Ficou
três anos em Éfeso, ensinando sucessivamente na sinagoga e na sala de
conferências de Tirano, e anunciando a palavra do Senhor (At 19:8, 20;
20:31). Não é possível estabelecer com perfeição a data exata quando se
escreveu 1 Coríntios, mas o ano 55 seria a data aproximada. 20
Em certo sentido, 1 Coríntios é a continuação de outra carta que
Paulo tinha escrito anteriormente, e que infelizmente não foi preservada.
Paulo já havia enviado uma carta aos coríntios para dizer que eles não
deveriam juntar-se com gente imoral (1Co 5:9). Aparentemente a carta
não foi bem entendida, o que levou os coríntios a escrever a Paulo,
pedindo alguma elucidação (veja-se 1Co 7:1). Ao responder a carta que
tinha recebido da parte da igreja em Corinto, Paulo gerou o que hoje
conhecemos como a primeira epístola aos Coríntios. Depois de enviar
esta carta, Paulo viajou a Corinto, ocasião que ele denominou como a
«dolorosa visita», a qual veio seguida pela «carta cheia de tristeza» (2Co
2:1, 3, 4). Tanto a visita como a carta devem ter sido produzidas em 55.
No ano seguinte Paulo escreveu 2 Coríntios.

6. Os governadores Félix e Festo

Paulo deixou Éfeso, viajou pela Macedônia fortalecendo as igrejas,


e chegou até o Ilírico (Rm 15:19). Logo viajou a Corinto para passar ali
o inverno (1Co 16:6). Durante o inverno do ano 57 escreveu a carta aos
Romanos. Depois de uma longa viagem a pé pela Macedônia e uma
viagem a Cesareia, chegou a Jerusalém para a celebração do Pentecostes
(At 20:16; 21:17). Ali foi detido e enviado a Félix, o governador romano
em Cesareia. Tudo parece indicar que Félix já tinha estado exercendo o

20
S. Dockx crê que Paulo escreveu sua carta durante os primeiros três meses do ano 54. Veja-se sua
«Chronologie Paulinienne de l’Année de la Grande Collecte», RB 81 (1974): 183–95. Veja-se também
Graydon F. Snyder, First Corinthians: A Faith Community Commentary (Macon, Ga.: Mercer
University Press, 1992), p. 8.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 26
cargo por vários anos, quando tomou o caso de Paulo em Cesareia (At
24:2, 10). Durante os dois últimos anos de sua administração, Félix
manteve Paulo preso e depois o enviou a Pórcio Festo. Não sabemos
com exatidão em que data Festo assumiu o cargo de procurador, mas
Félix provavelmente durou no seu de 52 a 59. Agripa II e Festo
mandaram chamar Paulo para ouvi-lo. Agripa estava quase dez anos no
poder; tinha começado a reinar em março de 50, o que nos diz que se
encontrou com Paulo no verão de 59. 21
O livro de Atos e as epístolas de Paulo contêm referências que
indiretamente apontam à vida e ministério do apóstolo, e desta forma nos
proveem uma cronologia que parte de sua conversão, perto de Damasco,
até sua viagem a Roma e subsequente libertação. Dentro desta
cronologia podemos datar com confiança a primeira visita de Paulo a
Corinto entre os anos 50 e 52, o que nos leva a deduzir que ele escreveu
1 Coríntios dentro dos três anos depois de ter deixado Corinto.

C. MENSAGEM

As notícias que a família da Cloe trouxe a Paulo (1Co 1:11), a carta


que recebeu dos coríntios (1Co 7:1) e as coisas que ouviu da delegação
que veio da igreja de Corinto, tudo isto levou Paulo a escrever sua
epístola. A família da Cloe informou-o sobre os grupos que se tinham
formado em Corinto, o que minava a unidade da igreja. Paulo também se
inteirou de que havia incesto (1Co 5:1), litígios (1Co 6:1–8) e
imoralidade (1Co 6:9–20). A carta que recebeu dos coríntios inquiria
sobre temas como o casamento (1Co 7:1), as virgens (1Co 7:25), a carne
sacrificada aos ídolos (1Co 8:1), os dons espirituais (1Co 12:1), a oferta
para ajudar os irmãos de Jerusalém (1Co 16:1) e finalmente sobre Apolo

21
Josefo, Guerra judaica 2.14.4 [284]. Veja-se também David L. Jones, «Luke’s Unique Interest in
Historical Chronology», en Society of Biblical Literature 1989 Seminar Papers, editados por David J.
Lull (Atlanta: Scholars, 1989), pp. 378–387.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 27
(1Co 16:12). A delegação composta por três irmãos de Corinto também
lhe deram detalhes adicionais (1Co 16:17).

1. Problemas na liderança

Paulo amava muito a igreja de Corinto, e lhes escreve que em


Cristo Jesus ele chegou a ser seu pai espiritual mediante o evangelho
(1Co 4:15). Sem dúvida, o curto ministério de Paulo em Corinto, as
diferenças étnicas e as desigualdades socioeconômicas dos membros
levantaram muitos problemas. A igreja estava composta de cristãos
judeus, que conheciam as Escrituras do Antigo Testamento, e de gentios
prosélitos que em seu tempo assistiram os cultos da sinagoga local.
Também havia cidadãos bem abastados e escravos em extrema pobreza.
A congregação incluía pessoas de várias nações e línguas. Estas
tremendas diferenças faziam com que a igreja de Corinto não
sobressaísse por sua estabilidade.
Quando a desunião se apoderou da igreja de Corinto, distanciou a
membresia, mudando a unidade pela discórdia. Ao inteirar-se de que na
igreja de Corinto havia facções em conflito, Paulo aborda este problema
como seu primeiro ponto a tratar. Tinha sido informado que a igreja
estava dividida em quatro grupos, e que cada grupo seguia o seu líder:
Paulo, Apolo, Cefas ou Cristo. No primeiro versículo que trata do
problema, pede aos coríntios, em nome do Senhor Jesus Cristo, que
busquem a unanimidade, que evitem as divisões e que estejam unidos em
mente e pensamento (1Co 1:10). A pergunta retórica «Está Cristo
dividido?», espera uma resposta negativa que reafirme a unidade da
igreja de Cristo. O que são Paulo e Apolo? A resposta é, simples servos a
quem o Senhor entregou a tarefa de trazer às pessoas à fé em Cristo (1Co
3:5). Foi-lhes entregue a tarefa de proclamar e ensinar o povo a
revelação de Deus, o que desautoriza todo espírito arrogante e cismático.
Cada membro da igreja de Corinto deve aprender o que a Escritura
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 28
ensina e evitar toda divisão na igreja adotando uma atitude humilde (1Co
4:6).
Pelo fato de que Paulo esteve três anos fora da igreja de Corinto (de
52 a 55) alguns de seus líderes começaram a enaltecer-se, opondo-se e
desqualificando a liderança de Paulo e a de seus outros companheiros
(1Co 4:18–21; 9:1–6; 16:10–12). Estes líderes pretendiam ser sábios e
estar bem treinados em filosofia. Sem dúvida que a filosofia grega desse
então exercia sobre eles certa influência (cf. 1Co 1:20–25; 2:1–5, 12–14;
3:18–22; 12:3). Não eram gnósticos, 22 mas se opunham aos esforços que
Paulo fazia por ensinar e aplicar o evangelho de Cristo. Paulo lhes refere
a revelação de Deus e lhes faz ver que Cristo é o poder e a sabedoria de
Deus (1Co 1:24, 30). Paulo aplica a revelação divina à vida diária dos
coríntios, vida carregada de males morais e sociais.

2. Problemas morais e sociais

Dentro da comunidade de Corinto dava-se o caso de um homem


que mantinha relações sexuais com a esposa de seu pai, uma imoralidade
que nem sequer era visto no mundo pagão (1Co 5:1). Paulo pensava que
toda a congregação era responsável por este pecado e lhes censurou sua
incapacidade de lamentar-se diante desta situação. 23 Assim que ordena
que o entreguem a Satanás, expulsando-o da comunidade (1Co 5:5, 13).
Ordena que tirarem essa deterioração moral do meio da congregação,
porque esta mancha menosprezaria o testemunho da igreja em Corinto. O
apóstolo esperava que os crentes fossem um exemplo de pureza moral
dentro de uma sociedade imoral. Por esta razão, ordena aos coríntios que

22
Walter Schmithals só vê em Corinto uma corrente gnóstico-cristianiza pura. Veja-se seu Gnosticism
in Corinth: An Investigation of the Letters to the Corinthians, traduzido por John E. Steely (Nashville
and New York: Abingdon, 1971), p. 138. No entanto, sabe-se que dentro da igreja cristã o gnosticismo
começou sua primeira etapa embriónica só a fins do primeiro século, e não nos meados do mesmo.
23
Veja-se Brian S. Rosner, «‘ο_χ_ μ_λλον _πενθήσατε’: Corporate Responsability in 1 Corinthians
5», NTS 38 (1992): 470–73; F.S. Malan, «The Use of the Old Testament in 1 Corinthians», Neotest 14
(1981): 134–66.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 29
não tenham amizade com gente que leva uma vida sexual desordenada,
mas antes, fujam de toda imoralidade sexual (1Co 5:9; 6:9–11, 18).
A imoralidade também se mostrava em cristãos que traziam seus
litígios diante de juizados civis (1Co 6:1). Paulo lhes lembra vez após
vez as coisas que lhes tinha ensinado anteriormente com relação à
imoralidade e lhes pergunta se lembravam dessas exortações. Sobre os
casos que eram levados aos tribunais, aconselha-os categoricamente que
busquem entre eles um homem sábio que possa mediar entre suas
diferenças. Como aplicação da lei de Cristo — de amar uns aos outros —
pede que em vez de procurar ganhar um litígio através de uma corte
civil, prefiram ser prejudicados ou extorquidos. Pois, de outra maneira,
seria impossível não causar dano ao próximo (1Co 6:7, 8).

Outro problema social que afligia a comunidade de Corinto tinha


que ver com os casamentos, com pessoas separadas, divorciadas,
solteiras ou viúvas. A igreja escreveu a Paulo uma carta na qual lhe
pediam conselho sobre problemas matrimoniais. O apóstolo satisfez
todas as suas expectativas, apresentando um extenso discurso sobre um
tema de interesse universal (1 Coríntios 7). Como certo, em nenhuma
outra parte da Escritura encontramos uma discussão tão detalhada dos
problemas matrimoniais como a que Paulo apresenta em 1 Coríntios 7.
Seu ensino está baseado no relato que o Gênesis nos entrega a respeito
da instituição do santo casamento no paraíso e na proibição que Jesus
estabeleceu com relação a que não devemos quebrantar os votos
matrimoniais (Gn 2:24; Mt 19:4–6).

3. Problemas culturais e religiosos

Os gentios tinham o costume de comer carne que havia sido


sacrificada aos ídolos. Isto se transformou em um dos problemas que os
coríntios consultaram o apóstolo (1Co 8:1). Os crentes que tinham uma
consciência forte não lhes incomodava comer carne no templo de um
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 30
ídolo. Como pensavam que o ídolo não existia, para eles a carne não era
mais que alimento comum. Os fortes podiam praticar sua liberdade
cristã, comprando essa carne no açougue. Mas Paulo põe de relevo três
pontos: a consciência do irmão fraco, a responsabilidade que o irmão
forte tem de cuidar de seus irmãos e a unidade da igreja.

4. Problemas congregacionais

Os seguintes quatro capítulos (11–14) estão dedicados a resolver


problemas relacionados com as reuniões de adoração. São tratados
problemas como a oração e a profecia, a celebração da Santa Ceia, os
dons espirituais, o significado do amor, a profecia e o falar em línguas e
a forma correta de adoração. Os problemas relacionados com os dons
espirituais eram tão prementes, que na carta que os coríntios enviaram a
Paulo rogaram que ele deixasse claro a doutrina relacionada com eles.
Paulo trata este problema antes e depois do eloquente capítulo sobre o
amor (cap. 13), o que fixa qual é a atitude que se necessita para
conduzir-se corretamente no culto de adoração.

5. Problemas doutrinais

Não há nenhuma indicação que nos insinue que os irmãos tenham


pedido a Paulo para os aconselhar referente à doutrina da ressurreição.
Mas parece que ele se inteirou de que alguns membros de Corinto
negavam que houvesse ressurreição (1Co 15:12). Ao começar sua carta,
Paulo lhes escreve a respeito de que os crentes esperam a volta de Jesus
(1Co 1:8). Isto explica por que Paulo dedica um extenso discurso à
doutrina da ressurreição física do corpo (1Co 15:12–58) e à discussão
sobre escatologia. Paulo lhes adverte de que estão em perigo de ser
desviados mediante doutrinas que falam equivocadamente da
ressurreição de Cristo (1Co 15:12, 33, 34). Tanto no princípio como no
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 31
final de sua epístola, o apóstolo estimula os seus leitores a esperarem
expectantes a volta de Cristo.

D. DESTINATÁRIOS

Podemos aprender muito dos destinatários desta carta, se tão


somente tivermos o cuidado de ler com atenção. O registro histórico do
livro de Atos diz que os judeus que aceitavam o evangelho abandonavam
a sinagoga. Os prosélitos que adoravam o Deus de Israel também
puseram sua fé em Jesus Cristo e foram batizados (At 18:7, 8).

1. Judeus e prosélitos

A forma em que Paulo usa o Antigo Testamento em sua epístola


delata que esperava que seus leitores tivessem um domínio básico do
conteúdo das Escrituras, porque cita passagens de vários livros do
Antigo Testamento. Podemos perceber certa inclinação em suas
preferências, visto que o apóstolo usa mais um livro que outro. Em
outras palavras, quase um terço de todas as citações diretas que faz
provêm do livro de Isaías. 24 Além de sua afinidade com Isaías, Paulo cita
Gênesis, Êxodo, Deuteronômio, Jó, Salmos, Jeremias e Oseias.
Resumindo, 1 Coríntios se apoia acima de tudo no Pentateuco e em
Isaías.
Puderam os coríntios entender facilmente o contexto, o pano de
fundo e aplicação das citações que Paulo faz do Antigo Testamento? Os
cristãos judeus foram ensinados desde crianças nas Sagradas Escrituras,
assim que podiam entender o contexto e aplicação que se fazia de certas
passagens. Por exemplo, citando Isaías 22:13 Paulo diz: «comamos e
bebamos, que amanhã morreremos» (1Co 15:32). Pelo fato de que os

24
Sua tendência a citar Isaías também se deixa ver em Romanos, onde, de um total de sessenta
passagens do Antigo Testamento, Paulo cita dezoito vezes ao profeta.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 32
cristãos judeus estavam familiarizados com a história de Israel, podiam
entender imediatamente o significado histórico destas palavras. Eles
sabiam que Paulo se referia à indiferença que mostrou o povo de
Jerusalém, quando um exército estrangeiro se preparava para devastar o
país. Em lugar de voltar-se a Deus para suplicar Sua ajuda, os israelitas
ficaram a matar gado, a comer sua carne e a beber vinho, dando rédea
solta à sua rebeldia. O povo de Jerusalém não se arrependeu, antes,
deliberadamente se apartou de Deus para gastar o tempo em farras.
Muitos dos prosélitos tinham adquirido certo conhecimento da
Escritura na sinagoga e na igreja. Não necessitavam maior explicação,
porque estavam capacitados a sondar as profundezas dos ensinos de
Paulo.

2. Os conversos

Outros só se converteram à fé quando Paulo começou seu


ministério em Corinto. Lembremos que Paulo só ficou dezoito meses em
Corinto, pois foi embora da cidade no ano 52. Três anos mais tarde,
quando escreve 1 Coríntios, não esperaria que cada membro da igreja
tivesse um conhecimento acabado da Escritura. Muitos dos problemas
sociais e congregacionais que tinha a igreja surgiam do fato de que os
membros entendiam e aplicavam mal a Palavra de Deus.
Paulo percebeu que em Corinto alguns crentes comportavam-se da
mesma forma que as pessoas do mundo, ao ponto de quase não haver
diferença entre eles (1Co 3:3). Paulo reprova a conduta que tinham,
porque estava marcada pelas rixas, a inveja, a imoralidade e a
libertinagem. Com esse proceder se cometia sacrilégio contra o templo
de Deus. Paulo lhes lembra que o Espírito de Deus habita neles, por isso
os seus corpos são o templo de Deus. Assim que, se alguém destruir este
templo, Deus o destruirá (1Co 3:16, 17).
Usa Paulo o termo pneumátikoi para opor-se aos que se diziam
espirituais? Se fosse assim, esta palavra grega apareceria ao longo de
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 33
toda sua carta no número plural, gênero masculino. Mas este não é o
caso, visto que se Paulo usa doze vezes o termo espiritual, 25 nove destas
ocorrências estão no gênero neutro, para referir-se a verdades, coisas e
corpos espirituais. E quando usa a forma masculina (singular ou plural,
1Co 2:15; 3:1; 14:37) de algum modo contrasta tal termo com gente que
não é espiritual ou que são crianças em Cristo. A pessoa espiritual está
cheia do Espírito Santo, toma decisões corretas, não são lascivos ou
mundanos, reconhecem e obedecem os mandamentos do Senhor.
Esta carta contém um número de clichês usados por alguns
arrogantes da congregação de Corinto. Paulo interage e dialoga com eles,
citando seus próprios clichês. Por exemplo, um dos clichês que
aplicavam à sua vida diária era «todas as coisas me são permitidas» (1Co
6:12; 10:23). Permitiam e se alegravam em pecados sexuais e sociais sob
pretexto de ser livres em Cristo. Em vez de servir seu Senhor e Salvador,
preferiam gratificar seus desejos pecaminosos. Paulo os repreende com
argumentos que despedaçam seus clichês. Dizem que tudo é lícito, mas
Paulo lhes responde que nem todo é proveitoso. Apregoavam o lema: «A
comida é para o estômago e o estômago para a comida», mas Paulo lhes
objeta: «Mas Deus destruirá a ambos» (1Co 6:12, 13). 26 Buscavam a
libertinagem sexual, mas Paulo lhes faz ver que a imoralidade sexual é
um pecado contra nosso próprio corpo. Volta a lembrar-lhes que o corpo
de um crente é o templo do Espírito Santo (1Co 6:19; veja-se 1Co 3:16,
17). Paulo tem que confrontar gente arrogante que queria aproveitar ao
máximo a liberdade cristã. Deve advertir os que falam com arrogância e
que precisam ser corrigidos (1Co 4:18–21).
Um bom número deles eram pessoas recém-convertidas, que
precisavam ser edificados na fé cristã. Naturalmente que os judeus e
prosélitos recém-convertidos também precisavam ser instruídos no
evangelho. A congregação de Corinto estava composta de gente de todos

25
1Co 2:13, 15; 3:1; 9:11; 10:3, 4; 12:1; 14:1, 37; 15:44 [bis.], 46.
26
Veja-se Roger L. Omanson, «Acknowledging Paul’s Quotations», BibiTr 43 (1992): 201–13.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 34
os estratos sociais e de muitas nacionalidades. A congregação
permaneceria sendo um grupo heterogêneo e desunido, enquanto seus
membros persistissem nas práticas pecaminosas que herdaram de suas
próprias culturas.

3. Romanos

Depois da reconstrução de Corinto no ano 44 a.C., a cidade foi


transformada numa colônia romana, povoada por um grande número de
pessoal militar e administrativo, e também que de escravos libertos. A
cultura romana influiu na sociedade de Corinto, de maneira que alguns
de seus costumes vieram a ser parte da vida diária.
Por exemplo, Paulo toma o tema do véu com relação a homens e
mulheres. Quanto ao homem, Paulo ensina que não deve cobrir a cabeça
quando ora ou profetiza, mas sobre a mulher diz que deve cobrir a
cabeça quando ora ou profetiza (1Co 11:4, 5, 13). Paulo se refere a um
costume romano, visto que na Itália e suas colônias os romanos cobriam
a cabeça tanto na devoção pública como particular. Quando os romanos
ofereciam sacrifícios, oravam ou profetizavam, cobriam a cabeça com
suas togas. Paulo procura dizer aos cristãos de Corinto que devem
abandonar os costumes romanos e adotar um estilo de vida cristão. 27

4. Os líderes

A congregação de Corinto passava ainda por sua etapa de


desenvolvimento, quando os apóstolos (Paulo, Pedro) e seus ajudantes
(Apolo, Timóteo, Silas, Tito) ministravam-lhes em suas necessidades.
Estéfanas, Fortunato e Acaico estavam entre os líderes da congregação.
Crispo e Sóstenes, que fossem governantes da sinagoga de Corinto,
também eram contados entre os líderes. Paulo evita usar o termo ancião,

27
Oster, «Use, Misuse and Neglect», pp. 67–69.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 35
mas pede à membresia que se submeta àqueles que se dedicaram a servir
a igreja (1Co 16:15, 16). Já em sua primeira viagem missionária, Paulo
nomeou anciãos em cada uma das congregação que tinha fundado (At
14:23). Depois de alguns anos, ele se dirige à igreja de Filipos «junto
com os bispos e diáconos» (Fp 1:1). Também ordena a Tito que nomeie
anciãos em cada aldeia da ilha de Creta (Tt 1:5; veja-se 1Tm. 3:1–7). Já
a congregação de Corinto dá indícios de passar pela etapa inicial na qual
começavam a aparecer posições de liderança. 28

5. Oponentes

Em muitas partes desta epístola pode-se entrever que havia gente


que se opunha ao ministério e ao ensino de Paulo. Seus adversários não
formavam necessariamente uma frente unida, visto que cada um
promovia as coisas que o preocupavam. Por exemplo, Paulo faz notar
que os judeus demandavam milagres, enquanto os gregos, sabedoria
(1Co 1:22). Paulo teve que confrontar irmãos que sustentavam pontos de
vista errôneos sobre a fé cristã, como os que ensinavam que não há
ressurreição (1Co 15:12). A influência da filosofia grega os levava a
negar toda ideia de ressurreição. Outros estavam apaixonados pela
oratória dos sofistas gregos, quem atraía muito público. Paulo chegou a
Corinto depois de sua frustrante experiência no Areópago de Atenas (At
17:16–34).
É por isso que disse que não tinha chegado aos coríntios com «com
ostentação de linguagem ou de sabedoria» (1Co 2:1). Os sofistas de
Atenas criam possuir os tesouros da sabedoria, e seus seguidores os
imitavam. Paulo não tinha a eloquência que tinha Apolo (cf. 2Co 10:10;
11:6); portanto, alguns coríntios admiravam Apolo e desprezavam

28
Veja-se Andrew D. Clarke, «Secular and Christian Leadership in Corinth», TynB 43 (1992): 395–
98.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 36
29
Paulo. Em suas epístolas Paulo menciona Apolo sete vezes, e sempre o
faz valorizando o trabalho de seu companheiro (1Co 1:12; 3:4, 5, 6, 22;
4:6; 16:12).

E. TEOLOGIA

Os escritores do Novo Testamento consideravam as Escrituras do


Antigo Testamento como sua fonte de informação mais importante.
Entre os evangelistas, especialmente Mateus mostra que Jesus baseava
seu ensino exclusivamente na Escritura. Com o Antigo Testamento em
mãos, o escritor de Hebreus explica que Cristo é superior à lei e nos
ensina a doutrina do sacerdócio. Cada vez que Paulo escreveu aos
coríntios, fundamentou seu ensino citando as Escrituras do Antigo
Testamento e até com um dito de Jesus.
Por exemplo, Paulo conclui seu ensino a respeito do incestuoso
citando a versão grega de Deuteronômio 17:7 - «Expulsai, pois, de entre
vós o malfeitor» (1Co 5:13). Sua denúncia sobre a imoralidade sexual,
ele a elabora citando a instituição do casamento no paraíso (Gn 2:24;
1Co 6:16). Ao começar sua abordagem do divórcio, cita os ensinos de
Jesus que foram registradas nos Evangelhos. 30 Jesus também toca o tema
da instituição do casamento (Gn 2:24), ao qual acrescenta Seu próprio
ensino: «O que Deus uniu, não o separe o homem» (Mt 19:6). Paulo
expressa esta declaração com suas próprias palavras: «a esposa não se
separe do esposo» (1Co 7:10). Os exemplos tomados dos capítulos 5–7
demonstram que, para ensinar aos seus leitores temas sociais e de
moralidade sexual, Paulo se apoiava nas Escrituras. 31

29
Veja-se Bruce W. Winter, «Are Philo and Paul Among the Sophists? A Hellenistic Jewish and a
Christian Response to a First Century Movement», disertación doctoral (Ph.D.), Macquarie
University, 1988.
30
Mt 5:32; 19:3–9; Mc 10:2–12; Lc 16:18.
31
Brian S. Rosner, «Written for Our Instruction», TynB 43 (1992): 399–401.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 37
Para Paulo a Escritura era a base de sua teologia, porque não só cita
o Antigo Testamento, mas também alude a ele ao longo de suas duas
cartas aos coríntios mediante o uso de paralelos verbais. As alusões e
paralelos verbais provêm principalmente dos livros de Moisés, 32 de
Salmos, Provérbios e Isaías. Sua correspondência aos coríntios está plena
de referências diretas e indiretas ao Antigo Testamento.
Paulo apresenta Deus como o Pai, o Cristo e o Espírito Santo.
Discute os temas do pecado do ser humano, da salvação, a santificação e
a soberania de Deus. Como parte de sua teologia também apresenta a
doutrina da igreja em conexão com a liturgia e a vida de seus membros,
assim como a doutrina da ressurreição.

1. Deus

Embora Paulo mencione com frequência o nome de Cristo,


apresenta-o com relação a Deus. Por isso nos diz que é um apóstolo de
Jesus Cristo, mas pela vontade de Deus (1Co 1:1), por isso a bênção da
carta provém primeiro da parte de Deus Pai e depois de Jesus Cristo
(1Co 1:3). Paulo dá graças a Deus pelos coríntios (1Co 1:4), a quem
Deus chamou à Sua comunhão (1Co 1:9). Deus é a fonte do poder e da
sabedoria através da mensagem da cruz e de Cristo (1Co 1:18–25). Deus
escolhe o fraco, o insensato e ao vil do mundo, para que assim os crentes
se gloriem no Senhor (1Co 1:26–31). Deus revela Sua sabedoria secreta
ao Seu povo e lhes envia Seu Santo Espírito para que entendam e
discirnam as coisas profundas de Deus (1Co 2:10–15). É Deus que usa
os seus servos para o crescimento da igreja, e a membresia da igreja é
descrita como Seu campo, edifício e templo (1Co 3:5–17).
Paulo ensinava que o reino pertencia a Deus. Cinco vezes menciona
em sua epístola o conceito do reino (1Co 4:20; 6:9, 10; 15:24, 50).

32
Paulo registra doze alusões a Gênesis; vinte e um a Êxodo; três a Levítico; quatorze a Números e
vinte a Deuteronômio.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 38
Quando a salvação for consumada, Cristo Jesus entregará o reino a Deus
o Pai (1Co 15:24). Enquanto o texto de 1Co 4:20 fala do poder que agora
exerce o reino de Deus, o resto da epístola refere-se às bênçãos que virão
no futuro com a vinda do reino. Na glória, o povo de Deus herdará junto
com Cristo o reino vindouro.33
Quando Paulo afirma: «para nós há um só Deus, o Pai» (1Co 8:6), o
que faz é reproduzir o credo judaico «Ouve, Israel, o SENHOR, nosso
Deus, é o único SENHOR» (Dt 6:4). Deus é o Criador e o cumprimento
de todas as coisas. Quando Paulo usa o termo Pai, está indicando que
Deus o Pai e o Filho Jesus Cristo são um. Através de Cristo, Deus
também é Pai de Seu povo (1Co 1:3). Além disso, enquanto no Antigo
Testamento é Deus quem leva o título de Senhor, no Novo Testamento é
Cristo quem o leva. Bem como outros escritores do Novo Testamento,
Paulo quase não distingue entre o senhorio de Deus e o de Cristo; Deus
leva a cabo todas as coisas através de Seu Filho Jesus Cristo. Citemos
alguns dos casos nos quais Paulo identifica estas duas pessoas:

Antigo Testamento Novo Testamento

a mente do Senhor a mente de Cristo

o dia do Senhor o dia do nosso Senhor Jesus

o nome do Senhor o nome de nosso Senhor Jesus

a vontade de Deus a vontade do Senhor

Devido à sua conversão em caminho para Damasco, quando se


encontrou com o Cristo ressuscitado, Paulo identifica a divindade de
33
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traducido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 203. Em outras partes de suas epístolas, Paulo atribui o reino a
Cristo e a Deus (Ef 5:5) e ao filho amado de Deus (Cl 1:13).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 39
34
Jesus Cristo com Deus o Pai. Na igreja, Deus trabalha em cada um dos
membros do corpo de Cristo: coloca suas partes, combina seus membros
e nomeia seus líderes (1Co 12:18, 24, 28 respectivamente). Finalmente,
Deus é um Deus de ordem e paz (1Co 14:33).

2. Cristo

Ao ler 1 Coríntios, o leitor ficará surpreso pelo uso repetido da frase


nosso Senhor Jesus Cristo, citada em parte ou completa. Paulo sublinha
o fato de que Cristo Jesus é ao mesmo tempo Filho de Deus e Senhor de
Seu povo (1Co 1:2, 9). Para Paulo e os destinatários de sua epístola,
Jesus Cristo é a figura central de toda a carta: os crentes são santificados
em Seu nome, invocam o Seu nome, recebem Sua graça e são
enriquecidos. Jesus Cristo enviou Paulo para pregar o Evangelho (1Co
1:17), revelou-lhe a forma de celebrar a Santa Ceia (1Co 11:23–25) e o
conteúdo do evangelho (1Co 15:3–5). Este evangelho é chamado de
diferentes maneiras: a mensagem da cruz (1Co 1:18), a pregação do
Cristo crucificado (1Co 1:23) e o testemunho a respeito de Deus (1Co
2:1). Nada há mais importante, que pregar a ressurreição de Cristo (1Co
15:14); e cada vez que os crentes celebram a Ceia do Senhor, proclamam
Sua morte até que Ele venha (1Co 11:26). 35
Jesus Cristo é o verdadeiro cordeiro pascal, que foi sacrificado por
Seu povo (1Co 5:7). Jesus Se apresentou como o sacrifício definitivo em
favor do povo de Deus, libertando assim o Seu povo do pecado e da
culpa (Is 53:6; Jo 1:29; Hb 9:26). No Egito, os israelitas aspergiram os
batentes das portas de seus lares com o sangue do cordeiro pascal, e
assim se livraram do destrutivo poder do anjo da morte (Êx 12:7, 13). Do
mesmo modo, Cristo derramou o Seu sangue pascal no Calvário, para

34
Gordon D. Fee, «Toward a Theology of 1 Corinthians», en Society of Biblical Literature 1989
Seminar Papers, ed. David J. Lull (Atlanta: Scholars, 1989), p. 271.
35
Veja-se Victor P. Furnish, «Theology in 1 Corinthians: Initial Soundings», en Society of Biblical
Literature 1989 Seminar Papers, ed. David J. Lull (Atlanta: Scholars, 1989), p. 260.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 40
salvar o Seu povo da morte eterna. Ao beber do cálice da Comunhão, os
crentes ouvem Jesus dizer: «este cálice é a nova aliança em meu sangue»
(1Co 11:25). Desta forma lhes faz saber que, como sacrifício supremo,
Jesus derramou o Seu sangue a favor deles. Isto faz com que seus lábios
pronunciem a confissão agradecida que aprenderam do evangelho, ou
seja, de que Cristo morreu por seus pecados (1Co 15:3). São libertos da
carga do pecado e da morte. A morte de Cristo na cruz lhes concede vida
eterna. Como convidados à mesa do Senhor, celebram a festa espiritual
da páscoa.
O preço que Jesus pagou para redimir o Seu povo foi Seu sacrifício
na cruz. Duas vezes escreve Paulo aos coríntios que: «foram comprados
por preço» (1Co 6:20; 7:23). Isto tem o fim de lembrar-lhes que sua
redenção foi obtida através da morte de Cristo. Em vários lugares de sua
epístola, Paulo fala da obra expiatória de Cristo. Menciona a morte de
Cristo na cruz (1Co 1:23; 2:2); lembra aos coríntios que foram lavados,
santificados e justificados, mediante o nome do Senhor Jesus Cristo e
mediante o Espírito de Deus (1Co 6:11); diz-lhes que não devem destruir
o irmão por quem Cristo morreu (1Co 8:11). Além disso, Cristo sempre
está perto de Seu povo, como Paulo o indica referindo-se à presença
espiritual de Cristo durante os quarenta anos que os israelitas estiveram
no deserto (1Co 10:4). Assim como esteve com o Seu povo no deserto,
assim também estará com sua igreja até o fim do tempo (Mt 28:20).
Ao Filho foi encomendado realizar a vontade de seu Pai. Tudo foi
criado através do Senhor Jesus Cristo e é por meio dEle que Seu povo
vive (1Co 8:6). Jesus Cristo é o criador de Seu povo, Ele é a fonte de sua
vida. Mas assim como nós pertencemos a Cristo, Cristo pertence a Deus
(1Co 3:23). Paulo escreve que o homem é cabeça da mulher, Cristo é
cabeça de todo homem, e Deus é cabeça de Cristo (1Co 11:3). O tema da
subordinação também aparece em outra passagem (1Co 15:28). Apesar
de que todas as coisas estão submetidas a Cristo Jesus, Cristo está
subordinado a Deus o Pai. Isto nos mostra uma ordenada sucessão: nós
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 41
recebemos tudo do Filho, quem por sua vez recebe tudo de Deus o Pai,
«para que Deus seja tudo em todos».
Quando um casamento se separa, a palavra de Jesus é a resposta
definitiva a tal problema (1Co 7:10). Por outro lado, é a palavra de Cristo
que ordena que o salário dos pregadores deve proceder do evangelho
(1Co 9:14) e que afirma ser impossível servir ao Senhor e aos demônios
(1Co 10:21; veja-se Mt 6:24; Lc 16:13). É o Senhor que disciplina o Seu
povo, no sentido de que Ele os julga (1Co 11:32; e veja-se 1Co 4:4). Por
último, o que Paulo escreve aos coríntios tem a mesma autoridade que o
mandamento do Senhor (1Co 14:37).
Paulo exorta os coríntios a que o imitem, visto que em Cristo Jesus
ele tinha chegado a ser seu pai espiritual (1Co 4:15). Eles deviam
modelar sua vida segundo o exemplo que viam em Paulo, assim como
ele modelava a sua segundo Cristo (1Co 11:1). Como o Senhor revestiu a
igreja de Corinto com abundantes dons espirituais (1Co 1:7), os que
ouvem o evangelho de Cristo (1Co 15:3–5) têm o dever de servir ao seu
Senhor. A salvação que receberam os enriqueceu de muitas maneiras.
Acima de tudo são o corpo de Cristo e cada um é parte dele (1Co 12:12,
20, 27). Embora aguardem desejosos Sua vinda, sabem que quando Ele
vier Deus transformará a todos os que Lhe pertencem num abrir e fechar
de olhos (1Co 15:22, 23, 51, 52). Por meio de Cristo, Deus redime o Seu
povo, concede-lhes o dom da imortalidade e lhes dá a vitória (1Co
15:54–57). Por último, a fé em Jesus Cristo une os crentes a Cristo,
quem lhes garante que eles ressuscitarão da mesma forma como Cristo
foi ressuscitado fisicamente. «A redenção final do corpo é parte do
triunfo supremo do Filho encarnado».36

36
R. St. John Parry, The First Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek
Testament for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. lvi.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 42
3. O Espírito Santo

Cada vez que Paulo se refere ao Espírito de Deus, ele o faz para
atribuir à terceira pessoa da Trindade um papel instrumental. Mais da
metade destas referências apresentam o Espírito como o agente de quem,
por quem e através de quem algo é dado, feito ou revelado. As demais
passagens falam a respeito da existência e poder do Espírito Santo.
Examinemos agora os textos.
Em primeiro lugar, nos capítulos 2 e 12 Paulo sublinha o trabalho
do Espírito. 37 Nestes capítulos apresenta o Espírito de Deus como
Aquele que revela profundas verdades espirituais e que confere dons de
graça aos crentes. A pregação do evangelho só é realizada mediante o
eficaz trabalho do Espírito de Deus. Paulo informa que não chegou aos
coríntios «com eloquência incomparável ou sobressalente sabedoria»
(1Co 2:1). Por certo que não. Não chegou com palavras persuasivas de
sabedoria, e sim como demonstração do poder do Espírito (1Co 2:4). Ao
receber seu poder do Espírito, Paulo colocou a proclamação do
evangelho num plano superior que a mera sabedoria humana. 38
Em segundo lugar, Deus possui uma sabedoria secreta que revela a
Seu povo por meio de seu Espírito (1Co 2:7, 10). Só o Espírito de Deus é
capaz de entender e revelar as coisas profundas de Deus. Só Ele as pode
explorar e interpretar, porque conhece os pensamentos de Deus (1Co
2:10, 12). O Espírito ensina aos crentes verdades espirituais em palavras
espirituais. O homem que não tem o Espírito não pode entendê-las e,
portanto, as rejeita (1Co 2:13, 14).
Em terceiro lugar, há uma indiscutível conexão entre Deus e o
Espírito, não só porque é dito que o Espírito pertence a Deus, mas

37
Das dezoito referências que se fazem ao Espírito nesta carta, sete ocorrem no capítulo 2, sete no
capítulo 12, dois no capítulo 6, uma no capítulo 3 e uma no 7. É preciso observar que Paulo só
menciona duas vezes a expressão Espírito Santo (1Co. 6:19; 12:3), visto que em geral fala do Espírito
ou do Espírito de Deus.
38
Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 550.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 43
porque também vem dEle. Isto se faz especialmente evidente quando
Paulo afirma que o corpo físico dos crentes é o templo do Espírito de
Deus (1Co 3:16). Em palavras de Paulo: «o vosso corpo é o templo do
Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus» (1Co
6:19). Quer dizer, a influência santificadora do Espírito Santo dentro dos
crentes assinala que seus corpos físicos são templos nos quais Deus teve
por bem em residir. Os crentes foram justificados espiritualmente no
nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de Deus (1Co 6:11). Por
certo este é o único lugar do Novo Testamento que relaciona o Espírito
Santo com o trabalho de justificar os crentes. O Espírito santifica e
justifica o povo de Deus.
Quarto, Deus usa o Espírito como o agente salvador do povo. Por
meio do uso de algumas preposições (que apresentaremos em itálico),
Paulo é capaz de descrever as atividades do Espírito. Por exemplo,
quando o apóstolo aborda o tema dos dons espirituais (cap. 12), sublinha
que uma pessoa confessará o senhorio de Cristo só em virtude do
Espírito Santo (1Co 12:3). Os dons espirituais de sabedoria,
conhecimento, fé e cura são comunicados através de e por meio do
Espírito (1Co 12:8, 9). Todos estes dons são o trabalho do mesmo
Espírito (1Co 12:11). Por último, Paulo escreve que todos os que
compomos o corpo de Cristo fomos batizados por um só Espírito (1Co
12:13).
Em resumo, o Espírito Santo é enviado por Deus para revelar ao
Seu povo as verdades espirituais de salvação em Jesus Cristo. Sua tarefa
inclui o trabalho de santificar e justificar os santos. É o Espírito quem
equipa os crentes com dons espirituais para a edificação do corpo de
Cristo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 44
4. A igreja

A palavra igreja aparece com mais frequência na correspondência


enviada a Corinto, que em todo o resto das cartas paulinas. 39 O apóstolo
fundou muitas igrejas e ficou em Éfeso perto de três anos, muito mais
que os dezoito meses que esteve em Corinto.
Contudo, o grande interesse que Paulo tinha na batalha espiritual da
igreja de Corinto o levou a aconselhá-la mediante cartas, emissários
(Timóteo e Tito), à parte de suas visitas pessoais.

a. A natureza da igreja

A congregação de Corinto mostrava que pouco lhe interessava a


unidade da igreja local e, por implicação, a da igreja universal. Paulo
compara a igreja de Corinto com o corpo humano, o qual consiste em
muitos membros completamente dependentes um do outro. Estes
membros formam um corpo encaixado harmoniosamente para um
correto funcionamento. O mesmo ocorre com o corpo espiritual de Cristo
(1Co 12:12, 27).
O tema da celebração da Santa Comunhão permite a Paulo
sublinhar, em outra passagem, a unidade da igreja de Cristo: «O pão que
partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora
muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos
participamos do único pão» (1Co 10:16b, 17).
Procurando a unidade da igreja universal, Paulo repete
constantemente que o seu ensino e orientação se dirigem a «cada igreja»
(1Co 4:17), a «todas as igrejas» (com algumas variações, 1Co 7:17;
11:16; 14:33) e às «igrejas» (1Co 14:34). Os irmãos da Galácia

39
Das sessenta e um vezes que o termo ekklēsia (igreja) ocorre nas epístolas de Paulo, vinte e uma
delas aparecem em 1 Coríntios, nove vezes em 2 Coríntios, nove também em Efésios, cinco em
Romanos, quatro em Colossenses, três em Gálatas, três em 1 Timóteo, duas em cada uma das
seguintes epístolas: Filipenses, 1 Tessalonicenses, 2 Tessalonicenses, e por fim uma vez em Filemom.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 45
mostravam sua homogeneidade com a igreja de Corinto por meio de ter
o mesmo interesse de enviar uma oferta aos santos de Jerusalém (1Co
16:1–3). As igrejas da província da Ásia também faziam outro tanto,
enviando suas saudações à congregação de Corinto (1Co 16:19).

b. O culto

Quando os membros da igreja se reúnem de forma regular, fazem-


no para adorar ao seu Senhor. Pablo dedica varios capítulos a este asunto
en particular (capítulos 11–14), e ensina sobre a ordem hierárquica,
prescreve decoro no vestir quando homens e mulheres oram ou
profetizam durante o serviço a Deus, discute qual é a aparência aceitável,
critica com severidade as distinções de classe e os excessos durante a
administração da Ceia do Senhor, transmite as palavras da instituição da
Comunhão, diz aos coríntios que devem examinar-se a si mesmos, antes
de tomar o pão e o vinho, e finalmente lhes exorta a ter domínio próprio
(1Co 11:3–34).
Embora Paulo passe revista à forma correta de administrar a Santa
Ceia, não deixa de mencionar a afirmação confessional de que «Jesus é
Senhor» (1Co 12:3) e o batismo como o rito de iniciação no corpo de
Cristo (1Co 12:13). Neste contexto, o batismo significa ser batizado com
o Espírito de Cristo. 40

c. Os dons

Paulo usa os capítulos 12–14 para falar dos dons espirituais que
Deus concedeu à igreja. Há uma variedade de dons que vão do dom da
sabedoria, ao dom de falar em línguas e o de interpretá-las (1Co 12:8–
10). Buscando o bem-estar da igreja, Deus nomeou apóstolos, profetas,
mestres, os que fazem milagres, curas, ajudantes, administradores, os

40
Veja-se Guthrie, New Testament Theology, p. 755; Ridderbos, Paul, p. 373.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 46
que falam em línguas e aos que as interpretam (1Co 12:28–30). Depois
de mencionar estes dons espirituais, Paulo discute diligentemente a
forma em que os coríntios praticavam o dom de profetizar e o de falar
em línguas.
Conclui que o dom de profetizar é muito mais valioso que o de falar
em línguas. A profecia deve edificar, fortalecer e animar os crentes (1Co
14:3). Paulo permite que no serviço se fale em línguas, só quando estas
comunicam verdades inteligíveis à congregação, a fim de edificá-la e
instruí-la. Além disso, as línguas devem ser praticadas de forma
ordenada e num contexto de amor (1Co 14:6–19). Se não ocorrer assim,
aquele que tiver o dom deve ficar em silêncio (1Co 14:28).

d. A disciplina

Quase em cada capítulo desta carta nota-se certa tensão nas relações
de Paulo com a igreja. 41 Os gentios recém-convertidos queriam
introduzir na igreja a sabedoria e espírito do mundo (1Co 2:5, 12; 3:1, 3,
19). Alguns de seus membros eram tão arrogantes, que criam que
podiam tomar o lugar de Paulo na liderança da igreja. Até punham em
tela de juízo seu apostolado (1Co 9:1–3). Portanto, Paulo os repreende
duramente e lhes pergunta se querem que ele chegue a eles com
chicotadas ou com amor e um espírito de bondade (1Co 4:21).
A congregação de Corinto carecia do necessário sentido de
responsabilidade corporativa, que os tivesse levado a expulsar de seu
médio ao incestuoso. Paulo teve que corrigir à congregação, para que
esta fizesse eficaz a disciplina (1Co 5:5, 13). Também reprovou a
conduta imoral de alguns que queriam aplicar a liberdade cristã a seus
hábitos sexuais (1Co 6:12). Proibiu aos coríntios que assistissem às

41
A Gordon D. Fee (The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on
the New Testament [Grand Rapids: Eerdmans, 1987], p. 8, nota 22) parece-lhe que o tema do
casamento (1Co 7:1–40) e o do decoro no culto (1Co 11:2–16) não mostram rastros de tensão, mas em
minha opinião, mesmo esta última passagem não está livre de tensões (veja-se 1Co 11:16).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 47
comidas comunitárias dos templos pagãos, porque se a gente participar
da comida que foi oferecida a um ídolo, está anulando a comunhão que a
gente tem com Cristo em sua mesa (1Co 8:1–13; 10:1–22). Em lugar de
viver como cristãos dentro de uma sociedade pagã, alguns coríntios
estavam vivendo como pagãos numa comunidade cristã.
Paulo manda pôr ordem durante a Ceia do Senhor e lhes ordena
procurar a edificação durante o culto. Estas eram medidas corretivas que
a igreja devia implementar (1Co 11:17–34; 14:1–35). Paulo repreende
pela última vez aos que se criam adornados de dons espirituais, lhes
fazendo ver que as palavras que ele pronunciava eram inspiradas por
Deus, visto que Jesus falava por meio dele (1Co 14:36, 37). Os que com
arrogância repudiavam seus ensinos, deviam saber que Deus os
repudiava a eles (1Co 14:38; veja-se Mt 10:33; 2Tm 2:12).

5. A ressurreição

Entre todos os escritos de Paulo, 1 Coríntios 15 sobressai como o


capítulo sobre a ressurreição.
O que garante a todos os crentes que eles ressuscitarão é o fato de
que Cristo ressuscitou dos mortos (1Co 6:14; 15:15, 16). Paulo apresenta
Cristo como as primícias daqueles que morreram (1Co 15:20, 23).
Quando chega o tempo em que se pode recolher os primeiros frutos do
grão que está amadurecendo, significa que a colheita está perto.
Alguns irmãos de Corinto negavam a ressurreição (1Co 15:12). Seja
que tenham dado à sua própria ressurreição um sentido espiritual ou não,
o fato é que Paulo ensina que o povo de Deus ressuscitará fisicamente. 42
O apóstolo apresenta sua doutrina usando o típico paralelismo semítico
(1Co 15:21, 22):

42
Para uma discussão completa do tema, veja-se Anthony C. Thiselton, «Realized Eschatology at
Corinth», NTS 24 (1977–78): 510–26.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 48
por meio de um homem veio a morte
por meio de um homem veio a ressurreição dos mortos
em Adão todos morrem
em Cristo todos serão vivificados

Paulo menciona a Adão, que é a cabeça da raça humana, e Cristo,


que é cabeça de Seu povo. Por sua desobediência, o primeiro Adão
trouxe a maldição da morte sobre a raça humana; o segundo Adão, pelo
contrário, tirou essa maldição e outorgou vida eterna a todos os que
creem nEle. O primeiro Adão veio do pó da terra, mas o segundo Adão
veio do céu (1Co 15:45–49). Enquanto Adão veio a ser um ser vivente,
Cristo veio a ser um espírito que dá vida. O contraste é incomparável,
porque Cristo tem a autoridade para ressuscitar da tumba o Seu povo e
transformar seus corpos em corpos gloriosos, realizando este ato
redentor num abrir e fechar de olhos (1Co 15:52).
Paulo conclui seu extenso discurso escatológico com uma nota de
triunfo. Paulo cita as profecias de Isaías 25:8 e Oseias 13:14, que falam
da morte: «Destruída é a morte em vitória» e «Onde está, ó morte, a tua
vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?». É preciso notar, no
entanto, que a palavra vitória não aparece em nenhum destes dois textos
do Antigo Testamento. A profecia de Isaías, antes, diz: «Destruirá a
morte para sempre», e Oseias lê: «Onde, ó morte, estão tuas pragas?
Onde, ó sepulcro, a tua destruição?» É Paulo quem muda as palavras da
Escritura para introduzir o termo vitória, e assim chegar ao clímax de seu
discurso sobre a ressurreição.
Paulo escreveu sua carta aos coríntios citando diretamente o Antigo
Testamento, ou adaptando ou aludindo ao seu conteúdo. Os escritos
paulinos estão empapados do sentido das Escrituras, o que demonstra
que o Espírito Santo estava operando nele como autor primário. O
Espírito concede a Paulo a autoridade apostólica de usar e adaptar as
passagens do Antigo Testamento para apresentar verdades inspiradas ao
povo de Deus. As Escrituras não só apoiam o ensino de Paulo, mas
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 49
também indicam que seus escritos estão em linha direta com a Palavra
revelada de Deus. Nos casos em que Paulo se separa das exatas palavras
do texto do Antigo Testamento, concentra sua atenção, não numa palavra
em particular, e sim no contexto da passagem. Resumindo, Paulo põe o
Antigo Testamento a serviço de sua teologia, para que se ajuste à força
de sua inspirada mensagem. 43

F. AUTENTICIDADE

Como uma das principais cartas de Paulo, esta epístola desfruta de


credenciais internas e externas de autenticidade. Comecemos com a
evidência interna.

1. Evidência interna

Em primeiro lugar, esta carta se autocertifica, visto que em muitos


lugares Paulo se refere a si mesmo (1Co 1:1, 12, 13; 3:4, 5, 22; 16:21).
Segundo, no princípio da carta, a saudação, o destinatário, a bênção
e a ação de graças estão estruturadas de forma semelhante a outras
epístolas paulinas. O mesmo ocorre, no final da carta, com as saudações
e a doxologia.
Terceiro, em vários lugares as referências cruzadas a Atos e ao resto
da correspondência paulina correspondem com os nomes e temas que se
discutem na carta. Por exemplo, tanto em Atos como em 1 Coríntios, os
primeiros em abordar a congregação são Paulo e Sóstenes (1Co 1:1).
Lucas destaca que Sóstenes era o diretor da sinagoga de Corinto, que foi
açoitado pelos judeus diante da corte de Gálio (At 18:17). Paulo batizou
Crispo (1Co 1:14), e Lucas escreve que Crispo era o diretor da sinagoga

43
Veja-se E. Earle Ellis, «How the New Testament Uses the Old», en New Testament Interpretation:
Essays on Principles and Methods, ed. I. Howard Marshall (Grand Rapids: Eerdmans; Exeter:
Paternoster, 1977), pp. 199–219.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 50
de Corinto que se converteu com toda a sua família (At 18:8). Áquila e
Priscila enviam saudações à igreja de Corinto (1Co 16:19), que alguns
anos antes estiveram entre os primeiros membros daquela congregação
(At 18:2, 3; veja-se também Rm 16:3). As referências cruzadas a outros
passagens paralelas das cartas de Paulo são tão numerosas, que não é
possível mencioná-los. Toda a evidência aponta, sem dúvida, ao apóstolo
Paulo.

2. Evidência externa

A fins do primeiro século, Clemente de Roma recorre a esta epístola


como a carta do bendito Paulo, o apóstolo»; a Epístola de Barnabé
contém coincidências verbais com 1Co 3:1, 16, 18; e a Didaquê tem a
expressão aramaica Maranatha, que aparece em 1Co 16:22. 44
Ao chegar o segundo século, a autenticidade desta epístola paulina
já estava bem estabelecida. No capítulo 35 de seu Diálogo com Trifo,
Justino Mártir cita 1 Coríntios 11:19. Marcião incluiu 1 Coríntios em seu
cânon. Na última parte desse século, o Cânon Muratoriano declarava que
as duas epístolas aos coríntios eram paulinas, colocando-as à testa da
lista das cartas paulinas. Além disso, Irineu, Clemente de Alexandria e
Tertuliano citam 1 Coríntios muitas vezes.

3. Integridade

Os estudiosos que põem em dúvida a unidade de 1 Coríntios


sublinham a apresentação desarticulada de seu conteúdo e veem
contradições na composição. Por exemplo, primeiro Paulo informa aos
coríntios que logo irá vê-los (1Co 4:19), porém no final de sua carta fala
de uma demora (1Co 16:5, 6). Paulo se mostra inflexível dizendo que os

44
As referências são respectivamente a 1 Clemente 47.1; Barnabé 6.11 e Didaquê 10.6., textos que se
podem consultar em D. Ruiz. Padres apostólicos (Madrid: BAC, 1950).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 51
crentes não devem participar de sacrifícios que se oferecem a ídolos
(1Co 10:1–22), mas depois se torna indulgente quando fala da liberdade
de consciência (1Co 10:23–11:1). Nos primeiros quatro capítulos de sua
epístola, Paulo aborda o tema do apostolado, para depois voltar ao
mesmo no capítulo 9. Segundo alguns eruditos, estes são só três
exemplos que ilustram a falta de coerência da qual se fala. 45
Em minha opinião, não creio que Paulo tenha escrito sua carta de
uma só vez, quer usasse ou não a ajuda de um escriba. Suas muitas
obrigações em Éfeso (veja-se At 19:8–10; 20:20, 21, 34) obrigaram-no a
ir redigindo pouco a pouco sua carta, o que fez inevitável que se
produzissem cortes em sua composição. Como outras cartas paulinas
também mostram rastros de cortes literários (p. ex., Rm 5:12–19 e 15:33;
16:20, 25–27), concluímos que esta peculiaridade é uma de suas
características. Por último, Paulo recebia informação do que acontecia
em Corinto por meio de gente que ia visitá-lo (1Co 1:11; 16:17), por
carta (1Co 7:1) e por relatórios orais (1Co 5:1; 11:18). Não há dúvida
que ele compartilhou com todos eles os problemas que afligiam a
congregação de Corinto.
Não é possível rastrear os passos que foram sendo dados na
composição desta epístola, a menos que recorramos a teorias que por sua
vez vêm controladas por muitas variantes. 46 Os deslocamentos que
mostra a carta devem-se ao contexto em que foi gerada, visto que Paulo
periodicamente recebia informação que analisava. Por certo que a carta é
uma compilação de temas ligeiramente relacionados. É preciso concluir
com Leon Morris que «não é um tratado de teologia sistemática, mas um
genuíno esforço por resolver problemas concretos da vida diária. Havia
situações que demandavam um pronunciamento apostólico em mais de

45
Jean Héring, The First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, traduzido por A. W. Heathcote y P.
J. Allcock (Londres: Epworth, 1962), p. xiii.
46
Veja-se o estudo de John C. Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians, 2ª. edição (Macon, Ga.: Mercer
University Press, 1983), pp. 43–58.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 52
um tema. Paulo salta de um tema a outro, às vezes sem que haja muita
conexão entre eles». 47

G. CARACTERÍSTICAS

Definimos a epístola de Paulo aos Romanos como a carta


constitucional do cristianismo. Nela o apóstolo estabelece as doutrinas
do pecado, da salvação e do serviço. Sabemos que os últimos capítulos
de Romanos (12–16) estão dedicados a assuntos práticos que têm que ver
com a vida da igreja. Em contraste, 1 Coríntios é do princípio ao fim
uma carta pastoral na qual Paulo demonstra sua preocupação pela igreja
de Corinto. Paulo dá conselhos práticos, não só àquela congregação em
particular, mas também a toda a igreja cristã. A esfera dos problemas que
Paulo discute em 1 Coríntios é o suficientemente ampla para que os
membros de qualquer congregação possam recorrer a ela quando
estiverem em busca de direção.
Uma das características mais sobressalentes desta epístola é a forma
tão completa em que trata os problemas que enfrenta a igreja; problemas
como a divisão, o devido com relação aos líderes, a disciplina, litígios,
casamentos arruinados, a influência e os costumes do mundo, o
feminismo, os graves problemas litúrgicos nos cultos de adoração, ideias
erradas sobre a consumação do plano de salvação e a oferta para os
pobres.
Outra característica estriba na forma tão pessoal na qual Paulo fala
quando trata os problemas práticos dos coríntios. A carta o mostra
servindo aos membros da igreja como um pastor que tem um verdadeiro
interesse pessoal pelo bem-estar espiritual deles. A marca registrada
desta carta é o pronome pessoal eu, que aparece repetidamente em todos
os dezesseis capítulos.

47
Leon Morris, «Corinthians, First Epistle to the,», ISBE, vol. I, p. 775.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 53
Terceiro, o estilo literário de 1 Coríntios é excepcionalmente bom.
Paulo mostra um domínio do grego que às vezes desafia os autores
clássicos, e usa uma multidão de palavras que são exclusividade desta
epístola. 48 A carta também tem um sabor semítico, visto que seu autor
com frequência cita o Antigo Testamento, e até usa as palavras
aramaicas: amém e Maranatha.
Finalmente, Paulo expõe muitas perguntas retóricas. Especialmente
na primeira parte da epístola, repete a interrogante: «sabeis que …?». 49
Espera uma resposta positiva da parte dos coríntios, porque eles já
tinham sido instruídos pelos apóstolos e seus colaboradores. Com suas
perguntas Paulo refresca a memória dos coríntios e assim edifica sobre o
fundamento colocado anteriormente.

H. TEXTO

O texto grego de 1 Coríntios tem o apoio de um papiro (P46) e das


chamadas testemunhas maiores (tanto manuscritos unciais como em
minúsculas). O papiro contém todos os capítulos, porém não estão
completos. Os manuscritos unciais que contêm o texto completo de todos
os capítulos são ‫א‬, A, B, D, 06abs, L, ψ, 056, 0142, 0150 y 0151. 50
Em suma, acrescentando as muitas testemunhas que contêm parte
do texto, a epístola tem um texto grego firmemente estabelecido.
No entanto, a carta apresenta alguns problemas que nenhum
tradutor e comentarista pode passar por alto. Por exemplo, qual é a
leitura correta de 1Co 2:4? Deve ser «não em palavras persuasivas de
sabedoria» ou «não com a persuasão de sabedoria»? O apoio do
manuscrito para a segunda leitura é fraca; por esta razão os tradutores
preferem a primeira.
48
Thayer tem uma lista de 110 palavras, pp. 704–706.
49
1Co. 3:16; 5:6; 6:2, 3, 15, 16, 19; 9:13, 24.
50
Veja-se Kurt Aland y Barbara Aland. The Text of the New Testament, traducido por Errol F. Rhodes
(Grand Rapids: Eerdmans; Leiden: Brill, 1987), prancha 6, no final.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 54
1 Coríntios 13:3 é outro texto decisivo. Quase todos os tradutores
adotam a leitura «E entregue o meu corpo para ser queimado» (NVI; cf.
RA, NTT, CB, BP, NC, BJ, NBE, LT). Mas uma quantidade esmagadora
de manuscritos apoiam a leitura: «se entregar meu corpo para me jactar»
(cf. CI). Apesar da força das testemunhas externas, os tradutores se veem
influenciados pela evidência interna e optam pela leitura mais fraca,
«para ser queimado».
Finalmente, algunos manuscritos occidentales colocan 1Co. 14:34,
35 después de 1Co. 14:40. Mas esta transposição não recebeu uma
reação favorável. Parece que a mudança se deriva das inquietações de
algum escriba. Os escribas se incomodaram com a forma como Paulo
ordena as mulheres a guardarem silêncio nos cultos. No entanto, nada
muda na leitura que se transpõe e tal mudança não ajuda na exegese da
passagem. Os eruditos que afirmam que estes versículos são uma glosa
incorporada mais tarde ao texto de 1 Coríntios devem conseguir alguma
evidência textual que comprove sua teoria. Tal evidência não existe até o
presente. No entanto, é possível interpretar a passagem dentro do
contexto geral para demonstrar que seu significado é, por certo, lúcido e
compreensível.

I. PROPÓSITO

Ao resumir o conteúdo da epístola, podemos explicitar o propósito


de 1 Coríntios brevemente. Primeiro, Paulo buscava fomentar e
promover um espírito de unidade na congregação local e, ao mesmo
tempo, mostrar aos destinatários que eles pertencem à igreja universal.
Segundo, o apóstolo tenta corrigir algumas tendências errôneas na
comunidade cristã. Uma dessas tendências era a apatia com relação a
disciplinar um incestuoso.
Em terceiro lugar, Paulo respondeu perguntas que lhe foram feitas
por carta (1Co 7:1) e por uma delegação (1Co 16:17). E finalmente, a
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 55
epístola de Paulo instrui os crentes de Corinto a arrecadar recursos para
ajudar os santos necessitados em Jerusalém.

J. ESBOÇO

É fácil memorizar um esboço simples de 1 Coríntios. Além das


frases introdutórias e da conclusão, a epístola consiste na resposta que
Paulo dá aos problemas e preocupações da igreja de Corinto.

1Co 1:1–9 - Introdução


1Co 1:10–6:20 - Resposta a problemas que foram comunicados a
Paulo
Divisões na igreja. 1Co 1:10–4:21
Imoralidade e litígios. 1Co 5:1–6:20
1Co 7:1–16:4 . Resposta a preocupações que tinham os coríntios
Problemas matrimoniais. 1Co 7:1–40
Comida oferecida a ídolos. 1Co 8:1–13
Os direitos de um apóstolo. 1Co 9:1–27
Advertências sobre a liberdade. 1Co 10:1–11:1
O culto. 1Co 11:2–14:40
A ressurreição. 1Co 15:1–58
A oferta para o povo de Deus. 1Co 16:1–4
1Co 16:5–24 - Conclusões
Petições de Paulo. 1Co 16:5–12
Exortações e saudações. 1Co 16:13–24

Mas um esboço detalhado seguiria o seguinte esquema:

I. 1Co 1:1–9 - Introdução


1Co 1:1–9 - Saudações
1Co 1:4–9 - Ação de graças
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 56
1Co 1:10–6:20 - Resposta a problemas que foram comunicados a
Paulo
1Co 1:10–4:21 - Divisões na igreja
1. Facções. 1Co 1:10–17
A loucura da cruz. 1Co 1:18–2:5
A sabedoria do Espírito. 1Co 2:6–16
Obreiros de Deus. 1Co 3:1–23
Servos de Cristo. 1Co 4:1–21
1Co 5:1–6:20 - Imoralidade e litígios
Incesto. 1Co 5:1–8
Excomunhão. 1Co 5:9–13
Litígios. 1Co 6:1–11
Imoralidade. 1Co 6:12–20
1Co 7:1–16:4 - Resposta de Paulo a preocupações que tinham os
coríntios
1Co 7:1–40 - Problemas matrimoniais
A conduta apropriada. 1Co 7:1–7
Fidelidade no casamento. 1Co 7:8–11
Crente e incrédulo. 1Co 7:12–16
Digressão. 1Co 7:17–24
As virgens e o casamento. 1Co 7:25–40
1Co 8:1–13 - Comida oferecida a ídolos
O conhecimento. 1Co 8:1–3
A unidade. 1Co 8:4–6
a consciência. 1Co 8:7, 8
O pecado. 1Co 8:9–13
1Co 9:1–27 - Vos direitos de um aposto-o
Direitos apostólicos. 1Co 9:1–12
O renunciar aos direitos. 1Co 9:13–18
Liberdade apostólica. 1Co 9:19–27
1Co 10:1–11:1 - Advertências sobre a liberdade
Advertências que dá a história. 1Co 10:1–13
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 57
Advertências contra a idolatria. 1Co 10:14–22
Liberdade de consciência. 1Co 10:23–11:1
1Co 11:2–14:40 - O culto
O homem e a mulher no culto. 1Co 11:2–16
A Ceia do Senhor. 1Co 11:17–34
Dons espirituais. 1Co 12:1–31
Uma carta de amor. 1Co 13:1–13
A profecia e as línguas. 1Co 14:1–25
Uma conduta ordenada. 1Co 14:26–40

1Co 15:1–58 - A ressurreição


A ressurreição de Cristo. 1Co 15:1–8
A apostolicidade de Paulo. 1Co 15:9–11
A ressurreição dos mortos. 1Co 15:12–34
Analogias da ressurreição. 1Co 15:35–44a
Corpos físicos e espirituais. 1Co 15:44b-49
Imortalidade e vitória. 1Co 15:50–57
Exortação. 1Co 15:58
1Co 16:1–4 - A oferta para o povo de Deus
1Co 16:5–24 - Conclusões
1Co 16:5–12 - Petições de Paulo
Paulo planeja suas viagens. 1Co 16:5–9
Chegada de Timóteo. 1Co 16:10, 11
A relutância de Apolo. 1Co 16:12
1Co 16:13–24 - Exortações e saudações
Últimos encargos. 1Co 16:13–18
Despedida. 1Co 16:19–24
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 58
1 CORÍNTIOS 1
INTRODUÇÃO (1CO 1:1–9) E DIVISÕES NA IGREJA,
PRIMEIRA PARTE (1CO 1:10–31)

I. INTRODUÇÃO. 1CO 1:1–9


A. SAUDAÇÕES. 1CO 1:1–3

Das três epístolas maiores que Paulo escreveu (1 Coríntios, 2


Coríntios e Romanos), esta é a primeira. Antes já tinha escrito suas duas
cartas à igreja de Tessalônica e sua carta aos Gálatas. 1 Tal como o
manifestam suas primeiras cartas e as cartas aos coríntios que se
conservaram, Paulo se sentia impelido a escrever por causa das
controvérsias e das inquietações que se levantavam. A necessidade de
escrever é muito mais patente em 1 Coríntios que em qualquer outra
carta paulina.
William Hendriksen observa: «Entre todas as cartas de Paulo não há
nenhuma que cubra uma gama tão ampla de temas e problemas,
estendendo-se a coisas como litígios, casamento e divórcio, carne
oferecida a ídolos, a remuneração dos ministros, o decoro no culto, a
celebração da Santa Ceia, o falar em línguas, a doutrina da ressurreição
do corpo, o exercício da benevolência». 2
1. Paulo, chamado para ser um apóstolo de Cristo Jesus pela vontade
de Deus, e Sóstenes, nosso irmão.
a. Nome e vocação. «Paulo, chamado para ser um apóstolo de
Cristo Jesus». Tal como o faz em todas as suas epístolas, Paulo começa

1
Em geral crê-se que Gálatas foi a primeira carta que Paulo escreveu. Alguns eruditos datam a
composição de Gálatas pelos anos 48/49 d.C., outros preferem 51/52 ou 53 d.C. Provavelmente Paulo
escreveu 1 Coríntios o ano 55 d.C. (veja-se a Introdução ao comentário).
2
William Hendriksen, «1 Corinthians», B of T 280 (1987): 27.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 59
sua carta apresentando-se como autor e remetente. Afirma enfaticamente
que foi chamado (veja-se também Rm 1:1; Gl 1:15). Sua experiência de
conversão coincidiu com o chamado que Jesus lhe fez em pessoa para
que fosse apóstolo aos gentios (At 9:15). Foi ordenado ao ministério
quando o Espírito Santo apartou a ele e a Barnabé «para o trabalho ao
que [o Espírito] os chamei» (At 13:2). Em outra oportunidade, Paulo
declara que foi Jesus Cristo e Deus o Pai quem o enviou como apóstolo
(Gl 1:1). Em suma, Paulo foi chamado pelo triúno Deus: Pai, Filho e
Espírito Santo.
Quando Jesus chamou Paulo para ser apóstolo, também o revestiu
de autoridade divina para pregar o evangelho e para dirigir-se a todas as
igrejas (1Co 4:17; 7:17; 14:33b; 16:1). Como resultado, nenhuma pessoa
da igreja de Corinto estava em posição de pôr em dúvida a
apostolicidade de Paulo (cf. 1Co 9:1,2). Se alguém o fizesse, estaria
opondo-se ao Senhor. Na maioria de suas cartas, Paulo declara que ele é
um apóstolo de Jesus Cristo. 3 Só na introdução às cartas aos Filipenses,
1 e 2 Tessalonicenses e Filemom deixa de mencionar seu apostolado.
Suas epístolas se caracterizam pela fórmula normativa apóstolo de Cristo
Jesus. Ele sabe que um apóstolo age como representante de quem o
envia, Jesus Cristo, e sabe que deve comunicar sua mensagem com
fidelidade. Um apóstolo é comparado a um embaixador (2Co 5:20) que
vai a outro país para representar o presidente ou o primeiro ministro de
seu próprio governo.
«Pela vontade de Deus». Ao declarar que seu apostolado se baseia
na vontade de Deus, 4 Paulo afirma de forma contundente que é Deus
quem o chamou para ser apóstolo.
«Sóstenes, nosso irmão». A ordem sintática deste versículo
introdutório exclui Sóstenes do ofício de apóstolo. Paulo o apresenta
como «nosso irmão», o que quer dizer que Sóstenes é um cristão bem
3
Com uma que outra variação de linguagem, estas são as referências: Rm 1:1; 1Co 1:1; Gl 1:1; Ef 1:1;
Cl 1:1; 1Tm. 1:1; 2Tm 1:1; Tt 1:1.
4
Veja-se 2Co 1:1; Ef 1:1; Cl 1:1; 2Tm 1:1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 60
conhecido entre os crentes de Corinto. Contudo, Paulo o menciona uma
só vez em todas a suas epístolas. Talvez se trate do governante da
sinagoga que foi açoitado na corte do procônsul Gálio (At 18:17). Pelo
fato de que carecemos de mais informação, só podemos dizer que era um
colaborador de Paulo. Embora Paulo use a primeira pessoa singular (p.
ex., vv. 4, 10, 14, 16), não a primeira pessoa plural, alguns estudiosos
creem que Sóstenes ajudou Paulo na mensagem comunicada aos
coríntios. 5
2. à igrej a de De us que está em Corinto, àqueles que foram
santificados em Cristo Jesus, chamad os para ser santos junto com todos
os que e m todo lugar invocam o n ome de nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhor deles e nosso.
b. Destinatários. Paulo dirige sua carta «à igreja de Deus que está
em Corinto». Emprega a palavra grega ekklēsia, expressão que no
mundo helênico daquele então era um termo técnico tradicional para
referir-se a reuniões políticas ou comunais (cf. At 19:32, 39, 41). Nos
meados do primeiro século, os cristãos começaram a falar de suas
próprias assembleias como da igreja (ekklēsia) em Cristo. O termo
começou a ser usado, porque os crentes queriam diferenciar-se dos
judeus que, para referir-se ao lugar onde se reuniam, usavam a palavra
sunagogē (cf., no entanto, o texto de Tg 2:2). Com muito esmero, Paulo
faz uma clara diferença entre as assembleias dos cristãos e as reuniões
dos gentios e as dos judeus na sinagoga. Isto já se vê numa de suas
primeiras cartas: «à igreja dos tessalonicenses que está em Deus o Pai e o
Senhor Jesus Cristo» (1Ts 1:1; 2Ts 1:1). Suas duas cartas aos coríntios
ele as dirige «à igreja de Deus que está em Corinto» (1Co 1:2; 2Co 1:1)
sem relacionar a igreja diretamente com Jesus Cristo. Contudo, o

5
Gordon Fee conjetura que Sóstenes teria sido o secretário de Paulo (cf. 16:21). The First Epistle to
the Corinthians, na série New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids:
Eerdmans, 1987), p. 31.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 61
conceito de igreja só pode ser entendido quando relaciona a Jesus Cristo,
visto que a igreja de Deus é nEle. 6
«Àqueles que foram santificados em Cristo Jesus». A igreja
pertence a Deus, quem através de Cristo, chamou o Seu povo do mundo,
para que vivam uma vida de santidade. O povo de Deus não sai do
mundo (veja-se 1Co 5:10), mas demonstra ao mundo que foram
santificados em Cristo Jesus. Apesar de suas frequentes brigas, facções e
imoralidade, Paulo descreve aos coríntios como um povo santificado em
Cristo Jesus (cf. Ef 5:27). 7 Nesta carta, Paulo primeiro afirma que Deus
separou os crentes para que vivam vidas santas, para logo apontar de
forma paradoxal os seus pecados e deficiências. O apóstolo insinua que
quando um crente é feito santo, cria-se nele uma clara consciência de que
o operar de Deus é pela graça, porque o cristão percebe que é chamado
constantemente a ser santo (veja-se Rm 1:7) e a viver uma vida de
santidade.
«Chamados para ser santos». A santidade é mais que um estado.
Para os crentes a santificação é tanto a ação definitiva de Deus como um
longo processo que dura toda a vida. 8 Quando pela graça Deus santifica
os crentes, Ele ao mesmo tempo os torna responsáveis por ser santos.
Embora nós traduzimos chamados para ser santos, as palavras para ser
não aparecem no grego. Não obstante, a intenção de Paulo é exortar seus
leitores a cumprirem seu compromisso de ser santos.
Paulo foi chamado para ser apóstolo de Cristo Jesus, pelo qual se
entregou totalmente ao trabalho de ser porta-voz de Cristo. Da mesma
forma, Deus chamou os crentes a um estado de santidade, e espera que

6
Veja-se Lothar Coenen, NIDNTT, vol. 1, p. 299.
7
Consulte-se John Calvin, The First Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, série Calvin’s
Commentaries, traduzido por John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 17.
8
Cf. Anthony A. Hoekema, Saved by Grace (Grand Rapids: Eerdmans; Exeter: Paternoster, 1989), pp.
202–203. Veja-se também William W. Klein, «Paul’s Use of Kalein: A Proposal», JETS 27 (1984):
56–64.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 62
vivam santamente. Este é um chamado contínuo para Paulo e os
coríntios, assim que permanecerão toda a vida como chamados. 9
«Junto com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso
Senhor Jesus Cristo». Com estas palavras, Paulo recebe cristãos judeus e
gentios como iguais dentro da igreja de Jesus Cristo. Paulo fala da igreja
universal, na qual todos os crentes em todas as partes «invocam o nome
de nosso Senhor», e agrupa os coríntios com todos os outros crentes.
Está Paulo dirigindo sua carta aos cristãos de Corinto e aos do resto do
mundo? Embora Paulo quisesse que suas cartas fossem lidas nas igrejas
(Cl 4:16; 1Ts 5:27; e cf. 2Pe 3:15, 16), esta carta se dirige
especificamente à igreja de Corinto. A segunda parte do versículo 2
sublinha como a oração une os crentes quando invocam o nome de Jesus
Cristo. A oração une os crentes diante do trono de Deus.
«Senhor deles e nosso». Paulo quer que os coríntios saibam que eles
pertencem ao corpo de crentes. Trata-se de um corpo mundial, porque
em todas as partes os crentes reconhecem Jesus Cristo como seu Senhor.
Por isso é que Paulo pode escrever «Senhor deles e nosso». No texto
grego, não aparece a palavra Kurios (Senhor), que se deve suprir do
contexto.
3. Graça seja a vós e paz , da p arte de Deus nosso Pai e do Se nhor
Jesus Cristo.
c. Saudações. «Graça seja a vós e paz, da parte de Deus nosso Pai e
do Senhor Jesus Cristo». Este é a saudação que usualmente Paulo
emprega na maioria de suas epístolas; 10 com algumas modificações a
saudação também aparece nas cartas de Pedro e de João. 11 Era comum
no mundo helênico que as pessoas se cumprimentasse usando o verbo
jairein (que se poderia traduzir «saudações»; p. ex. At 15:23; 23:26; Tg
9
F.W. Grosheide, Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, en la serie New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 23.
10
Rm 1:7; 2Co 1:2; Gl 1:3; Ef 1:2; Fp 1:2; 2Ts 1:2; Fm 3; e com algumas variantes em Cl 1:2; 1Ts
1:1; Tt 1:4.
11
1Pe 1:2; 2Pe 1:2; 2Jo 3. Veja-se também o prólogo de 1 Clemente.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 63
1:1). Uma forma derivada da mesma raiz é caris, que quer dizer «graça».
Os judeus, pelo contrário, cumprimentavam-se usando a palavra shalom
(paz). Na literatura epistolar da igreja cristã, aparecem juntas as duas
expressões graça e paz, que têm um significado decididamente
teológico. R.C.H. Lenski observa que «graça sempre vem primeiro,
seguida pela paz. Isto se deve a que a graça é a fonte da paz. Sem a graça
não há nem pode haver paz; mas quando nos é concedida a graça, a paz
deve seguir por necessidade». 12 Paulo conecta a graça e a paz com sua
fonte última: emanam «de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo».
Deus concede aos Seus filhos as virtudes da graça e da paz, e lhes
entrega estes dons como Pai. Em harmonia com a oração na qual Jesus
ensinou os Seus discípulos a dizer «Pai Nosso», Paulo também
representa a Deus como «nosso Pai». Todo aquele que ora em nome do
Senhor Jesus Cristo tem a Deus como Pai. Portanto, todos os crentes são
filhos de Deus por meio de Cristo, e é por meio dEle que também
recebem as bênçãos da graça e a paz.

Palavras, frases e construções gregas de 1Co 1:1–2


Versículo 1
_πόστολος — este substantivo vem precedido por κλητός
(=chamado). Desta forma se indica que na ação de nomear a Paulo para
o ofício de apóstolo, Deus era o agente ativo e Paulo cumpria só um
papel passivo.

Versículo 2
_γιασμένοις — o particípio dativo plural, perfeito passivo, serve
como apositivo do substantivo igreja, que é um termo coletivo, pelo que
pode estar em dativo singular. Neste texto, o verbo _γιάζω (=santificar)

12
R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians (1935;
Columbus: Wartburg, 1946), p. 28.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 64
refere-se a uma ação definitiva de Deus. O tempo perfeito denota uma
ação completa de efeito permanente. A voz passiva indica que Deus é o
agente e que é Ele que em Cristo santifica os coríntios. «A ideia
fundamental da palavra é a pertinência a Deus; e implica o dever de
parecer-se a Deus em caráter». 13

B. AÇÃO DE GRAÇAS. 1CO 1:4–9

Com toda fidelidade, Paulo agradece a Deus por todas as bênçãos


espirituais e materiais que ele e os destinatários desta carta receberam. 14
4. Sem cessar agradeço ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que
vos foi dada em Cristo Jesus.
Paulo deixa entrever seu coração de pastor quando escreve «Sem
cessar agradeço ao meu Deus por vós». 15 Ora pelas igrejas que fundou e
agradece a Deus por elas. Usa o advérbio sem cessar para qualificar o
verbo agradeço. Mas como é que Paulo pode agradecer a Deus pela
igreja de Corinto? As divisões que ocorrem na congregação, a
imoralidade, os problemas matrimoniais e os litígios encheram seu
coração de aflição. Está Paulo usando com precisão a expressão sem
cessar? Está usando um simples formalismo para começar sua carta?
Não, o coração de Paulo está cheio de gratidão porque Deus decidiu
chamar Seu povo para que se separassem do ambiente imoral e idólatra
de Corinto. Mesmo nessa cidade, Deus estabeleceu a igreja em
comunhão com Jesus Cristo (v. 9). Por essa razão é que sem cessar
agradece a Deus.
«Pela graça de Deus que vos foi dada em Cristo Jesus ». Esta é a
segunda vez que em só dois versículos (vv. 3 e 4) Paulo usa o termo
13
R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament
for School and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 30.
14
Rm 1:8; Fp 1:3,4; 1 Ts. 1:2; 2 Ts. 1:3; Fm 4; veja-se Ef 5:20; Cl 1:3; 1Ts 2:13; 2Ts 1:3. Compare-se
T. O’Brien, Introductory Thanksgivings in the Letters of Paul (Leiden: Brill, 1977), pp. 108–116; e
«Thanksgiving and the Gospel in Paul», NTS 21 (1974): 144–55.
15
Dois manuscritos gregos (códices Sinaítico e Vaticano) omitem o pronome pessoal meu.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 65
graça. O grego registra palavras da mesma raiz, como é o caso do verbo
agradeço (v. 4) e do substantivo dons (v. 7). Em suma, o que Paulo faz
nestes versículos é sublinhar o conceito da graça de Deus. Que
importância tem este conceito? Paulo ficou maravilhado diante de tal
exibição da graça de Deus, na forma de dons espirituais concedidos em
abundância aos crentes de Corinto (veja-se, p. ex., os dons enumerados
em 1Co 12:4–11). A graça de Deus torna-se patente nos dons que
entrega ao Seu povo.
Na segunda parte deste versículo, Paulo usa uma construção
passiva. A graça foi dada por Deus aos coríntios. Ele é o agente implícito
e os coríntios são os recipientes passivos (veja-se Rm 12:6; 2Co 8:1).
Enquanto Paulo agradece a Deus por sua fidelidade para com os
coríntios, não menciona absolutamente alguma suposta virtude inerente
que os coríntios pudessem ter. Além disso, Paulo afirma que a graça de
Deus foi dada em Cristo Jesus. Isto quer dizer que os que receberam esta
graça, foram redimidos e agora separados do mundo pagão em que
vivem.
5. Porque nele fostes enriquecido s em tudo, em to da palavra e em
todo conhecimento.
a. Tradução. Este versículo registra duas palavras cruciais que se
poderiam entender de diferentes maneiras. A primeira palavra desta
oração pode traduzir-se porque (uma conjunção que poderia estar
introduzindo uma afirmação que completa a frase sem cessar agradeço a
meu Deus por vós) ou porque (uma conjunção causal que explicaria a
frase anterior em Cristo Jesus). Os tradutores em geral preferem a
segunda alternativa.
A segunda expressão poderia traduzir-se «nele» (RA, BJ) ou «por
ele» (BP). Devemos preferir a tradução nele, pelo fato de que a frase está
em aposto a uma frase semelhante («em Cristo Jesus») que aparece na
oração precedente. O sentido é, pois, que em Cristo os crentes receberam
maravilhosas riquezas espirituais.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 66
b. Mensagem. Quando Paulo escreve «nele fostes enriquecidos em
tudo», não se refere especificamente às posses materiais dos coríntios.
Embora alguns deles fossem gente abastada (v. 26), Paulo aponta, antes,
aos tesouros espirituais que tinham em Cristo (veja-se 1Co 3:21–23;
numa passagem paralela, Paulo deseja que os coríntios cheguem a ser
ricos através da pobreza de Cristo [2Co 8:9; 9:11]). Através de Cristo,
Deus quer entregar aos redimidos as incomparáveis riquezas que tem
para eles. 16 Segundo as Escrituras, Deus é rico em bondade, paciência,
misericórdia e graça (Rm 2:4; 9:23; Ef 1:7; 2:4). o próprio Cristo possui
insondáveis riquezas (Ef 3:8), porque nEle estão escondidos todos os
tesouros do conhecimento e da sabedoria (Cl 2:3). Deus satisfaz as
necessidades do crente com as riquezas gloriosas que estão em Cristo
Jesus (Fp 4:19).
Deus adornou os coríntios com a riqueza que está em Cristo, a qual
não é escassa, e sim nos enriquece «em tudo». Em lugar de mencionar
uma lista de dons espirituais (veja-se 1Co 12:4–31), no versículo 5 Paulo
centraliza sua atenção na quantidade de dons que os coríntios receberam.
Neste breve versículo, prefere ressaltar as palavras em tudo, para assim
indicar que aqueles que recebem as bênçãos de Deus foram enriquecidos
sem medida.
Depois Paulo ilustra com relação a que os coríntios receberam dons
espirituais: «em toda palavra e em todo conhecimento». Como parte
desses dons especiais, menciona a destreza de palavra e o conhecimento.
O termo grego logos refere-se à habilidade que eles tinham para
comunicar verbalmente o conhecimento (gnosis) do evangelho. À viva
voz comunicavam a verdade do evangelho que já haviam entendido
interiormente. Em outras palavras, confessavam com seus lábios o
conhecimento espiritual que já tinham em seus corações.17 Esta é a

16
Friedel Selter, NIDNTT, vol. 2, p. 844; Friedrich Hauck and William Kasch, TDNT, vol. 6, p. 329.
17
Grosheide, First Epistle to the Corinthians, p. 28; Henry Alford, Alford’s Greek Testament: An
Exegetical and Critical Commentary, 7ª. edição, 4 vols. (1877; Grand Rapids: Guardian, 1976), vol. 2,
p. 475.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 67
primeira vez que a palavra conhecimento ocorre nesta carta; ocorre com
frequência em ambas as cartas aos coríntios 18 e está intimamente
relacionado com o termo sabedoria. «Contextos particulares põem de
relevo certos matizes da palavra, mas a ideia da apreensão e aplicação da
verdade se mantém constante». 19 Quando usados de forma apropriada, os
dons da palavra e do conhecimento são um testemunho eloquente de
Cristo (2Co 8:7). Em outra carta, Paulo escreve que está convencido de
que os cristãos «abundam em conhecimento e estão capacitados para
instruir-se uns aos outros» (Rm 15:14).
6. Assim como o testemu nho que se dá de Cristo foi confirmado em
vós.
A mensagem deste versículo é uma ideia que se acopla para
explicar o dito no versículo precedente ou é a introdução ao versículo
que segue. Prefiro a primeira alternativa pelas seguintes razões: as
palavras assim como equilibram e introduzem uma comparação com o
versículo anterior. A voz passiva do verbo foi confirmado insinua que
Deus é o agente da ação. Esta construção está em paralelo com o verbo
na voz passiva fostes enriquecidos do versículo 5. Além disso, o dom da
palavra é semelhante ao testemunho que se dá de Cristo. E finalmente, a
frase em vós assemelha-se ao vós (v. 5) que aponta àqueles que
receberam os dons espirituais.
Algumas versões traduzem testemunho de Cristo (RA, BJ, CB), o
que permite entender a frase como um genitivo subjetivo que se refere ao
próprio evangelho. Em outras palavras, estaria sendo dito que Deus
confirmou a verdade do evangelho no coração dos coríntios. Outras
versões traduzem «mensagem a respeito de Cristo» (NTLH), ou
«testemunho sobre o Messias» (BP). Esta opção interpreta a frase como
um genitivo objetivo que se refere à pregação do evangelho da parte dos

18
Com uma que outra variação de linguagem, estas são as referências: 1Co 8:1, 7, 10, 11; 12:8; 13:2,
8; 14:6; 2Co 2:14; 4:6; 6:6; 8:7; 10:5; 11:6.
19
O’Brien, Introductory Thanksgivings, p. 119; C.K. Barrett, «Christianity at Corinth», BJRUL 46
(1964): 269–97.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 68
20
apóstolos e evangelistas. Se for levado em conta a afirmação geral em
toda palavra (v. 5), devemos preferir a segunda tradução.
O que interessa é saber como é que Deus confirmou no coração dos
coríntios, o testemunho que se dava de Cristo. Embora Paulo não o
explique, aventuramo-nos a dizer que, mediante a obra do Espírito Santo,
Deus confirmou pela fé a mensagem do evangelho nos crentes.
7. De m aneira que n ão vos falt a nenhum dom espiritual, enquanto
aguardam desejosos a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo.
Ponha-se atenção nestes dois pontos:
a. Resultado. «De maneira que não vos falta nenhum dom
espiritual». Devido ao fato de que Deus tinha outorgado numerosos dons
espirituais aos coríntios, não estavam carentes de nenhuma destas
bênçãos. Esta oração consecutiva contém o verbo em tempo presente:
não vos falta; o que indica que eles realmente possuíam esses dons.
Contudo, Paulo não tem interesse em mencionar no princípio de sua
carta uma lista dos dons específicos aos quais se refere (veja-se os
capítulos 12–14). Com este verbo Paulo não está sugerindo que aos
coríntios não falta nenhum dom, o que quer dizer é que, em comparação
com outras congregações, não ficaram atrasados. 21 A graça de Deus lhes
concedeu habilidades espirituais em abundância.
Se interpretarmos o versículo 7 dentro do fluxo de pensamento do
presente parágrafo, devemos concluir que é graças ao evangelho que aos
coríntios não falta nenhum dom espiritual. A menção de dons espirituais
se conecta mais com o verbo fostes enriquecidos (v. 5), que com o verbo
foi confirmado (v. 6). 22
Esta é a primeira vez que ocorre a palavra dom dentro da epístola, e
no presente contexto não significa «milagres» (veja-se 12:9, 28, 30).
20
Veja-se BAGD, p. 494; Robertson, (Nashville: Broadman, 1934), p. 500.
21
Hanz Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, editado
por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, na série «Hermeneia: A Critical and
Historical Commentary on the Bible» (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 27.
22
F.W. Grosheide, De Eesrte Brief van den Apostel Paulus aan de Kerk te Korinthe, na série
Kommentaar op het Nieuwe Testament (Amsterdam: Van Bottenburg, 1932), p. 48.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 69
Interpretar a palavra desta forma tão estreita, como se falasse de milagres
que serviam para confirmar a pregação do evangelho, seria pecado de
reducionismo. Em vez de limitar o sentido do termo dom, aqui deve ser
entendido na forma mais ampla possível.
b. Expectação. «Enquanto aguardam desejosos a revelação de nosso
Senhor Jesus Cristo». Paulo vincula os dons espirituais com a espera
expectante da volta de Jesus Cristo. Nesta passagem, Paulo menciona
duas vezes o fim do tempo: aqui e no versículo seguinte (v. 8), onde fala
do dia do Senhor Jesus Cristo. Esta ênfase é significativo, dada a extensa
explicação que dá da ressurreição do corpo em 1Co 15:12–58, onde
explicitamente discute o dia escatológico. O interesse que os coríntios
tinham demonstrado pelo iminente retorno do Senhor se esfriou (cf. 1Co
15:12, 33, 34), assim que desde o começo de sua carta, Paulo anima a
sua audiência a esperar desejosa a volta de Cristo. 23
Em grego, o verbo aguardar desejoso é um verbo composto que
conota intensidade e anelo com relação à esperança cristã, o que se pode
ver pela forma em que Paulo o usa em outras epístolas. A seguir entrego
uma tradução direta do grego: «a criação espera com ansiosa
expectação» (Rm 8:19)
«esperamos desejosos nossa adoção como filhos» (Rm 8:23)
«pacientemente o esperamos» (Rm 8:25)
«Mas pela fé esperamos ansiosamente, mediante o Espírito, a
justiça que esperamos» (Gl 5:5)
«de onde (céu) esperamos desejosos um Salvador» (Fp 3:20). 24
Este verbo particular em geral aparece no Novo Testamento com
referência a crentes que mostram um real anelo escatológico pela
restauração final de todas as coisas.

23
Tal como observa John Albert Bengel, «A prova de um cristão verdadeiro ou falso está em se espera
ou teme a revelação de Cristo», Bengel’s New Testament Commentary, traducido por Charlton T.
Lewis y Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 167.
24
Veja-se também Hb 9:28; 1Pe 3:20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 70
Paulo usa a palavra revelação para comunicar que em Sua vinda,
Cristo tirará o mistério de Seu ser por meio de revelar Sua presença (2Ts
1:7; 1Pe 1:7, 13; 4:13). Os coríntios olham ansiosos para o dia da
revelação.
8. Ele também vos confirmará até o fim e vos preservará
irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo.
a. «Ele também vos confirmará até o fim». Quem confirmará os
coríntios? Deus ou Jesus? A pessoa que acaba de ser mencionada na
oração precedente é Jesus Cristo.
Contudo, o fio de pensamento do presente parágrafo (vv. 4–9)
provê quatro considerações que obrigam a pensar que o sujeito do
versículo 8 é Deus, não Jesus. Primeiro, a passagem começa e termina
com uma referência a Deus (veja-se vv. 4 e 9). Segundo, é Deus quem
enriquece em tudo os coríntios e Aquele que os confirma mediante a
pregação a respeito de Jesus Cristo (vv. 5, 6). Terceiro, a frase com que o
versículo 9 começa («Deus é fiel») não introduz um novo sujeito, mas a
bênção que fecha um parágrafo que tem a Deus como o agente da ação.
Por último, Deus também é o sujeito num versículo paralelo: 25 «Deus é
aquele que nos mantém firmes em Cristo, tanto a nós como a vós. Ele
nos ungiu» (2Co 1:21).
O grego amostra que nesta passagem Paulo usa duas vezes o verbo
confirmar/estabelecer (vv. 6, 8). Assim como a pregação do evangelho
confirma os crentes em sua fé, assim também a promessa de que o poder
de Deus sempre estará com eles, confirma-os até a consumação. A frase
vos confirmará não é só um desejo da parte de Paulo, mas uma promessa
que Deus cumprirá.
b. «E vos preservará irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus
Cristo». Paulo não está dizendo que os coríntios são irrepreensíveis no
momento que ele escreve. Pelo contrário, olha para o futuro e expressa
sua certeza de que Deus os apresentará irrepreensíveis, quando vier o dia

25
O’Brien, Introductory Thanksgivings, p. 128.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 71
do juízo final. Em outras palavras, não haverá ninguém que possa acusá-
los, porque naquele dia eles serão irrepreensíveis. Em outro lugar, Paulo
ensina como é que os crentes serão apresentados irrepreensíveis diante
do excelso tribunal: é através da morte do corpo físico de Cristo que
Deus foi reconciliado com o pecador e o declara livre de toda acusação
(Cl 1:22).
No Antigo Testamento, a expressão o dia do Senhor aponta para o
dia do juízo (Jl 3:14; Am 5:18–20). No Novo Testamento, a expressão
refere-se à volta de Cristo (p. ex., Flp1:6,10; 2:16; 1Ts 5:2). A volta de
Cristo também inclui o juízo, no qual tanto Deus como Cristo servirão
como juízes (Rm 14:10; 2Co 5:10). Naquele dia, os crentes serão
declarados inocentes «pelo veredito do juiz». 26
9. Deus é fiel, através de quem f ostes chamados dentro da comunhão
de seu Filho, Jesus Cristo nosso Senhor.
a. «Deus é fiel». Se por acaso alguém duvidasse da veracidade do
dito nos versículos precedentes, Paulo afirma incondicionalmente que se
pode confiar que Deus cumprirá o que promete. Para sublinhar o
conceito fiel, no grego Paulo põe esta palavra em posição enfática, no
princípio da oração. Uma tradução literal diria: «Fiel é Deus»
(RV60=TB), que sem sombra de dúvida sustenta o Seu povo até o final
(v. 8). O eco desta verdade ressoa ao longo de toda a Escritura.27 Pode-se
confiar plenamente em Deus.
b. «Através de quem fostes chamados dentro da comunhão de seu
Filho, Jesus Cristo nosso Senhor». Deus Pai leva a cabo Seu plano de
salvação através de Seu Filho, Jesus Cristo; o Pai concebe o plano, o
Filho o executa (cf. 1Co 8:6). Mas é eficaz a chamada de Deus em
todos? Dificilmente, pois «muitos são chamados, e poucos escolhidos»,
disse Jesus (Mt 22:14, RV60). Só aqueles que foram chamados dentro da
comunhão de Seu Filho experimentam a permanente fidelidade do Pai. A
chamada sempre está relacionada a Jesus Cristo, como no caso do
26
Conzelmann, 1 Corinthians, p. 28.
27
Dt 7:9; Is 49:7; 1Co 10:13; 1Ts 5:24; 2Ts 3:3; 2Tm 2:13; Hb 10:23; 11:11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 72
apostolado de Paulo (v. 1) e como no caso da chamada dos coríntios à
santidade (v. 2).
A chamada é real quando o crente tem uma verdadeira comunhão
com Cristo. Esta comunhão demanda, no entanto, uma vida de santidade
na qual o cristão é, em corpo e alma, conformado à imagem do Filho de
Deus (veja-se Rm 8:29). Tal como Charles Hodge o disse: «A comunhão
inclui união e ter em comum». 28 A comunhão como união e participação
inclui tanto o tomar parte do sofrimento e a glória de Cristo, como o
pertencer ao corpo de Cristo. Significa aceitar o sacramento da Santa
Comunhão: lembrando que Cristo morreu por nós (1Co 10:16). Quando
o crente é completamente transformado no centro de seu ser, tem
também uma genuína comunhão com Cristo. João diz que quando se
aceita a proclamação do evangelho com fé verdadeira, entra-se em
comunhão com o Pai e o Filho (1Jo 1:3).
c. «Seu Filho, Jesus Cristo nosso Senhor». Paulo reconhece que
Deus o Pai chama o crente à comunhão e que o crente tem comunhão
com o Filho, que é Jesus Cristo, ou seja, nosso Senhor. Paulo termina sua
ação de graças fazendo uma compilação de nomes e funções divinas. O
Filho, eternamente gerado pelo Pai (Sl. 2:7), fez-Se carne e lhe foi dado
o nome de Jesus. No Antigo Testamento aparece o nome de Josué, o
qual se escreve Jesus no Novo, e recebe esta explicação: «Ele salvará a
seu povo dos pecados deles» (Mt 1:21). Enquanto o nome que o Filho
recebeu era Jesus, seu nome oficial é Cristo, isto é, o Ungido ou Messias.
O nome assinala o seu ofício de profeta, sacerdote e rei. Por último,
quando Paulo chama Jesus Cristo «nosso Senhor», está se referindo a seu
estado de exaltação: «Rei dos reis e Senhor dos senhores» (1Tm. 6:15). 29

28
Charles Hodge, An Exposition of the First Epistle to the Corinthians (1857; reimpresso por Grand
Rapids: Eerdmans, 1965), p. 10. Veja-se também Hoekema, Saved by Grace, p. 85.
29
Cf. Dt 10:17; Sl. 136:2, 3; Ap 17:14; 19:16.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 73
Considerações práticas em 1Co 1:4–9
Segundo Lucas, Paulo permaneceu em Corinto só um ano e meio,
enquanto fundava a igreja (At 18:11; pode-se supor no ano 50–52 d.C.).
Nos anos que se seguiram, Apolo ensinou sobre a Escritura aos coríntios
e continuou fortalecendo os crentes (1Co 1:12; 3:4–6). A igreja tinha
sido abençoada com um grupo de gente excepcionalmente talentosa (1Co
12:7–11, 27–31), mas ao mesmo tempo estava afligida pelas contendas,
as divisões, os problemas morais e as irregularidades que se davam nos
serviços religiosos.
Quando Paulo escreveu 1 Coríntios, abordou pastoralmente os seus
leitores agradecendo a Deus, quem os chamou a uma vida de santidade.
Muitos deles tinham vivido na escuridão espiritual, mas pela graça de
Deus agora tinham comunhão com Jesus Cristo. Paulo se alegra na
salvação deles. Paulo busca uma forma positiva de lembrá-los que têm
um compromisso com Cristo e de exortá-los a subir o nível de seu
serviço ao Senhor na igreja e a sociedade. Ao dar graças a Deus, o
apóstolo se dirige aos coríntios de forma positiva, apesar de eles
mostrarem falta de amor a Deus e ao seu próximo. Desta forma ganha
sua confiança e seu interesse.
Ao falar da volta de Cristo no fim do tempo (vv. 7, 8), Paulo leva o
parágrafo de ação de graças a um clímax que funciona como introdução
a toda a carta. 30 O corpo da epístola consiste em admoestação,
repreensão, ensino e correção. Porém no capítulo mais longo desta carta
(cap. 15), Paulo discute a doutrina da ressurreição e o destino eterno dos
crentes. Em suma, Paulo estabelece a nota dominante para o resto da
epístola usando esta passagem para chamar nossa atenção para o dia de
Senhor.

30
J.H. Roberts, «The eschatological transitions to the Pauline letter body», Neotest 20 (1986): 29–35.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 74
Palavras, frases e construções gregas de 1Co 1:4, 8
Versículo 4
τ_ θε_ μου — o pronome possessivo não se registra em, pelo
menos, dois manuscritos importantes (códices Sinaítico e Vaticano). Não
obstante, o texto recebe o apoio de uma ampla variedade de testemunhas
gregas e versões. Algumas traduções apoiam a retenção do pronome
meu, 31 embora outras o omitam. 32

Versículo 8
_νεγκλήτους — este é um adjetivo verbal em voz passiva (“que não
é repreensível”). Trata-se de um adjetivo composto da _ privativa (i-), a
preposição _ν (em) e a forma adjetival do verbo καλέω (=chamar).

II. RESPOSTA A PROBLEMAS QUE FORAM COMUNICADOS A


PAULO. 1CO 1:10–6:20

A. DIVISÕES NA IGREJA. 1CO 1:10–4:21

Jesus disse que um reino está dividido contra si mesmo termina


desolado e que uma casa dividida contra si mesma termina caindo (Mt
12:25; Mc 3:24, 25; Lc 11:17). Quando Paulo ouviu a respeito das
divisões que havia dentro da igreja de Corinto, sabia que antes de poder
lhes ensinar os princípios da conduta espiritual, devia confrontar os
destinatários desta carta com relação a suas facções, brigas e jactância.

31
RV60, BP, VM, NBE.
32
BJ, CB, NC, LT, CI, HA.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 75
1. Facções. 1Co 1:10–17

10. Exorto-vos, irmãos, no n ome de nosso Senhor Jesus Cristo, para


que todos conc ordem no mesmo e que não haja entre vós di visões, mas
estejais unidos numa mesma mente e pensamento.
Anotamos as seguintes observações:
a. Exortação. Paulo entende que as rivalidades dos coríntios ainda
não produziram um cisma, mas sabe também que deve chamar seus
leitores a que voltem a ter uma viva relação com o Senhor, e o faz num
espírito positivo e pastoral. Por isso é que os chama (irmãs e) irmãos
espirituais, e os exorta a considerarem o nome, isto é, a revelação plena
do Senhor Jesus Cristo. Tendo sido introduzidos dentro da comunhão de
Jesus Cristo, o Filho de Deus (v. 9), deveriam entender que tal comunhão
inclui unidade e harmonia, enquanto exclui as discórdias e as rixas.
Literalmente o texto diz que Paulo admoesta os coríntios mediante
o nome do Senhor Jesus Cristo. Em suas epístolas, com frequência o
apóstolo vai à mediação de Deus ou de Cristo para exortar os seus
leitores. Por exemplo, exorta seus leitores pela misericórdia de Deus
(Rm 12:1); «por nosso Senhor Jesus Cristo» (Rm 15:30); «pela ternura e
a bondade de Cristo» (2Co 10:1); «no Senhor Jesus Cristo» (1Ts 4:1;
2Ts 3:12); e, finalmente, como no caso de Evódia e Síntique, exorta-as
«a que se ponham de acordo no Senhor» (Fp 4:2). 33 Quando apela ao
nome de Jesus Cristo, insiste com os crentes a ser um no Senhor.
b. Consenso. Paulo exorta os membros da igreja em Corinto a que
se ponham de acordo uns com os outros (cf. Rm 15:5). Seu dever é
confessar unidos sua fé em Cristo. Devem viver em paz uns com os
outros. Paulo não pede uniformidade de opinião, mas antes, uma
disposição cheia de amor, que lhes permita obter harmonia e paz (Fp 2:1,
2).

33
Consulte-se Georg Braumann, NIDNTT, vol. I, pp. 570–571; Otto Schmitz, TDNT, vol. 5, p. 795.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 76
Paulo proíbe aos coríntios formar partidos na igreja. Insinua que ao
minar a unidade da igreja, os coríntios são uma afronta a Jesus Cristo. 34
Na mesma oração, exorta-os a viver em harmonia e lhes proíbe ser
cismáticos («que não haja entre vós divisões»). Suas palavras não
buscam refutar heresias, antes, procuram prevenir as discórdias. 35 Como
diz o provérbio, a forma positiva e negativa de sua instrução são as duas
caras da moeda. A palavra divisões comunica a ideia de briga e rixas que
despedaçam a igreja. Numa palavra, Paulo manda os coríntios desistir.
c. Unidade. A igreja é parecida com o corpo humano (veja-se 1Co
12:12–27), o qual está montado com perfeição e reflete unidade e
harmonia. A palavra grega katartizein, que traduzimos «que estejais
unidos», significa fazer de uma pessoa o que Deus quer que seja, isto é,
fazê-la perfeita. O verbo é usado para apontar a pessoa «a quem se
devolveu a harmonia». 36 E agora lhes exorta a trabalharem juntos em
unidade de pensamento e parecer. É surpreendente o contraste que se
forma entre esta oração e o tal anteriormente, visto que Paulo afirma:
«mas estejam unidos numa mesma mente e pensamento». O termo mente
refere-se à capacidade de observação e a palavra pensamento tem que
ver com a capacidade de formar um juízo ou opinião. Paulo quer que os
coríntios estejam unidos em suas observações e juízos, para que assim
renunciem à atitude divisionista que tinham. Diz-lhes que quanto à sua
mente e pensamento, devem lutar por obter perfeita harmonia e por
continuar vivendo juntos em paz.
Embora Paulo quer livrar a igreja do divisionismo, não está
exigindo dos coríntios que pensem da mesma forma. Pelo contrário,
dentro do povo de Deus ele permite a diversidade em unidade. O escritor
do século dezessete, Rupert Meldenius, o expressa desta maneira:

34
Consulte-se Thomas W. Gillespie, «A Pattern of Prophetic Speech in First Corinthians», JBL 97
(1978): 74–95.
35
Consulte-se Lawrence L. Welborn, «On the Discord in Corinth: 1 Corinthians 1–4 and Ancient
Politics», JBL 106 (1987): 85–111.
36
Thayer, p. 336.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 77
No fundamental — unidade;
No não essencial — tolerância;
E em todas as coisas, amor.
11. Porque, meus irmãos, alguns dos da Cloe me informaram sobre
vós, que há rivalidades entre vós.
a. «Porque … alguns dos da Cloe». Nada sabemos da Cloe, que não
seja seu nome, o qual só aparece uma vez no Novo Testamento. Não se
sabe se vivia em Éfeso, lugar onde Paulo escreve sua carta, ou em
Corinto. Esperaríamos que vivesse em Corinto, pois o texto insinua que
os coríntios a conheciam. Além disso, é em Corinto onde surgiram as
notícias das divisões. Outra possibilidade é que Cloe tenha sido uma
comerciante que vivia em Éfeso e que seus empregados (quer fossem
escravos, livres ou membros de sua família) tenham viajado com
regularidade entre Corinto e Éfeso, o que os punha a par do que ocorria
na igreja. Tampouco podemos saber se Cloe era ou não cristã. 37
b. «meus irmãos, … me informaram sobre vós». Paulo menciona a
fonte de sua informação, indicando assim que não se trata só de rumores,
mas de fatos. Os que lhe informaram não pertencem à comitiva que a
igreja de Corinto enviou, mas é gente que veio a ele espontaneamente. É
óbvio que não é a congregação que tomou a iniciativa de informá-lo a
respeito das discórdias que ocorriam na igreja. Contudo, o apóstolo os
trata pastoralmente ao chamá-los de (irmãs e) meus irmãos. O apóstolo
deseja manter boas relações, pelo que usa pela segunda vez o termo
irmãos em só dois versículos (vv. 10, 11).
c. «Que há rivalidades 38 entre vós». Estas disputas ainda não tinham
produzido uma divisão permanente, mas contribuíam para um espírito
divisionista que ameaçava o bem-estar espiritual da igreja (veja-se Tg

37
F.R. Montgomery Hichtcock crê que ela era não cristã ou era uma deusa. «Who Are ‘the People of
Cloe’ in 1 Co. 1:11?», JTS 25 (1924): 163–67.
38
A palavra grega traduzida rivalidades é tipicamente paulina. Aparece nove vezes nas epístolas de
Paulo, e em nenhuma outra parte do Novo Testamento. Veja-se Rm 1:29; 13:13; 1Co. 1:11; 3:3; 2Co
12:20; Gl 5:20; Fp 1:15; 1Tm. 6:4; Tt 3:9.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 78
4:2). Além disso, as rixas demonstravam falta de amor, com o que se
violava o mandamento de Deus, que diz que devemos amar-nos uns aos
outros.
12. Refiro-me ao seguinte: que ca da um de vós diz : «Eu s ou de
Paulo», ou «Eu sou de Apolo», ou «Eu sou de Ce fas», ou «Eu s ou de
Cristo».
A oração Refiro-me ao seguinte demonstra que Paulo está bem
informado a respeito das disputas em Corinto. Com isto quer dizer:
«Vamos ao ponto». O problema é que são os coríntios mesmos os que
criaram facções dentro da igreja e ainda relacionaram estas facções com
pessoas específicas. O irônico do assunto é, no entanto, que as pessoas
cujos nomes foram associados com estes partidos (Paulo, Apolo e Cefas)
repudiariam as brigas e a formação de partidos dentro da igreja. Dito de
outra maneira, nenhum líder foi a Corinto formar seu próprio grupo.
Na igreja de Corinto, um membro dizia ser seguidor de Paulo, outro
declarava pertencer ao grupo de Apolo, outro afirmava imitar a Pedro, e
um último se confessava discípulo de Cristo. Por certo que não devemos
inferir que estas quatro facções abrangiam todos os membros da igreja.
«Não há dúvida de que em Corinto havia irmãos que não se alinharam
com nenhum destes partidos». 39
a. «Eu sou de Paulo». O nome de Paulo aparece encabeçando a lista
de quatro nomes. Os nomes estão colocados de forma ascendente, de tal
forma que o nome de Cristo é o da mais alta posição. Portanto, o nome
de Paulo é aquele que tem menos importância. Foi Paulo quem fundou
esta congregação, mas pelo partidarismo em voga nem todos favoreciam
o apóstolo. Mesmo aqueles que eram propensos a Paulo saíram dos
limites de seu ensino e intenções, visto que o próprio Paulo nunca deu
origem a um grupo separado. Por lhes haver pregado o evangelho em
Cristo tornou-se o pai espiritual dos coríntios (1Co 4:15). Contudo,

39
Archibald Robertson e Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle
of St. Paul to the Corinthians, na série International Critical Commentary, 2ª ed. (1911; reimpresso
por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 79
Paulo não estava interessado em receber reconhecimento pelo trabalho
que fez; antes, sua meta era confirmar os coríntios em Cristo (veja-se o
v. 6). Não queria que pusessem sua atenção nele, mas no Senhor.
Para Paulo, o rejeitar o espírito divisionista dos coríntios incluía
defender a integridade de Apolo. O apóstolo sabia que Apolo também
repudiaria as disputas e as facções na igreja. Ao longo de toda sua
epístola, honra o seu colega Apolo, e recomenda seu trabalho (1Co 3:4,
5, 6, 22; 4:6; 16:12).
b. «Eu sou de Apolo». Apolo era oriundo da renomada cidade de
Alexandria, o centro universitário onde foi educado. Embora tivesse um
domínio cabal das Escrituras e ensinou sobre Jesus, em Éfeso teve que
ser instruído por Áquila e Priscila para assim ganhar um conhecimento
mais preciso do caminho de salvação (At 18:24–26). Chegou a ser
sucessor de Paulo em Corinto e era um pregador eloquente (At 18:24–
28). Alguns membros da igreja ficaram impressionados por sua oratória,
especialmente porque consideravam Paulo como uma pessoa fraca cujas
apresentações orais careciam de eloquência (1Co 2:1; 2Co 10:10; 11:6).
De um ponto de vista humano, Paulo tinha um competidor que o tinha
superado no púlpito de Corinto. Mas tanto Paulo como Apolo recusavam
ver-se como competidores. Antes, tinham-se como colegas no ministério
de pregar o evangelho de Cristo.
c. «Eu sou de Cefas». Não se pode constatar que Cefas (Pedro)
tenha visitado Corinto durante a ausência de Paulo. É provável que
fosse. 40 Deve supor-se que os coríntios conheciam Pedro, porque Paulo
lhes menciona que Pedro fazia suas viagens missionárias junto com sua
esposa (1Co 9:5). Pedro era altamente respeitado, visto que era
conhecido como cabeça da igreja e porta-voz dos apóstolos. Paulo
40
Eusebio de Cesarea, Historia eclesiástica, edição bilíngue por A. Velasco (Madrid: BAC, 1973),
vol. I, seção 2.25. Veja-se além disso C.K. Barrett, «Cephas and Corinth», en Abraham unser Vater:
Juden und Christen im Gesprach über die Bibel, Festschrift für Otto Michel zum 60, editor Otto Betz,
Martin Hengel e Paul Schmidt (Leiden: Brill, 1963), pp. 1–12; e seu Commentary on the First Epistle
to the Corinth, en la serie Harper’s New Testament (New York e Evanston: Harper and Row, 1968),
p. 44.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 80
identifica Pedro com o nome de Cefas, o que parecia indicar que ele se
inclinava a usar seu nome aramaico, não a transliteração grega Petros.
Em suas epístolas, Paulo menciona o nome Pedro só duas vezes (Gl 2:7,
8), enquanto usa o nome Cefas oito vezes (no grego, 1Co 1:12; 3:22; 9:5;
15:5; Gl 1:18; 2:9, 11, 14; veja-se Jo 1:42 para a mesma construção).
Pedro e Paulo se respeitavam mutuamente, assim que podemos estar
seguros de que também a ele teria parecido horrível que alguém
conectasse seu nome a uma facção de Corinto.
d. «Eu sou de Cristo». Surgem várias perguntas ao procurarmos
interpretar esta declaração. Por exemplo, estava o grupo de Cristo
formado pelos coríntios que recusavam associar-se com os outros
grupos? Não eram todos estes cristãos seguidores de Cristo? Não está
Cristo numa categoria distinta que a das outras três pessoas? Buscava
Paulo contrastar-se com os coríntios dizendo «Eu sou de Cristo»?
Muitas perguntas como estas ficam sem resposta, pelo fato de que
Paulo não entrega informação adicional à contida nesta seção do texto.
Ao menos a gramática do presente texto nos proíbe pensar que o próprio
Paulo pronunciasse a declaração Eu sou de Cristo. Em outro lugar repete
os três nomes Paulo, Apolo e Cefas, para acrescentar imediatamente que
são de Cristo (1Co 3:22, 23 e 2Co 10:7). Insinua que a igreja universal
com todos os seus indivíduos pertence a Jesus Cristo.

Considerações práticas de 1Co 1:10–12


Sabine Baring-Gould escreveu o precioso hino «Firmes e adiante»,
e comparou à igreja com um poderoso exército, dizendo:
Mova-se potente, a Igreja de Deus
Dos já gloriosos
Partimos em pós;
Somos só um corpo,
E um é o Senhor,
Uma a esperança, e um nosso amor.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 81
Não obstante, os crentes choram pelas inumeráveis divisões que a
igreja sofreu. À parte dos conflitos geográficos e linguísticos, as brigas
rumo ao interior da própria igreja causaram muitos cismas. João Calvino
disse: «Quando abundam os conflitos religiosos, não se pode evitar que
aflorem os pensamentos dos homens na forma de verdadeiros conflitos.
Porque embora seja verdade que não há nada que nos una mais que o
coincidir em assuntos de religião, unindo nossas mentes e as mantendo
em paz, sucede que o desacordo nestas matérias inevitável e rapidamente
incitará os homens a pelejar, e não existe uma área que tenha disputas
mais violentas». 41
13. Está Cristo divi dido? Foi Paulo cr ucificado por vós ? Fostes
batizados no nome de Paulo?
a. Primeira pergunta. «Está Cristo dividido?» A maioria dos
tradutores creem que as três primeiras palavras deste versículo formam
uma pergunta, não uma afirmação. 42 Devido ao fato de que estas
palavras vêm seguidas por duas orações interrogativas, os eruditos creem
ver uma sequência lógica de três perguntas. As três perguntas são
retóricas, esperando uma resposta negativa.
Paulo chama a atenção de seus leitores com a interrogante de se
Cristo está dividido. Paulo responde que não, mas aparentemente os
coríntios respondiam que sim. Esta gente pensava que podiam dividir a
Cristo. 43 Estava Cristo dividido no sentido de estar partido em pedaços?
Há um comentarista que assim opina. G.G. Findlay comenta que dividir
«denota distribuição, não desmembramento». 44 Mas é impossível

41
Calvin, 1 Corinthians, pp. 26–27.
42
Algumas traduções vertem o texto na forma de uma exclamação: «Certamente que Cristo não foi
dividido entre vós!» (NEB, REB) ou «Cristo foi dividido em grupos!» (GNB). Alguns manuscritos
antigos (p. ex., ‰46vid, 326, 1962) acrescentam a pergunta a palavra não, para que seja igual às duas
pergunta que seguem. Alguns tradutores incluíram a partícula de negação (veja-se NEB, REB).
43
Algumas Versões leem «dividir em partes» ou «partir em» (cf. NAB, SEB, Cassirer) ou «parcelar»
(Moffatt).
44
G.G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 765.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 82
distribuir a Cristo, porque Ele é a cabeça da igreja, a qual é o Seu corpo.
O corpo deve honrar a sua cabeça, pois dela recebe seu sustento e
direção. Ao perguntar «Está Cristo dividido?» Paulo os faz olhar à
cabeça do corpo, honra a Cristo e promove a unidade da igreja.
b. Segunda pergunta. «Foi Paulo crucificado por vós?» Os coríntios
devem ter percebido imediatamente que a pergunta era um absurdo. É
óbvio que é Cristo quem foi crucificado por eles, não Paulo. Assim que,
não importa quanto carinho pudessem ter tido alguns por aquele que
fundou a congregação de Corinto, deviam admitir que não foi Paulo
quem morreu na cruz para salvá-los do pecado. Não era correto que
dissessem que eram de Paulo (ou de Apolo ou Cefas), porque assim
desonravam a Cristo.
As epístolas paulinas registram o verbo crucificar só oito vezes. 45
Aquí Pablo se aplica a sí mismo un término que pertenece
exclusivamente a Cristo.
c. Terceira pergunta. «Fostes batizados no nome de Paulo?».
Quando os coríntios receberam o sinal do batismo, foram batizados no
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28:19) ou no nome de
Jesus (At 2:28; 10:48; 19:5). «O batismo ou a fé nos faz propriedade de
Deus ou do Filho de Deus». 46 O batismo significa que a pessoa
identifica-se completamente com a pessoa em cujo nome se batiza. E
assim se torna evidente quão absurdo era que reclamassem para eles o
nome de Paulo (ou o de Apolo ou o de Cefas). Visto que tinham sido
batizados para ser introduzidos na morte de Cristo (Rm 6:3), os coríntios
eram propriedade de Jesus Cristo e viviam uma nova vida. É pelo sinal e
selo do batismo que foram chamados cristãos.

45
1Co 1:13, 23; 2:2, 8; 2Co 13:4; Gl 3:1; 5:24; 6:14.
46
Adolf Deissmann, Bible Studies (reimpreso por Winona Lake, Ind.: Alpha, 1979), p. 147; James
D.G. Dunn, Baptism in the Holy Spirit, 2ª. série Studies in Biblical Theology (Londres: SCM, 1970),
p. 117.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 83
14, 15. Dou graças a Deus que eu não batizei a nenhum de vós, com
exceção de Crispo e de G aio, para que ninguém diga que fostes batizados
em meu nome.
a. «Dou graças a Deus». Editores e tradutores do Novo Testamento
grego estão divididos com relação a se deve incluir-se ou tirar-se do
texto a palavra Deus. A maioria prefere incluí-la 47 que tirá-la. O padrão
que Paulo mostra em todas as suas epístolas favorece reter a palavra
Deus, embora deve admitir-se que a palavra está ausente em alguns dos
manuscritos mais importantes.
b. «Eu não batizei a nenhum de vós». Paulo não dá graças em
oração (como no v. 4), mas expressa a satisfação que sente de não ter
batizado a muitos crentes em Corinto. Deixou para outros a tarefa de
batizar os recém-convertidos. Do mesmo modo, foi Filipe quem batizou
os samaritanos, não Pedro ou João (At 8:12); e lembremos que Pedro
ordenou aos seis judeus de Jope que batizassem a família de Cornélio
(At 10:48; 11:12).
c. «Com exceção de Crispo e de Gaio». Segundo o relato de Lucas,
Crispo tinha sido governante da sinagoga de Corinto, quem creu em
Cristo junto com toda sua família (At 18:8). Quando se retirou da
sinagoga, Sóstenes o sucedeu (At 18:17).
Cinco vezes aparece o nome Gaio no Novo Testamento (At 19:29;
20:4; Rm 16:23; 1Co 1:14; 3Jo 1). Paulo passou o inverno em Corinto na
casa de Gaio, e ali escreveu Romanos (Rm 16:23). Suspeitamos que este
Gaio é a mesma pessoa que Paulo batizou quando fundou a congregação
de Corinto.
d. «Para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome».
Paulo está feliz de que durante seu ministério não batizou os crentes,
assim ninguém podia ter seu nome como algo especial. Paulo não
batizava em seu próprio nome, mas se esforçava por que as pessoas

47
Los editores de GNT, NTG, Merk Souter y del Texto Mayoritario incluem-na. Veja-se CB, BJ,
NBE, VM, NC.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 84
pusessem seus olhos em Cristo, quem os redimiu, e não no pregador que
os batizou.
16. Batizei também a família de Es téfanas; além destes não sei s e
batizei algum outro [RA].
A memória de Paulo parece haver falhado no versículo anterior, e
esquece de mencionar Estéfanas e a sua família junto a Crispo e Gaio.
Contudo, ao terminar sua carta, diz-nos que a família do Estéfanas foi o
primeiro grupo de crentes da província da Acaia (1Co 16:15). Alguns
comentaristas creem que Estéfanas converteu-se em Atenas, que era
parte da Acaia, mesmo quando sua família vivia em Corinto. 48 Mas isto
não passa de uma conjetura. O próprio Estéfanas esteve presente quando
Paulo escreveu esta epístola, e poderia ter sido o escriba que escreveu a
carta para Paulo e que lhe refrescou a memória. Paulo mostra que é um
homem normal como todos, apesar de estar escrevendo um livro
inspirado da Bíblia.
Estéfanas e sua família eram obreiros entusiastas na igreja de
Corinto, ministrando as necessidades espirituais dos crentes (1Co 16:15).
Quantas pessoas compunham sua família? A Bíblia nos ensina que o
termo família inclui o esposo, a esposa, as crianças, outros familiares,
escravos e visitas. Por exemplo, Abraão tinha treinado a 318 homens
nascidos em sua família (Gn 14:14). Naquele tempo os chefes de família
consideravam seu lar como uma unidade religiosa, no qual o esposo era
o líder. É por isso que Lucas afirma que quando a salvação chegou a
Zaqueu, também chegou à sua família (Lc 19:9; cf. Jo 4:53). Em Atos
nos informa que o chefe de família e todos os seus eram salvos e
batizados, como é o caso de Cornélio (1Co 10:2, 48; 11:14), Lídia (At
16:15), o carcereiro de Filipe (At 16:31–34) e Crispo (At 18:8). Paulo
menciona a família de Onesíforo (2Tm 1:16) e se refere a crentes que
pertencem à família do César (Fp 4:22). Nada sabemos do tamanho da

48
Robertson e Plummer, First Corinthians, p. 15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 85
família do Estéfanas. Era uma pessoa influente, e poderia ter sido o chefe
de um amplo círculo familiar.
Paulo escreve que não lembra se batizou a algum outro. O
privilégio de batizar a um convertido para ele não tem nenhum valor,
porque Deus não o chamou a batizar, mas a pregar o evangelho.
17. Porque Cristo não me envi ou a batiz ar, mas a pr egar o
evangelho, não com sabe doria de palavras, para não tornar vã a cruz de
Cristo.
Aqui Paulo menciona uma coisa positiva e três coisas negativas. A
afirmação positiva é que Cristo o enviou a pregar a mensagem de
salvação. As afirmações negativas são que a ele não foi comissionado a
batizar crentes, que a proclamação do evangelho não deve converter-se
num tratado de filosofia e, finalmente, que a cruz de Cristo não deve
perder sua posição central.
a. A tarefa. Nos dois versículos anteriores (vv. 15, 16), Paulo
sublinha enfaticamente que não tem interesse algum em batizar crentes.
Agora nos diz por quê: Cristo lhe deu a tarefa de ser um pregador do
evangelho (Rm 1:1; 15:15, 16; Gl 1:16). A tarefa de pregar o evangelho
requer talento, educação, tato e habilidade. Batizar crentes é um ato
simples que não requer muita ciência, enquanto a pregação é o
interminável trabalho de levar as pessoas ao arrependimento, à fé, à nova
vida e ao crescimento. O batismo é um ritual que se administra só uma
vez para separar o cristão do resto do mundo; a pregação, pelo contrário,
ocorre todos os domingos e durante a semana.
A intenção de Paulo não é desacreditar o batismo, só segue o
exemplo do ministério terrestre de Jesus. O que Cristo fazia era
proclamar o evangelho, deixando que Seus discípulos administrassem o
batismo dos crentes (Jo 4:1, 2). Jesus nomeou os apóstolos como
pescadores de homens (Mt 4:19), comissionando-os a pescá-los mediante
a pregação. «Pregar o evangelho é lançar a rede, é o trabalho apostólico.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 86
49
Batizar tem que ver com juntar os peixes e pô-los em cestos». Como
Paulo devia dedicar todo o seu tempo e dons à pregação da Palavra,
deixou a outros o assunto do batismo.
b. Estilo. «Não com sabedoria de palavras». Para ser exatos é
preciso observar que Paulo não diz «palavras de sabedoria» ou
«sabedoria para falar», mas com «sabedoria de palavras». Esta é a
primeira vez que nesta epístola Paulo menciona a palavra sabedoria. No
que resta do capítulo 1 e no capítulo 2, Paulo usa tal palavra para fazer
um contraste entre a sabedoria de Deus e a sabedoria do mundo. No
presente versículo, no entanto, a frase sabedoria de palavras descreve o
estilo de um orador grego, que com eloquência pronuncia seu discurso.
A retórica grega exigia do orador que apresentasse com destreza os
argumentos filosóficos em favor de algum ponto de vista particular.
Paulo não quer saber nada deste estilo de oratória, porque seu fim era
proclamar com simplicidade a mensagem da cruz.
Ao pregar o evangelho em termos singelos, Paulo segue o exemplo
de Jesus. Quando Jesus pregava o evangelho de salvação, a gente comum
O escutava com prazer. Do mesmo modo, a tarefa dos apóstolos era
pregar o evangelho simples e claramente. «‘Anunciar boas notícias em
sabedoria de palavra’ é uma contradição; as ‘notícias’ só necessitam e
toleram uma linguagem direta. Revestir a história do Calvário com
densos teoremas teria sido ‘esvaziar de significado a cruz de Cristo’,
teria sido como estripar o evangelho». 50
«Para [assim] não tornar vã a cruz de Cristo». Quando Paulo
proclamou a mensagem da morte de Cristo no Calvário, o mundo greco-
romano o desprezou. Esse mundo não podia mais que rejeitar a
mensagem relacionada com uma morte ignominiosa numa cruz. No
entanto, se Paulo tivesse adotado o costume grego e tivesse entregue sua
mensagem com eloquência retórica, a mensagem da cruz teria ficado
49
Assim Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand
Rapids: Kregel, 1977), pp. 84–85.
50
Findlay, First Corinthians, p. 767.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 87
despojada de seu poder e glória. Sua mensagem não teria sido mais que
palavras ao vento, sem conversões nem batismos.
Os coríntios sabiam bem que Paulo tinha pregado o evangelho da
morte de Cristo sem ir à oratória nem à sabedoria humana (veja-se 1Co
2:1). Humildemente os tinha chamado ao arrependimento e à fé em Jesus
Cristo. Tinha apontado à vergonhosa cruz de Cristo, cruz que os tinha
salvo do pecado e da morte.

Considerações práticas em 1Co 1:16


O individualismo é a forma de vida da cultura norte-americana.
Estimula o afã pela liberdade e promove o esforçar-se para ter êxito
dentro do esquema de uma sociedade competitiva. Incita o indivíduo a
que, apoiado em seus próprios méritos, escale o topo social, econômico e
político.
As estatísticas mostram que cada ano, pelo menos um terço da
população da América do Norte se traslada para mudar de residência. As
famílias são espalhadas do norte ao sul e do leste ao oeste. Com
frequência os adultos vivem a grandes distâncias de seus pais e irmãos.
Quando pais envelhecidos necessitam de cuidado diário, são postos em
casas de retiro, onde filhos e filhas os visitam de vez em quando. O
divórcio, o abandono e a separação estão fazendo aumentar o número de
famílias que têm como cabeça a um só dos progenitores, o pai ou a mãe.
Isto faz com que a família como tal seja uma unidade pequena, composta
por um ou dois pais e geralmente duas ou três crianças.
Em outras culturas é comum que a família consista num clã
composto de avôs, pais, mães, filhos e filhas, tios e tias, sobrinhos e
sobrinhas. Não existem casas de retiro para anciãos, porque netos e
filhos se ocupam de cuidar dos avôs. É a família a que provê para as
necessidades materiais, sociais, emocionais e espirituais de todos os seus
membros.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 88
Quando gente da América do Norte e de outras culturas encontram
a palavra família em algum texto da Bíblia, sem dúvida interpretarão e
entenderão tal palavra de forma distinta. Sem medo de errar, posso dizer
com confiança que a cultura que toma a família como um clã, assemelha-
se muito mais ao modelo bíblico que a que promove um individualismo
sem raízes.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 1:10, 12, 16–17


Versículo 10
_να — a conjunção não introduz uma simples oração de propósito,
mas uma oração objeto direto introduzida por um verbo de exortação. O
δέ é claramente adversativo, para separar a construção perifrástica _τε
κατηρτισμένοι (=que sejam perfeitos). A construção em tempo perfeito
serve para indicar uma ação cujo efeito perdura no tempo e a voz passiva
tem a Deus como agente.

Versículo 12
μ_ν … δέ — el contraste indica que algunos dicen esto y otros
aquello. La repetición del δε apunta a personas que también se
comportan de la misma manera.

Versículos 16–17
λοιπόν — esta expressão adverbial quer dizer «além deste fato» (de
ter batizado à família do Estéfanas).
ο_ — a partícula literalmente nega o verbo enviou, mas o fio de
pensamento sugere definidamente que só se está limitando a atividade
indicada pelo infinitivo batizar.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 89
2. A loucura da cruz. 1Co 1:18–2:5

Nesta seção Paulo ensina que o que para o mundo é insensatez (isto
é, o evangelho da cruz), para Deus é sabedoria, e o que para o mundo é
sabedoria (isto é, sistemas filosóficos ideados pelo homem), para Deus é
estultícia. Descreve o efeito que causa pregar a mensagem da cruz de
Cristo (v. 18), fundamenta seu ensino com uma passagem do Antigo
Testamento (v. 19) e, por meio de uma série de perguntas, força os
coríntios a tirarem suas próprias conclusões (v. 20).

a. Os que se perdem e os que se salvam. 1Co 1:18–20

18. Porque a palavra da cruz é uma insensatez para os que se estão


perdendo, mas para nós, os que estamos sendo salvos, é o poder de Deus.
Neste texto, cada palavra está cheia de significado, pois cada uma
contribui para produzir uma poderosa mensagem. A conjunção porque
serve de elo com a menção da cruz de Cristo (v. 17) e indica que o
versículo 18 é explicativo. Quando Paulo escreve a palavra da cruz,
separa-a da frase sabedoria de palavras (v. 17). Embora em grego os
dois termos traduzidos «palavra» e «palavras» compartilhem a mesma
etimologia (logos), no presente contexto não têm nada em comum. De
fato, têm significados opostos. A palavra da cruz é a mensagem que
proclama um acontecimento de significado histórico e teológico. Aponta
a Cristo, quem sofreu a morte de um criminoso, mas cuja morte afeta o
destino do ser humano. Em contraste, a sabedoria de palavras que emite
o orador tem uma origem humana e opõe-se a mensagem da cruz.
«A palavra da cruz é uma insensatez». Para os gentios do tempo de
Paulo, o relato da morte de Cristo sobre uma cruz fora da cidade de
Jerusalém era uma tolice. Classificavam Jesus como um criminoso ou
um escravo degenerado, porque os romanos só crucificavam a desviados
dessa índole. Portanto, a mensagem da cruz que Paulo pregava era uma
estupidez para os gregos (v. 23).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 90
«[Insensatez] para os que se estão perdendo». O gerúndio se estão
perdendo denota uma ação em processo. A expressão tem tanto um
elemento subjetivo como objetivo: no plano subjetivo, os que
repudiavam a mensagem de Paulo consideravam-na uma loucura; no
plano objetivo, rejeitar a mensagem traz perdição irrevogável (2Co 2:15;
4:3; 2Ts 2:10). Não é que estejam à beira da perdição, mas de fato já
estão se perdendo.
Em contraste, os coríntios não se estão perdendo, antes, foram
chamados e santificados (v. 2); pertencem a uma classe diferente por
haver aceito «a palavra da cruz» e crido no evangelho. Por isso, Paulo
anima os seus leitores. Inclui-se a si mesmo, quando diz:
«Mas para nós, os que estamos sendo salvos». Note-se que a oração
os que estamos sendo salvos cumpre a função de explicar o pronome
nós. Paulo fica no mesmo nível dos coríntios e afirma que estão sendo
salvos. Porém, não foram salvos quando Deus os chamou? O que é que
Paulo ensina quanto ao tempo de salvação? Em que tempo aparece o
verbo salvar? 51 Alguns exemplos servirão para ilustrar o ensino de
Paulo, conforme traduzo do original:
Passado: «porque fomos salvos em esperança» (Rm 8:24)
«Pela graça fostes salvos» (Ef 2:5, 8)
«Salvou-nos por sua graça» (Tt 3:5)
Presente: «mediante o qual [evangelho] estais sendo salvos» (1Co
15:2)
«Os que estão sendo salvos» (2Co 2:15)
Futuro: «quanto mais seremos salvos» (Rm 5:9)
«Assim todo Israel será salvo» (Rm 11:26)
Isto nos ensina que em princípio os crentes são salvos nesta vida.
Desfrutam desta bendita segurança ao longo de sua peregrinação
terrestre, porque sabem que estão a caminho da salvação total (cf. Hb

51
Consulte-se J.B. Lightfoot, Notes on the Epistle of St. Paul from Unpublished Commentaries (1895;
reimpresso por Grand Rapids: Zondervan, 1957), pp. 157–158.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 91
1:14). A salvação completa chegar-lhes-á quando deixarem este cenário
terrestre e entrarem na presença de Deus.
«É o poder de Deus». Paulo pode dizer com confiança aos seus
leitores que: «o poder de Deus é nosso». Esta forma de falar assemelha-
se à linguagem que Paulo usa em sua epístola aos Romanos: «Não me
envergonho do evangelho, pois é poder de Deus para a salvação de todos
os que creem» (Rm 1:16). O poder de Deus faz-se eficaz cada vez que se
prega o evangelho e a pessoa aceita a mensagem da fé. «A palavra da
cruz» tem o poder de levantar o pecador de sua morte espiritual e prover-
lhe novidade de vida. Em suma, é o próprio Deus que está ativo,
provendo salvação ao Seu povo. 52
Contudo, o sofisticado ambiente daquele tempo pensava que Paulo
pregava algo totalmente insensato, porque o apóstolo relacionava o
poder de Deus com a fraqueza da cruz. 53 Jesus sempre fundamentou Seu
ensino na Escritura; Paulo usa a mesma metodologia de confirmar seu
ensino citando uma passagem do Antigo Testamento.
19. Porque está escrito, «Destr uirei a sabedoria dos sábi os e a
inteligência dos inteligentes anularei/não levarei em conta».
Paulo cita quase palavra por palavra o que encontra na Septuaginta,
a versão grega do Antigo Testamento (Is 29:14; veja-se também Sl.
33:10). O texto da Septuaginta é um pouco diferente do texto hebraico,
que diz: «A sabedoria dos sábios perecerá e a inteligência dos
inteligentes se desvanecerá».
O contexto desta passagem do Antigo Testamento refere-se a que o
povo de Israel só honra a Deus com os lábios, porém não com seus
corações (Is 29:13; Mt 15:8, 9). Deus anula a sabedoria dos sabichões de
Israel e desvanece a inteligência humana. Opõe-se à sabedoria que se
origina num coração afastado do serviço a Deus. Ao passar ao Novo
Testamento, Tiago afirma que a sabedoria terrestre (como oposta à

52
Cf. Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 592.
53
Refira-se Peter Lampe, «Theological Wisdom and the ‘Word About the Cross’: The Rhetorical
Scheme in 1 Corinthians 1–4», Interp. 44 (1990): 120.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 92
celestial) não é espiritual, e sim diabólica (Tg 3:15). Deus não depende
de nossa sabedoria. Pelo contrário, somos aconselhados a pedi-la a Deus
(Tg 1:5), e Ele a concederá generosamente a quem se aproxime dEle
com fé. Gordon D. Fee observa corretamente: «No entanto, é a estupidez
de nossas maquinações humanas, a que nos faz pensar que podemos
enganar a Deus, ou de que Deus deve ser tão disposto como nós». 54
20. Onde está o sábio? Onde, o doutor da lei? Onde está o polemista
deste século? Acas o Deus não tornou em insensatez a sabedoria deste
mundo?
a. Alusões. Parece que em 1 Coríntios Paulo gosta de citar ou aludir
à profecia de Isaías. 55 Duas das perguntas vêm diretamente de Isaías e
Paulo se apoia implicitamente em Isaías também para a terceira: «Acaso
Deus não tornou em insensatez a sabedoria deste mundo?»
Em seu oráculo contra o Egito, Isaías pergunta onde estão os sábios
de Faraó (Is 19:12). Depois, no contexto da miséria pronunciada contra
os assírios, Isaías pergunta onde está o escriba (Is 33:18). Reflete sobre
como as forças de Senaqueribe, rei da Assíria, sitiaram Jerusalém (Is 36–
37). Quando o exército assírio sitiou Jerusalém, o rei Ezequias confiou
no Deus de Israel, que o livrou da opressão. O anjo do Senhor matou
185.000 soldados assírios (Is 37:36). «Ao refletir neste fato, Isaías
imagina o povo dizendo assombrado: ‘Onde está o escriba que devia
contar o tributo (imposto aos judeus)? Onde está aquele que devia pesar
o tributo? Onde está aquele que devia contar as torres (que os assírios
pensaram destruir)?’ [Is 33:18]». 56 Mas para os fins de Paulo, o escriba
converte-se no doutor nas Escrituras do Antigo Testamento.
Deus promete redimir Israel, dizendo que destruirá a sabedoria dos
sábios (Is 44:25). Mediante uma pergunta retórica que espera uma

54
Fee, First Corinthians, p. 70.
55
Das dezessete citações diretas ao Antigo Testamento, seis vêm de Isaías: Is 29:14 se cita em 1Co
1:19; Is 64:4 em 1Co 2:9; Is 40:13 em 1Co 2:16; Is 28:11, 12 em 1Co 14:21; Is 22:13 em 1Co 15:32;
Is 25:8 em 1Co 15:54.
56
William Hendriksen, «William Hendriksen on 1 Corinthians 1.18–31», B of T 284 (1987): 20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 93
resposta afirmativa, Paulo afirma que Deus fez com que a sabedoria do
mundo se converta em insensatez.
b. Perguntas. «Onde está o sábio?» Paulo resume em quatro
perguntas o que disse no versículo 18 e fundamentou no versículo 19. A
ênfase recai em Deus, quem é Aquele que salva e Aquele que destrói a
sabedoria dos sábios. Quem quer confrontar a Deus com a sabedoria do
mundo deve saber que está perdido. No tempo de Moisés bastou que
Deus ordenasse, e os sábios desapareceram do mapa. Da mesma forma a
sabedoria deste mundo se desvanece, quando mestres que se opõem a
Deus proclamam sabedoria humana. Paulo não quer dizer que todos os
sábios deixaram o cenário de Corinto, mas em vão procuram frustrar a
obra de Deus (veja-se 1Co 3:19).
«Onde, o doutor da lei?» Com a segunda pergunta, Paulo se dirige
aos judeus treinados na arte de explicar as Escrituras do Antigo
Testamento (treinamento, diga-se de passagem, que Paulo também tinha
recebido). Esta gente recorria aos ensinos do Antigo Testamento, porém
não queriam aceitar que a mensagem da cruz era o cumprimento destes
ensinos.
«Onde está o polemista deste século?» A terceira pergunta aplica-se
aos filósofos judeus e gregos. A frase deste século é o contrário de
século vindouro, e sua finalidade é contrastar os valores éticos do mundo
presente com os do reino de Cristo.
A quarta pergunta serve para resumir as anteriores. E Paulo
pergunta de forma retórica:
«Acaso Deus não tornou em insensatez a sabedoria deste mundo?»
Como o mundo usa sua sabedoria contra o Altíssimo, Deus faz com que
a prudência do mundo se converta em insensatez, o que resulta no
fracasso do mundo. Paulo usa o paralelismo hebraico para terminar a
terceira e quarta pergunta. As frases este século e este mundo são
expressões sinônimas. 57 Os coríntios devem notar de que Deus

57
Barrett, First Corinthians, p. 53.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 94
transformou em estultícia a sabedoria mundana daqueles que rejeitaram a
mensagem da cruz de Cristo, mesmo quando não tenham entendido o
pleno significado dessa cruz. É através da cruz que Deus introduziu o
século vindouro que transcende o presente século. 58

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 1:18–20


Versículos 18–19
το_ς … _πολλυμένοις — este é um gerúndio, voz média, do verbo
_πόλλυμι (=destruir). Trata-se de um verbo composto que denota um
processo durativo com força perfectiva. 59
το_ς … σωζομένοις — é o gerúndio progressivo do verbo σ_ζω
(=salvar), e denota que os crentes estão sendo salvos.
O contraste das partículas μέν e δέ indicam que só há duas
classificações: os salvos e os perdidos.
το_ς … σωζομένοις — é o tempo futuro de ajpovllumi; e é
interessante notar sua íntima conexão com o gerúndio do mesmo verbo
no versículo 18.

Versículo 20
_μώρανεν — esta forma vem do verbo μωραίνω (=fazer insensato)
e seu tempo aoristo denota ação completa. Veja-se a relação que este
verbo tem com o substantivo da mesma raiz (insensatez).
κόσμου — existe uma forte evidência manuscrita em favor da
inclusão do pronome τούτου. Por isso, algumas traduções portuguesas o

58
Consulte-se James A. Davis, Wisdom and Spirit: An Investigation of 1 Corinthians 1.18–3.20
Against the Background of Jewish Sapiential Traditions in the Greco-Roman Period (Lanham, Md.:
University Press of America, 1984), p. 74; E. McMillan, «An Aspect of Recent Wisdom Studies in the
New Testament», ResQ 10 (1967): 201–10.
59
Refira-se a Robertson, p. 827.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 95
retêm. Mas outros supõem que o pronome foi acrescentado por
influencia da frase anterior este século. 60

b. Sabedoria e insensatez. 1Co 1:21–25

21. Porque visto que na sabedoria de Deus, o mundo por meio de sua
sabedoria não conheceu a Deus, aprouve a Deus salvar os q ue creem por
meio da insensatez da mensagem que foi pregada.
a. «Porque visto que na sabedoria de Deus, o mundo por meio de
sua sabedoria não conheceu a Deus». Ambas as conjunções («porque» e
«visto que») são causais e convertem este versículo numa comovedora
explicação de la forma como Deus fez com que a sabedoria do mundo se
converta em estultícia (v. 20). Paulo é específico, ao dizer: «na sabedoria
que pertence a Deus». O que importa não é a sabedoria do mundo, e sim
a sabedoria de Deus. Mas o que Paulo quer dizer com a frase sabedoria
de Deus? Em geral deram-se duas respostas:
1. Alguns comentaristas apontam as seguintes passagens do Novo
Testamento: Atos 14:17, onde Paulo, dirigindo-se às pessoas de Listra,
diz que Deus não Se deixou a Si mesmo sem testemunho, mas concedeu
chuva e tempos frutíferos; Atos 17:27, onde Paulo, diante do Areópago,
afirma que os homens buscam a Deus; e Romanos 1:20, que declara que
o ser humano não tem desculpa, porque Deus Se deu a conhecer através
da criação. 61
2. Outros comentaristas expõem objeções contra uma interpretação
como esta, 62 apesar de que reconhecem o significativo peso dos textos
paralelos que se aduzem. Objetam, por exemplo, que o contexto deste

60
Retêm o pronome: CI, NBE, NC. Mas omitem o pronome: CB, LT, BJ, VM, BP, HA.
61
Veja-se os Comentarios de Calvino, p. 39; Godet, p. 96; Hodge, p. 21; Fee, p. 72.
62
Lightfoot, Notes on the Epistles, p. 161; Grosheide, First Epistle to the Corinthians, p. 47; W.
Harold Mare, 1 Corinthians, no vol. 10 de The Expositor’s Bible Commentary, editado por Frank E.
Gaebelein, 12 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 1976), p. 194; Leon Morris, 1 Corinthians, edição
revisão, na série Tyndale New Testament Commentaries (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids,
1987), p. 44.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 96
versículo não fala do tema da revelação de Deus na criação, mas de Deus
salvando os crentes por meio da mensagem da cruz de Cristo. A estrutura
básica da oração é que, em sua sabedoria, Deus teve por bem salvar os
que creem na mensagem da cruz. O verbo principal aprouve a ocupa a
posição enfática na oração e é crucial para entender este versículo.
Também se objeta que a frase sabedoria de Deus está em oposição
à frase sabedoria deste mundo. Deus leva a cabo Seu plano de salvação
numa sabedoria que o mundo toma por insensatez. Ao contrário, a
sabedoria do mundo é estultícia para Deus, porque rejeita a mensagem
da cruz.
Finalmente, objeta-se que não se deve fazer com que a oração «o
mundo por meio de sua sabedoria não conheceu a Deus» preceda
logicamente à outra aprouve a Deus. Isto é, Deus rejeita a sabedoria do
mundo porque se recusa aceitar a sabedoria divina. Mas a Deus lhe
agrada salvar os que com fé aceitam o evangelho de Cristo.
b. «Aprouve a Deus salvar os que creem por meio da insensatez da
mensagem que foi pregada». O verbo aprazer alude à soberania de Deus
pela qual Ele teve por bem escolher crentes com base em Seu decreto,
determinação e propósito. 63 Não obstante, o que agrada a Deus opõe-se
diametralmente à estultícia humana que defende a sabedoria do mundo.
O mundo ignora a propósito ou ridiculariza mordazmente a pregação do
evangelho, porque para a mente humana pecaminosa é uma estupidez.
Mas o povo de Deus continua crendo neste evangelho insensato e o
aclama plenamente como sabedoria de Deus.
c. Por último, note-se o contraste que se forma entre duas frases
deste versículo: o mundo por meio de sua sabedoria e por meio da
insensatez da mensagem que foi pregada. Em ambos os casos o modo
preposicional por meio de aponta para aquilo em que alguém confia: o
mundo confia na sabedoria humana, mas o crente o faz na insensatez da
pregação. Domingo após domingo e até durante a semana, os crentes

63
Hans Bietenhard, NIDNTT, vol. 2, p. 818; Gottlob Schrenk, TDNT, vol. 2, p. 741.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 97
ouvem a pregação do evangelho e recebem instrução das Escrituras. A
pregação não tem que ver só com a entrega de um sermão (embora a
apresentação eficaz é algo que em si tem importância), mas com o
conteúdo da mensagem. Os crentes aceitam o conteúdo divino da
pregação e respondem com fé à sabedoria de Deus. Os incrédulos, pelo
contrário, rejeitam esta sabedoria e a chamam insensatez. Isto resulta em
que a pessoa mundana se nega a conhecer a Deus e sofre assim a
perdição eterna, enquanto o crente conhece a Deus e recebe salvação
eterna.
22, 23. E visto que os judeu s pedem sinais e os gregos b uscam
sabedoria, nós pregamos a Jesus Cristo crucificado, o qu e é tropeço para
os judeus e insensatez para os gentios.
Paulo volta a usar a conjunção causal visto que (v. 21), com o qual
proporciona uma explicação adicional. De forma específica agora divide
o mundo em dois grupos: judeus e gregos.
a. «Os judeus pedem sinais e os gregos buscam sabedoria». Como
judeu nascido dentro da cultura helênica, Paulo sabe como descrever os
judeus e os gregos. Os Evangelhos nos informam que os judeus
constantemente exigiam de Jesus que lhes desse sinais, 64 mas Ele Se
negou a isso, porque para crerem nEle punham como condição que
fizesse algum milagre (veja-se Jo 4:48). Deus confiou aos judeus as
Escrituras do Antigo Testamento (Rm 3:2), eles eram os que receberam
as alianças de Deus, a lei, as promessas e os estatutos do culto (Rm 9:3,
4). Contudo, quando Jesus veio, negaram-se a crer nEle, a menos que
Jesus se tornasse um milagreiro ao seu dispor. Em resumo, os judeus
rejeitaram a mensagem divina de salvação que Cristo lhes trouxe (Jo
1:11).
O campo semântico da palavra gregos é muito amplo, e abrange
muito mais que só os cidadãos de Corinto ou a nação grega. O termo
aponta a um tipo de pessoa influenciada pela cultura, filosofia e língua

64
Mt 12:38, 39; 16:1; Mc 8:11, 12; Lc 11:16; Jo 2:18; 6:30.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 98
grega. Os filósofos estoicos e epicureus (At 17:18) buscavam o por quê
de sua existência neste mundo. Junto aos seus compatriotas, lutavam
inquisitivamente por encontrar a sabedoria. Não obstante, tanto judeus
como gregos, mostravam-se céticos e contrários a Paulo e a seus
colaboradores por pregar o evangelho de Cristo.
b. «Nós pregamos a Jesus Cristo crucificado, o que é tropeço para
os judeus e insensatez para os gentios». A diferença é notável. Paulo
intensifica o que disse anteriormente sobre a cruz (vv. 17, 18), quando
insinua que em sua pregação, ele e seus colegas explicam o significado
da crucificação de Cristo (veja-se 1Co 2:2). Com tom triunfante dá
expressão a uma verdade que foi o lema da igreja cristã: «pregamos a
Cristo crucificado». Qual é, no entanto, o significado dessa expressão? O
próprio Paulo nos dá uma dupla resposta.
«Tropeço para os judeus». Segundo a opinião judaica, um
crucificado era para sempre um homem maldito por Deus. Nem sequer
podia mencionar-se tal pessoa, porque feria a sensitividade religiosa
judaica (cf. Dt 21:23; Gl 3:13; 5:11). Por certo, pôr em um crucificado o
título de Messias era amostra da maior insensibilidade espiritual.
«E insensatez para os gentios». Para os gentios, era completamente
estúpido sequer pensar em proclamar uma mensagem a respeito de uma
pessoa que foi cravada numa cruz. As autoridades romanas em geral
crucificavam escravos criminais. Para a forma de pensar dos gentios,
seria ridículo dizer algo referente a um homem condenado a morrer
nessas circunstâncias. Por certo, um escravo criminal morto numa cruz
não podia ser Senhor e Salvador da humanidade.
Os crentes aceitam a mensagem da cruz e de boa vontade admitem
que não entendem totalmente o significado do sofrimento e morte de
Cristo na cruz. Contudo, sabem que são salvos pela fé.
24, 25. Mas para os chamad os, tanto judeus como gregos, Cristo é o
poder de Deus e a s abedoria de Deus. Porque a insensatez de Deus é mais
sábia que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 99
Paulo volta a usar o verbo chamar (veja-se os vv. 1, 2, 9). Só as
pessoas chamadas eficazmente por Deus, quer judeus ou gentios, são
capazes de crer na mensagem da cruz e aceitá-la sem reserva. Deus
chama para Si a um povo amado, santo e separado do mundo. 65 Deus os
chama fora dos judeus que se ofendem com Cristo e fora dos gentios que
creem que Cristo é uma estupidez. Estas são pessoas procedentes de
comunidades judaicas e da cultura grega e, no entanto, creem na
mensagem de Cristo (v. 21) e são salvos. Neste contexto, o nome Cristo
quer dizer o Cristo crucificado e ressuscitado.
Quatro são as qualidades que Paulo atribui a Deus nos versículos 24
e 25. Estas são: poder, sabedoria, insensatez e fraqueza. Examinemos
cada uma delas.
a. Poder de Deus. Cristo é o poder de Deus. Paulo conecta a palavra
poder, não com a obra de criação (Jo 1:3; Cl 1:16, 17; Hb 1:2), mas com
a obra de recriação (veja-se o v. 18; Rm 1:4, 16). Cristo é o poder de
Deus na redenção de Seu povo. O poder de Deus se revela na
ressurreição de Cristo, que é o maior milagre de todos os tempos. Por
certo que a palavra poder é a resposta aos judeus que pediam sinais.
b. Sabedoria de Deus. Paulo não afirma que Cristo é a
personificação da sabedoria, mas que Cristo é a resposta divina aos
gentios que consideram que a mensagem da cruz é uma insensatez. A
sabedoria de Deus aparece em contraste com a estupidez dos gentios.
c. Insensatez de Deus. «Porque a insensatez de Deus é mais sábia
que os homens». Se a Deus se pudesse atribuir insensatez e esta fosse
comparada com a sabedoria dos homens, ainda seria imensamente mais
sábia que as qualidades que se atribuem aos homens. 66 Em Belém, Deus

65
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traducido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 333; D.A. Carson, The Cross and Christian Ministry (Grand
Rapids: Baker, 1993), pp. 22–23.
66
Refira-se a J.M. Cooper, «The Foolishness of God versus the Wisdom of Man», ThEd 14 (1983):
35–40.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 100
usou um pesebre como berço para o Seu Filho, o Rei, e escolheu uma
desumana cruz como meio para dar morte ao emissário divino.
d. Fraqueza de Deus. «E a fraqueza de Deus é mais forte que os
homens». Deus faz uso de coisas que são tolas e fracas para os homens, a
fim de exibir Sua sabedoria e poder na obra de salvação de Seu povo.
Paulo suplicou a Deus que removesse de sua carne um aguilhão. O
Senhor lhe respondeu: «A minha graça te basta, porque meu poder se
aperfeiçoa na fraqueza» (2Co 12:9; veja-se também (2Co 13:4).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 1:21–25


Versículo 21
_πειδ_ γάρ — estas duas conjunções («porque, visto que») são
causais e são e usadas para introduzir uma explicação do versículo
precedente.
το_ κηρύγματος — este substantivo se deriva do verbo κηρύσσω
(=pregar) e não se refere à atividade de pregar, e sim ao conteúdo do
evangelho.
σ_σαι το_ς πιστεύοντας — o infinitivo aoristo («salvar») representa
uma ação pontual considerada como um todo. 67 O gerúndio, voz ativa
(«aos que creem»), indica uma ação de progresso contínuo.

Versículo 23
_σταυρωμένον — vem do verbo σταυρόω (=crucificar). O tempo
perfeito deste particípio passivo indica que a ação de crucificar a Jesus
ocorreu no passado, mas que os efeitos desta ação são pertinentes para o
passado, presente e futuro.
μ_ν … δέ — serve para contrastar os interesses judeus e gregos.

67
Refira-se a H.E. Dana y Julius R. Mantey, A Manual Grammar of Greek New Testament (1927;
reimpresso por Nueva York: Macmillan, 1967), p. 196.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 101
Versículo 25
_τι — esta conjunção parece introduzir uma cláusula coordenada, o
mesmo que a conjunção γάρ no seguinte versículo (v. 26). Os editores do
texto grego (NTG, GNT) colocam um ponto em superíndice (um ponto e
vírgula) no final do versículo 24, para mostrar a estrutura coordenada da
seguinte oração.
τ_ν _νθρώπων — aqui é feita uma referência implícita à «sabedoria
dos homens», que se traduz «[mais sábia que] a sabedoria dos
homens». 68

c. O fraco e o forte. 1Co 1:26–31

26. Irmãos, considerai vossa ch amada, que não houve muitos sábios
segundo a carne, nem muitos poderosos nem muitos de nobre nascimento.
a. Chamada. Quando Paulo aborda um tema delicado que afeta
pessoalmente os seus leitores, com frequência usa o vocativo cordial de
irmãos. O costume daqueles tempos incluía a mulher dentro do termo.
O verbo considerar pode ser entendido neste versículo como uma
ordem (modo imperativo) ou como a declaração de um fato (modo
indicativo). Este verbo ocupa o primeiro lugar da oração, assim que é
uma palavra sobre a qual é posta a ênfase. A maioria dos tradutores
favorecem o sentido imperativo e traduzem (variando a terminologia):
«Considerai!» 69 Outros creem que o verbo está no modo indicativo, e o
traduzem: «Vós estais considerando». 70
Paulo exorta os coríntios a que contemplem sua chamada. Mas o
que quer dizer com chamada ou chamado? Em primeiro lugar, Deus
chama uma pessoa através da pregação e do ensino do evangelho. Se o
Espírito Santo fizer tal chamado eficaz, o crente desfruta de uma íntima
68
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of the New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 98.
69
NTT, HA, NC, VM, BJ, BP, NBE, CI, LT, CB.
70
Assim comentaristas como Barrett, Bengel, Grosheide, Hodge.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 102
comunhão com Cristo (vv. 2, 9, 24). Junto com isso, o crente que
responde ao chamado de Deus, entra em comunhão com outros crentes
(veja-se Ef 4:1). 71
Além disso, Paulo lembra a seus leitores a respeito de sua chamada
espiritual. Não só são chamados, também são santos (v. 2), e como tais
são povo de Deus. Eles devem entender a manifestação que Deus tem
feito de insensatez e fraqueza com relação à cruz de Cristo. Devem estar
preparados para sofrer o vitupério da cruz (Gl 5:11) e mostrar a
humildade de Cristo. Alguns cristãos de Corinto criam que na igreja eles
tinham um lugar superior ao resto dos irmãos (v. 12). Não tinham
interesse algum em contribuir par o bem-estar espiritual de outros
crentes. Seu espírito cismático não permitia ministrar a outros. 72 Paulo
está por entregar ensino relacionado com a condição educacional,
econômica e social destes coríntios: os sábios, os poderosos e os de
nobre nascimento. 73
b. Classe. A maioria dos irmãos que conformavam a congregação
de Corinto era gente comum, e só uns poucos eram personagens notáveis
que desfrutavam de um bom nível educacional, financeiro e social. 74
Entre as pessoas proeminentes estava Estéfanas (v. 16; 16:17), os que
uma vez foram líderes da sinagoga: Sóstenes e Crispo (vv. 1, 14), o
generoso Gaio e Erasto, o tesoureiro da cidade (Rm 16:23).
«Não houve muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos
nem muitos de nobre nascimento». De forma indireta Paulo nos está
dando informação com relação à condição social que tinham alguns dos
membros da igreja antes de converter-se. Se forem julgados com

71
Lothar Coenen, NIDNTT, vol. 1, p. 275.
72
Consulte-se a R.A. Horsley, «Wisdom of Word and Words of Wisdom in Corinth», CBQ 39 (1977):
224–39.
73
Veja-se Gerd Theissen, The Social Setting of Pauline Christianity: Essays on the Church, editado e
traduzido por John H. Schütz (Philadelphia: Fortress, 1982), p. 72.
74
Consulte-se E.A. Judge, «The Social Identity of the First Christians: A Question of Method in
Religious History», JRH 11 (1980): 201–17; Abraham J. Malherbe, Social Aspects of Early
Christianity, 2ª. edição aumentada (Philadelphia: Fortress, 1983), p. 72.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 103
critérios mundanos, isto é, «segundo a carne», não muitos deles
poderiam ser contados entre os sábios, a classe governante ou a nobreza.
Embora alguns dos cristãos de Corinto eram gente abastada, muito
poucos eram de nobre nascimento. Jesus nos revelou que Deus oculta
aos sábios e ilustrados as coisas espirituais, mas as revela a pequenas
crianças que devem ser ajudadas e guiadas por outros (Mt 11:25; Lc
10:21).
27, 28. Mas Deus escolheu as co isas insensatas do m undo, para
envergonhar os sábios, e Deus escolheu as coisas f racas do mundo, para
envergonhar os fortes. E Deus escolheu as coisas insignificantes do mundo
e o desprezado, o que não existe, para assim anular as coisas que existem.
Nestes versículos, Paulo nos expõe a obra de redenção de Deus,
usando as técnicas literárias de contraste e repetição. O adversativo mas
inicia o contraste, isto é, a parte positiva das afirmações negativas que se
fazem no versículo precedente (v. 26). Os antônimos que se contrastam
nestes versículos são: coisas insensatas com sábios, coisas fracas com
fortes. A expressão muitos de nobre nascimento (v. 26) tem seu
contraparte no antônimo «coisas insignificantes». A técnica de repetição
pode-se ver nos verbos escolheu e para envergonhar, o mesmo que na
frase do mundo.
Paulo nos ensina duas coisas:
a. Soberania. Nestes versículos, Paulo não ensina a doutrina da
eleição eterna, mas a da soberania de Deus. A propósito repete palavras e
frases que demonstram que Deus está ativo nas vidas dos coríntios (o
verbo escolher e o substantivo mundo, aparece cada um três vezes em só
dois versículos [vv. 27, 28]).
Primeiro, Deus governa soberanamente, escolhendo as coisas
insensatas do mundo, as coisas que não têm nenhuma importância (cf.
1Co 3:18, 19). Por exemplo, segundo o autor romano Sêneca, o povo de
Deus cometia uma estupidez ao guardar o sábado. Como o mundo
gentílico não incluía em seu sistema o conceito de semana, pensavam
que guardar o sábado era uma grande estupidez e perda de tempo. Mas
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 104
Deus usa as coisas que o mundo encontra tolas, para envergonhar os
homens tidos por sábios.
Segundo, Deus escolhe aquelas coisas que o mundo considera
fracas, para envergonhar os fortes. As Bem-aventuranças o ilustram bem
quando ensinam que os mansos herdarão a terra (Mt 5:5), embora para o
mundo a mansidão é o mesmo que fraqueza. Na parábola do grande
banquete (Lc 14:16–24), Jesus não descreve os convidados que se
encontraram no salão do banquete como se fossem os cidadãos que
foram convidados, e sim como os pobres, os manetas, os cegos e os
coxos. Aqui se aplica o provérbio: «os últimos serão os primeiros, e os
primeiros, últimos» (Mt 20:16).
Terceiro, Paulo afirma que Deus escolheu as coisas insignificantes e
desprezadas. O substantivo coisas é um plural em gênero neutro, e serve
«para apontar a uma massa na qual o indivíduo tem tão pouco valor, que
não se leva em conta como uma pessoa». 75 Mas Deus escolhe para Si as
pessoas que o mundo despreza. Deus leva a cabo o Seu propósito,
honrando o que é comum e revogando o que é importante.
b. Propósito. Paulo escreve três orações de propósito nos versículos
27 e 28. Assegura que Deus envergonha os sábios, envergonha os fortes
e anula as coisas que os homens têm como importantes. Aos olhos do
mundo, estas coisas e pessoas insignificantes não valem nada. É como se
não existissem. O mundo só leva em conta os sábios, os poderosos e os
de nobre nascimento. Mas Deus desbarata os critérios mundanos,
escolhendo gente insensata, fraca e desprezada pelo mundo. 76 Deus
anula, ou melhor, remove por completo estes critérios transitórios, para
fazer espaço a normas eternas que são introduzidas com a nova ordem
em Cristo Jesus. Deus escolhe o que é insignificante e desprezado,
invalidando as coisas que o mundo considera significativas. Como Paulo
escreve em sua carta à igreja de Roma, Deus «chama as coisas que não
75
Godet, First Corinthians, p. 112.
76
Refira-se a George E. Ladd, A Theology of the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p.
398; J.I. Packer, NIDNTT, vol. 1, p. 73.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 105
são como se já existissem» (Rm 4:17). Deus executa o Seu plano de
acordo com a Sua soberana vontade.
29. a fim de que nenhum homem se jacte diante de Deus.
Paulo conclui sua longa discussão com uma oração negativa de
propósito, a qual exclui todo tipo de jactância humana diante de Deus.
Quando Deus chega até o nível mais baixo da existência, para escolher
dali o Seu povo e suas coisas, e logo os exalta, ninguém poderá jamais
reclamar crédito algum para si mesmo. Deus tira toda jactância de sua
presença, porque nenhum homem, senão unicamente Deus merece a
glória e o louvor. Em palavras de John Albert Bengel, «não podemos nos
gloriar diante dEle, e sim só nEle». 77
Parece que os coríntios ainda não tinham aprendido esta lição. Com
toda liberdade se jactavam nas realizações humanas e na posse de coisas
materiais. Em suas duas epístolas, Paulo tem que reprovar repetidamente
os seus leitores pelo pecado da jactância. 78 De maneira exemplar, Paulo
ensina a não gloriar-se em seus triunfos, mas a louvar ao Senhor em tudo
o que fazem: até o comer e o beber devem ser feitos para a glória de
Deus (1Co 10:31). Devem entender que Deus os chamou de um mundo
de trevas e os introduziu na comunhão maravilhosa de Cristo. Tudo o
que recebem provém de Deus o Pai, quem os ama através do Seu Filho
Jesus Cristo.
Embora seja sempre fiel,
Embora chore sem cessar,
Do pecado não poderei
Justificação obter
Só em ti tendo fé
Dívida tal poderei pagar.
— Thomas Hastings
Tr. T.M. Westrup

77
Bengel, New Testament Commentary, vol. 2, p. 173.
78
1Co. 3:21; 2Co. 10:17; 11:12, 18.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 106
30. Antes, é por c ausa dele que vós estais em Cristo Jesus, quem foi
feito sabedoria de Deus para nós: justiça e santidade e redenção.
a. «Antes, é por causa dele». Paulo chega ao miolo do assunto
quando lembra aos coríntios a sua salvação em Cristo. São crentes, não
incrédulos. É por isso que começa o versículo com uma partícula
adversativa que traduzimos «Antes». Aponta a Deus como autor da
salvação. Deus enviou o Seu Filho para salvar o Seu povo, purificá-los
de pecado e introduzi-los em Sua gloriosa comunhão. Com toda
propriedade, Paulo pode dizer «por causa dele», porque Deus é a causa
de que o ser humano esteja em Cristo Jesus.
b. «Estais em Cristo Jesus». A frase em Cristo Jesus ou em Cristo
aparece muitas vezes nas epístolas de Paulo. 79 Estar em Cristo significa
ter uma íntima comunhão com Ele e com os demais crentes que estão
unidos a Ele. Em outras palavras, a união com Cristo é um privilégio e a
obrigação de viver uma vida dedicada a Ele.
c. «Quem foi feito sabedoria de Deus para nós». Alguns tradutores
e muitos comentaristas creem que os quatro substantivos sabedoria,
justiça, santidade e redenção formam a sequência que Paulo concebeu. 80
Outro tradutor considera que a oração é um comentário parentético, de
tal forma que a oração principal diz: «Dele [Deus] vós sois, por meio de
Cristo Jesus (a quem Deus tem feito sabedoria para nós), justiça e
santificação e redenção». Este tradutor coloca a oração parentética em
aposto a «Cristo Jesus». 81 Ainda outros creem que o conceito sabedoria
é explicado pelos substantivos justiça, santidade e redenção. 82
É necessário introduzir algumas observações sobre estas traduções.
A gramática do texto grego torna difícil coordenar as quatro palavras
sabedoria, justiça, santidade e redenção. O texto parece sugerir que a
palavra sabedoria vem explicada pelos outros três substantivos que lhe

79
Rm 6:11; 8:1, 39; 16:3, 7, 9, 10; 1Co 1:30; 2Co 5:17; Gl 1:22; 5:6; Ef 1:13.
80
P. ex. RV60, NC, VM, LT, Alford, Calvino, Godet, Hodge, Lenski.
81
W. Bender, «Bemerkungen zur Übersetzung von 1 Korinther 1:30», ZNW 71 (1980): 263–68.
82
Veja-se NEB, NVI.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 107
seguem (compare-se a tríade semelhante de lavados, santificados e
justificados em 1Co 6:11). Devido ao fato de que estamos em Cristo, os
quatro substantivos se relacionam primeiro com Ele e depois se referem
a nós (veja-se a tradução do NEB e REB). Isto é evidente, mesmo no
caso de interpretarmos a palavra sabedoria como um apositivo de Cristo
Jesus. Quanto aos quatro substantivos, concluímos que «[sabedoria] fica
sozinho, seguido dos outros três que o explicam». 83
A sabedoria tem sua origem em Deus, quem faz com que resida em
Cristo Jesus. Por nossa união com Cristo, desfrutamos de sabedoria
espiritual para conhecer a Deus e para nos apropriar de Sua obra para
nossa salvação. A oração «quem foi feito sabedoria de Deus para nós»
aponta para a obra de salvação que Cristo realizou em nosso favor: em
Cristo temos justiça, santidade e redenção. Paulo diz que Cristo é
sabedoria para nós. O versículo 30 começa com o pronome vós, que se
refere aos coríntios. Mas quando fala da sabedoria com relação à
salvação, muda o pronome à primeira pessoa plural nós para se incluir a
si mesmo.
d. «Justiça e santidade e redenção». Em Cristo somos declarados
justos diante de Deus. Em outra parte, Paulo ensina que Deus fez com
que Cristo fosse Aquele que carrega o nosso pecado, para que nós
possamos vir a ser justiça de Deus em Cristo (2Co 5:21; veja-se Rm
10:4; Fp 3:9). A justiça é um ato único, mas a santidade é o resultado ou
consequência desse único ato. 84 A justiça é um ato externo pelo qual
uma pessoa é declarada justa em Cristo, enquanto a santidade é um
estado interno que se alcança através da presença e morada do Espírito
no crente.
Na lista dos três substantivos que servem de explicação, Paulo usa a
palavra redenção. O apóstolo não colocou os três substantivos dentro de
uma sequência doutrinal, não volta a mencioná-los juntos na mesma

83
Findlay, First Corinthians, p. 773.
84
BAGD, p. 9; Thayer, p. 6.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 108
forma nem os explica no presente contexto. É possível que a redenção se
mencione no final porque «é o primeiro dom de Cristo que se inicia em
nós, e é o último a ser completado». 85 Cristo Jesus Se ofereceu a Si
mesmo na cruz do Calvário para conseguir nossa redenção (Rm 3:24,
25).
31. tal como está escrito: «Aquele que se gloria, que se glorie n o
Senhor».
Em Cristo Jesus recebemos uma mente iluminada (cf. Ef 1:18) para
entender que, em primeiro lugar, é por Sua obra que fomos declarados
justos diante de Deus. Segundo, entendemos que Deus nos santifica para
que possamos estar em Sua presença sem ruga nem mancha alguma. Por
último, também discernimos que Deus nos libertou da carga da culpa e
da escravidão do pecado. Cristo Jesus é nosso Salvador e Senhor. Se
existir alguém que queira jactar-se, só poderá fazê-lo gloriando-se no
Senhor e dando graças a Deus o Pai pela pessoa e obra de Cristo.
Como de costume, Paulo fundamenta seu ensino na Escritura. De
forma resumida, cita Jeremias 9:24–25 desta maneira: «Aquele que se
gloria, que se glorie no Senhor» (tradução do autor; veja-se também 2Co
10:17). Jeremias registra uma palavra do Senhor, na qual se instrui ao
povo a não gloriar-se na sabedoria ou riquezas terrestres. O Senhor diz
que a pessoa deveria gloriar-se em entender e conhecer a Deus, quem
mostra ao Seu povo misericórdia, justiça e justificação. A pessoa deve
gloriar-se em conhecer a Deus intimamente. Paulo faz um resumo do
texto de Jeremias, para dizer aos coríntios que deviam conhecer a Deus
pessoalmente e gloriar-se só nEle.

Considerações práticas em 1Co 1:27–29


Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 1844 e pertencia a uma
família de pregadores. Seu pai era um ministro do evangelho, assim
como numerosos antecessores da parte de sua mãe. Enquanto estudava

85
Calvino, 1 Corinthians, p. 46.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 109
teologia desenvolveu uma profunda aversão à fé cristã. Descreveu a
Jesus como um fracote que, tendo fracassado completamente, terminou
morrendo vergonhosamente numa cruz. Nietzsche não só desprezou a
Jesus, mas também a todo aquele que cresse no evangelho de Cristo.
Segundo Nietzsche, os cristãos favoreciam o sofrimento, desdenhavam
as riquezas e a erudição, e preferiam os fracos aos fortes. Para ele, Deus
estava morto e Jesus foi um idiota.
O secularismo moderno lança acusações semelhantes contra Cristo
e o cristianismo. Sustenta-se que os ensinos de Jesus foram superados e
que os Dez Mandamentos estão obsoletos. Queixam-se de que as normas
cristãs inibem a vida, entorpecem a realização pessoal e induzem à culpa.
Dizem também que se optarmos por normas humanas, seremos
libertados dos grilhões da religião cristã.
No entanto, Deus escolhe as coisas insensatas e fracas do mundo,
para envergonhar os ateus, os agnósticos, os humanistas e secularistas.
Deus ab-roga as normas feitas por homens para que, ficando na quebra
moral, colham a violência de uma sociedade decadente. Enquanto isso,
Deus escolhe as coisas insensatas e fracas do mundo para promover Sua
igreja e Seu reino. Honra o trabalho insignificante e desprezado de gente
que dedica sua vida a servir a Deus e a seu próximo. Deleita-Se naqueles
que conformam suas vidas à Sua palavra e que se gloriam em seu Senhor
e Salvador, Jesus Cristo.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 1:26–31


Versículo 26
βλέπετε — ao ocupar o primeiro lugar da oração, esta palavra é
enfática. Está em modo imperativo, não no indicativo. Paulo usa com
frequência este verbo no modo imperativo. 86

86
1Co 3:10; 8:9; 10:12, 18; 16:10; Gl 5:15; Fp 3:2; Cl 2:8; 4:17.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 110
Versículos 27–28
O tempo presente de καταισχύνη (que aparece duas vezes) indica
que Deus continua envergonhando os sábios e fortes, e o tempo aoristo
de καταργήση indica que Deus anulou de uma vez por todas todas as
coisas que são de valor para o mundo.
τ_ _γενή — a tradução as coisas insignificantes não consegue
ilustrar o jogo de palavras que se forma entre este adjetivo e o
substantivo ε_γενεί (=de nobre nascimento, v. 26).
[κα_]τ_ μ_ _ντα — é provável que tenham sido escribas que
acrescentaram a conjunção kai, com o fim de equilibrar e harmonizar a
frase com as outras orações. «Mas ao acrescentar a palavra, os escribas
perderam de vista a força da expressão τ_ μ_ _ντα, a qual não aponta a
outro elemento da série, mas a uma caracterização monopolista e
climática de todos os elementos precedentes». 87 Tanto editores como
tradutores do texto grego estão divididos quanto a incluir ou não a
mencionada conjunção.
Nestes dois versículos, Paulo usa o neutro plural, em lugar do
singular que se vê, por exemplo, em τ_ μωρ_ν … τ_ _σθενές (=a
insensatez … a fraqueza). O apóstolo usa o plural para referir-se a
pessoas.

Versículo 29
μ_ καυχήσηται π_σα σάρξ — a sintaxe segue os padrões do idioma
hebraico: a partícula negativa (μ_) serve para negar o dito pelo verbo
gloriar-se, não para negar o substantivo carne. Além disso, a tradução
literal toda carne realmente quer dizer «toda a pessoa», o que quer dizer
ninguém.

87
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 545.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 111
Versículos 30–31
_ξ α_τού — a preposição indica causa. Para um uso semelhante,
veja-se João 6:66.
_να — depois de esta conjunção deve-se suprir o verbo γένηται
(«ocorra») no modo subjuntivo. O verbo γέγραπται («está escrito») é um
perfeito indicativo, voz passiva, e é introduzido mediante o advérbio
καθώς.

Resumo de 1 Coríntios 1
Na parte introdutória do capítulo, Paulo menciona seu nome e sua
chamada como apóstolo. Ele se dirige aos membros da igreja de Corinto,
observa que foram santificados e chamados para ser santos e os saúda
com uma saudação apostólica. Depois dá graças a Deus pela graça que
em Cristo Jesus concedeu aos coríntios, pela confirmação do testemunho
de Cristo e pela fidelidade a Deus.
Paulo exorta os coríntios a que concordem uns com os outros, pois
ouviu que têm um espírito divisionista que está separando a congregação
em facções. Um grupo diz seguir a Paulo, outro a Apolo, outro a Cefas,
outro a Cristo. Repreende-os perguntando a eles se Cristo está dividido
ou se Paulo foi crucificado por eles. Esclarece que Cristo o enviou para
pregar o evangelho, pelo que são poucas as pessoas batizadas por ele.
Além disso, não prega com «sabedoria de palavras», para não despojar
de significado a cruz de Cristo.
Num discurso sobre a insensatez da cruz, Paulo contrasta a
sabedoria do mundo com o poder de Deus. Afirma que Deus salva o Seu
povo mediante a insensatez de pregar o evangelho, o qual se converte em
tropeço para os judeus e em estultícia para os gentios. Mas esclarece que
a insensatez de Deus ultrapassa a sabedoria humana e a fraqueza de Deus
excede a força humana.
Paulo lembra aos coríntios sua condição social. Se forem medidos
com critérios humanos, muito poucos eram sábios, ricos e de nobre
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 112
nascimento. Diz a eles que Deus escolheu as coisas insignificantes e
desprezadas para evitar que alguém se glorie. Devido ao fato de que
estão em Cristo Jesus, devem gloriar-se no Senhor.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 113
1 CORÍNTIOS 2
DIVISÕES NA IGREJA, SEGUNDA PARTE (1CO 2:1–16)
d. Poder e fé. 1Co 2:1–5

Nesta ocasião, a divisão de capítulos que vemos nas versões não é


acertada, porque Paulo ainda não terminou o seu discurso sobre a
insensatez da cruz. Nesta última parte de sua dissertação, lembra a seus
leitores a primeira visita que lhes fez, quando lhes pregou o evangelho.
Não foi com um discurso persuasivo, mas com o poder do Espírito
Santo. Não lhes levou nada que não fosse a mensagem do Cristo
crucificado, para que sua fé estivesse cimentada no poder de Deus.
1. E eu, irmãos, qu ando fui a vó s, não fui proclamando-lhes o
testemunho a respeito de Deus co m eloquência incomparável ou
sobressalente sabedoria.
Presume-se que no verão do ano 50 d.C., depois de visitar Atenas
durante sua segunda viagem missionária, Paulo continuou viagem até
Corinto (At 18:1). Seu costume era visitar as capitais, para que a partir
delas o evangelho se propagasse às zonas rurais dos arredores. Corinto,
capital da Acaia na Grécia central e sul, tinha dois portos, um localizado
ao sudeste (Cencreia) e outro ao norte (Licaônia). A partir destes portos,
os marinheiros podiam levar as boas novas a outros países e cidades por
todo o Mediterrâneo. Corinto estava localizado num lugar que era
estratégico para a divulgação do evangelho.
a. «Irmãos, quando fui a vós». Paulo tinha tido seu encontro com os
filósofos de Atenas, onde sua mensagem recebeu uma resposta
desfavorável (At 17:16–34). Isto fez com que chegasse muito
desanimado a Corinto. Imediatamente depois de sua chegada, encontrou
alojamento na casa de Áquila e Priscila, judeu-cristãos que se dedicavam
à confecção de tendas e que ajudaram a Paulo (At 18:2, 3). Como Paulo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 114
diz que a família de Estéfanas foram os primeiros conversos da província
da Acaia (1Co 16:15), supomos que Áquila e Priscila já eram cristãos.
Paulo e seus anfitriões foram o núcleo da igreja cristã de Corinto. Paulo
pregou aos judeus e gregos da sinagoga local, onde conseguiu persuadir
a Tício Justo, a Crispo, a Gaio e a Estéfanas para que, com suas famílias,
cressem em Cristo Jesus. A igreja em Corinto seguiu prosperando e
crescendo em número. Quando Paulo deixou Corinto uns dezoito meses
mais tarde, Timóteo e Silas continuaram na obra de pregar o evangelho.
Paulo volta a chamar «irmãos» os coríntios. Usa este apelativo geral
de afeto para chamar a atenção de todos os membros (homens e
mulheres) dessa congregação. Isto nos permite ver que tinha um coração
de pastor, quando abordava problemas delicados na igreja de Corinto.
b. «Não fui proclamando-lhes o testemunho a respeito de Deus».
Alguns manuscritos gregos registram a palavra testemunho, outros a
palavra mistério. O texto grego mostra que as palavras se escreviam de
forma semelhante, o qual pode explicar como surgiu a diferença. A
evidência manuscrita que apoia a leitura mistério é antiga mas escassa,
enquanto a que apoia testemunho é extensa. Numerosos editores,
tradutores e mestres do Novo Testamento Grego optam por esta última. 1
Adotam esta decisão com base na evidência interna, isto é, com base no
sentido do contexto em que ocorre a palavra (cf. 1Co 1:6). Paulo pregou
o evangelho aos coríntios. Este evangelho é o testemunho que Deus
revelou através de Jesus Cristo.
Alguns estudiosos creem que o versículo 7, onde ocorre a palavra
mistério, é uma explicação do versículo 1. Outros são de opinião que o
versículo 7 influiu nos escribas, o que os levou a introduzir a palavra no
versículo 1. A verdade é que, quando Paulo foi a Corinto, não apresentou
um mistério, e sim o evangelho de Cristo, que aqui se sintetiza na
expressão testemunho.
1
Merk, Nes-Al, Text Mayoritario, TR, BF, HA, NC, VM; G. Zuntz, The Text of the Epistles: A
Disquisition upon the Corpus Paulinum (Londres: Oxford University Press, 1953), p. 101; Lothar
Coenen, NIDNTT, vol. 3, p. 1043.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 115
Algumas traduções em português leem o testemunho de Deus (RA,
TB), mas outras em inglês leem «o testemunho a respeito de Deus»
(NIV, Cassirer). A diferença tem que ver com a forma como se
interpreta o caso genitivo. Se se trata de um genitivo subjetivo, então o
texto quer dizer que Deus é o autor deste testemunho; se o genitivo for
objetivo, então a ideia é que Paulo prega um testemunho a respeito de
Deus. Como 1Co 1:6 tem uma construção semelhante, parece-nos que
aqui o genitivo é tanto subjetivo como objetivo: Deus é quem origina o
testemunho que Paulo proclama e Paulo ensina aos coríntios a respeito
de Deus. 2
c. «Com eloquência incomparável ou sobressalente sabedoria».
Paulo declara abertamente que não foi a Corinto com uma mensagem
caracterizada por eloquência e sabedoria sublime. Seus debates com os
epicureus eruditos e os filósofos estoicos em Atenas não conseguiram
nada, assim que em Corinto pregou o evangelho sem adotar a pose de
um orador ou filósofo. Antes, levou a mensagem da salvação em termos
singelos que todos pudessem entender. Esta forma de pregar era pouco
usual num contexto helênico, onde se admirava os oradores peritos.
Os substantivos eloquência e sabedoria apontam às habilidades
verbais e à acuidade mental do orador. As duas expressões se referem às
palavras que saem da boca de um orador e aos pensamentos que formam
palavras para formar orações. Claro que com frequência Paulo
demonstra em sua epístola que possui eloquência e sabedoria. Por isso,
neste contexto Paulo não quer dizer que carece de habilidades, mas
aponta aos excessos de filósofos e oradores gregos. O apóstolo se nega a
usar esses métodos; antes, prefere pregar com clareza a mensagem da
cruz de Cristo. 3
2
F.W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 58, n. 5.
3
Consulte-se a Jean Héring, The First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, traducido por A.W.
Heathcote e P.J. Allcock (Londres: Epworth, 1962), p. 14; Jerome Murphy-O’Connor, 1 Corinthians,
serie New Testament Message (Wilmington, Del.: Glazier, 1979), p. 17.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 116
A primeira palavra que aparece no grego é uma forma que combina
as palavras e eu. Pode-se concluir, então, que Paulo começa este
versículo com o pronome eu, a fim de aproximar-se de sua audiência. No
grego, o versículo 1 termina com a palavra Deus, para indicar desta
maneira que sua intenção não é exaltar-se a si mesmo, mas encaminhar a
sua audiência para Deus e para Jesus Cristo.
2. Antes, decidi não saber nada entre vós, a não ser Jesus Cristo e
este crucificado.
a. «Antes, decidi não saber nada». Uma leitura superficial do texto
poderia levar-nos a crer que Paulo está contra o intelectual. Mas isto é
impossível, visto que em Jerusalém tinha recebido um longo e intensivo
treinamento acadêmico. Além disso, Paulo conhecia a busca grega do
conhecimento e da sabedoria (At 17:17). Contudo, seu interesse não era
ensinar aos coríntios as metodologias que os pensadores atenienses
tinham adotado e que os filósofos humanistas tinham abraçado. Paulo diz
que foi pregar as boas novas do Cristo crucificado (1Co 1:23; Gl 6:14).
Jesus Cristo o havia escolhido para que levasse o Seu nome diante de
judeus e gentios (At 9:15; 26:16). O Senhor não o havia enviado a
realizar nenhuma outra tarefa. Quando Paulo chegou a Corinto, seguiu
cumprindo a responsabilidade que Jesus lhe tinha encomendado, ou seja,
pregar o evangelho da cruz de Cristo. Era um embaixador no sentido
mais completo da palavra, e como tal não reconhecia nenhuma outra
tarefa que não fosse proclamar a mensagem de seu Senhor e Salvador
Jesus Cristo, o Senhor crucificado.
b. «Entre vós». Estas palavras se referem por ano e meio que Paulo
ficou com os coríntios, ensinando-lhes a Palavra de Deus (At 18:11). Em
certo sentido mais amplo, a expressão entre vós revela a forma de vida
de Paulo ao pregar o evangelho de lugar em lugar, de sinagoga em
sinagoga, de igreja em igreja.
c. «A não ser Jesus Cristo e este crucificado». Esta é uma forma
mais elaborada da frase anterior «Cristo crucificado» (1Co 1:23). A
mensagem da crucificação de Cristo parece ser direta e simples, e Paulo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 117
chamou judeus e a gentios a crerem no Cristo crucificado, mas eles
rejeitaram a mensagem como algo ofensivo e estúpido. Isto força Paulo a
ir para além dos detalhes históricos da crucificação, para ensinar ao seu
auditório as implicações teológicas deste fato redentor na história
humana. Não só ensinou por que Cristo devia morrer na cruz, mas
também a respeito dos benefícios eternos que cada crente recebe: perdão
de pecados, vida eterna e a ressurreição do corpo.

Considerações práticas em 1Co 2:2


Espera-se que quando os ministros do evangelho são ordenados,
eles dediquem tempo completo para proclamar e ensinar o evangelho de
Cristo. A ordenação significa que Deus os aparta para pregar «quer seja
oportuno, quer não», como diz Paulo em 2 Timóteo 4:2. Os apóstolos
deram o exemplo, quando escolheram sete homens cheios do Espírito e
de sabedoria para que ministrassem as necessidades materiais das viúvas
em Jerusalém (At 6:1–6). Desta forma, os apóstolos puderam dedicar-se
à proclamação da Palavra e à oração. No entanto, Paulo dedicava algum
tempo para confeccionar tendas, com o que supria as suas necessidades
cotidianas. Mas cada vez que tinha o suficiente para viver, dedicava todo
o seu tempo ao ministério da Palavra.
Quando Cristo chama alguém para proclamar o evangelho, o tal
deve dedicar-se completamente a esse ministério, deve rejeitar toda
oferta que implique ter que envolver-se em outras áreas da vida. Acima
de tudo e sobretudo deve ser um ministro da Palavra de Deus. Em outro
tempo, o pregador colocaria estas iniciais junto a seu nome: V.D.M.
(Verbi Domini Minister, isto é, Ministro da Palavra de Deus). É bom que
todo pregador repita e aplique a si mesmo a máxima de Paulo: «eu …
decidi não saber nada entre vós, a não ser Jesus Cristo e este
crucificado».
3. Fui a vós em fraqueza e em temor e em muito tremor.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 118
Que confissão dos lábios de um dos apóstolos de Cristo! Que
honestidade! Que humildade! Mais uma vez (veja-se o v. 1), Paulo se
põe como exemplo. Despe sua alma e revela seus pensamentos. Não tem
outra coisa que oferecer senão a mensagem da morte de Cristo na cruz.
Os judeus primeiro o receberam bem, mas logo a recepção se tornou em
hostilidade. Teve que deixar a sinagoga local para continuar seu
ministério na casa de Tício Justo. Quando o desânimo se apoderou de
Paulo, Jesus lhe apareceu numa visão e lhe disse que não temesse, que
devia continuar pregando, que não devia calar. Jesus lhe revelou que
tinha muito povo na cidade de Corinto (At 18:7–11).
«Fui a vós em fraqueza e em temor» (cf. 1Co 4:10). De suas outras
epístolas, aprendemos que Paulo teve que suportar doenças físicas; com
frequência sofreu castigos e aflição (2Co 11:23–28; 12:7) e se sabe que
durante sua visita aos gálatas esteve doente (Gl 4:13, 14). Supomos que
Paulo não tinha atrativo físico, talvez era de pequena estatura (2Co
10:10) e com uma enfermidade ocular (veja-se Gl 4:15; 6:11). Apesar de
tudo, demonstrou ser um valente divulgador do evangelho, quando
pregou nas sinagogas e nos lugares públicos de Damasco, Jerusalém,
Antioquia, Chipre, Ásia Menor, Macedônia e Acaia.
Quando Paulo escreve que sua estadia em Corinto foi «em temor e
em muito tremor», refere-se aos dezoito meses que permaneceu em
Corinto. Tinha a árdua tarefa de fundar uma igreja na Corinto
cosmopolita. As pessoas influentes de Corinto consideravam Paulo uma
pessoa sem força, meios nem privilégios. Por causa de seu trabalho com
carpas, não lhe tinham respeito, estimando-o pouco menos que como um
escravo. Os judeus maquinaram continuamente contra ele até que
conseguiram levá-lo a juízo diante do procônsul Gálio (At 18:12). Os
termos temor e tremor aparecem com frequência nas epístolas de Paulo
como expressão de ansiedade. 4 O medo é uma força que Satanás usa
para debilitar e deter os servos de Cristo e para distorcer sua percepção

4
2Co 7:15; Ef 6:5; Fp 2:12; e veja-se a LXX em Êx 16:15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 119
da realidade. Paulo não apresenta detalhes, mas confessa que durante sua
estadia em Corinto experimentou temor e tremor. Aqui os termos
apontam às numerosas ameaças sociais e políticas que teve que
enfrentar.
Além disso, também pensamos que Paulo tinha um temor e tremor
inato, porque estava consciente de suas limitações diante do tremendo
trabalho de pregar o evangelho e de fundar uma igreja em Corinto. Sabia
que, negando-se a si mesmo, devia confiar que Deus lhe daria a força
necessária para levar a cabo essa tarefa. 5 Isto fica claro quando se analisa
o que diz o versículo seguinte.
4. Não entreguei meu discurso e minha pregação em pal avras
persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder.
a. Declaração negativa. Jesus entrega ao pregador a exigente tarefa
e obrigação de pregar o evangelho, e nenhum pregador deveria confiar
que sua própria inteligência e habilidade lhe dará a vitória. Se o fizer,
será como o confiante evangelista que durante um serviço de adoração
pregou sem o poder do Espírito Santo. O que conseguiu no púlpito foi
um fracasso que o humilhou diante da congregação. Depois do culto, um
ancião governante lhe deu um judicioso conselho: «Se tivesse entrado no
púlpito na forma que o deixou, teria saído do púlpito na forma que
entrou». Quando o pastor conduz a congregação na adoração, deve
deixar-se guiar pela humildade.
Paulo afirma que nem seu discurso nem sua pregação foram em
palavras persuasivas de sabedoria. Repete o que já disse no versículo
anterior (v. 1), só que agora as palavras discurso e pregação adquirem
um tom pessoal por meio do pronome meu. Usa estas palavras para
referir-se à mensagem do evangelho (1Co 1:18) e à pregação. Contudo,

5
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, serie Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 50.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 120
Paulo se abstém de mencionar os oradores que falam persuasivamente e
que pregam em palavras de sabedoria. 6
O que procura Paulo comunicar? Porque quando falou diante do rei
Agripa (At 26:27, 28) foi capaz de apresentar o evangelho de uma forma
muito persuasiva e com palavras cuidadosamente escolhidas. No entanto,
neste contexto ele se nega a expressar sua mensagem em persuasivas
palavras de sabedoria, com o que sugere que sua sabedoria não tem uma
origem humana, mas vem de Deus.
b. Texto. «Não … em palavras persuasivas de sabedoria». Nesta
parte do versículo 4, o texto grego contém algumas variantes que estão
ausentes na maioria das traduções, com exceção de: «palavras
persuasivas de sabedoria humana» (RC 1998, o itálico é meu, cf. LT,
CI). Parece que o adjetivo que apresentamos em itálico é uma glosa
acrescentada por escribas que queriam explicar o conceito de sabedoria.
Trata-se, então, de uma leitura secundária.
Onde o assunto complica os tradutores é com o adjetivo
persuasivas, visto que não volta a ocorrer em todo o resto da literatura
grega. Parece que foi Paulo que cunhou esta palavra. Um dos
manuscritos mais antigos, P46, dá-lhe seu apoio, e a maioria dos
tradutores aceitam o adjetivo. 7 Outros eruditos creem que o adjetivo
deveria traduzir-se pelo substantivo singular persuasão. Isto combina
com sugerir uma variante mais curta do texto grego, a qual omite o
termo palavras, o que resulta na leitura não … com persuasão de
sabedoria. 8 Embora fossem dados fortes argumentos em favor desta
última tradução, a leitura persuasão carece de apoio manuscrito

6
Timothy H. Lim sugere que estes oradores eram pregadores de Corinto, quem comercializava com o
evangelho. «‘Not in Persuasive Words of Wisdom, but in the Demostration of the Spirit and Power’
(1Co. 2:4)», NovT (1987): 137–49.
7
BAGD, p. 639; Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição
corrigida (Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 546.
8
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 88 n. 2; Zuntz, The Text of the Epistles, pp. 23–
25.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 121
adequado. Parece-me que a tradução «Não … em palavras persuasivas
de sabedoria» ainda é a melhor alternativa. Não importa que caminho
tome o tradutor, ainda restarão algumas dificuldades.
c. Declaração positiva. Agora vem a afirmação positiva de «mas
em demonstração do Espírito e de poder». Paulo escolhe três palavras-
chave para exibir o poder espiritual que está à disposição dos pregadores
da Palavra de Deus. A primeira palavra é «demonstração», termo que as
cortes de justiça usavam para referir-se aos testemunhos. A palavra
comunica a ideia de que ninguém é capaz de refutar as provas
apresentadas.
A segunda palavra é «Espírito», que agora aparece pela primeira
vez nesta epístola. Os coríntios deveriam saber que seu nascimento
espiritual é a obra do Espírito Santo (v. 13), que seu corpo é o templo do
Espírito Santo (1Co 6:19) e que seus dons espirituais são a obra do
Espírito (1Co 12:11). Têm a evidência em si mesmos.
A última palavra é «poder». O Novo Testamento associa fortemente
esta palavra com a pessoa do Espírito Santo. Por exemplo, Jesus disse
aos apóstolos que receberiam poder quando o Espírito Santo descesse
sobre eles no Pentecostes (At 1:8; veja-se também Lc 24:49). Numa de
suas epístolas, Paulo escreve: «Nosso evangelho lhes chegou não só com
palavras, mas também com poder, quer dizer, com o Espírito Santo e
com profunda convicção» (1Ts 1:5). Embora a expressão poder muitas
vezes aponta para milagres, aqui seu sentido é muito mais amplo. A
palavra denota «a mão de Deus que se estende para agir com poder e de
maneiras diversas através do apóstolo». 9
Paulo exorta os coríntios a abrirem seus olhos espirituais e que por
si mesmos vejam que Deus está operando em seu meio através de Seu
poder e Espírito. Eles desfrutavam de provas visíveis e irrefutáveis
mediante o poder do evangelho e a presença do Espírito Santo.

9
Calvin, 1 Corinthians, p. 51.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 122
5. Para que v ossa fé nã o esteja fundamentada na sa bedoria dos
homens, e sim no poder de Deus.
Neste último versículo da presente seção, Paulo expressa qual é o
seu objetivo ao rejeitar as palavras persuasivas e a sabedoria
sobressalente. Quando pregou o evangelho aos coríntios, sua pregação
produziu neles fé pessoal em Deus. Paulo lhes informa que esta fé não se
origina nem se fundamenta na sabedoria humana. Se a fé tivesse uma
origem humana, fracassaria e desapareceria completamente. A fé
descansa, antes, sobre o poder de Deus, o qual protege o crente e o
fortalece para que possa perseverar (cf. 1Pe 1:5).
Deus produz a fé nos corações dos coríntios mediante a pregação do
evangelho de Cristo. Não só lhes concedeu o dom da fé, mas também
provocou sua conversão. Deus manda Paulo fortalecer essa fé,
instruindo-os nas verdades da Palavra de Deus. Em suma, os coríntios
deveriam saber que a fé não descansa na sabedoria humana, e sim no
poder de Deus.
«A sabedoria dos homens». Notemos que Paulo usa o plural
homens, para ilustrar que em Corinto há muita gente dedicada a entregar
sua própria acuidade e sabedoria. O discernimento humano é temporal,
defeituoso e sujeito a mudança; a sabedoria de Deus é eterna, perfeita e
imutável. Quando um crente pede com fé que Deus lhe dê sabedoria (Tg
1:5), experimenta também a obra do poder de Deus e se alegra na
salvação que Deus lhe deu.

Considerações práticas em 1Co 2:4


A Reforma do século XVI produziu denominações que sempre
promoveram que seus ministros tenham uma boa educação. Muitas
universidades surgiram do desejo que a igreja tinha de ensinar bem os
seus futuros pregadores. Depois que estas escolas cresceram e se
transformaram em universidades, manteve-se e ainda continua o ensino
teológico mediante escola ou seminários teológicos filiados a estas
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 123
universidades. O objetivo sempre foi equipar os estudantes que desejam
ser pastores, de tal maneira que sejam capazes de dirigir corretamente a
Palavra de Deus (veja-se 2Tm 2:15).
Paulo mesmo tinha passado por um estudo completo das Escrituras.
Em suas epístolas pastorais, exorta Timóteo a manter-se firme no que
aprendeu dele e de outros. Desafia Timóteo a pregar a Palavra «com
muita paciência, sem deixar de ensinar», o mesmo que a fazer «os
deveres de seu ministério» (2Tm 4:2, 5). Os pregadores devem ser
ensinados a produzir sermões que sejam uma fiel exposição do que diz a
Escritura.
Além disso, os sermões deveriam estar livres de afetação e
ilustrações que nada têm que ver com a passagem bíblica que se discute.
Finalmente, os pregadores deveriam ser capazes de comunicar-se e
relacionar-se bem com as pessoas a quem devem ministrar a Palavra de
Deus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 2:1–5


Versículo 1
_λθον … καταγγέλλων — o verbo é um aoristo voz ativa («fui») e o
particípio está no tempo presente, voz ativa («proclamando»). Ambos
devem ser tomados se como uma unidade verbal. Paulo foi a Corinto
com o propósito definido de pregar o evangelho, e continuou pregando
depois de sua chegada.
ο_ — esta partícula negativa está colocada imediatamente depois do
verbo _λθον para mostrar que a usual partícula negativa μή com o
particípio significaria «não proclamando». 10 Esta ordem sintático coloca
o conceito fui proclamando-lhes de forma negativa.

10
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 105.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 124
Versículo 2
ο_ — J.B. Lightfoot crê que o negativo se conecta com o verbo
_κρινα («decidi») e traduz a oração completa da seguinte maneira: «não
tinha a intenção, não tinha a vontade de saber nada». 11 O negativo para o
infinitivo ε_δέναι (=saber) deveria ser μή. No entanto, C.F.D. Moule
provê numerosos exemplos nos quais os negativos ο_ y μή são mudados
de lugar ou usados intercambiavelmente, e chama nossa atenção ao texto
grego de 2 Coríntios 2:2, que é semelhante embora siga a construção
regular. 12

Versículo 4
λόγος — Nos primeiros dois capítulos desta epístola, Paulo usa
repetidamente a forma singular e plural de λόγος (1Co 1:5, 17, 18; 2:1, 4,
13). Aqui a palavra é usada como sinônimo da mensagem do evangelho,
isto se nota especialmente pelo uso do pronome meu que ocorre duas
vezes, modificando «discurso» e «pregação».
πειθο_ς σοφίας λόγοις — «palavras persuasivas de sabedoria». Esta
leitura está apoiada pelo Códice Vaticano, o Sinaítico e o Beza. porém
não existe evidência textual para a presença do adjetivo πειθός
(=persuasivo). Pelo contrário, o substantivo πειθω, (=persuasão, que no
dativo singular é πειθο_ς) ocorre em outra literatura grega. Contudo, o
apoio manuscrito que recebe neste versículo é extremamente fraco, e isto
é especialmente certo da outra leitura mais curta que omite o substantivo
λόγοις. 13

11
J.B. Lightfoot, Notes on the Epistle of St. Paul from Unpublished Commentaries (1895; reimpresso
por Grand Rapids: Zondervan, 1957), p. 171; e veja-se Fee, First Corinthians, p. 92, n. 17.
12
C.F.D. Moule, Idiom-Book, pp. 156, 168.
13
Refira-se a Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the
Corinthians, editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Série Hermeneia: A
Critical and Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 55; Metzger,
Textual Commentary, p. 546; R. St. John Parry, The First Epistle of Paul the Apostle to the
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 125
Versículo 5
_να — a oração negativa de propósito que leva μή depende do
sujeito principal contido em κ_γω, e do verbo _γενόμην (fui) no
versículo 3.
_ν — seguida duas vezes do caso dativo, esta preposição significa
«sobre».

3. Sabedoria do Espírito. 1Co 2:6–16

Nesta segunda parte do capítulo, Paulo se dirige a todos os crentes


que são sábios quanto à salvação. Eles recebem a sabedoria secreta de
Deus, a que Ele revela ao Seu povo. Não há dúvida de que o Espírito
Santo guia estas pessoas.

a. Sabedoria e maturidade. 1Co 2:6–8

6. No entanto, falamos sabedoria entre os q ue são amadu recidos,


sabedoria que não pertence a e ste século ou aos governantes deste século
que estão destinados a perecer.
a. «No entanto, falamos sabedoria». No grego, a palavra
«sabedoria» ocupa o primeiro lugar da oração, o que faz com que a
ênfase recaia sobre ela. Uma tradução literal diria: «sabedoria falamos».
Paulo não se detém aqui a definir ou a descrever esta palavra (v. 7), mas
se entende que se refere à sabedoria de Deus (1Co 1:21, 24, 30). Espera-
se que desenvolva seu argumento com base nas observações que fez
anteriormente sobre a sabedoria, mais adiante unirá os conceitos
sabedoria e Espírito.
Paulo contrasta a sabedoria divina com a sabedoria do mundo que
enfeitiçou alguns coríntios. Pensam que a mensagem da cruz que Paulo

Corinthians, Cambridge Greek Testament for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge
University Press, 1937), p. 49.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 126
prega é simplista e que não cumpre as normas que impõe a sabedoria
mundana. Ao diferenciar drasticamente entre dois conceitos de
sabedoria, Paulo afirma enfática e confiantemente que ele e seus colegas
no ministério têm a sabedoria de Deus, a qual (tal como o explicou em
1Co 1:18–30) é eminentemente superior à sabedoria deste mundo.
Com a ajuda da conjunção adversativa no entanto, Paulo muda do
número singular ao plural. Nesta epístola com frequência salta do
singular ao plural e vice-versa (p. ex., 1Co 3:1, 2, 6, 9, 10). Aqui volta ao
plural de 1Co 1:23, «pregamos a Cristo crucificado». Alguns tradutores
interpretam os verbos no plural que aparecem nos versículos 6 e 7 como
se fossem singulares: falo (veja-se GNB, NEB), mas isto se afasta do
texto grego. Paulo se refere a todos os que pertencem ao círculo
apostólico, entre os quais estão seus colaboradores Timóteo e Silas. O
que quer dizer é que tanto sua pregação como a de seus colegas estão
marcadas pela sabedoria. Quando usa o verbo grego lalein (=falar), não
aponta ao conteúdo do que diz, mas à ação de falar. Mas entre quem
ministra sabedoria Paulo e seus colegas?
b. «Falamos sabedoria entre os que são amadurecidos». A
quantidade de escritos que se produziram em torno do versículo 6 é
impressionante. Muitas são as perguntas que se fazem os estudiosos com
relação a esta oração. Por exemplo, Quem são os amadurecidos? Há
também cristãos imaturos? Podemos dizer que Paulo e outros escritores
do Novo Testamento agrupam os cristãos em diferentes categorias?
Estará Paulo usando uma ironia, quando se vale da palavra
amadurecidos, mesmo quando sabe que os coríntios estão longe de
alcançar a medida da perfeição? Dirigem-se Paulo e seus colegas
diretamente aos amadurecidos ou discutem a sabedoria com (entre) os
amadurecidos? Está tomando emprestado palavras que pertencem a um
contexto alheio à comunidade cristã de Corinto? 14 Estas e muitas outras
14
Consulte-se E. Earle Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity: New Testament Essays
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), pp. 45–62; W. Baird, «Among the Mature: The Idea of Wisdom in 1
Corinthians 2:6», Interp 13 (1959): 425–32.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 127
perguntas merecem ser respondidas. Mas limitações de espaço nos
forçam a responder só algumas:
Primeiro, os escritores do Novo Testamento não apresentam
evidência alguma de que eles distinguiam entre dois tipos de cristãos: os
amadurecidos e os imaturos, os espirituais e os naturais, os superiores e
os inferiores. Os escritores do Novo Testamento não fazem esta
distinção. Pelo contrário, exortam a todos os cristãos a que avancem
rumo à maturidade (p. ex., Hb 6:1). Reconhecemos que entre o povo de
Deus ocorrem níveis de desenvolvimento, porque ninguém pode
pretender ter alcançado a perfeição. Até os homens mais santos, como Jó
no Antigo Testamento e Paulo no Novo, terão que reconhecer que só
começaram o caminho da santidade. Paulo se dirige aos coríntios
chamando-os «crianças em Cristo» (1Co 3:1) e lhes diz que pensam
como crianças (1Co 14:20). No entanto, considera a todos os crentes, nos
quais o Espírito Santo opera eficazmente, como cristãos amadurecidos.
O que queremos dizer é que na palavra amadurecidos Paulo inclui todos
os coríntios que receberam o Espírito (1Co 3:16; 12:3, 13) e que
responderam ao evangelho de Cristo.
Segundo, no presente contexto Paulo não está contrastando os
cristãos amadurecidos com os imaturos. Antes, está distinguindo entre
cristãos amadurecidos que aceitam a mensagem da cruz e incrédulos que
creem que a sabedoria de Deus é uma insensatez. O que faz é separar a
fé da incredulidade, a sabedoria divina da sabedoria mundana, os crentes
dos não crentes.
Finalmente, a palavra grega que se traduz «amadurecido» ou
«perfeito» volta a ocorrer nas epístolas de Paulo, e em geral equivale a
«adulto». 15 Adultos são os que aceitam o evangelho da cruz de Cristo,
que experimentam o poder de Deus em sua vida e que esperam a
renovação de todas as coisas como resultado da ressurreição de Jesus.

15
1Co 14:20; Ef 4:13; Fp 3:15; Cl 1:28. Veja-se Gerhard Delling, TDNT, vol. 8, pp. 75–76; Reinier
Schippers, NIDNTT, vol. 2, p. 62.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 128
Eles são os que recebem a sabedoria divina e se alegram nela com seus
irmãos na fé.
c. «Sabedoria que não pertence a este século ou aos governantes
deste século». Paulo continua descrevendo o que não é a sabedoria. A
sabedoria deste século é idêntica à sabedoria mundana (1Co 1:20), a qual
se caracteriza por ter uma natureza fugaz e cambiável.
Quem são os «governantes deste século»? Alguns estudiosos
interpretam a frase como referindo-se aos poderes demoníacos e citam
muitas passagens do Novo Testamento (p. ex., Jo 12:31; 14:30; 16:11; Ef
6:12). 16 Mas esta interpretação inunda o versículo 8, onde Paulo afirma
que se os governantes do mundo tivessem conhecido a sabedoria
humana, jamais teriam crucificado a Jesus. Sabemos que os que
crucificaram a Jesus foram governantes humanos, não demônios. Além
disso, os evangelhos nos dizem claramente que os demônios conheciam
Jesus. O contexto não alude a anjos caídos, mas a seres humanos que
estão numa posição de poder (1Co 1:27). Pode-se acrescentar que o
contexto mostra um contraste entre a sabedoria humana e a sabedoria
divina, sem dizer nada a respeito de poderes demoníacos. 17 Portanto,
outros eruditos julgam que a expressão refere-se a governantes terrestres,
entre os quais se inclui todos os líderes e intelectuais do mundo. Entre
eles estão os governantes Caifás e Pilatos, que crucificaram a Jesus
(veja-se At 3:17; 4:26, 27). 18

16
Entre muitos outros, veja-se C.K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na
série Harper’s New Testament Commentary (New York y Evanston: Harper and Row, 1968), p. 70.
17
Gene Miller, «ΑΡΧΟΝΤΩΝ, ΤΟΥ ΑΙΩΝΟΣ ΤΟΥΤΟΥ—A New Look at 1 Corinthians 2:6–8»,
JBL 91 (1972): 522–28; Wesley Carr, «The Rulers of This Age—1 Corinthians II.6–8», NTS 23
(1976–77): 20–35; veja-se também seu Angels and Principalities (Cambridge: Cambridge University
Press, 1981), pp. 118–120. Compare-se Robin Scroogs, «Paul: Sophos and Pneumatikos», NTS 14
(1967–68): 33–55.
18
Entre os comentaristas que apoiam esta posição estão Calvin, p. 53; Fee, pp. 103–104; Lightfoot, p.
174; R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians
(1935; Columbus: Wartburg, 1946), p. 96; D.A. Carson, The Cross and Christian Ministry (Grand
Rapids: Baker, 1993), p. 47.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 129
d. «Que estão destinados a perecer». No grego, Paulo usa o verbo
destinados a perecer, que é o mesmo que aparece como anular em 1Co
1:28 (veja-se também 1Co 15:24, 26). O apóstolo nos mostra como
Deus, que controla a história do mundo, faz com que repentinamente
morram os líderes, oficiais, mestres e suas filosofias. Paulo usa o tempo
presente do verbo estar destinado a perecer. Desta forma torna claro o
fato de que Deus está continuamente no controle do mundo. Ao longo
dos séculos, Deus fez com que triunfe Sua palavra e que fracasse a
sabedoria mundana junto com os seus defensores.
7, 8. Mas falamos s abedoria de Deus em mistério, uma sabe doria
escondida, que Deus predestinou antes do tempo, para nossa glória, e que
nenhum dos governantes deste século entendeu. Porque se houvessem
entendido esta sabedoria, não teriam crucificado o Senhor da glória.
a. Sabedoria divina. Há uma clara diferença entre a sabedoria de
Deus e a sabedoria do mundo. No versículo anterior (v. 6), Paulo
menciona a sabedoria em termos negativos, pois a sabedoria humana é
passageira, frustra as pessoas e produz sua destruição. Aqui nos descreve
isso de forma positiva: a sabedoria de Deus é eterna e não tem limites,
tira as pessoas das trevas à luz, à salvação e à glória. Paulo informa aos
coríntios que ele e seus colegas declaram a sabedoria de Deus em
mistério. Esta é a primeira vez que ocorre a palavra mistério com
referência à sabedoria (a leitura variante do versículo 1 é uma exceção).
b. Mistério. O que quer dizer Paulo com «falamos sabedoria de
Deus em mistério»? O verbo grego lalein (=falar) não se refere ao que
Paulo diz, mas sim à forma em que fala (veja-se o v. 6). O caso genitivo
que acompanha a «sabedoria» denota posse, origem, caráter. Paulo se
refere à sabedoria de Deus. Além disso, a palavra «sabedoria» está
modificada pela expressão em mistério, quer dizer, não é que Paulo não
fala mistérios, mas a sabedoria de Deus é misteriosa.
A sabedoria é um mistério e é inteligível para o crente. Mas para o
crente a sabedoria é diáfana, porque Deus a comunica mediante o
evangelho que os apóstolo pregam. Paulo afirmou anteriormente que
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 130
Cristo é a sabedoria de Deus e que assim Cristo chegou a ser nossa
sabedoria (1Co 1:30). A sabedoria e a salvação por meio de Cristo estão
intimamente relacionadas, porque a palavra sabedoria significa «os
sábios atos de Deus na salvação da humanidade». 19 O processo de
salvação é um milagre para o crente, mas um mistério para os que
carecem do Espírito de Deus (cf. vv. 11–15). Cada vez que o termo
mistério aparece no Novo Testamento, em geral vem precedido por
verbos cujo significado é «revelar» ou «proclamar». Deus predestinou
este mistério antes da criação deste mundo, mas agora o revela ao seu
povo mediante a pregação do evangelho (veja-se Ef 3:3; Cl 1:26). 20
c. Deus predestinou. Depois Paulo fala de «uma sabedoria
escondida, que Deus predestinou antes do tempo, para nossa glória». A
sabedoria que tinha estado escondida até este momento, agora se revela
através da pessoa e obra de Cristo. Pedro faz ver que os profetas
diligentemente buscaram precisar o tempo e circunstâncias da vinda de
Cristo, e acrescenta que estas coisas finalmente se revelaram aos crentes
mediante a pregação do evangelho e a obra do Espírito Santo (1Pe 1:10–
12). Embora este mistério de salvação já não está oculto, de toda maneira
continua sendo algo que a mente humana não pode entender totalmente.
Este mistério se relaciona com o amor de Deus, o qual é tão profundo
que o homem não é capaz de compreendê-lo totalmente (cf. Ef 3:17–19).
Deus, em Sua sabedoria, predestinou esta salvação para nossa
glória, inclusive antes que a raça humana fosse criada. Decretou de
antemão salvar os coríntios para a glória deles mesmos. Esta mesma
verdade Paulo a compartilha numa passagem semelhante: «Que dizer se
o fez para dar a conhecer suas gloriosas riquezas aos que eram objeto de
sua misericórdia, e aos quais de antemão preparou para essa glória?»
(Rm 9:23).

19
Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 95. Consulte-se
também Michael Walter, «Verborgene Weisheit und Heil Für die Traditionsgeschichte und Intention
dês ‘Revelationsschemas’», ZTK 84 (1987): 297–312.
20
Günter Finkenrath, NIDNTT, vol. 3, p. 504; Günter Bornkamm, TDNT, vol. 4, p. 820.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 131
Deus é soberano e demonstra Sua graça e misericórdia ao Seu povo,
ao qual predestinou à glória. Paulo não poderia ter sido mais claro ao
distinguir entre a sabedoria mundana e a sabedoria divina. É muito
significativo o contraste que se faz entre a glória dos crentes e a glória
dos governantes terrestres. J.B. Lightfoot comenta: «Nossa glória cresce,
enquanto a deles se desvanece». 21 Já nesta vida começamos a refletir a
glória e as virtudes de Deus, porém na vida vindoura brilharemos como
joias em Sua coroa (para esta metáfora, ver, p. ex., Fp 3:21; Zc 9:16).
d. Ignorância. «E que nenhum dos governantes deste século
entendeu». Paulo repete a frase os governantes deste século (v. 6). Os
governantes estão desprovidos de conhecimento espiritual e não podem
perceber o significado do reino de Cristo na terra, o qual vem como
resposta à oração do crente: «Venha o teu reino» (Mt 6:10). São
incompetentes para entender o governo de Deus na terra, porque Deus
não lhes revelou Sua sabedoria divina.
Paulo se abstém de explicar a oposição que judeus e gentios
mostram contra a revelação de Deus em Jesus Cristo. Antes, explica a
ignorância destes governantes em termos negativos: «Porque se
houvessem entendido esta sabedoria, não teriam crucificado o Senhor da
glória». Paulo se refere só a Caifás, Herodes Antipas e Pilatos, ou aponta
a todo governante que rege sem dar a Deus a glória? A resposta é que os
líderes judeus e gentios que crucificaram a Jesus representam a todos os
governantes do mundo. 22 Os que ignoram a causa de Cristo toma seu
lugar junto aos governantes que mataram a Jesus.
Jesus, o Senhor da glória, é a resposta à pergunta do salmista:
«Quem é este Rei de glória?» (Sl. 24:8; veja-se também At 7:2). Jesus
não só reina no céu, mas também na terra, e Se dá a conhecer mediante a
pregação do evangelho. Se os governantes do mundo se sujeitarem a Ele,
abençoa-os e os faz prosperar (Sl. 2:10–12).

21
Lightfoot, Notes on the Epistles, p. 175.
22
Grosheide, First Epistle to the Corinthians, p. 65.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 132
Considerações doutrinais em 1Co 2:7
Quando Deus põe em marcha Seu plano de criar o universo e de
salvar a humanidade do pecado, o faz soberanamente. Predestina o seu
povo à glória. Enche-nos de assombro e nos maravilha ouvir Paulo dizer
que antes que o mundo fosse criado, Deus já tinha um plano para salvar a
humanidade para a glória de seus redimidos. Paulo fala da sabedoria de
Deus que aparece em mistério. Nossas mentes finitas não são capazes de
captar toda a importância do fato de que Deus ama os pecadores, porque
o conceito antes do tempo é muito profundo para nós. Igualmente
insondável é a glória que parcialmente recebemos nesta vida e
plenamente na eternidade. Só resta confessar que nossa mente não pode
apropriar-se adequadamente desta verdade.
Por certo que a simples e ao mesmo tempo profunda doutrina da
salvação se entende só porque Deus nos revela isso. Quando Deus revela
a salvação em termos de Sua gratuita eleição, revela-a como uma
verdade que «deve ensinar-se com sabedoria e prudência». 23

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 2:6–8


Versículo 6
_ν — quando esta preposição vem seguida por um substantivo em
caso dativo, não significa «a» ou «em», e sim «entre».
δέ — o segundo δε, deste versículo às vezes se traduz «isto é», ou
se representa por algum tipo de pontuação.

Versículo 7
θεο_ σοφίαν — a ordem sintática da frase é significativa, visto que
sublinha o fato de que a sabedoria se origina em Deus e pertence a Deus.

23
Confissão de fé de Westminster 3.8. Veja-se também o ponto de vista de J. Kenneth Grider,
«Predestination as Temporal Only», WesThJ 22 (1987): 56–64.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 133
_ν — a preposição comunica a ideia de «na forma de» ou «que
consiste em».
_ποκεκρυμμένεν — o particípio perfeito, voz passiva, do verbo
esconder deve ser traduzido como mais-que-perfeito, para indicar assim
que a sabedoria de Deus «tinha sido escondida» por longo tempo, mas
que agora se revela. 24

Versículo 8
_ν — o pronome relativo, gênero feminino, não se conecta com seu
antecedente imediato («glória»), mas com o termo sabedoria. 25
ε_ — quando esta partícula vem seguida de um verbo em modo
indicativo na prótase e de _ν na apódose, trata-se de uma oração
condicional contrária aos fatos: «Porque se houvessem entendido esta
sabedoria [coisa que não fizeram], não teriam crucificado o Senhor da
glória».

b. Deus e a revelação. 1Co 2:9–10a

9. Mas como está escrito: Cois as que o olho não vi u nem o ouvido
ouviu e que não entraram no coração do homem, estas são as coisas que
Deus preparou para os que o amam.
a. Conjunção adversativa. Como o faz em muitos outros lugares
desta epístola, Paulo fundamenta seu ensino apelando à Escritura.
Introduz a passagem com a conjunção adversativa mas, seguida da
fórmula como está escrito. Tal como está, a oração carece de verbo e,
portanto, está incompleta. Sugerimos introduzir o verbo plural nós
entendemos para formar um equilíbrio com o verbo entender do
versículo anterior (v. 8). Isto forma um contraste entre os «governantes
deste século» (Pôncio Pilatos e Herodes Antipas), que não conseguiram

24
Robertson, p. 1117.
25
Parry, First Epistle to the Corinthians, p. 54.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 134
entender a sabedoria de Deus e os coríntios que conhecem essa
sabedoria. Uma tradução possível seria: «Porque se [estes governantes]
houvessem entendido esta sabedoria, não teriam crucificado o Senhor da
glória. Mas — como está escrito — [nós entendemos as] coisas que o
olho não viu nem o ouvido ouviu». 26 O contraste entre os versículos 8 e
9 é claro. Ao mesmo tempo, o suprirmos o pronome nós ajuda tanto a
esclarecer os versículos 8 e 9 como a formar uma ponte para o pronome
nos do seguinte versículo (v. 10).
b. Profecia. Paulo cita livremente a profecia que Isaías escreveu
sete séculos antes que Paulo escrevesse sua epístola. Contudo, o verbo
está escrito conota a ideia de que o significado dessas palavras se
mantém vigente até o dia de hoje.
Embora se cite Isaías 64:4, a passagem difere grandemente do texto
hebraico, que diz: “Desde tempos remotos, ninguém ouviu nenhum
ouvido percebeu, nenhum olho viu a nenhum outro Deus que não sejas
tu, que ages em favor dos que te esperam.”
Parece que Paulo cita de cor, porque até a versão grega de Isaías
tem algo diferente: «Desde a eternidade não ouvimos e nossos olhos não
viram Deus se não tu e tuas obras, as quis farás em favor dos que
esperam por misericórdia» (Is 64:3, LXX). Como a diferença é marcante,
alguns eruditos creem que Paulo também tomou palavra de outras
passagens (Is 52:15; 65:17; Jr 3:16). Supomos que nesse momento Paulo
não tinha as Escrituras diante de si, mas só citava de cor. Constrói um
texto que concorda com passagens das profecias de Isaías e Jeremias. 27
c. Significado. O que é que Paulo procura dizer nesta passagem?
Como parece aludir a quatro versículos que estão nas profecias de Isaías
e Jeremias, só resta interpretar a passagem como está. Paulo menciona

26
Veja-se B. Frid, «The Enigmatic avlla, in 1 Corinthians 2.9», NTS 31 (1985): 603–11. No entanto,
Lenski (First Corinthains, p. 102) segue aos comentaristas mais antigos, que repetem o verbo falamos
(v. 7).
27
A. Feuilliet, «L’énigme de 1 Cor., II,9», RB 70 (1963): 52–74; K. Berger, «Zur Diskussion über die
Herkunft von 1 Kor.ii.9», NTS 24 (1978): 270–83.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 135
três partes do corpo humano e as apresenta de forma negativa: «Coisas
que o olho não viu nem o ouvido ouviu e que não entraram no coração
[isto é, mente] do homem». Depois conclui a citação com uma linha em
termos positivos: «Estas são as coisas que Deus preparou para os que o
amam».
Analisemos primeiro as orações negativas. O substantivo coisas,
que algumas traduções omitem, 28 significa a sabedoria de Deus que se
revela para a salvação da humanidade. Mas o conhecimento da salvação
não se origina no homem, quando este abre seus olhos para ver, quando
ouve o que outros têm que dizer ou quando formula seus pensamentos.
Paulo despreza todas as formas de percepção sensorial e deixa que o
leitor conclua que a sabedoria só pode vir de Deus. 29 Mencionando os
órgãos físicos do olho, do ouvido e da mente, Paulo sublinha o processo
de percepção, análise e assimilação dos atos. Por si mesmos, estes órgãos
não podem proporcionar ao homem a sabedoria necessária para entender
a obra divina de salvação que Deus realiza.
Em termos positivos, Paulo diz aos coríntios que «Deus preparou
[salvação] para os que lhe amam». Em outra carta escreve que «Deus
dispõe todas as coisas para o bem quem o ama» (Rm 8:28). 30 O autor de
Eclesiástico fala da sabedoria de Deus nestes termos: «e a dispôs [a
sabedoria] aos que o amam» (Sir. 1:10, BJ).
A última linha desta citação ensina duas coisas: «Deus é o autor de
nossa salvação, e nós o amamos». O texto ensina que Deus prepara as
coisas que têm que ver com nossa salvação e provê este presente sem
levar em conta mérito algum. Revela tudo isto por meio de Sua palavra e
ao cumprir o tempo por meio da vinda de Cristo. Portanto, quando

28
BJ, CI, NC, CB, NBE leen «lo que».
29
Walter C. Kaiser, Jr., «A Neglected Text in Bibliology Discussions: 1 Corinthians 2:6–16», WTJ 43
(1980–81): 301–19.
30
Veja-se também 1Co 8:3; Tg 1:12; 2:5. Consulte-se Johannes B. Bauer, «‘… TOIS AGAPOSIN
TON THEON’ Rm 8:28 (1Co 2:9, 1Co 8:3)», ZNW 50 (1959): 106–12.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 136
percebemos esta verdade, demonstramos a Deus o amor que lhe temos
por tão maravilhoso dom.
10a. Porque Deus no-lo revelou através de seu Espírito.
As traduções vertem de forma diferente a primeira palavra desta
oração. Algumas usam a conjunção e, outras registram o adversativo
mas, e outras favorecem o sentido casual de porque ou pois. As
diferenças surgem das variantes do texto grego e da interpretação que se
dê ao versículo anterior (v. 9). Pessoalmente prefiro a leitura causal pelas
seguintes razões: Primeiro, se suprirmos um verbo no versículo 9, já não
temos necessidade de um adversativo ou conjunção no princípio do
versículo 10. Se unirmos os versículos mediante uma conjunção causal,
explicamos claramente por que sabemos a respeito de nossa salvação: é
Deus quem nos revela isso. Segundo, a conjunção causal conecta este
versículo (v. 10a) com a citação que o precede. Terceiro, faz justiça ao
pronome nos enfatizando-o. 31 No grego, o pronome recebe ênfase por
ocupar o primeiro lugar da oração. O sentido seria: «a nós Deus as
revelou». O pronome não se limita aos apóstolos e seus colaboradores,
mas inclui todos os crentes.
Por meio de Seu Espírito, Deus comunica Sua sabedoria aos crentes
(Mt 11:25; 16:17). O Espírito nos prepara para que recebamos a verdade
do evangelho e nos guia a Cristo. Deus revela sua sabedoria por meio de
Seu Espírito, e assim a salvação é a obra da Trindade. Deus origina a
salvação, trabalha através de Seu Espírito e nos concede sua glória.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 2:9–10a


Versículo 9
_π_ καρδίαν — seria de esperar-se encontrar a preposição _ν. A
mudança deve-se a que Paulo está usando o grego da Septuaginta, o qual

31
Archibald Robertson y Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle
of St. Paul to the Corinthians, na série International Critical Commentary, 2ª. edição (1911;
reimpresso por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 43.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 137
traduz o hebraico de forma literal (compare-se o texto da Septuaginta de
4 Reis 12:5; Jr 3:16; 28:50; veja-se também Lc 24:38; At 7:23). 32

Versículo 10a
γάρ — esta conjunção é patrocinada pelo P46, o Códice B, 1739 e
outros manuscritos. Devemos optar por γάρ como a leitura original pelas
seguintes considerações: γάρ aparece três vezes em três orações, e
qualquer escriba poderia haver-se tentado a mudá-lo a δέ. Além disso, à
luz do contexto, é γάρ e não δέ, a leitura difícil.
_πεκάλυψεν — o verbo revelar é construído com a palavra mistério
e com o particípio perfeito, voz passiva, escondido (v. 7). Este verbo
conota a ideia de revelação especial, em lugar de revelação geral. 33

c. O Espírito Santo e a sabedoria humana. 1Co 2:10b-13

Os tradutores não estão de acordo em como dividir os parágrafos.


No versículo 10 muitos preferem começar outro parágrafo (BJ, CI, LT,
NBE, NC), em lugar de partir em dois o versículo. Nós cremos que a
primeira parte do versículo 10 é a conclusão do versículo 9 e a segunda
parte começa um parágrafo novo. 34
10b. Por certo, o Espírito esquad rinha todas as coisas, até as
profundezas de Deus.
Esta afirmação serve para abrir a seção que trata do Espírito Santo.
Esta é uma breve mas profunda afirmação que nos revela as relações
interpessoais dentro da deidade. Admitimos que a mente humana não é
capaz de desentranhar a profundeza das palavras de Paulo. Paulo usa
uma pergunta doxológica para confessar esta mesma incapacidade:
«Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?»

32
Moule, Idiom-Book, p. 183.
33
Consulte-se Lightfoot, Notes on the Epistles, p. 178.
34
P. ex., NEB, NIV e a NCV dividem o versículo em dois.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 138
(Rm 11:34; veja-se também Jó 11:7). Nenhum ser humano é convidado a
participar do conselho de Deus. 35
O Espírito esquadrinha tudo e nada escapa à Sua atenção. Paulo usa
o verbo esquadrinhar no tempo presente, para indicar assim que o
Espírito nunca cessa seu trabalho escrutinador. Na presença de Deus
todas as coisas estão desnudas e abertas (Hb 4:13). Deus sabe tudo e seus
olhos estão em todo lugar (Pv 15:3).
A obra do Espírito de Deus chega até as partes mais profundas de
Deus. Quais são as profundezas de Deus? São os incompreensíveis
caminhos de Deus, que sempre se manterão como um mistério para a
mutável e superficial mente humana. Entre estas coisas profundas estão
as inesgotáveis riquezas da sabedoria e conhecimento de Deus (Rm
11:33), o dom da salvação que Deus concede ao homem, a divulgação do
evangelho em cada época e geração e a vinda do reino de Deus.

Deus se move em formas misteriosas


para Suas maravilhas realizar;
Deixa os Seus rastros nos mares,
cavalga sobre a tormenta.
Na profundeza de jazidas insondáveis
que entesouram uma habilidade inesgotável,
Ele guarda seus maravilhosos desígnios
e realiza Sua vontade soberana.
— William Cowper

11. Porque quem entre os homens conhece as coisas do homem senão


o espírito do homem que está dent ro dele? Do mes mo modo, ningué m
conheceu as coisas de Deus senão o Espírito de Deus.
a. Analogia. Paulo emprega uma analogia da vida humana, para
comparar ao Espírito de Deus com o espírito do homem. Pergunta se a

35
Juan Calvino. Institución de la religión cristiana (Risjwik: FELiRe, 19), vol. 1, I,xiv,19.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 139
gente pode saber o que motiva as pessoas. Responde que só o espírito do
homem sabe quais são suas próprias motivações. O espírito do homem é
capaz de esconder secretos dos entremetidos olhos e ouvidos dos demais.
Por outro lado, devemos admitir que, embora fomos criados com
um conhecimento inerente e básico de nós mesmos, é muito difícil
conhecer nossas motivações mais internas. Nosso conhecimento inato
nos guia para tomar decisões relacionadas com o meio ambiente que nos
rodeia. Numa tentativa por nos conhecer a nós mesmos, tratamos de
analisar as razões pelas quais fazemos ou dizemos algo. Queremos obter
um entendimento básico de nosso subconsciente por meio da análise de
nossa mente.
b. Diferença. Se tratarmos de ir para além do ponto central que
Paulo deseja ensinar, começaremos a balbuciar. Tal como Deus ensinou
ao Povo de Israel: «Meus pensamentos não são os vossos pensamentos,
nem os vossos caminhos os meus caminhos» (Is 55:8). Deus é o criador
do espírito do homem (Zc 12:1), sopra fôlego de vida nas narinas do
homem (Gn 2:7). Mas o incriado Espírito de Deus procede do Pai e do
Filho (Jo 14:26). Neste versículo, Paulo repete a palavra homem a fim de
sublinhar a imensurável diferença que há entre o espírito humano e o
Espírito de Deus. Deus conhece a mente humana, mas o homem é
incapaz de conhecer a mente de Deus.
Este versículo registra duas vezes o verbo conhece. Atrás de cada
um, o texto grego usa duas palavras distintas (oida e ginosko). O
primeiro verbo comunica a ideia de um conhecimento inerente e básico
— isto é, o espírito do homem conhece seus próprios pensamentos. O
segundo verbo, que aqui aparece no tempo perfeito, denota o processo de
adquirir conhecimento: «Ninguém obteve um entendimento das coisas
que pertencem a Deus senão o próprio Espírito de Deus». Paulo
contrasta ambos os verbos, para explicar que a mente humana é capaz de
conhecer as coisas relacionadas com o homem, porém não as que têm
que ver com Deus. Em outras palavras, Paulo não diz que o Espírito de
Deus está ocupado adquirindo conhecimento dos pensamentos de Deus.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 140
O Espírito possui conhecimento inerente. «esta mudança na fraseologia
poderia querer advertir-nos de que não deveríamos pressionar a
analogia». 36
12. Agora, nós não recebemos o espí rito do mundo, mas o Es pírito
que vem de Deus, a fim de que conh eçamos as coisas que Deus no s deu
livremente.
a. «Agora, nós … recebemos». No versículo precedente, Paulo
falou em geral de coisas conectadas com o espírito humano. Pelo
contrário, aqui torna o assunto específico ao introduzir-se a si mesmo e
aos coríntios por meio do pronome pessoal plural nós. No grego, este
pronome ocupa o primeiro lugar da oração, e assim a ênfase recai sobre
ele. Com este pronome inclusivo, Paulo chega ao coração do parágrafo
que trata do tema do Espírito de Deus versus o espírito do homem.
Oferece-nos a consoladora segurança de que recebemos o Espírito que
Deus nos deu.
b. «Não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de
Deus». A oração negativa não recebemos o espírito do mundo foi
interpretada de várias maneiras:
refere-se aos governantes do mundo que crucificaram a Cristo (v. 8);
refere-se ao mal que estabeleceu suas próprias regras e objetivos (veja-
se 2Co 4:4; 1Jo 4:4; 5:19);
equivale à sabedoria deste mundo (1:20);
aponta ao espírito mundano do homem.
Cremos que a frase «o espírito do mundo» aponta ao espírito que
transforma o mundo em secular. 37 Desde o momento que Adão e Eva
caíram em pecado, o espírito deste mundo se revelou opondo-se ao
Espírito de Deus: por exemplo, na libertinagem anterior ao dilúvio, na
edificação da torre de Babel e nos falsos mestres que buscavam destruir

36
Lightfoot, Notes on the Epistles, p. 179. Mas veja-se Donald W. Burdick, quem pressiona a
analogia. «ο_δα and γινώσκω in the Pauline Epistles», en New Dimensions in New Testament Study,
editado por Richard N. Longenecker e Merrill C. Tenney (Grand Rapids: Zondervan, 1974), p. 351
37
Consulte-se Lenski, First Corinthians, p. 108.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 141
a igreja no tempo apostólico (2Pe 2; 1Jo 4:1–3; Jd 4–19). Trata-se do
espírito que governa uma pessoa na qual não habita o Espírito de Deus.
É um poder que determina «tudo o que o ser humano faz e pensa,
opondo-se ao Espírito que vem de Deus». 38
Em contraste, como Paulo o expressa num grego eloquente, os
crentes receberam o Espírito que procede de Deus (veja-se Jo 15:26; Gl
4:6). O Espírito de Deus vem aos crentes de uma esfera distinta que a
mundana e lhes entrega o conhecimento de Deus, da criação, da
redenção e da restauração. Desde o Pentecostes, o Espírito de Deus
habita no coração de todos os crentes (1Co 6:19).
c. «a fim de que conheçamos as coisas que Deus nos deu
livremente». Por que Deus nos concede o dom de Seu Espírito? Esta é a
resposta: para que conheçamos de forma inata as coisas que têm que ver
com a nossa salvação. O Espírito nos ensina os tesouros que temos em
Cristo, a quem Deus entregou para que morresse na cruz e obtivesse
assim vida eterna para todos nós (1Jo 5:13). Se Deus entregou o Seu
Filho, certamente que nEle nos dará todas as coisas gratuitamente (Rm
8:32). É pela obra do Espírito Santo que os crentes são capacitados a
apropriar-se do dom da salvação. A fé os capacita a ver que em Cristo já
não têm pecado nem culpa, que Deus os reconciliou Consigo mesmo e
que agora têm o caminho aberto ao céu.
13. E as coisas q ue falamos não são palavras que a sabe doria
humana comunica, mas as que o Espírito c omunica, pois interpretamos
verdades espirituais com palavras espirituais.
a. Intérprete. Neste lugar Paulo se detém para falar de si mesmo e
de seus colegas. Diz que as palavras que proclamam não estão baseadas
em sabedoria humana.
As seguintes observações são necessárias:
Primeiro, Paulo usa um verbo grego que aponta à ação de falar, não
ao conteúdo do que se diz (veja-se os vv. 6, 7). Segundo, a propósito
38
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traducido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 92.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 142
coloca a negação diante de palavras, para fazer um contraste entre a
sabedoria humana e a sabedoria divina. Terceiro, adverte que o agente
que ensina os apóstolos e os seus ajudantes o que pregar, não é uma
pessoa cheia de sabedoria humana. Pelo contrário, esta pessoa não é
outra senão o Espírito de Deus. Deste modo, o Espírito os capacita a
proclamar o evangelho (Mt 10:20).
Além disso, o evangelho mesmo está inspirado pelo Espírito. Isto
não deve entender-se como se os apóstolos fossem simples instrumentos
que o Espírito emprega para obter seus propósitos. Jamais! Ao escrever,
os autores da Bíblia usaram suas habilidades e destreza, seu treinamento
e cultura, suas características e peculiaridades. Não obstante, o Espírito
lhes ensinou como verbalizar as verdades de Deus. Como Paulo o diz
enfaticamente: «as coisas que falamos não são palavras que a sabedoria
humana comunica, mas as que o Espírito comunica» (o itálico é meu).
Assim que, para Paulo a inspiração não está baseada no pensamento
humano ou na sabedoria humana, e sim no ensino que o Espírito Santo
comunica. O estilo, vocabulário, dicção e sintaxe paulina foram os
veículos pelos quais se comunicaram as verdades que o Espírito lhe
ensinou. 39
b. Variação. As traduções variam na forma em que vertem a última
parte do versículo 13, como se verá por estes exemplos:
«exprimindo realidades espirituais em termos espirituais» (BJ)
«explicando temas espirituais a homens de espírito» (NBE)
«adaptando o espiritual ao espiritual» (NTT)
«adaptando o que é espiritual aos que possuem o Espírito de Deus»
(CB)
«adaptando aos espirituais os ensinos espirituais» (NC)
«acomodando a linguagem espiritual às realidades espirituais» (CI,
cf. LT, HA)

39
Refira-se a Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand
Rapids: Kregel, 1977), p. 154.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 143
Não está claro qual é o sentido desta última parte da oração. Uma
tradução literal não ajuda muito: «interpretando espirituais em
espirituais». Por isso, o leitor vê-se forçado a examinar o contexto deste
versículo, para buscar alguma orientação que o ajude a suprir dois
substantivos que completem a oração.
Dar-nos conta da referência explícita que Paulo fez aos
amadurecidos (v 6) e aos homens espirituais (v. 15), poderia nos levar a
pensar que o escritor refere-se a gente espiritual. Mas esta interpretação
encontra uma sutil dificuldade, se a aplicarmos as regras da gramática. O
primeiro adjetivo espirituais não vem precedido por um artigo definido
que designe um grupo particular de pessoas (em cujo caso a palavra seria
masculina). Isto faz com que seja possível que Paulo se refira a «palavras
espirituais». Não queremos rejeitar a primeira interpretação
precipitadamente, 40 o que desejamos é dar a ela o mesmo peso que à
segunda explicação. Esta segunda interpretação afirma que o adjetivo
refere-se ao substantivo palavras (em cujo caso a palavra seria neutra).
Isto é, Paulo e seus colaboradores interpretam verdades espirituais em
palavras espirituais (entende-se que a pessoas espirituais). Portanto, a um
adjetivo acrescentamos a palavra verdades e ao outro, palavras; o que
resulta em: «interpretamos verdades espirituais em palavras espirituais».
c. Explicação. O verbo grego synkrinō pode-se traduzir
«combinando», «comparando » e «interpretando». 41 O primeiro destes
significados harmoniza com o contexto, assim que muitos comentaristas
o adotam. 42 No entanto, as traduções modernas não usam a palavra
combinando, porque duvidam que essa seja a ideia que Paulo quer
comunicar.

40
Donald Guthrie escreve: «Se … os cristãos que são ensinados pelo Espírito são capazes de
interpretar a verdade espiritual aos que possuem o Espírito, demonstra-se assim que o Espírito tem um
ministério docente». New Testament Theology, p. 556.
41
BAGD, p. 774.
42
Entre muitos outros, veja-se Leon Morris, 1 Corinthians, edição revisão, na série Tyndale New
Testament Commentaries (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids, 1987), p. 58.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 144
Outros eruditos preferem a segunda alternativa («comparando») e
fazem notar que o mesmo verbo ocorre em 2 Coríntios 10:12, onde quer
dizer «comparar». Mas como tal contexto é distinto, é difícil e pouco
provável que devamos traduzir da mesma forma em ambas as passagens.
Não há dúvida que o contexto apoia a tradução interpretando.
Friedrich Büschel observa que a tradução combinando é muito fraca,
enquanto «comparando» introduz uma ideia incompatível com o
contexto. «Portanto, é melhor aceitar o significado de ‘interpretar’,
‘expor’, o qual prepondera em [a Septuaginta] ‘expor revelações do
Espírito’». 43

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 2:12–13


κόσμου — um número de manuscritos acrescentam o pronome
demonstrativo τούτου, a fim de criar um contraste («este mundo»), mas a
leitura mais breve tem o apoio de testemunhas mais antigas e fortes.
διδακτο_ς — este adjetivo verbal («ensinado») é passivo em sua
significação. Ocorre duas vezes e em ambas vem seguido por um
genitivo subjetivo. 44
πνευματικο_ς πνευματικά — o primeiro adjetivo carece de artigo
definido το_ς, o qual faz pouco provável que seja masculino e que
apontamento assim a homens espirituais. Eu prefiro tomar ambos os
adjetivos como neutros. O fato de λόγοις («palavras») ocorrer neste
versículo sugere que Paulo quer dizer que os pensamentos espirituais são
interpretados em palavras espirituais. 45

43
Friedrich Büschel, TDNT, vol. 3, p. 954. Veja-se também a leitura da LXX em Gn 40:8, 16, 22; Dn
5:15–17, onde o verbo é usado para a interpretação de sonhos.
44
Consulte-se Moule, Idiom-Book, p. 40.
45
Refira-se a Robertson, p. 654.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 145
d. O homem não espiritual e o espiritual. 1Co 2:14–16

Paulo conclui este capítulo com um último contraste. Primeiro


declara de forma negativa o que o não espiritual é incapaz de fazer.
Depois fala de forma positiva a respeito do homem espiritual e,
finalmente, conclui que ele e os leitores de sua epístola têm «a mente de
Cristo».
14. O homem não espiritual não aceita as coisas do Espírito de Deus,
porque para ele são uma insensatez e não é capaz de entendê-las, porque
se discernem espiritualmente.
a. «O homem não espiritual». A palavra grega que traduzimos «não
espiritual» aparece aqui e em outros quatro lugares do Novo
Testamento. 46 A tradução declara o que o homem não é, isto é,
espiritual. Isto é exatamente o que Paulo quer dizer ao contrastar uma
pessoa não espiritual com uma pessoa espiritual. «O primeiro é o homem
animado, isto é, cheio de alma no sentido de força vivente, é o homem
natural em contraste com o homem espiritual». 47 O homem natural
pertence ao mundo, enquanto o espiritual pertence a Deus. Um é não
crente, o outro é crente, um carece do Espírito, enquanto o outro tem o
Espírito; um segue seus instintos naturais (Jd 19), o outro segue o
Senhor.
b. «[O homem não espiritual] não aceita as coisas do Espírito de
Deus». Embora o verbo aceitar seja sinônimo de receber (ver o v. 12), a
diferença é notável. O primeiro verbo está em voz ativa e se refere ao
objeto que é aceito. O segundo verbo está em voz passiva e descreve a
maneira como se recebe o objeto. A tradução não aceita é o mesmo que
rejeita. O homem não espiritual repudia as coisas do Espírito de Deus
porque não as entende nem as deseja. Só aceita as coisas do mundo.

46
1Co 15:44 (bis.), 46; Tg 3:15; Jd. 19. As traduções espanholas evitam uma tradução como não
espiritual, mas veja-se BADG, p. 894 y NEB, REB, JB, MLB, RSV.
47
Günther Harder, NIDNTT, vol. 3, p. 684; veja-se também Eduard Schweizer, TDNT, vol. 9, p. 663.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 146
c. «Porque para ele são uma insensatez». As coisas espirituais têm
que ver com o pecado, a culpa, o perdão, a redenção, a salvação, a justiça
e a vida eterna. Para aquele que não é espiritual estas coisas não têm
sentido, são irrelevantes e até estúpidas. Não têm lugar na vida que só se
limita ao mundo presente. 48
d. «E não é capaz de entendê-las, porque se discernem
espiritualmente». Paulo fala de uma incapacidade que vem pela ausência
do Espírito Santo na vida do não crente. Dá-se por sentado que o
incrédulo poderia superar o cristão em muitas maneiras:
intelectualmente, em sua educação, filosoficamente e até moralmente.
Poderia ser um cidadão exemplar e um líder na sociedade que evita os
excessos sensuais que caracterizam outras pessoas. Apesar de tudo isso,
o incrédulo é incapaz de entender os assuntos espirituais. Está privado da
presença interior do Espírito Santo para que ilumine seu entendimento.
Paulo afirma que o incrédulo é incapaz de compreender verdades
espirituais, porque estas «se discernem espiritualmente». O verbo se
discernem é significativo. Primeiro, aponta ao processo contínuo de
avaliar o contexto espiritual em que vivemos. Segundo, a voz passiva do
grego denota que, guiado pelo Espírito Santo, o crente é capaz de provar
os espíritos, a fim de determinar se vierem de Deus (cf. 1Jo 4:1). O
crente que se submete a Deus deve julgar todas as coisas espiritualmente.
O agnóstico ou o ateu não tem a capacidade para julgar
espiritualmente, porque ele mesmo está morto em delitos e pecados (Ef
2:1). Quanto a questões espirituais, é como o homem que bate no
interruptor durante um corte de energia, ficando sem luz. Pior ainda, não
tem ideia do que causou o corte nem é capaz de predizer quanto durará o
apagão. Não possui nenhum poder para mudar a situação e só resta
esperar que restituam o fornecimento de corrente. Do mesmo modo, a
menos que o poder do Espírito entre em sua vida e o ilumine
espiritualmente, permanecerá na escuridão espiritual. O Espírito Santo

48
Refira-se a S.D. Toussaint, «The Spiritual Man», BS 125 (1968): 139–146.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 147
capacita o ser humano a ver claramente o caminho que leva à vida e a
avaliar com exatidão as circunstâncias nas quais se encontra.
15. Mas o homem espiritual j ulga todas as coisas, porém não é
julgado por ninguém.
a. «Mas o homem espiritual julga todas as coisas». Quão magnífico
é para uma pessoa espiritual aceder diretamente ao próprio Deus, a fonte
da sabedoria (Tg 1:5)! De Deus recebe sabedoria sem limites. Por
conseguinte, é capaz de examinar todas as coisas judiciosamente e
fornecer com sua liderança num mundo entenebrecido pelo pecado.
«Nenhum outro senão o homem espiritual pode desfrutar de um
conhecimento dos mistérios de Deus tão firme e são, a ponto de
distinguir a verdade da mentira, a doutrina de Deus das fabricações
humanas, estando muito pouco sujeito a engano». 49 Para o crente as
Escrituras são lâmpada para os seus pés e luz para os seu caminho (Sl.
119:105). Sabe que na luz de Deus vê a luz (Sl. 36:9). Aquele que é
espiritual foi ungido com o Espírito, pelo qual conhece a verdade (1 Jo
2:20). Isto o capacita a diferenciar a verdade do erro, os fatos da ficção, o
autêntico do falso.
Paulo afirma que o homem espiritual julga todas as coisas. Isto
implica que recebeu o Espírito Santo como seu guia e que usa a Escritura
como bússola para a viagem de sua vida. A expressão todas as coisas
aponta ao amplo espectro da existência humana. Isto não quer dizer que
o homem espiritual seja erudito em cada área da vida. O que se quer
dizer é que é capaz de avaliar espiritualmente tudo com relação à
comunidade na qual Deus o colocou.
b. «Mas ele não é julgado por ninguém». Esta é uma declaração
atrevida. Contudo, não quer dizer que o cristão nunca é julgado (cf. 1Co
14:29), sim o crente não pode ser julgado pelos incrédulos, pois são
incompetentes para julgar espiritualmente um crente. O crente é julgado
com base na Palavra de Deus. Se se trata do destino eterno de um

49
Calvin, 1 Corinthians, p. 62.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 148
homem, só a Escritura é a que finalmente julga o homem espiritual, e
não as ordenanças e regras inventadas pelos homens.
16. Porque «Quem conheceu a ment e do Senhor pa ra instruí-lo?»
Pelo contrário, nós temos a mente de Cristo.
a. Fonte. Este versículo confirma a atrevida declaração que Paulo
acaba de fazer (v. 15). Segundo o seu costume, Paulo fundamenta seus
ensinos citando a Escritura, a qual considera sua corte de apelações.
Agora cita duas linhas separadas de Isaías 40:13, segundo a versão grega
do texto hebraico (cf. Jr 23:18; Sabedoria 9:13). Em outro texto, Paulo
cita a passagem completa do Antigo Testamento de forma sucessiva
(veja-se Rm 11:34). Mas aqui deixa fora uma linha do texto da
Septuaginta, isto é, deixa fora «Quem foi seu conselheiro?». As duas
linhas que cita «Quem conheceu a mente do Senhor» e «para instruí-lo?»
diferem ligeiramente do texto hebraico, que diz: «Quem entendeu a
mente de Yahveh?» e «A quem consultou Yahveh para aprender?».
b. Significado. Em que forma esta passagem do Antigo Testamento
prova o ponto de Paulo? A palavra-chave desta citação é mente, a qual
aponta a Deus e a Cristo. O que se implica aqui é que a mente de uma
pessoa espiritual deve harmonizar com a mente de Deus. Quando o ser
humano é controlado pelo Espírito de Deus, seu interesse está em
cumprir a lei de Deus, fazer a vontade de Deus e refletir a glória de
Deus. O Senhor conhece o homem e o instrui, mas seria absurdo pensar
que o homem é capaz de conhecer a Deus e instruí-lo. Quem tem a
autoridade para fazer uma avaliação da lei de Deus? Em sua epístola,
Tiago escreve que «se alguém fala mal de seu irmão, ou o julga, fala mal
da lei e a julga» (1Co 4:11), ao que acrescenta que Deus é o único
Legislador e Juiz (1Co 4:12). Contudo, a pessoa na qual reside o Espírito
de Deus possui um conhecimento espiritual que o guia e dirige nesta
vida.
Paulo afirma que como crentes, nós temos a mente de Cristo. Nos
versículos anteriores, os verbos em primeira pessoa do plural tinham um
significado inclusivo. Portanto, quando aqui se diz temos, Paulo aponta
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 149
para si mesmo, ao resto dos apóstolos e aos crentes que ouviram deles o
evangelho. O escritor da Epístola aos Hebreus declara de forma concisa:
«Esta salvação que foi anunciada primeiro pelo Senhor, e os que a
ouviram nos confirmaram isso» (1Co 2:3). Por conseguinte, a expressão
mente de Cristo aponta ao fato de que os crentes conhecem Cristo por
meio da obra do Espírito e por apropriar-se da mensagem evangélica. 50
Que a mente de Cristo, meu Salvador,
viva em mim todos os dias,
tudo o que faço e digo
está dominado por seu amor e poder.
— Kate B. Willinson

Considerações práticas em 1Co 2:15–16


Insinua Paulo que o cristão que ora fervorosamente, pedindo o dom
do Espírito, está livre de erros? Não creio, porque muitos crentes darão
testemunho de que por causa de um descuido tiveram que sofrer por
muitos anos. Só Jesus esteve livre de erro em Seu ministério terrestre.
Seus seguidores devem confessar com humildade que suas vidas estão
longe de ser perfeitas.
O povo de Deus, que foi redimido pela obra de Jesus Cristo, foi
chamado a amar a Deus com todo seu coração, alma e mente, e a amar o
seu próximo como a si mesmo (Mt 22:37–39). Fazem-no para expressar
sua gratidão a Deus pela salvação que Cristo lhes deu. Devem orar que o
Espírito Santo, que habita neles, os aproxime mais de Jesus Cristo. Ter
comunhão com Cristo quer dizer que têm a mente de Cristo e que
desejam servi-Lo por gratidão.

50
Wendell Lee Willis, «The ‘Mind of Christ’ in 1 Corinthians 2,16», Bib 70 (1989): 110–22.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 150

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 2:14–16


Versículo 14
ψυχικός — este adjetivo se deriva do substantivo ψυχη (alma, vida)
e conota uma vida natural em contraste com a vida de um crente cheia do
Espírito Santo.
το_ θεο_ — os manuscritos que incluem estas duas palavras têm o
apoio de sua antiguidade, distribuição geográfica e importância.
Portanto, neste caso não segue o princípio de que a leitura mais curta
representa o texto original. 51
μωπία … _στίν — «são consideradas como insensatez» pela pessoa
que não é espiritual. 52 Veja-se também 1Co 1:18; 3:19.
_νακρίνεται — este verbo ocorre três vezes neste versículo e no
seguinte. Aparece no tempo presente, na voz ativa e passiva. É um
composto que significa «olhar através de uma série (_να,) de objetos a
fim de distingui-los κρίνω ou indagar». 53

Versículos 15–16
τ_ πάντα — um número de testemunhas mudaram μέν pelo artigo
definido τά para criar um equilíbrio com o δε, da seguinte oração. É
difícil determinar a leitura correta, mas a possibilidade de que μέν tenha
sido mudado para τα, é muito mais provável que o contrário. Tampouco
está claro se o artigo definido τα, modifica πάντα ou se serve para
indicar o caso neutro plural, em lugar do acusativo singular masculino. 54

51
Metzger, Textual Commentary, p. 547. Compare-se Fee, First Corinthians, pp. 97–98 n.5.
52
BDF § 190.1.
53
Thayer, p. 39.
54
Metzger, Textual Commentary, pp. 547–548.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 151
κυρίου — no Antigo Testamento, este é outro nome de Deus.
Porém no Novo, refere-se a Cristo. No presente contexto, as palavras
Senhor e Cristo são sinônimas.
_ς — o pronome relativo no singular masculino, usa-se para
introduzir uma ideia consecutiva: «e assim» ou «como para». 55

Resumo de 1 Coríntios 2
Paulo lembra aos coríntios que ele não chegou a eles como orador
eloquente ou como filósofo. Pelo contrário, o que fez foi proclamar-lhes
o testemunho de Deus, isto é, o evangelho de Cristo. Quando lhes levou
o evangelho não o apresentou usando acuidade humana, mas o poder do
Espírito de Deus. Paulo afirma que embora a mensagem de sabedoria
que prega se origina em Deus, os governantes deste século não foram
capazes de entendê-la, e fundamenta seu ensino citando uma passagem
da profecia de Isaías.
Depois Paulo introduz um parágrafo sobre o Espírito de Deus, no
qual revela que os crentes não receberam o espírito do mundo, mas o
Espírito que vem de Deus. A sabedoria que o Espírito comunica aos
crentes capacita às pessoas espirituais para julgar espiritualmente todas
as coisas.

55
Robertson, p. 724.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 152

1 CORÍNTIOS 3
DIVISÕES NA IGREJA, TERÇA PARTE (1CO 3:1–23)

4. Obreiros de Deus. 1Co 3:1–23

Paulo aborda os coríntios com severidade, porque sua incapacidade


de crescer espiritualmente os faz comportar-se como crianças em Cristo.
(As palavras que usa fazem lembrar o que escreveu o autor da Epístola
aos Hebreus [Hb 5:12–14].) Paulo considera espirituais os cristãos
amadurecidos que, cheios do Espírito, são capazes de dirigir a
construção do edifício de Deus.

a. Tão somente homens. 1Co 3:1–4

1. Mas eu, irmãos, n ão vos p ude falar c omo a esp irituais, mas [me
dirigi a vós] como a sensuais, como a bebês em Cristo.
a. Trato cortês. Cada vez que Paulo tem que repreender seus
leitores, sempre os trata como a seus iguais e pessoalmente. A palavra
irmãos, que também inclui as irmãs da congregação, comunica uma
mensagem de solidariedade. O trato é pastoral e comunica a preocupação
afetuosa de Paulo. Em contraste, os profetas do Antigo Testamento
nunca se dirigiram a seus leitores como a irmãos, mas severamente os
admoestaram usando as palavras assim diz Yahveh. Embora a mensagem
de Paulo seja categórica, ele se preocupa em mostrar unidade com os
destinatários de sua carta (veja-se, p. ex., 1Co 1:10, 11, 26; 2:1).
b. Mensagem. «… Eu … não vos pude falar como a espirituais, mas
[me dirigi a vós] como a sensuais». Note-se que Paulo usa o tempo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 153
passado, para indicar que se refere à primeira vez que visitou os coríntios
(1Co 2:1). Naquele tempo, muitos deles eram gentios que nunca tinham
ouvido a revelação de Deus nas Escrituras. Durante sua primeira visita a
Corinto, abordou-os com o evangelho, que eles aceitaram pela fé. Mas
agora Paulo enfrenta gente que não se conduz espiritualmente, mas
sensualmente. Fala deles como de «simples bebês em Cristo». Descreve
sua condição espiritual no momento que escreve sua carta. Critica os
coríntios por não poder entender o significado do evangelho de Cristo
que antes lhes proclamou. Com isso quer dizer-lhes que não obtiveram
nenhum progresso em seu crescimento espiritual. 1
c. Resultado. Paulo dá a entender que não os pode chamar
espirituais porque os considera sensuais (lit. carnais). 2 Mas se não são
espirituais (1Co 2:14), são ou não, cristãos? Sim, são cristãos, pelo fato
de que Paulo se dirige a toda a congregação em Corinto, a qual descreve
como santificada em Cristo Jesus (1Co 1:2). Depois declara que ele e os
coríntios receberam o Espírito (1Co 2:13). E finalmente, chama-os
irmãos, para fortalecer os laços de unidade com eles (1Co 3:1). Gordon
D. Fee observa «Alguém não pode ser cristão e estar desprovido do
Espírito. Por outro lado, os coríntios estão envoltos num montão de
condutas não cristãs; nesse sentido são ‘não espirituais’, não porque
careçam do Espírito, mas porque estão pensando e vivendo como os que
não o têm». 3
Paulo escreve estas palavras como uma severa admoestação. Em
geral os coríntios estão se comportando como a pessoa sensual do
mundo. Não só os chama sensuais, mas também chega a usar o termo
bebês. Em certo sentido Paulo está expressando uma contradição.
Anteriormente havia dito: «No entanto, falamos sabedoria entre os
1
Cf. James Francis, «‘As Babes in Christ’—Some Proposals Regarding 1 Corinthians 3.1–3», JSNT 7
(1980): 41–57.
2
Cf. BAGD, p. 743; Thayer, p. 569.
3
Gordon D. Fee (The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 123; D.A. Carson, The Cross and Christian
Ministry (Grand Rapids: Baker, 1993), pp. 70–71.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 154
amadurecidos» (veja-se o comentário a 1Co 2:6), mas agora descreve os
coríntios como bebês, embora bebês em Cristo. A maturidade não se
alcança no final de um período de prova. Paulo ensina que alguém
chegará à maturidade quando vier a ressurreição dos mortos (cf. Fp
3:11–15). «Isto quer dizer que, em agudo contraste com os conceitos
modernos do desenvolvimento, influenciados pela ciência da biologia,
para ele a maturidade é uma categoria escatológica». 4 Os cristãos
amadurecidos são aqueles que estão vivos em Jesus Cristo, que estão
cheios do Espírito Santo e que buscam glorificar a Deus o Pai.
No entanto, em 1 Coríntios 2:6 a palavra perfeito (traduzida
amadurecidos) conota que o crente vive a vida cristã interna e
externamente desde o momento que se apropria completamente do
evangelho. 5 Paulo faz uma diferença entre gente amadurecida e bebês
para induzir os coríntios à ação. Como bebês ainda consomem leite em
lugar de alimento sólido, e assim se mantêm como principiantes na fé.
Pode-se compará-los a um milionário que vive como um mendigo.
2. E lhes dei a beber leite, não a limento sólido, porque não ainda não
éreis capazes de consumir alimento só lido. Por certo qu e ainda não s ois
capazes.
Apesar de que Paulo os procura bebês, continua tratando-os com
delicadeza, pois os chama bebês em Cristo (cf. 1Ts 2:7; 1Pe 2:2).
Quando uma mãe percebe de que seu filho não se desenvolve
fisicamente como deveria, preocupa-se e consulta a um médico. Do
mesmo modo, Paulo, que toma o papel de pai dos coríntios «mediante o
evangelho» (1Co 4:15), tem um agudo interesse no crescimento
espiritual deles.
A metáfora é interessante. Paulo usa a mesma linguagem que o
escritor de Hebreus, quem também descreve o seu auditório como bebês
que consomem leite em vez de alimento sólido (Hb 5:12–14). O autor de

4
J. Stanley Glen, Pastoral Problems in First Corinthians (Londres: Epworth, 1965), p. 53.
5
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traducido por John Richard de Witt (Grand
Rapids: Eerdmans, 1975), p. 271.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 155
Hebreus explica que o leite como conceito metafórico alude às doutrinas
rudimentares da fé cristã. Por sua vez, Paulo usa a mesma figura de
dicção, porém não a explica. Deixa que a imaginação do leitor
subministre o significado da metáfora.
Em termos espirituais, o alimento sólido consiste na doutrina cristã
avançada. Paulo diz aos seus leitores que quando ele esteve com eles,
ainda não estavam preparados para alimento sólido. Naquele tempo só
lhes pôde ensinar as doutrinas elementares da salvação. Mas esse tempo
passou, e deveriam ser capazes de entender as doutrinas avançadas da fé
cristã. Com isto não quer dizer que suas cartas aos coríntios estejam
desprovidas de doutrina. Pelo contrário, a primeira carta de Paulo aos
coríntios está cheia de ensino sobre ética, eclesiologia e escatologia. O
comentário que Paulo faz neste versículo indica que o alimento que ele
dá aos coríntios «difere de forma, não em conteúdo». 6
3. Pois ain da sois n aturais. Porque até on de há ciú me e rixas entre
vós não é prova de q ue tendes uma inclinação não espiritual e que andais
nos caminhos do homem?
a. «Pois ainda sois naturais». Sem intenção de suavizar seus
sentimentos, Paulo diz aos coríntios que são naturais, isto é, que se
comportam como não espirituais.
Outras traduções desta palavra em itálico são:
«imaturos» (CB)
«carnais» (RA 1999, BJ, TB, NVI)
«seguis os baixos instintos» (NBE)
«vos guia o instinto» (BP)
«mundanos» (NIV)
No grego, Paulo usa o adjetivo sarkinos (carnudo) no versículo 1 e
sarkikos (carnal) no versículo 3. Embora as palavras são muito
parecidas, seu significado é distinto.

6
C.K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 81; Morna D. Hooker,
«Hard Sayings: 1 Corinthians 3:2», Theology 69 (1966): 19–22.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 156
Um comentarista usa outro exemplo para descrever a diferença, e
fala de um objeto de couro ou um objeto coriáceo. 7 Um artigo feito de
pele dizemos que é de couro, mas quando à vista ou ao tato parece de
couro, então é coriáceo. Assim, a expressão carnudo (sarkinos) refere-se
à própria substância da carne, enquanto carnal (sarkikos) descreve sua
aparência e características. A primeira palavra aponta a uma substância
que não muda, a segunda a uma característica que poderia mudar.
Qual é a diferença entre a palavra natural, que aparece aqui, e a
palavra não espiritual de 1Co 2:14? Paulo afirma que os coríntios se
identificam a tal grau com o povo do mundo, que não se pode apreciar
nenhuma diferença no que se refere ao comportamento.
Como o Espírito não habita no incrédulo, este não é uma pessoa
espiritual e carece de percepção espiritual. Mas o crente que é afeiçoado
a seguir a forma de vida do mundo atrofia seu crescimento espiritual e,
portanto, deve ser chamado ao arrependimento. 8
b. «Porque até onde há ciúme e rixas entre vós». A razão pela qual
Paulo os repreende tão duramente está no fato de que os coríntios
estavam cheios de ciúme e rixas (1Co 1:11; Rm 13:13; 2Co 12:20; Gl
5:20). A fins do primeiro século da era cristã, quando Clemente escreveu
sua epístola aos coríntios, plenamente a par dos muitos problemas
congregacionais, usou com frequência os termos ciúme, inveja e rixas. 9
Ao selecionar palavras que descrevem a vida dos coríntios, Clemente
põe de relevo os vícios que por décadas infestaram suas vidas (cf. Tg
3:14). Ao carecer de amor uns pelos outros, os coríntios brigavam entre
si, comportando-se como gente não espiritual.
c. «Não é prova de que tendes uma inclinação não espiritual e que
andais nos caminhos do homem?». Paulo lança aos coríntios uma

7
G.G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 785. Veja-se também SB, vol. 3, p. 330.
8
Consulte-se Eduard Schweizer, TDNT, vol. 9, p. 663.
9
P. ex., 1 Clemente 3:2; 4:7; 5:5; 6:4; 9:1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 157
pergunta retórica que espera uma resposta positiva. Não há dúvida de
que são gente não espiritual que seguem os caminhos da carne. Não
obedecem a lei de Deus, e sim ao mundo. Com isto parecem indicar que
a presença do Espírito em suas vidas não tem nenhum valor. Sua conduta
diária não os distingue dos que não têm o Espírito. Seu andar nos
caminhos do homem é o contrário do que deveria ser a vida de um crente
(veja-se Sl. 1:3).
4. Porque quando um diz «Eu sou de Paulo» e out ro diz «Eu sou de
Apolo», não sois simples homens?
Paulo fez toda uma volta até chegar outra vez às palavras que ouviu
dos da Cloe (1Co 1:12). Depois da saudação e a ação de graças no
começo de sua carta, confrontou diretamente os coríntios com relação às
divisões que havia na igreja. Agora só toma duas das ordens que usavam
os coríntios: «Eu sou de Paulo» e «Eu sou de Apolo», sem repetir as
outras duas: «Eu sou de Cefas» e «Eu sou de Cristo». Por que não inclui
estes nomes? Paulo e Apolo tinham sido ministros do evangelho na
igreja de Corinto, enquanto Cefas não. E, sem dúvida, todo crente
afirmaria ser de Cristo (Rm 14:8). Na última parte do capítulo, no
entanto, Paulo menciona os três nomes de novo: Paulo, Apolo e Cefas.
A pergunta Não sois simples homens? é paralela à frase do
versículo precedente: «andais nos caminhos do homem» (v. 3). As duas
frases têm o fim de igualar os cristãos de Coríntios com a pessoa não
espiritual do mundo. Em outras palavras, Paulo compara os cristãos de
Corinto com sua contraparte mundana.

Considerações doutrinais em 1Co 3:1–4


De Gênesis 1 a Apocalipse 22, a Bíblia ensina de que há duas
classes de pessoas: crentes e incrédulos. 10 Ultimamente, muitos
introduziram outra categoria e falam de três tipos de pessoa: o
irregenerado, o cristão espiritual e o cristão carnal. Mas sabemos que a

10
P. ex., Gn 4:1–15; Sl. 73:15–28; Os 2:23; Mt 25:31–46; Ef 2:11–13; Ap 22:14,15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 158
Escritura é clara em repartir a humanidade em só dois grupos. Pode-se
provar que a Bíblia fala de que há um tipo de crente «nascido de novo»
que é também um cristão carnal? Com frequência se cita 1 Coríntios
3:1–4 como prova disto.
Embora Paulo repreenda os coríntios por serem crianças em Cristo
e por não terem obtido a maturidade que já deveriam ter, não afirma que
pertencem a uma classe separada da qual devem graduar-se para chegar a
ser cristãos espirituais. Paulo anima os coríntios a crescerem em graça,
conhecimento, fé, amor e santidade. 11 De fato, Pedro também sublinha a
necessidade de que o crente cresça espiritualmente (p. ex., 1Pe 2:2; 2Pe
3:18).
Ao longo de suas duas cartas aos coríntios, Paulo assinala que seus
leitores são cristãos espirituais. Aborda-os como santificados em Cristo
Jesus (1Co 1:2); diz-lhes que estão em Cristo Jesus, quem lhes foi feito
sabedoria, isto é, justiça, santidade e redenção (1Co 1:30); e lhes informa
que foram lavados, santificados e justificados no nome de Jesus Cristo
(1Co 6:11). Por último, chama-os nova criação em Cristo (2Co 5:17). 12
Os cristãos de Corinto eram gente espiritual que lutava com um
problema de conduta. Paulo os repreende por suas brigas e por uma
conduta que os punha ao mesmo nível que a gente do mundo. Não
obstante, depois de repreendê-los, lembra-lhes as riquezas espirituais que
têm em Jesus Cristo (1Co 3:21–23).

11
J.C. Ryle, Holiness: Its Nature, Hindrances, Difficulties, and Roots. (Reimpreso por Londres:
Clarke, 1956), p. xv. Veja-se também Ernest C. Reisinger, What Should We Think of «the Carnal
Christian»? (Edimburgo: Banner of Truth, 1978), p. 8.
12
Anthony A. Hoekema, Saved by Grace (Grand Rapids: Eerdmans; Exeter: Paternoster, 1989), p. 25.
Veja-se também sua contribuição a Five Views on Sanctification (Grand Rapids: Zondervan,
Academic Books, 1987), p. 189.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 159
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 3:1–3
Versículos 1–2
_δυνήθην — este verbo é o aoristo de δύναμαι (=ser capaz). Com o
negativo ο_κ o verbo indica que Paulo quer dirigir-se aos coríntios como
a pessoas espirituais, mas a conduta deles não se o permite.
σαρκίνοις — quer dizer «carnudos». Em geral os adjetivos
terminados em –ινος comunicam a ideia de fato de. Os adjetivos
terminados em -ικος (como no v. 3, σαρκικοί, [carnal]) em geral dão a
ideia de semelhante a. A primeira categoria tem que ver com a
substância material, a segunda se relaciona com a ética. Paulo decidiu
usar deliberadamente σαρκίνοις no versículo 1 e σαρκικοί, no verso 3. 13
_λλ_ — no presente contexto este advérbio dá uma forte ideia
adversativa, que quer dizer: «Por certo que».

Versículo 3
_που — esta partícula não aponta a um lugar, e sim indica extensão
ou causa, e se traduz aqui por «até onde», «pelo fato de que».

b. Servos de Deus. 1Co 3:5–9

Um pastor não é ministro de uma congregação em particular, mas


acima de tudo é um ministro do evangelho de Jesus Cristo. É Cristo
quem o envia para ministrar como servo do povo de Deus. É isto o que
Paulo e Apolo estavam fazendo na igreja de Corinto. Como servos de
Cristo (1Co 4:1) esperavam que Deus abençoasse o seu trabalho.
5. O que, pois, é Apolo? e o que é Paulo? S ão servos por me io de
quem vós chegastes a ser crentes, se gundo a tarefa que o Senhor deu a
cada um.

13
BDF § 113.2.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 160
14
a. Perguntas. «O que é Apolo? e o que é Paulo?». Para Paulo o
importante não é a pessoa, mas sim a função que cumpre. O que conta é
o que e não quem. Três vezes menciona Paulo os nomes (vv. 4, 5, 22),
mas sempre numa ordem diferente, a fim de que nos fixemos no trabalho
que Paulo e Apolo faziam e não em suas pessoas. A conjunção pois
conecta as perguntas com o versículo que precede (v. 4), onde Paulo
repreendeu seus leitores pelo partidarismo que prevalecia na igreja de
Corinto. Diz-lhes que não deviam pôr sua atenção nas pessoas, e sim no
trabalho que desenvolvem em nome de Cristo.
Com frequência, Paulo usa perguntas retóricas que demandam uma
resposta positiva. Às vezes, até dá a reposta.
b. Resposta. «São servos por meio de quem vós chegastes a ser
crentes». Note-se que Paulo se chama a si mesmo e a Apolo com o
epíteto de servos, para que ninguém vá pensar incorretamente que eles
eram apóstolos rivais que trabalhavam em seus próprios projetos; são
servos de Cristo. 15 Além disso, W. Harold Mare observa que Paulo evita
usar a primeira pessoa plural, «somos servos», mas só diz que são
servos. «O ponto é que nenhum obreiro cristão deve jamais ser
idolatrado». 16
Segundo, o objetivo de um servo de Cristo é trazer às pessoas à fé
em Cristo. Quando prega fielmente a Palavra e a gente crê no evangelho,
ninguém deve exaltar ao pregador que tão somente cumpre com seu
trabalho (Lc 17:10). Só Cristo deve receber a glória e a honra (cf. Jo
3:30).
Terceiro, Paulo não usa o termo escravo, e sim servo. A diferença
radica em que o primeiro aponta para total submissão que alguém deve a

14
A grande maioria das traduções espanholas repetem o pronome interrogativo em ambas as
perguntas: «O que é, pois, Apolo? e o que é Paulo?» (CI, BJ, BP, LT, CB, NTT, NBE, HA, NC, VM).
O chamado Texto Majoritário investe a ordem dos dois nomes (RV60, VM).
15
Veja-se A. Dittberner, «‘Who is Apolos and who is Paul?’—1 Cor. 3:5», BibToday 71 (1974):
1549–52.
16
W. Harold Mare, 1 Corinthians, en el vol. 10 de la serie The Expositor’s Bible Commentary, editado
por Frank E. Gaebelein, 12 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 1976), p. 205.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 161
Cristo. O segundo tem que ver com o serviço que alguém subministra à
igreja e aos seus membros em nome de Cristo. 17 O próprio Senhor
comissionou a Paulo para ser um servo do evangelho de Cristo (veja-se
Ef 3:7; Cl 1:23).
c. Tarefa. «Segundo a tarefa que o Senhor deu a cada um». O
Senhor envia os Seus servos a realizar tarefas diferentes: Paulo servia
como um exímio mestre e Apolo como um orador eloquente. Paulo não
tem problema em admitir que há diferentes ministérios, porém não aceita
que os coríntios manifestem preferências que terminam criando facções.
Quer que os membros da igreja de Corinto evitem o ciúme e as rixas e
que promovam o vínculo de unidade, o amor e a comunhão.
6. Eu plantei, Apolo regou, mas é Deus quem deu o crescimento.
Esta é uma ilustração tomada diretamente da vida agrícola, onde os
camponeses plantam sementes ou brotos. Para que as sementes
germinem ou que os brotos desenvolvam raiz, o companheiro de tarefas
supre a água necessária para o campo. Espera-se que o agricultor prepare
a terra para que seja fértil. Isto inclui arar, fertilizar, espalhar a semente
ou colocar os brotos, regar, desmazelar, cultivar e desinfetar. Mas até
aqui chega a atividade humana, visto que não é capaz de fazer crescer as
plantas. O homem de boa vontade reconhece que não pode controlar o
clima. Não pode fazer com que o sol brilhe, o vento sopre e que a chuva
caia. Por conseguinte, não pode fazer com que as plantas cresçam e
depende completamente de Deus para sua colheita. É por isso que Paulo
acrescenta o adversativo mas, dizendo assim que é só Deus quem dá o
crescimento.
Do mesmo modo, Paulo pregou o evangelho em Corinto. Plantou
sementes onde ninguém tinha proclamado a Cristo. Um ano e meio mais
tarde, quando partiu para Éfeso, em Corinto tinha nascido uma nova
congregação. Quando Apolo veio para Corinto, subministrou a água
necessária. Ajudou-os demonstrando com as Escrituras que Jesus era o

17
Klaus Hess, NIDNTT, vol. 3, p. 548.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 162
Cristo (At 18:28). Mas todo o trabalho de Paulo e Apolo teria sido em
vão, se Deus não tivesse continuado fazendo crescer a igreja espiritual e
numericamente. Os verbos usados no texto grego indicam que o trabalho
de Paulo e Apolo era transitório, enquanto o de Deus é contínuo. Viria o
tempo em que Paulo e Apolo iriam embora de Corinto, enquanto Deus
continuaria fazendo a igreja crescer.
7. Pelo que nem o que planta é al guma coisa, nem o que re ga, mas
Deus, que dá o crescimento [RA].
O versículo 7 entrega a conclusão ao versículo precedente (v. 6):
não é o homem, e sim Deus quem recebe a glória e a honra pela obra que
se realiza na igreja. Paulo segue usando imagens tomadas da agricultura,
pois refere-se a «o que planta» e «o que rega». Contudo, o crédito não é
deles, não importa quão importante seja o seu trabalho. Deus recebe o
reconhecimento total. No grego, a palavra Theos (Deus) ocupa a posição
enfática no final da oração.
Note-se a conclusão na qual Paulo não menciona nome algum. Não
está interessado em nomes, e sim nos resultados. Através de todo o
mundo se realiza o trabalho de pregar e ensinar o evangelho, mas esta
obra tem fruto só se Deus a abençoar. Os coríntios têm que ver a mão de
Deus na obra realizada pelos ministros da Palavra. Os ministros são nada
em comparação com Deus. Se Deus quisesse, poderia levantar uma
igreja sem a ajuda de pregadores, mas decidiu usar pregadores para o
crescimento da igreja (Rm 10:14). Paulo não despreza a tarefa à qual os
pregadores são chamados. De maneira nenhuma! Não obstante, omite os
nomes de pessoas a propósito, para demonstrar aos leitores que Deus é
importante, não os pregadores.
8. Agora, aquele que planta e aquele que rega são um, mas cada um
receberá sua própria recomp ensa segundo como tiver feito seu próprio
trabalho.
a. Unidade. «Aquele que planta e aquele que rega são um».
Imaginemos a dois trabalhadores trabalhando duro no campo. Um planta
brotos, o outro os rega. Ambos têm um mesmo objetivo: que as plantas
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 163
cresçam e amadureçam para a colheita. Nem os dois trabalhadores nem
quem os vê trabalhar pensam em rivalidades ou disputas, mas em
unidade e cooperação.
Paulo e Apolo jamais pensaram em competir. Pelo contrário, como
conservos de Cristo, serviram à igreja de Corinto para a glória de Deus.
Por isso, Paulo pode dizer que ambos são um. No grego, o número um
aparece no gênero neutro, para indicar que as duas pessoas pertencem à
mesma categoria de trabalhadores no campo de lavoura de Deus.
b. Individualidade. Na segunda metade deste versículo, Paulo faz
notar que Deus não passa por alto o fator da individualidade: «mas cada
um receberá sua própria recompensa segundo como tiver feito seu
trabalho». Nos versículos que seguem, Paulo não restringe a aplicação
das palavras cada um, para que nós possamos aplicá-las a todos os
obreiros do reino de Deus. Esta parte do versículo diz que o obreiro
trabalha não para sua própria glória, senão para a glória de Deus.
Ilustremos o ponto com uma das parábolas. Um servo recebeu cinco
talentos, outro recebeu dois. Estes servos se esforçaram ao máximo, e
usando engenho e esforço duplicaram o dinheiro que seu amo lhes
encarregou. Quando o amo voltou, aquele que recebeu cinco, entregou-
lhe dez talentos e aquele que recebeu dois, entregou-lhe quatro. Cada um
recebeu louvor e aprovação pessoal pelo trabalho que fez (Mt 25:14–23).
Ao comprometer-se totalmente com seu amo, os dois servos mostraram
que lhe tinham um apego incondicional. Trabalharam para Ele, não para
si mesmos. As recompensas são o resultado da fidelidade. Não são a
razão nem o objetivo do trabalho dos servos.
9. Porque somos colegas de trabalho para De us, vós sois terreno de
lavoura de Deus, sois edifício de Deus.
a. «Porque somos colegas de trabalho para Deus». A expressão
colegas de trabalho, aponta à relação que se dava entre Paulo e Apolo ou
à relação que eles dois tinham com Deus? Dá-se expressão à primeira
interpretação traduzindo: «colegas de trabalho para Deus», à segunda:
«colegas de trabalho de Deus».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 164
Em favor da primeira interpretação está a conjunção porque, que
conecta ao versículo anterior (v. 8) com a primeira parte deste versículo.
Paulo argumenta que Apolo e ele não trabalham para si mesmos, mas
sim para Deus. 18 São trabalhadores no serviço de Deus, «em lugar de ser
colegas de Deus, são obreiros pagos por Ele». 19 De outra perspectiva, a
expressão colegas de trabalho conecta-se em outras passagens com
substantivos que nos dizem qual é o objetivo que se busca. Por exemplo,
Paulo escreve «somos colegas de trabalho para sua alegria» (2Co 1:24,
minha tradução) e «Tito é meu companheiro e colega de trabalho em seu
favor» (2Co 8:23, minha tradução; e veja-se 1Ts 3:2).
A segunda interpretação traduz «Nós somos colaboradores de
Deus». 20 Poderia aceitar-se esta tradução, sempre e quando ficar fora a
ideia de uma participação igualitária. Porque Deus e o homem nunca são
iguais na proclamação do evangelho, porque o homem não é mais que
um instrumento nas mãos de Deus e não trabalha com Ele, senão para
Ele (At 9:15).
Como o inglês permite traduzir o caso genitivo na forma
possessiva, muitos tradutores tomam este caminho (we are God’s fellow
workers), o que deixa sem resposta ao problema interpretativo. Em
português não é possível tomar esta posição neutra. Gordon D. Fee
observa que a posição enfática da palavra Deus, a qual aparece no caso
genitivo três vezes neste versículo, sugere a ideia possessiva, e conclui
que «o argumento do parágrafo como um todo sublinha a unidade deles
no trabalho que têm em comum sob a autoridade de Deus». 21 Contudo, a
tríplice repetição da palavra Deus (no genitivo) no versículo 9 não exclui

18
Cf. esta tradução: «Nós trabalhamos juntos para Deus» (NBE).
19
Barrett, First Corinthians, p. 86; Victor Paul Furnish, «Fellow Workers in God’s Service», JBL 80
(1961): 364–70; Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the
Corinthians, editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia: A
Critical and Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 74 n.53; BAGD, p.
788.
20
BP, CB, CI, RV60.
21
Fee, First Corinthians, p. 134.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 165
a possibilidade de que o primeiro caso seja um genitivo objetivo («para
Deus»). Esta possibilidade vê-se fortalecida por dois fatores: Primeiro, o
fato de haver uma mudança da primeira pessoa plural, somos
companheiros, à segunda pessoa plural, vós sois, torna factível que
também haja uma mudança de sentido quanto ao termo Deus, de maneira
que na primeira vez signifique para Deus e a segunda e terceira de Deus.
Segundo, esta possibilidade torna-se mais factível pelos versículos
precedentes (vv. 7 e 8), onde Deus é o agente.
b. «vós sois terreno de lavoura de Deus, sois edifício de Deus».
Paulo deixa os ministros para abordar agora os irmãos da congregação,
muda de somos para vós sois. No grego coloca o vós no final da oração
para lhe dar ênfase. Além disso, continua usando a figura do campo de
lavoura. 22 Considera-se que este terreno está ativo produzindo fruto? Ou
é tido como passivo, como quando está sendo cultivado? A segunda
interpretação se ajusta melhor ao contexto que a primeira. Isto é, por
meio da pregação do evangelho, Paulo e Apolo estão cultivando os
coríntios, a quem Paulo chama terreno de lavoura. Os coríntios devem
entender que os ministros não trabalham na igreja para si, senão para o
Senhor. «Disto se depreende que os coríntios estavam errados ao
identificar-se com os homens, visto que por direito eram propriedade de
Deus somente». 23
Da figura agrícola Paulo agora se volta a uma metáfora tirada da
arquitetura. «sois edifício de Deus». Assim como um campo se cultiva,
um edifício se constrói. Os edificadores trabalham para o Senhor (veja-se
Ef 2:19–22; 1Pe 2:5).

22
Os editores do EDNT, vol. 1, p. 246, sugerem que Paulo estava pensando numa vinha.
23
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, serie Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 72.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 166
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 3:5–9
Versículo 5
τί … τί — em ambos os casos o Texto Majoritário substitui o neutro
τί (o que?) pelo masculino τίς (quem?). Apesar do testemunho
manuscrito antigo que apoia o gênero masculino, o contexto demanda o
pronome interrogativo neutro. «Além disso, a implicação do neutro τί no
versículo 7 é decisiva para o τί do versículo 5 (pelo fato de que a
resposta é ‘nada’, a pergunta dificilmente poderia ser ‘quem?’)».24
_πολλώ … Πα_λος — o Textus Receptus (RC 1998) inverte a
ordem destes dois nomes, talvez para seguir a mesma sequência do
versículo anterior (v. 4). Contudo, a sequência que aqui mostramos é
apoiada por um melhor testemunho manuscrito.
καί — a conjunção deve ser entendida como explicativa, no sentido
de «isto é». 25

Versículos 6–7
η_ξανεν — é o imperfeito do verbo α_ξάνω (=dar crescimento) e
difere em tempo dos outros dois verbos (plantar e regar) do versículo 6.
Os últimos dois verbos estão em aoristo. O trabalho do homem (plantar e
regar) apresenta-se como uma ação que ocorre uma só vez, mas a obra
de Deus (dar crescimento) como uma ação que não termina.
_στε — esta partícula consecutiva quer dizer «portanto», «por
conseguinte». 26

24
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 548.
25
BDF § 442.9.
26
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 144.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 167
Versículos 8–9
_διον … _δον — o adjetivo descreve a singularidade e
individualidade da pessoa.
θεο_ … _σμεν συνεργοί — neste caso particular, o caso genitivo é
objetivo («para Deus» ou «para proveito de Deus»). 27
γεώργιον — este substantivo aponta a um campo que está sendo
arado ou cultivado.

c. Edificadores que trabalham para Deus. 1Co 3:10–15

Paulo usa repetidamente a imagem da construção em suas epístolas.


Representa os cristãos como o edifício de Deus (vv. 9, 16) e faz notar
que Cristo é o único alicerce (vv. 10–14; Ef 2:20). Descreve a vida
espiritual dos crentes como um processo de edificação (Ef 4:29; 1Ts
5:11). Também revela que os cristãos estão sendo edificados juntos em
Cristo (Ef 2:22; Cl 2:7).
10. Segundo a graça de Deus q ue me foi dada, c omo sábio chefe de
construção coloquei o alicerce e outro es tá edificando sobre ele. Mas que
cada um tome cuidado em como edifica sobre ele.
a. «Segundo a graça de Deus que me foi dada». Antes de continuar
o tema da edificação, Paulo reconhece a graça que recebeu de Deus. Não
pretende pertencer ao grupo fechado dos doze apóstolos nem ter
recebido o ensino que todos os dias lhes comunicou o Senhor. Paulo foi
chamado tempo depois de Cristo ascender e depois que o Espírito Santo
foi derramado. Sabe bem que ele foi a última pessoa a quem Cristo
apareceu, «como a um nascido fora de tempo» (1Co 15:8). Não obstante,
foi chamado para ser apóstolo. Paulo considerava este chamado como
um ato divino de graça, pelo qual dá graças repetidas vezes em suas
epístolas (veja-se, p. ex., 1Co 15:10; Rm 15:15; Gl 2:9; Ef 3:2, 7, 8).

27
R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament
for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 64.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 168
Com toda humildade, Paulo atribui sua posição de apóstolo à graça
que Deus lhe deu. Portanto, antes de sequer insinuar que ele foi o sábio
chefe de construção que começou a edificação da igreja de Corinto,
primeiro remove todo rastro de arrogância de sua parte ao aplicar o
apelativo de sábio, 28 pois afirma que é pela graça de Deus que chegou a
ser um construtor de igrejas.
b. «Como sábio chefe de construção coloquei o alicerce e outro está
edificando sobre ele». Paulo emprega termos que são familiares aos
coríntios que sabiam do item da construção, especialmente a conectada
com os templos. Paulo se confere o título de chefe de construção, que
apontava ao empreiteiro que fiscalizava a obra de numerosos
subcontratistas. O chefe de construção era responsável por fiscalizar
diariamente o trabalho de cada um dos construtores. Do mesmo modo,
Paulo tinha a tarefa de fiscalizar o trabalho realizado por seus
colaboradores que estavam edificando um templo espiritual em
Corinto. 29
Paulo se apresenta como um chefe de construção sábio e destro.
Antes de seus assistentes, Silas e Timóteo, chegarem (veja-se At 18:4,
5), Paulo já havia projetado os planos para colocar o alicerce da
estrutura. Por conseguinte, Paulo não é só o arquiteto (RA 1999), mas o
empreiteiro que, com a ajuda de seus subcontratistas, levanta um
edifício. Além disso, Paulo não se refere aos indivíduos cristãos que
compõem a igreja, mas à própria igreja.
A oração e outro está edificando sobre ele não deve ser tomada de
forma negativa, como se queria dizer que Apolo está recebendo da parte
dos coríntios um louvor e aprovação que não lhe corresponde. De
maneira nenhuma! Paulo colocou o alicerce, enquanto outros edificam a
estrutura, incluindo Apolo. De fato, o termo chefe de construção descarta

28
John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T. Lewis e
Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 179.
29
Jay Shanor, «Paul as Master Builder: Construction Terms in First Corinthians», NTS 34 (1988):
461–70.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 169
toda crítica negativa com relação à formação da igreja de Corinto, visto
que Paulo é o diretor da obra. Paulo e seus colaboradores só tinham uma
meta, ou seja, a edificação espiritual da igreja. Quando Paulo usa o verbo
edificar refere-se ao contínuo trabalho de edificar o corpo de Cristo. «A
comunidade cristã é edificada pela cooperação de todos os seus
participantes (1Co 3:10–15) e em unidade com apóstolos e profetas (Ef
2:20), para chegar a ser a simples santa comunidade do Senhor». 30
c. «Mas que cada um tome cuidado em como edifica sobre ele». Em
Romanos 15:20 Paulo diz: «Com efeito, meu propósito foi pregar o
evangelho onde Cristo não seja conhecido, para não edificar sobre
fundamento alheio». Na epístola aos Romanos, Paulo mostra qual é seu
costume, ou seja, não edificar sobre o fundamento de outro. Mas em
Corinto ele é o chefe de construção, que emprega numerosos pedreiros
para levantar uma estrutura sobre o alicerce que ele mesmo colocou.
Na última parte deste versículo, Paulo exorta os edificadores
produzir um trabalho de qualidade. Quer que cada pedreiro dê o melhor
de si. Segundo seu próprio exemplo, ele espera que todos os que
edificam sobre o alicerce que pôs, adotem a mesma ética trabalhista. Sua
tarefa é edificar cada membro da igreja, ensinando e pregando com
fidelidade o evangelho de Cristo.
11. Porque ningué m é capaz de colocar outr o alicerce que não seja
aquele que já foi colocado, isto é, Jesus Cristo.
a. Alicerce adequado. A palavra alicerce recebe a ênfase ao ocupar
o primeiro lugar do versículo. Toda casa e edifício necessita um alicerce
sólido. Se em muralhas construídas sobre uma sólida base aparecessem
gretas e fissuras significativas, sua origem não poderia ser devida ao
alicerce. A culpa recairia naqueles que descuidadamente construíram a
superestrutura.
Qual foi o alicerce que, pela graça de Deus, Paulo colocou em
Corinto? Foi o evangelho de Cristo. Assistido por Deus, Paulo executou

30
Jürgen Goetzmann, NIDNTT, vol. 2, p. 253.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 170
um trabalho notável quando levou o evangelho a uma cidade pagã
mundialmente conhecida por sua imoralidade. Os coríntios ouviram as
boas novas de salvação por meio de Jesus Cristo, ou seja, ouviram a
respeito da vinda em carne do Filho de Deus, do sofrimento, morte,
ressurreição e ascensão de Jesus. Ouviram da realidade do perdão e da
restauração para todo aquele que aceita Cristo com fé genuína. A pessoa
e obra de Jesus Cristo, tal como o revela a Escritura, é o verdadeiro
alicerce sobre o qual se edifica a igreja. Paulo espera que os ministros do
evangelho de Cristo edifiquem a igreja e que o façam fielmente, em
harmonia com o evangelho.
b. Alicerce inadequado. Paulo previne os coríntios que «ninguém é
capaz de colocar outro alicerce que não seja aquele que já foi colocado».
Com a advertência, «que cada um tome cuidado em como edifica sobre
ele» (v. 10b), alerta aos edificadores de que sua obra será julgada. 31
Nenhum obreiro no serviço do Senhor pode ensinar e pregar
impunemente um evangelho contrário ao evangelho de Cristo. Nenhum
pode colocar outro alicerce para substituir aquele que o próprio Deus
pôs. Se o fizer, será todo um fracasso. Nenhum teólogo pode adulterar o
evangelho sem sucumbir sob a ira de Deus (cf. v. 17). Os apóstolos
receberam este evangelho de Jesus, proclamaram-no a judeus e gentios e
o comunicaram à posteridade como sagrado depósito. Portanto, a igreja
não descansa em nenhuma outra base que não seja a revelação de Jesus
Cristo.
Ao falar assim, sem dúvida que Paulo estava se opondo àqueles que
estavam fazendo tudo o que podiam para mudar o fundamento sobre o
qual tinha sido construída a igreja de Corinto.
12, 13. Agora, se alguém edificar sobre este alicerce com ouro, prata,
pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a obra de cada um ficará a
descoberto; porque o dia a trará à luz, pois com fogo se revelará. E o fogo
comprovará que tipo de obra cada um realizou.

31
Craig A. Evans, «How Are the Apostles Judged? A Note on 1 Corinthians 3:10–15», JETS 27
(1984): 149–50.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 171
a. «Agora, se alguém edificar sobre este alicerce». Paulo não se
refere ao fundamento, mas ao edifício, à edificação que os obreiros estão
levantando na igreja de Deus. A frase se alguém é o suficientemente
ampla para abranger cada uma das pessoas que ativamente trabalha em
favor do Senhor. Em outras palavras, o termo alguém não se limita a
pregadores e mestres do evangelho. Cada crente deve estar edificando
sobre o alicerce da Palavra de Deus.
b. «Com ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha». A
figura que Paulo usa não deve ser interpretada de forma literal ou
alegórica, nem deve ser aplicada de forma incorreta. A metáfora quer
comunicar que a qualidade do edifício deve ser como a do alicerce. Os
materiais usados para construir a estrutura devem combinar com a
durabilidade e magnificência do fundamento.
Se o alicerce que Deus colocou é a revelação em Jesus Cristo, então
o edifício deveria refletir essa revelação em cada fase de sua construção.
Paulo menciona seis artigos que apresenta em ordem descendente de
qualidade. Dos seis, o ouro é o mais fino e a palha o mais comum. Na
antiguidade, os templos eram construídos de mármore e adornados com
ouro e prata. As casas comuns eram construídas de madeira e tijolos
misturados com feno ou palha. É óbvio que ninguém construirá uma casa
de puro ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha. Por si só,
estes materiais não se prestam para construir uma casa completa.
Não obstante, Paulo usa esta figura para mostrar o que fazem as
pessoas com a revelação de Jesus Cristo. Alguns vivem segundo essa
Palavra, aplicam-na à sua vida diária e se vão desenvolvendo
espiritualmente à medida que buscam edificar-se e edificar os seus
irmãos. Estas pessoas estarão vitalmente interessadas na sã doutrina e na
«pregação pura da Palavra [de Deus]». 32 Edificam suas casas espirituais
com os metais e pedras preciosas da Palavra viva. Mas outros vivem

32
Calvin, 1 Corinthians, p. 75.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 172
vidas superficiais com uma aparência de cristianismo; e parecem estar
satisfeitos vivendo em casas comuns feitas de madeira, feno e palha. 33
c. «A obra de cada um ficará a descoberto». Esta é a conclusão da
primeira cláusula da oração condicional que Paulo começou no verso 12.
Interrompe a metáfora da edificação para chamar a atenção, não ao
trabalho coletivo da igreja, e sim ao trabalho de cada crente. Cada um
deverá dar conta do que fez com a revelação que Deus deu a respeito de
Seu Filho. Assim como na parábola dos talentos ou das minas cada servo
devia comparecer diante de seu senhor (Mt 25:14–30; Lc 19:11–27),
deste modo todos individualmente terão que apresentar-se diante do
Senhor quando chegar o juízo final (Ap 20:11–15).
Paulo usa o tempo futuro para prevenir os coríntios de que chegará
o momento em que a obra de cada um se tornará evidente. Os livros
serão abertos e cada um será julgado segundo as obras que ali estiverem
registradas (Ap 20:12). Nesta vida um homem pode ocultar o que faz,
mas Paulo adverte que logo chegará o dia em que tudo o que fazemos
será público. Virá à luz tudo o que fizemos ou deixamos de fazer por
Cristo.
d. «Porque o dia trará à luz». Fala-se do dia do juízo, ao qual Paulo
alude com frequência. 34 O objeto direto do verbo trará à luz é o
substantivo obra da oração anterior, aqui representado pelo pronome a
(=a ela, a obra). O dia do juízo final 35 porá a descoberto as obras de
todos os homens.
e. «Pois com fogo se revelará». A forma em que está construída esta
oração causou problemas exegéticos, visto que o verbo será revelada
não tem sujeito. Neste caso existem duas possibilidades, o texto poderia
querer dizer que o dia será revelado ou que a obra será revelada. Os que
33
J.M. Ford fala da festa dos tabernáculos, quando o povo construía estruturas temporais feitas de
madeira, feno ou palha. Embora seja valioso levar em conta o caráter temporal da estrutura, a
explicação de que o povo decorava estas habitações com ouro, prata e pedras preciosas é pouco
convinciente. «You Are God’s ‘Sukkah’ (1 Cor.iii.10–17)», NTS 21 (1974): 139–42.
34
Veja-se Rm 13:12; 1Co 1:8; 4:5; 2Co 5:10; 1Ts 5:4; 2Ts 1:7–10; 2Tm 1:12, 18; 4:8.
35
Alguns traduzem «o dia do Juízo» (LT), «o dia [do Senhor]» (CI, cf. CB), «o Dia» (BJ).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 173
creem que se fala do dia, traduzem o versículo desta maneira: «a obra de
cada um aparecerá tal como é, porque o dia do Juízo, que se revelará por
meio do fogo, a porá de manifesto» (LT). Os que afirmam que se procura
a obra, traduzem: «pois pelo fogo será descoberta» (RA 1999). O
particípio feminino «descoberta» indica que a RA 1999 está pensando na
obra, não no dia.
Ambas as traduções são possíveis, mas os estudiosos preferem
pensar que é o dia aquele que será revelado. Isto se apoia nas seguintes
considerações: Primeiro estão os textos paralelos. Por exemplo, quando
Paulo escreve a respeito da segunda vinda de Cristo, afirma que «isto
sucederá quando o Senhor Jesus se manifestar do céu entre chamas de
fogo» (2Ts 1:7; veja-se também Ml. 4:1). Segundo, se se adotar obra
como sujeito, a seguinte cláusula é praticamente idêntica. E por último,
se se usa o termo obra, não soa bem dizer «por fogo [a obra] será
revelada» (v. 13) e depois acrescentar: «se a obra de alguém se queimar»
(v. 15, RA). Revelar a obra de alguém não é exatamente o mesmo que
destruí-la com fogo. É melhor escolher o dia como sujeito e tomar o
verbo como reflexivo: «o dia se revelará a si mesmo por meio do fogo».
f. «E o fogo comprovará que tipo de obra cada um realizou». Paulo
não está dizendo necessariamente que a obra equivale a um edifício que
se constrói. De um ponto de vista espiritual, a prova do fogo não
determina o destino eterno dos coríntios (cf. v. 15), mas antes, determina
«se dentro do contexto da salvação, eles receberão ou não,
recompensas». 36
Quais são os fatores determinantes neste processo de prova? Os
fatores são a fé em Jesus Cristo (veja-se o v. 5) e a presença do Espírito
Santo no coração dos crentes (v. 16; 6:19). 37 As recompensas são dadas
com base na ativa obediência a Cristo e são obtidas num espírito humilde
de gratidão.
36
Charles W. Fishburne, «1 Corinthians III.10–15 and the Testament of Abraham», NTS 17 (1970–
71):114.
37
Hermann Haarbeck, NIDNTT, vol. 3, p. 809.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 174
14, 15. Se a obra que alguém edificou permanecer, receberá
recompensa. Se a obra de alguém se queimar, s ofrerá perda, mas ele
mesmo será salvo, e isto como por fogo.
a. Primeira condição. Paulo conclui esta parte de seu discurso com
duas orações condicionais. Comecemos pela primeira: «Se a obra que
alguém edificou permanecer». Esta parte do versículo introduz o
conceito de permanência. Ao examinar atentamente o que Paulo disse a
respeito da edificação de um edifício, percebemos que para ele Jesus
Cristo é o alicerce da estrutura (vv. 10, 11). Também advertiu os
coríntios de que deviam tomar cuidado em como edificavam sobre o
fundamento. Seu raciocínio era que, se o alicerce for magnífico, o
edifício deve ser igualmente valioso. O uso de materiais nobres (ouro,
prata e pedras preciosas) no edifício será a única forma de complementar
adequadamente esse custoso alicerce que é Jesus Cristo. O obreiro fiel
que edifica a igreja tem metas de grande alcance, usa materiais custosos
e se orgulha em fazer trabalhos de qualidade. A antiga ilustração sobre o
pedreiro é apropriada:
Uma vez uma pessoa passou por uma construção e viu dois
pedreiros assentando tijolos. Aproximou-se a um e lhe perguntou o que
estava fazendo. O homem lhe respondeu asperamente: «Acaso és cego,
não vês que estou pondo tijolos!». Depois foi onde ao outro pedreiro e
também lhe perguntou o que estava fazendo. O homem exclamou com
orgulho: «Meu amigo, estou construindo uma catedral!».
A conclusão da primeira oração condicional ensina que um obreiro
diligente «receberá recompensa». Paulo repete aqui o que já disse no
versículo 8, «cada um receberá sua própria recompensa». Em que forma
usa Paulo a palavra recompensa nesta carta? Em outra parte Paulo afirma
que ele prega o evangelho, mas recusa aceitar que lhe paguem pelo que
faz, apesar de que «O Senhor instruiu aos que pregam o evangelho que
ganhem a vida com o evangelho» (1Co 9:14). Mas Paulo não quer estar
preso a ninguém, pois crê que a recompensa é recebida por aquele que
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 175
38
fez algo voluntariamente. Entrega-se recompensas à pessoa que fez
algo que não estava obrigada a fazer, de outra forma seria uma coisa
ganha como pagamento por boas obras. Paulo não está ensinando aos
coríntios a acumular méritos pelo trabalho que fazem para o Senhor.
Pelo contrário, ele mesmo exclama com alegria que sua obra ele a realiza
«pela graça de Deus» que foi dada (v. 10). O cristão não vive como caça
recompensa, mas por graça e misericórdia (cf. Lc 17:10). Só assim o
Senhor coroará o esforço do crente com bênçãos indispensáveis e ainda
louvará o obreiro diligente (1Co 4:5). Esta é a forma em que o cristão
fiel recebe suas recompensas.
segunda b. condição. «Se a obra de alguém se queimar, sofrerá
perda». Este é o outro lado da moeda. O fogo ardente destrói todo
material inflamável, incluindo a madeira, o feno e a palha. Quando o
fogo se apaga, percebe-se quanto se perdeu.
É fácil dizer que este versículo (v. 15) limita-se aos pregadores do
evangelho que são negligentes em suas tarefas e que veem esfumar-se
todos os seus esforços. Mas o texto aponta a todos os crentes e, desta
forma, adverte-nos que nunca devemos ser negligentes, mas sim
devemos trabalhar com esmero pela causa do Senhor. 39
«Mas ele mesmo será salvo, e isto como por fogo». Apesar de o
crente irresponsável sofrer perda, Deus em Sua graça ainda lhe concede
o dom da salvação. John Albert Bengel descreve graficamente o conceito
salvação comparando ao crente salvo por fogo com um «comerciante
que, tendo naufragado e perdido todas suas mercadorias e dinheiro,
consegue chegar à margem com a ajuda das ondas». 40 Isto não quer dizer
que todo aquele que levar a cabo a obra que Cristo lhe atribuiu será salvo
(Mt 7:21–23). A salvação é um ato da graça de Deus através da obra
38
Paul Christoph Böttger, NIDNTT, vol. 3, p. 142; Hebert Preisker, TDNT, vol. 4, p. 722; C.
Crowther, «Works, Works and Good Works», ExpT 81 (1970): 166–71.
39
James E. Rosscup conclui que Paulo combina símbolos que agradecem a Cristo e recompensam o
crente: sã doutrina, atividade, motivação e caráter. «A New Look at 1 Corinthians 3:12—‘Gold,
Silver, Precious Stones’», MSJ 1 (1990): 33–51.
40
Bengel, New Testament Commentary, vol. 2, p. 181.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 176
expiatória de Cristo na cruz. Ninguém entra no céu com base em suas
boas obras, porque o Senhor disse que o sumo sacerdote Josué, quem era
acusado por Satanás, era «um tição arrebatado do incêndio» (Zc 3:2; Jd.
23).

Considerações práticas em 1Co 3:10–12


Quando uma pessoa que pratica a medicina ou a advocacia abre um
escritório em determinado lugar, o mais provável é que permaneça ali até
aposentar-se. Em geral o médico ou o advogado tem um sentido de
serviço à comunidade e geralmente não sente a necessidade de mudar
para outras áreas.
Mas o pastor em geral se traslada a cada quatro ou cinco anos, e se
aposenta tendo servido à uma meia dúzia de congregações. Durante seus
primeiros anos de ministério tende a trasladar-se cada quatro anos, mas
depois fica dez ou mais anos numa congregação. São poucos os pastores
que se mantêm numa congregação por vinte, trinta ou quarenta anos.
Quando um pastor fica mais de vinte anos numa igreja, a gente começa a
identificar a essa congregação pelo nome do pastor. O pastor converte-se
na única força que empurra à congregação. Desta maneira, corre-se o
perigo de que a congregação se divida quando o pastor se retire ou
morra.
Algumas igrejas floresceram durante longos pastorados, enquanto
outras desfrutaram que uma variedade de dons e talentos de pastores que
serviram por períodos curtos. Seja como for, as igrejas não devem estar
edificadas sobre o nome ou os talentos de um só pastor, e sim sobre o
sólido alicerce de Jesus Cristo. Se assim ocorrer, a congregação se
manterá robusta e continuará crescendo. Como os pastores vão e vêm, a
igreja fundada sobre Jesus Cristo permanecerá para sempre.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 177
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 3:10–15
Versículos 10–11
το_ θεο_ — alguns manuscritos não registram as palavras de Deus,
as que provavelmente foram eliminadas porque também aparecem no
versículo precedente (v. 9). É mais fácil explicar por que foram tiradas
do texto que explicar por que alguém as introduziu. Aplicando a regra de
que a leitura mais difícil é a original, aceitamos as palavras como
genuínas.
παρά — esta preposição pode significar «contrário a», «outro que»,
«que não seja» (cf. Lc 13:2,4; Rm 14:5). 41

Versículos 12–13
ε_— a partícula introduz uma condição que aponta para um fato
que se supõe real. A condição começa no versículo 12 e termina na
primeira parte do versículo 13. Paulo se refere a condições que vê na
congregação de Corinto, por isso aponta para fatos, não a probabilidades.
_κάστου — Paulo acentua a responsabilidade individual mediante o
uso do adjetivo cada (um) que aparece quatro vezes em seis versículos
(vv. 8, 10, 13 [bis.]).
_ροκαλύπτεται — é o tempo presente do verbo _ποκαλύπτω
(=revelar), mas a forma nos diz que se poderia procurar a voz passiva («é
revelado») ou a voz média («revela-se»). A voz média é aqui um sentido
apropriado. É preciso notar, além disso, que o sujeito é o dia.

Versículos 14–15
ε_ τινος τ_ _ργον — a mesma frase («a obra de alguém») aparece
nos versículos 14 e 15, enquanto os verbos permanece e se queima

41
Moule, Idiom-Book, p. 51.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 178
comunicam ideias opostas. As condições se referem a um fato real, assim
que suas conclusões falam de recompensa ou perda.
ζημιωθήσεται — é o futuro, voz passiva, de ζημιόω (sofrer perda ou
confisco). O verbo refere-se a alguém que perde algo ou é multado. O
conceito de perda é a melhor das duas interpretações.
διά πυρός — seguida do caso genitivo, esta preposição dá a ideia de
«passar entre ou através de». 42

d. O templo de Deus. 1Co 3:16–17

Paulo segue usando a figura da construção, mas agora nos revela


que não se refere a uma estrutura comum que serve aos que a constroem.
Fala, em vez disso, do templo de Deus (cf. o v. 9), o qual é santo. Se
alguém pretende destruir este templo, terá Deus como seu inimigo e será
completamente destruído.
16. Acaso não sabem que sois o temp lo de Deus e que o Espírito de
Deus vive dentro de vós?
a. «Acaso não sabeis?». Paulo realmente não está perguntado, está
repreendendo os coríntios. Ele os repreende por não saber qual é o seu
estado e lugar com relação a Deus. Ao se tornar cristãos deveriam ter
percebido que o Espírito Santo vive dentro deles e que permanece neles.
Em outras cartas, Paulo afirma claramente: «somos templo do Deus
vivo» (2Co 6:16) e «todo o edifício … vai levantando para chegar a ser
um templo santo no Senhor» (Ef 2:21). Agora censura os coríntios pela
negligência e indolência que demonstram ao não aplicar o conhecimento
adquirido (1Co 1:5; 8:1).

Em grego, o verbo saber aponta para o conhecimento inerente que


cada cristão deve ter. Sabem que são o templo de Deus. No entanto,

42
Robertson, p. 582.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 179
Paulo não nos diz como é que desenvolveram este conhecimento. Dá por
sentado que eles dirigem esta informação. 43
b. «Que são o templo de Deus». Duas coisas fazem desta
construção gramatical algo único: primeiro, que a expressão templo está
no singular (veja-se 1Co 6:19) e, segundo, que no grego não vem
precedida de artigo definido. A palavra grega que se usa é naos, a qual
aponta ao próprio templo, sem incluir todo o complexo que o rodeia
(para o qual se usa hieron). Em suas epístolas, Paulo quase se limita a
usar naos, a palavra que aponta só ao templo, para indicar que Deus fez
habitar ali Seu nome divino (1Rs 8:16–20). 44
Para Paulo e os coríntios, o templo de Deus é a igreja, o corpo de
crentes. Mesmo quando Paulo cumpriu um voto (At 18:18) e apresentou
ofertas no templo de Jerusalém (At 21:23–26), para ele o templo
espiritual era a igreja universal. Também sabia que se a igreja deixar de
obedecer a Palavra de Deus, pouco a pouco o ímpio se apoderaria dela
com o fim de viver nesse templo (2Ts 2:4).
Contudo, o templo da igreja pertence a Deus, não a Satanás. Paulo
omite a propósito o artigo definido diante de naos, para indicar um uso
absoluto do termo. Para ele não há outro templo que não seja a igreja de
Jesus Cristo, pois ali aprouve à deidade habitar. Se não há outro templo,
não há necessidade do artigo definido.
c. «O Espírito de Deus vive dentro de vós». A igreja é santa porque
o Espírito de Deus habita nos corações e vidas dos crentes. Em 1Co 6:19
Paulo indica que o Espírito Santo vive nos corpos físicos dos crentes.
Aqui, pelo contrário, diz aos coríntios que o Espírito está presente neles
e de que eles são o templo de Deus.

43
Donald W. Burdick, «ο_δα and γινώσκω in the Pauline Epistles», em New Dimensions in New
Testament Study, editado por Richard N. Longenecker e Merrill C. Tenney (Grand Rapids:
Zondervan, 1974), p. 347.
44
Veja-se 1Co 3:16, 17 [bis.]; 6:19; 2Co 6:16 [bis.]; Ef 2:21; 2Ts 2:4. Uma só vez fala do complexo
do templo (hieron), quando fala de que os operários cristãos devem ser apoiados economicamente
(1Co 9:13; cf. Dt 18:1).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 180
Os coríntios deviam saber que tinham recebido o dom do Espírito
de Deus. Paulo já lhes fez ver que eles não tinham recebido o espírito do
mundo, e sim o Espírito de Deus (1Co 2:12). O apóstolo ensina que os
cristãos são pessoas controladas pelo Espírito de Deus que vive neles
(Rm 8:9), não pela natureza humana pecaminosa.
Os cristãos de Corinto comportavam-se de maneira repreensível,
pois via-se em seu meio brigas, ciúme, imoralidade e um ambiente
permissivo. Essa conduta era um sacrilégio ao templo de Deus. Como
Paulo diz em outra epístola, estavam entristecendo o Espírito Santo (Ef
4:30; cf. 1Ts 5:19).
17. Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o
templo de Deus, que sois vós, é santo [RC].
a. Uma condição. «Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o
destruirá». De fato, Paulo quer dizer que, ao escrever esta epístola, estão
presentes os elementos que podem destruir o templo de Deus. Sem
identificá-los pelo nome, fala daqueles que não têm o Espírito de Deus,
quem a propósito está arruinando, corrompendo e destruindo a igreja.
Com sua forma de vida mundana estão influindo os membros da igreja.
O verbo destruir aparece duas vezes no grego: é a última palavra da
oração subordinada, e a primeira palavra da oração subordinante. Em
português deveria dizer algo como: «Se alguém o templo de Deus
destruir, destruído será por Deus». Paulo quer sublinhar que a igreja é o
templo de Deus; quem procurar destruir este templo, seja por doutrina ou
forma de vida, fica sob a ira de Deus. Em suma, Deus o destruirá. Não se
trata só da lei da retaliação — que cada um recebe o que merece — trata-
se de que a igreja é para Deus como a menina de Seus olhos (cf. Zc 2:8).
Quem toca na igreja, toca em Deus.
b. A razão. «Porque o templo de Deus, que sois vós, é santo». Por
que Deus protege a igreja e destrói os seus inimigos? Porque a igreja é
propriedade de Deus e está separada do mundo (2Co 6:14–16). A igreja é
santa em Cristo e como tal permanece diante de Deus sem mancha nem
ruga (Ef 5:27). Paulo fala aos coríntios de uma forma muito pessoal e
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 181
lhes diz com firmeza que eles são o templo de Deus. Apesar de seus
pecados, estes crentes foram santificados em Cristo e chamados para ser
santos (1Co 1:2). A igreja é santa porque Deus é santo. Uma confissão
de fé do século XVII declara:
«A igreja existiu desde o princípio do mundo e permanecerá até o
final. Isto se depreende do fato de que Cristo é o Rei eterno, e como tal
não pode carecer de súditos. Além disso, Deus preserva esta santa igreja
da ira de todo o mundo. Jamais será destruída, embora por um tempo
pareça muito pequena e até apareça como seu tivesse desaparecido». 45

Considerações práticas em 1Co 3:16–17


Quando os israelitas construíram um tabernáculo no deserto e, anos
mais tarde, um templo em Jerusalém, as nações zombaram deles porque
os israelitas tiveram que dizer que o templo não tinha imagens nem
ídolos. Os pagãos lhes perguntavam: «Onde está o vosso Deus?». No
templo só habitava o nome de Deus. Isto contrastava com o costume
pagão de pôr ídolos que representavam os seus deuses.
Quando Paulo ensinou aos coríntios que eles eram o templo de
Deus, os pagãos da cidade ficaram assombrados; não podiam entender
que um grupo de cristãos pusessem em si o nome de «templo» e que
dissessem que o Espírito de Deus habitava neles. Para os gentios era
difícil pensar num templo que não tinha edifício. Não eram capazes de
entender como o Deus invisível dos cristãos podia habitar num corpo
humano visível.
As igrejas que espiritualmente procedem da Reforma do século
XVI têm edifícios dedicados à adoração que são simples e
aparentemente vazios. Além do púlpito, os bancas, o batistério e a mesa
da Ceia, o edifício parece vazio. Contudo, sobre o púlpito pode ser vista
a Bíblia aberta. O povo adora ao Senhor recebendo e respondendo à

45
Confissão Belga, artigo 27 (o itálico é meu).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 182
proclamação da Palavra. Não adoram a Bíblia, mas ao Deus que lhes fala
através dela.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 3:16–17


ναός — “«o templo». O substantivo aparece sem o artigo definido,
o que quer dizer que é o único templo em seu gênero” 46 e que a palavra
é usada em certo sentido absoluto. No versículo 17, o substantivo
aparece duas vezes com o artigo, mas nestes casos o artigo tem a
conotação de este ou o recém-mencionado templo.
φθερε_ — é o futuro indicativo do verbo φθείρω (=destruir). Uma
leitura variante registra o tempo presente φθείρει. É muito provável que
esta forma no tempo presente tenha surgido por influência do idêntico
tempo presente que o precede de forma imediata.

e. Advertência e conclusão. 1Co 3:18–23

Paulo chega ao final de seu discurso sobre as tensões que ocorriam


na igreja de Corinto. Lembrou aos crentes as riquezas espirituais que
possuem, especialmente as que desfrutam em Cristo e no Espírito Santo.
Agora os adverte com severidade de que não se devem crer sábios em
sua própria opinião, pois isso é insensatez diante de Deus. Antes,
deveriam estar totalmente conscientes de suas posses, porque tudo lhes
pertence em Cristo.
18. Que ninguém se engane a si me smo. Se algué m de vós crê-se
sábio neste século, que se faça néscio para chegar a ser sábio.
a. «Que ninguém se engane a si mesmo». Nós esperaríamos que
Paulo tivesse elaborado uma conclusão à discussão precedente a respeito
do alicerce, edificação e o templo de Deus. Pelo contrário, o que faz é
prevenir os seus leitores contra o autoengano, que é o que Paulo afirma
está ocorrendo na igreja de Corinto. Sua intenção é adverti-los de que

46
Robertson, pp. 794–795; Parry, The Epistle to the Corinthians, p. 68.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 183
correm o perigo de apartar-se do verdadeiro ensino da Palavra de Deus.
Tanto Paulo como Tiago admoestaram mais de uma vez: «Não vos
enganeis». 47 Alguém se engana a si mesmo quando procura justificar
seus pensamentos, palavras e ações, recusando admitir que está errado. A
que autoengano em particular Paulo se refere? A resposta está na
seguinte oração.
b. «Se alguém de vós crê-se sábio neste século». Primeiro, o
apóstolo se dirige a todos os irmãos da igreja de Corinto, a mestres e
líderes, a alunos e membresia, a membros e aderentes. Notemos que, ao
dirigir-se aos seus leitores, volta a usar a frase se alguém (vv. 12, 17).
Segundo, em lugar de usar o conjunto de imagens tomado da
agricultura ou da construção, Paulo volta para a linguagem usada em sua
discussão anterior sobre a sabedoria (1Co 1:20–25; 2:6, veja-se também
1Co 4:10). Embora deva ter causado surpresa aos seus leitores que
voltasse ao que disse antes, para ele a base de tudo estava em suas
observações a respeito da sabedoria. Os coríntios se enganavam porque
se deixavam cativar pela sabedoria do mundo.
Terceiro, Paulo especifica que a sabedoria que seduz os crentes tem
sua origem neste século. A sabedoria do mundo se manifesta em gente
que busca ser independente, ter o controle de sua própria vida e
administrar todos os seus assuntos, sem submeter-se ao senhorio de
Cristo. 48
c. «Que se faça néscio para chegar a ser sábio». Esta afirmação
significa que os coríntios deviam dar uma volta de cento e oitenta graus.
Deviam rejeitar a sabedoria mundana e fazer-se néscios aos olhos do
mundo. Os coríntios deviam notar o contraste que há entre o cristianismo
e o mundo, para logo aceitar a etiqueta de néscio. Mencionemos um ou
dois exemplos da insensatez cristã. Os cristãos obedecem o mandamento
de Jesus de amar os inimigos (Mt 5:44; Lc 6:27). Pelo contrário, o

47
Veja-se 1Co 6:9; 15:33; Gl 6:7; 2Ts 2:3; Tg 1:16.
48
Calvin, 1 Corinthians, p. 80.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 184
mundo prescreve o lema de Você me pagará por isso! Jesus ensina aos
Seus seguidores que devem dar generosamente a todo aquele que tiver
necessidade (Lc 6:30, 38). Mas o mundo promove o individualismo: «o
que é meu é meu». Para o mundo os ensinos de Jesus são tolos. No
entanto, Paulo ensina aos seus leitores que se eles se fizerem néscios aos
olhos do mundo, conseguirão ser sábios aos olhos de Deus.
A meta de Paulo é conseguir que os coríntios sigam os preceitos do
evangelho de Cristo. O Senhor deve ser seu guia, devem confiar nEle por
completo para adquirir sabedoria celestial (Tg 1:5). O cristão que
obedientemente obedece a voz de seu Senhor, realiza com humildade as
obras que emanam de um coração sábio e entendido. O tal possui uma
sabedoria celestial que é «pura, … pacífica, bondosa, dócil, cheia de
compaixão e de bons frutos, imparcial e sincera» (Tg 3:17).
19, 20. Porque a sabedoria deste mundo é insensatez para com Deus,
porque está escrito: «Ele prende os sábios em sua astúcia». E outra ve z:
«O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são vãos».
Neste resumo, Paulo repete o que expressou anteriormente, ao
perguntar: «Acaso Deus não tornou em insensatez a sabedoria deste
mundo?» (1Co 1:20). A frase deste mundo é paralela a neste século (v.
18), e ambas as expressões aparecem no discurso sobre a sabedoria e a
insensatez (1Co 1:20). Pelo fato de que o eixo da discussão encontra-se
no contraste que há entre o mundo e a comunidade cristã, Paulo crê que é
necessário reiterar seu ensino a respeito da sabedoria do mundo. Em
palavras do Charles Hodge: «Até a verdade ou o conhecimento
verdadeiro converte-se em insensatez, se for usado para conseguir uma
meta para a qual não foi desenhado». 49
Além disso, Paulo fundamenta seu ensino na Escritura. Em 1Co
1:19 citou Isaías 29:14, agora cita o livro de Jó e um Salmo, para mostrar
que Deus detesta a sabedoria que se origina no coração do homem.

49
Charles Hodge, An Exposition of the First Epistle to the Corinthians (1857; reimpresso por Grand
Rapids: Eerdmans, 1965), p. 60.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 185
Na primeira citação (v. 19), Paulo traduz literalmente do texto
hebraico de Jó 5:13. 50 A citação é parte de um longo discurso que Elifaz,
o temanita dirige a Jó. Elifaz compara Deus com um caçador que prende
Jó em sua astúcia. Em certo sentido, a citação é tirada de seu contexto.
Paulo a usa porque contém a palavra-chave sábio. Não obstante, o texto
aplica-se diretamente aos sábios do tempo de Paulo, que ambiciosamente
buscavam promover a causa de sua mundana sabedoria. Mas como esta é
uma sabedoria sem Deus, o Senhor prende os sábios em sua própria
astúcia, convertendo sua sabedoria em estultícia. «A habilidade que o
homem tem de raciocinar não pode fazer frente à soberania divina». 51
A segunda citação (v. 29) vem do Salmo 94:11, e foi adaptada para
encaixar no presente contexto. O hebraico diria assim: «Yahveh conhece
os pensamentos do homem, sabe que são vãos». Paulo usa o texto da
Septuaginta (Sl. 93:11, LXX), que usa o plural homens, mas Paulo altera
a frase dos homens, para que diga dos sábios. Esta mudança é também
uma interpretação do texto veterotestamentário, 52 o que significa que
muda as palavras, porém não o significado. Outra vez, a palavra-chave é
«sábios», embora Paulo tenha que introduzi-la em lugar de homens. O
contexto do Salmo 94 fala do raciocínio insensato dos arrogantes que
oprimem e matam o inocente. Jactam-se de que estão a salvo, porque o
Senhor não os vê nem Se interessa (Sl. 94:7). Esta gente é semelhante
aos que se opõem a Deus mediante a sabedoria mundana. Deus conhece
plenamente os seus pensamentos, porque nada se oculta dEle. O Senhor
declara que os pensamentos dos homens são vãos, isto é, suas opiniões
são frívolas e inúteis (cf. Rm 1:21).
As duas citações do Antigo Testamento têm Deus como sujeito e os
sábios como objeto direto. Deus considera néscios estes sábios. Na
primeira citação, compara-se os sábios com pássaros apanhados numa

50
Esta é a única vez que o Novo Testamento cita de forma direta o livro de Jó. O que diz a
Septuaginta não concorda com a tradução que Paulo faz ao grego.
51
D.A. Carson, NIDNTT, vol. 1, p. 413. Veja-se também Otto Bauernfeind, TDNT, vol. 5, p. 726.
52
Refira-se a Allan M. Harman, «Aspects of Paul’s Use of the Psalms», WTJ 32 (1969): 1–23.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 186
rede, sem poder escapar. Na segunda, mesmo antes de poderem formular
seus pensamentos, Deus de antemão declara inúteis suas deliberações.
Quem quer que resistir a Deus com sabedoria humana, sempre sairá
perdendo.
21, 22. Portanto, ninguém se glorie nos homens. Porque tudo é vosso,
seja Paulo ou Ap olo ou Cefas ou o m undo ou a vi da ou a m orte, ou as
coisas presentes ou as coisas vindouras; tudo é vosso.
a. «Portanto, ninguém se glorie nos homens». Paulo agora resume o
dito na passagem precedente (vv. 18–20): Exorta os coríntios a não se
gloriarem no homem. Como o verbo que usa está no modo imperativo,
algumas traduções dizem: “Não mais jactância com relação a homens!”
(NIV, com algumas variações NEB, TNT).
O que Paulo quer fazer ver é que ninguém deve gloriar-se nos
homens, sejam estes Paulo, Apolo ou Cefas. Em 1Co 1:31 Paulo citou a
Escritura, a fim de fundamentar seu argumento: «Aquele que se gloriar,
glorie-se no Senhor» (Jr 9:24). Agora apresenta o lado negativo da
exortação, proibindo os seus leitores de gloriar-se nas realizações
humanas. Deus enche de bens o Seu povo, que ao depender totalmente
dEle, são incapazes de gloriar-se em si mesmos. Devem reconhecer que
é Deus, não o homem, que governa o mundo e tudo o que nele há. O
salmista confessa que toda a terra e sua plenitude pertence a Deus (Sl.
24:1). Portanto, Ele recebe toda honra e glória.
b. «Porque tudo é vosso». De improviso, Paulo muda a direção de
sua conclusão. Abandona a proibição, para fazer uma afirmação positiva:
tudo pertence aos coríntios. A afirmação tudo é vosso é um provérbio
estoico, que dizia «O homem sábio … é senhor de tudo o que lhe vem de
fora». 53 Paulo o remove de seu contexto filosófico e o relaciona com
Cristo. O povo de Deus deve ver a mão de Cristo em cada aspecto da
criação; devem glorificá-Lo por tudo o que criou e por sustentá-lo
constantemente por Seu poder. Ao usar a expressão tudo, Paulo inclui o
53
Conzelmann, 1 Corinthians, p. 80. Consúltese a Victor Paul Furnish, «Belonging to Christ: A
Paradigm for Ethics in First Corinthians», Interp 44 (1990): 145–57.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 187
ministério dos que pregam e ensinam o evangelho. Desta maneira os
exorta a notar de que o Senhor lhes deu tudo, espiritual e materialmente.
De fato, o povo de Deus possui tudo.
c. «Seja Paulo ou Apolo ou Cefas ou o mundo ou a vida ou a morte,
ou as coisas presentes ou as coisas vindouras; tudo é vosso». Agora
Paulo enumera as categorias incluídas na expressão tudo. Repete os
nomes Paulo, Apolo e Cefas que já apareceram na discussão anterior
(1Co 1:12). Estes homens são servos de Cristo, enviados para ministrar
as necessidades espirituais do povo de Deus. Em certo sentido, Paulo
pode dizer aos coríntios: «nós somos vossos».
Depois, de forma abrupta, Paulo acrescenta o mundo, a vida, a
morte, o presente e o futuro. Gordon D. Fee comenta: «estes cinco
elementos são os últimos princípios que tiranizam a existência humana.
O ser humano vive uma longa vida escravizado a eles». 54 Mas Paulo
afirma que tudo pertence aos crentes, porque não são escravos, e sim
donos. (De passagem é preciso mencionar que em Romanos 8:38
também menciona a morte, a vida, o presente e o futuro.)
De que forma pode-se dizer que os crentes possuem as categorias
que Paulo enumera? A palavra mundo deve ser entendida com relação a
Jesus Cristo, quem criou o mundo, redimiu-o e o sustenta. Além disso,
Cristo designa o Seu povo como Seus administradores do mundo. Por
certo, o mundo redimido por Cristo é a oficina do cristão. Nessa oficina
glorifica o Senhor, pois sabe que através de Cristo o mundo lhe pertence.
As seguintes duas palavras são «a vida e a morte», e ambas se
referem a Jesus Cristo, porque Ele é tanto o doador da vida como o
conquistador da morte. Cristo comunica Sua vida aos crentes por meio
do evangelho (2Tm 1:10) e do Espírito Santo, que os livra da morte (Rm
8:2, 6, 11). Paulo fala com eloquência a respeito da derrota da morte.
Uma passagem típica de uma de suas epístolas o ilustra muito bem:
«Quanto à sua [Cristo] morte, morreu ao pecado uma vez e para sempre;

54
Fee, First Corinthians, p. 154.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 188
quanto a sua vida, vive para Deus. Da mesma maneira, também vós
considerai-vos mortos ao pecado, mas vivos para Deus» (Rm 6:10, 11). 55
E finalmente, o crente possui o presente em que Deus governa. Nada
acontece por acaso. Pelo contrário, tudo (p. ex., a saúde, a enfermidade, a
alegria e a tristeza) vem de Sua mão. Quanto ao futuro, os cristãos
confiam em Jesus Cristo, porque nada os poderá separar «do amor que
Deus nos manifestou em Cristo Jesus» (Rm 8:39).
d. «Tudo é vosso». Pela segunda vez Paulo afirma que tudo
pertence aos crentes. No entanto, esta afirmação (que em grego só
consiste em duas palavras tudo vosso) conecta-se diretamente com
Cristo. Paulo continua e diz:
23. E vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.
A primeira parte deste texto informa aos coríntios que eles
pertencem a Jesus. Ele deu sua vida por eles, santifica-os e convida à Sua
comunhão. A vida e os bens que têm, têm-nos só graças a Ele. Portanto,
vivem para Cristo, a quem pertencem e a quem servem. Não vivem para
as diferentes facções que se criaram na igreja. Ninguém podia dizer de
forma individual «Eu sou de Cristo» (1Co 1:12), porque todos como um
corpo pertencem a Cristo. Com este resumo, Paulo termina com os
partidarismos da igreja.
Zacarias Ursino, um teólogo do século XVI, fez uma pergunta
pertinente: «Qual é o seu único consolo na vida ou na morte?», ao que
respondeu: «Que não me pertenço a mim mesmo, mas — em corpo e
alma, na vida ou na morte — pertenço ao meu fiel Salvador, Jesus
Cristo». 56 Junto com Paulo, os cristãos podem dizer: «Se vivemos, para
o Senhor vivemos; e se morremos, para o Senhor morremos. De modo
que, quer vivamos ou morramos, somos do Senhor» (Rm 14:8; veja-se
Gl 3:29).

55
Veja-se também Gl 2:19–20; Cl 2:20; consulte-se a Walter Schmithals, NIDNTT, vol. 1, pp. 439–
441.
56
Catecismo de Heidelberg, pergunta e resposta Nº. 1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 189
A segunda parte deste versículo é uma afirmação teológica: «e
Cristo é de Deus». Deus enviou Cristo ao mundo para realizar Sua obra
mediatória. Deus é, por meio de Cristo, a última fonte de vida para Seu
povo. Cristo está sujeito a Deus o Pai, tal como Paulo o explica nesta
epístola: «O Filho mesmo se submeterá àquele que submete todas as
coisas, para que Deus seja tudo em todos» (1Co 15:28, minha própria
tradução). Os cristãos têm tudo em Cristo, quem tem tudo de Deus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 3:18–21


Versículos 18–19
_ξαπατάτω — é o imperativo presente, voz ativa, terceira pessoa
singular do verbo _ξαπατάω (=enganar). Este verbo só ocorre nas
epístolas de Paulo. 57 O verbo que geralmente se usa é πλανάω
(=extraviar), que aparece muitas vezes por todo o Novo Testamento.
δοκε_ — é a forma impessoal do verbo δοκέω (=pensar, parecer),
que nesta oportunidade significa «pensar».
παρά — seguida do caso dativo, esta preposição adquire o
significado metafórico de «aos olhos de Deus». 58

Versículo 21
_στε — esta partícula introduz o imperativo presente, voz média,
καυχάσθω («que ninguém se jacte»). É uma conjunção consecutiva, cujo
significado é «assim que» ou «portanto».
_ν — seguida do dativo plural _νθρώποις, esta preposição significa
«com referência a».

57
Rm 7:11; 16:18; 1Co 3:18; 2Co 11:3; 2Ts 2:3.
58
Moule, Idiom-Book, p. 52.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 190
Resumo de 1 Coríntios 3
Paulo acrescenta uma razão adicional para pregar o evangelho aos
coríntios: considera-os gente mundana que não são mais que crianças em
Cristo. Mostram ciúme, rixas e divisões, o que demonstra sua
mundanalidade e sua falta de maturidade. Diz-lhes que Apolo e Paulo
são servos que o Senhor lhes enviou para gerar fé neles. Paulo plantou a
semente, Apolo a regou, mas é Deus quem deu o crescimento. Cada um
cumpre uma tarefa e recebe uma recompensa, mas é Deus quem está no
controle dos obreiros e do campo que cultivam.
Paulo muda de metáfora, e diz que os edificadores levantam
edifícios para os quais usam ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno
ou palha. Paulo se compara com um chefe de construção que colocou um
alicerce, o qual é Jesus Cristo. Sobre este fundamento outros edificam a
igreja. O fogo verificará a qualidade do trabalho de cada um. Cada um
receberá sua recompensa ou sofrerá perda.
Os coríntios deveriam saber que eles são o templo de Deus, no qual
habita o Espírito. Se alguém destruir este templo, Deus o destruirá.
Paulo termina seu discurso admoestando os coríntios a tomar
cuidado para não ser enganados pelos critérios mundanos. Para Deus a
sabedoria mundana é insensatez. Paulo o prova citando duas passagens
do Antigo Testamento. Exorta os seus leitores a não gloriar-se nos
homens, mas a notar que em Cristo todo lhes pertence. Eles pertencem a
Cristo, e Cristo pertence a Deus.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 191
1 CORÍNTIOS 4
DIVISÕES NA IGREJA, QUARTA PARTE (1CO 4:1–21)

5. Servos de Cristo. 1Co 4:1–21

Neste segmento de sua epístola, Paulo afirma que como servo de


Cristo ele tem que dar contas Àquele que o enviou. Cristo exige que ele
seja fiel no serviço a Deus e ministrar ao Seu povo. Chegará o dia em
que Paulo será julgado pelo trabalho que realizou. Porém, não o julgará
um tribunal humano, mas será o próprio Cristo.

a. A fidelidade. 1Co 4:1–5

1. Assim que, nos tenham os homens como servos de Cristo e como


mordomos dos mistérios de Deus.
a. «Assim que». Estas palavras se conectam com o capítulo
anterior, onde Paulo exortou os coríntios a não gloriar-se nos homens,
sejam estes Paulo, Apolo ou Cefas. Disse-lhes que, antes, olhassem a
Cristo, em quem possuem tudo. Além disso, os servos de Cristo são
colegas que não estão para competir uns com os outros. Por meio do
Assim que Paulo conecta o ensino do capítulo 3 com o que agora está por
escrever.
b. «nos tenham os homens como servos de Cristo». Note-se que
Paulo usa o plural servos, para referir-se aos apóstolos e a seus
colaboradores, mas depois no versículo 3 muda para o singular. O uso do
plural lembra aos leitores do dito na discussão precedente. Se tudo lhes
pertence em Cristo (veja-se 1Co 3:21, 22), que cada membro da igreja de
Corinto tenha os apóstolos como servos de Cristo. A palavra «servo» que
aqui se usa não se deriva de diakonos, e sim de hypēretai (servos sob a
autoridade do senhor). Originalmente a palavra era usada para descrever
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 192
os que remavam debaixo da coberta de um barco. No século primeiro, o
significado da palavra foi ampliada para incluir um servo doméstico. Por
exemplo, o assistente que recebeu de Jesus o rolo de Isaías, quando o
Senhor pregou em Nazaré, era um servo da sinagoga local (Lc 4:20). 1
Paulo diz aos coríntios que a igreja deve entender a relação que há
entre os apóstolos e a igreja e entre os apóstolos e Cristo. Os apóstolos
são servos na igreja, mas a igreja não é senhor deles. Os apóstolos foram
enviados por Jesus Cristo para servir à igreja, porque Jesus é seu senhor
(1Co 3:5; cf. At 26:16). Por isso, os membros da igreja devem respeitar
estes apóstolos que voluntária e fielmente lhes servem em nome de
Cristo e por mandato dEle.
c. «E como mordomos dos mistérios de Deus». Entrega-se uma
segunda descrição de Paulo e seus colaboradores mediante a palavra
mordomos. O termo aponta ao servo que por encargo do senhor tem a
cargo o cuidado da casa. O mordomo era responsável pelos bens do
senhor e de vez em quando devia dar conta de sua mordomia (veja-se Mt
25:14; Lc 16:2; 19:11–27). 2 Para pô-lo de forma explícita, Paulo e seus
colegas eram «subordinados de Cristo e superintendentes que
trabalhavam para Deus». 3 Neste versículo (v. 1), o termo mordomos não
se refere de forma literal a uma casa e aos bens de um senhor; o
substantivo mistérios nos diz que se refere aos mordomos da revelação
de Deus em Jesus Cristo.
A expressão mistério aparece com frequência no Novo Testamento.
Para ser preciso, ocorre uma vez na resposta de Jesus a respeito de Seu
ensino em parábolas (Mt 13:11; e seus paralelos em Mc 4:11; Lc 8:10),
vinte e uma vezes nas epístolas paulinas e quatro vezes no Apocalipse

1
Veja-se BAGD, p. 842; Thayer, pp. 641–642.
2
Jürgen Goetzmann, NIDNTT, vol. 2, p. 255. J.D.M. Derrett, Law in the New Testament (Londres:
Darton, Longman and Todd, 1970), pp. 48–77; Reumann, «Oikonomia — Terms in Paul in
Comparison with Lucan Heilsgechichte», NTS 13 (1966–67): 147–67.
3
Jouette M. Bassler, «1 Corintians 4:1–5», Interp 44 (1990): 181.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 193
4
(Ap 1:20; 10:7; 17:5, 7). Mas o que procura dizer Paulo com esta
expressão?
Não se deve fazer uma equação entre os mistérios de Deus e o
evangelho de Cristo. «O mistério não é em si revelação; é o objeto da
revelação … A revelação descobre o mistério como tal. Portanto, o
mistério de Deus não se revela a si mesmo. No tempo designado, o
próprio Deus o declara em Sua livre graça àqueles que escolheu e
abençoou por meio dele». 5 O que Deus nos revela não é mais que uma
olhada na totalidade do conhecimento divino. O conhecimento que Deus
tem sempre será um mistério para a mente humana. Contudo, mediante
as Escrituras podemos captar a obra redentora de Cristo. É-nos dado a
conhecer o mistério da redenção através da Palavra de Deus e da obra do
Espírito Santo (veja-se o comentário a 1Co 2:7).
Paulo e seus colegas são mordomos dos mistérios de Deus. São os
instrumentos de Deus que proclamam o evangelho. Fortalecem a fé dos
crentes e edificam a igreja por meio da obra do Espírito Santo.
2. Sendo assim, 6 é natural que ao mordomo lhe requeira ser achado
fiel.
Nos escritos de Paulo proliferam as afirmações conclusivas. Os
últimos versículos do capítulo precedente (1Co 3:21–23) eram um
resumo, o primeiro versículo deste capítulo (1Co 4:1) também resume
esse ensino. Paulo recorre a «sendo assim» para voltar a tirar uma
conclusão, desta vez do que acaba de dizer a respeito dos mordomos.
Deduz-se que se Paulo e seus colaboradores são mordomos de Deus, os
coríntios não estão em posição de poder julgá-los. Que qualidade destes
mordomos dos mistérios de Deus deverão examinar os membros da
igreja de Corinto? A epístola de Paulo parece indicar que os destinatários

4
Das vinte e oito vezes que o termo aparece no texto grego, seis ocorrem na forma de «mistérios de
Deus» ou «mistérios de Cristo»: 1Co 2:1 (leitura variante); 4:1; Ef 3:4; Cl 2:2; 4:3; Ap 10:7.
5
Günther Bornkamm, TDNT, vol. 4, pp. 820–821. Veja-se também Günter Finkenrath, NIDNTT, vol.
3, p. 504; Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), pp. 93–94.
6
BAGD, p. 480.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 194
valorizam a fluidez e a eloquência. Mas ocorre que o primeiro requisito
para um mordomo é a fidelidade. O cargo de mordomo requer uma
dedicação que elimine todo interesse pessoal e inclua uma lealdade
disposta ao sacrifício (Lc 12:42).
Paulo passa do plural mordomos para o singular mordomo. Com
isto quer dizer que a fidelidade que se requer não tem que ver com a
equipe de obreiros do Senhor como um todo, e sim com cada um
individualmente (1Pe 4:10). 7 Cada crente deve demonstrar fidelidade e
dedicação.
3. Mas para mim é uma pequenez o ser julgado por vós ou por
algum tribunal humano. Nem sequer eu me julgo a mim mesmo.
a. «Mas para mim é uma pequenez o ser julgado por vós». Não é
que Paulo seja arrogante. Antes, está demonstrando humildade; como
fiel mordomo que refreia qualquer interesse pessoal, julga-se com
modéstia. Num estilo típico do Antigo Testamento (cf. Jz. 6:15), Paulo
sempre se situa com modéstia diante de Deus e diante dos leitores de
suas cartas (veja-se 1Co 15:9; 2Co 11:1; Ef 3:8).
No grego, usa-se a forma superlativa do adjetivo pequeno
(literalmente: «Mas para mim pequeníssima coisa é»), para introduzir
uma oração sujeito (literalmente: «que seja julgado por vós»). Neste
versículo, o verbo julgar quer dizer «examinar, interrogar». Com
frequência Paulo foi julgado com dureza, primeiro enquanto ministrava
em Corinto, depois quando esteve preso em Cesareia e, finalmente,
quando foi a Roma (1Co 9:3; e At 24:8; 28:18). 8 Paulo não tinha medo
de ser examinado e interrogado, porque estava disposto a sofrer tudo por
seu Senhor. Se os coríntios queriam interrogá-lo, isto teria sido para ele
um assunto sem importância. Se tivessem procurado trazê-lo até um
tribunal humano, também o teria tido como uma pequenez, comparado
com o que significa comparecer diante do tribunal de Deus. Paulo não

7
Algumas traduções preferem o plural nesta segunda parte do versículo: «que sejais fiéis» (NC, CB),
«que sejam de confiar» (NBE).
8
Refira-se também ao texto grego de Lc 23:14; At 4:9; 12:19.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 195
tinha que prestar contas aos coríntios, mas a Deus, quem o havia
comissionado por meio de Jesus Cristo.
b. «Ou por algum tribunal humano». O grego literalmente diz: «um
dia designado por um tribunal humano». 9 Aqui se elabora um contraste
com o dia do juízo final, quando cada pecador tenha que apresentar-se
diante de Deus (1Co 3:13). A expressão tribunal humano talvez aluda a
uma corte eclesiástica reunida para examinar o apostolado de Paulo. 10
c. «Nem sequer eu me julgo a mim mesmo». Esta não é uma
afirmação presunçosa, mediante a qual Paulo busca pôr-se acima de toda
crítica. De maneira nenhuma! Antes, Paulo sabe que ele não é o
suficientemente objetivo para avaliar seus próprios pensamentos,
palavras e obras. Portanto, deixa a Deus a tarefa de julgar, quem é o
único capaz de ser um juiz imparcial. Isto não quer dizer que Paulo
renuncia o ser avaliado. Paulo não fala de ações humanas, as quais
devem ser avaliadas periodicamente. Paulo fala de seu apostolado. Esta
classe de juízo só pertence a Deus.

Considerações práticas em 1Co 4:3


É parte do trabalho cotidiano que a administração de instituições
educacionais peça aos alunos que avaliem o desempenho dos professores
na sala de classe. Os professores valorizam positivamente este tipo de
avaliação, visto que os estudantes analisam com precisão as fraquezas e
fortalezas do instrutor. Assim a administração pode ajudar os docentes a
superar dificuldades ou podem agradecer seu excelente desempenho.
Os pastores deveriam estar dispostos a que a congregação avalie sua
doutrina e sua vida, e não deveriam ficar presa do temor ou perder seu
amor próprio. As avaliações têm o propósito de fortalecer os pastores em
suas tarefas e autoestima. Por outro lado, quando um fiel pastor é

9
BAGD, p. 347.
10
Lawrence L. Welborn, «On the Discord in Corinth: 1 Corinthians 1–4 and Ancient Politics», JBL
106 (1987): 108.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 196
examinado por uma membresia com más intenções, tem todo o direito de
objetar tal exame. Paulo não temia a crítica e disse aos coríntios que
tinha em pouco a opinião deles. «[Um pastor] deve apelar a Deus, sem se
importar com o que pensem os homens». 11
4. Em mi nha consciência n ão há nada que me acuse, embora nem
por isso fui justificado. Contudo, aquele que me julga é o Senhor.
a. «Em minha consciência não há nada que me acuse». No grego, a
palavra nada ocupa o primeiro lugar, o que a torna enfática. Assim que,
Paulo afirma enfaticamente que sua consciência está tranquila, não está
consciente de alguma falta (veja-se Jó 27:6). Isso não quer dizer que
tenha feito calar sua consciência. Antes, o que quer dizer é que, no que
se refere ao seu apostolado, foi um servo fiel que cumpriu plenamente
todas as suas tarefas. Em contraste, John Albert Bengel observa:
«Aquele cuja consciência o acusa, já está condenando sua própria
causa». 12
b. «Embora nem por isso fui justificado». Esta é uma forma
brilhante de expressar uma profunda verdade. Se Paulo tivesse sido
justificado com base em sua fidelidade apostólica, estaria ensinando uma
justiça que se ganha. No entanto, a justificação jamais poderá descansar
nas boas obras feitas por homens (Tt 3:5), pois, se assim fosse, a obra
mediadora de Cristo seria incompleta e insuficiente. O ser humano
alcança plena justificação com base na perfeita obra de Cristo.
Paulo usa o verbo justificar no tempo perfeito: «fui justificado».
Com isso indica que ele já foi declarado justo, não por suas próprias
obras, mas por Jesus Cristo. Paulo demonstrou na prática que era um
apóstolo industrioso. Não obstante, sua diligência não conseguiu obter-
lhe a perfeição (cf. Gl 2:16; Fp 3:12, 13).

11
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, serie Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 86.
12
John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traducido por Charlton T. Lewis e
Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 183.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 197
c. «Contudo, aquele que me julga é o Senhor». Jesus Cristo é o Juiz,
quem cumpriu Ele mesmo toda a lei (Mt 5:17) e quem é o fim da lei (Rm
10:4). Jesus tem o direito de julgar a Paulo, porque mediante Seu
Espírito, Jesus o comissionou como apóstolo dos gentios (At 13:1–3).
Jesus julgará seu desempenho como apóstolo. O Senhor atribui, fiscaliza
e avalia a obra que Paulo deve realizar, quer em períodos de frustração
(veja-se At 18:6–10) ou em tempos de penalidades (At 23:11). Por isso,
Paulo diz aos coríntios que é ao Senhor a quem deve prestar conta (cf.
2Co 5:10).
5. Portanto, não julgueis nada ante s de c hegar o fi m do tempo, até
que venha o Sen hor, quem tr ará à luz as coisas ocultas d as trevas e
revelará os desígnios dos corações. Só então cada um receberá seu louvor
da parte de Deus.
Note os seguintes pontos:
a. A vinda do Senhor. «Não julgueis nada antes de chegar o fim do
tempo, até que venha o Senhor». Paulo termina agora a discussão sobre
os comentários adversos que ele e seus colegas tinham recebido. Devido
ao fato de que o próprio Jesus é o juiz de Paulo, o apóstolo conclui que
os coríntios deveriam abster-se de julgá-lo. Exorta-os a que não julguem
nada, mas que esperem o fim do tempo, quando o Senhor voltar. Naquele
dia Paulo e os coríntios comparecerão juntos diante do trono do juízo, e
então terá chegado o momento de criticar a obra feita por Paulo (veja-se
1Co 6:2, 3). Esta observação tem o óbvio propósito de mostrar aos
coríntios que eles também enfrentarão o juízo.
Note-se que Paulo dá a seus leitores um mandamento enfático, que
literalmente lê: «antes do fim do tempo, não julguem nada». Ao vincular
a consumação do mundo com a vinda do Senhor, ordena aos crentes a
terminarem com as críticas. Não quer dizer que devem deixar toda
atividade de julgar. Naturalmente que não! Quando um pastor ou mestre
deixa de apegar-se à verdade da Palavra de Deus e vive e ensina o que é
contrário às Escrituras, a igreja está no dever de julgá-lo. Mas Paulo lhes
proíbe de criticarem a pessoa cuja conduta e ensino estão em harmonia
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 198
com a Bíblia. Quando Jesus voltar — e ninguém sabe quando o fará —
então todos os crentes tomarão parte no juízo (1Co 6:2).
b. A revelação do Senhor. «Quem trará à luz as coisas ocultas das
trevas e revelará os desígnios dos corações». O Senhor exporá as coisas
internas e externas da vida humana. Fará com que as trevas se
desvaneçam, e assim trará à luz todo tipo de coisas que se mantiveram
ocultas. Embora com frequência o termo trevas tenha um sentido sinistro
(veja-se p. ex., a cegueira do mago Barjesus [At 13:6, 11] ou o
mandamento de expor as obras infrutíferas das trevas [Ef 5:11]), a
palavra tem aqui um sentido neutro, referindo-se a assuntos
desconhecidos. 13 Deus é soberano sobre toda a Sua criação, o que inclui
as trevas. Davi diz, por exemplo, que as trevas são como a luz para Deus
(Sl. 139:12). No dia do juízo muitas coisas que os crentes desconheciam
virão à tona.
Além disso, a pessoa tem a capacidade de não dar a conhecer os
seus pensamentos e intenções. Muitas destas motivações não se dão a
conhecer durante a vida terrestre de uma pessoa. Mas quando Jesus
volte, torná-las-á públicas, revelando todos os segredos (Rm 2:16; Ap
20:11–13).
c. Louvor de Deus. «Só então cada um receberá seu louvor da parte
de Deus». A quem Deus exaltará? Deus enaltece a pessoa que foi
regenerada pelo Espírito Santo, que a capacita a obedecer a Palavra
como aquele que recebeu louvor de Deus (Rm 2:29). No dia de juízo,
quando Cristo revelar todas as coisas, Deus de pura graça elogiará o
crente (Ap 22:12).
Em lugar de repreendê-los, Paulo termina a seção com uma nota
positiva de louvor, seu fim é fazer com que deixem de julgar a Paulo e a
seus colegas e que esperem louvor de Deus, não dos homens.

13
BAGD, p. 757.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 199
Considerações práticas em 1Co 4:5
A ênfase que Paulo faz sobre o louvor é preciso entender dentro do
contexto deste versículo particular. Por exemplo, primeiro determina
quando é que o cristão receberá elogios, ou seja, quando Cristo voltar.
Segundo, afirma que cada pessoa receberá louvor de forma individual. E
finalmente, é Deus quem elogia, não os homens.
A Escritura afirma claramente que ao crente aguardam galardões no
céu. Jesus disse: «Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão
que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras» (Ap 22:12,
RA). 14 A Bíblia não ensina que alguém pode ganhar a salvação pelas
obras, mas Deus enche de louvor o crente que fielmente pratica a Sua
vontade. Por isso, aos servos fiéis da parábola dos talentos, Jesus diz:
«‘Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre
o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!’» (Mt 25:21, 23 -
NVI).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 4:1–5


Versículos 1–2
_νθρωπος — este substantivo é usado em sentido geral e indefinido:
«um», «a gente», «os homens». O sentido é «nos tenham os homens»,
isto é, vós. 15
_δε — esta partícula olha para trás, aos mordomos do versículo 1, e
seu sentido é: «sendo assim». O advérbio que lhe segue, λοιπόν, olha
para frente, e seu significado é: «segue-se que». 16
ζητε_ται — «requer-se» é um uso impessoal da terceira pessoa
singular. Contudo, muitos manuscritos importantes registram um

14
Veja-se Is 35:4; 40:10; 62:11; Ap 2:23.
15
BAGD, p. 69.
16
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 161.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 200
imperativo na segunda pessoa plural: ζητε_τε («requerei!»). Assim
parece que o imperativo continua a série que se forma com καυχάσθω
(1Co. 3:21) e λογιζέσθω (v. 1). Mas a forma ζητε_τε também poderia
apontar ao modo indicativo («vós requereis»). Os tradutores preferem a
forma impessoal «requer-se», porque dá equilíbrio à segunda parte da
oração, que tem também uma forma de terceira pessoa singular (lit. «seja
achado»).

Versículo 3
_λάχιστον — este é o uso intensivo do adjetivo superlativo derivado
de μικρός e sua tradução literal é «muito pequeno». O verdadeiro
superlativo é «o menor» (veja-se 1Co 15:9). A cláusula com _να serve
para explicar o superlativo intensivo: «o ser julgado por vós».

Versículos 4–5
_ν τούτ_ — esta frase preposicional quer dizer: «por isso», «por
essa razão», expressando uma ideia causal.
_ _νακρίνων — é o gerúndio, voz ativa, do verbo _νακρίνω
(=examinar, julgar). O particípio não aponta a uma ação que se realizará
no futuro, mas sim a uma ação contínua no presente.
_στε — é uma partícula consecutiva, cujo significado é «portanto»,
«como resultado» (veja-se 1Co 3:7). 17
_ _παινος — este substantivo vem precedido pelo artigo definido,
com o qual se sublinha que o louvor cada recebe cristão de forma
individual.

17
Ibid., p. 144.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 201
b. O orgulho. 1Co 4:6–8

6. Pois bem, irmãos, estas coisas apliquei a mim e a Apolo para seu
bem, para que pa rtindo de nós a prendais a não ir a lém do que está
escrito, para que assim ninguém se torne arrogante, preferindo mais a um
que a outro.
a. Aplicação. «Pois bem, irmãos, estas coisas apliquei a mim».
Paulo volta a dirigir-se aos destinatários com o termo irmãos, que
naquele tempo também incluía as irmãs. 18 Paulo se vale deste vocativo
para preparar o seu auditório para a mensagem direta e pessoal que
segue. O apóstolo deseja abordar o assunto de forma pastoral.
Do que «estas coisas» fala Paulo? A resposta está no significado do
verbo aplicar. Outras traduções leem:
«transferi-as em figura» (VM)
«trasladei-as figuradamente» (NTT)
«mudar a forma de» (BAGD, p. 513)
Em suma, Paulo diz que quer usar uma figura de linguagem com
«estas coisas». No capítulo anterior, Paulo usou imagens tiradas da
agricultura e da construção. No contexto imediato usa a figura do
mordomo. Como resultado, a frase estas coisas apontam a estas três
metáforas que Paulo usou em 1Co 3:5–4:5. 19
Paulo afirma que o que escreveu aos coríntios ele aplicou a si
mesmo e a Apolo para o bem dos leitores. Paulo e Apolo serviram à
igreja de Corinto por períodos prolongados. Não menciona Pedro para
que os leitores lembrem o que disse sobre que ele e Apolo eram servos
de Cristo que tinham recebido a tarefa de proclamar os mistérios de Deus
(1Co 3:5; 4:1). 20 Aplica a figura do agricultor, do construtor e do

18
Veja-se, p. ex., 1Co 1:10, 11, 26; 2:1; 3:1.
19
Consulte-se Morna D. Hooker, «‘Beyond the Things Which are Written’: An Examination of 1 Cor.
iv.6,» NTS 10 (1963–64): 127–32.
20
Refira-se a André Legault, «‘Beyond the Things Which Are Written’ (1 Cor. IV.6)», NTS 18 (1971–
72): 227–31.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 202
21
mordomo a si mesmo e a Apolo. Ele usa estas metáforas para benefício
dos coríntios.
b. Aprender. «Para que partindo de nós aprendais a não ir além do
que está escrito». Os eruditos gastaram muita tinta procurando explicar
esta parte do texto. A seguir alguns exemplos de como se traduz esta
oração:
«Para que por nosso exemplo aprendais isto: não ultrapasseis o que
está escrito» (RA 1999)
«Para que aprendam de nós aquilo de: ‘Não ultrapassar-se do que
está escrito’» (BJ)
«Para que com nosso caso aprendais aquilo de: ‘Não saltar o
regulamento’» (NBE)
«Para que aprendais de nós isso: ‘Não sair-se do escrito’» (BP)
Estas traduções não são tanto diferentes traduções do texto grego
como diferentes formas de entender o próprio texto. Alguns creem que a
frase «não ir além do que está escrito» é uma glosa ininteligível que deve
ser omitida. 22 Porém não existe evidência textual que apoie a teoria de
que estas palavras são uma glosa. Além disso, se se omitirem estas
palavras o próprio versículo perde sentido. A maioria dos estudiosos
creem que estas palavras são «evidentemente um provérbio, um
princípio expresso de forma proverbial». 23 Talvez era um dito usado no
campo político nos dias de Paulo, cujo fim era promover a unidade.
Estes eruditos mantêm que Paulo usa uma máxima familiar aos círculos

21
Hooker, «‘Beyond the Things Which are Written’», pp. 131–132.
22
Veja-se, p. ex., Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the
Corinthians, editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia: A
Critical and Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 86; Legault,
«‘Beyond the Things’», p. 231. Por contraste, refira-se a J.M. Ross, «Not Above What Is Written»,
ExpT 82 (1970–71): 215–17.
23
Lawrence L. Welborn, «A Conciliatory Principle in 1 Cor. 4:6», NovT 19 (1987): 332; R. St. John
Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament for Schools
and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), pp. 78–79.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 203
de Corinto, para terminar assim com as divisões da igreja e fomentar a
unidade.
Não obstante, surge a pergunta: Quando Paulo usa a frase o que
está escrito está se referindo ao Antigo Testamento? Supostamente, sim!
O provérbio deve comunicar alguma mensagem que, dentro do contexto
das duas epístolas aos coríntios, deve apontar às Escrituras. Lembremos
que nestas cartas, a palavra grega gegraptai («está escrito») com
frequência introduz uma citação da Escritura. 24 Paulo cita repetidamente
os livros da Lei, os Profetas e os Escritos. No total há dezessete citações
do Antigo Testamento em 1 Coríntios e dez em 2 Coríntios.
A severa advertência que Paulo dá aos coríntios sobre não ir além
do que está escrito adquire mais significado no capítulo 10. Depois de
citar alguns incidentes da história do povo de Israel, declara: «Pois bem,
estas coisas caíram sobre eles como uma advertência e foram escritas
para nos admoestar sobre quem veio os fins dos tempos» (1Co 10:11).
Por certo que seria pecar de reducionismo se limitarmos a advertência de
«não ir além do que está escrito» só às seis passagens que Paulo cita nos
primeiros três capítulos de 1 Coríntios (1Co 1:19, 31; 2:9, 16; 3:19, 20).
Definitivamente, Paulo se refere a toda a revelação do Antigo
Testamento.
c. Arrogância. «Para que assim ninguém se torne arrogante,
preferindo mais a um que a outro». A última parte deste versículo é
importante, porque nos seguintes versículos (vv. 7, 8). Paulo seguirá
condenando o orgulho, tema básico desta porção.
A medula do dito por Paulo refere-se às divisões que se davam na
igreja de Corinto: Um grupo apoiava Paulo, outro a Apolo. Pavoneando-
se com arrogância, cada grupo opõe-se ao resto. Se não fosse algo tão
delicado, teria sido cômico ver cada irmão da igreja alardeando sobre o
seu favorito. Paulo proíbe cada um por promover a discórdia desatada

24
A tradução está escrito (com suas variações), para referir-se à Escritura, aparece em 1Co 1:19, 31;
2:9; 3:19; 9:9, 10; 10:7, 11; 14:21; 15:45, 54; 2Co 4:13; 8:15; 9:9.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 204
que ocorre na igreja (1Co 1:12; 3:4). Que ninguém ande proclamando
quem é seu líder preferido, seja Paulo ou Apolo. Antes, que cada crente
aprenda deles o que as Escritura lhes ensina. De seus líderes devem
aprender a obedecer os ensinos da Palavra. 25 Muitas vezes a Escritura
nos adverte contra a arrogância (p. ex., veja-se Jó 40:12; Pv 8:13; Gl
6:3). Os coríntios devem aprender a ser humildes e a entender que tudo o
que têm receberam de Deus. Deus lhes fala pelas Escrituras.
7. Porque quem te diferencia do s demais? e o que tens que não
tenhas recebido? E se, por certo, o recebes te, por que te jactas como se
não o tivesses recebido?
Paulo faz três perguntas aos coríntios:
a. «Quem te diferencia dos demais?». Paulo se serve do pronome
singular te para dirigir-se a cada um dos membros da igreja. Desafia o
arrogante que quer luzir sua superioridade a que diga quem lhe deu a
posição que diz ter. Como Paulo faz uma pergunta retórica ao
presunçoso, a resposta é: «Naturalmente, ninguém!» 26 Por certo que
Paulo não tinha criado um partido nem Deus tinha concedido a nenhum
membro da igreja de Corinto o ser superior aos seus irmãos. Não há
ninguém que apoie o arrogante.
b. «E o que tens que não tenhas recebido?» Paulo volta a dirigir
uma pergunta retórica ao crente individual, a qual recebe a resposta:
«Nada!». Se perguntasse aos coríntios a respeito de suas posses, cada um
deveria reconhecer a fonte de tudo o que tinham. Uma resposta honesta
seria que Deus proveu todo bem material e espiritual (veja-se Jo 3:27; Tg
1:17). Cada um está endividado com Deus e deveria louvá-Lo pelas
coisas que recebeu. Com isso a arrogância fica sem fundamento.
c. «E se, por certo, o recebeste, por que te jactas como se não o
tivesses recebido?». A terceira pergunta se depreende da segunda. Quer

25
F.W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 104.
26
Conzelmann responde «nada». 1 Corinthians, p. 86.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 205
dizer, se uma pessoa receber um presente (seja espiritual ou material)
está obrigada a agradecer. Seria a maior ingratidão não reconhecer a
origem do presente, desprezando o doador e lhe negando merecidas
graças. Ao agir assim, aquele que recebeu o presente comporta-se como
se sempre tivesse sido dele, tomando a pose de dono por direito próprio.
Se Deus concede Sua graça, o Seu povo se torna o recipiente de
incontáveis bênçãos. Ao depender completamente de Deus, nunca dirão
que têm os seus bens por seu próprio esforço. 27
8. Já tendes tudo o que necessitais, já sois ricos, sem nós chegastes a
ser reis. Eu desejaria que de fato ti vésseis chegado a ser reis, para reinar
junto a vós.
a. Contraste. «Já tendes tudo o que necessitais». Paulo usa agora a
segunda pessoa plural tendes e se dirige à igreja. Faz notar que os
coríntios creem ter satisfeito suas demandas espirituais e materiais. Já
não têm necessidade de nada nem de ninguém. Totalmente afastados da
realidade, consideravam ter tido êxito na igreja e na sociedade e, por
certo, promoviam o erro de que eram superiores a todos os outros.
«Já sois ricos». O autossuficiente engana-se a si mesmo, porque crê
ser rico quando é um indigente. Por exemplo, Jesus repreende à igreja de
Laodiceia: «Diz: ‘Sou rico; enriqueci-me e não me faz falta nada’; porém
não percebes que tu és infeliz e miserável, o pobre, cego e despido» (Ap
3:17).
«Sem nós chegastes a ser reis». Paulo alude a uma frase que
circulava entre os filósofos estoicos de seu tempo (veja-se o comentário
a 1Co 3:21). 28 Estes filósofos se jactavam de ser autossuficientes, e
parece que os coríntios estavam influenciados por seu ensino. Em lugar
de ver-se a si mesmos como cidadãos do reino de Deus, os cristãos de
Corinto agiam como se fossem reis de tal reino. Posavam como reis em
vez de reconhecer que eram súditos do Rei.

27
Consulte-se Calvin, 1 Corinthians, p. 91.
28
Consulte-se Conzelmann, 1 Corinthians, p. 87, nota 28.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 206
b. Ironia. «Eu desejaria que de fato tivésseis chegado a ser reis,
para reinar junto a vós». O tom de Paulo neste versículo se entrelaça com
a ironia. Expressa seu desejo de que o reino de Deus já tivesse aparecido
e que os crentes de Corinto estivessem já reinando com Cristo (2Tm
2:12; Ap 3:21). Se esse fosse o caso, certamente que Paulo e Apolo se
sentariam num posto de honra junto a eles. Mas como o que ocorre é
precisamente o contrário, o que diz é realmente um sarcasmo que usa
para inquietar um pouco os destinatários de sua epístola. Não percebem
que foram os servos de Cristo (Paulo, Apolo e outros mais) quem lhes
ensinou a respeito do reino de Deus e os levaram a Cristo. Agora se
posam como independentes, como se não precisassem destes servos,
enganando-se a si mesmos ao pretender ser reis. A ironia consiste em
dizer que eles levam a dianteira a Paulo e seus companheiros, quem
ainda esperam pela vinda do reino.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 4:6–8


Versículos 6–7
No Texto Majoritário, aparece o infinitivo presente φρονε_ν
(=pensar) depois do verbo γέγραπται (=está escrito, veja-se a RA). No
entanto, manuscritos mais antigos e que representam uma área
geográfica mais ampla, não registram o infinitivo.
_να μ_ … φυσιο_σθε — o verbo é um subjuntivo presente, segunda
pessoa plural, e se encontra dentro de uma oração de propósito (cf. Gl
4:17). A frase ε_ς _π_ρ το__ν_ς quer dizer «cada um em favor de outro e
contra um terceiro». 29
A conjunção ε_ introduz uma condição real simples. A oração
também contém a conjunção καί que tem o sentido adverbial intensivo
de «por certo».

29
BDF § 247.4.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 207
Versículo 8
κεκορεσμένοι _στέ — trata-se de uma construção perifrástica que
usa o particípio perfeito passivo de κορέννυμι (saciar, dar tudo o que
alguém necessita) e o verbo ser na forma de um presente segunda pessoa
plural (_στέ). A ideia que se comunica é que por um tempo considerável
os coríntios tiveram tudo o que necessitam.
Os verbos _πλουτήσατε (=«chegaram a ser ricos») e _βασιλεύσατε
(=«chegaram a ser reis») são aoristos ingressivos, o que quer dizer que
os coríntios se enriqueceram e segundo eles continuam sendo ricos.

c. Uma descrição. 1Co 4:9–13

9. Porque penso que Deus converteu a nós, os apóstolos, nos últimos


de todos, como se fôssemos homens condenados à morte, para que
sejamos um espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens.
Se nos versículos precedentes (vv. 7, 8) Paulo usou a ironia, aqui
(vv. 9–13) fala de forma realista de sua presente condição. Paulo deve
estar falando do que há pouco sofreu em Éfeso, pois escreveu esta
epístola perto do tempo em que se produziu o alvoroço (At 19:23–41).
Os coríntios conheciam os apuros pelos quais Paulo passava, pois
ele lhes descreve os problemas que um apóstolo enfrenta. Este aperto
opõe-se ao que asperamente disse com relação a desejar ser rei para
reinar junto com eles (v. 8). Em lugar de estar no topo da fama e de
reinar, Paulo se encontra no abismo da perseguição e da morte.
a. «Porque penso que Deus converteu a nós, os apóstolos». Paulo
não está fazendo uma crítica, antes, refere-se ao fato de que Deus nomeia
apóstolos e reflete sobre o que significa ser um apóstolo. (O plural
apóstolos não é específico, mas se refere à categoria geral de apóstolo.)
Percebeu que ser apóstolo lhe granjeou ter que sofrer o ridículo, o ódio, o
abuso verbal e físico, e até a morte. O verbo penso (que quer dizer «em
minha opinião») deve entender-se à luz de tudo o que foi dito.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 208
b. «Converteu a nós … nos últimos de todos, como se fôssemos
homens condenados à morte». Nos desfiles em que se celebravam
vitórias de guerra, à cabeça iam os vencedores e no final os vencidos.
Paulo diz que é como se Deus tivesse colocado os apóstolos no final do
desfile. 30 O lugar que têm determina que logo serão executados pelo
verdugo ou despedaçados por animais selvagens.
c. «Para que sejamos um espetáculo ao mundo, aos anjos e aos
homens». Paulo emprega a palavra theatron («espetáculo»), da qual
herdamos o termo teatro. Cabe notar que a mesma palavra grega ocorre
duas vezes no relato que Lucas escreve sobre o tumulto de Éfeso. Nessa
oportunidade, uma multidão levou Paulo e seus companheiros (Gaio e
Aristarco) até o teatro (At 19:29, 31), convertendo-os em espetáculo.
Todos podiam ir aos anfiteatros para ver como eram executados escravos
e criminosos. Paulo não exagera, quando fala de espetáculo.
Paulo coloca os termos anjos e homens em aposto a mundo. Que
contraste entre estas duas categorias! Deus envia os Seus anjos para
servir e ministrar aos Seus escolhidos. Os anjos os apoiam e fortalecem
nos momentos de sofrimento e de morte. Os anjos observavam tudo o
que ocorre e depois informam a Deus. Em contraste, os homens são
cruéis e frios, gostam de ver o próximo sendo destroçado pelas feras na
arena.
Se os coríntios por um momento se pusessem a refletir na vida dos
apóstolos de Cristo, teriam que admitir que os apóstolos estão no
extremo oposto dos imperadores.
10. Somos néscios por caus a de Cr isto, enquanto vós confi ais em
vosso próprio entendimento em Cris to. Somos fracos, mas vós, fortes;
recebeis honra, enquanto a nós, desonra.
a. «Somos néscios». A autoestima é um ingrediente básico de uma
vida equilibrada. Ser chamado néscio é uma experiência degradante que
pode alterar severamente nossa identidade. Se alguém afirma ser um
30
Neste ponto algumas traduções inglesas fazem uso de uma equivalência dinâmica: «no último lugar
da procissão» (NIV), «no último lugar do desfile vitorioso» (TNT, o itálico é original).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 209
néscio, pensaríamos que procura uma ironia, que não fala sério. Isto é
exatamente o que ocorre neste versículo. 31
Paulo afirma que ele e seus colegas são néscios «por causa de
Cristo» (veja-se At 14:19; 16:22–25; 17:10; 18:12). De um ponto de
vista humano, os apóstolos são néscios ao arriscar suas vidas por Cristo.
«No entanto, dá-se um duplo sentido, visto que assim refletem a verdade
do evangelho, o qual é estultícia na opinião do sábio mundano». 32
b. «Enquanto vós confiais em vosso próprio entendimento em
Cristo». Não só o mundo considera parvos os apóstolos, mas também até
os próprios crentes de Corinto. Paulo usa um duro sarcasmo, quando diz
aos destinatários que eles se creem inteligentes e judiciosos crentes em
Cristo. A ironia quer dizer o contrário, pois a sabedoria que têm é
mundana e nada tem que ver com a sabedoria divina em Cristo. 33
Teríamos esperado que os coríntios tivessem sido receptivos à direção do
Espírito Santo (1Co 2:12). Mas sua oposição a Paulo demonstra que
estão influenciados pela sabedoria mundana (cf. 1Co 3:18; 2Co 11:19) e
que estão separados de Cristo e do Espírito Santo. Em lugar de voltar-se
a Cristo para encontrar nEle a sabedoria, confiam em seu próprio
entendimento defeituoso. Paulo usa a ironia para lhes fazer ver sua
arrogância.
c. «Somos fracos, mas vós, fortes; recebestes honra, enquanto nós,
desonra». E segue a ironia. Paulo contrasta a sorte dos apóstolos com a
dos coríntios. Não tem problema em confessar a fraqueza dos servos de
Cristo num mundo onde se despreza a fraqueza e se adora a força.
Depois em ordem inversa, contrasta a honra que receberam os coríntios
com a desonra que sofrem os apóstolos.

31
Consulte-se a K.A. Plank, Paul and the Irony of Affliction, SBL Semeia Studies (Atlanta: Scholars,
1987), pp. 44–54.
32
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians en la serie New International Commentary on
the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 176.
33
Cf. a Jürgen Goetzmann, NIDNTT, vol. 2, p. 620.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 210
Há outras passagens nas quais Paulo contrasta sua fraqueza (1Co
2:3; 2Co 12:5, 9, 10; 13:4) com as virtudes de poder e força. Considera
que a fraqueza é a marca de um verdadeiro seguidor de Jesus Cristo,
porque é Cristo quem o fortalece (Fp 4:13). Gloria-se em como Jesus o
fez conhecer que era fraco e afirma que o poder de Cristo se aperfeiçoou
nele (2Co 12:9). Muito pelo contrário, os coríntios pretendem ser fortes,
mas sem uma relação íntima com Cristo realmente são fracos. Deveriam
ser poderosos no Senhor; de fato, foram chamados e santificados por Ele
(1Co 1:2, 9).
Os coríntios creem receber honra, mas como misturam as coisas de
Cristo com as coisas do mundo, a única coisa que acumulam sobre eles é
vergonha. Ao contrário, os incrédulos zombam dos apóstolos, insultam-
nos e os desonram. Contudo, por estar em íntima comunhão com Jesus,
Deus os honra.
11-13. Até agora estamos famintos, sedentos, mal vestidos,
espancados e sem residência fixa. Trabalhamos com n ossas próprias
mãos. Se nos amaldiçoam, abençoamos; se nos perseguem, perseveramos;
se nos difamam, respondemos amavel mente. chegamos a ser como o lixo
do mundo, o refugo de todas as coisas até agora.
Paulo emprega a ironia só em algumas de suas afirmações. Fala de
como vivem os apóstolos, porém não quer desanimar seus leitores. Não
está pedindo que tenham pena dele, antes, quer que os coríntios saibam
que os verdadeiros servos de Cristo padecerão aflições e vitupérios.
a. «Até agora estamos famintos, sedentos, mal vestidos, espancados
e sem residência fixa». Esta descrição concorda com outras passagens
nas quais Paulo faz uma lista de calamidades: golpes, açoites, prisões,
alvoroços, naufrágios, tresnoitadas, fome, sede, frio e perigos de morte
(2Co 4:8, 9; 6:4–10; 11:23–27; 12:10; veja-se Rm 8:35; Fp 4:12). 34
Além disso, Paulo deve ter tido uma enfermidade muito grave, quando
viveu na província da Ásia, talvez em Éfeso (2Co 1:8–11).

34
R. Hodgson, «Paul the Apostle and First Century Tribulation Lists», ZNW 74 (1983): 59–80;
William D. Spencer, «The Power in Paul’s Teaching (1 Cor. 4:9–20)», JETS 32 (1989): 51–61.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 211
Quando Paulo diz que foi golpeado, o verbo grego indica que a
pessoa que rejeitou o evangelho o agarrou a socos. O verbo em geral
refere-se ao mau trato que com frequência sofreu. 35 A frase sem
residência fixa não quer dizer que Paulo não tivesse um teto onde
dormir. Antes, a ideia é que vagava sem ter um domicílio permanente. 36
Durante suas frequentes viagens deve ter usado uma tenda que ele
mesmo construiu.
Jesus ordenou aos Seus discípulos que o obreiro é digno do seu
salário (Lc 10:7). Paulo esclarece este mandamento dizendo que os que
pregam o evangelho devem ser sustentados por aqueles que o ouvem
(1Co 9:14; e veja-se 1Tm. 5:18). Mas Paulo não usou desse direito.
Preferiu trabalhar com suas próprias mãos, para não obstaculizar o
progresso do evangelho (1Co 9:12b). Isto fez com que muitas vezes
Paulo carecesse da roupa e da alimentação adequada.
b. «Trabalhamos com nossas próprias mãos». Em geral toda criança
judia aprendia de seu pai uma profissão para ganhar a vida. Jesus foi
carpinteiro, João e Tiago eram pescadores e Paulo, fabricante de tendas.
Embora as pessoas davam pouca importância à profissão de Paulo, ele
não se envergonhava. O livro de Atos e suas cartas abundam com
referências a que estava preparado para trabalhar com suas próprias
mãos (veja-se, p. ex., At 18:3; 20:34; 1Co 9:6; 1 Ts. 2:9; 2Ts 3:8). No
entanto, a cultura grega daquele tempo menosprezava o trabalho
manual. 37 Cria-se que o trabalho físico era para os escravos. As pessoas
de Corinto desprezariam Paulo por trabalhar com suas mãos.
c. «Se nos amaldiçoam, abençoamos; se nos perseguem,
perseveramos». O mundo não pode entender a atitude que Paulo
descreve. Como «a vida é dura» a pessoa se conduz pelo lema «eu não
crio problemas para mim, eu tomo vingança». A maldição se paga com
maldição. Se nos perseguirem, contra-atacamos.
35
BAGD, p. 441.
36
Albrecht Oepke, TDNT, vol. I, p. 503.
37
Cf. Grosheide, First Epistle to the Corinthians, p. 109.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 212
Por sua vez, os judeus se guiavam pela regra do «olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé» (Êx 21:24; Lv 24:20; Dt
19:21). Mas Jesus ensinou «Não resistais a quem lhes fizer mal. Se
alguém te der uma bofetada na face direita, dá-lhe também a outra …
Amai vossos inimigos e orai pelos que os perseguem» (Mt 5:39, 44;
veja-se Lc 6:28). Paulo adotou para si o ensino de Jesus e i mostrou na
vida diária.
Os verbos que Paulo usa nesta passagem estão no tempo presente
para indicar que os apóstolos constantemente são insultados e
perseguidos. Respondia abençoando aos seus inimigos e sofrendo a
perseguição. Quanto à perseguição, Paulo literalmente diz «estamos
aguentando». Os apóstolos aprenderam a viver com a opressão, tomando
uma atitude humilde, consistente com os ensinamentos de Cristo (Mt
5:5, 9–12).
d. «Se nos difamam, respondemos amavelmente». O verbo difamar
realmente significa «tergiversar», «desfigurar». A palavra comunica a
ideia de tergiversar a verdade para fazer alguém ficar mal. Não é bom o
sabor da medicina que Paulo recomenda nestes casos: «respondemos
amavelmente». 38 À luz da descrição que Paulo faz da conduta dos
apóstolos, esta é a tradução que se presta ao contexto. O que Paulo
afirma é que, embora a pessoa tergiverse a verdade, ele continua amando
os seus difamadores.
e. «Chegamos a ser como o lixo do mundo, o refugo de todas as
coisas até agora». Paulo usa uma linguagem pitoresca para descrever-se
a si mesmo e ao resto dos apóstolos. Fala da escória ou o desperdício que
se joga fora quando se faz uma limpeza profunda numa casa ou edifício.
Depois acrescenta que são «o refugo de todas as coisas», o que parece
ser uma expressão sinônima. Porém na literatura grega, a palavra
peripsēma (=refugo) usava-se com frequência em conexão com o

38
As traduções diferem neste ponto: «suplicamos» (BP), «rogamos» (NTT, VM), «consolamos»
(NC), «exortamos» (HA). Consulte-se BAGD, p. 617.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 213
sacrifício que uma vez por ano fazia-se de criminais e pessoas com
deformações físicas. Eles eram «a escória da sociedade». 39 Dizia-se que
estas ofertas eram feitas para o benefício da sociedade. Da mesma forma,
os apóstolos são representantes de Jesus, quem foi tido como um
criminoso e crucificado pelo bem do povo (cf. Jo 11:50).
Embora Jesus Se entregasse a Si mesmo como o sacrifício supremo
pelos pecados da humanidade, os apóstolos também sofreram
fisicamente em favor do evangelho de Cristo. Os apóstolos foram
desprezados pela sociedade que os considerava lixo. Seu único consolo e
fortaleza era o Senhor. Sabiam que nesta vida teriam que suportar a
zombaria do mundo. É por isso que Paulo escreve até agora. Enquanto
escrevia sua epístola em Éfeso, talvez ouviu as pessoas cantar a sinistra
canção: «Aos leões com os cristãos!» (cf. 1Co 15:32). 40

Considerações práticas em 1Co 4:11–13


As estatísticas revelam que as igrejas aumentam em número e
crescem espiritualmente nos países onde é comum encontrar
perseguições, penalidades, pobreza, corrupção e sofrimento. Em
contraste, a membresia eclesiástica diminui nos países onde abunda a
riqueza e a boa vida. Cada vez que os cristãos desfrutam de confortos e
bem-estar, tendem a esquecer o senhorio de Cristo. Tornam-se
autossuficientes e, embora mantenham uma aparência religiosa, perdem
o amor por Cristo e a mensagem da salvação.
Significa que os cristãos devem estar contentes com a perseguição e
o sofrimento? Ninguém deve buscar a perseguição por amor à
perseguição em si. Mas cada vez que os crentes queiram ser obedientes

39
Consulte-se J.I. Packer, NIDNTT, vol. I, p. 479; Friedrich Hauck, TDNT, vol. 3, pp. 430–431;
Gustav Stählin, TDNT, vol. 6, pp. 90–91. A. Hanson, «1 Corinthians 4:13b and Lamentations 3:45»,
ExpT 39 (1982): 214–15.
40
G.G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 803.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 214
ao evangelho, o mundo os rejeitará e terão que sofrer perseguição. Jesus
lhes diz: «Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos
céus» (Mt 5:12, TB). Os seguidores de Jesus experimentam o abandono
da parte de seus amigos do mundo. Têm que sofrer agressões verbais,
acompanhada muitas vezes pela agonia mental e física. De fato, lutam
contra forças espirituais controladas por Satanás (veja-se Ef 6:12).
Apesar de tudo podem alegrar-se, porque sabem que receberão o seu
galardão.
Significa que os cristãos devem procurar ser pobres para manter-se
vivos espiritualmente? Não necessariamente. Abraão é conhecido como
o pai dos crentes, e Deus o abençoou com muitas posses terrestres. Da
mesma forma, Jó foi provado e fortalecido em sua fé, e Deus o abençoou
com inumeráveis riquezas. No entanto, o bem material sempre deve estar
subordinado à causa de Cristo e jamais deve converter-se em senhor do
cristão. Como diz Paulo: «avareza, a qual é idolatria» (Cl 3:5). Jesus
ensinou que os crentes devem amar a Deus com todo seu coração, com
toda sua alma e com toda sua mente, e amar o seu próximo como a si
mesmos (Mt 22:37–40). Então será rico em Cristo, até se o mundo o
considera um indigente.
Henry F. Lyte expressou em poesia o que é seguir a Jesus sem
importar as consequências:

Jesus, minha cruz tomei


Para abandonar tudo e Te seguir;
Necessitado, desprezado, abandonado,
Tu serás meu tudo;
Morra toda ambição que eu acaricie,
Tudo o que tenha buscado, esperado ou conhecido;
Quão opulenta é minha vida, no entanto:
Ainda retenho a Deus e ao céu.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 215
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 4:9–13
Versículos 9–10
δοκ_ γάρ — é uma afirmação parentética que significa «porque em
minha opinião»; numerosos manuscritos antigos que representam uma
ampla área geográfica omitem a conjunção _τι (=que).
τ_ κόσμ_ — este substantivo em caso dativo vem explicado pelos
substantivos indefinidos _γγέλοις e _νθρώποις querendo dizer «o mundo,
isto é, anjos e seres humanos». 41
_μεί … _μεί — note-se primeiro a posição destes dois pronomes
pessoais (um no começo e o outro no final das três orações, o que os
torna enfáticos). Note-se também que se repetem; e finalmente se deve
observr que na última oração aparecem na ordem inversa.

Versículos 11–12
_χρι τ_ς _ρτι _ρας — «até este momento». Esta seção (vv. 11–13)
começa e termina com uma referência temporal, _ως _ρτι (=até agora).
Com exceção do aoristo passivo _γενήθημεν («chegamos a ser») do
versículo 13, todos os verbos finitos e os particípios desta seção estão no
tempo presente.
λοιδορούμενοι — é o gerúndio de λοιδορέω (=amaldiçoar) e tem
aqui um sentido concessivo («embora sejamos amaldiçoados»).

Versículo 13
περικαθάρμα — este é um substantivo composto de περι, (=ao
redor) e de καθαρίζω (=limpo), e aponta ao resíduo que fica depois que
se esfregou algo. A terminação -μα denota o resultado da ação.
περίψημα — vem da preposição περι, e do verbo ψάω (=purificar,
esfregar), e aponta a «aquilo que se tira esfregando».

41
Robertson, p. 788.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 216
d. Uma admoestação. 1Co 4:14–17

14. Não vos escrevo estas coisas pa ra vos envergonhar, senão para
vos admoestar como a meus filhos queridos.
Paulo repreendeu fortemente os coríntios, agora os aborda como um
pai amante que se preocupa com sua família (veja-se 2Co 6:13; Gl 4:19;
1Ts 2:11). Uma coisa que as crianças mais temem é que as envergonhem
na presença de seus amigos. A vergonha deixa uma marca indelével em
suas vidas. A igreja de Corinto não quer ser envergonhada na presença
das outras congregações da Acaia, Macedônia e Ásia Menor (cf. 1Co
6:5; 2Co 9:4).
Depois da parte negativa «Não vos escrevo estas coisas para vos
envergonhar», Paulo põe as coisas de forma positiva: «para vos
admoestar». Quer que os coríntios o escutem para seu próprio benefício.
Diz-lhes que devem pôr atenção a suas palavras, porque em Cristo ele é
seu pai e eles, seus queridos filhos. Suas palavras são as palavras de um
pai que corrige a seus filhos com amor. 42 Paulo se dirige aos coríntios
com amor genuíno; por isso usa o adjetivo queridos, que outras
traduções vertem por amados. Os versículos que se seguem revelarão o
conteúdo de sua admoestação. 43
15. Embora tenhais incontáveis tutores em Cristo , ao menos não
tendes muitos pais, porque em Cristo Jesus eu fui vosso pai por meio do
evangelho.
a. «Embora tenhais incontáveis tutores». Paulo usa um exagero para
poder sublinhar o conceito de pai. É como se ele lhes dissesse:
«Suponhamos por um momento que, à parte de mim e de Apolo, vós
tivésseis sido cuidados por um número incontável de servidores que os
guiassem a Cristo. Contudo, só eu sou o vosso pai espiritual, aquele que
pela primeira vez vos ensinou o evangelho». Paulo usa o termo

42
Johannes Behm, TDNT, vol. 4, p. 1022.
43
O verbo grego nouthetein (=advertir) é uma palavra paulina. Veja-se At 20:31; Rm 15:14; Cl 1:28;
3:16; 1Ts 5:12, 14; 2Ts 3:15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 217
paidagogo, do qual provém a palavra pedagogo. Na cultura grega, um
pedagogo era um escravo doméstico ou uma pessoa livre que levava e
trazia da escola a criança (ou crianças) de pais ricos. Era nomeado como
o tutor (ou curador) da criança em matérias de boa conduta. Tinha
autoridade para repreendê-la quando fosse necessário, para cuidá-lo de
perigos e de más companhias e para despertar seu interesse na gramática,
na dicção e na forma correta de expressar-se. 44 Ajudava a criança a fazer
suas tarefas, cuidava-a se estava doente e a vigiava até a adolescência.
Paulo exagera a propósito, quando sugere que os coríntios poderiam
ter dez mil pedagogos que cuidem deles, reclamem e corrijam com
relação à conduta e ensino cristão. Note-se que embora um pai
empregasse um pedagogo, de todas formas o pai nunca deixava de estar
no comando da educação de seu filho. O pai sempre estava mais perto do
filho que um pedagogo.
b. «Ao menos não tendes muitos pais, porque em Cristo Jesus eu fui
o vosso pai por meio do evangelho». Uma pessoa poderá ter muitos
mestres, mas só um pai biológico. Assim que, Paulo diz que os coríntios
poderiam ter um número incontável de pedagogos para guiá-los a Cristo,
porém não poderão ter muitos pais espirituais. Por dezoito meses Paulo
trabalhou, plantando a igreja de Corinto (At 18:11). Por conseguinte,
podia dizer com toda razão que em Cristo era o progenitor espiritual da
igreja de Corinto. A cultura judaica ensinava que o mestre que instruía a
seus estudantes no conteúdo da Torá (as escrituras do Antigo
Testamento, outra literatura judaica sagrada e a tradição oral)
considerava-se o pai deles. 45 Nessa capacidade, Paulo estabelece sua
autoridade apostólica sobre os membros da igreja que a questionavam.
Se se examinar este assunto por outro ângulo, pode-se dizer que a
igreja não deu à luz os apóstolos; antes, foi Jesus Cristo quem capacitou
os apóstolos a saírem para fundar a igreja. Embora obreiros como
44
Refira-se a Norman H. Young, «Paidagogos: The Social Setting of a Pauline Metaphor», NovT 29
(1987): 150–76.
45
SB, vol. 3, pp. 340–341.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 218
Timóteo, Silas, Apolo e Tito foram a Corinto para ajudar no ensino e
edificação dos membros da igreja, era Paulo a autoridade suprema. 46 Por
meio do evangelho de Cristo, Paulo pode chamar-se a si mesmo pai dos
coríntios.
16, 17. Portanto, vos admoesto a ser meus imitadores. Com este fim
vos envio a Tim óteo, que é me u querido e fiel filho no Senhor. Ele vos
lembrará meu proceder em Cristo Jesus, como ensi no em todas as partes
em cada igreja.
a. Imitadores. Paulo trouxe o evangelho aos coríntios, foi
testemunha de seu nascimento espiritual, ensinou-lhes a forma de vida
cristã, admoestou-os a seguir a Cristo e lhes demonstrou um invariável
amor por eles. Agora lhes ordena a serem seus imitadores e que adotem
o testemunho que dá de Cristo. 47 Implica-se que Paulo os impulsa a
imitar a Cristo, que se revela no evangelho. Em outra parte desta mesma
carta escreve: «Sede meus imitadores, como eu de Cristo» (1Co 11:1;
veja-se também Gl 4:12; Fp 3:17; 2Ts 3:7,9). O que afirma é que aquele
que imita a Paulo, imita a Cristo.
Como seu pai espiritual, Paulo espera que os coríntios sigam seu
exemplo. Desde seu nascimento, as crianças dependem de seus pais para
sobreviver. Necessitam que os pais cuidem deles, os guiem e ensinem.
Copiam a forma em que vivem seus pais, aprendem deles os valores e
verdades básicas. As crianças refletem a imagem de seus pais física e
espiritualmente. «Quanto mais próxima for a relação entre pai e filho,
mais similitudes pode-se encontrar entre ambos». 48 Naturalmente que o
fundamento desta íntima relação é o amor. Paulo mostra seu amor por
sua prole espiritual, chamando-os «filhos meus amados» (v. 14, RA).

46
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 450.
47
D.M. Stanley, «‘Become imitators of me’: The Pauline Conception of Apostolic Tradition», Bib 40
(1959): 859–77; Wilhelm Michaelis, TDNT, vol. IV, p. 668.
48
Willis P. De Boer, The Imitation of Paul: An Exegetical Study (Kampen: Kok, 1962), p. 153; Eva
Maria Lassen, «The Use of the Father Image in Imperial Propaganda and 1 Corinthians 4:14–21»,
TynB 42.1 (1991): 121–36.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 219
b. Descendência. A maioria dos tradutores vertem o grego de forma
literal: «enviei» (BJ), «mandei» (RA), o que implica que Paulo mandou
Timóteo a Corinto. No entanto, não temos evidência de que Timóteo
haja alguma vez atracado em Corinto (mas veja-se 1Co 16:10, 11). Por
esta data (55 d.C.), Paulo começou a escrever sua primeira epístola aos
Coríntios. Se Timóteo tivesse estado com ele nesses momentos, teríamos
esperado que Paulo incluísse seu nome na saudação, como o faz em 2
Coríntios 1:1.
Outros tradutores preferem o tempo presente: «envio» (CI) ou
«estou enviando» (NTLH). Argumenta-se que quando se envia uma carta
ou um mensageiro, a pessoa fica na posição dos destinatários. Para os
destinatários a ação de enviar já ocorreu no passado. Mas do ponto de
vista do emissor a ação se desenvolve no presente.
«Com este fim vos envio Timóteo, que é meu querido e fiel filho no
Senhor». Junto com a carta, Paulo envia Timóteo a Corinto. Timóteo
conheceu a fé de sua avó Loide e sua mãe Eunice (2Tm 1:5); supomos
que se converteu quando Paulo e Barnabé chegaram a Listra e Derbe,
durante sua primeira viagem missionária (At 14:8–21). Timóteo
acompanhou Paulo, levando as melhores recomendações dos cristãos de
Listra (At 16:1–3). Para essa data já deve ter sido crente por algum
tempo.
Paulo chama Timóteo «meu querido e fiel filho no Senhor». Isto
significa que Paulo considerava-se o pai espiritual de Timóteo. Como um
pai ama o seu filho, assim Paulo amava o seu filho espiritual (1Tm. 1:2;
2Tm 1:2; cf. Fm 10). Em seu trabalho para o Senhor, Timóteo provou ser
um filho fiel de Paulo. O livro de Atos e as epístolas de Paulo nos
informam que Timóteo com frequência levou a cabo tarefas que no
momento Paulo não podia realizar. Por exemplo, quando Paulo teve que
deixar Filipos, Tessalônica e Bereia, Timóteo foi substituí-lo em tais
lugares (At 17:15; Fp 2:22; 1Ts 3:1–3, 6).
c. Instrução. «Ele vos lembrará meu proceder em Cristo Jesus,
como ensino em todas as partes em cada igreja». Como filho espiritual
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 220
de Paulo, Timóteo deve refrescar a memória aos filhos espirituais de
Paulo em Corinto. Deve lembrar-lhes qual é a conduta cristã que segue
Paulo, que aqui se menciona como «meu proceder em Cristo Jesus». Este
proceder refere-se ao trabalho que Paulo realizava durante sua estadia
em Corinto: ensino, pregação, aconselhamento, formação, edificação e
oração. Estas coisas têm que ver com o trabalho que Paulo fazia em
nome de Cristo e para a edificação da igreja.
Paulo insinua que embora faça um tempo que não visita a igreja de
Corinto, que ninguém pense que não tem nada que fazer. Esteve
ensinando especialmente em Éfeso e na província da Ásia. Ali ensinou o
mesmo que os coríntios receberam faz alguns anos. Além disso, Paulo
crê e luta pela unidade da igreja de Jesus Cristo (veja-se 1Co 7:17;
14:33). Portanto, não há lugar para divisões e doutrinas contrárias ao
evangelho.

Considerações doutrinais em 1Co 4:14–17


Quando Paulo escreve que é o pai dos cristãos de Corinto,
imediatamente pensamos nas palavras que Jesus pronunciou quando
amaldiçoou os fariseus: «E não chamem ‘pai’ a ninguém na terra, porque
vós tendes um só Pai, e ele está no céu» (Mt 23:9). Está descuidando
Paulo este mandamento? Não necessariamente. As palavras de Jesus
devem entender-se dentro do contexto em que se pronunciaram.
Em seu discurso contra os fariseus, Jesus diz aos doze discípulos e à
multidão de que não usem o título de rabi porque só há um Senhor (Mt
23:8). Então diz que a ninguém chamem pai, porque só Deus é seu Pai.
O termo os pais «veio a ser muito popular para referir-se a antigos
mestres da lei, especialmente os grandes mestres». 49 Jesus adverte contra
títulos que fomentam o orgulho das pessoas que o recebem. No Novo

49
K. Kohler, «Abba, Father: Title of Spiritual Leader and Saint», JQR 13 (1900–1901): 567–80; D.A.
Carson, Matthew, en el vol. 8 de The Expositor’s Bible Commentary, editado por Frank E. Gaebelein,
12 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 1984), p. 475.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 221
Testamento Paulo ou os apóstolos nunca são chamados pais. Quando
Paulo usa a figura do pai e os filhos, qualifica-a dizendo: «em Cristo eu
fui vosso pai por meio do evangelho».

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 4:14–17


Versículo 14
ο_κ _ντρέπων — a partícula negativa ο_κ precede o gerúndio, voz
ativa, do verbo _ντρέπω (=envergonhar). Normalmente é a partícula μή a
que rege os particípios, mas aqui o contraste das palavras ο_ … _λλά faz
com que Paulo se à parte da regra. 50
νουθετ_ν — este particípio vem do verbo νουθετέω (=advertir,
admoestar). Preferimos esta leitura com o gerúndio que a forma finita
νουθετ_. Ambas as leituras têm apoio semelhante, mas o uso do
particípio é uma característica dominante dos escritos de Paulo.

Versículo 15
μυρίους — este adjetivo está no caso acusativo plural masculino.
Seu significado não é «dez mil», mas «inumeráveis». 51
__ν … _χητε — devido ao verbo em subjuntivo, a oração
condicional expressa cepticismo. Na apódose, o advérbio _λλ_ quer
dizer «ao menos».
_γ_ … _μά — note-se como Paulo justapõe estes dois pronomes
pessoais, para indicar assim a íntima relação que tinha com os coríntios.

Versículo 17
_πεμψα — é o aoristo ativo de πέμπω (=enviar) e é provavelmente
um aoristo epistolar «estou enviando».
50
Robert Hanna, A Grammatical Aid to the Greek New Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p.
291.
51
BAGD, p. 529.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 222
_ς _μά _ναμνήσει — literalmente: «quem vos lembrará» é uma
oração de propósito que funciona em paralelo com a oração anterior
«que é meu querido e fiel filho no Senhor».

e. A visita que se aproxima. 1Co 4:18–21

18, 19. Mas alguns de vós vos t ornastes arrogantes, como se eu não
fosse a ir a té vós. Mas muito em breve vos visitarei, se o Senhor quiser, e
então conhecerei, não as palavras dos arrogantes, mas o poder que têm.
a. Arrogância. Paulo volta a falar da arrogância que mostravam
alguns irmãos de Corinto (veja-se o v. 6), porque este era um pecado
permanente da congregação. Não só aparecia na forma de um espírito
divisionista, mas também na falta de respeito que tinham por Paulo
(veja-se 1Co 9:1–3; 2Co 10:9, 10). Antes de passar ao tema da
disciplina, Paulo volta a admoestar os arrogantes a que tomarem nota (cf.
1Co 1:11, 12; 3:3, 4).
O livro de Provérbios representa o Senhor como «a sabedoria», e
nesta forma que diz: «A soberba e a arrogância, o mau caminho e a boca
perversa, aborreço» (Pv 8:13b). Estes são os pecados cometidos por
alguns dos coríntios (cf. 1Co 5:2; 8:1). Paulo quer que estes orgulhosos
reconheçam o seu pecado e se arrependam, para que este mal não invada
a congregação.
b. Intenção. A arrogância não deixa a pessoa ver a realidade. Os
líderes soberbos de Corinto criam que Paulo ficaria em Éfeso e que não
voltaria para Corinto. Subestimavam a amorosa preocupação que Paulo
tinha pela igreja e sua intenção de visitar as igrejas da Macedônia e
Acaia (At 19:21). Paulo orava diariamente pelas igrejas e se interessava
pessoalmente em seu bem-estar espiritual (1Co 1:4; Fp 1:3, 4; Cl 1:3, 4;
1Ts 1:2, 3; 2Ts 1:3). Paulo estava determinado a visitá-los, até se os
líderes espalhavam o rumor de que Paulo não voltaria para Corinto.
Provavelmente sentiam-se seguros pensando que enviava Timóteo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 223
porque não tinha interesse na igreja de Corinto. Mas «sabiam muito bem
que Paulo estava equipado com o poder de Deus». 52
c. Afirmação. «Mas muito em breve vos visitarei, se o Senhor
quiser». Paulo fala com determinação porque de fato vai visitar a igreja
de Corinto. Diz-lhes que muito em breve irá vê-los. Depois de viajar pela
Macedônia, espera chegar a Corinto e ficar um tempo ali, talvez todo o
inverno (16:5–7). Inclusive lhes diz que deixará Éfeso depois do
Pentecostes (1Co 16:8), provavelmente em 56 d.C.
Mas Paulo qualifica seu desejo com a oração se o Senhor quiser
(veja-se também 1Co 16:7). Sabe que serve ao Senhor, que o enviará
onde sua presença seja requerida. Não manda em si mesmo, pertence ao
seu Senhor Jesus Cristo.
d. Propósito. «E então conhecerei, não as palavras dos arrogantes,
mas o poder que têm». Paulo não se interessa no que seus oponentes
tenham que dizer, porque o acusaram estando ausente. O que quer saber
é que influência têm sobre a membresia da igreja. Se estivessem cheios
do Espírito Santo, seriam uma influência positiva na congregação. Mas
se carecerem do Espírito, não saberão como edificar a igreja. O plano de
Paulo é ficar em Corinto para ver se estes líderes foram dotados de poder
espiritual para promover a causa de Cristo.
20. Porque o reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder.
Ao terminar esta seção, Paulo se preocupa em escolher muito bem
suas palavras. Usa o conceito do reino para lembrar-lhes o poder e
influência que Deus tem em todo o universo. Paulo já zombou dos
coríntios chamando-os de reis (v. 8), agora lhes ensina que Cristo reina
com poder em todo o seu reino.
Esta é a primeira vez que Paulo usa a palavra reino em sua epístola.
Embora o termo apareça principalmente nos Evangelhos sinóticos,
também ocorre com frequência nas epístolas de Paulo. 53 Em muitas

52
Calvin, 1 Corinthians, p. 100.
53
Rm 14:17; 1Co 4:20; 6:9, 10; 15:24, 50; Gl 5:21; Ef 5:5; Cl 1:13; 4:11; 1Ts 2:12; 2Ts 1:5; 2Tm 4:1,
18.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 224
passagens, Paulo destaca o aspecto presente do reino de Cristo. Por
exemplo, o reino não tem que ver com comida ou bebida (Rm 14:17),
com palavras arrogantes, mas com poder (1Co 4:20) e vidas que sejam
dignas de Deus (1Ts 2:12). Em outros textos sublinha o aspecto
escatológico do reino: que os ímpios não o herdarão (1Co 6:9, 10; Gl
5:19–21; Ef 5:5).
Quando se refere ao reino, Paulo apropriadamente faz ênfase no
senhorio de Jesus Cristo. «O exercício do senhorio implica o exercício
de um domínio parecido à ideia do governo dinâmico que se vê no
ensino de Jesus». 54 Embora Paulo omita o nome Jesus, sabemos que o
reino de Deus pertence a Cristo. A Ele foi dado todo o poder nos céus e
na terra (Mt 28:18). Assim que no reino de Deus, Jesus reina de forma
suprema por meio de Seu poder espiritual (1Co 5:4; e veja-se Mc 9:1).
Entramos no reino «só porque o poder salvífico de Deus nos transforma
de uma forma maravilhosa e nos faz partícipes do seu reino». 55
21. O que quereis? Quereis que vá a vós com vara ou com amor e
espírito afável?
Paulo termina seu discurso fazendo duas perguntas diretas. Na
primeira ele pergunta o que querem eles que ele faça; na segunda lhes dá
a escolher. Querem castigo ou amor? Não só o pergunta aos arrogantes,
mas também a toda a congregação. Todos na congregação compartilham
a culpa do dano causado pela arrogância e o divisionismo. Sua
responsabilidade corporativa os obriga a responder a Paulo.
a. «Quereis que vá a vós com vara?». Como interpretamos a palavra
vara? Deve-se entender de forma literal ou figurada? Deve Paulo chegar
a Corinto como um diretor de colégio ou pedagogo que aplica açoites
aos alunos revoltosos? 56 A tradução literal pareceria acomodar-se ao
contexto onde Paulo menciona tutores que tinham a tarefa de corrigir a

54
Guthrie, New Testament Theology, p. 429.
55
R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians (1935;
Columbus: Wartburg, 1946), p. 202.
56
Carl Schneider, TDNT, vol. 6, p. 968.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 225
conduta das crianças (v. 15). Contudo, a explicação figurativa tem mais
méritos, se entendermos que Paulo vem a Corinto com «uma palavra de
poder». 57 Paulo se oferece para ir com a vara do poder espiritual que
Jesus lhe deu. O apóstolo é o representante de Cristo e como tal está
habilitado para corrigir com a Palavra autoritativa de Deus. O Novo
Testamento descreve Cristo como dotado de um poder absoluto que é
simbolizado mediante uma vara (Hb 1:8 [Sl. 45:6]; Ap 2:27; 12:5; 19:15
[Sl. 2:9]). Cristo usará essa vara para a derrota final do mal. 58
b. «[Quereis que vá a vós …] com amor e espírito afável?». Se
dependesse de Paulo, ele escolheria ir a eles como um pai amoroso que
fala com seus filhos arrependidos. Preferiria perdoá-los que castigá-los,
sempre que se arrependam (cf. 2Co 1:23). Se os repreender, ele o faz
com amor. Como o demonstrou em palavras e atos, seu amor por eles é
genuíno (veja-se o v. 14). Seguindo os ensinos de Jesus, preferiria ir a
eles num espírito afável.
Durante o Seu ministério terrestre, Jesus ensinou os Seus seguidores
que se forjassem um espírito de mansidão (Mt 5:5; 11:29). Em Sua
entrada triunfal, Ele mesmo entrou humildemente em Jerusalém,
montando um jumentinho (Mt 21:5; veja-se Zc 9:9). Mas ao Se
aproximar de Jerusalém, chorou por ela, pois seus habitantes não foram
capazes de reconhecer que Deus os tinha aproximado em Jesus Cristo
(Lc 19:41–44). Por isso, Jesus teve que pronunciar palavras de
repreensão e lamento (Mt 23:37–39).
Agora Paulo pede aos coríntios que decidam se quiserem que
chegue a eles, perdoando-os com amor e afeto ou se quiserem que os
castigue, se não mostrarem arrependimento. A decisão é deles.

57
Robert W. Funk, Language, Hermeneutic, and the Word of God: The Problem of Language in the
New Testament and Contemporary Theology (New York: Evanston, and London: Harper and Row,
1966), p. 303.
58
Margaret Embry, NIDNTT, vol. 1, pp. 163–164.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 226
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 4:18–20
Versículo 18
_ς — «como se». Esta partícula introduz o que pensavam alguns
coríntios: «Paulo não virá».
_φυσιώθησαν — é o aoristo passivo de φυσιόω (=inflar) e deve
traduzir-se como um pretérito em português: «vos tornastes arrogantes».

Versículos 20–21
_ν — esta preposição aparece duas vezes no versículo 20 e controla
os casos dativos dos substantivos palavras e poder. Trata-se de um dativo
descritivo.
_ν _άβδ_ — a preposição com o substantivo em caso dativo denota
acompanhamento («com vara») e depende do verbo _λθω, o qual é um
subjuntivo aoristo deliberativo: «irei a vós?»
τε — não se trata de uma conjunção, mas de uma partícula
conectiva que serve para conectar componentes semelhantes.

Resumo de 1 Coríntios 4
Paulo ensina aos coríntios que ele e o resto dos apóstolos são servos
de Cristo e mordomos dos mistérios de Deus. Deus espera que sejam
fiéis, porque é a Ele e não aos homens, que devem dar conta. Os
coríntios não deveriam julgar o trabalho destes apóstolos; ao contrário,
deveriam esperar que o Senhor julgue, porque Ele trará à luz o que se
esconde no coração dos homens e dEle receberão seu louvor.
Paulo admoesta aos coríntios a não irem além do que está escrito e
que não sejam arrogantes uns com os outros. Diz-lhes que tudo o que
possuem lhes foi dado, assim que não deveriam vangloriar-se como se
sempre tivesse sido seu. Para fazê-los repensar, Paulo ironiza
perguntando se são ricos e reinam como reis. Depois lhes informa como
vivem os apóstolos por amor a Cristo e ao evangelho. Sendo fracos, são
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 227
fortes. Estão famintos e sedentos, falta-lhes roupa e abrigo, trabalham
para sustentar-se. Embora se abusa deles física e verbalmente,
perseveram e são amáveis.
Paulo os chama filhos queridos, porque mediante o evangelho é seu
pai espiritual. Exorta-os a seguir o seu exemplo, diz-lhes que envia
Timóteo para que lhes faça lembrar o modo de viver de Paulo e lhes diz
que ele mesmo logo os visitará. Termina perguntando se querem receber
castigo ou amor e afeto.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 228
1 CORÍNTIOS 5
IMORALIDADE E LITÍGIOS, PRIMEIRA PARTE (1CO 5:1–13)

1. Incesto. 1Co 5:1–8

Ao terminar o capítulo precedente, Paulo propôs aos coríntios


escolher: queriam que ele fosse com vara ou com um espírito de amor e
afabilidade. Insinua que se eles se arrependem ele lhes será como um pai
amoroso, se não, terá que castigá-los com vara.
Esta conclusão serve de ponte para passar a outro tema que Paulo
quer discutir com os coríntios. Foi informado que na congregação há um
incestuoso e que os membros da igreja não o repreenderam. Este pecado
tão atroz aos olhos de Deus e os homens, tem que ser removido. O
homem é culpado pelo incesto, mas a igreja também é culpada por não
ter agido.

a. Um irmão imoral. 1Co 5:1–5

1. Geralmente se informa que entre vós há imoralidade e de um tipo


que nem sequer ocorre entre os gentio s, isto é, que um homem possua a
esposa de seu pai.
a. Relatório. «Geralmente se informa». A primeira palavra que
aparece no grego é holos, um advérbio que significa «de fato», «em
geral» ou «totalmente». Comunica a ideia de totalidade mais que de
universalidade 1 e significa que se relatou toda a história. Ao ter o
primeiro lugar na oração, o advérbio é enfático e modifica o verbo
impessoal se informa. Paulo não se interessa em dizer quem é o repórter
ou como se inteirou. Só menciona o fato e não entrega detalhes, exceto

1
Veja-se a VM, que diz: «Por todas as partes diz-se». Por contraste, a HA diz: «ouve-se dizer como
coisa certa».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 229
que numa carta anterior já lhes tinha advertido de que não deviam juntar-
se com gente imoral (v. 9; veja-se o comentário).
b. Conteúdo. «Entre vós há imoralidade … um homem possui a
esposa de seu pai». Paulo se refere à imoralidade de um membro da
igreja e da esposa de seu pai. Não nos é dito se a mulher é cristã ou se o
pai ainda vive, mas Paulo parece indicar que o pai ainda está vivo (Gn
35:22; Am 2:7). Em círculos judeus, a frase esposa de seu pai queria
dizer «madrasta». Pelo fato de que a mulher fez votos matrimoniais com
o pai, era um pecado que o filho tivesse relações sexuais com ela, mesmo
quando ela não tivesse nenhuma relação biológica com ele. Deus
advertiu repetidamente os israelitas: «Não terás relações [sexuais] com a
mulher de teu pai» (Lv 18:8, Versão LT; veja-se Lv 20:11; Dt 22:30;
27:20). Se em Israel um filho tinha relações sexuais com sua madrasta, a
comunidade o teria apedrejado.
E se o pai tivesse morrido, ficaria o filho em liberdade de casar com
sua madrasta? Durante os primeiros dois séculos da era cristã, alguns
eruditos judeus condenavam que um prosélito casasse com sua madrasta
pagã, mas outros o toleravam. 2 Saberiam os judeus e prosélitos de
Corinto a respeito desta tolerância? Não o sabemos. Seja como for, Paulo
condena o fato e ainda menciona como se conduziam os pagãos nesta
matéria.
«E de um tipo que nem sequer ocorre entre os gentios». 3 Paulo
menciona os gentios para fazer ver quão grave era o pecado que tinha
cometido o membro da igreja. Com isso Paulo deseja levar a
congregação a reagir, em vez de permitir que um membro envergonhe
toda a congregação. Assim como uma maçã podre é capaz de apodrecer
toda a caixa, da mesma forma um pecador desavergonhado pode infectar
todo o testemunho da congregação diante de uma comunidade gentílica.
2. Entretanto, vós sois arrogantes ! Em vez disso, não deveríeis doer-
se? Tirai do vosso meio o homem que cometeu tal coisa.
2
SB, vol. 3, p. 358.
3
Cícero condena o incesto: Pro Cluentio 5.11–14.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 230
Por que os coríntios se mostravam negligentes em não disciplinar
ao imoral expulsando-o da igreja? As palavras de Paulo são mordazes:
«Sois arrogantes». No capítulo anterior afirmou que alguns dos coríntios
eram arrogantes em sua maneira de falar (1Co 4:6, 18, 19). Agora se
dirige a todos os crentes da igreja, porque sabe que alguns líderes
desviaram outros. Mostraram uma atitude soberba e ainda a mantêm.
Creem que têm a liberdade para não fazer nada com relação a esta
fraqueza (1Co 6:12; 10:23), porque pretendem ter um conhecimento
superior (1Co 3:18; 8:1, 2). Paulo encontra difícil raciocinar com gente
que carece de humildade e limites.
Usando uma pergunta retórica que espera um «sim» como resposta,
Paulo indaga: «Em vez disso, não deveríeis lamentar?». Agora que ele
fez notar que o corpo da igreja tem uma mancha, pede-lhes que
comecem a lamentar. O verbo doer-se aponta à dor que se sente pelo
pecado cometido, seja por um ou por outros. O Antigo Testamento nos
dá o exemplo de Esdras, que se doía pela infidelidade dos exilados.
Voltaram para Jerusalém e edificaram o templo, mas casaram com
estrangeiras dos povos vizinhos (Esd 10:1–6). 4 Paulo pede aos coríntios
que da mesma maneira deem começo a um período de luto que mostre
arrependimento e dor. Só depois poderão humilhar-se diante de Deus e
experimentar sua presença cheia de amor.
Os coríntios devem converter-se de seu orgulho, mostrar nova
obediência à lei de Deus e expulsar o ímpio da igreja. Paulo diz: «Tirai
de vosso meio ao homem que cometeu tal coisa». O grego indica que o
homem cometeu um ato imoral, porém não que continue praticando-o.
Chegou o momento da disciplina da igreja. Deve-se executar
disciplina, assim como o cirurgião usa o bisturi para extirpar um tumor
maligno do corpo de um paciente. Se os coríntios não expulsarem o
imoral, toda a congregação ficará sob a condenação divina (v. 13). A

4
BAGD, p. 642. Veja-se também Brian S. Rosner, «‘ο_χι μ_λλον _πενθήσατε’: Corporate
Responsability in 1 Corinthians 5», NTS 38 (1992): 470–63.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 231
igreja de Jesus Cristo se caracteriza pela santidade e tem o dever de
expulsar o pecador desavergonhado e grosseiro por meio da
excomunhão. Ao mesmo tempo, se a expulsão vem acompanhada do
arrependimento da igreja, o corpo de Cristo fica limpo.
3. Porque embora eu esteja au sente em corpo mas presente em
espírito, como se estivesse presente, já julguei o que cometeu isso.
a. Uma concessão. «Porque embora eu esteja ausente em corpo mas
presente em espírito». Nos versículos 2 e 3, Paulo entrega sua aberta
condenação à imoralidade. Por ênfase, coloca o pronome vós (do v. 2)
em contraste com o pronome eu (do v. 1). Admite que a distância
geográfica o separa dos destinatários, mas isto não quer dizer que sua
carta pode ser tomada levianamente. Pelo contrário, está em espírito
junto à igreja e desta forma pode brindar sua liderança. É como se ele se
sentasse para dirigir a reunião da igreja local. Sabe que ele e os coríntios
têm o dever de remover a mancha da congregação. Ele o faz por meio da
oração e sua epístola.
b. Juízo. «Como se estivesse presente, já julguei ao que cometeu
isso». Paulo informa à congregação que ele já tomou ação com relação
ao imoral. Fala como se estivesse em Corinto e em essência ecoa de si
mesmo quando diz: «Como se estivesse presente». Usa o tempo perfeito:
«já julguei» para indicar que logo que ouviu sobre a ofensa, tomou uma
decisão. «Porque Paulo não fala de uma ação, mas de um juízo, não há
dúvida de que se procura um juízo divino, como ocorreu no caso de
Ananias e Safira». 5
A expressão que fala sobre o que cometeu isso é enfática. Por
razones de estilo, algunos traductores omiten la palabra así. Algumas
traduções, no entanto, esforçam-se por reter a ênfase que Paulo quer
comunicar. 6 Paulo escreve uma sequência de conceitos que lhe servem

5
F.W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 121.
6
«Ao que assim se comporta » (CB), «ao que agiu dessa maneira» (CI). Veja-se NTT, BJ, VM, HA.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 232
de demonstrativos: homem (vv. 1, 2), semelhante coisa (v. 2), assim, isto
(v. 3). O grego comunica que o pecado levou a cabo no passado, mas que
tem efeitos permanentes para a congregação.
Que ninguém se imagine que Paulo está longe e que, portanto, nada
pode fazer. Não é impotente, quer que a igreja tome cartas no assunto
guiada por seu conselho. Em reunião congregacional, a igreja deve
expulsar o que cometeu esse delito. Paulo não entrega um procedimento
detalhado de disciplina, mas confiamos que primeiro apelou ao
procedimento pelo qual dois ou três confirmassem o assunto (Cf. Mt
18:15–17).
4, 5. Quando vos reunis, e eu esto u convosco em meu espírito com o
poder de nosso Senhor Jes us, em no me de nosso Senhor Jesus entregai
este homem a Sat anás para a destru ição da c arne, a fim de que se u
espírito seja salvo no dia do Senhor.
a. A reunião. Paulo quer que a igreja de Corinto expulse
imediatamente o ímpio. Diz-lhes que tenham uma reunião
congregacional como se ele mesmo estivesse presente. Na reunião
devem invocar o nome de Jesus, que prometeu estar presente onde dois
ou três se reúnem em Seu nome (Mt 18:20). Além disso, Paulo também
está presente em espírito. Não devem minimizar sua presença em
espírito, como se só a presença física fosse real e a espiritual uma ilusão.
Isto não é certo pelas seguintes razões: Primeiro, Paulo repetidamente
escreve «eu estou convosco». Segundo, o grego usa o adjetivo pessoal
enfático meu junto com espírito. Terceiro, a frase em espírito é sinônima
com a outra «o poder de nosso Senhor Jesus». Paulo fala com a
autoridade apostólica que Jesus lhe delegou. Como apóstolo tem poder
divino.
b. Traduções. Nos versículos 3–5, Paulo escreve uma longa oração
que carece de fluidez e assim revela tensão e agitação interna. O
problema tem relação com a pontuação do texto (vv. 3–5). 7 O original

7
Minha tradução faz com que a frase em nome de nosso Senhor Jesus seja parte do versículo 5.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 233
grego indica que estes versículos podem ser construídos como uma só
oração vagamente coesa. Porém não é sábio procurar reproduzir em
português uma só oração.
As traduções modernas partem a oração em orações mais curtas e
introduzem a pontuação apropriada. Mas mesmo assim ficam numerosas
perguntas sem responder, como se verá pelas traduções que citaremos.
Como se constrói a frase em nome de nosso Senhor Jesus? Esta frase
pode qualificar uma de quatro 8 orações que apresentamos em itálico:
«Eu já pronunciei juízo em nome do Senhor Jesus sobre o homem
que cometeu tal coisa» (RSV).
«Reunidos em nome de nosso Senhor Jesus … entreguem esse
indivíduo» (BP)
«Eu como presente já julguei o que cometeu tal coisa em nome de
nosso Senhor Jesus». 9
«Em nome de nosso Senhor Jesus … entreguem esse homem»
(NVI).
Muitos tradutores favorecem a primeira tradução, porque Paulo fala
com autoridade em nome de Jesus. Portanto, seu veredito não é um
assunto de opinião pessoal, mas é pronunciado com a aprovação de Jesus
e em nome de Jesus.
Por outro lado, também é sábio situar a frase dentro do contexto do
texto grego e conectá-lo à frase mais próxima. Quando as autoridades da
igreja leram esta carta à congregação, o auditório devia vincular a frase
ao que a precede ou sucede. Se seguirmos este princípio, impõe-se a
segunda ou a terceira alternativa.

8
Hans Conzelmann tem uma lista de seis alternativas e Leon Morris, sete. Consulte-se Hans
Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, editado por
George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia: A Critical and Historical
Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 97; Leon Morris, 1 Corinthians, edición
revisada, na série Tyndale New Testament Commentaries (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids:
Eerdmans, 1987), pp. 84–85.
9
Jerome Murphy-O’Connor, «1 Corinthians V, 3–5», RB 84 (1977): 245; Gerald Harris, «The
Beginnings of Church Discipline: 1 Corinthians 5», NTS 37 (1991): 1–21.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 234
Muitos estudiosos preferem a segunda alternativa: «Reunidos em
nome de nosso Senhor Jesus e eu presente convosco com o poder de
nosso Senhor Jesus». Afirmam que os crentes que se reúnem em nome
de Jesus sabem que Ele é a cabeça e que eles são Seu corpo (Ef 1:22, 23)
e sabem também que onde há dois ou três reunidos em Seu nome, Ele
estará em seu meio (Mt 18:20). Objeta-se a esta interpretação que a frase
de nosso Senhor Jesus torna-se repetitiva, pois a frase ocorre com nome
e com poder, fazendo ambas as palavras quase indistinguíveis.
A terceira explicação comunica a ideia que o homem cometeu um
pecado sexual com sua madrasta em nome do Senhor Jesus Cristo. Mas
esta alternativa tem suas objeções. Primeiro, as variantes textuais tornam
difícil decidir se a leitura correta é nosso Senhor Jesus ou só o Senhor
Jesus. Ao longo da carta o que Paulo usa em geral é «nosso Senhor
Jesus» ou fala do «Senhor» sem identificá-lo como Jesus. Por isso, os
eruditos preferem a leitura que retém nosso pronome. Segundo, soa
contraditório que um filho cristão tenha relações com sua madrasta
gentia e invoque o nome de Jesus para justificar o seu pecado. Alguém
espera que o último nome que a este pecador lhe ocorreria seria o nome
«de nosso Senhor Jesus». Finalmente, se este fosse o caso, Paulo teria
mencionado com muita severidade que o nome de Jesus estava sendo
usado em vão.
Parece que a quarta interpretação é a melhor. Se tomarmos a frase
preposicional em nome de nosso Senhor Jesus e a conectamos com
entregai este homem a Satanás, Paulo estaria ordenando à congregação
de Corinto que expulsem o homem. A não ser pela frase em nome de
nosso Senhor Jesus, o versículo 4 deveria entender-se como um
parêntese. Assim que, a ênfase recai na ordem de Paulo e sua
implementação da parte da igreja. Paulo diz: «[Eu já julguei]; em nome
de nosso Senhor Jesus entregai este homem a Satanás». Ordena-lhes que
quando se reunirem ponham-se em ação, porque tanto o espírito de Paulo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 235
10
como o poder de Jesus está com eles. A presença espiritual de Paulo e
o poder de Jesus assistirá à congregação, quando esta agir.
c. Destruição. «Entregai este homem a Satanás». Embora o grego
registre um infinitivo, traduzi o verbo entregar como um imperativo,
para mostrar a gravidade do caso. Entregar alguém a Satanás é uma
ordem parecida com a que Jesus deu aos Seus discípulos: tende o
pecador não arrependido como se fosse pagão ou publicano (Mt 18:17).
O mandamento de entregar alguém a Satanás tem seu paralelo em outra
carta, onde Paulo escreve a respeito de gente que abandonou a fé: «Entre
eles estão Himeneu e Alexandre, a quem entreguei a Satanás para que
aprendam a não blasfemar» (1Tm. 1:20).
Quando Paulo fala de entregar uma pessoa a Satanás refere-se à
excomunhão, a qual serve para purificar o mal da igreja (cf. o v. 13). Os
crentes estão seguros nas mãos de Deus, da qual nem sequer Satanás os
pode arrebatar (Jo 10:28, 29). Mas se um pecador é entregue ao príncipe
deste mundo, enfrenta a destruição. Carece da proteção que se tem
dentro da comunidade cristã. Sem controle e privado de apoio espiritual,
repensará e se arrependerá.
A Bíblia nos dá dois exemplos de pessoas que se arrependeram.
Uma é Gômer, a esposa imoral de Oseias, a qual representava Israel. Ela
exclama: «Irei e voltarei para meu primeiro marido; porque melhor ia
então do que agora» (Os 2:7). A outra é o filho pródigo, que se
arrependeu, confessando que tinha pecado contra Deus e contra seu pai.
Voltou em si depois de faminto ter que cuidar os porcos de um gentio até
nos sábados. Tinha quebrantado os mandamentos de Deus, mas
confessou a Deus o seu pecado e voluntariamente voltou para seu lar.
Em palavras do pai, o filho extraviado estava morto, mas voltou à vida
quando retornou (Lc 15:24, 32).
«Para a destruição da carne». O que quer dizer Paulo com a palavra
carne? Por carecer de mais detalhes, vemo-nos forçados a apelar a uma

10
Refira-se a G.A. Cole, «1 Cor. 5:4 ‘… with my spirit’», ExpT 98 (1987): 205.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 236
de duas hipótese. Alguém diz que quando «carne» aponta à parte vil da
vida física do ser humano, refere-se àquilo que o leva a pecar. 11 Nas
mãos de Satanás este aspecto do ser humano começa a morrer. Esta
explicação não nos convence muito. Satanás só pode destruir o que Deus
lhe permite, 12 mas jamais guiará um pecador para que arrependido vá a
Cristo. Seu objetivo é afastá-lo mais de Deus. Em suma, Satanás não
promove a causa de Cristo, e sim a estorva. Parece-me que esta
explicação não tem muitos méritos.
Preferimos a segunda hipótese. Além da excomunhão, Deus permite
que Satanás ataque e gradualmente debilite o corpo físico do homem (cf.
Jó 2:4–6; 2 Cor. 12:7). 13 Paulo não fala de uma morte súbita (como no
caso de At 5:1–10), mas a um lento processo de decaimento físico.
Durante este processo, o pecador recebe todo o tempo que necessita para
meditar e arrepender-se. 14
«A fim de que seu espírito seja salvo». A oração sobre a destruição
da carne está gramaticalmente subordinada a esta oração principal de
propósito. Embora a palavra grega pneuma (espírito) possa referir-se ao
Espírito Santo ou ao espírito do homem, os tradutores entendem que aqui
não aponta ao Espírito divino, mas ao humano. Contudo, um erudito
sugeriu que a comunidade cristã devia expulsar o incestuoso «para não
ofender o Espírito Santo que está presente». 15 É verdade que a Escritura
nos ensina que não devemos entristecer ao Espírito Santo (veja-se Ef
4:30; 1Ts 5:19). Mas isto não é o ponto do presente texto. Rejeitamos

11
N.G. Joy, «Is the Body Really to Be Destroyed? (1 Corinthians 5:5)», BibTr 39 (1988): 429–36;
Anthony C. Thiselton, «The Meaning of Sarx in 1 Corinthians 5.5: A Fresh Approach in the Light of
Logical and Semantic Factors», SJT 26 (1973): 204–28; J. Cambier, «La Chair et l’Esprit en 1 Cor.
v.5», NTS 15 (1969): 221–32.
12
Veja-se, no entanto, T.C.G. Thornton, «Satan—God’s agent for punishing», ExpT 83 (1972): 151–
152.
13
Colin Brown, entre outros, afirma que «não se contempla a destruição física» (NIDNTT, vol. 1, p.
466).
14
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), p. 257; Morris, 1 Corinthians, p. 86.
15
Adela Yarbro Collins, «The Function of ‘Excommunication’ in Paul», HTR 73 (1980): 263.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 237
esta interpretação por pelo menos três razões: Primeiro, o versículo 5
contrasta o corpo humano com o espírito humano, não o corpo humano
com o Espírito Santo. Segundo, Paulo diz que se deve salvar o espírito
do homem, não que devemos manter a presença do Espírito. Por último,
nos versículos 3 e 4 a palavra pneuma aparece duas vezes e aponta ao
espírito humano, não ao Espírito Santo.
A destruição da carne tem o fim de restaurar o espírito do homem
antes de morrer. O dom da salvação depende do arrependimento, o que
só ocorre nesta vida, não na outra. A Escritura ensina claramente que o
arrependimento deve ocorrer nesta vida, não no inferno. A morte física
irrevogavelmente fecha a porta para uma segunda oportunidade de
arrependimento e salvação (Lc 16:19–31).
Contudo, Paulo diz que o espírito do homem poderia ser salvo no
dia do Senhor, o que parece apontar para o dia do juízo. Não insinua que
o homem terá que esperar até o fim do tempo para ser salvo. O que
afirma é que nesta vida o pecador perdoado recebe a salvação e que no
dia do Senhor será contado entre os glorificados. «A salvação é acima de
tudo uma realidade escatológica, experimentada por certo agora, mas
consumada no dia do Senhor». 16 Mas a frase o dia do Senhor pode
referir-se a algo mais que só ao fim do tempo, quando vier o juízo.
Também pode apontar a um tempo especial em que o povo de Deus se
alegrar no Senhor. Os profetas do Antigo Testamento entenderam a frase
como um tempo em que Deus reclama vitória sobre o mundo e quando o
Seu povo se alegra junto a Ele (Is 2:11, 17–20; Zc 14:7).
Deus tem uma sabedoria infinita para levar o pecador ao
arrependimento, e por isso usa diversos meios (veja-se 1Co 11:32; 1Pe
4:6). Deus Se preocupa com a salvação da alma do pecador.

16
Gordon D. Fee The First Epistle to the Corinthians en la serie New International Commentary on
the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 213.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 238
«No dia do Senhor». Paulo espera que embora Satanás destrua o
corpo físico do pecador, seu espírito seja salvo no dia do juízo. Fica a
pergunta de se este homem foi restaurado física e espiritualmente. 17

Considerações práticas em 1Co 5:3–5


Quando os israelitas entraram em Canaã e conquistaram Jericó, Acã
desobedeceu a Deus tomando o que pertencia ao Senhor. O povo teve
que apedrejá-lo para remover a ira de Deus contra o pecado (Js. 7:25,
26). Deus chama o Seu povo para ser santo.
Na igreja de Jerusalém, Ananias e Safira planejaram enganar o
Espírito Santo. Pedro descobriu o engano e Deus lhes tirou a vida (At
5:1–11). Deus quer que os seguidores de Jesus honrem a verdade.
Paulo confronta a igreja de Corinto com o incesto cometido por um
de seus membros. Paulo lhes ordena diretamente que em nome do
Senhor expulsem esse homem da igreja. A excomunhão consiste em
entregá-lo nas mãos de Satanás. Paulo exige da congregação que se
purifique de impiedade e maldade, para abraçar as virtudes da
sinceridade e a verdade (v. 8).
Se Paulo não tivesse agido energicamente para expulsar esse
homem da igreja, seu pecado teria continuado infectando a congregação.
A conduta imoral deste homem ameaçava a própria existência da igreja.
É como se a igreja vivesse numa casa de vidro, onde todo mundo
observa como vive. Quando a igreja não é capaz de suprimir um pecado
que o mundo considera mau, a igreja perdeu sua efetividade.
Nossa cultura experimenta um rápido crescimento de seitas, cultos e
religiões distintas do cristianismo. Esta tremenda expansão deve-se a que
a igreja já não é acreditável. Suas normas morais são inferiores às de
outras religiões. Para muitos chegou a ser uma farsa. O que veem é uma

17
Consulte-se E. Fasher, «Zu Tertullians Auslegung von 1 Kor. 5,1–5 (De Pudicitia c. 13–16)», ThLZ
99 (1974): 9–12; Brian S. Rosner, «Temple and Holiness in 1 Corinthians 5», TynB 42.1 (1991): 137–
45.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 239
igreja cujos líderes são corruptos, onde a disciplina é relaxada e onde a
excomunhão é algo do passado.
A igreja de hoje deve tratar seriamente o problema do pecado. Deve
tentar conduzir os pecadores ao arrependimento e à salvação; não sendo
isso possível, deve aplicar a excomunhão. Em palavras e atos, deve
demonstrar um intenso ódio contra o pecado e um desejo genuíno de
santidade. Esta santidade demanda amor ardente por Jesus Cristo e uma
obediência total aos Seus mandamentos.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 5:1–5


Versículo 1
_λως — este advérbio significa «de fato» e por ênfase é a primeira
palavra que parece na oração. Modifica o verbo _κούεται («se informa»),
que é um presente iterativo.
τοιαύτη πορνεία — o adjetivo denota severidade («de tal índole»); o
substantivo ocorre duas vezes e seu significado é geralmente
«fornicação». Neste contexto quer dizer «incesto». A oração com _στε é
mais explicativa que consecutiva ou télica. 18
τινα — este pronome indefinido (=algum, alguém) traduzimo-lo por
«um homem». A posição que este pronome toma dentro da oração é
bastante única. Ao aparecer entre γυνα_κα (=«esposa») e το_ πατρός
(«de seu pai») sublinha a ambos os substantivos. 19

Versículo 2
κα_ _μεί — a posição enfática do pronome com a conjunção («e
vós») equilibra-se por meio da frase _γ_ μ_ν γάρ («porque … eu»). A

18
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 140. Bauer a classifica como uma cláusula consecutiva (p. 900).
19
BDF § 473.1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 240
partícula ο_χι, é parte de uma pergunta retórica que espera uma resposta
afirmativa.
_να — embora esta conjunção em geral introduz uma oração de
propósito, aqui se deve entender como imperativa: «Tirem do vosso
meio …».
πράξας — a evidência manuscrita para este particípio aoristo («ao
que cometeu») ou ποιήσας («ao que fez») é par. Ambos os particípios
têm o mesmo significado, assim que faz-se difícil poder escolher.

Versículo 3
_γ_ μέν — ao aparecer como a primeira palavra da oração, o
pronome é enfático. A partícula μέν ocorre sozinha sem que haja um δέ,
que forme um equilíbrio. O gerúndio _πών é concessivo: «embora esteja
ausente». Seu contraparte é παρ_ν δε, («estou … presente»).

Versículos 4–5
_μώ — a evidência manuscrita para este pronome pessoal apoia
retê-lo, não omiti-lo. É difícil saber se Χριστο_ originalmente
acompanhava o nome _ησο_, porque a evidência externa dos melhores
manuscritos apoia tanto retê-lo como omiti-lo. 20 É possível que um
escriba tenha acrescentado a palavra, para dar maior peso à frase em
nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
συναχθέντων _μώ — é o particípio aoristo, voz passiva, do verbo
συνάγω (=reunir). O particípio aparece na construção de genitivo
absoluto, a qual se estende à frase το_ _μού πνε_ματος («meu espírito»).
παραδο_ναι — é um infinitivo aoristo de ação pontual. Age como
imperativo: «Entregai!».

20
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Societies, 1975), p. 550.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 241
b. Uma ilustração oportuna. 1Co 5:6–8

Nos versículos anteriores, Paulo explicou suas razões para ordenar a


excomunhão do irmão em pecado. Agora acrescenta uma ilustração
tomada da vida diária: o processo de fazer pão. Paulo usa o exemplo da
levedura que leveda a massa e que a pode contaminar se a levedura
contém bactérias daninhas. Mas para ilustrar o ponto, primeiro lembra
aos coríntios seu jactância pecaminosa.
6. Vossa jactância não é boa. Não sabeis que um pouc o de levedura
faz fermentar toda a massa?
Em poucas palavras, Paulo repete o que disse anteriormente (veja-
se o v. 2). Repreende a arrogância que os coríntios mostram ao não
expulsar o pecador de seu meio. Já lhes disse que deviam gloriar-se no
Senhor, não nos homens (cf. 1Co 1:31; 3:21; 4:7). O apóstolo quer torná-
los humildes, mostrando-lhes a realidade de sua situação e a gravidade
do seu pecado. João Calvino comenta: «Estavam tão orgulhosos como se
vivessem em alguma época de ouro, quando a realidade era que estavam
rodeados por muitas coisas vergonhosas e indecorosas». 21
Se os cristãos de Corinto não agem rapidamente, o mal da
imoralidade que está em seu meio destruirá todos. Paulo fala de
levedura, que em seu tempo era massa restante da última vez que foi
feito pão. Acrescentava-se água a um pedaço desta massa e se misturava
com farinha para começar o processo de fermentação. Mas se a levedura
se infectava com bactéria daninha, faria mal aos que comessem do pão.
Em tal caso, devia-se romper o ciclo tirando a levedura. A ilustração que
fala de levedura contaminada põe de relevo o caráter penetrante desta
(veja-se Gl 5:9) e o poder que tem para prejudicar. Especialmente os
cristãos de ascendência judaica em Corinto sabiam muito bem que na
páscoa tirava-se todo rastro de levedura dos lares e que por uma semana

21
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, serie Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 109.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 242
só se comia pão sem levedura (veja-se Êx 12:15). Além disso, os cristãos
sabiam que a tradição judaica usava a levedura para representar o mal. 22
A segunda parte do versículo 6 é uma pergunta retórica que
demanda uma resposta afirmativa. Os coríntios estavam familiarizados
com o resultado da levedura infectada. Também sabiam que a quantidade
de levedura era pequena em comparação com a quantidade de massa que
se fazia. Quanto mais um escândalo sexual «de um tipo que nem sequer
ocorre entre os gentios» (v. 1) corromperia a toda a comunidade cristã de
Corinto!
7. Purificai a velh a levedura, para que sejais nova massa, sem
levedura, tal como sois. Pois, por certo , Cristo foi sacrificado como nosso
cordeiro pascal.
a. «Purificai a velha levedura». A primeira oração deste versículo
pareceria conter uma contradição. Paulo ordena aos coríntios que tirem a
velha levedura e ao mesmo tempo lhes diz que são «nova massa, sem
levedura». Mas a levedura deve interpretar-se aqui de forma simbólica
neste contexto. A levedura representa o mal. Assim como os judeus
deviam tirar toda levedura de suas casas e comer só pão sem levedura
por uma semana inteira, assim também os coríntios deviam tirar o mal do
seu meio. Quando Paulo lhes diz que eles são massa sem levedura, o que
quer dizer é que foram santificados por Cristo (1Co 1:2; 6:11) e que são
chamados a viver uma vida de santidade. Em outras palavras, sua
santificação em Cristo Jesus devia impulsioná-los a tirar o mal do seu
meio. Paulo quer que a igreja de Corinto se purifique, assim como os
judeus uma vez por ano purificavam suas casas de toda levedura.
b. «Para que sejais nova massa». A remoção de levedura das casas
israelitas no Egito levou-se a cabo depressa e como símbolo de sua
libertação da escravidão (Êx 12:33, 34, 39). Em Corinto também se deve
tirar a levedura rapidamente. Essa ação simboliza sua libertação da
escravidão do pecado, especificamente do pecado de incesto. Antes de

22
Mt 16:6; Mc 8:15; Lc 12:1. A parábola da levedura é uma exceção (Mt 13:33; Lc 13:21).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 243
celebrar a festa da páscoa, os israelitas deviam purificar todo rastro de
levedura de suas casas, pois o pão da páscoa não devia conter levedura.
Da mesma forma, os crentes de Corinto deviam eliminar todo rastro de
pecado do seu meio e demonstrar que eram «nova massa», isto é, um
novo povo em Cristo. 23
c. «Pois, por certo, Cristo foi sacrificado como nosso cordeiro
pascal». Paulo concentra todo um livro de teologia numa curta oração. 24
É breve porque redige esta oração num contexto de disciplina, não
dentro de um contexto teológico. Para Paulo deve ter sido fácil conectar
a morte de Cristo na cruz com a figura do sacrifício do cordeiro pascal
no dia anterior à festa da páscoa. 25 Lembra aos coríntios que os israelitas
deviam retirar a levedura de suas casas antes de comer a páscoa. Logo
sacrificavam o cordeiro e colocavam seu sangue nos batentes das portas
(Êx 12:7, 13). Mas Cristo, como cordeiro de Deus, quando foi
crucificado tornou-se o sacrifício definitivo e supremo em favor do povo
de Deus (Hb 9:26). Tirou o pecado do mundo (Is 53:5, 6; Jo 1:29). Sua
morte na cruz santifica o Seu povo. Paulo espera que os coríntios
apliquem de forma prática esta perspectiva teológica e que logo tirem o
pecado de seu meio.
Os cristãos podem celebrar a páscoa de uma forma espiritual. Seu
pecado foi purificado pela morte sacrifical de Cristo. 26 Os seguidores de
Cristo foram salvos da morte eterna mediante o sangue do cordeiro
pascal sacrificado no Gólgota. Os cristãos são libertados da carga do
pecado e receberam o dom da vida eterna.
Insinua o que Paulo escreve em algum tempo especial que nos
ajude a sabermos quando escreveu sua epístola? Parece-me que não, pois
à parte da referência ao Pentecostes (1Co 16:8) a carta não contém
23
Jean Héring, The First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, traduzido por A.W. Heathcote e P.J.
Allcock (Londres: Epworth, 1962), p. 36; SB, vol. 3, pp. 359–360.
24
Dean O.Wenthe, «An Exegetical Study of 1 Corinthians 5:7b», Spingfielder 38 (1974): 134–40.
25
Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 464.
26
Refira-se a J.K. Howard, «‘Christ Our Passover’: A Study of the Passover-Exodus Theme in 1
Corinthians», EvQ 41 (1969): 97–108.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 244
nenhuma cronologia. Não podemos deduzir desta passagem que Paulo
estava por celebrar a páscoa judaica em Éfeso. Isto seria acrescentar algo
ao texto, em lugar de extrair algo dele.
8. Portanto, celebremos a festa, nã o com a velha levedura, ou seja, a
levedura da malícia e da maldade, mas com o p ão não le vedado da
sinceridade e da verdade.
a. Declaração negativa. «Celebremos a festa, não com a velha
levedura, ou seja, a levedura da malícia e da maldade». Paulo não está
exigindo da igreja de Corinto que celebre a páscoa judaica. Se o fizesse,
estaria negando o significado da expiação de Cristo. Além disso, estaria
pedindo aos gentios que se tornem judeus para que ele possa aceitá-los.
Tampouco lhes está pedindo que celebrem a Santa Ceia, visto que num
capítulo mais adiante (1Co 11:17–34) lhes ensinarás a respeito da Santa
Comunhão. O que Paulo faz é falar figuradamente a respeito da alegria
que os crentes têm ao saber que são purificados de seus pecados. A
exortação implica que celebremos nossa liberdade em Cristo Jesus,
ocupando-nos com nossa própria salvação (Fp 2:12) e nos consagrando a
fazer a Sua vontade (Rm 12:1, 2; 1Pe 2:5).
A exortação a celebrar uma vida de obediência à vontade de Cristo
exclui a velha levedura, isto é, a malícia e a maldade. A palavras malícia
e maldade são explicações da expressão velha levedura, a qual serve
para descrever a antiga natureza pecaminosa. O inconverso se caracteriza
pelos vícios da má vontade e da maldade. A má vontade é a ímpia
disposição que tem uma pessoa e a maldade é o exercício sinistro de tal
disposição. Em grego, Paulo usa a palavra ponēria (=maldade), que
aponta às atividades do diabo.
b. Declaração positiva. «[Celebremos a festa] com o pão não
levedado da sinceridade e da verdade». A linguagem que Paulo usa é
obviamente metafórica. Insiste com seus leitores para celebrarem a festa
de consumir «pão não levedado», isto é, não poluído nem impregnado de
maldade. O «pão» com o qual devem os coríntios alimentar-se consiste
em «sinceridade» ou pureza de mente. Quando Paulo escreve
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 245
sinceridade aponta ao contrário da expressão malícia. A pureza de mente
é um bem que alegra o crente santificado, cujo propósito é amar o
Senhor e o seu próximo como a si mesmo.
Além disso, o termo verdade é o contrário de maldade. Jesus Se
chamava a Si mesmo «a verdade» (Jo 14:6), mas descreve o diabo como
o mau (Mt 13:19) e como pai de mentira (Jo 8:44). Numa passagem
anterior, Paulo dizia aos coríntios que eles tinham comunhão com Cristo
(1Co 1:9). Agora lhes diz que comam o pão da verdade, o que significa
que devem viver uma vida nova que não esteja manchada pelas
influências malignas da impureza e da hipocrisia. 27
Em vez de dizer aos coríntios que adotem normas de moralidade
exclusivas, o que Paulo faz é dirigi-los à verdade que está em Cristo.
Com essa verdade serão capazes de viver em harmonia com todas as
normas de Deus incluindo os princípios morais. 28

Palavras, frases e construções gregas de 1Co 5:7–8


Versículo 7
_κκαθάρατε — é o aoristo imperativo, voz ativa, do verbo
_κκαθαίρω (=purificar). O composto tem mais uma força perfectiva
(limpeza a fundo) que diretiva.
νέον — neste contexto o adjetivo comunica a ideia de romper com
o antigo para converter-se em algo completamente novo. O adjetivo
καινόν significa que o novo existe junto ao velho (como, por exemplo, o
Novo Testamento).

27
Anthony C. Thiselton, NIDNTT, vol. 3, p. 886.
28
Consulte-se Ralph P. Martin, New Testament Foundations: A Guide for Christian Students, 2 vols.
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), vol. 2, p. 397.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 246
Versículo 8
_στε _ορτάζωμεν — a partícula não introduz aqui um resultado,
mas uma inferência ou um meio: «portanto». O verbo é um subjuntivo
presente, voz ativa, de ação contínua, e tem força coortativa
(«celebremos»).
μηδέ — literalmente «e não». Esta partícula é usada para introduzir
uma explicação da expressão velha levedura.

2. Excomunhão. 1Co 5:9–13

Das duas epístolas que Paulo escreveu aos Coríntios, aprendemos


que o apóstolo lhes escreveu mais outras duas cartas que não se
conservaram. Antes de escrever 1 Coríntios, já tinha enviado outra
epístola à congregação com uma mensagem sobre a imoralidade sexual
(1Co 5:9). E antes de redigir 2 Coríntios, enviou a epístola que
poderíamos chamar «a carta da aflição» (veja-se 2Co 2:4), a qual parece
ser distinta a 1 Coríntios. No total, Paulo enviou quatro missivas a
Corinto (veja-se a Introdução).

a. Um mal-entendido. 1Co 5:9–11

9, 10. Em minha carta vos escrev i que não vos junteis com gente
imoral. Porém n ão me referia às pess oas imorais deste mu ndo, aos
ambiciosos aos ladr ões ou aos idólatr as, porque em tal caso teríeis que
sair deste mundo.
a. «Em minha carta vos escrevi». Há várias razões para crer que
com esta frase Paulo não se refere a presente carta. Primeiro, à parte de
mencionar ao incestuoso, não se referiu absolutamente a gente de
conduta sexual imoral. Segundo, a frase em minha carta vos escrevi
(literalmente: «na carta») sugere algo que ocorreu no passado; assim
como o versículo 11, «Mas agora vos escrevo», indica um claro contraste
com a carta anterior. Finalmente, Paulo escreveu muitas cartas que não
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 247
chegaram a ser parte do Novo Testamento (1Co 16:3; 2Co 10:10).
Portanto, concluímos que Paulo refere-se à uma carta anterior que não
foi preservada.
b. «Não vos junteis com gente imoral». Esta é a única coisa que
resta da carta anterior de Paulo. Em grego são só três palavras, em
português pelo menos cinco: «Não vos mistureis com fornicários». Pablo
se preocupa que os destinatários vivam na cidade imoral de Corinto. Não
temos mais informação a respeito do conteúdo da carta que Paulo
escreveu aconselhando-os, mas pelo que diz aqui parece que os coríntios
não o entenderam corretamente. Agora lhes explica o que dessa vez quis
dizer, embora o faça de forma bastante desajeitada que melhor se
comunica mediante uma paráfrase:
c. «Porém não me referia 29 às pessoas imorais deste mundo, aos
ambiciosos aos ladrões ou aos idólatras». A comunicação escrita se
presta a mal-entendidos. Aquele que escreve deseja comunicar uma
coisa, mas aquele que lê entende outra. Pelo contrário, numa
conversação à viva voz, a pessoa pode pedir maior elucidação e recebê-
la imediatamente. Isto não se pode esperar da correspondência, onde as
cartas se atrasam. Por isso, a falta de clareza levanta barreiras
formidáveis ao entendimento. O que os coríntios entenderam de Paulo
foi que não se juntassem com gente sexualmente imoral do mundo, com
gente do mercado, do trabalho, dos deporte. Os destinatários tiveram que
deixar em de molho o mandamento de Paulo, pois se davam conta que
não era possível implementá-lo. Neste mundo caído, os cristãos não
podem abstrair-se totalmente de gente imoral. Teriam que sair do planeta
(mas veja-se Jo 17:14–18).
No entanto, Paulo não quis dizer aos coríntios que deviam separar-
se por completo da gente fornicária. O que quis dizer foi: Não se juntem
com irmãos dessa classe! (cf. 2Ts 3:14). O que queria dizer era que os
29
«Não me referia em geral a gente imoral deste mundo» (BP). BAGD tem «De maneira nenhuma»
(p. 609) e Thayer «não totalmente» (p. 476), mas estas duas últimas traduções não comunicam bem o
sentido.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 248
cristãos de Corinto não deviam ter amizade com o membro da igreja que
vive uma vida de imoralidade sexual. Por isso lhes ordenou excomungar
ao que vivia dessa maneira. Paulo não aceita o incestuoso dentro da
igreja e, por isso, usa quatro vezes a expressão imoralidade sexual (vv.
1, 9, 10, 11). Deduzimos que na carta anterior usou o termo geral de
gente imoral, mas agora fala claramente do «imoral» (v. 11).
O catálogo de vícios (cobiça, roubo, idolatria) é só uma extensão do
que Paulo proíbe: os cristãos não devem juntar-se com gente
sexualmente imoral. 30 Os vícios desta lista têm que ver com o serviço a
qualquer ídolo, porém não com o serviço ao Deus vivo. Os ambiciosos e
ladrões servem ao dinheiro, não a Deus (Mt 6:24; Lc 16:13) e Jesus
deixa claro que é impossível servir a ambos ao mesmo tempo. Paulo
chama idólatra o ambicioso (Ef 5:5; veja-se Gl 5:20; Cl 3:5), e como tal
não herdará o reino de Deus. Esse tipo de gente não é parte do reino, é
parte do mundo.
d. «Porque em tal caso teríeis que sair deste mundo». Se o cristão
tivesse que separar-se das pessoas mundanas, precisaria abandonar a
sociedade humana. Segundo a parábola de Jesus, o trigo e o joio crescem
juntas até a colheita. Então a má erva é queimada e o trigo é armazenado
no celeiro (Mt 13:30). Mas por agora os crentes devem conviver com os
inconversos.
11. Mas agora vos escrevo que não vos juntei s com ninguém
que, chamando-se irmão, é imoral, ambicioso, idólatra, difamador,
bêbado ou ladrão. Com gente assim nem sequer comais!
a. «Mas agora vos escrevo». O adversativo mas forma um contraste
com as primeiras palavras do versículo 9, onde Paulo se referia a uma
carta anterior. Paulo afirma: «Se alguém não souber bem o que quis dizer
na outra carta, agora não poderão mal-entender o que digo». 31 Eu

30
Peter S. Zaas, «Catalogues and Context: 1 Corinthians 5 and 6», NTS 34 (1988): 622–29.
31
G.G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 812.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 249
interpreto o advérbio agora como referindo-se à presente condição da
igreja de Corinto. Tem que ver com o assunto presente do caso de
incesto. 32
b. «Não vos junteis com ninguém que, chamando-se irmão, é
imoral». Em sua carta anterior Paulo usou o termo coletivo gente imoral,
mas neste contexto usa o singular «ninguém que … é imoral».
Chamar irmão alguém que é sexualmente imoral é uma contradição.
Ambos os conceitos se excluem mutuamente. Por isso Paulo diz que é o
imoral aquele que se chama irmão. Mas por seu pecado esta pessoa não
pode pertencer à comunidade cristã e está excluída do reino de Deus.
Suas ações contradizem tudo o que a igreja ensina. Se permanecer dentro
da igreja, então essa igreja não pode seguir chamando-se cristã.
c. «Ambicioso, idólatra». Paulo volta a repetir a lista de vícios.
Quer que os coríntios saibam que a imoralidade sexual não é o único
pecado que pode cometer a comunidade cristã. Quando Paulo condena a
cobiça e a idolatria deve estar apontando às condições sociais de Corinto.
Dado o comércio, o transporte de mercadoria, os viajantes que vinham
de outros lugares, o dinheiro era todo um senhor em Corinto. O amor ao
dinheiro invariavelmente leva à idolatria.
Paulo com frequência adverte os cristãos que não se envolvam na
idolatria. A palavra idólatra aparece quatro vezes nesta epístola (1Co
5:10, 11; 6:9; 10:7) e uma vez em Efésios 5:5 (veja-se também Ap 21:8;
22:15). 33 Se Paulo previne repetidas vezes contra este pecado é porque
se preocupa com a idolatria, que ele considerava um pecado grosseiro e
um tributo a poderes demoníacos. 34
d. «Difamador, bêbado ou ladrão». Aqui se nomeiam dois vícios
mais: a difamação e a bebedeira. Paulo já citou o roubo no versículo
precedente (v. 10). Os pecados que aqui apresentam são parecidos com

32
BAGD registra tal como estão as coisas (p. 545).
33
O substantivo idolatria aparece quatro vezes no Novo Testamento (1Co 10:14; Gl 5:20; Cl 3:5; 1Pe
4:3).
34
Friedrich Büschel, TDNT, vol. 2, p. 380; Wilhelm Mundle, NIDNTT, vol. 2, p. 286.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 250
alguns dos que se proíbem nos Dez Mandamentos: não adorar outro
deus, não fornicar, não roubar, não caluniar, não cobiçar (Êx 20:1–17; Dt
5:6–21). Paulo não segue a sequência dos Dez Mandamentos, só
sublinha pecados comuns na cultura desse então. Não menciona o
mandamento de não matar.
Sobre o consumo de álcool, nem o Antigo nem o Novo Testamento
ordena uma total abstinência. Só aos nazireus (Nm. 6:3, 4) e a outros
poucos se pede total abstenção (Lv 10:9; Jr 35:6, 8, 14; Ez 44:21). Mas a
Escritura denuncia o bêbado e o adverte das consequências espirituais de
sua intemperança (p. ex., 6:10).
e. «Com gente assim nem sequer comais!». Na sociedade oriental
não se podia quebrantar as normas da hospitalidade. O não oferecer
comida a um parente, a um conhecido, amigo ou visita até se podia
interpretar como declaração de guerra. A parábola do amigo que vem à
meia-noite indica que um dono de casa estaria disposto a correr o risco
de que seu vizinho se zangasse, a fim de conseguir comida para uma
visita (Lc 11:5–8). 35 Rompendo as normas estabelecidas, com frequência
Jesus comeu com publicanos e pecadores ao ponto de ser chamado
amigo de pecadores (Mt 11:19; Lc 15:2). Mas qual é o ponto da ordem
de Paulo?
O assunto tem que ver com a disciplina eclesiástica. Jesus ensinou
aos seus seguidores que o procedimento de excomunhão que lhes
prescreveu podia resultar na expulsão definitiva do pecador da
comunidade cristã (Mt 18:17). O pecador é uma mancha na integridade
da igreja (cf. 2Pe 2:13; Jd. 2). Um pecador como esse deve ser excluído
da comunhão cristã. Então poderia aprender a ver seu erro, arrepender-se
e voltar para a fé (cf. 2Ts 3:14, 15). Em contraste, os cristãos podem
seguir os costumes sociais aceitos e comer com não cristãos.

35
Refira-se a Simon J. Kistemaker, The Parables of Jesus (Grand Rapids: Baker, 1980), p. 177.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 251
Palavras, frases e construções gregas de 1Co 5:9–11
Versículo 9
_γραψα — este não é o aoristo epistolar, mas o tempo passado do
verbo escrever (veja-se Rm 15:15).
Nos versículos 9 e 11, o infinitivo composto, presente médio,
συναναμίγνυσθαι (=juntar-se com) usa-se como imperativo numa
estrutura de mandamento indireto.

Versículo 10
ο_ πάντως — esta combinação parece querer dizer: «não me refiro
às pessoas imorais em geral». 36
το_ κόσμου — a primeira ocorrência aponta ao mundo inconverso,
a segunda a todo mundo.
καί — as edições do Novo Testamento (como NTG, British Foreign
Bible Society and Merk) registram καί, que une os dois substantivos
πλεονέκταις (=ambiciosos) e _ ρπαξιν (=ladrões). O Texto Majoritário
tem _ (=o), «ajustando-se mecanicamente ao contexto. A leitura και, está
fortemente apoiada pelas testemunhas alexandrinas e ocidentais». 37
_πεί — com esta conjunção, a oração revela que se omitiu a prótase
de uma oração condicional contrária aos atos: «[se este fosse o caso],
teriam que sair deste mundo». A conjunção _πεί não é temporal, e sim
causal no sentido de «porque de outra maneira» (veja-se 1Co 7:14). 38

36
BDF § 433.2.
37
Metzger, Textual Commentary, p. 551.
38
BAGD, p. 284
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 252
Versículo 11
_γραψα — este é o aoristo epistolar. O escritor vê-se a si mesmo no
momento em que o destinatário recebe a carta. Usa o aoristo em lugar do
presente. Para algo semelhante, veja-se 1Co 9:15.
_νομαζόμενος — é um particípio concessivo presente, voz média:
«embora se chame a si mesmo».
μηδέ — a combinação da partícula negativa com a conjunção dá o
sentido de: «nem sequer».
Em tão somente dois versículos, Paulo estabelece a legitimidade de
aplicar a disciplina eclesiástica. Também estabelece os limites de sua
própria autoridade quanto a si mesmo, à igreja de Corinto e a Deus.
Termina a seção exortando a congregação a deixar que seja a Escritura a
que tenha a última palavra nesta matéria.

b. Um juízo. 1Co 5:12–13

12. Porque que dire ito tenho eu de julgar os q ue estão for a [da
igreja]? Acaso não julgais vós os que estão dentro?
a. O direito de Paulo. Paulo termina seu discurso sobre a
excomunhão de pecadores intencionais. Fala da carta que mal-
entenderam e sua explicação subsequente (vv. 9, 10): não fala dos
pecadores fora da igreja. Quando usa a frase os que estão fora, deixa ver
seu pano de fundo judaico. Os rabinos judeus chamavam «os de fora» as
pessoas que pertenciam a outra religião. 39 Os de dentro» eram os que
seguiam a fé judaica. Nesta passagem, Paulo usa estes termos
respectivamente para referir-se ao mundo e à igreja. Abertamente admite
que não tem direito de julgar o mundo. No capítulo seguinte, Paulo
pergunta aos coríntios se acaso não sabiam que os santos julgarão o
mundo (1Co 6:2). Mas tal texto refere-se ao juízo final e nada tem que
ver com o tempo presente.

39
SB, vol. 3, p. 362.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 253
Isto não quer dizer que Paulo absolve a vida pecaminosa dos
incrédulos. Ao contrário, quando caminhou pelas ruas da antiga Atenas,
seu espírito se revoltava ao ver a idolatria da cidade (At 17:16). Mas
Paulo não tinha autoridade para julgar os de fora.
b. O dever da igreja. Quando se trata da comunidade cristã, não é
Paulo mas toda a igreja que deve julgar aqueles casos que demandam
uma separação total entre igreja e mundo. Quando um membro da igreja
intencionalmente persiste no pecado e recusa arrepender-se, a igreja está
obrigada a exercer disciplina. Desde esse momento, a igreja já não o
considera um dos seus, mas um do mundo. Por isso, Paulo lhes faz uma
pergunta retórica aos coríntios, uma pergunta que demanda uma resposta
positiva: «Acaso não julgais os que estão dentro?».
Todo aquele que reclama ser membro da igreja deveria prometer
obediência a Jesus Cristo. Mas se essa pessoa decide viver em
desobediência ao Senhor, a congregação completa deve expulsar essa
pessoa. Se a igreja não disciplinar, fica do lado do pecador e é
igualmente culpada diante de Deus. Não é o líder ou o pastor o
encarregado de fazer disciplina, mas a congregação inteira é responsável.
C.K. Barrett escreve: «A responsabilidade de julgar descansa nas mãos
do corpo de crentes como um todo, não num pequeno grupo de
autoridades ministeriais». 40
13. É Deu s quem ju lgará os d e fora. «Expulsai o ímpio do voss o
meio».
c. A tarefa de Deus. No grego, a diferença entre o tempo presente e
futuro do verbo julgar depende de um acento. Mas os manuscritos mais
antigos careciam de acentos e, portanto, não é possível determinar se
Paulo quer dizer «Deus julga» ou «Deus julgará». Os tradutores estão
divididos nesta matéria. Alguns preferem o presente, argumentando que
se fale da capacidade de Deus. 41 Deus é onisciente e onipresente, assim

40
C.K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 133.
41
Godet, First Corinthians, p. 278.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 254
que deixamos a Ele o ato de julgar ao mundo. Com Abraão nos
perguntamos: «O Juiz de toda a terra, não fará o que é justo?» (Gn
18:25). Ele sabe quem se salva e quem se perde no mundo. À vista dos
primeiros versículos do capítulo seguinte, outros eruditos preferem o
tempo futuro (veja-se o comentário a 1Co 6:1–4). 42 Contudo, a diferença
é insignificante. Deus julga o mundo e concluirá sua tarefa no juízo final.
Nesta passagem Paulo faz um claro contraste entre Deus (v. 13) e
os membros da igreja de Corinto, a quem se dirige enfaticamente com o
pronome vós (v. 12). A igreja administra disciplina para preservar sua
pureza, enquanto Deus Se encarrega de julgar as pessoas do mundo.
Deus também julga os membros da igreja que estão desencaminhados,
mas a tarefa de expulsar os pecadores não arrependidos é um dever que a
igreja tem que cumprir.
d. A palavra de Deus. A última declaração de Paulo, ele a toma da
Escritura: «Expulsai o ímpio do vosso meio». Quase a mesma declaração
aparece repetidamente em Deuteronômio. 43 No hebraico e em grego, o
texto do Antigo Testamento registra o imperativo expulsa no singular.
Paulo usa a segunda pessoa plural do imperativo presente, para indicar
que a congregação inteira deve envolver-se no processo de purificar o
pecado, a fim de alcançar pureza dentro da igreja.
A passagem ecoa da ordem que Paulo dera anteriormente sobre
entregar o incestuoso a Satanás (v. 5). Paulo aponta esse homem e
qualquer um na congregação que deliberadamente pratique o pecado.
Paulo deve ter usado a palavra grega que se usa para «ímpio» porque
forma um jogo de palavras com «fornicário». 44 A severidade com a que
se deixa o pecador sem o apoio nem a edificação da igreja assemelha-se
a excomunhão social e moral dos marginados pela sociedade judaica
seguinte do tempo de Jesus. O isolamento total do pecador dá a

42
Fee, First Corinthians, p. 220 n.7.
43
Dt 17:7; 19:19; 21:21; 22:21, 24; 24:7.
44
Consulte-se Peter S. Zaas, «‘Cast Out the Evil Man from Your Midst’ (1 Cor.5:13b.)», JBL103
(1984): 259–61.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 255
possibilidade de que se arrependa. A disciplina eclesiástica procura que o
pecador se arrependa de coração e busque voltar ao Senhor Jesus.

Palavras, frases e construções gregas de 1Co 5:13


__ξάρατε — é o aoristo imperativo do verbo composto _ξαίρω
(=expulsar) e tem uma conotação de direção (cf. o v. 2).
_ξ _μώ α_τώ — «fora de vós». O texto grego de Deuteronômio
17:7 e seus paralelos usam o pronome reflexivo _αυτώ. O verbo _ξαρεί
(«tu deves purificar») na segunda pessoa singular serve para introduzir o
pronome em segunda pessoa plural. 45

Resumo de 1Corintios 5
Depois de dizer aos coríntios que ele poderia ir a eles para castigá-
los ou amá-los (1Co 4:21), Paulo lhes manifesta que soube que há
imoralidade dentro da igreja local. Diz-lhes que sabe que um homem
teve relações sexuais com a esposa de seu pai. Repreende os membros da
igreja por serem arrogantes. Ordena-lhes doer-se por esse mal e expulsar
o pecador de seu meio. Ele mesmo já decidiu expulsar tal homem da
congregação, entregando-o a Satanás. A igreja deve fazer o mesmo.
Usando uma ilustração doméstica, fala figuradamente da levedura,
com a qual simboliza a malícia e a maldade. Paulo faz notar que uma
pequena quantidade de levedura pode levedar toda a massa. Mas a
levedura contaminada deve ser desprezada em troca do pão sem
levedura, que representa a sinceridade e a verdade.
Paulo havia escrito anteriormente aos coríntios para que não se
juntassem com gente imoral. Agora lhes faz saber que não se referia a
todas as pessoas imorais que há no mundo, pois em tal caso os
destinatários teriam que deixar o planeta. Antes, queria dizer que não se
juntem com os que dizem ser cristãos e, no entanto, são imorais,

45
BDF § 288.1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 256
ambiciosos, idólatras, difamadores, bêbados ou ladrões. Proíbe-lhes até
comer com gente assim.
Os membros da igreja devem julgar os membros que se entregam
ao pecado. Ao contrário, Deus é quem julga os pecadores que estão fora
da igreja. Paulo termina o seu discurso citando um texto apropriado do
Antigo Testamento.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 257
1 CORÍNTIOS 6
IMORALIDADE E LITÍGIOS, SEGUNDA PARTE (1CO 6:1–20)

3. Litígios. 1Co 6:1–11

Segundo Paulo, o cristianismo existe para impregnar o mundo, para


influenciá-lo e mudá-lo de acordo com as normas do evangelho. Mas o
apóstolo percebe que em Corinto ocorre o contrário. É o mundo que
entra na comunidade cristã para conformá-la a suas normas mundanas.
Uma prova disto é o assunto dos litígios que não são resolvidos dentro
dos limites da comunidade cristã, mas que se levam diante dos juízes do
mundo. Os cristãos que levam estes processos diante dos incrédulos
fazem da igreja o bobo do mundo gentílico.
Paulo interrompe sua arenga sobre a imoralidade, para instruir os
coríntios sobre o que deveriam fazer com relação aos litígios. Os gregos
tinham uma tremenda inclinação por ouvir os advogados debaterem os
processos judiciais nos tribunais que estavam perto do mercado de toda
cidade. Os judeus em Israel e na dispersão tinham suas próprias cortes,
porque o Talmude os proibia de ir aos juízes gentios. 1 Os litígios que
envolviam a dois judeus eram resolvidos diante de um tribunal judaico.
Paulo afirma que os cristãos também deveriam resolver suas
diferenças dentro dos limites de sua própria comunidade. A nascente
igreja do mundo gentílico deveria imitar o costume judaico de julgar os
casos internamente.

1
SB, vol. 3, pp. 362–365.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 258
a. Os santos julgarão. 1Co 6:1–3

1. Atreve-se alguém de vós, qu ando tem litígio contra outro, a


apresentar o caso diante dos tribunais dos ímpios, e não dos santos?
Como no caso do homem incestuoso (1Co 5:1), não sabemos de que
maneira Paulo se inteirou de que os cristãos estavam levando os litígios
que tinham entre eles a juízes pagãos. Tampouco sabemos a que tipo de
litígio Paulo se refere. A única coisa que podemos coligir é que a
discussão sobre julgar a imoralidade (1Co 5:12, 13) lembrou Paulo de
outro problema da igreja de Corinto. 2 Sem entrar em detalhes, em alguns
versículos trata do problema da perspectiva dos princípios cristãos.
a. «Quando [alguém de vós] tem litígio contra outro». A frase
alguém de vós é a propósito geral, pois Paulo não menciona nenhum
caso específico. Se ainda um único cristão der início a um processo
judicial, já violou um princípio que Cristo ensinou aos Seus seguidores,
ou seja, buscar o bem do próximo, mesmo se tratar-se do inimigo (Lc
6:27).
Deve um cristão considerar a possibilidade de demandar
judicialmente a alguém? Sim, se observa e cumpre a lei real: «Ama o teu
próximo como a ti mesmo» (Tg 2:8). Também note os seguinte pontos:
Primeiro, Paulo não faz distinção entre cristãos e não cristãos, mas
apenas diz «contra outro». Segundo, não se interessa nos detalhes do
problema, e sim nos princípios. Sabe bem que um juízo nos tribunais de
justiça é com frequência «uma briga à morte que traz danos irreparáveis
a alguma das partes (danos econômicos, psicológicos e espirituais)». 3
Aquele que demanda outra deseja, sob o amparo da lei, fica com os bens

2
Peter Richardson afirma que em 1Co 6:1–8, Paulo ainda está tratando com a imoralidade sexual, mas
agora de um ponto de vista legal. «Judgment in Sexual Matters in 1 Cor. 6:11», NovT 25 (1983): 37–
58. Veja-se também V. George Shillington, «People of God in the Courts of the World: A Study of 1
Corinthians 6:1–11», Direction 15 (1986): 40–50; Paul S. Minear, «Christ and the Congregation: 1
Corinthians 5–6», RevExp 80 (1983): 341–50.
3
Robert D. Taylor, «Toward a Biblical Theology of Litigation: A Law Professor Looks at 1 Cor. 6:1–
11», Ex Auditu 2 (1986): 109.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 259
dessa pessoa, e procura ganhar o caso sem se importar com o dano que
causará a outra pessoa.
João Calvino, quem estudou leis em duas universidades francesas
antes de dedicar-se à teologia, comenta com acerto que as partes
implicadas em litígios estão motivadas pela cobiça, a impaciência, a
vingança, as hostilidades e a obstinação. Calvino escreve:
Por certo, cada vez que as demandas proliferam ou quando as partes
obstinadamente querem saldar suas contas, apelando a todo o rigor da
lei, é mais que óbvio que seus corações estão ardendo de injustiça,
cobiça e que não estão preparados para adotar uma atitude serena e a
suportar a injustiça, como Cristo manda. 4
A motivação que está atrás de um juízo civil com frequência é
incompatível com nossa profissão cristã.
b. «Atreve-se alguém de vós … a apresentar o caso diante dos
tribunais dos ímpios, e não dos santos?» A secularização atual insiste
com a pessoa a demandar seus direitos e, se forem negados, a levar o
assunto aos tribunais. Mas a Bíblia ensina que deve prevalecer o amor
que posto em prática deve traduzir-se em reconciliação. As disputas
devem ser resolvidas com a ajuda de um terceiro e num espírito que
procure o interesse da outra parte. Em outro lugar, Paulo aconselha:
«Que ninguém prejudique o seu irmão nem se aproveite dele neste
assunto» (1Ts 4:6).
Com toda franqueza, Paulo pergunta aos coríntios se alguém deles
pode ter «a ousadia de ir aos tribunais». 5 Paulo realmente não pode crer
que haja algum coríntio que se atreva a levar outro cristão à corte com a
intenção de devolver-lhe mal por mal, em lugar de aplicar a regra áurea
(Lc 6:31). Deseja saber se há alguém que seja tão «desavergonhado que
queira buscar justiça da parte dos pecadores e não do povo santo de

4
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpreso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 122.
5
BAGD, p. 822.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 260
Deus» (NJB). A palavra grega adikoi, que traduzi «ímpios», aponta aos
incrédulos. A outro lado da moeda é hagioi, que quer dizer santos.
O que Paulo quer dizer é que os coríntios não deveriam dar ao
mundo a oportunidade de ridicularizar a Cristo e dividir a igreja. Ao ir a
um juiz gentio, «os coríntios estavam passando por alto o princípio de
que a roupa suja se lava em casa!». 6 Se os cristãos têm diferenças,
devem esclarecê-las na presença do povo de Deus (cf. Mt 18:17).
Deveriam cumprir o mandamento de amar o próximo como a si mesmos.
2. Acaso não sabeis que os sant os julgarão ao mundo? E se o mu ndo
será julgado por vós, não sois capazes de resolver casos corriqueiros?
a. Conhecimento. «Acaso não sabeis?». Pelo menos seis vezes neste
capítulo, 7 Paulo lembra aos seus leitores os ensinos sobre o fim dos
tempos e sobre moralidade que lhes ensinou anteriormente. Paulo os
envolve num diálogo em que se veem forçados a responder
afirmativamente às perguntas retóricas que lhes faz. A pergunta é se os
santos sabem que julgarão o mundo (Mt 19:28; Lc 22:30; Ap 20:4).
Naturalmente, os coríntios lembrariam as lições que Paulo lhes deu sobre
o dia do juízo, quando se abrirem os livros e todos comparecerem diante
do tribunal de Deus.
b. Autoridade. «Os santos julgarão o mundo». É óbvio que Paulo
estava a par do ensino da literatura intertestamentária, a qual
representava os santos julgando e governando as nações e povos do
mundo (veja-se, p. ex., Sabedoria 3:8). O apóstolo aplica este ensino ao
dia do juízo. Naquele tempo haverá uma reversão dos destinos, pois os
crentes julgarão o mundo pecaminoso, incluindo seus juízes. Os santos
não só julgarão, mas também reinarão com Cristo no mundo vindouro
(2Tm 2:12). Mencionemos, de passagem, que Policarpo, que cita as
palavras os santos julgarão o mundo, afirma que Paulo ensina esta
doutrina (Epístola aos filipenses 11.3).

6
Reginald H. Fuller, «First Corinthians 6:1–11: An Exegetical Paper», Ex Auditu 2 (1986): 99.
Compare-se J.D.M. Derrett, «Judment and 1 Corinthians 6», NTS 37 (1991): 22–36.
7
1Co 6:2, 3, 9, 15, 16, 19. Veja-se também 1Co 3:16; 5:6; 9:13, 24.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 261
Paulo continua com outra pergunta: «E se o mundo será julgado por
vós, não sois capazes de resolver casos corriqueiros?» Emprega a figura
literária de avançar do mais importante ao menos importante. 8 Se os
crentes julgarão o mundo no dia do juízo, deveriam ser capazes de
encarregar-se dos assuntos comuns que ocorrem em seu meio. Deveriam
ser capazes de arbitrar nos problemas da congregação e resolvê-los para
satisfação de todas as partes. Comparados com os deveres tão
transcendentais da vida vindoura, os casos comuns desta vida deveriam
parecer fáceis. Mas para vergonha deles, não é assim.
Em tudo isso há outra comparação implícita: Se os coríntios
receberam a honra singular de julgar o mundo, quanto mais desonram o
nome e a causa de Deus quando levam casos insignificantes diante de
juízes gentios. Em contraste, Paulo ensina aos destinatários a amar (isto
é, honrar) a Deus e amar o próximo.
3. Não sabeis que julgaremos os anjos? Quanto mais os assuntos
comuns?
Ao usar um verbo na primeira pessoa plural, Paulo se inclui a si
mesmo. Talvez antes lhes tinha falado da queda dos anjos e de que Deus
os julgaria (cf. Is 24:21, 22; 2Pe 2:4; Jd. 6; Ap 20:10). No entanto,
parece-me que Paulo fala tanto dos anjos que abandonaram sua posição
inicial de autoridade como daqueles que continuaram servindo a Deus
com pureza e fidelidade. Os filhos de Deus são melhores e superiores em
posição que os anjos pelas seguintes razões: Primeiro, os seres humanos
foram criados à imagem de Deus e foram redimidos por Cristo. Segundo,
os anjos não foram criados à imagem de Deus nem são salvos por Cristo
porque carecem de um corpo físico (Hb 2:16). Terceiro, Deus envia os
anjos para servir o homem que está por herdar a salvação (Hb 1:14).
Enquanto os anjos caídos recebem seu justo castigo, os anjos santos
continuam em seu glorioso serviço.

8
Lukas Vischer, Die Auslegungsgeschichte von I. Kor.6,1–11, Rechtsverzicht und Schlichtung, da
série Beiträge zur Geschichte der Neutestamentlichen Exegese (Tübingen: Mohr [Siebeck], 1955), p.
10.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 262
Outra vez, Paulo usa a conhecida figura de raciocinar partindo do
maior para mover-se ao menor. Os anjos santos rodeiam o trono de Deus
e como tais estão longe das tristezas e cuidados terrestres. Pelo contrário,
nós os mortais temos que enfrentar os problemas comuns da vida diária.
A comparação é única, porque só aparece aqui em toda a Bíblia. Quanto
mais deveríamos ser capazes de resolver os problemas comuns?

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:1–3


Versículo 1
πρ_γμα _χων πρ_ς _τερον — esta é uma frase técnica em círculos
legais: «iniciar um processo contra o próximo».9 A preposição πρός quer
dizer «contra» e, neste contexto, o termo _τερον não se refere ao judeu
ou ao gentio, mas ao irmão em Cristo, contra o qual o demandante tem
uma relação hostil.
κρίνεσθαι — a voz média deste infinitivo presente comunica uma
ideia recíproca, como se o pronome _λλήλων aparecesse no contexto:
«julgar-se uns aos outros». 10
_πί — quando esta preposição vem seguida do caso genitivo quer
dizer «na presença de».

Versículos 2–3
κρινο_σιν — embora os manuscritos antigos carecem de acentos, o
contexto demanda o futuro κριν__σιν («julgarão»), não o presente
κρίνουσιν («julgam»). O verbo em voz passiva κρίνεται vem seguido do
dativo instrumental _ν _μί, o que dá o seguinte significado: «[o mundo] é
julgado por vós».

9
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 53.
10
Consulte-se Robertson, p. 811.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 263
κριτηρίων _λαχίστων — o substantivo quer dizer «demanda
judicial» e o adjetivo é um superlativo elativo que significa: «muito
pequeno». A frase completa nós a traduzimos «casos corriqueiros».
μήτι γε — esta é uma expressão elíptica semelhante a πόσ_ γε
μ_λλον e significa «sem mencionar [os assuntos comuns]». 11

b. Os sábios falarão. 1Co 6:4–6

4. Por isso, se tiverdes casos qu e tocam assuntos comuns, nomeais


como juízes homens que nada têm que ver com a igreja?
a. As versões. As traduções refletem uma interpretação e pontuação
diferente deste versículo. É a segunda parte do versículo um
mandamento, uma afirmação ou uma pergunta? A grafia do grego antigo
não continha sinais de pontuação. Portanto, cabe aos editores e
tradutores do texto grego determinar o significado do texto, em geral
estudando o contexto. Apresentemos três versões representativas:
«Se tiverdes, pois, tribunais para assuntos cotidianos, que nada
representam na igreja, a esses ponde por juízes» (NTT, o itálico sublinha
o imperativo).
«E, no entanto, quando tendes que recorrer aos tribunais para as
coisas desta vida, escolheis como juízes os que nada importam na igreja»
(CB, o itálico sublinha o indicativo).
«Portanto se tiverdes de julgar as coisas desta vida, constituis como
juízes aqueles que são de mínima importância na igreja?» (TB, note-se a
interrogação).
Os primeiros seis versículos deste capítulo levantam algumas
perguntas. Dentro da sequência, a posição de um imperativo no final da
oração não é comum (veja-se NTT). Mesmo uma afirmação indicativa
(CB) interrompe o fluxo das orações interrogativas. Parece, pois, lógico

11
BDF § 427.3.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 264
tomar o versículo 4 como uma pergunta, e não como uma afirmação ou
imperativo. Se o versículo contiver uma pergunta, como a interpretamos?
b. Interpretação. A frase assuntos comuns é repetido do versículo 3,
assim como casos é tirado do versículo 2. Com base nestes dois
versículos, Paulo tira uma conclusão que expressa com uma condição:
«Por isso, se tiverdes casos que tocam assuntos comuns». Completa a
cláusula com uma segunda oração aberta a várias interpretações. Por
exemplo, alguns tradutores creem que o sujeito da oração são juízes
gentios: «quem nada importam na igreja» (CB), ou: «os que não são
ninguém para a igreja» (LT). Esta interpretação infere com pouca razão
de que os membros da igreja desprezavam estes juízes (contra 1Tm. 2:1,
2). Também parece pouco provável que os cristãos de Corinto tenham
nomeado juízes gentios, porque o estado já os tinha nomeado. 12
No entanto, outros tradutores creem que os juízes pertencem à
própria comunidade cristã. Mas nomearia a comunidade juízes sem
nenhuma importância ou respeito dentro da congregação? Se Paulo
elabora uma pergunta retórica, espera uma resposta negativa. Além
disso, indiretamente repreende os coríntios por olhar com indiferença os
seus irmãos na fé. Um cristão insignificante é, segundo Paulo, pelo
menos igualmente competente que um juiz pagão. Paulo aplica o
princípio do contraste.
c. Conclusão. Nenhuma interpretação ou tradução está livre de
problemas. O argumento da passagem fala claramente de que Paulo
condena o ato de os cristãos iniciarem processos diante de juízes
mundanos. Parece que prefere um princípio usado na história bíblica.
Quando Moisés agiu como juiz do povo de Deus no deserto de Sinai, seu
sogro o aconselhou o seguinte:

12
A. Stein sugere que o costume dos cristãos judeus era nomear um rabino como juiz para que
resolvesse os casos corriqueiros. Se isto fosse certo, os cristãos gentios não iriam a um rabino, e sim a
um juiz gentio. «Wo trugen die korinthischen Christen ihre Rechtshändel aus?» ZNW 59 (1968): 86–
90.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 265
“Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens
de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de
mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez; para que
julguem este povo em todo tempo. Toda causa grave trarão a ti, mas toda
causa pequena eles mesmos julgarão” [Êx 18:21, 22, RA].
Moisés ouviu Jetro e nomeou varões capazes e honoráveis para
servir o povo na qualidade de juízes; estes homens deliberavam sobre
casos simples, enquanto Moisés decidia a respeito dos difíceis. Da
mesma forma, o rei Josafá nomeou juízes em todas as cidades
fortificadas do país (2Cr 19:5). Quando os judeus retornaram do
cativeiro babilônico, adotaram o mesmo sistema, o qual ainda estava
vigente no tempo apostólico. De fato, em cada comunidade judaica, ao
longo de toda a dispersão, os judeus tinham suas próprias cortes de
justiça, chamadas bêt dîn. 13 Paulo pede aos crentes que eles façam o
mesmo, que de sua própria comunidade nomeiem varões respeitáveis e
sábios para que ajam na qualidade de juízes.
5. Digo isto p ara vos envergonhar: Será possível que nã o haja um
sábio entre vós que seja capaz de arbitrar entre seus irmãos?
Faz muito que os cristãos de Corinto deveriam ter aplicado os
princípios cristãos aos assuntos legais. De sua própria comunidade
deveriam ter nomeado varões capazes e sábios para julgar casos simples
entre os cristãos. Por conseguinte, Paulo os repreende por seu descuido e
indolência. Embora anteriormente escreveu que não os envergonharia
(1Co 4:14), agora lhes diz abertamente que o que diz, ele o diz para
envergonhá-los. Espera que esta reprimenda obrigue os destinatários a
agir imediatamente para pôr fim à situação.
a. «Será possível que não haja um sábio entre vós?» Voltamos a nos
encontrar com uma pergunta retórica, que os coríntios deveriam
responder: «Naturalmente que há sábios em nossa comunidade». Paulo
quer que escolham alguém que seja capaz de agir como mediador, isto é,

13
Haim H. Cohn, «Bet Din and Judges», Encyclopaedia Judaica, vol. 4, col. 719–27.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 266
uma pessoa que arbitre entre as partes em conflito e que traga harmonia.
Este sábio se compara ao rabino que resolvia os problemas da
comunidade judaica, seja em Israel ou na dispersão. 14
b. «[Um sábio] que seja capaz de arbitrar entre seus irmãos». Paulo
não sugere que se nomeiem juízes que tenham um cargo permanente
(veja-se o v. 7). Pelo contrário, esta passagem leva o aroma da mediação,
não da vingança. O sábio não age como um juiz que dá uma sentença, e
sim como um mediador que busca que ambas as partes se entendam e
cheguem a um acordo.
c. «Entre seus irmãos». No grego a oração é extremamente sucinta
no final do versículo: «Entre seus irmãos», o que se deve entender como
referindo-se a dois irmãos em conflito. Eu combinei a referência às duas
pessoas na expressão irmãos.
6. Mas vai um irmão a juíz o contra outro irmão, e isso perante o s
incrédulos? [TB]
Este versículo pode-se entender como uma exclamação ou como
uma pergunta. À luz da repetição mais próxima (veja-se o v. 1),
preferimos a pergunta, a qual no final sublinha enfaticamente os
sentimentos de Paulo.
O fato de que um cristão leve o seu irmão aos tribunais é prova
suficiente de que pôs que lado o mandamento de amar o seu próximo.
Dentro da comunidade cristã a lei real (Tg 2:8) deve operar sem
restrições. Para Paulo esta é uma situação incrível que nega os princípios
mais fundamentais da fé cristã. Pode um demandante levar em
consideração o bem-estar espiritual, emocional, físico e financista de seu
irmão? Calvino escreve:
“Portanto, se um cristão quer defender seus direitos diante dos
tribunais, sem ir contra Deus, deverá tomar muito cuidado de não ir a

14
C.K. Barrett sugere a palavra hakam (=sábio), que aponta a um erudito de menor posição que um
rabi. A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New Testament
Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 138. Compare-se com L.A. Lewis,
«The Law Courts in Corinth: An Experiment in the Power of Baptism», ATR, suppl. 11 (1990): 88–98.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 267
corte com um desejo de vingança, maus pensamentos, ira ou com
qualquer coisa venenosa. Em tudo, o amor deve ser seu guia.” 15
Embora o ideal seja difícil de alcançar, o mandamento de amar-se
uns aos outros é um preceito fundamental para o cristão. Paulo volta a
este ponto nos seguintes versículos. Mas por agora critica que os
coríntios estejam levando seus irmãos à corte, diante de um juiz
incrédulo. Em outro lugar (2Co 6:15), pergunta-lhes: «O que tem em
comum um crente com um incrédulo?» A resposta é enfaticamente
negativa. Além disso, a resposta implica que, quando estas duas
categorias de gente se juntam ou associam, o crente é que sai
prejudicado.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:4–6


Versículo 4
μ_ν ο_ν — estas partículas consecutivas poderiam ser traduzidas
num português coloquial: «por que me ocorre que …». 16
__ν _χητε — esta partícula seguida do verbo no presente subjuntivo
serve para introduzir a prótase de uma oração condicional que expressa
probabilidade. A apódose registra o verbo καθίζετε, que é um presente
indicativo que age dentro de uma pergunta: «Estais nomeando?».

Versículos 5–6
λέγω — a evidência manuscrita favorece esta leitura, em lugar de
λαλ_ (compare-se 1Co 15:34 e variantes). A leitura preferida denota o
conteúdo do que se fala, a variante aponta à ação de falar.

15
Calvin, 1 Corinthians, pp. 122–123. Veja-se também João Calvino. Institución de la religión
Cristiana (Risjwik: FELiRe, 19), vol. 2, 4.20.18.
16
Moule, Idiom-Book, p. 163; R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians,
Cambridge Greek Testament for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press,
1937), p. 97.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 268
_νι — esta é uma contração da forma _νεστιν (=há), que com o
negativo ο_κ quer dizer: «não há». A duplicação de ο_ em ο_δεις
(=ninguém) sublinha a negação.
διακρ_ναι — o significado deste verbo composto difere do simples
κρίνεται (v. 6). A forma composta quer dizer arbitrar, a forma simples
julgar. 17
_δελφού — o substantivo singular deixa a oração incompleta.
Deveria ter sido plural ou se deveria ter repetido o singular. «… os
escritores do Novo Testamento seguem o uso grego com correta
liberdade e individualidade». 18
μετά — dentro deste contexto a preposição é usada no sentido de
«contra».

c. Os humildes perseverarão. 1Co 6:7–8

7. Já é uma derrota to tal para vós que tenhais litígios contra vós
mesmos. Por q ue não antes ser tratado injust amente? Por que n ão
preferir ser extorquido?
a. Derrota. De um ponto de vista mundano, Paulo está pondo tudo
ao contrário, quando diz que ganhar um juízo é como uma derrota para
os coríntios. Em lugar de dizer que devem demandar seus direitos,
repreende-os por degradar os seus irmãos na corte.
No versículo precedente (v. 6), Paulo fez notar um só incidente em
que um cristão iniciou uma processo contra seu irmão cristão. Neste
versículo se dirige a toda a congregação. Em outras palavras, a prática de
demandar uns aos outros parece ter sido bastante comum na comunidade

17
Gerhard Dautzenberg, EDNT, vol. 1, p. 305, «diakrino usa-se para apontar à atividade de um
mediador ou árbitro, diferente das cortes mundanas». Mas veja-se BAGD, p. 5; Friedrich Büschel,
TDNT, vol. 3, p. 947.
18
Robertson, p. 409.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 269
cristã. Paulo declara que este costume é inaceitável para os crentes, para
quem um litígio é «uma derrota total». 19
Em geral, antes de uma pessoa levar outra à corte, já esteve tratando
por um bom tempo de discutir a ofensa na presença do acusado e de
outros. Com a palavra já, Paulo refere-se a esta atividade preliminar,
durante a qual deveria ter sido resolvido o problema. Se o demandante
quer cercar um juízo, está enfrentando o que «já é uma derrota total»,
não só para ele, senão para toda a comunidade cristã.
O que procura Paulo dizer aos coríntios? Isto nada mais: Até no
caso que um juiz decida em favor do demandante, o caso já prejudicou o
acusado e toda a comunidade cristã. A igreja vive numa atmosfera de
hostilidade que não lhe permite demonstrar amor. Isto faz com que seja
incapaz de dar um testemunho eficaz diante do mundo. Não se deve
felicitar o demandante por ter ganho o juízo, pois o fez às custas da
comunidade cristã. John Albert Bengel comenta: «Aqui não se fala de
congratular a ninguém, mas justamente o contrário». 20
As palavras que Paulo usa no princípio deste versículo são únicas.
Paulo não diz que os coríntios iniciam juízos uns contra outros, e sim
contra eles mesmos. É como se toda a comunidade cristã fosse aos
tribunais pagãos para iniciar um processo. O resultado é que os juízos
destruirão totalmente a moral da comunhão cristã.
b. Injustiça. «Por que não antes ser tratado injustamente?». Parece
que Paulo antecipa uma objeção. Assim que usa uma pergunta para lhes
dar uma ordem indireta. De forma sutil, lembra-lhes as palavras de Jesus:
«Ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a
capa» (Mt 5:40; cf. Lc 6:29, 30). Todos protegemos de forma instintiva
nossos bens. Seguindo o exemplo de Jesus, Paulo ensina os leitores que

19
BAGD, p. 349. O substantivo derrota aparece duas vezes no Novo Testamento, aqui e em Rm
11:12, onde significa perda.
20
John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T. Lewis e
Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 194.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 270
não se apeguem a suas posses. Pelo contrário, devem estar preparados
para ser prejudicados.
c. Extorquidos. «Por que não preferir ser extorquido?». Qualquer
coisa que ataque o que valorizamos despoja. E se os coríntios ainda não
se convencem de que os bens materiais só têm um valor transitório,
Paulo diz que se deixem extorquir, e na corte! Quando Paulo lhes pede
que prefiram perder o material, está insistindo com eles a amar-se uns
aos outros num espírito de perdão. Pede-lhes que tenham um espírito de
mansidão e desprendimento que voluntariamente aceita ser prejudicado
(cf. 1Pe 2:19–23), porque Deus não Se agrada com a cobiça. Aquele que
cultiva o desprendimento segue os passos de Jesus.
8. Em vez disso vocês mesmos causam injustiças e prejuízos, e isso
contra irmãos! [NVI]
Paulo mostra que está muito consciente do efeito que os litígios
tiveram sobre a comunidade cristã. Os juízos alimentaram uma atitude de
inveja e ódio que agora ameaça a essência da comunhão cristã.
Duas coisas sobressaem neste texto. Primeiro, o espírito litigioso
dos coríntios minou severamente o conceito do que é a comunhão cristã.
Como poderá um cristão seguir chamando irmão a outro membro da
igreja, depois de tê-lo ferido moral, emocional e economicamente com
uma demanda? A falta de amor e a presença do ódio têm tornado
impossível a comunhão cristã. Quando os indivíduos se atacam uns aos
outros, a unidade do corpo se desintegra (cf. 12:25).
Segundo, pode um cristão iniciar um processo? Se um cristão não
deveria iniciar um juízo, como é que funciona a justiça dentro da
comunhão cristã? Um cristão deveria deixar de lado todo desejo de
extorquir ou tratar injustamente o seu irmão. Antes, deve procurar o
bem-estar material do seu próximo. Desta forma cumpre de forma
positiva o mandamento de não cobiçar os bens do próximo.
Para Paulo, a conduta dos coríntios é totalmente contrária aos
princípios cristãos. Na igreja um deve resolver as diferenças e disputas
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 271
pedindo a mediação de irmãos sábios, promover o bem-estar material da
comunidade cristã e dar um testemunho transparente ao mundo.

Considerações práticas em 1Co 6:7–8


Pode um cristão ir aos tribunais? A Escritura dá uma resposta
afirmativa. Por exemplo, Atos mostra claramente que Paulo foi ao
sistema judicial romano várias vezes. Embora não foi ele quem começou
os processos, apelou à justiça romana para defender-se e defender a
causa do cristianismo (At 16:37; 22:25; 25:11).
Além disso, Deus instituiu o governo civil, que inclui o sistema
judicial. Deus nomeou oficiais e juízes do governo para que sirvam à
cidadania e assegurem o bem-estar da sociedade (Rm 13:1–5).
Deveria a comunidade cristã ter seus próprios juízes e advogados?
Neste caso a resposta também é afirmativa. Contudo, os cristãos
deveriam abster-se de iniciar juízos, pois estes são uma mancha na
comunidade. Os crentes devem reconhecer que «os litígios são prova de
que não existe um sentido de comunidade». 21 Os juízos contribuem para
a desintegração da sociedade, promovendo o individualismo. Quando
isso ocorre, forma-se um ambiente de possante egoísmo que sufoca toda
preocupação pelo próximo.
A sociedade em geral, mas particularmente os cristãos deveriam
resolver suas diferenças num clima de mediação e reconciliação. Os
cidadãos cristãos deveriam ser os primeiros em promover o respeito pelo
próximo e contribuir assim para edificar uma sociedade estável. Devem
demonstrar que a estima e o amor uns pelos outros são as marcas da
decência e a moralidade.

21
Taylor, «Toward a Biblical Theology of Litigation», p. 114.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 272
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:7
_δη μέν — o advérbio já ocupa o primeiro lugar da oração. Paulo
usa este advérbio para apontar a um processo que já começou antes de
levar as coisas aos tribunais. A partícula μέν se equilibra por δε, que
deve suprir-se na pergunta retórica que Paulo emprega.
μεθ_ _αυτώ — a preposição tem um sentido de oposição («contra»;
veja-se o v. 6). O pronome reflexivo («vós mesmos») não é sinônimo de
_λληλώ (=uns aos outros). «O último daria a ideia de uma diversidade de
interesses, [enquanto] _αυτώ faz ênfase na identidade de interesses». 22
_δικεί … _ποστερεί — estes verbos no tempo presente e voz média
expressam a ideia de «deixem-se ofender e roubar». 23 A voz média
expressa consentimento ou causa.

d. Os ímpios perderão. 1Co 6:9–11

Depois de falar do problema das demandas judiciais e seu efeito


devastador sobre a comunidade cristã, Paulo amplia o seu discurso
mencionando os pecadores que estão destituídos do reino de Deus. O
apóstolo distingue entre os que pecam de forma deliberada e os coríntios
que foram purificados do pecado. Ao referir-se a estes pecadores
imorais, volta a nomear algumas categorias que já mencionou (veja-se
5:9–11).
9, 10. O u acaso não sabeis que os ímpios não herd arão o rei no de
Deus? Não vos e nganeis, os imorais, os idólatras, os adúlteros, os
homossexuais, os sodomitas, os ladrõe s, os am biciosos, os bêb ados, os
soezes e os estelionatários, nenhum deles herdará o reino de Deus.
a. «Ou acaso não sabeis». Paulo continua com a conjunção ou, a
qual serve para conectar esta passagem com os versículos precedentes

22
J.B. Lightfoot, Notes on the Epistles of St. Paul from Unpublished Commentaries (1895; reimpresso
por Grand Rapids: Zondervan, 1957), p. 212.
23
Robertson, p. 808; BDF § 314.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 273
(vv. 2 e 3) que têm as mesmas perguntas retóricas. Conhecem e
entendem os coríntios as implicações espirituais das demandas judiciais
e da vida em pecado? A pergunta retórica que Paulo expõe, demanda
uma resposta afirmativa.
b. «Os ímpios não herdarão o reino de Deus». Paulo se pergunta se
os coríntios estão a par de alguns fatos básicos do reino de Deus.
Primeiro, quais herdam o reino? Por certo que não serão os ímpios,
cuja imoralidade sexual e outros pecados, os desqualificam. São gente
que deseja fazer o mal. 24 Diferente dos justos, estão inclinados a
prejudicar os outros, pelo que são distintos dos justos. Paulo não se
refere aos que percebem seus erros e se arrependem. Antes, aponta aos
que voluntariamente continuam em seus pecados e se gloriam deles.
Segundo, a palavra herdarão tem relação com filhos e filhas que
compartilham uma herança no reino e que neste caso são filhos de Deus.
Recebem a herança, não pelas obras mas pela graça (veja-se Ef 2:8, 9).
Mas os pecadores não arrependidos não serão aceitos no reino.
Terceiro, o verbo herdar quer dizer que não existe a possibilidade
de pecadores não arrependidos poderem alguma vez desfrutar das
bênçãos de Deus. O uso do tempo futuro é definitivo: nunca herdarão o
reino.
Finalmente, o conceito de reino aparece repetidamente nos
evangelhos sinóticos, especialmente em Mateus. No entanto, em 1
Coríntios, Paulo só menciona o conceito cinco vezes (1Co 4:20; 6:9, 10;
15:24, 50). Com exceção de 1Co 4:20, todos estes usos se referem às
bênçãos futuras do reino vindouro. 25
c. «Não vos enganeis, os imorais, os idólatras, os adúlteros, os
homossexuais, os sodomitas». Paulo volta a exortar os destinatários a

24
Meinrad Limbeck, EDNT, vol. 1, p. 31.
25
Cf. George E. Ladd, A Theology of the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 410;
Leon Morris, New Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, Academic Books, 1986), p. 37.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 274
26
que não se enganem (veja-se 1Co 3:18). Deveriam estar muito
conscientes da sociedade corrupta na qual vivem. Ao mencionar pecados
sexuais, primeiro menciona os fornicários (veja-se o comentário a 1Co
5:9, 10, 11). Usa o termo para apontar às relações sexuais entre solteiros
ou entre uma pessoa casada e uma solteira. Paulo reafirma a doutrina de
Jesus, ou seja, que a imoralidade sexual mancha a pessoa (veja-se o v.
11; Mt 15:19, 20).
Note-se que Paulo põe os idólatras entre os imorais e os adúlteros.
Parece um pouco fora de lugar colocar os idólatras nesta lista de pecados
sexuais. Porém no mundo gentílico, a idolatria com frequência era uma
fonte de perversão sexual (veja-se Rm 1:18–32).
As três categorias seguintes são: adúlteros, homossexuais e
sodomitas. A primeira expressão grega, moichoi (adúlteros), refere-se ao
pecado sexual cometido por uma pessoa casada com alguém casado ou
solteiro. Este pecado rompe o laço matrimonial. A seguinte palavra
grega malakoi (homossexuais) tem que ver com «homens e crianças que
permitem ser abusados sexualmente». 27 A palavra conota submissão e
passividade. Em contraste, o terceiro termo arkenokoitai (sodomitas),
aponta a homens que praticam a homossexualidade (1Tm. 1:10). São
agentes ativos em sua busca. 28 A prosa, a cerâmica e a escultura grega e
latina demonstram que os homens do primeiro século estavam muito
preocupados com as práticas sexuais. 29 Estes homens se lançavam em
seu pecado homossexual e competiam até com o povo de Sodoma (Gn
19:1–10; veja-se também Lv 18:22; 20:13).
26
1Co 15:33; Gl 6:7; Tg 1:16. Veja-se também Herbert Braun, TDNT, vol. 6, pp. 244–245; Walther
Günther, NIDNTT, vol. 2, p. 459.
27
BAGD, p. 488.
28
Consulte-se David F. Wright, «Homosexuals or Prostitutes? The Meaning of Arsenokoitai (1 Cor.
6:9; 1 Tim. 1:10)», VigChr 38 (1984): 125–53; «Translating Arsenokoitai (1 Cor. 6:9; 1 Tim. 1:10)»,
VigChr 41 (1987): 396–98; «Homosexuality: The Relevance of the Bible», EvQ 61 (1989): 291–300;
y William L. Petersen, «Can Arsenokoitai Be Translated by ‘Homosexuals’? (1 Cor. 6:9; 1 Tim.
1:10)», VigChr 40 (1986): 187–91.
29
Refira-se a Catherine Clark Kroeger, «Paul, Sex, and the Inmoral Majority», Daughters of Sarah
(May/June 1988): 26–28.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 275
d. «Os ladrões, os ambiciosos, os bêbados, os soezes e os
estelionatários». Paulo deixa os pecados sexuais, para concentrar-se
naqueles que têm que ver com os bens materiais, o abuso físico e verbal,
e o roubo. Parece reproduzir o Decálogo, embora não os menciona na
ordem em que aparecem nos Dez Mandamentos. Com exceção da
categoria de ladrões, a lista só repete o que já se mencionou em outra
passagem (1Co 5:10, 11).
e. «Nenhum deles herdará o reino de Deus». Paulo repete esta
solene afirmação (v. 9) para sublinhar quão grave são os pecados que
mencionou. Não está dizendo que aquele que cometeu alguma vez um
destes pecados jamais herdará o reino de Deus. O que afirma é que
aquele que persiste em praticar estes vícios será excluído do reino. Mas
quando um pecador demonstra arrependimento genuíno e entrega sua
vida a Cristo e crê em Cristo, é perdoado, purificado do pecado, libertado
da culpa, é santificado e declarado justo. Os coríntios podiam entender
bem o que Paulo dizia sobre o pecado, pois alguns deles tinham deixado
a vida de pecados sociais e sexuais que levavam.
11. E isto foram alguns de vós. Mas fostes lavados, fostes
santificados, fostes ju stificados em o nome do Se nhor Jesus Cristo e no
Espírito do nosso Deus.
Notemos os seguintes pontos:
a. Imundos. «E isto fostes alguns de vós». Jesus disse que veio para
chamar os pecadores, não os justos, ao arrependimento (Mc 2:17; Lc
5:32; 1Tm. 1:15). Os publicanos e prostitutas eram os pecadores do
tempo de Jesus; eram os párias da sociedade. Jesus os chama ao
arrependimento e depois come e bebe com eles em suas próprias casas
(Mt 11:19).
Quando Paulo visitou Corinto pela primeira vez, levou o evangelho
de salvação a alguns que tinham vivido em pecados sexuais e morais.
Nesta epístola, Paulo não fala de pecados em geral, mas afirma que só
alguns coríntios viveram uma vida degenerada: «E isto [=degenerados]
fostes alguns de vós». Estavam imundos por sua forma de vida
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 276
pecaminosa, mas pela pregação do evangelho receberam o dom da
salvação, e agora estão limpos.
b. Limpos. «Mas fostes lavados, fostes santificados, fostes
justificados». No grego, Paulo usa uma conjunção adversativa intensiva
diante de cada um dos três verbos. Desta forma comunica que se
produziu uma tremenda mudança espiritual. Contrasta a pecaminosa vida
passada dos coríntios com a nova vida que agora têm em Cristo. Não só
isso, mas também cada verbo deste versículo está na segunda pessoa
plural. Paulo deseja ser claramente pessoal no que diz.
«Mas fostes lavados». A limpeza é total e completa. Quando Deus
perdoa um pecador arrependido, apaga completamente todo o seu
prontuário de culpa. O verbo lavados, bem como os outros dois
(santificados e justificados), está na voz passiva. O verbo grego que aqui
traduzimos lavados só aparece duas vezes no Novo Testamento, a outra
ocasião está em Atos 22:16. Embora o lavamento dos pecados se conecta
com o batismo, aqui Paulo se abstém de usar o verbo batizar, porque
deseja fazer insistência nos efeitos do batismo. Atos conta a experiência
de conversão que Paulo teve, quando Ananias lhe disse que se batizasse
e lavasse os seus pecados (At 9:17, 18). Paulo sublinha a ação pela qual
a pessoa é purificada do pecado e dá a impressão de que deveríamos
entender este ato figuradamente. 30 Assim como Paulo experimentou o
lavamento do pecado de ter perseguido a igreja de Cristo, assim os
coríntios foram lavados dos pecados de sua vida anterior.
«Fostes santificados». No princípio da carta, Paulo disse aos
coríntios que eram santos em Cristo Jesus (1Co 1:2). Agora lhes lembra
que foram santificados. O Novo Testamento ensina que todo aquele que
crê em Jesus está santificado nEle (Jo 17:19; At 20:32; 26:18). A
santificação significa que o crente entrou em comunhão com Deus (veja-
se 1Co 1:9).

30
Refira-se a J.K. Parratt, «The Holy Spirit and Baptism. Part 2. The Pauline Evidence», ExpT 82
(1971): 226–71.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 277
«Fostes justificados». Faz alguns séculos, os teólogos protestantes
discutiam se a santificação precedia à justificação, pois em outro texto
desta epístola Paulo coloca a justificação antes da santidade (1Co
1:30). 31 A justificação é um ato declarativo de Deus pelo qual declara
justo o crente em Cristo. Este ato se coordena com o outro ato de Deus
pelo qual santifica o crente. Os três verbos deste texto (lavados,
santificados, justificados) estão gramaticalmente relacionados. No grego
estão em aoristo, o que descreve uma só ação instantânea. Paulo afirma
que em certo momento Deus declarou os coríntios santos e justos. Neste
contexto não se detém a explicar a distinção entre santificação e
justificação, mas escreve um discurso contra a injustiça. 32
c. Graça. «Em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do
nosso Deus». A última parte deste versículo revela um trinitarismo
implícito, pois Paulo menciona Jesus Cristo, o Espírito e Deus. Contudo,
não devemos pressionar muita esta observação porque neste texto Paulo
não usa de forma explícita a fórmula batismal trinitária da grande
comissão (Mt 28:19). 33 Não obstante, é preciso reconhecer que a frase
em nome de aparece às vezes com relação ao batismo (p. ex., At 2:38;
8:16; 19:5).
A última parte do versículo deve conectar-se com cada um dos
verbos precedentes (lavados, santificados, justificados). A preposição em
ocorre duas vezes, aplica-se aos três verbos e deve entender-se no
sentido de «com relação a». Consideremos agora como estes três verbos
se relacionam com o Senhor Jesus Cristo e o Espírito de Deus.
Primeiro, o lavamento dos pecados é resultado do batismo. Os
crentes são batizados em o nome de Jesus Cristo e no poder do Espírito
(p. ex., Mt 3:11; Jo 1:33; At 10:48). Paulo usa o nome completo de
31
Anthony A. Hoekema, Saved by Grace (Grand Rapids: Eerdmans; Exeter: Paternoster, 1989), p.
203.
32
Bengel, New Testament Commentary, vol. 2, p. 195.
33
Frederic Louis Godet sustenta que aqui Paulo está usando os três nomes divinos como fórmula
batismal, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids: Kregel, 1977), p.
302.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 278
«Senhor Jesus Cristo», mas para referir-se ao Espírito não usa a frase
«Espírito Santo», mas escreve «Espírito de Deus», o que é mais comum
em Paulo, especialmente nesta epístola (1Co 2:11, 12, 14; 3:16; 7:40;
13:3).
Segundo, a santificação dos crentes se baseia na obra redentora do
Senhor Jesus Cristo e é sustentada pelo poder do Espírito Santo. Da
mesma forma, a justificação tem seu fundamento na obra expiatória de
Jesus e converte-se numa realidade para o crente através do testemunho
poderoso do Espírito.
Finalmente, só neste versículo se conecta a justificação do crente
com o poder do Espírito. E embora no hino cristão primitivo de 1
Timóteo 3:16 Cristo apareça como vindicado no Espírito, jamais
encontramos outro texto da Escritura que envolva o Espírito na
justificação do crente. Sabemos que o Espírito Santo toma parte na
santificação do crente, mas a justificação é um ato de Deus baseado na
justiça de Cristo. Só neste texto se vincula o Espírito com a justificação
do crente.

Considerações práticas em 1Co 6:11


Em Sua graça Deus oferece perdoar os pecadores que se
arrependem. É um perdão enorme e tremendamente gratificante. Quando
a pecadora entrou na casa de Simão o fariseu, Jesus lhe disse: «os teus
pecados foram perdoados … A tua fé te salvou … vai-te em paz» (Lc
7:48, 50). À mulher adúltera disse: «Vai-te, e não voltes a pecar» (Jo
8:11). A um dos criminosos crucificado junto a Ele, disse: «Asseguro-te
que hoje estarás comigo no paraíso» (Lc 23:43). A Paulo, o perseguidor
da igreja primitiva, chamou-o «instrumento escolhido» (At 9:15).
O Antigo Testamento registra o assombroso relato em que Deus
estende Sua graça a Manassés, rei de Judá. Manassés era filho de
Ezequias, quem amava o Senhor e O servia com fidelidade. Contudo,
Manassés fez o que era mau diante de Deus. Adorou os baalins, edificou
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 279
altares para as estrelas do céu nos átrios do templo, sacrificou o seu filho,
praticou a feitiçaria e a adivinhação, colocou uma imagem lavrada no
templo de Deus, desencaminhou o povo e derramou sangue inocente
(2Rs 21:1–9,16; 2Cr 33:1–9). No entanto, estando no cativeiro, o rei se
arrependeu. Deus não só o perdoou, mas também o restaurou como rei
de Judá (2Cr 33:12, 13).
Quando a pessoa lê este relato, fica assombrada pela graça
perdoadora de Deus. Procuramos sondar as profundidades do amor e do
perdão de Deus, e nos perguntamos se Deus perdoará qualquer um e todo
pecado cometido contra Ele. Perdoará Deus os pecados, que como diz
Paulo, nos excluem do reino de Deus? A resposta é afirmativa para todo
pecador que arrependido confessar o seu pecado e clamar por
misericórdia.
Jesus nos assegura isso, com apenas uma exceção:
«Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a
blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém proferir
alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas,
se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem
neste mundo nem no porvir » (Mt 12:31, 32).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:11


τα_τα — usa-se o pronome neutro plural, não para apontar a coisas
mas às pessoas. Uma palavra mais correta teria sido τοιο_τοι (=os tais),
embora o pronome neutro plural é enfático e direto.
_πελούσασθε — a maioria dos tradutores tomam este aoristo
indicativo, voz média de _πολούω (=lavar) como passivo. 34 Os crentes
não podem lavar os seus próprios pecados, só Cristo Jesus os limpa. No
entanto, alguns tradutores apresentam uma tradução literal: «vos

34
P. ex., RV60, BJ, BP, NC, LT, VM, CB. Consulte-se a G.R. Beasley-Murray, NIDNTT, vol. 1, p.
152; EDNT, vol. 1, p. 137.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 280
35
lavastes». Interpretam a voz média no sentido de que os candidatos ao
batismo se submeteram ao batismo.
_ν — esta preposição com frequência é usada como se fosse ε_ς.
«Como se sabe bem, _ν e ε_ς são a mesma palavra. Portanto, não se
pode insistir numa distinção rígida entre ambas as preposições». 36

4. Imoralidade. 1Co 6:12–20

Depois de admoestar os coríntios sobre os litígios que tinham entre


si, Paulo volta ao tema da imoralidade. No capítulo anterior deu
instruções a respeito de um caso de incesto. Agora discute princípios
gerais a respeito da imoralidade sexual.

a. Permissividade. 1Co 6:12–14

12. «Todas as coisas me são pe rmitidas», porém nem todas as coisas


me são pr oveitosas; «todas as coisas me são permit idas», porém não me
deixarei dominar por nenhuma.
Nos versículos 12 e 13a, Paulo cita dois lemas que tinham os
coríntios. Também os corrige: «porém não todas as coisas me são
proveitosas».

Lema Resposta

Todas as coisas me são permitidas porém não todas as coisas me são


proveitosas
Todas as coisas me são permitidas porém não me deixarei dominar por
ninguna cosa
A comida é para o estômago e
o estômago para a comida mas Deus os destruirá a ambos

35
Veja-se CI, cf. NBE.
36
Robertson, p. 559.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 281
Comentemos agora cada um destes lemas e suas respostas:
a. «Todas as coisas me são permitidas». Este lema aparece quatro
vezes na primeira carta de Paulo aos coríntios (1Co 6:12bis., 10:23bis.).
Não é de grande importância saber de onde veio o lema. Não sabemos se
foi Paulo quem lhes aplicou este refrão ou se o lema veio dos filósofos
gregos ou do gnosticismo incipiente. 37 O que importa é que alguns dos
membros da congregação de Corinto usaram o lema como uma desculpa
para promover sua própria versão da liberdade cristã.
Estes livre-pensadores criam que podiam fazer o que bem
quisessem. 38 A forma como aplicavam o lema todas as coisas me são
permitidas saía dos limites de uma conduta cristã aceitável. Em lugar de
viver como crentes perdoados, santos e justos, entregavam-se a pecados
sociais e sexuais. Em lugar de submeter-se ao senhorio de Cristo,
aprovavam o pecado em nome da liberdade que tinham recebido em
Cristo. Em vez de servir ao Senhor e ao próximo num amor
verdadeiramente cristão (Mt 22:37–40), serviam-se a si mesmos.
Um das frases breves de Martinho Lutero nos ajuda a compreender
o entendimento torcido que os coríntios tinham da liberdade cristã.
Lutero diz: «O cristão é perfeitamente livre e senhor de tudo, sem estar
sujeito a ninguém. Um cristão é perfeitamente serviçal e servo de todos,
sujeito a todos». 39
b. «Porém nem todas as coisas me são proveitosas» (cf. Eclesiástico
37:27, 28). Ao que parece alguns livre-pensadores da igreja de Corinto
aplicavam as palavras todas as coisas a tudo, incluindo a imoralidade
sexual. Mas Paulo rejeita a ideia de que a expressão deva ser entendida
como incluindo o pecado. Os mandamentos de Deus delimitam claros

37
Refira-se a Michael Parsons, «Being Precedes Act: Indicative and Imperative in Paul’s Writing»,
EvQ 60 (1988): 99–127.
38
Examinando o lema de 1Co 6:12 e 10:23 no contexto dos capítulos 8–10, James B. Hurley sugere
que Paulo se dirige a judeus cristãos. Veja-se seu «Man and Woman in 1 Corinthians», Ph.D. diss.,
Cambridge University, 1973, p. 86.
39
Helmut T. Lehmann, ed., Luther’s Works, 55 vols., Career of the Reformer: I, vol. 31 (Philadelphia:
Muhlenberg, 1957), p. 344.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 282
parâmetros para uma conduta correta. Embora Paulo concorde com o
lema, limita-o por meio de uma afirmação adversativa: «porém nem
todas as coisas me são proveitosas». Nesta afirmação omite o referente,
quer dizer, não acrescenta algo como: «para mim», «para vós», mas
deixa o assunto aberto. O ponto é que nossa conduta, seja boa ou má,
sempre afeta as pessoas com quem nos relacionamos. Não temos o
direito de fazer o que bem quisermos sem levar em conta o dano que
nossa conduta pode fazer ao próximo. O egoísmo vai contra o
mandamento de amar o próximo como a nós mesmos. Por conseguinte,
Paulo acrescenta: «porém nem todas as coisas me são proveitosas».
c. «‘Todas as coisas me são permitidas’, porém não me deixarei
dominar por nenhuma». 40 Paulo volta a citar o lema que circulava na
comunidade cristã de Corinto, para voltar a limitar sua aplicação e
impacto. A expressão todas as coisas tem seu contraparte em nenhuma.
O que procura Paulo comunicar com esta rejeição? Primeiro, o
grego contém um jogo de palavras. Quando diz que todas as coisas lhe
estão permitidas quer dizer que tem autoridade para fazer o que quiser.
Ter autoridade é assenhorear-se de algo ou alguém. Mas depois
acrescenta que ele não deixará que nada nem ninguém tem autoridade
sobre ele. Segundo, Paulo aplica o lema a si mesmo usando a primeira
pessoa singular. Faz isto com frequência para dar o exemplo e para
orientar os leitores que enfrentam problemas morais e sociais. 41 Terceiro,
ao identificar-se com estes problemas, faz notar que ele já não possui o
que o possui.
Deus nos deu apetites naturais que a liberdade cristã nos permite
satisfazer. Por exemplo, estamos limitados pelas leis naturais e morais:
não se deve abusar da comida e da bebida, o sexo deve manter-se dentro
do marco do casamento. Mas se uma pessoa cede ao pecado, torna-se o
seu escravo e o pecado o seu senhor (cf. Gn 4:7; Rm 6:16). Uma pessoa
40
Veja-se BAGD, p. 279.
41
Veja-se 1Co 6:15; 7:7; 8:13; 10:29, 30, 33; 14:11. Consulte-se a Bengel, New Testament
Commentary, vol. 2, p. 196.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 283
pode exercer sua liberdade cristã livremente, sempre e quando o fizer em
comunhão com Deus.
13. «A comida é para o estômago e o estômago para a comida», mas
Deus os destruirá a ambos. O corpo não é para a imoralidade, senão para
o Senhor, e o Senhor é para o corpo.
a. «‘A comida é para o estômago e o estômago para a comida’».
Depois de citar um lema geral («todas as coisas me são permitidas»),
Paulo cita agora um provérbio específico que tem que ver com a comida
e o estômago. Quem quer que compôs este provérbio, deu-lhe força
revertendo a ordem dos dois substantivas da segunda metade. Por isso, o
público de boa vontade aceitava este lema. Mas embora Paulo aceite a
verdade encerrada no provérbio, acrescenta-lhe um comentário
semelhante ao do versículo anterior (v. 12).
Deus criou um mundo que produz uma variedade de alimentos para
nosso sustento. Se não forem desperdiçados, os alimentos terminam no
estômago de quem os come. Por sua vez, o estômago recebe a comida
para proveito de quem o consome. Assim é como Deus desenhou Sua
criação. Mas o Senhor também pôs limites. Os alimentos são perecíveis e
o ser humano fica velho. Ambos passam. Tanto a comida como o
estômago são coisas passageiras, não permanecem no tempo.
b. «Mas Deus os destruirá a ambos». Paulo aponta aqui ao caráter
temporal da comida e o estômago. Para ressaltar sua natureza passageira,
afirma que Deus os destruirá. No presente contexto Paulo não elabora o
tema da comida oferecida aos ídolos, nem a liberdade cristã nem o comer
e beber para a glória de Deus. Em outros lugares apontará a esses temas
(1Co 8; 10:23–33).
c. «O corpo não é para a imoralidade, senão para o Senhor, e o
Senhor é para o corpo». A mensagem de Paulo é que os coríntios não
devem identificar o apetite sexual com o desejo de comer e beber. J.B.
Lightfoot faz notar que os coríntios confundiam a proibição de duas
categorias diferentes: «a comida e a bebida, por um lado; os pecados
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 284
42
sexuais, por outro». A comida e a bebida devem consumir--se com
moderação, mas seu consumo como tal não É um assunto moral, visto
que qualquer pessoa com senso comum santificado quererá manter-se
saudável. Mas o mandamento de Deus de fugir da fornicação e o
adultério conecta a sexualidade com a moral.
Deus criou o corpo humano, não para o prazer pecaminoso, senão
para a glória de Deus. Deus formou o corpo humano à Sua imagem e
semelhança (Gn 1:26), não para entregá-lo à imoralidade sexual. O
concílio de Jerusalém sabia que os gentios aceitavam a imoralidade
sexual. Isto os levou a dar-lhes o mandamento: «que vos abstenhais …
da fornicação» (At 15:29, RC). Os coríntios que faziam alarde de sua
liberdade em Cristo criam que tinham liberdade para a glutonaria e a
fornicação. O certo era que sua imoralidade sexual violava os preceitos
do concílio de Jerusalém e era uma transgressão do Decálogo (Êx 20:14;
Dt 5:18).
Deus criou o corpo humano para que O servisse em sua criação (Gn
1:28). Instituiu o casamento para que a raça humana se propagasse e para
o enriquecimento dos cônjuges. Deus considera que a fornicação usa o
corpo de uma maneira totalmente contrária aos Seus planos (veja-se 1Ts
4:3–5). Portanto, Paulo faz notar que o corpo é para servir ao Senhor e
que o Senhor é para o corpo.
Paulo acrescenta seu próprio ensino ao lema dos coríntios, para o
qual imita o ritmo e estilo do lema:

A comida é para o estômago e o estômago para a comida.


O corpo … é para … o Senhor, e o Senhor é para o corpo.

42
Lightfoot, Notes on the Epistle, p. 214. Veja-se também Archibald Robertson e Alfred Plummer, A
Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle of St. Paul to the Corinthians, na série
International Critical Commentary, 2ª. ed. (1911; reimpresso por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p.
123.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 285
Assim como o estômago e a comida são feitos um para o outro, da
mesma forma o corpo humano e o Senhor se servem mutuamente. No
entanto, o estômago e a comida são coisas passageiras, mas o corpo e o
Senhor têm vida eterna pela ressurreição. Contudo, o paralelismo não
deveria pressionar-se à sua conclusão lógica, porque esse não é o
propósito de Paulo. 43
Nosso corpo físico, criado por Deus mas manchado pelo pecado,
terminará na tumba. Mas Cristo o redimiu, assim que ressuscitará tal
como Ele mesmo ressuscitou. O Senhor reclama esse corpo para Si,
porque Lhe pertence (Rm 14:8).
14. Deus não só ressuscitou o Se nhor, mas também nos ressuscitará
pelo seu poder.
Embora seja verdade que Deus destrói a comida e o estômago,
também o é que restaurará nosso corpo no dia da ressurreição, como o
fez com Cristo. Mas há uma diferença entre o tempo e tipo de
ressurreição que teve Cristo e a nossa. Cristo é as primícias, nós viemos
depois (1Co 15:15, 20). Ele é o autor de nossa salvação, nós Sua família
(Hb 2:10, 11). Porém no momento, Paulo não se detém nesta diferença.
No mundo gentílico do tempo de Paulo, os filósofos gregos
consideravam o corpo humano como algo sem valor, enquanto tinham a
alma como o mais importante. É por isso que Paulo retoma a doutrina da
ressurreição no capítulo 15, sublinhando a importância do corpo
humano. Porém no presente contexto, só se preocupa pelo fato de que
Deus ressuscitou a Cristo dos mortos, assegurando-nos que também
ressuscitará nossos corpos pelo Seu poder. A ideia é que assim como
Cristo foi ressuscitado fisicamente, nós também. É preciso observar que
Paulo se envolve no assunto ao usar o pronome de primeira pessoa plural
nos, incluindo-se a si mesmo.
Embora ao morrer fiquem na tumba, nossos corpos físicos são
valiosos para Deus (cf. Sl. 116:15). Tem-nos em alta estima e os
43
Gordon D. Fee The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 256.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 286
ressuscitará com o Seu poder (cf. Rm 8:11; 2Co 4:14; 13:4). O poder de
Deus chegou até o corpo de Cristo na tumba, e esse mesmo poder
vivificará nossos corpos na tumba.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:12–14


Versículos 12–13
_ξουσιασθήσομαι — o uso do futuro passivo de _ξουσιάζω (=ter
autoridade sobre) é parte de um jogo de palavras, porque o verbo _ξεστιν
(«é permitido») denota que a pessoa a quem se aplica, recebeu
autoridade (_ξουσία).
τινος — este pronome indefinido pode ser masculino («qualquer»)
ou neutro (=qualquer coisa). A segunda opção é preferível, porque
equilibra ao neutro πάντα («todas as coisas»).
καί … καί — a repetição desta conjunção tem o sentido de «tanto ...
como».

Versículo 14
_ξεγερεί — «ressuscitará». Este futuro ativo (lit. «levantará»)
enquadra com o ensino que descreve a ressurreição física como um
acontecimento futuro. 44 Além disso, também equilibra o tempo futuro de
katarghvsei («destruirá») do versículo anterior (v. 13). Outras leituras
registram o aoristo ejxhvgeiren, que imita ao verbo simples h[geiren
(«ressuscitou»), ou o tempo presente ejxegeivrei, que deve ser o erro de
algum escriba. 45 Os tradutores favorecem a primeira leitura. O verbo
composto e o simples significam o mesmo.

44
Refira-se a Jo 5:28,29; 11:24; At 24:15; 1Ts 4:16,17.
45
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Societies, 1975), p. 552.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 287
b. Prostitutas. 1Co 6:15–17

15. Não sabeis que vossos corp os são membros de Cristo? Pois bem,
tomarei os membros de Cristo e os farei membros de uma prostituta?
Jamais!
a. «Não sabeis?». Outra vez, Paulo faz uma pergunta retórica
usando o verbo saber, a qual demanda uma resposta afirmativa (veja-se,
p. ex., vv. 2, 3, 9). Parece lembrá-los o que lhes tinha ensinado em outras
oportunidades. 46 Pergunta-lhes se têm conhecimento sobre seus próprios
corpos.
b. «Vossos corpos são membros de Cristo». Paulo continua com a
ideia do versículo anterior (v. 13), onde afirmou que o corpo é para o
Senhor e o Senhor para o corpo. Agora revela a profundidade desta
íntima relação: o corpo físico do crente é membro de Cristo. Neste
versículo, Paulo declara o simples fato de que os crentes são «membros
de Cristo». Mais adiante estende este fato ao corpo de Cristo, a igreja
(veja-se 1Co 12:12, 27; Rm 12:5, 6). Cristo usa nossos corpos físicos
para promover a causa do evangelho e para nutrir sua comunhão. Nós
somos as mãos e pés do Senhor! Obedecemos as indicações de Cristo,
porque Ele é nossa cabeça e nós somos os Seus membros.
c. «Pois bem, tomarei os membros de Cristo e os farei membros de
uma prostituta?» Paulo espera uma resposta afirmativa à sua primeira
pergunta (v. 15a), agora continua com outra inquietação. Mas antes de
expressá-la, quer que seus leitores concordem com o que diz, assim que
escreve «pois bem». O que quer dizer é: «Se o que digo é certo,
arrancarei de Cristo os membros que executam Seus mandatos, para uni-
los a uma prostituta?» Paulo espera que os coríntios deem uma resposta
negativa.
A palavra grega pornē (=prostituta) é um eco da palavra porneia
(=fornicação, imoralidade sexual [vv. 13, 19]; o termo coloquial porno

46
John C. Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1983), p. 87.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 288
deriva-se dela). Na cultura grega daquele então, permitia-se a
prostituição e a fornicação. Ateneu, um escritor do segundo século d.C.,
cita um discurso do Demóstenes, que diz: «Usamos as meretrizes para o
prazer, as concubinas para o concubinato diário, mas a esposa é para ter
filhos legítimos e para ter um guardião confiável de nossa propriedade
doméstica». 47
Quando Paulo fala de ser membro de Cristo ou de uma prostituta,
sua intenção não é fazer um paralelo completo. Antes, está contrastando
a sagrada comunhão que o crente tem com Cristo com a concupiscência
pecaminosa do qual tem relações com uma prostituta. «Cristo está tão
unido a nós e nós a Ele, que somos um corpo com Ele». 48 Paulo tem
razão para indignar-se pela condição moral que encontra em Corinto,
onde a imoralidade sexual ocorria até nos cristãos. Mas o apóstolo lhes
ensina que se estiverem unidos a Cristo, não podem unir-se a uma
prostituta. Os conceitos se excluem mutuamente. É por isso que Paulo
responde fortemente a sua pergunta.
d. «Jamais!». A resposta que se espera vem numa só palavra:
«Jamais!». Outras versões leem: De maneira nenhuma!» (NVI, LT, cf.
TB), «Absolutamente!» (CI), «Não, por certo.» (RC). Todas as versões
sublinham que o assunto é inaceitável.
16. Ou acaso não sabeis que aquele que se une a uma prostituta é um
corpo com ela? Porque diz: «Os dois serão uma só carne».
a. «Ou acaso não sabeis?». Três vezes se repete a frase não sabeis?
(vv. 15, 16, 19). Supomos que em seu ensino oral, Paulo tinha ensinado
os coríntios que deviam abandonar as práticas sexuais imorais dos
gentios, assim que deveriam ter sabido que pertenciam a Jesus em corpo
e alma. Ninguém pode dizer que serve a Cristo em espírito, mas que com
o corpo é livre para fazer o que bem quiser. A alma e o corpo são uma
unidade. Se uma pessoa tiver relações sexuais com uma prostituta, não
só envolve seu corpo, mas também sua alma. Essa ação o afeta
47
Athenaeus Deipnosophistae 13.573b (LCL).
48
Calvin, 1 Corinthians, p. 130.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 289
interiormente e o dirige material, social e religiosamente. Horst Seebass
conclui: «Aquele que se une sexualmente com uma prostituta tem uma
existência comum com ela, não se trata de um pecado puramente sexual.
O espírito do bordel e o Espírito de Cristo se excluem mutuamente». 49
b. «Aquele que se une a uma prostituta é um corpo com ela». Ao
traduzir, acrescentamos as palavras com ela, para completar a oração. A
Escritura ensina que o verbo traduzido unir-se (ou: achegar-se, aderir-
se) refere-se a algo mais que à união física. Inclui laços que têm
consequências espirituais. Demos duas ilustrações: Primeiro, Deus
mandou os israelitas que O temessem, servissem e que se achegassem a
Ele (Dt 10:20). Segundo, Salomão se uniu a suas esposas estrangeiras,
que o induziram a adorar outros deuses, afastando-o do Senhor (1Rs
11:1–8).
c. «Porque diz: ‘Os dois serão uma só carne’». Paulo denuncia o
pecado sexual, afirmando que «aquele que se une (ou: adere) a uma
prostituta é um corpo com ela». Agora prova o que diz aludindo ao relato
da criação de Eva, onde aparece o verbo unir-se (ou: aderir-se) em
Gênesis 2:24: «Portanto. deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-
se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne» (RC), ou como traduzem
em geral as versões: «e se une à sua mulher» (RA, cf. BJ, CI, LT, CB). O
apóstolo toma a última parte deste versículo da Septuaginta, que diz: «os
dois serão uma só carne».
Esta citação sobre a instituição do casamento pareceria fora de
lugar, visto que o texto fala do estado de pureza de Adão e Eva no
paraíso. A verdade é que tal afirmação aplica-se a todo casamento (veja-
se Mt 19:5; Ef 5:31). Dentro dos limites do casamento, o esposo e a
esposa cristãos chegam a ser uma carne e são um com o Senhor. Mas
quando o esposo tem relações ilícitas com uma prostituta, faz-se uma
carne com ela e rompe assim sua união com o Senhor. Em lugar de

49
Horst Seebass, NIDNTT, vol. 2, p. 350.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 290
50
receber a bênção do Senhor, está sob a maldição de Deus. Como uma
pessoa sexualmente imoral, perde sua participação no reino (v. 10).
17. Mas aquele que se achega ao Senhor é um espírito com ele.
Este versículo é paralelo com o anterior: «aquele que se une a uma
prostituta é um corpo com ela» (v. 16). O verbo achegar-se é usado em
ambos os versículos e quer dizer literalmente: aderir-se ou pegar-se a
alguém. É como quando se põe um vidro sobre outro, neste caso é quase
impossível separá-los porque a pressão do ar os pega. Essa é a relação
que um crente deveria ter com o Senhor.
Paulo já havia dito que nossos corpos são membros de Cristo (v.
15), sublinhando a unidade de nosso marco físico. Agora menciona a
íntima relação de nosso espírito que se une a Cristo. Contrasta assim a
união física que um homem e uma mulher têm com a união espiritual do
crente e Cristo. Não devemos pressionar muito o contraste, visto que
embora Cristo e uma prostituta se opõem completamente, o corpo e o
espírito não. Para o crente a alma e o corpo formam uma unidade em
serviço ao Senhor. O chegar-se a uma prostituta degrada e desonra.
Chegar-se ao Senhor nos exalta e enaltece.
A união do crente com Cristo é efetuado através do Espírito
Santo. 51 Assim chega a ser um espírito com o Senhor e desfruta de união
interna com Ele (veja-se, p. ex., 1Co 15:45; 2Co 3:17). Neste versículo
(veja-se v. 16), também devemos suprir as palavras com ele para
completar a ideia.

50
Em seu artigo, «Hard Sayings—V. 1 Cor. 6.16», Theology 66 (1963): 491–93, G.R. Dunstan diz
que esta passagem aplica-se a um cristão que teve relações com uma prostituta de um templo pagão.
51
Consulte-se a Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p.
552; E. Earle Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity: New Testament Essays (Grand
Rapids: Eerdmans, 1978), p. 67.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 291
Considerações práticas em 1Co 6:16–17
É notável o contraste que há entre quem se achega a uma prostituta
e quem se achega a Cristo. A relação entre um homem e uma prostituta é
momentânea, sem amor, carente de responsabilidade, mutuamente
destrutiva, decididamente egocêntrica e vergonhosamente imoral. Pelo
contrário, a relação que o crente tem com Cristo é permanente, amorosa,
confiável, edificante, obediente e pura.
A prostituição arrisca nossa saúde, degrada-nos, é pecaminosa e
danifica a alma. Mas Cristo exalta a quem se aproxima dEle, fomenta
uma vida sã e o instrui na lei do amor a Deus e ao próximo. Cristo
refresca nosso espírito.
Uma pessoa imoral não consegue desfrutar da bênção matrimonial,
não é capaz de ter intimidade pessoal, muda o serviço a Deus pelo
serviço ao sexo e sente prazer no vulgar, no obsceno e sensual. Um
cristão, pelo contrário, constrói uma relação de companheirismo
permanente e cheio de amor com a esposa. Um cristão busca servir os
outros, ama o Senhor, O adora prazeroso, cultiva uma linguagem sã,
promove a decência e é um exemplo de virtude. «É por isso que
podemos entender por que a carta aos Efésios [Ef 5:21–33] sublinha que
Cristo e Sua igreja, como o esposo e a esposa, são a união normativa
para o casamento». 52

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:15–16


Versículo 15
ποιήσω — este é um futuro indicativo, voz ativa («farei») ou o
aoristo subjuntivo, voz ativa («farei?»). Como a frase é interrogativa,
preferimos o subjuntivo deliberativo, que expressa dúvida e
incredulidade.

52
J. Stanley Glen, Pastoral Problems in First Corinthians (London: Epworth, 1965), p. 93; Parry,
First Epistle to the Corinthians, p. 105.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 292
μ_ γένοιτο — é o aoristo optativo de γίνομαι (=ser, chegar a ser).
Com a partícula negativa μή, este optativo expressa um desejo negativo
na forma de uma oração: «Que não suceda jamais!»

Versículo 16
κολλώμενος — Paulo usa o gerúndio, voz média, do verbo simples,
em lugar do verbo composto que aparece na Septuaginta em Gênesis
2:24. Embora o particípio composto προσκολλώμενος denote direção,
quase não há diferença entre os dois verbos. Tanto em Gn 2:24 como
aqui, as formas verbais apontam ao ato sexual. 53 Além disso, tem
consequências espirituais.
τ_ πόρνη — a presença do artigo definido sugere que Paulo não
aponta uma pessoa em particular, mas sim à uma categoria.
ε_ς σάρκα — «uma carne», é o acusativo de predicado nominal:
«chegarão a ser uma carne».

c. Comprados. 1Co 6:18–20

18. Fugi da i moralidade. Qualquer outro pecado que o homem


comete está fora do corpo, mas o imoral peca contra o seu próprio corpo.
a. «Fugi da imoralidade». Este curto mandamento é ilustrado na
vida de José, quem fugiu da esposa do Potifar, seu senhor no Egito,
quando procurou seduzi-lo. Ao fugir deixou suas vestes em mãos dela
(Gn 39:12). Neste mandamento, Paulo usa o verbo fugir no tempo
presente, o que aponta a uma ação contínua. Exorta os coríntios a
evitarem a imoralidade que encontram cada dia na degenerada sociedade
de Corinto (cf. 1Co 10:14).
b. «Qualquer outro pecado que o homem comete está fora do
corpo». O que quer dizer Paulo com esta breve afirmação? Há uma

53
Mas veja-se J.I. Miller, «A Fresh Look at 1 Corinthians 6.16f.,» NTS 27 (1980): 125–27, quem
sugere adesão mais que união sexual.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 293
enorme quantidade de literatura sobre o versículo 18b, e em geral se
dividem em duas opiniões: esta parte do versículo é outro lema dos
coríntios 54 ou pertence a Paulo. 55 A primeira alternativa afirma que
Paulo retifica o lema acrescentando: «mas o imoral peca contra o seu
próprio corpo» (v. 18c). No entanto, objetou-se a esta interpretação que a
resposta de Paulo seria muito abrupta. 56 Além disso, a resposta de Paulo
seria inadequada para rebater o impacto do suposto lema dos livre-
pensadores de Corinto.
É melhor adotar a segunda alternativa, pois segundo ela Paulo
estaria exortando os seus leitores a fugir da fornicação: um pecado que
destrói a alma e o corpo. Neste contexto é que escreve a mensagem do
versículo 18. «Nenhum outro pecado emprega o poder físico de
comunicação pessoal de uma forma tão íntima. Neste sentido, qualquer
outro pecado está como ‘fora’ do corpo». 57 A maioria dos tradutores
supre a palavra outro, visto que o grego só diz: «qualquer pecado que o
homem comete está fora do corpo». Isto o fazem porque o texto excetua
o pecado de fornicação.
Mas o que dizer das drogas ou do álcool? Não são também pecados
contra o corpo? Embora o desejo por estas substâncias se origine na
pessoa, as substâncias em si entram em corpo desde fora. Mas o pecado
da fornicação busca gratificar o próprio corpo e só se limita ao corpo.
Em certo sentido este pecado é diferente do resto, porque permanece no
corpo.

54
Moule, Idiom-Book, p. 196; Hurley, «Man and Woman», p. 112; Jerome Murphy-O’Connor,
«Corinthian Slogans in 1 Corinthians 6:12–20», CBQ 40 (1978): 391–96.
55
Robert H. Gundry, Soma in Biblical Theology: With Emphasis on Pauline Anthropology (1976;
Grand Rapids: Zondervan, Academie Books, 1987), pp. 70–75; F.W. Grosheide, Commentary on the
First Epistle to the Corinthians: The English Text with Introduction, Exposition and Notes, na série
New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 151.
56
Refira-se a Fee, First Corinthians, p. 262.
57
Brendan Byrne, «Sinning against One’s Own Body: Paul’s Understanding of the Sexual
Relationship in 1 Corinthians 6:18», CBQ 45 (1983): 613.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 294
c. «Mas o imoral peca contra o seu próprio corpo». O adversativo
mas torna necessário suprir a palavra outro na oração anterior:
«Qualquer outro pecado que o homem comete está fora do corpo». Aqui
se introduz a exceção aos pecados cometidos fora do corpo: a fornicação
é o único pecado contra o corpo físico (veja-se Eclesiástico 23:16–27). O
fornicário usa pecaminosamente seu corpo contra o Senhor, quem o
criou, redimiu e santificou. É por isso que José perguntou à mulher de
Potifar: “Como, pois, faria eu este grande mal, e pecaria contra Deus?”
(Gn 39:9). 58 Pelo contrário, o esposo e a esposa que são um no Senhor
comunicam o amor que têm um pelo outro através do ato sexual.
Experimentam satisfação mútua, em vez de alienação e culpa. Em suma,
alegram-se no dom gratuito de Deus da bênção conjugal.
19. Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que
está dentro de vós, o qual tendes de Deus? Não pertenceis a vós mesmos.
a. «Ou não sabeis?». A conjunção alternativa ou dá outra razão para
fugir da imoralidade sexual. Pela última vez neste capítulo, Paulo faz
uma pergunta retórica sobre se os coríntios têm conhecimento (veja-se
vv. 2, 3, 9, 15 e 16). Novamente se espera uma resposta afirmativa.
Supomos que Paulo já lhes tinha ensinado a respeito do propósito, uso e
destino do corpo físico.
b. «O vosso corpo é templo do Espírito Santo que está dentro de
vós». Paulo lembra aos coríntios que seus corpos são sagrados. Faz-lhes
ver que o Espírito Santo habita neles, fazendo de seus corpos um templo.
Escreve no singular corpo e templo para aplicar o que diz a cada cristão
em particular. Além disso, a ordem das palavras no grego põe a ênfase
sobre o Espírito Santo. Literalmente diz: «O vosso corpo é templo do
qual está dentro de vós, isto é, o Espírito Santo». O corpo do crente
pertence ao Senhor e é a residência do Espírito Santo.
O que honra é ter ao Espírito Santo habitando em nós! Paulo
escreve a palavra templo (veja-se o comentário a 1Co 3:16). O grego tem

58
Veja-se SB, vol. 3, pp. 366–367.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 295
duas palavras que se podem traduzir «templo». Uma é hieron, que se
refere a todo o complexo do templo em geral, como na cidade de
Jerusalém. A segunda é naos, que aponta ao edifício do próprio templo,
o qual contém o lugar santo e o santíssimo (veja-se, p. ex., Êx 26:31–34;
Hb 9:1–5). Neste versículo usa-se naos. Para o judeu este era o lugar
onde Deus habitava entre o Seu povo, até que foi destruído no ano 70
d.C. Para o cristão o lugar onde o Espírito de Deus aprouve habitar não é
um lugar geográfico, e sim cada crente. Na igreja antiga, Irineu chamou
os cristãos individuais «templos de Deus» e os descreveu como «pedras
do templo do Pai». 59 Assim que, se o Espírito de Deus vive dentro de
nós, devemos evitar entristecê-Lo (Ef 4:30) ou apagar seu fogo (1Ts.
5:19).
c. «O qual tendes de Deus». Paulo ensina que cada crente tem e
continua possuindo o dom do Espírito. Logo revela que esse Espírito
vem de Deus.
d. «Não pertenceis a vós mesmos». Não somos donos de nossos
corpos, porque Deus nos criou, Jesus nos redimiu e o Espírito Santo
habita dentro de nós. O Deus triúno reclama ser o dono de nosso corpo,
mas nos dá liberdade para que voluntariamente Lhe consagremos e
entreguemos nossos corpos físicos. Em contraste, os que fornicam
profanam o templo do Espírito Santo e trazem sobre si mesmos e outros
um tremendo dano espiritual e físico. Por esta razão, Paulo nos exorta a
fugir da imoralidade (v. 18). Porque Deus é o dono de nosso corpo, nós
somos Seus mordomos que temos que dar conta. Por isso, devemos
proteger nosso corpo e guardar seu caráter sagrado de qualquer mancha
ou prejuízo. O templo de Deus é santo e valioso.
20. Fostes comprados por preço; a ssim que, gl orificai a De us em
vosso corpo.
a. «Fostes comprados por preço». Estas palavras apontam para a
ocasião da morte de Jesus na cruz do Calvário, onde pagou o preço de

59
Irineu, Efésios 15:3 e 9 respectivamente. Veja-se também a Epístola de Barnabé 4:11; 6:15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 296
nossa redenção. Cristo pagou por nossa liberdade do pecado, para que
como filhos redimidos de nosso Pai celestial participemos de Suas
bênçãos. O termo comprados lembra o mercado, onde se vendiam e
compravam escravos. 60 Se Paulo alude a isso, está dizendo que Cristo
comprou os cristãos como escravos para servi-Lo. Cristo agora é dono
deles, é Seu amo. Na passagem paralela, diz o mesmo: «Porque aquele
que foi chamado no Senhor quando era escravo, é um homem livre que
pertence ao Senhor; da mesma forma, quando o homem livre foi
chamado, tornou-se escravo de Cristo. Fostes comprados por preço. Não
vos torneis escravos dos homens» (1Co 7:22, 23; cf. também Gl 4:6, 7).
b. «Glorificai a Deus em vosso corpo». 61 Esta é a conclusão paulina
de um longo discurso sobre a imoralidade sexual (1Co 6:12–20). Com
destreza converteu uma discussão negativa numa exortação positiva. Diz
aos coríntios que usem o seu corpo, que é templo do Espírito Santo, para
glorificar ao Senhor. Poderão fazê-lo ouvindo obedientemente à voz de
Deus que lhes fala em Sua revelação. Um catecismo do século XVI
expõe a pergunta: «Qual é o fim principal do homem?». Ao que
responde: «Glorificar a Deus e alegrar dele para sempre». 62

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 6:18–20


Versículo 18
_μάρτημα — em lugar do substantivo _μαρτία (=pecado), que
denota a própria ação, _μάρτημα aponta ao resultado da ação: a
transgressão.
_κτός — como advérbio usado como preposição quer dizer fora, e
aqui se refere ao pecado. «Com exceção da fornicação _[κτ_ς] το_
60
BAGD, pp. 12–13; David H. Field, NIDNTT, vol. 1, pp. 267–268; Fee 1 Corinthians, pp. 264–265.
61
O Texto Majoritário expande a última parte deste versículo, acrescentando «e em seu espírito, os
quais são de Deus» (RV60). O acréscimao não tem o apoio dos manuscritos mais antigos e, portanto,
os tradutores o rejeitam. Veja-se George L. Klein, «Hos. 3:1–3—Background to 1 Cor. 6:19b-20?»
CrisTheoRev 3 (1989): 373–75.
62
Catecismo Menor de Westminster, Pergunta 1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 297
σώματος _στιν, permanece fora do corpo, porque a imoralidade
contamina o próprio corpo ». 63
ε_ς — esta preposição aponta a uma meta que se coloca com
intenções hostis: «contra». O paradoxo é que o ser humano que cuida de
seu corpo (Ef 5:29) volta-se contra ele ao cometer fornicação. Este
pecado particular, em contraste a qualquer outro pecado que está fora do
corpo, origina-se e fica no corpo.

Versículo 19
τ_ σ_μα _μώ — ao aparecer junto a um pronome plural, o
substantivo singular é distributivo. Como todos têm um corpo físico,
basta o pronome para expressar o plural.
ναός — «templo», isto é, o lugar onde Deus habita junto ao Seu
povo. Deus escolheu os corpos dos redimidos para que sejam a
residência do Seu Espírito.

Versículo 20
τιμ_ς — «por preço». O verbo _γοράσθητε («fostes comprados»)
controla o caso genitivo, que pode explicar-se como genitivo de
quantidade: «fostes comprados pelo pagamento de um preço».64 A voz
passiva do verbo implica que o agente é Cristo.
δή — é a forma abreviada de _δη (=já, agora). Trata-se de uma
partícula usada com o imperativo glorificai, para mostrar a urgência do
que se diz: «Glorificai, pois, a Deus em vosso corpo».

Resumo de 1Corintios 6
Os cristãos de Corinto levavam uns aos outros aos tribunais diante
de juízes gentios. Paulo os repreende e lhes pergunta se acaso não têm

63
BAGD, p. 246.
64
Moule, Idiom-Book, p. 39.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 298
homens piedosos que possam resolver suas disputas corriqueiras. Faz
com que notem que os santos julgarão o mundo e os anjos. Portanto,
devem nomear um sábio de seu meio como mediador, em lugar de
buscar os incrédulos para fazer justiça.
Paulo faz com que vejam que seus litígios surgem por falta de
amor, tolerância e integridade. Afirma que os ímpios não herdarão o
reino de Deus. Os que usam mal o sexo, os idólatras, ladrões, bêbados e
grosseiros são excluídos do reino. Mas os coríntios foram lavados,
santificados e justificados.
Alguns dos coríntios tinham o lema de que tudo lhes era permitido e
outros diziam que a comida é para o estômago e o estômago para a
comida. Paulo corrige esses lemas. Ensina-lhes que seus corpos
pertencem ao Senhor e não à imoralidade sexual. Seus corpos são
membros de Cristo e, portanto, nunca deveriam unir-se a uma prostituta.
Paulo fundamenta o seu ensino apelando a um texto tirado do relato da
criação. Exorta-os a fugir da imoralidade. Revela-lhes que seus corpos
são templo do Espírito Santo. Foram comprados por preço e deveriam
glorificar a Deus.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 299
1 CORÍNTIOS 7
PROBLEMAS CONJUGAIS (1CO 7:1–40)
Nos dois capítulos precedentes (5 e 6), Paulo falou a respeito de
incesto, litígios e imoralidade sexual. Indignado condenou a relaxada
moral dos coríntios e os exortou a viver uma vida íntegra que glorifique
a Deus. Contudo, ainda não abordou os temas do casamento, a
separação, a virgindade e o celibato. Por meio de uma carta da igreja de
Corinto, foi pedido a Paulo conselho sobre alguns problemas conjugais
da igreja. No presente capítulo, discute a conduta apropriada dos
cônjuges, sua fidelidade no casamento, o decoro das virgens e a
continência. À parte de alguns poucas passagens do Novo Testamento,
este capítulo é único em nos prover das diretrizes básicas para os
casados, para os que planejam casar, para os que o estiveram alguma vez
e para os que querem ficar solteiros.

1. A conduta apropriada. 1Co 7:1–7

1. Agora, quanto às coisas q ue escrevestes: «É bom que o homem


não toque em mulher».
Notemos os seguintes pontos:
a. A carta. «Agora, quanto às coisas que escrevestes». Paulo com
frequência intercambiou correspondência com os coríntios. Enviou-lhes
uma carta na qual lhes escrevia sobre a gente imoral de Corinto (1Co
5:9). Essa carta não foi preservada. Nela Paulo talvez se referiu à
idolatria e a outros temas, mas é melhor não especular. 1 Os coríntios
responderam a essa carta por escrito, enviando sua missiva com

1
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 7. Fee sente-se livre para incluir em essa carta
inicial aos ambiciosos, ladrões e idólatras.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 300
Estéfanas, Fortunato e Acaico (1Co 16:17). Nela lhe perguntam várias
coisas. Paulo responde a suas inquietações na maior parte de 1 Coríntios
(1Co 7:1–16:12).
É possível determinar com certo grau de certeza as perguntas que
fizeram. Um indicador é a recorrente frase agora quanto a (vv. 1, 25;
1Co 8:1; 12:1; 16:1,12; com variações). 2 Paulo discute os temas sobre o
casamento (1Co 7:1–24, 39, 40), o celibato (1Co 7:25–38), a carne
oferecida a ídolos (1Co 8:1–11:1), o culto (1Co 11:2–34), os dons
espirituais (1 Coríntios 12–14), a oferta para os cristãos de Jerusalém
(1Co 16:1–4) e Apolo (1Co 16:12). 3 A frase agora quanto a não aparece
em 1Co 15:12–57, o que nos impede de determinar se na carta que lhe
enviaram, os coríntios também lhe perguntaram sobre a ressurreição. É
possível que o tenham feito, visto que era um tema de interesse para os
coríntios e tessalonicenses (p. ex., 1Ts 4:13–5:11; 2Ts 2:1–12). Em sua
carta, os coríntios pediram conselho a Paulo. O primeiro tema que
mencionaram deve ter sido o casamento.
b. Castidade. «É bom que o homem não toque em mulher». É esta
oração uma citação da carta que Paulo recebeu dos coríntios? As versões
em português traduzem como se estivesse sendo feita uma afirmação.
Uma tradução inglesa constrói a afirmação como uma pergunta: «Será
melhor que o homem não se case?». 4 Ou é, antes, a afirmação com que
Paulo começa sua discussão? À luz do contexto, preferimos responder
afirmativamente à primeira pergunta e de forma negativa a segunda. Por
sua própria autoridade Paulo não poderia ter estado promovendo o
celibato para todos, porque haveria contradito a Palavra de Deus, que
diz: «Não é bom para o homem estar só» (Gn 2:18). Paulo teria estado

2
Margaret M. Mitchell, «Concerning περί δέ in 1 Corinthians», NovT 31 (1989): 229–56.
3
Para uma discussão completa, veja-se John C. Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians (Macon, Ga.:
Mercer University Press, 1983), pp. 61–94.
4
TNT, e veja-se NRSV, REB. Orígenes nota que Paulo recebeu esta carta e conservou intacto seu
contido. «Origen on 1 Corinthians, # 121», ed. C. Jenkins, JTS 9 (1907–1908): 500. Para uma opinião
distinta, veja-se W.E. Phipps, «Is Paul’s Attitude toward Sexual Relations Contained in 1 Cor. 7.1?»
NTS 28 (1982): 125–31.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 301
contra a procriação (Gn 1:28), a bênção da aliança que vai de geração em
geração (Gn 17:7) e o crescimento da igreja. Paulo não se opõe ao
casamento, ao qual compara com a união de Cristo e a igreja (veja-se Ef
5:22, 23). Paulo tinha um alto conceito do casamento.
Além disso, os rabinos ensinavam que o casamento era a obrigação
do homem e alguns até diziam que era dever da mulher. 5 É difícil saber
se Paulo esteve alguma vez casado (veja-se o comentário ao v. 7). Em
vista de sua aguda perspectiva com relação à vida conjugal, não
podemos descartar a possibilidade de que tivesse estado casado.
O pano de fundo e treinamento que Paulo recebeu não lhe
permitiria afirmar que não se devia tocar em mulher, porque algo assim
poderia ser interpretado como se ele defendia que todos fossem
celibatários. Deduzimos que o apóstolo cita uma linha da carta que
recebeu da parte dos coríntios. Claro que apresenta de forma abreviada o
que dizia a carta, e nos seguintes versículos (vv. 2–7) discutirá as
inquietações apresentadas ali.
c. Significado. O que quer dizer com essa afirmação? A NTLH
traduz: «O homem faz bem em não casar» (cf. CB, NBE). Esta tradução
é uma interpretação do texto, porém não atinge o alvo. A expressão tocar
em mulher é um eufemismo que aponta à relação sexual e não ao
casamento (veja-se Gn 20:6; Pv 6:29). 6 O sentido é dado pela NIV: «É
melhor não ter relações sexuais».
Aparentemente um grupo de crentes de Corinto tomaram posição
contra a imoralidade prevalecente da cidade. Promoviam o celibato e
argumentavam que devia ser a norma para o resto dos cristãos do lugar.
Estes coríntios diziam que era bom que um homem não tivesse nenhuma
relação sexual. Sua afirmação vai para além da simples referência ao
casamento. O texto grego usa o termo geral de anthropos (=homem) em
lugar da expressão específica de aner (=esposo). Além disso, o grego usa
5
SB, vol. 3, pp. 377–378.
6
Gordon D. Fee, «1 Corinthians 7:1 in the NIV», JETS 23 (1980): 307–14. Fee sugere como tradução
o eufemismo ter relações com, p. 314; First Corinthians, p. 275.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 302
o substantivo indefinido gyne (=mulher), que não significa
necessariamente «esposa». O lema dos coríntios aplicava-se a todo
homem e mulher.
Segundo Walter Bauer, a frase é bom quer dizer que o celibato é
«moralmente bom, agrada a Deus, contribui à salvação (cf. Gn 2:18)». 7
Mas ao citar esta declaração, está afirmando Paulo que o celibato é
melhor que o casamento? Claro que não. Já citou a união de Adão e Eva
no paraíso, sabendo que o próprio Deus instituiu o casamento (1Co 6:16;
Gn 2:24). João Calvino escreve: «Deus ordenou desde o princípio que o
homem sem a mulher é só um homem pela metade, faltando a ele a ajuda
que precisamente necessita; da mesma forma que a mulher é a parte que
completa ao homem. Portanto, qualquer que seja o mal ou os problemas
do casamento, estes só procedem da corrupção da instituição divina».8
Nos seguintes versículos (vv. 2–5), Paulo fala favoravelmente do
casamento, talvez de sua própria experiência. Em nenhum momento se
mostra que o desacredite. Em suas instruções a Timóteo, escreve-lhe que
os apóstatas proíbem as pessoas de casar (1Tm. 4:3). Em nenhuma parte
de todas suas epístolas, Paulo fala mal do casamento. O que quer dizer
então?
2. Mas p or causa d a imoralidade, que cad a homem tenha a sua
própria esposa e cada mulher o seu próprio esposo.
a. «Mas por causa da imoralidade». A primeira palavra que aparece
aqui é o adversativo mas, que qualifica o lema do versículo anterior (v.
1b). Em outro lugar, Paulo exorta os seus leitores a evitar a fornicação
(1Ts 4:3), porque a vontade de Deus é sua santificação. Sabe bem que os
males da imoralidade sexual formam a matriz da vida em Corinto.
Literalmente Paulo diz: «por causa das fornicações». O plural nos fala
das frequentes fornicações com prostitutas. Paulo ataca o coração do
problema que havia na comunidade de Corinto. Aponta às relações

7
BAGD, p. 400. Veja-se Hurd, The Origin of 1 Corinthians, pp. 159–160.
8
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 135.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 303
ilícitas que alguns cristãos tinham, pois eram parte de uma sociedade que
não tinham objeções contra a fornicação.
Portanto, Paulo apoia o lema dos coríntios que promulgavam o
celibato, embora saiba que a simples menção de um lema não fará com
que a pessoa se aparte do pecado. Compreende o problema que os
crentes enfrentavam em Corinto. Mas sua forma de abordar o problema
da imoralidade é mais realista que a solução do celibato.
b. «Que cada homem tenha a sua própria esposa e cada mulher o
seu próprio esposo». O que os levava a pecar era que não podiam
praticar a continência. Para evitar que pequem, Paulo recomenda que se
casem e mantenham uma relação monógama, descartando por completo
qualquer forma de poligamia. Também é preciso notar que sublinha a
igualdade do homem e a mulher no estado do casamento. Cada um deve
ter seu esposo ou esposa, porque assim o ordenou Deus desde o princípio
(veja-se Mt 19:8b). Intencionalmente Paulo repete as palavras cada e
sua/seu, aplicando ambas as palavras ao esposo e à esposa.
Paulo responde ao que diziam os coríntios (v. 1b) usando o adjetivo
cada. É preciso notar que a afirmação «É bom que o homem não toque
em mulher» vem seguida por «Que cada homem tenha a sua própria
esposa». As expressões homem e cada homem se complementam.
«Paulo não está estabelecendo os fundamentos do casamento, como
se tivesse sido ordenado como um remédio contra o pecado. Antes, diz
por que em Corinto devem casar-se os que, em outras circunstâncias,
poderiam ter permanecido solteiros». 9 Portanto, não devemos acusar a
Paulo de estar promovendo a ideia de que o casamento é só uma medida
preventiva contra a imoralidade.
O verbo ter tem um sentido eufemístico que aponta ao ato sexual, e
não deveria interpretar-se no sentido de manter relações com um amante
ilícito. No relato sobre o incestuoso (1Co 5:1, «um homem tem a esposa
9
G.G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 823.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 304
de seu pai»), o verbo tem uma conotação sexual. Da mesma forma, no
versículo 2, Paulo afirma que cada homem deve ter sexualmente a sua
própria esposa e que cada mulher deve ter sexualmente o seu próprio
esposo. 10 Assim, este versículo marca o tom para o que se diz no
seguinte versículo.
3, 4. Q ue o espos o cumpra o deve r conjugal com a sua esp osa e o
mesmo a esposa par a com o s eu esposo. A espos a não tem aut oridade
sobre o seu próprio corpo, e sim o esposo. Da mesma forma, o esposo não
tem autoridade sobre o seu próprio corpo, e sim a esposa.
a. Paralelos. Os paralelismos dos versículos 2 e 3 são notáveis, o
que demonstra o interesse e preocupação que Paulo tinha pelo
casamento.

Versículo 2 Versículo 3
que cada homem tenha a sua Que o esposo cumpra o dever conjugal
própria esposa com a sua esposa

cada mulher seu próprio esposo o mesmo a esposa para com seu esposo

Embora o versículo seguinte não tenha o mesmo ritmo que os dois


versículos precedentes, tem seu próprio equilíbrio interno:

Versículo 4
A esposa não tem autoridade Da mesma forma, o esposo não tem
sobre seu próprio corpo, autoridade sobre seu próprio corpo,

e sim o esposo. e sim a esposa

10
Hurd, The Origin of 1 Corinthians, p. 162.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 305
b. Dever. Com grande entendimento da intimidade conjugal, Paulo
declara que tanto o esposo como a esposa devem cumprir seu dever
conjugal um com o outro. Sublinha a igualdade do homem e da mulher
quanto à união matrimonial: «Que o esposo cumpra com sua esposa o
dever conjugal e o mesmo a esposa para com seu esposo». Além disso,
sublinha que em vez de demandar, o esposo deve cumprir seu dever
conjugal com sua esposa; da mesma forma, a esposa deve dar ao seu
esposo o que lhe deve.
Com os verbos cumprir e dever, Paulo refere-se ao pagamento de
uma dívida que cada um deve ao outro. 11 «O casamento sem sexo não só
é algo contra a natureza, mas também que se proíbe explicitamente». 12
Paulo ataca qualquer ascetismo dentro do vínculo conjugal e critica os
errados cristãos de Corinto que opinavam que os casais deviam abster-se
do sexo no casamento (veja-se o v. 5).
c. Autoridade. O versículo 4 revela que Paulo tem um profundo
entendimento da vida conjugal. Declara que a esposa não tem autoridade
sobre o seu corpo, e sim o seu esposo, e vice-versa, que o esposo não
tem autoridade sobre o seu corpo, e sim sua esposa. John Albert Bengel
diz corretamente que este versículo é um «elegante paradoxo». 13
Em outra parte, Paulo ensina que o esposo é a cabeça da esposa
(1Co 11:3; Ef 5:23). Mas aqui ensina claramente que quanto ao sexual,
ambos têm a mesma autoridade, tendo completa igualdade. Cada um tem
autoridade sobre o corpo do outro, e ambos devem submeter-se ao outro.
Desta forma ocorre uma mutualidade completa.
5. Não vos priveis um ao outro, exceto talvez por mútuo
consentimento por um período determ inado, para que tenhais um tempo
de oração. Então voltai a estar juntos, para evitar que Sa tanás os tente
pela falta de domínio próprio que tendes.
11
Em lugar de «dever», o Texto Majoritário tem «benevolência» ou «afeto».
12
Robert G. Gromacki, Called to Be Saints: An Exposition of 1 Corinthians (Grand Rapids: Baker,
1977), p. 88.
13
John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T. Lewis e
Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 199.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 306
a. «Não vos priveis um ao outro». O que Paulo insinua nesta
primeira oração é que alguns casais da comunidade de Corinto estavam
se negando o direito conjugal. Por delicadeza não diz o que estavam
tirando um do outro, mas espera que nós supramos a ideia. O verbo
comunica a ideia de roubar ou furtar os bens de alguém (cf. 6:7, 8) ou,
como no caso presente, os direitos de alguém (veja-se o v. 3; Êx 21:10).
Paulo diz a seus leitores que deixem de fazer isso e manda o casal «não
roubem um ao outro» (em plural). Por certo que ele aborda o tema de
forma muito pessoal. Instrui-lhes que seu lema de não tocar em mulher
(v. 1b) não se aplica aos casais casados.
b. «Exceto talvez por mútuo consentimento por um período
determinado, para que tenhais um tempo de oração». Para que a
abstinência sexual seja legítima, deve haver três condições: Primeiro,
que ambos estejam de acordo. Segundo, deve ser por tempo limitado.
Terceiro, que ambos usem esse tempo em oração. Paulo permite esta
exceção, porém não admite que se imponham abstinências contra a
vontade do cônjuge.
A frase por mútuo consentimento sublinha a igualdade dos sexos
quanto às relações sexuais. Ambos devem estar convencidos de que a
abstinência é desejável e benéfica. Contudo, acrescenta que a abstinência
deve ser temporal, porque ao prolongar poderia levar o casamento à
ruína e produzir um divórcio. O divórcio não é só contrário à instituição
do casamento (Gn 2:24; Mc 10:2–9), mas precisamente destrói o fim que
busca a abstinência: uma vida santa.
A oração diária é a marca de cada cristão. Porém na vida conjugal,
o casal às vezes encara crise que exigem oração especial. Quando um
problema físico, social, espiritual ou econômico se levanta, devem orar.
Em tal situação poderiam voluntária e temporariamente optar pela
abstinência.
c. «Então voltai a estar juntos, para evitar que Satanás vos tente pela
falta de domínio próprio que tendes». Os tradutores tomam o verbo
voltar como um mandato. Paulo quer dizer que uma vez terminado o
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 307
período, o casal deve retomar a sua vida normal. Que a ninguém pense
em dizer: «a abstinência temporal é bom, mas a permanente é melhor».
Se alguém pensar assim, é preferível que não se case. O apóstolo adverte
os seus leitores da presença de Satanás, quem busca tirar proveito das
fraquezas humanas, tentando ao adultério. Pretender viver em
abstinência dentro do vínculo conjugal é contrário ao dom de Deus que é
o casamento e seu maravilhoso presente da sexualidade. O casamento é
um escudo protetor que deveria ser empregado efetivamente contra as
tentações de Satanás (Ef 5:11). Recusar-se a usar a proteção que Deus
nos brinda é um pecado pelo qual deveremos prestar conta.

Considerações práticas em 1Co 7:4–5


Quando Deus criou o homem, disse: «Não é bom que o homem
esteja só; far-lhe-ei uma ajuda idônea para ele» (Gn 2:18). Criou Eva de
uma das costelas de Adão. Assim Deus mostrou que embora Adão fosse
uma criatura perfeita, estava incompleta até que Deus lhe provesse sua
contraparte. Calvino comenta: «O homem é só a metade de seu corpo, e
o mesmo ocorre com a mulher». 14 Deus nos criou que tal maneira, que
no casamento o homem complementa a mulher e a mulher complementa
o homem. Além disso, o homem e a mulher foram criados com
necessidades sexuais que são satisfeitas no casamento que Deus instituiu.
Por isso, a esposa tem autoridade sobre o corpo de seu esposo, e o
esposo tem autoridade sobre o corpo de sua esposa.
Se Deus criou o homem e a mulher, se os criou como seres sexuais,
se no casamento lhes deu autoridade sobre o corpo de cada cônjuge e se
o próprio Deus instituiu o casamento, então a abstinência permanente e
obrigada é contrária aos planos de Deus. Em suma, quando o
companheiro defrauda o seu par está violando uma ordenança da criação
(Gn 1:28; 2:24) e em lugar de ser mais espiritual, torna-se mais
pecaminoso.
14
Calvin, 1 Corinthians, p. 137.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 308
6. Mas digo isto à maneira de concessão, não como um mandamento.
A primeira palavra é mas, uma conjunção adversativa que
pensamos se conecta com «… vos priveis … por mútuo consentimento
…» (v. 5b). Isto é, o versículo 6 deve ligar-se com o versículo
precedente e não com toda a seção dos versículos 2–5. Paulo não afirma
que o casamento seja uma concessão. Antes, tolera a abstinência
temporal quando tem a aprovação de ambos os cônjuges. Com o
pronome demonstrativo isto não se refere ao casamento, mas à exceção
da regra dos direitos conjugais (v. 5b). 15 Para Paulo a norma é o
casamento onde se honram os direitos de cada cônjuge.
À luz do seguinte versículo (v. 7), o termo concessão refere-se à
abstinência que Paulo permite que os cônjuges observem
temporariamente. Mas recusa converter esta concessão num
mandamento. Embora o próprio Paulo recebeu o dom da abstinência, não
o impõe a ninguém que não o tenha. 16
7. Eu gostaria que t odos os h omens fossem como eu. No entanto,
cada um recebeu seu próp rio dom de Deus, um re cebeu este dom, outro
aquele dom.
a. «Eu gostaria que todos os homens fossem como eu». Paulo
expressa um desejo genuíno e não uma aspiração improvável. Mas a que
se refere? Está promovendo o celibato em lugar do casamento? De
maneira nenhuma. Paulo ensina que, embora o casamento seja bom e
recomendável porque Deus o instituiu, nem todos deveriam casar.
Alguns se casaram e agora estão separados, divorciados ou viúvos.
A pergunta sobre se Paulo alguma vez esteve casado é intrigante.
«Para que alguém fosse ordenado rabino, a lei requeria que o candidato
fosse casado; se Paulo era ordenado, então esteve casado». 17 Os rabinos

15
TNT acrescenta em itálico uma interpretação do versículo 6, «Digo que permito o casamento, como
uma concessão, como uma ordem». Mas o que se acrescenta em itálico não faz justiça ao significado
do versículo 5.
16
Jean Héring, The First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, traduzido por A.W. Heathcote e P.J.
Allcock (Londres: Epworth, 1962), p. 50.
17
Eduardo Arens, «Was St. Paul Married?» BibToday 66 (1973): 1191.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 309
18
ensinavam que todos os judeus deviam casar para procriar. Os pais da
igreja debateram longamente esta pergunta, especialmente à luz do
conhecimento tão acabado que tinha do casamento. Se Paulo estava
casado quando vivia em Jerusalém, separar-se-ia de sua esposa quando
se converteu ao cristianismo? Sua esposa poderia ter seguido fiel ao
judaísmo. Qualquer que tenha sido a história pessoal de Paulo, sabemos
que quando escreveu 1 Coríntios vivia como celibatário.
b. «No entanto, cada um recebeu seu próprio dom de Deus, um
recebeu este dom, outro aquele dom». O casamento foi ordenado por
Deus para a procriação e a realização pessoal dos cônjuges. Quando
Deus tira de uma pessoa a necessidade do casamento, também o dota do
dom da continência. Paulo recebeu este dom do Senhor e assim podia
alegrar-se em sua condição. Mas estava bem consciente de que nem
todos recebiam este benefício. Aquele que não recebeu o dom da
continência faz bem em casar (veja-se o v. 9; Mt 19:11, 12).
A palavra grega carisma aponta aos dons espirituais como a fé, as
curas, os milagres, a profecia, o falar em línguas ou o interpretá-las
(veja-se 1Co 12:9–11; Rm 12:6). Nesta passagem, Paulo não fala de
nenhum destes dons, antes, refere-se ao seu próprio dom da continência.
Quanto ao celibato, for-lhe dado a graça da continência. Isto não quer
dizer que a pessoa que não se pode conter e, em lugar disso, casa, recebe
o dom especial de casar. 19 Paulo não está prescrevendo uma lei ou
mandamento. Cada um deve decidir por si mesmo.
Por último, não devemos qualificar a Paulo como se fosse um
asceta que se gloria no celibato e denigre o casamento. Não é o caso,
porque fala com eloquência das intimidades da sexualidade e do
casamento. É moderado nas palavras que usa, mas abertamente expressa
sua opinião. Paulo apoia o casamento, anima as pessoas se casarem e
ensina que o casamento preenche as necessidades que Deus criou no ser
18
Talmud, Yebamoth 63a; Kiddushin 29b.
19
Consulte-se R.C.H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the
Corinthians (1935; Columbus: Wartburg, 1946), p. 282.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 310
humano. No entanto, os que têm o dom de abster, recomenda que fiquem
solteiros como ele.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:1–5


Versículos 1–2
_γράψατε — é o aoristo ativo de _γράφω (=escrever) e não tem
objeto indireto que indique a quem se escreve. Muitas testemunhas têm o
pronome pessoal μοι («me» em RA) que os manuscritos mais antigos
omitem.
τ_ν _αυτού γυνα_κα — «sua própria esposa». Note-se que diferente
do versículo 1b, aqui Paulo usa o artigo definido, o mesmo que com τ_ν
_διον _νδρα («seu próprio esposo»). No Novo Testamento os termos
_αυτού e _διον diferenciam-se em que _αυτού é seguido pelo
substantivo esposa (Ef 5:28, 33) e _διον precede a esposo (1Co 14:35; Ef
5:22, 24; Tt 2:4, 5; 1Pe 3:1–5). Contudo, «_διος usa-se aqui (v. 2) por
razões de estilo e é o mesmo que _αυτο_». 20

Versículos 3–4
_φειλ_ν — este substantivo se deriva do verbo _φείλω (=dever) e
designa um dever ou obrigação. Este substantivo está apoiado por
manuscritos gregos mais antigos e melhores que os do Texto Majoritário,
que lê _φειλομένην ε_οιαν («bondade devida»). 21
_ποδιδότω — este verbo compõe-se de _πο, (=de volta) e δίδωμι
(=dar), e neste versículo denota uma relação pessoal distintiva. «Quando
um homem subministra à sua esposa o que é dela por direito». 22

20
Adolf Deismann, Bible Studies (reimpresso por Winona Lake, Ind.: Alpha, 1979), p. 124.
21
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 553.
22
Kurt Niederwimmer, EDNT, vol. 1, p. 128.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 311
_ξουμιάζει — Paulo a propósito usa esta palavra, que quer dizer
«ter poder» e que em voz passiva quer dizer «ser dominado por» (1Co
6:12). Deste verbo se deriva o substantivo autoridade, que nesta epístola
ocorre 10 vezes (1Co 7:37; 8:9; 9:4, 5, 6, 12 [bis.], 18; 11:10; 15:24).

Versículo 5
ε_ μήτι _ν — a presença da partícula _ν lhe dá um grau de
expectação a esta parte da oração. 23 A frase quer dizer «exceto talvez».
_να — o primeiro _να dá um sentido imperativo aos verbos desta
oração. Embora a ideia não é inerente à própria partícula («não vos
priveis um ao outro … exceto que podeis …»). 24
σχολάσητε — o tempo aoristo do verbo que tenhais um tempo é
importante, pois aponta a uma só ocorrência e não a uma ação contínua.
Diante da palavra oração, o Texto Majoritário tem a frase νηστεί_
κα_ τ_ («jejum y»), o qual deve ter sido acrescentado por escribas que
promoviam o ascetismo. As palavras não aparecem nos manuscritos
mais antigos.

2. Fidelidade e casamento. 1Co 7:8–11

Paulo aborda sistematicamente o assunto da sexualidade humana.


Depois de repreender o incesto (1Co 5:1–5) discute pecados sexuais e
exorta os coríntios a fugir da imoralidade (1Co 6:12–20). Então cita uma
linha da carta que os coríntios lhe enviaram. Essa linha adota a posição
oposta, porque instrui todos a evitar todo contato sexual. Paulo objeta
este lema e aponta ao fato de que Deus em Sua graça proveu o
casamento.

23
BDF § 376.
24
Robert Hanna, A Grammatical Aid to the Greek New Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p.
295. Veja-se também C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge:
Cambridge University Press, 1960), p. 145.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 312
Depois de discutir uma exceção temporal às relações conjugais,
agora fala aos que querem ficar solteiros. Paulo mesmo pertencia a esse
grupo, assim que tem algo que dizer.

a. Solteiros e viúvas. 1Co 7:8–9

8. Mas aos solteiros e às viú vas digo: é bom que permaneçam como
eu.
a. Categorias. Está indicando Paulo duas categorias separadas ou a
palavra solteiros quer dizer viúvos? Se se refere a viúvos, então está
pensando em homens e mulheres que perderam o seu companheiro. No
grego, Paulo usa o gênero masculino para os solteiros e o feminino para
as viúvas. Porém no contexto deste capítulo particular, o termo solteiros
aponta para esposas que se separaram de seu esposo (v. 11), a homens
(v. 32) e a mulheres (v. 34). «Este termo inclui os que nunca se casaram
e os que, tendo se casado, agora não o estão». 25
Se aceitarmos a interpretação mais ampla, então o texto contém
uma redundância. A viúva é uma pessoa que uma vez esteve casada, mas
que no presente não o está, o que a colocaria no primeiro grupo. Acaso
não teria sido melhor agrupar todos numa só categoria ou falar de viúvos
e viúvas? 26 Parece-nos que não. As viúvas pertenciam a uma classe
especial. A igreja as ajudava em suas necessidades econômicas e lhes
atribuía certos ministérios na igreja (1Tm. 5:3–16). Por outro lado, Paulo
exorta às viúvas jovens a voltarem a casar, tenham filhos e sejam donas
de casa (1Tm. 5:14). Desta forma estarão contentes em cumprir seu
chamado natural. 27

25
Colin Brown, NIDNTT, vol. 3, pp. 536–537; veja-se também Niederwimmer, EDNT, vol. 1, p. 236.
26
Em First Corinthians, pp. 287–288, Fee dá várias razões pelas quais traduz viúvo. Veja-se também
William F. Orr, «Paul’s Treatment of Marriage in 1 Corinthians 7», PitPer 8 (1967): 5–22, em
especial pp. 12–14.
27
William Hendriksen, 1–2 Timoteo y Tito (Grand Rapids: Libros Desafío, 1996), pp. 200–201.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 313
Os não casados são aqui uma classe que inclui os viúvos e os
solteiros, separados e divorciados, sejam homens ou mulheres. Paulo os
aconselha e às viúvas que fiquem como ele é, solteiro. Reforça o seu
conselho dizendo que é bom que fiquem assim. No entanto, já indicou
que o casamento é aconselhável (vv. 2–5). Paulo é muito realista ao
aconselhar solteiros que não têm o dom da continência. Até se pode dizer
que é descritivo, pois diz:
9. Mas se não têm domínio próprio, que se casem, por que é melhor
casar que estar ardendo pelo desejo sexual.
b. A paixão. «Se não têm domínio próprio, que se casem». Paulo
entende muito bem a natureza humana e oferece uma recomendação
sensata. Já falou da incontinência (v. 5); agora volta a expor que alguns
não têm domínio próprio. Por isso lhes oferece a solução que Deus
instituiu: «que se casem». Não há recriminação, não os desqualifica por
não poder conter-se, não diz que seja um pecado. Pelo contrário, para
evitar que caiam em pecado é que lhes recomenda o casamento. Que se
casem, para que assim vivam vidas honoráveis e puras.
«Porque é melhor casar que estar ardendo pelo desejo sexual». O
grego só registra o verbo pyrousthai (=queimar-se), mas o contexto
demanda acrescentar a ideia de pelo desejo sexual. Os tradutores sabem
que por si mesmo o verbo está incompleto e que exige uma explicação.
Os rabinos do Talmude e os eruditos do terceiro século até a data
interpretaram este verbo como se se referisse ao inferno. 28 Tomam o
verbo como se indicasse o justo castigo de Deus sobre os pecadores que
persistem em violar as normas morais. Me parece que Paulo fala, antes,
de estar queimando-se de desejo sexual. O entendimento comum do
verbo queimar-se neste contexto relaciona-se à incontinência.

28
F.F. Bruce, 1 and 2 Corinthians, Série New Century Bible (Londres: Oliphants, 1971), p. 68;
Michael L. Barré, «To Marry or to Burn: πυρο_σθαι in 1 Cor. 7:9», CBQ 36 (1974): 193–202;
Graydon F. Snyder, First Corinthians: A Faith Community Commentary (Macon, Ga.: Mercer
University Press, 1992), pp. 96–97.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 314
Paulo é discreto, mas ao mesmo tempo franco na discussão deste
delicado problema. Não diz tudo o que tem a dizer para deixar que o
leitor leia nas entrelinhas o que é óbvio. Por exemplo, diz aos esposos e
esposas de que não se neguem um ao outro (v. 5), mas deixa que o leitor
complete a ideia. Ao dizer que é melhor casar que queimar-se, convida o
leitor a completar a oração. Neste versículo, ensina que a solução para a
incontinência é o casamento e exorta os solteiros a que se casem (v. 9).
Para Paulo o casamento é o contexto dentro de qual os cônjuges
encontram a satisfação a seus desejos sexuais. 29
Ao usar o comparativo melhor, Paulo afirma que o casamento é
superior à condição que descreve como estar-se queimando. Paulo diz
que alguém deve casar de uma vez, para assim evitar estar lutando com
desejos contínuos. Mas o seu conselho não cobre todas as situações.
G.G. Findlay observa astutamente: «É melhor casar que queimar-se, mas
se o casamento não é possível, é imensamente melhor queimar-se que
pecar». 30

Considerações práticas em 1Co 7:8–9


Paulo demonstra seu profundo entendimento da natureza humana ao
tratar com delicadeza um tema que em geral causa vergonha. Entende
muito bem as características sexuais que Deus pôs no homem e na
mulher. Deus criou Adão e a Eva e seus descendentes com necessidades
sexuais que são satisfeitas no casamento. Por isso, Paulo aconselha seus
leitores que aceitem o casamento como a forma em que Deus provê para
suas necessidades. Dentro do contexto do casamento, os cônjuges
satisfazem suas necessidades. Por outro lado, todo aquele que não
recebeu o dom da continência e procura conter-se sofre uma agonia
emocional desnecessária. Além disso, esta pessoa também causa para si

29
Roy Bowen Ward, «Musonius and Paul on Marriage», NTS 36 (1990): 281–89.
30
Findlay, First Corinthians, p. 825.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 315
o problema espiritual de ter que carregar o peso do pecado e a culpa de
sua incontinência.
Se como Deus prescreve, as necessidades sexuais são satisfeitas no
casamento, a pessoa desfruta de uma vida equilibrada de felicidade,
ficando livre de culpa e remorso por pecados sexuais. Definitivamente,
Paulo apoia o casamento e instrui as pessoas que carecem de domínio
próprio a que desfrutem a satisfação sexual que dá a vida conjugal.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:8–9


Versículo 8
το_ς _γάμοις — «os não casados, os solteiros». Note-se que o artigo
definido indica uma categoria distinta à das viúvas. O adjetivo
substantivado solteiros aplica-se a homens e mulheres, embora para as
mulheres o idioma grego em geral use a palavra _νανδρος (=sem
algemo). 31
__ν μείνωσιν — Paulo usa o subjuntivo presente de ação contínua
que indica incerteza: «se talvez permanecessem».

Versículo 9
ε_ δ_ ο_κ _γκρατεύονται — com a partícula ε_ y el verbo no
presente indicativo, Paulo aponta para um fato. Além disso, a partícula
ο_κ (em lugar de μη,) vai diante do verbo para sublinhar a ideia negativa
do verbo _γκρατεύονται. O verbo está em voz média e tem uma
conotação reflexiva (veja-se 1 Clemente 30.3).
γαμ_σαι … πυρο_σθαι — o primeiro verbo é um infinitivo aoristo,
voz ativa (=casar-se). Trata-se de um aoristo ingressivo de ação pontual.
Em contraste, o seguinte verbo é um infinitivo presente, voz passiva
(=estar ardendo), que indica ação contínua.

31
Thayer, p. 3.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 316
b. Casados e divorciados. 1Co 7:10–11

10. Aos casados mando — não eu mas o Senhor — que a esposa não
se separe do esposo.
a. «Aos casados». Aqui Paulo se dirige a crentes que já estão
casados. A propósito, o tempo perfeito do grego que está atrás da
expressão casados, indica duração e estabilidade. Embora o apóstolo
tenha recebido autoridade apostólica, a que demonstrou em muitos
lugares da carta (como, por exemplo, 1Co 5:5, 12; 6:18; 7:5, 8), agora
apela à autoridade do Senhor Jesus Cristo. Ao longo de todo seu
ministério, Paulo citou repetidamente as palavras de Jesus. Uma delas é
«mais bem-aventurado é dar que receber» (At 20:35) e nem sequer se
encontra nos Evangelhos. Muitas vezes, nesta carta, Paulo afirma que
recebeu palavras ou mandamentos do Senhor, que lhe poderiam ter sido
transmitidos diretamente em visão ou indiretamente através dos
apóstolos (veja-se 1Co 9:14; 11:23; 14:37; 15:3; cf. 1Ts 4:15). Mas
agora fala de palavras que Jesus pronunciou e que foram registradas nos
Evangelhos.
Paulo diz que tem um mandamento que dar aos casados, mas este
mandamento não é dele, mas provém do Senhor. Parece que Paulo
tomou palavras da tradição oral. Supomos que ouviu esta declaração de
Jesus pela boca dos apóstolos, provavelmente de Simão (Gl 1:18, 19).
Paulo recebeu esta declaração de forma indireta. Paulo pronuncia
palavras de Jesus que estão registradas na tradição evangélica, a qual era
autoritativa para ele e os coríntios. Por certo, os apóstolos e a igreja
primitiva tinham num mesmo plano o Antigo Testamento e a tradição
oral ou escrita dos Evangelhos. Ambas eram igualmente autoritativas
para eles. Paulo sabe que quanto ao casamento e o divórcio, os cristãos
de Corinto ouviriam e obedeceriam a voz de Jesus. Ao abordar estes
temas, Paulo não exerce sua própria autoridade, mas apela à autoridade
do Senhor. Fica de lado, para deixar que Jesus fale diretamente com os
coríntios.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 317
b. «Mando — não eu mas o Senhor». O que mandou o Senhor?
Numa discussão na qual os fariseus perguntaram ao Senhor a respeito do
divórcio, Jesus lhes citou a Escritura, que diz: «homem e mulher os criou
[Deus]» (Gn 1:27), e também: «Portanto, deixará o homem o seu pai e a
sua mãe, e se unirá à sua mulher, e serão uma só carne» (Gn 2:24). A isto
Jesus acrescentou seus próprios comentários: «Assim que já não são
dois, mas um só. Portanto, o que Deus uniu, não o separe o homem» (Mc
10:8b, 9). Quando depois os discípulos quiseram saber mais a respeito do
divórcio, Jesus acrescentou: «Aquele que se divorcia de sua esposa e
casa com outra, comete adultério contra a primeira — respondeu —. E se
a mulher se divorciar de seu esposo e casa com outro, comete adultério»
(Mc 10:11, 12).
c. «Que a esposa não se separe do esposo». 32 Paulo mostra sua
própria autoridade ao inverter a ordem da afirmação de Jesus. Começa
com a esposa e no seguinte versículo (v. 11) menciona o esposo. Note-se
que no Evangelho de Mateus não se diz nada a respeito da esposa
divorciando do esposo. Ali a ideia é que o esposo é quem toma a decisão
de divorciar-se de sua esposa (Mt 19:9). Mateus escreveu seu relato para
uma audiência judaica, na qual o esposo podia divorciar-se de sua esposa
por qualquer razão. Mas a esposa não tinha direito a divorciar-se de seu
esposo. No entanto, o Evangelho de Marcos, escrito num contexto
romano e dirigido aos gentios, reflete o modo de pensar do mundo
grego-romano. Nesse ambiente, uma mulher tinha o direito de tomar a
iniciativa e separar-se de seu esposo, o que seria uma restrição para o
divórcio. É muito provável que as mulheres influentes da igreja de
Corinto tenham perguntando a Paulo a respeito das relações conjugais e
do divórcio. O apóstolo lhes responde com uma palavra de Jesus.
O relato da criação ensina a unidade do esposo e da esposa, a qual
segundo Jesus não deve ser quebrantada. O profeta Malaquias também se
32
A maioria das versões usam o reflexivo «não se separe» (NVI, RV60, BJ). A NJB usa a voz passiva
«seja separada». Veja-se Jerome Murphy-O’Connor, «The Divorced Woman in 1 Cor. 7:10–11», JBL
100 (1981): 601–6.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 318
refere ao relato de Gênesis para denunciar que o divórcio é uma violação
da aliança matrimonial que o esposo fez com sua esposa. Cita as palavras
do Senhor Deus, que diz: «aborreço o divórcio» (Ml. 2:14–16). A
vontade de Deus é que os votos conjugais não sejam dissolvidos. A única
exceção que Jesus tolera é quando um dos cônjuges comete adultério (Mt
5:32; o texto paralelo de Lc 16:18 omite a exceção). A regra que vem do
princípio da história humana é que a esposa não deveria divorciar-se de
seu esposo e, da mesma forma, o esposo não deve divorciar-se de sua
esposa (v. 11).
11. Mas se de fato se separar, que fique sem casar de novo ou se
reconcilie com seu esposo, e que o esposo não se divorcie de sua esposa.
a. «Mas se de fato se separar». As probabilidades de que a pessoa se
divorcie são totalmente reais hoje em dia. Na época de Paulo o divórcio,
inclusive entre os cristãos, não era totalmente algo inconcebível. A
cláusula condicional que Paulo tem no grego mostra que o divórcio é um
fato provável. Se os cristãos de Corinto desejavam obedecer as
Escrituras e a Jesus, que conselho poderia ser dado a uma casal cristão,
cujos problemas de incompatibilidade os levava ao divórcio?
Aparentemente a igreja local confrontava uma situação em que a esposa
estava tomando a iniciativa de divórcio contra seu esposo. A pergunta
que Paulo deve responder é o que tem a dizer a palavra de Deus no
Antigo Testamento e no ensino de Jesus com relação ao caso específico
de divórcio que estava ocorrendo em Corinto. O que tem a dizer a igreja
quando o divórcio já é um fato? 33
b. «Que fique sem casar de novo ou se reconcilie com seu esposo».
Normalmente os redatores consideram esta parte do versículo 11 como
um parêntese, de maneira que a última parte do versículo 10 se completa
com a cláusula final do versículo que segue. É Paulo que está dando sua
própria opinião na cláusula que está entre parêntese, ou são as palavras
de Jesus? E se se trata da opinião de Paulo, está ultrapassando os limites
33
Consulte-se Stanley B. Marrow, «Marriage and Divorce in the New Testament», ATR 70 (1988): 3–
15. Marrow inclusive afirma que o ensino de Jesus era impraticável em Corinto (p. 13).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 319
que Jesus estabeleceu no caso de que ocorresse uma infidelidade (Mt
5:32)?
Jesus afirma que Deus instituiu o casamento; portanto, o que Ele
uniu, ninguém deve separar (Mt 19:6). O que quer dizer é que o casal
não tem nenhum direito de anular os votos que fizeram. Nem o esposo
nem a esposa têm «poder para invalidar o casamento». 34 Em outras
palavras, no parêntese Paulo está repetindo os ensinos de Jesus, que não
admitem exceções à regra do casamento. Quando Paulo escreve a
respeito da esposa que abandona seu esposo, não quer dizer que aprove a
separação. Antes, ordena-lhe que se mantenha sem casar ou que se
reconcilie com seu esposo. Ao dizer que não se deve quebrantar o
vínculo conjugal, Paulo aceita a realidade da separação, mas proíbe
segundas núpcias e aconselha a esposa que iniciou o divórcio, que se
reconcilie com seu esposo. O termo reconciliação «nunca se usa para
falar da parte inocente. Nunca se diz que Deus tenha que Se reconciliar
conosco, mas nós com Ele». 35 Se for a esposa que inicia os trâmites de
divórcio, deve ser ela a que se esforce por produzir uma reconciliação.
c. «E que o esposo não se divorcie de sua esposa». O que é correto
para a esposa o é também para o esposo. No grego, Paulo usa um verbo
que é sinônimo de divorciar, e que literalmente seria «lançar». Embora
na sociedade judaica e grego-romana, o esposo tivesse a prerrogativa de
divorciar da sua esposa e tinha mais liberdade que sua esposa, Paulo
ensina o que a Escritura tem a dizer com relação a este problema. Ele se
recusa a seguir os ditados da cultura de seu tempo, e se adere à Palavra
de Deus. Não permite que o esposo divorcie da sua esposa, o que implica
que o esposo deve esforçar-se em buscar a reconciliação em caso de
divórcio, devido ao fato de que o casamento é para toda a vida.

34
Calvin, 1 Corinthians, p. 147.
35
William F. Luck, Divorce and Remarriage: Recovering the Biblical View (San Francisco: Harper
and Row, 1987), pp. 165–166.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 320
Considerações práticas em 1Co 7:10–11
O conselho de Paulo sobre que a esposa que se separa de seu esposo
não deveria casar de novo, parece contradizer o que disse anteriormente
neste capítulo. Aconselhou os solteiros que tinham que lutar com sua
incontinência a se casarem (v. 9). Agora diz que a mulher que planeja
divorciar-se de seu esposo deve permanecer sem casar. Mas Paulo une a
primeira afirmação, «que fique sem casar de novo», com a segunda
«reconcilie-se com seu esposo». Se a primeira parte não se respeitar, a
segunda perde todo sentido. Enquanto a mulher mantiver-se sem casar de
novo, existe uma esperança de reconciliação.
O divórcio arruína toda a família. A separação afeta o esposo, a
esposa, os filhos, os parentes e os amigos. Devido ao fato de que é
prejudicial para todos, Deus aborrece o divórcio (Ml. 2:16). Em
sociedades onde os familiares formam um núcleo fechado, os parentes
pressionam para evitar o divórcio. Na comunidade eclesiástica, os
membros também têm a responsabilidade social de ajudar seus irmãos
quando eles necessitam aconselhamento e assessoramento. Quando
numa família surgem problemas, os membros do corpo de Cristo
deveriam contribuir com sua sabedoria corporativa para impedir rupturas
permanentes na vida familiar e facilitar a reconciliação. Quando Paulo
descreve a igreja, diz: «Se um membro sofre, todos os membros sofrem
com ele. Se um membro é honrado, todos se alegram com ele» (1Co
12:26).

3. O crente e o incrédulo. 1Co 7:12–16

12. Aos de mais digo eu, não o Se nhor, que se um irmão tem uma
esposa não crente e ela consente em viver com ele, não a despeça.
Note os seguintes pontos:
a. Autoridade apostólica. «Aos demais digo eu, não o Senhor». Se
seguíssemos os procedimentos da escritura de hoje, colocaríamos a
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 321
passagem anterior (vv. 10, 11) entre aspas e incluiríamos a expressão
Jesus disse. O versículo 12 começaria, então, com a introdução: «Aos
demais lhes digo». Mas Paulo escreve no estilo de seu tempo. Diz que já
não recorre a palavras pronunciadas por Jesus, mas agora fala baseado
em sua própria autoridade como o faz em muitas partes neste capítulo. 36
Enfrenta o problema de casamentos mistos, onde o esposo é crente e a
esposa é não crente ou vice-versa. Nesta situação, tem que regulamentar
com base em sua autoridade apostólica.
Na primeira parte do capítulo (vv. 2-7), Paulo discute os direitos
conjugais com relação à instituição matrimonial (Gn 2:24). Logo se
dirige aos solteiros e às viúvas da igreja (vv. 8, 9) para seguir depois
com palavras do Senhor para os casamentos cristãos (vv. 10, 11).
Agora se depara com o problema de cristãos e não-cristãos no contexto
do casamento. São o último grupo em receber o assessoramento
apostólico. Portanto, Paulo escreve «aos demais digo eu». Não tem
nenhuma exortação para os não-cristãos.
Agora a igreja aborda o apóstolo dos gentios, para lhe pedir que
responda às inquietações conjugais que têm com relação aos casamentos
mistos. Paulo deve falar sobre este tema com a autoridade que Cristo lhe
deu e deve assessorá-los em harmonia com o ensino de Jesus.
b. Casamentos mistos. «Se um irmão tiver uma esposa não-crente
e ela consente em viver com ele, não a despeça». Através de todo o
Antiga Testamento, Deus proíbe o Seu povo de casar com gentios, e isto
também é válido para os coríntios. Em outro lugar, Paulo lhes diz que
devem casar só no Senhor (v. 39; cf. com 2Co 6:14-18). Porém na
situação específica, um esposo gentio aceitou o evangelho e pôs sua fé
em Cristo Jesus. Mas a esposa permaneceu firme em sua posição pagã e
não aceita seguir o esposo em sua nova fé.

36
Veja-se 1Co 7:6, 8, 10, 12, 25, 32, 35, 40. Consulte-se Peter Richardson, «‘I say, not the Lord’:
Personal Opinion, Apostolic Authority and the Development of Early Christian Halakah», TynB 31
(1980): 65–86.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 322
O conselho de Paulo aos coríntios se baseia no princípio bíblico de
que o casamento não deve ser dissolvido. Aconselha o casal a
permanecer juntos, se a esposa inconversa estiver completamente
satisfeita em viver com seu esposo cristão. Paulo considera que este
esposo é um irmão espiritual (veja-se 1Co 1:1) que provê liderança como
cabeça do lar. Paulo diz que se a esposa estiver feliz em permanecer com
ele e o esposo está contente com ela, que o casamento se mantenha
intacto.
13. E se uma irmã tem um espo so não crente e ele consente em viver
com ela, não o despeça.
Paulo está se dirigindo a pessoas que vivem num contexto grego-
romano, onde a esposa tem o direito de divorciar-se de seu esposo. Este
era o caso na sociedade judaica, onde o esposo era o único que podia
iniciar o divórcio.
Neste contexto, a palavra irmã (lit. mulher, esposa) quer dizer que
esta pessoa é crente. Ela chegou a ser cristã mas seu esposo (ainda) não
abraçou a fé em Cristo. No entanto, à parte desta diferença religiosa, o
casal vive em harmonia. Se o esposo estiver contente em viver com sua
esposa crente, Paulo a aconselha a permanecer junto ao seu esposo e que
não abrigue ideias a respeito do divórcio.
No caso de casamentos mistos, os cônjuges cristãos devem fazer
tudo o que estiver ao seu alcance para conservar seu companheiro não-
crente. Eles nunca deveriam ser os primeiros em pensar no divórcio. O
conselho de Paulo é: «Fiquem como estão».
14. Porque o esposo não crente foi santificado por sua esposa [crente]
e a esposa não crente foi santificada por seu esposo [crente]; de outra
maneira, vossos filhos seriam imundos, mas agora são santos.
a. Problema. «Porque o esposo não crente foi santificado por sua
esposa [crente]». Na cultura grego-romana do primeiro século, o normal
era que nos casamentos mistos fossem as esposas cristãs as que tivessem
esposos pagãos. Normalmente um esposo cristão não teria uma esposa
incrédula. Em repetidas ocasiões o Novo Testamento menciona o relato
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 323
de um cristão que foi batizado junto com toda sua família (p. ex., At
16:32–34; 18:8; 1Co 1:16). Nestes casos a esposa também creu em
Cristo. 37
Como muitas esposas cristãs tiveram que suportar a dureza de seus
esposos não crentes (veja-se 1Pe 3:1–6), Paulo primeiro se refere à
esposa cristã que vive com seu esposo pagão, e logo o caso contrário.
Nestas famílias, os cônjuges não crentes são santificados por seu
companheiro crente.
Qual é o significado preciso do verbo foi santificado? O esposo ou
esposa não-crente se mantém como gentio e, no entanto, Paulo declara
que foi consagrado. A incoerência desta relação matrimonial é
impressionante, especialmente porque Paulo diz que o corpo do crente é
membro do corpo de Cristo (1Co 6:15). Como pode, então, um cônjuge
não-crente ser santificado?
b. Resposta. Devemos ser cuidadosos, não seja que leiamos muito
no texto. No entanto, o evangelho penetra no mundo de uma forma que
às vezes em certa família um dos esposos chega a ser cristão, mas o
outro não. Com o tempo através de sua conduta, suas palavras e orações,
o cônjuge cristão poderia chegar a ganhar seu companheiro/a para o
Senhor. Devido ao poder de Cristo, normalmente a influência do cristão
é mais forte que a influência do não-crente. 38 Calvino escreve: «porque a
piedade de um faz mais por ‘santificar’ o casamento que o que a
impiedade do outro faz por manchá-lo». 39 Em outras palavras, o
propósito de Deus em salvar o Seu povo é mais amplo que nosso
limitado entendimento a respeito do processo de salvação.
Paulo não está dizendo que o cônjuge não-crente tenha chegado a
ser moralmente santo através de seu companheiro/a cristão/ã. Não,
37
Consulte-se Margaret Y. MacDonald, «Early Christian Women Married to Unbelievers», SR 19
(1990): 221–34; «Women Holy in Body and Spirit: The Social Setting of 1 Corinthians 7», NTS 36
(1990): 161–81.
38
R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament
for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 112.
39
Calvin, 1 Corinthians, p. 148.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 324
porque o ser humano não pode santificar ou salvar outro ser humano. O
que o apóstolo quer dizer é que, ao viver intimamente com um cônjuge
cristão, o incrédulo experimenta a influência da santidade.
O ser santificado quer dizer que uma pessoa é influenciada pelas
demandas de Cristo. O oposto é igualmente certo: qualquer que não
tenha sido santificado é influenciado pelas demandas do mundo que se
opõe a Cristo. No grego, o verbo ser santificado está no tempo perfeito,
o que indica que desde o momento em que um dos cônjuges chega a ser
cristão, seu companheiro inconverso começa a ter contato com a
santidade.
c. Santificado. Um estudo das Escrituras revela que a palavra
santificar tem pelo menos quatro diferentes significados. Primeiro
significa «separar para um uso sagrado» (p. ex., os elementos
relacionados com o culto de adoração no tabernáculo, Êx 29:37, 44);
segundo, «consagrar» pessoas através do batismo (1Co 6:11), do
casamento cristão (1Co 7:14), da expiação do pecado (Hb 9:13); terceiro,
«honrar» pessoas, nomes ou coisas (1Pe 3:15); e finalmente, «purificar»
do mal. 40 O segundo significado do verbo santificar aplica-se ao
versículo que estamos tratando. O esposo ou esposa crente santifica o
cônjuge incrédulo assim como o templo santificava o ouro que estava ali,
ou assim como o altar santificava a oferta que se punha sobre ele (Mt
23:17, 19). 41 O objeto não é santo por si mesmo, mas o era por
associação.
Paulo não está dizendo que o cônjuge gentio tenha uma relação
pessoal com Cristo, pois se assim fosse não seria chamado incrédulo.
Contudo, a conduta desta pessoa vê-se afetada pela de seu companheiro
cristão. O incrédulo aceita viver com um cristão em quem habita o
Espírito de Deus, cumpre as obrigações da instituição de casamento (Gn
2:24) e mantém intacto o casamento em obediência ao mandamento de
40
BAGD, pp. 8–9.
41
Charles Hodge, An Exposition of the First Epistle to the Corinthians (1857; reimpresso por Grand
Rapids: Eerdmans, 1965), p. 116.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 325
42
Cristo (Mt 19:6). Ambos vivem num ambiente de santificação, porque
o lar é consagrado pela leitura e aplicação da Palavra de Deus e pela
oração. Paulo também declara que os filhos nascidos nesse lar, antes ou
depois da conversão de um dos cônjuges, são santos.
d. Os filhos. «De outra maneira, vossos filhos seriam imundos, mas
agora são santos». O que dizer da seguinte geração? Paulo se refere aos
filhos criados num lar em que só um dos pais é cristão. Embora
mencione dois adjetivos (imundos, santos) com relação aos filhos de
casamentos mistos, afirma sem lugar a dúvida de que são santos, se um
dos cônjuges for cristão. Isto quer dizer que as crianças são consagradas
com base na fé do cônjuge cristão, e não são declarados imundos com
base na incredulidade do outro cônjuge. Em suma, na família a fé triunfa
sobre a incredulidade.
Paulo diz que o cônjuge incrédulo é santificado e que os filhos são
santos. Qual é a diferença entre as palavras santificado e santo quanto a
esta família? Enquanto o cônjuge incrédulo é santificado pelo crente, os
filhos desfrutam de uma relação de aliança. Deus fez uma aliança com o
Seu povo e o abençoou por todas as suas gerações (Gn 17:7). Escrevendo
a respeito do povo judeu, Paulo diz: «Se for santa a raiz, também os
ramos o serão» (Rm 11:16, RA). Quando Deus santifica o Seu povo,
chama-os a viver uma vida de constante santidade. Uma mãe cristã pode
reclamar as promessas da aliança, para que seus filhos sejam santificados
diante de Deus e chamados a viver em santidade. Timóteo era filho de
uma judia casada com um incrédulo grego. Sua mãe Eunice e sua avó
Loide o criaram num lar piedoso, onde aprendeu a pôr sua fé em Jesus
(2Tm 1:5). «Os filhos da aliança devem ser contados como parte do povo
de Deus e nutridos na fé cristã e no temor de Deus (Ef 6:4)». 43
O texto não diz se Paulo só se refere aos filhos de casamentos
mistos ou se também inclui os filhos de todos os crentes. Se for o último,
42
Jerome Murphy-O’Connor, «Works Without Faith in 1 Cor. 7,14», RB 84 (1977): 356.
43
W. Harold Mare, 1 Corinthians, no vol. 10 da série The Expositor’s Bible Commentary, editado por
Frank E. Gaebelein, 12 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 1976), p. 230.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 326
há muito mais razão para considerar santos estes filhos, especialmente
quando eles mesmos confessam sua fé. Estas crianças são incorporadas à
vida da igreja mediante o sacramento do batismo. 44
15. Mas se o não-crente se vai embo ra, deixe-o ir. Um irmão ou irmã
[cristã] não está obrigado em tais casos. Deus nos chamou à paz.
a. «Mas se o não-crente vai embora, deixe-o ir». As palavras de
Paulo são realistas, visto que a primeira parte desta oração assinala um
fato. Se o cônjuge incrédulo recusa apoiar a fé de sua esposa e encontra
impossível viver numa atmosfera cristã, é preciso deixá-lo ir embora.
Desde esse momento deixa de estar santificado por seu cônjuge crente.
As consequências econômicas das esposas cristãs abandonadas por
seus esposos eram com frequência desastrosas. Estas mulheres passavam
por muitos sofrimentos. «É muito provável que as mulheres que tivessem
muito pouco dote ou nada para sustentar-se economicamente, se
encontrassem divorciadas, isoladas e na miséria por amor ao
evangelho». 45 Paulo aconselha a esposa cristã: «se ele quer ir embora da
casa, não o impeça». Paulo está em harmonia com o que aconselhou
anteriormente sobre que um cristão não deveria divorciar-se (vv. 10–13).
Mas se o incrédulo decide divorciar-se da esposa, ele é o responsável
pelo divórcio.
b. «Um irmão ou irmã [cristã] não está obrigado em tais casos».
Não há problema em entender as instruções de Paulo sobre deixar ir o
que vai voluntariamente. Mas qual é o significado de obrigado? Quer
dizer que a parte abandonada já não está obrigada a manter seus votos
conjugais (veja-se Rm 7:2)? Quer dizer que agora é livre para voltar a
casar-se?
O significado literal da frase não está obrigado tem referência à
escravidão: «o irmão ou irmã não está escravizado». É o não-crente que
quebrou o vínculo conjugal que Deus quer que dure por toda a vida.

44
Veja-se Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traducido por John Richard de
Witt (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 414.
45
MacDonald, «Early Christian Women», p. 234.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 327
Agora o crente já não está preso a esse compromisso e união, porque o
cônjuge incrédulo «rompeu com Deus mais que com seu cônjuge».46
Neste versículo Paulo não proíbe nem anima o cônjuge abandonado a
voltar a casar (cf. vv. 9, 11). O que o preocupa é o testemunho que os
cristãos devem apresentar diante do mundo, o que inclui o esposo ou
esposa não-crente. Exorta o crente para buscar a paz com o cônjuge
incrédulo. Paulo quer que o crente viva em obediência ao evangelho de
Cristo e assim se oponha às forças de Satanás (Ef 6:15).
c. «Deus nos chamou à paz». Este é um dos princípios
fundamentais do Novo Testamento. 47 No capítulo anterior, Paulo
exortou os coríntios a não levarem seus pleitos aos tribunais, mas
resolvessem suas diferenças pacificamente (1Co 6:1–8). No presente
capítulo fala da paz no casamento, proibindo o divórcio e promovendo a
reconciliação. Mas isto não quer dizer paz a todo custo, porque o
cônjuge cristão não pode negar sua fé. Paulo afirma que o cristão que
tem que passar pelo divórcio não deve mostrar-se hostil contra seu
cônjuge, mas buscar a reconciliação. O cristão provê ao seu cônjuge não-
crente a oportunidade de voltar ao lar para restabelecer o casamento.
Talvez o cônjuge não-crente diga: «Irei e voltarei para o meu primeiro
marido [ou: esposa]; porque melhor me ia então do que agora» (Os 2:7).
Paulo proíbe os cristãos de buscar o divórcio. No caso de que seja o
cônjuge cristão aquele que inicie o divórcio, não pode voltar a casar. A
opção que resta é voltar com seu esposo ou esposa (vv. 10, 11). Se for o
incrédulo que buscou o divórcio, o cristão deve dar-lhe a oportunidade
de voltar, para começar outra vez.
16. Porque como sabes tu, esposa, se salvarás o teu esposo? ou como
sabes tu, esposo, se salvarás a tua esposa?
O incrédulo é santificado enquanto estiver disposto a viver com seu
cônjuge cristão. O contínuo testemunho cristão de parte do cônjuge

46
Calvin, 1 Corinthians, p. 150. Cf. a David E. Garland, «A Biblical View of Divorce», RevExp 84
(1987): 419–32.
47
Rm 12:18; 14:19; 1Co 14:33; 2Tm 2:22; Hb 12:14; 1Pe 3:11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 328
crente poderia levar a esposa ou esposo incrédulo à fé em Cristo. Este
testemunho se mantém, até no caso de que o cônjuge não-crente
abandone o lar por sua própria vontade (v. 15).
A declaração geral de Paulo sobre que Deus nos chamou à paz
também se aplica à família. No tempo do apóstolo, quando um homem
se tornava cristão, o normal era que sua esposa se convertesse à nova fé.
Pedro enfrenta um problema semelhante, em que uma esposa crente tem
que viver com um esposo que não se converteu ao cristianismo,
mostrando ressentimento e hostilidade. Pedro aconselha à esposa cristã
que seja submissa e que conquiste o seu esposo para Cristo por meio de
sua conduta (1Pe 3:1).
Quando Paulo diz que os cristãos não sabem se serão instrumentos
que Deus usará para salvar os seus cônjuges pagãos, quer dizer que só
Deus salva o Seu povo. Nós não podemos produzir a salvação, mas
somos instrumentos que Deus usa para produzi-la. O crente nunca deve
perder a esperança, sabendo que Deus porá em ação Seu plano e
propósito (cf. 2Sm 12:22; Et 4:14; Jl 2:14; Jn 3:9).
Paulo alenta ou desalenta o divórcio num casamento no qual o
cônjuge incrédulo abandona a seu casal? Sua ênfase na paz parece
desalentar o divórcio, embora não a qualquer preço. Findlay observa
corretamente que «por causa de suas relaxadas normas morais, os
coríntios precisavam ser dissuadidos e não animados a divorciar-se». 48 O
conselho do apóstolo continua sendo o mesmo: não rompam suas
promessas matrimoniais.

Considerações práticas em 1Co 7:15


O divórcio é uma experiência demolidora e, se for possível, deve
ser evitado. Na antiguidade a cultura exigia que o noivo entregasse ao
pai da noiva um dote que consistia numa soma de dinheiro ou em
serviços aprovados pelas duas partes. O dote também poderia consistir
48
Findlay, First Corinthians, p. 828.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 329
num presente que o pai fazia à sua filha no momento de casar. Quando o
divórcio terminava com os laços matrimoniais, o esposo deixava a
esposa, deixando-a totalmente desamparada. Uma esposa cristã se veria
impedida de voltar para sua família pagã. Um pai poderia negar-se a
receber uma filha cujo esposo a tinha deixado por sua religião. Seu único
amparo espiritual e material seria a igreja.
Como enfrentam os crentes o fato de um divórcio consumado?
Como membros do corpo de Cristo, sentimos a dor e dano que sofre um
divorciado. Nosso dever é animá-lo e lhe oferecer nossa ajuda material e
espiritual. Quando um incrédulo se divorcia de sua esposa cristã, ela
deve saber que o Senhor proverá para todas as suas necessidades.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:12–16


Versículo 12
το_ς … λοιπο_ς — «aos demais». David L. Dungan observa que
esta é a forma como Paulo acostuma falar dos incrédulos». 49 Em umas
poucas passagens (Ef 2:3; 1Ts 4:13; 5:6), esta expressão é sinônima com
τ_ _θνη (=os gentios). Mas dentro do contexto da igreja de Corinto,
Paulo se dirige aos cônjuges dos casamentos mistos, aconselhando os
cônjuges cristãos que provejam liderança no casamento.
λέγω _γώ — esta combinação expressa autoridade: «eu digo». O
pronome pessoal mostra um contraste enfático ou antitético com _
κύριος (veja-se v. 10).
ε_ τις — duas vezes coloca Paulo a oração condicional (vv. 12, 13),
para expressar o fato de que se refere a uma realidade.
α_τη — o pronome demonstrativo, feminino singular, tem seu
antecedente na palavra esposa. A tradução deve ser «esta», mas o
traduzimos como se fosse α_τή, (=ela), que é o pronome pessoal de

49
David L. Dungan, The Sayings of Jesus in the Churches: The Use of the Synoptic Traditions in the
Regulation of Early Church Life (Philadelphia: Fortress, 1971), p. 93.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 330
terceira pessoa singular (veja-se também ο_τος em lugar de α_τός, v.
13).

Versículo 13
συνευδοκε_ — este verbo composto («consente») expressa
mutualidade (ambos concordam em viver juntos) e intensidade (ambos
estão contentes).

Versículo 14
γυναικί — depois da palavra esposa, uns poucos manuscritos
ocidentais inseriram a expressão adjetival τ_ πιστ_ («crente») e depois
da palavra esposo (lit. irmão) colocou τ_ πιστ_. Embora eu não aceite a
leitura ocidental, acrescentei a explicação crente entre colchetes.
_ν τ_ y _ν τ_ — a preposição seguida do caso dativo pode denotar
espaço (na esfera de) ou causa (em virtude de).
_δελφώ — em lugar de «irmão», o Texto Majoritário lê _νδρί,
(«esposo»), o que adotaram a maioria dos tradutores. No entanto, os
melhores manuscritos leem irmão. Bruce M. Metzger observa que
embora a palavra esposo encaixe melhor como correlativo de esposa que
a palavra irmão, «a força especial de _δελφώ não foi apreciada. A fim de
captar algo do matiz de _δελφώ, acrescentou-se τ_ πιστ_ a _νδρί,». 50

Versículos 15–16
ε_ — quando esta conjunção acompanha um presente indicativo
como χωρίζεται («se vai») é porque se está apontando a um fato. O
presente imperativo médio χωριζέσφω («deixe-o ir») dá permissão para
tal ação.

50
Metzger, Textual Commentary, p. 555.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 331
_ν … ε_ρήν_ — a preposição tem a função de ε_ς, adquirindo o
sentido de: «Deus os chamou a entrar numa paz na qual quer que
vivam». 51
_μά — embora a evidência manuscrita apoie mais a _μά («nos»)
que a _μά («vos»), alguns editores do texto grego adotam o sentido de
vos, apesar de que tem menos apoio. Os tradutores também se dividem
entre «vos» 52 e «nos». 53
ε_ … σώσεις — «se salvarás». Paulo deixa esta pergunta sem
responder, visto que só Deus pode respondê-la.

4. Digressão. 1Co 7:17–24

Em meio de seu discurso sobre o casamento, Paulo se separa do


tema para reforçar uma regra que menciona três vezes. Esta é a regra que
dá à igreja: que cada um permaneça no lugar que Deus lhe atribuiu (vv.
17, 20, 24). Para apoiar este preceito, acrescenta duas ilustrações, uma
com relação à circuncisão e à incircuncisão, e outra com relação ao
escravo e ao livre. Paulo usa estas ilustrações para prover o contexto do
seguinte parágrafo de sua discussão sobre o casamento e para sublinhar
que os cristãos são responsáveis diante de Deus.
17. No entanto, que cada um viva a vida que o Senhor lhe deu, como
Deus chamou a cada um. Esta regra comunico em todas as igrejas.
a. «No entanto, que cada um viva a vida que o Senhor lhe deu». A
primeira palavra é um adversativo que introduz uma exceção à regra de
que os votos conjugais são obrigatórios (v. 15a, b). Quando uma esposa é
divorciada por seu esposo não-crente, que assim seja, diz Paulo. Mas
uma vez que o casamento foi dissolvido, a vida continua.
Contudo, agora Paulo expande sua perspectiva para abranger a
todos os que estão no evangelho. Duas vezes usa Paulo a expressão cada

51
Moule, Idiom-Book, p. 79. Veja-se Parry, First Epistle to the Corinthians, p. 114.
52
BJ, VP, CI, CB.
53
NVI, RV60, VM, NBE, NC, BP, NTT, LT.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 332
um na primeira oração deste versículo. Sabe bem que o evangelho se
introduz não só na vida do casamento, mas também na vida de judeus e
gentios, de escravos e livres. Qualquer que seja a situação na qual se
encontre uma pessoa ao tornar-se cristã, deve permanecer nela. Esse é o
lugar que o Senhor atribuiu a cada um na vida. «Paulo quer convencer os
destinatários de que o evangelho é compatível com qualquer relação ou
posição social». 54 Alguns convertidos à fé cristã creem que a única
forma de mostrar gratidão a Deus pelo dom da salvação é chegar a ser
um ministro ou missionário do evangelho. Isto é louvável, porém não é
necessário. O Senhor chama Seu povo a seguir em todo tipo de
atividade. Quer que sejam pais e mães cristãos, esposos e esposas
cristãos, patrões e empregados cristãos. Cada um deve cumprir o papel
que o Senhor lhe atribuiu e viver (lit. andar) dessa forma.
b. «Como Deus chamou a cada um». 55 Neste capítulo, Paulo
repetidamente escreve que Deus chamou o crente (vv. 15, 17, 18bis., 20,
21, 22bis., 24). Deus primeiro nos chama à comunhão com Seu Filho
Jesus Cristo (1:9) e então nos chama para desempenhar um papel como
cristãos no contexto em que o Senhor nos colocou. Isto não quer dizer
que o Senhor proíba que o crente mude de estado, emprego ou
residência. Com frequência o Senhor guia o Seu povo a outras áreas da
vida e lhes dá diferentes posições. Onde seja que Deus os colocar, devem
refletir Sua glória. Devem viver com dignidade naquele lugar e ambiente
e assim demonstrar o amor do Senhor Jesus.
c. «Esta regra comunico em todas as igrejas». A regra para os
crentes é permanecer no lugar em que o Senhor os colocou e viver de
uma forma digna de seu chamado. Paulo o repete para que fique claro
(vv. 20, 24). Elabora esta regra com base em sua autoridade apostólica e
a aplica a todas as igrejas (veja-se 1Co 4:17; 14:34; 16:1).

54
Hodge, First Epistle to the Corinthians, p. 120.
55
O Texto Majoritário (refletido na KJV), inverteu a sequência «Senhor» e «Deus». Outra tradução
coloca «Deus» duas vezes (Cassirer).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 333
18, 19. Q ualquer que tenha sido circuncidado e chamado, não
busque ser um não circuncidado. Qualquer que é incircunciso e chamado,
não busque circuncidar-se. A circu ncisão é nada e a incircuncisão
tampouco é nada, o que importa é guardar os mandamentos de Deus.
Eis aqui um exemplo tirado de uma congregação típica do primeiro
século, na qual cristãos judeus e gentios adoravam e trabalhavam juntos.
Esse era o caso em Corinto, onde a igreja estava formada por cristãos
judeus e gentios. Ao que parece as diferenças étnicas não causavam
discórdias ali. Quando Deus chama uma pessoa a uma vida de comunhão
com Cristo, anulam-se as diferenças entre judeus e gentios.
O judeu que foi circuncidado ao oitavo dia de ter nascido não tem
que procurar apagar sua marca, quando se torna cristão. Como judeu
circuncidado poderá testificar de Cristo com eficácia entre os judeus.
Esse era o caso de Timóteo, que foi circuncidado para trabalhar entre os
judeus que o conheciam em Listra e Derbe (At 16:3). Quando um judeu
é chamado por Deus a seguir a Cristo, não deve procurar buscar uma
cirurgia que o converta em um gentio.56 Deus o chamou para ser um
judeu entre judeus (veja-se 1Co 9:20).
Da mesma forma, quando Deus chama um gentio, não deve
procurar converter-se em judeu por meio da circuncisão. Talvez inveje o
judeu que recebeu a revelação, as alianças e as promessas (Rm 3:2; 9:4,
5). Mas Deus não o chamou para que se circuncidasse (Gl 5:2), porque
em Cristo se dissipam as diferenças entre judeus e gentios. 57 Deus chama
o cristão gentio a ser uma testemunha no contexto cultural em que Deus
o colocou.
Paulo se refere a casos excepcionais, porque um judeu dificilmente
apagaria a marca da circuncisão, enquanto dos gentios deram exigidos
que a aceitassem. No entanto, na Palestina havia milhares de cristãos
judeus zelosos para que se guarde a lei de Moisés, incluindo o rito da
circuncisão (At 21:20). Às vezes esta gente pressionava indevidamente
56
Cf. Josefo Antiqüedades 12.5.1 [241]; 1 Macabeus 1:15.
57
Rm 2:25, 26; Gl 3:28; 5:6; 6:15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 334
os gentios para que se circuncidassem (veja-se At 15:1, 2). Continuaram
fazendo isso mesmo depois de que o concílio de Jerusalém regulamentou
que os gentios que se convertiam ao cristianismo não precisavam
circuncidar-se (At 15:19–21).
A circuncisão ou a incircuncisão nada têm que ver com a fé cristã,
diz o apóstolo. Os gentios e judeus são iguais aos olhos de Deus, porque
em Cristo Jesus Deus adota a ambos. O que importa não é o sinal externo
que um homem tenha, mas a sua disposição interna de guardar a lei de
Deus. Mas os judeus objetariam o que Paulo diz e lhe diriam que se
contradizia. A lei de Deus estipula que a circuncisão é uma marca da
aliança (Gn 17:10–14) e, no entanto, Paulo diz que não vale nada, para
depois dizer que o importante é guardar a lei de Deus (cf. Eclesiástico
32:23). A verdade é que Paulo fazia uma distinção entre a observância
externa da lei, demonstrada pelo sinal da aliança e a atitude interna que
revela obediência à vontade de Deus. O Senhor quer que tanto os cristãos
judeus como gentios obedeçam a lei moral de Deus. O Senhor quer que
O obedeçamos, não porque cremos que assim conseguiremos a salvação,
mas com um coração cheio de alegria e agradecimento pelo dom gratuito
da salvação.
20, 21. Que cada um permaneça na mesma chamada com que foi
chamado. Se eras escravo quando foste chamado, que não te preocupes.
Mas se, por certo, tens a oportunidade de conseguir tua liberdade,
procura-o com força.
a. «Que cada um permaneça na mesma chamada com que foi
chamado». Paulo volta a declarar a regra que instituiu em todas as igrejas
(veja-se os vv. 17, 24). Paulo sublinha as palavras chamada e chamado,
as quais se relacionam com o novo nascimento produzido pela Palavra e
o Espírito. A chamada refere-se à situação que alguém tem na vida.
O novo nascimento não é só uma conexão vertical entre Deus e o
homem, também é uma relação horizontal que se estende do lugar que
alguém ocupa na vida até alcançar a dos demais. Uma chamada pode-se
entender como uma posição ou vocação na qual o crente vive em
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 335
obediência aos preceitos de Deus. Paulo afirma que «cada um deve
permanecer no lugar em que se encontrava quando foi chamado». 58 Por
exemplo, um contador que se converteu ao cristianismo não deve pensar
que por sua fé já não pode continuar trabalhando como contador. Paulo
instrui a cada convertido a ficar no lugar onde Deus o colocou e que não
mude de ocupação ou profissão. Diz-lhes: «Cumpram com as demandas
de Cristo no lugar onde estavam quando Deus os chamou».
b. «Se eras escravo quando foste chamado, não te preocupes». Este
é um exemplo concreto tirado do cenário social do tempo de Paulo.
Embora muitos escravos tenham adquirido valiosas habilidades,
ocupavam posições profissionais e se educavam bem, 59 outros não
recebiam educação nem treinamento. Isto fazia com que senhores
perversos abusassem e desprezassem os escravos de humilde condição
(cf. 1Pe 2:18–21).
Nós esperaríamos que Paulo condenasse a escravidão como
pecaminosa. Porém não aborda o tema. Antes, diz ao escravo que se
converteu que não se preocupe com sua escravidão. Paulo não está
interessado em perturbar a estrutura social existente. O evangelho de
Cristo gradualmente penetrará a sociedade como a levedura penetra a
massa. Sabe que o escravo anela sua liberdade, mas também está
consciente de que Deus governa soberano. Por meio do evangelho «faz-
se eficaz uma ordenança divina superior, pela qual o mundo se
mantém». 60 Paulo deixa que o Senhor mude a sociedade no futuro. Por
agora diz ao escravo cristão que não se preocupe com sua situação.
c. «Mas se, por certo, tens a oportunidade de conseguir tua
liberdade, procura-o com força». 61 No grego, a última oração só tem
duas palavras e carece de objeto direto. Literalmente só diz: «melhor te

58
BAGD, p. 436. Consulte-se Hodge, First Epistle to the Corinthians, pp. 122–123.
59
S. Scott Bartchy, ΜΑΛΛΟΝ ΧΡΗΣΑΙ: First-Century Slavery and the Interpretation of 1 Corinthians
7:21, série SBL Dissertation 11 (Missoula, Mont.: SBL, 1973), pp. 73–76.
60
Ridderbos, Paul, p. 317.
61
Refira-se BAGD, p. 884.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 336
aproveites» (NBE). O que é que se deve aproveitar? Poderia ser a
escravidão em sentido negativo, a liberdade em sentido positivo ou a
vocação em sentido contextual. Isto faz com que as traduções tomem
caminhos distintos:
«Mas, se você puder conseguir a liberdade, consiga-a» (NVI, cf.
RA 1999).
«Ainda que te pudesses tornar livre, procura antes tirar proveito da
tua condição de escravo» (BJ, cf. CB, LT, CI).
«Mas se, por certo, obténs a liberdade, por todos os meios [como
liberto] vive de acordo [à chamada de Deus]» (Bartchy, p. 183).
A primeira tradução enfrenta ao menos duas objeções, uma
gramatical, a outra cultural. Gramaticalmente, o verbo consiga (NVI) é
na verdade um imperativo aoristo que indica uma ação pontual. Assinala
um novo começo na vida, e não a continuação da escravidão. Isto quer
dizer que quando o escravo é libertado, entra numa nova fase de sua
vida. Uma objeção cultural é que não é o escravo, e sim o amo que toma
a decisão de libertar seu servo. O amo poderia fazê-lo por razões
econômicas ou sociais, mas de qualquer maneira é ele que determina o
destino do escravo. Como regra geral, os escravos desejavam a
liberdade. 62
Outras traduções preferem a segunda alternativa, porque se crê que
o homem livre estava numa melhor posição para disseminar o evangelho
que o escravo que estava impedido por muitas restrições. Contudo, a
população de escravos do primeiro século era inumerável, o que faria do
escravo um testemunho eficaz entre outros de sua classe.
Uma objeção à segunda tradução é que o contexto parece demandar
que o escravo permaneça em escravidão. Desta forma, a expressão
«procura antes tirar proveito da tua condição de escravo» (BJ)
desemboca na seguinte linha «porque aquele que foi chamado no Senhor
quando era escravo, é um homem livre que pertence ao Senhor» (v. 22a).

62
Consulte-se Bartchy, First-Century Slavery, p. 82.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 337
Mas esta objeção perde força, quando se tomam os versículos 21 e 22
como paralelos. O versículo 22b lê, «quando o homem livre foi chamado
converteu-se em escravo de Cristo» (veja-se o comentário ao v. 22b), e
serve de contraparte para a segunda tradução do versículo 21b.
A terceira tradução (Bartchy) registra a palavra chamada como
complemento do verbo vive (tomado da oração precedente). Mas quando
uma oração grega carece da palavra que se necessita para completar a
ideia, deve suprir-se do contexto imediato, isto é, da mesma oração. Aqui
a oração registra o conceito de liberdade, não de chamada. 63 Das três
traduções, a segunda deve ser preferido.
O tema que Paulo recalca neste capítulo e especialmente nesta
seção (vv. 17–24) é o da permanência. Paulo ordena os membros da
igreja a permanecer no lugar que Deus lhes atribuiu como indivíduos
(vv. 17, 20, 24). Isto não quer dizer que defende uma imobilidade
inflexível. Quando um escravo obtém a liberdade, seus anelos são
cumpridos. Deus não criou o ser humano para ser escravo, mas livre.
22. Porque aquele que foi chamado no Senhor quando era escravo, é
um homem livre que pertence ao Senh or; da mesma forma, quando o
homem livre foi chamado, converteu-se em escravo de Cristo.
A igreja de Corinto estava composta de ricos, influentes, de pobres
e de escravos. Todos eram partícipes da graça de Deus em Cristo. Como
família espiritual, os membros aceitavam-se uns aos outros como irmãos
e irmãs. Dentro da igreja as diferenças sociais e econômicas não tinham
nenhum valor. Mas os cristãos que eram escravos estavam muito
conscientes de sua falta de liberdade. Necessitavam uma palavra de
alento e exortação.
Este versículo sublinha a palavra Senhor, que duas vezes ocorre no
sentido de agente e possuidor. Em outras palavras, o Senhor chama seu
povo e Ele é também seu dono. A posição da palavra «Cristo», no final
da oração, a torna uma palavra enfática. À parte de uma omissão, o
63
Cf. Peter Trummer, «Die Chance der Freiheit. Zur Interpretation des mallon chresai in 1 Kor. 7,21»,
Bib 56 (1975): 344–68.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 338
versículo tem equilíbrio. A omissão produz-se na segunda parte do
versículo, onde devemos suprir a frase no Senhor, o que daria a seguinte
leitura: «da mesma forma, quando o homem livre foi chamado no
Senhor, converteu-se em escravo de Cristo». A oração tem dois
segmentos paralelos.
a. «Porque aquele que foi chamado no Senhor quando era escravo, é
um homem livre que pertence ao Senhor». Paulo diz ao escravo que não
se fixe em sua condição social, e sim na liberdade que recebeu de Cristo
(Jo 8:36). Quando Deus o chamou para ser parte do Seu povo,
experimentou o que era ser livre do pecado e da culpa. Já não é mais
escravo do pecado, mas pertence aos homens livres do Senhor, aos que
foram libertados da escravidão.
b. «Quando o homem livre foi chamado, converteu-se em escravo
de Cristo». Quando o Senhor chamou o homem livre, converteu-se num
escravo espiritual que obedientemente faz a vontade de Deus (Ef 6:6).
Por certo que o escravo que foi libertado no Senhor é, ao mesmo tempo,
escravo de Cristo, assim como o homem livre também é um liberto que
pertence a Cristo. Juntos são irmãos e irmãs no Senhor (Fm 16). Frederic
Louis Godet escreve, «Se os escravos de Cristo são libertados e os livres
são feitos escravos, então o crente não deve temer nem a escravidão nem
a liberdade». 64
23. Fostes comprados por preço. Não vos façais escravos dos homens.
A primeira parte deste versículo repete palavra por palavra o que
diz 1Co 6:20, mas a declaração aparece num contexto totalmente
distinto. No capítulo precedente, Paulo escrevia a respeito de prostitutas
e ordenava aos coríntios que fugissem da imoralidade sexual. Lembrou-
lhes que seus corpos eram templos do Espírito Santo e depois
acrescentou que os coríntios pertenciam a Cristo, porque foram
comprados por preço. Agora coloca as mesmas palavras «fostes

64
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), p. 362.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 339
comprados por preço» no contexto da ação libertadora de Cristo, pela
qual liberta os escravos do pecado e da morte. Cristo libertou os coríntios
dos seus pecados e pagou sua liberdade com o preço de Seu sangue
(veja-se 1Pe 1:18, 19). Os que foram comprados por Cristo, têm plena
segurança de salvação.
Bendita segurança, Cristo é meu!
Que antecipação da glória divina!
Herdeiro da salvação, comprado por Deus,
Nascido do Espírito, lavado em Seu sangue.
— Fanny J. Crosby

Paulo adverte seriamente todos os coríntios que não se tornem


escravos dos homens. Devem saber que são escravos de Cristo, da
mesma forma em que os israelitas o eram de Deus (cf. Lv 25:55). Note-
se que Paulo se dirige pastoralmente aos seus leitores usando a segunda
pessoa plural vós. Como não se dirige especificamente a escravos, mas a
toda a congregação, Paulo provavelmente se refere às filosofias humanas
e aos sistemas religiosos que mantêm os homem em cativeiro (cf. 1Co
2:12). Quando os cristãos são apanhados pela forma mundana de pensar,
já não obedecem a lei de Deus, mas se convertem em escravos dos
homens (Gl 5:1; Cl 2:20). Por conseguinte, Paulo os adverte a
obedecerem ao chamado em que Cristo os chamou.
24. Irmãos, que cada um permaneç a com Deus na situação na qual
foi chamado.
Paulo começou este segmento (vv. 17–24) mencionando a regra que
dá a todas as igrejas. Na metade deste parágrafo repetiu o mesmo
preceito (v. 20) e agora termina repetindo-o outra vez (v. 24). Em cada
versículo aplicou a regra a cada crente. No presente versículo, acrescenta
a frase com Deus. Isto quer dizer que quaisquer que sejam as
circunstâncias pelas quais atravessa um crente, deve saber que Deus está
sempre com ele e que nunca o abandonará (cf. Dt 31:6; Js. 1:5; Hb 1:5).
Também quer dizer que todo crente deve viver uma vida de excelência
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 340
na presença de Deus, porque os olhos de Deus estão sobre ele. O cristão
é um membro da família de Deus, um cidadão do reino e um soldado no
exército do Senhor.
Por que afirma Paulo três vezes a regra de que o crente deve ficar
onde está? Deu dois exemplos da esfera religiosa (judeus e gentios) e
dois da esfera social (escravos e livres). Antes e depois de cada um
destes exemplos, sublinha sua regra para manter estabilidade. Para
Paulo, a vocação do cristão individual é viver diante de Deus em
qualquer circunstância. Sabe que se o evangelho entrar no mundo, a
sociedade e a cultura devem mudar. Contudo, não chama a criar uma
revolução, mas a manter uma situação estável. É o evangelho que deve
produzir a mudança. Não importa em que lugar se encontre o cristão, ali
deve viver de forma honorável diante de Deus. «É claro que para Paulo,
o fator determinante da vida cristã é a vocação». 65 O cristão pratica os
ensinos de Cristo, estejam suas raízes no judaísmo ou no paganismo, seja
escravo ou livre.
Finalmente, a frase com Deus faz com que o crente olhe com
expectação à segunda vinda de Cristo. O cristão primitivo desejava estar
com Cristo e, portanto, punha sua mente nas coisas celestiais, não nas
terrestres (Fp 3:19, 20; Cl 3:2). O cristão vive sua vida neste mundo
sabendo que seu lar eterno está com Deus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:17–23


Versículo 17
ε_ μή — esta combinação é adversativa e significa «mas». É
equivalente a πλήν. 66 Paulo nunca supriu a prótase negativa desta oração

65
F.W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 172.
66
BDF § 376; Robertson, p. 1025.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 341
condicional, mas entendemos que quis dizer: «Apesar da exceção sobre o
divórcio (v. 12a, b), estabeleço uma regra para todas as igrejas».
περιπατείτω — o tempo presente do modo imperativo expressa
duração: «que se mantenha andando».

Versículos 18–19
περιτετμημένος — é o particípio perfeito, voz passiva, do verbo
composto περιτέμνω (=circuncidar). O perfeito indica a uma ação
efetuada no passado, mas que seus efeitos continuam no presente.
κέκληται — é o perfeito passivo de καλέω (=chamar). A ideia não é
que um homem tenha sido chamado à incircuncisão, mas foi chamado
nessa condição.
τήρησοις — o substantivo se deriva do verbo τηρέω (=guardar) e
denota um prosseguimento ativo.

Versículo 21
_λλ_ ε_ κα_ — estas três palavras são o centro do debate sobre a
tradução e interpretação deste texto particular. O adversativo _λλα, (=no
entanto) é mais forte que a partícula δε, (=mas) e forma um contraste
entre ambas as partes do versículo. 67 A combinação de ε_ και, quer dizer
«se por certo» ou «embora». A primeira tradução é apoiada por
estudiosos que afirmam que a oração fala da liberdade da escravidão. A
segunda é favorecida pelos que creem que os escravos devem ficar em
escravidão. S. Scott Bartchy observa que «em 1 Coríntios não se dão
exemplos de ε_ και, com o sentido de ‘embora’. Em 1 Coríntios 7
aparece um και, enfático antes e depois do uso de ε_ και, [v. 21c]. Estes
usos sugerem que se nos atermos só à gramática ε_ e και, devem

67
Algumas traduções omitem o adversativo (p. ex., VM) ou traduzem embora (NBE, BJ).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 342
traduzir-se ‘se por certo’. À vista do contexto social e legal, esta é a
tradução que se requer». 68
μ_λλον χρ_σαι — este é o aoristo imperativo de χράομαι (=usar)
que se contrasta com um presente imperativo, isto é, o escravo começa
uma nova vida como homem livre.
O advérbio μ_λλον quer dizer «de todas formas» ou é um
comparativo que exclui uma mudança social e se traduz «em vez disso».
Preferimos a primeira tradução.

Versículo 22
_ν κυρί_ — a preposição pode referir-se à esfera (no Senhor) ou à
agência (pelo Senhor). A maioria dos tradutores favorecem o dativo de
esfera; uns poucos optam pela ideia de agência. 69 Embora o aoristo
passivo κληφείς (que ocorre duas vezes) acomode-se à ideia de agência,
o contexto sugere a ideia de esfera.

Versículo 23
τιμ_ς — veja-se o comentário a 1Co 6:20.
ν_ γίνεσθε — o tempo presente do imperativo negativo implica que
alguns coríntios já estavam influenciados por doutrinas mundanas.

5. As virgens e o casamento. 1Co 7:25–40

Depois de um curto interlúdio (vv. 17–24) em que Paulo deu dois


exemplos gráficos de estabilidade, exemplos que tirou do mundo
religioso e social, agora retoma sua discussão do casamento. O tema
começou no versículo 1, e é matéria muito ampla e com muitas facetas.
Paulo já respondeu a inquietações sobre os direitos dos cônjuges, sobre

68
Bartchy, First-Century Slavery, p. 178.
69
Veja-se, p. ex., NVI, NBE, LT, NC.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 343
os solteiros, os divorciados e os casamentos mistos. Mas ainda se
defronta com perguntas sobre a virgindade, o casamento e o serviço ao
Senhor, sobre a conduta própria que se deve ter para com uma virgem e
o alcance dos votos conjugais. Agora Paulo se dedica a aconselhar sobre
estes assuntos tão pessoais e íntimos.

a. O estado matrimonial. 1Co 7:25–28

25. Agora, a respeito das vir gens não tenho mandamento do Senhor ,
mas dou minha opinião, como alguém que é di gno de confiança pela
misericórdia do Senhor.
a. «Agora, a respeito das virgens». As primeiras palavras parecem
referir-se a uma pergunta que os coríntios fizeram a Paulo em sua carta.
Paulo aborda pela ordem as perguntas sobre o casamento, e agora aborda
as que têm que ver com as virgens. Paulo não explica a palavra virgens,
mas é provável que aponta «ao próprio estado de virgindade». 70
As virgens que chegavam à idade do casamento não estavam
seguras de se deviam casar, e isto por duas razões: primeiro estava a
«atual crise» (v. 26) não tornava aconselhável o casamento e, segundo,
em Corinto alguns crentes os aconselhavam a não se casarem.71 Paulo
discute este assunto nos versículos que se seguem.
b. «Não tenho mandamento do Senhor». Para responder a pergunta
de se o celibato é bom e o casamento mau, Paulo podia examinar a
Escritura e responder que Deus instituiu o casamento (1Co 6:16; Gn
2:24). Sobre o divórcio descansava numa palavra do Senhor, que disse
aos fariseus que os votos conjugais eram permanentes e que não deviam
ser violados (v. 10; Mc 10:8–12). Mas no que se refere às virgens que
planejam casar, Paulo não tinha um mandamento direto do Senhor ou da
Escritura.

70
Calvin, 1 Corinthians, p. 155.
71
Consulte-se Fee, First Corinthians, pp. 323–327.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 344
c. «Mas dou minha opinião, como alguém que é digno de confiança
pela misericórdia do Senhor». Paulo escreve sua epístola por inspiração
divina e não por vontade humana (2Pe 1:20, 21). Sabe que o Senhor lhe
deu autoridade apostólica para falar e escrever para beneficio da igreja.
No entanto, não legisla quanto ao tema tão delicado e pessoal da
virgindade. Neste versículo diz que só dá sua opinião, e no seguinte diz
«Penso» (v. 26; e veja-se o v. 40). A forma de abordar as coisas na
presente seção é, pois, diferente da primeira parte do capítulo, no qual
cita um mandamento do Senhor (v. 10). Agora fala sem comunicar um
imperativo divino, mas confia no Senhor que o chamou para ser
apóstolo.
Paulo faz notar que Deus lhe mostrou misericórdia, pelo que
chegou a ser fiel, não por sua própria capacidade, mas pela bondade de
Cristo. O Senhor o chamou para ser apóstolo e o adornou com
numerosos dons. Paulo usou esses talentos imediata e obedientemente,
para servir os seguidores de Cristo. Em todas as suas epístolas reconhece
que Cristo em Sua misericórdia o converteu de perseguidor da igreja em
fundador de igrejas. O Senhor o converteu em edificador, conselheiro,
pregador e mestre (veja-se 1Co 4:1; 1Ts 2:4; 1Tm. 1:13, 16). Paulo
chegou a ser um fiel ministro do evangelho, os crentes podiam confiar
nele. Paulo demonstrou sua fidelidade a Jesus. Além disso, ganhou a
confiança destes crentes, de maneira que eles se aproximavam dele para
lhe pedir conselho. Paulo lhes dá sua opinião e espera que os coríntios
sigam seus conselhos.
26. Penso, pois, que devido à at ual crise é bom que o homem fique
como está.
Paulo qualifica seu conselho com a expressão introdutória penso, e
afirma que devido à «atual crise» (cf. NVI, CI, BJ, LT, NC, CB), a deve
preferir-se o celibato que o casamento. Algumas traduções têm leituras
distintas: «a calamidade que vem em cima» (NBE), «a tribulação
iminente» (BP). As demais ocupam o adjetivo presente (RA, LT) ou
atual (NVI, CI) ou algo semelhante, para descrever a crise. Qual é a crise
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 345
que afeta à comunidade de Corinto? Em geral os eruditos dão uma destas
três respostas: a palavra grega anangkē (necessidade, sofrimento) ou
aponta a uma calamidade que tem caído sobre a igreja de Corinto ou se
refere à perseguição que os crentes sofrerão quando chegar o fim do
tempo ou tem que ver com alguma fome.
A primeira explicação afirma que alguma calamidade caiu sobre a
comunidade de Corinto. Ao referir-se aos fracos, doentes e mortos (1Co
11:30), talvez Paulo aponta à calamidade que se seguiu a certas
irregularidades que se registraram ao celebrar a Ceia de Senhor. Mas o
que tem que ver a celebração da Comunhão com a ideia de pospor o
casamento? O fato de que as famílias sofram porque alguns de seus
membros estão doentes ou faleceram não parece uma razão suficiente
para que Paulo desalente as relações conjugais em toda a congregação.
A segunda interpretação sugere que Paulo aqui se refere (vv. 26–
31) ao fim do mundo. Diz que o tempo se encurtou (v. 29) e que o
mundo está passando (v. 31). Os cristãos serão injuriados e agredidos por
sua fé, quando entrarem no período que leva ao fim do tempo. Portanto,
em vista deste sofrimento, o solteiro deveria ficar assim, embora seja
livre para escolher casar. Se a aflição presente for interpretada de uma
perspectiva escatológica, ninguém estaria fazendo planos para casar.
Como comenta Leon Morris: «Com frequência Paulo fala da segunda
vinda de Cristo, mas nunca a associa com a palavra anangkē. Quando
usa esta palavra, seu sentido é ‘compulsão’ (v. 37), ‘compelido’ (1Co
9:16), ‘penúrias’ (2Co 6:4), etc., mas nunca é usada para descrever os
acontecimentos que precederão a segunda vinda». 72
A terceira resposta é que se estava produzindo uma fome nos
campos gregos, a qual estava produzindo uma inexprimível miséria aos

72
Leon Morris, The First Epistle of Paul to the Corinthians: An Introduction and Commentary, edição
revisão, na série Tyndale New Testament Commentaries (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids,
1987), p. 112–113.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 346
73
cidadãos, especialmente aos pobres. Isto faz com que seja apropriado o
conselho que Paulo oferece ao solteiro, pois nesse estado será mais fácil
a uma pessoa sobreviver à dureza da fome que aos que têm crianças que
alimentar. 74 Se considerarmos a «atual crise» à luz do que Paulo diz
sobre a celebração da Ceia do Senhor, veremos um indicador que
possivelmente aponta a uma fome. Pelo menos em duas passagens, Paulo
menciona que alguns coríntios têm fome quando se aproximam da mesa
do Senhor (1Co 11:21, 34).
As três interpretações se baseiam em hipótese, mas a terceira parece
dar a razão mais premente para ficar solteiro. Se a pessoa não poderá
suprir as necessidades de uma família, então é melhor que não se case.
O texto grego não se deixa ler com facilidade. Uma tradução literal
seria: «Assim que, penso que isto é bom por causa da presente crise, que
é bom que cada homem fique como está». Supomos que Paulo começa
uma oração, porém não a termina e logo constrói outra. Por razões de
estilo, a maioria dos tradutores omitem a parte que diz que isto é bom.
Uma última observação: Paulo usa a palavra homem em sentido
genérico, para incluir tanto o homem como a mulher: «é melhor para
uma pessoa permanecer como está» (RSV).
27. Se estás preso a uma esp osa, não procures desatar-te. Se estás
desatado de uma esposa, não busques uma.
a. «Se estás preso a uma esposa, não procures desatar-te». De novo
Paulo ensina que os vínculos conjugais não se devem romper. Até se as
necessidades presentes (como uma fome) tornem difícil a vida conjugal,
desde o tempo da criação o propósito de Deus é que o casal permaneça
junto. Paulo usa o tempo perfeito (lit. «foste preso») para apontar a uma
ação que ocorre no passado com resultados que se estendem até o

73
Refira-se Bruce W. Winter, «Secular and Christian Responses to Corinthian Famines», TynB 40
(1989): 86–106.
74
A expressão grega _νάγκη (angústia) ocorre em Epicteto 2.26.7 com referência à fome. Veja-se
também 3 Macabeus 3:16, que aponta a uma dificuldade quando Ptolomeu entrou no templo de
Jerusalém.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 347
presente. O verbo também se aplica ao homem e à mulher que foram
unidos pelos votos feitos quando ficaram de noivos. 75 De uma
perspectiva judaica, a virgem era prometida ao seu futuro marido e o
compromisso era equivalente ao casamento (veja-se Dt 22:23, 24; Mt
1:18). Assim que, não deveríamos restringir a interpretação deste
versículo aos casais casados ou aos comprometidos. O contexto geral
aponta aos casados e aos que estão noivos. Protegendo a santidade do
casamento, Paulo manda aos coríntios que não procurem dissolver seus
casamentos ou seus compromissos.
b. «Se estás desatado de uma esposa, não busques uma». A segunda
parte deste versículo é paralela à primeira em estilo e sintaxe. Paulo
repete a palavra-chave desatado e volta a usar o tempo perfeito: foste
desatado. Mas o que quer dizer com o verbo desatado? Levando em
conta a difícil situação econômica desses momentos (v. 26), Paulo
aconselha os solteiros que não se casem. Walter Bauer diz, «Não é
necessário supor que a pessoa estava ‘atada’ anteriormente». 76 Além
disso, Paulo tem em mente os viúvos, porém não os separados ou
divorciados, pois já disse o que pensava da separação e do divórcio (vv.
10–13).
28. Mas até no caso de que te cases, não pecas. E se uma virgem casa,
não peca. Contudo, esta gente terá grande aflição nesta vida, e eu gostaria
de vos poupar de problemas.
a. Casamento. Na primeira parte deste versículo, Paulo não se
interessa em discutir a dimensão moral do casamento. Para o apóstolo
um casamento legítimo não é pecado. Já disse que, se os solteiros não
tiverem o dom da continência, «que se casem» (v. 9). O que agora
aconselha tem que ver com a inconveniência que seria casar nas atuais
circunstâncias. Afirma que se um homem casar, não peca. Da mesma
forma, se uma virgem casar, não peca porque se conduz em harmonia

75
Veja-se especialmente J.K. Elliot, «Paul’s Teaching on Marriage in 1 Corinthians: Some Problems
Considered», NTS 19 (1973): 219–25.
76
BAGD, p. 483.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 348
com a instituição do casamento (Gn 2:24). O que Paulo trata aqui tem
que ver com o problema do dia (isto é, as penúrias dos cristãos) e não
com o pecado. 77 Paulo assegura aos coríntios que não pecam se
desatenderem seu conselho sobre o casamento. Não têm culpa alguma,
mas terão que enfrentar penúrias.
b. Aflições. «Contudo, esta gente terá grande aflição nesta vida».
Paulo usa o plural para referir-se a um grupo de gente que se casou ou
que está pensando fazê-lo. O termo aflição é uma expressão indefinida,
que alguns tradutores a vertem no plural, como «dificuldades» (NVI).78
Os intérpretes custam em dar uma explicação adequada da palavra. 79 Se
o vocábulo refere-se à fome que está açoitando a terra, então seu sentido
é sinônimo a «atual crise» (v. 26). Além disso, a tradução literal, «a
aflição na carne», reforça a ideia de que a Grécia passava por uma
grande fome, o qual não se reflete com a mesma clareza na tradução
«aflição nesta vida».
c. Um desejo. «E eu gostaria de vos poupar de problemas». Paulo
toma o assunto de forma muito íntima, quando usa o pronome pessoal
eu. Como pastor expressa seu desejo de proteger a congregação dos
problemas. Não está contra o casamento, porém na situação atual prefere
dissuadi-los da ideia de casar para lhes evitar problemas.

Nota adicional sobre 1Co 7:25–28


Na segunda parte deste capítulo, Paulo menciona a palavra grega
parthenos (virgem) sete vezes (vv. 25, 28, 34 [bis.], 36, 37, 38). Mas ao
procurar determinar seu significado, os estudiosos produziram um debate
considerável. A seguir as diferentes interpretações:

77
Consulte-se Lenski, First Corinthians, pp. 314–315.
78
«Apuros» (NBE), «penalidades» (BP), «tribulações» (CB).
79
Por exemplo, Grosheide crê que se fala de mulheres grávida ou que estão amamentando (Mt 25:19).
Veja-se seu First Epistle to the Corinthians, p. 177. Calvino crê que a palavra aponta às
«responsabilidades e dificuldades» que enfrentam os casamentos. Veja-se seu 1 Corinthians, p. 158.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 349
a. Homens e mulheres. Com o termo virgem(ns) aponta-se aos
casais que estão comprometidos. A palavra inclui homem e mulheres (v.
25); também aponta ao solteiro que tem um dever conjugal para com sua
noiva. 80 Mas me parece que o contexto aponta a virgens mulheres, e a
palavra não se aplica aqui aos homens.
b. Casamento espiritual. As virgens são casamentos da igreja de
Corinto que decidiram praticar o ascetismo. Têm uma relação
matrimonial que tem as vantagens do casamento, mas sem que se
produza a relação sexual. 81 Pode-se objetar a esta interpretação de que
Paulo ordena os casamentos da igreja de Corinto de que não se privem
da relação sexual (v. 5).
c. Casamento levirato. As virgens são viúvas jovens. Quando um
esposo judeu morria, seu irmão solteiro estava obrigado a casar com a
viúva (Dt 25:5–6; Mt 22:24). 82 Embora a congregação de Corinto tivesse
um número de judeus convertidos, muitos de seus membros eram
cristãos gentios que desconheciam esta prática. Além disso, uma viúva já
não é virgem.
d. Varões celibatários. A palavra virgem aponta a homens solteiros.
Alguns estudiosos declaram de que o termo aqui deveria aplicar-se só
aos homens, não às mulheres. Em apoio desta interpretação busca-se o
texto grego de Apocalipse 14:4, onde o termo aplica-se aos homens.83
Mas é preciso objetar a esta interpretação de que no versículo 28a, Paulo
se dirige ao homem e que no versículo 28b se dirige à mulher, a qual
chama «a virgem».

80
Veja-se Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians,
editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Série Hermeneia: A Critical and
Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 132 n.8.
81
Hurd, Origin of 1 Corinthians, pp. 177–180.
82
J.M. Ford, «Levirate Marriage in St. Paul: 1 Cor. 7», NTS 10 (1964): 362; James B. Hurley, «Man
and Women in 1 Corinthians», Ph.D. diss., Cambridge University, 1973, p. 194.
83
Matthew Black, The Scrolls and Christian Origins: Studies in the Jewish Background of the New
Testament (Nova York: Nelson, 1961), p. 85; James F. Bound, «Who Are the ‘Virgins’ Discussed in 1
Corinthians 7:25–38?» EvJ 2 (1984): 3–15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 350
e. Virgens casadouras. As virgens são mulheres jovens que nunca
estiveram casadas. Alguns crentes de Corinto escreveram a Paulo para
lhe perguntar se as virgens deveriam pensar em casar em meio das
difíceis circunstâncias em que viviam. O apóstolo entrega seu conselho a
estas virgens e a seus noivos, deixando a clara impressão de que com
virgens refere-se a mulheres jovens que nunca estiveram casadas. Prefiro
esta última interpretação.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:25–28


Versículo 25
_ς _λεημένος — a partícula _ς significa «como um que», a que
junto ao particípio perfeito, voz passiva, tem uma conotação causal.84
Paulo é confiável por causa de ter sido objeto da misericórdia do Senhor.
O particípio vem do verbo _λεέω (=mostrar misericórdia) e o tempo
perfeito aponta a um ação realizada no passado que tem efeitos no
presente. A voz passiva indica que é Deus quem mostrou misericórdia a
Paulo.
πιστ_ς ε_ναι — o infinitivo é epexegético, isto é, explica o
particípio perfeito precedente. O sentido é: «fui objeto da misericórdia
… o suficiente para ser digno de confiança». 85

Versículo 26
το_το καλ_ν _πάρχειν — as duas orações deste versículo revelam
uma repetição. Por isso, a maioria da traduções omitem esta frase e
traduzem só a última parte deste versículo, καλ_ν _νθρώπ_ τ_ ο_τως
ε_ναι, «é bom que o homem fique como está».

84
Robertson, p. 1128; BDF § 425.3.
85
Moule, Idiom-Book, p. 127.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 351
Versículo 27
μ_ ζήτει — el imperativo presente comunica la prohibición: «deja
de buscar». En ambas oraciones aparece el paralelismo. El tiempo
perfecto de δέδεσαι (de δέω = atar) y λέλυσαι (de λύω = soltar, desatar)
da a entender una pregunta en sus respectivas oraciones. La respuesta se
expresa en las dos prohibiciones.

Versículo 28
__ν δ_ καί — «até no caso de que …». Em ambas as orações
condicionais, a partícula _άν introduz verbos no modo subjuntivo:
γαμήσ_ς («te cases») e γήμ_ («se casa»). Os verbos são sinônimos e têm
o mesmo significado. O primeiro verbo está na segunda pessoa singular,
porque Paulo se dirige ao homem, segundo o costume daquele tempo. O
segundo verbo está na terceira pessoa singular e tem a virgem como
sujeito. O substantivo παρθένος vem precedido pelo artigo definido _
que se refere às virgens como uma classe. Três manuscritos unciais (os
códices B, F, e G) e uma testemunha minúscula (429) omitem o artigo
definido.

b. Penalidades. 1Co 7:29–31

Depois de ter dado seu conselho às virgens e aos noivos, Paulo


imagina as penalidades que os crentes de Corinto sofrerão. Talvez sem
notar se desvia de seu tema, que é escrever a respeito do casamento, e
sopesa o futuro imediato. No entanto, não oferece uma perspectiva
escatológica precisa a respeito da consumação do mundo, pois neste
momento não é esse o tema que lhe interessa.
29-31. Isto é o que digo, irmãos, que o tempo se encurtou. Assim que,
daqui em diante os que têm es posa vivam como se não a tivessem; os que
choram, como se n ão chorassem; os q ue se ale gram, como se n ão se
alegrassem; os que compra m, como se não possuí ssem; e os que us am o
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 352
mundo, como se n ão o usasse m plenamente. Porque este mun do em s ua
forma presente está passando.
a. «Isto é o que digo, irmãos, que o tempo se encurtou». Cabe
observar que esta primeira parte do versículo 29 e a última oração do
versículo 31 comunicam uma mensagem sobre que o tempo é breve.
Entre estas duas afirmações sobre a natureza passageira deste século,
Paulo intercala umas linhas poéticas. Seu fim é conseguir que a igreja
tome nota da configuração mutável deste mundo no qual o tempo foi
comprimido. Quer que percebam o caráter fugaz deste século, a rapidez
dos acontecimentos e de quão breve é a vida.
De forma pastoral, Paulo se dirige pessoalmente não só aos casados,
mas também a todos os membros da igreja de Corinto. Ao usar o verbo
digo, dirige-se aos seus leitores e os chama «irmãos» (o que inclui às
irmãs também) segundo o uso daquele tempo. O verbo digo comunica
uma declaração solene, não uma afirmação comum. 86 A palavra isto
aponta ao que se segue e se refere ao conceito que Paulo tinha do tempo
e do mundo. Também se relaciona com o que precede, com o tema do
casamento. A oração o tempo se encurtou é enigmática, porque Paulo
não fala do tempo calendário, mas a respeito da era que abrange o tempo
em que ele vivia (veja-se Mt 24:22). Muitos acontecimentos foram
comprimidos dentro desta era, especialmente aqueles que têm que ver
com a vinda do reino de Deus através da proclamação do evangelho.
Paulo diz aos coríntios que abandonem a perspectiva pagã do tempo e
que adotem a ideia de que o reino de Deus invadiu este mundo e o está
transformando (cf. 1Co 11:12). Devido a isso, os crentes deveriam olhar
a vida de uma perspectiva mais ampla e centralizar-se no que é essencial,
as coisas eternas.
Portanto, Paulo exorta os coríntios a olhar o casamento, a aflição, a
alegria, as posses, os negócios e o serviço à luz da nova era, na qual a fé
cristã foi inaugurada. Em virtude desta fé, os acontecimentos se
86
No Novo Testamento, a primeira pessoa singular φημί («eu digo») só ocorre em 1Co 7:29:10:15,
19; 15:50.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 353
comprimem, seguindo-se rapidamente um após outro. Os cristãos devem
entender que à medida que a presente forma deste mundo passa (v. 31), a
vinda do reino continua e toca todos os aspectos da vida. 87
b. «Assim que, daqui em diante os que têm esposa vivam como se
não a tivessem». É preciso notar que Paulo escreve linhas poéticas que
descrevem a vida humana. Pensamos que estas linhas as compôs o
apóstolo, e não são uma citação que tira de algum outro autor (2Esd.
16:42–45). 88 Considere o ritmo da poesia em suas cinco partes com a
repetição da frase que apresentamos em itálico:
os que têm esposa
vivam como se
não a tivessem;
os que choram,
como se
não chorassem;
os que se alegram,
como se
não se alegrassem;
os que compram,
como se
não possuíssem;
e os que usam o mundo,
como se
não o usassem plenamente.

Paulo introduz estas linhas poéticas com a frase Assim que, daqui
em diante. As palavras que traduzimos «daqui em diante» também

87
Ridderbos, Paul, p. 312.
88
Romano Penna vê um possível paralelo em Diógenes Laertio Lives 6.29. «San Paolo (1 Cor. 7,29b-
31a) e Diogene il Cinico», Bib 58 (1977):237–45. Consútese a Wolfgang Schrade, «Die Stellung zur
Welt bei Paulus, Epiktet und der Apokalyptik. Ein Beitrag zu 1 Kor 7, 29–31», ZTK 61 (1964): 125–
54. E veja-se Gottfried Hierzenberger, Weltbewertung bei Paulus nach 1 Kor 7,29–31 (Düsseldorf:
Patmos, 1966), p. 30.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 354
89
poderia traduzir-se «portanto». Contudo, parece-nos que o uso
temporal fica melhor no contexto que o sentido consecutivo, porque os
crentes entraram a uma nova época em suas vidas. Como cristãos, agora
olham o mundo em que vivem e se movem de uma perspectiva eterna
(cf. At 17:28).
O que quer dizer Paulo com «os que têm esposa vivam como se não
a tivessem»? Por certo que não defende o celibato, a separação ou o
divórcio. O que implica é que os cristãos devem restringir o casamento
ao presente século. 90 Ninguém casará na vida vindoura, porque todos
serão como os anjos do céu (Mt 22:30). O próprio Deus instituiu o
casamento no começo da história humana; portanto, o casamento não
perde seu significado na era presente.
Mas como interpretamos a frase vivam como se? Em cada uma das
partes da composição poética de Paulo (casamento, aflição, alegria,
posses, negócios e serviço) «devemos estar vivendo como se tivéssemos
que deixar este mundo em qualquer momento». 91 Quer dizer, não
devemos fazer das coisas terrestres nosso objetivo último. Seja que
estejamos casados, em aflição ou alegria, ou tenhamos posses, os cristãos
não devem ser apanhados por essas coisas. Os cristãos devem notar o
caráter efêmero destas coisas e saber que depois de ter passado por este
vale terrestre, entrarão na eternidade. Assim que, durante esta vida
devem preparar-se para a vida que vem depois da morte.
O cristão vive uma vida que de certa forma se contradiz. Como
Paulo o expressa, o cristão sofre, mas se alegra; é pobre, mas torna rica a
muitas pessoas; não tem nada, mas possui tudo (2Co 6:10).
c. «E os que usam o mundo, como se não o usassem plenamente».
A última linha desta seção poética parece repetir a ideia precedente de
comprar e adquirir coisas. Mas, antes, encontramos um eco do ensino de
Jesus com relação à mordomia das posses terrestres. Jesus ensinou os
89
BAGD, p. 480.
90
Refira-se a Grosheide, First Epistle to the Corinthians, p. 177.
91
Calvin, 1 Corinthians, p. 160.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 355
Seus discípulos que não pusessem seu coração nelas (Lc 6:29b, 30). Os
seguidores de Jesus podem usar os bens deste mundo, porém não devem
ser absorvidos por eles nem usá-los mal.

Que se vão os bens e os familiares,


Que esta vida mortal também desapareça;
Poderão matar o corpo,
mas a verdade de Deus ainda permanecerá,
porque seu reino é eterno.
— Martinho Lutero

d. «Porque este mundo em sua forma presente está passando». Com


estas palavras, Paulo esgota o tema referente a que os cristãos vivem
num tempo que foi encurtado. Termina sua contribuição poética com
uma declaração definitiva: este mundo está passando. O mundo é criação
de Deus, mas por causa do pecado está sujeito à frustração e a gemer
(Rm 8:20–22). Por tal razão, Paulo afirma que a forma atual do mundo
está desaparecendo. A expressão forma presente refere-se à
«manifestação (ou forma) distintiva» deste mundo, 92 a que se pode
comparar com os personagens ou atos mutáveis do teatro ou do cinema.
O próprio mundo permanecerá até o último dia, mas sua aparência está
sujeita a uma mudança constante. Estas mudanças devem-se às estações
da natureza ou às mudanças graduais na configuração da terra.
Conhecedor das epístolas de Paulo, o apóstolo João escreve quase o
mesmo em sua carta. Diz: «O mundo se acaba com seus maus desejos»
(1Jo 2:17a). Paulo aponta ao mesmo, quando se refere ao mundo em que
a pessoa vive diariamente. É o mundo em que se casa, chora, alegra-se,
produz dinheiro e o gasta. Aquele mundo, diz Paulo, não tem uma forma

92
Johannes Schneider, TDNT, vol. 7, p. 958. O termo aparece duas vezes no Novo Testamento (1Co
7:31; Fp 2:7).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 356
permanente. Por conseguinte, o cristão não deveria pôr o seu coração
naquilo que é passageiro, e sim no que perdura pela eternidade.

Considerações práticas em 1Co 7:29–31


A sociedade de hoje se caracteriza pela instabilidade, especialmente
no que respeita a vida familiar. A família vê-se minada pela infidelidade,
o abandono e o divórcio. Tudo isso a deteriora e em muitos casos não
existe. As enfermidades, a fome e a pobreza em amplas áreas do mundo
produzem miséria, sofrimento e morte sem paralelos. É comum
presenciar a bancarrota de indivíduos, companhias, cidades, províncias,
estados e até países inteiros. Espanta a obsessão que existe por possuir,
usar e abusar dos bens e do meio ambiente do mundo.
Os seguidores de Cristo estão neste mundo, embora não sejam do
mundo (Jo 17:14, 16). São caçoados quando recomendam que vivamos
uma vida santa para evitar a imoralidade (Ef 5:3–5). São caçoados
quando afirmam que se deve deixar a cobiça e escolher uma vida de
integridade no trabalho e nos negócios (Pv 11:1) ou quando dizem que
alguém deveria estar contente, tendo sustento e abrigo, pois assim se
evita a inveja (1Tm. 6:6).
Os cristãos pertencem ao mundo vindouro e, portanto, estão
plenamente conscientes do caráter fugaz de sua vida terrestre. Sabem que
sua cidadania está nos céus (Fp 3:20) e, por isso, põem sua confiança em
seu eterno Deus. Não é que vivam se evadindo do mundo presente, o que
fazem é viver nele em harmonia com todos os mandamentos de Deus.
Por exemplo, no casamento amam com um amor genuíno (1Co 13:5),
aborrecem explorar o próximo ou ao meio ambiente em que vivem; de
fato se alegram com os que se alegram e choram com os que choram
(Rm 12:15). 93

93
Refira-se a Darrel J. Doughty, «The Presence and Future of Salvation in Corinth», ZNW 66 (1975):
61–90.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 357
Palavras, frases e construções gregas de 1Co 7:29–31
Versículo 29
συνεσταλμένος _στίν — a construção perifrástica compõe-se do
particípio perfeito, voz passiva, de συστέλλω (=encurtar) e o verbo ser.
O tempo perfeito expressa duração contínua.
τ_ λοιπόν — esta expressão significa «finalmente», isto é, «de
agora em diante».
_να … _σιν — o presente subjuntivo funciona como imperativo,
não como verbo numa cláusula de propósito: «que vivam». A partícula
_ς sugere uma ideia concessiva: «como se».

Versículo 31
χρώμενοι … καταχρώμενοι — ambas as palavras são particípios
derivados de χράομαι (=usar). O particípio composto é perfectivo e
comunica a ideia de «usar plenamente». Mas como ocorre só duas vezes
no Novo Testamento (1Co 7:31; 9:18), não sabemos com certeza se o
verbo simples e o composto diferem em seu significado. 94

c. Casamento e serviço. 1Co 7:32–35

Depois de uma breve digressão em que Paulo demonstra sua


preocupação pastoral por toda a congregação de Corinto, volta ao tema
principal. Retorna ao tema do casamento e o celibato, especialmente em
conexão com o serviço ao Senhor.
32. Quero que estejais livres de an siedade. O solteiro preocupa-se
com as coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor.
a. «Quero que estejais livres de ansiedade». Note-se que Paulo se
dirige a todos os membros da igreja de Corinto mediante a segunda
pessoa plural «estejais». Começa e termina os versículos 32–35 com a

94
BAGD, p. 420.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 358
segunda pessoa plural, para indicar que fala com a congregação inteira
(veja-se o comentário sobre o v. 35).
Uma tradução literal da última parte desta oração poderia ser «livre
de cuidados», mas assim se comunica a ideia negativa de
irresponsabilidade. Mas se tomarmos o termo no sentido positivo de
«livre de preocupações», estamos entendendo o que Paulo quer dizer (cf.
Mt 6:25–34; Fp 4:11; 1Pe 5:7). Desta maneira, a oração flui da seção
precedente onde Paulo ensina a ideia de viver como se, isto é, viver na
liberdade que o Senhor deu. 95 Isto vale para o casado e o solteiro
igualmente. Devem deixar suas preocupações com o Senhor.
b. «O solteiro preocupa-se com as coisas do Senhor, de como
agradar ao Senhor». É significativo que Paulo coloque o solteiro antes do
casado. O que diz do solteiro e sua preocupação em agradar ao Senhor o
conecta com o que disse recentemente: «Quero que estejais livres de
ansiedade». Assim, evita pôr o casado numa posição inferior à do
solteiro (veja-se o comentário ao v. 34). Nós teríamos esperado que
tratasse primeiro das preocupações do casado. Pelo contrário, primeiro
fala do solteiro. Diz que o solteiro, livre de insônias, preocupa-se com as
coisas que pertencem à igreja de Deus.
O verbo preocupar-se com ocorre cinco vezes em 1 Coríntios e dois
em Filipenses. 96 As vezes que Paulo usa o termo fora da presente
passagem, dá-lhe uma conotação positiva. Sobre esta base podemos
assumir que Paulo usa o verbo de forma positiva.
Em virtude da liberdade que Cristo lhe deu, o solteiro se interessa
positivamente nas coisas do Senhor. Quer trabalhe como evangelista,
missionário, pastor ou em qualquer outro ministério que o Senhor lhe
tenha dado, mostra-se diligente e preocupa-se em promover a causa de
Cristo. Ele o faz por um desejo genuíno de agradar ao Senhor (cf. 1Ts
4:1).

95
Jürgen Goetzmann, NIDNTT, vol. 1, p. 278. Veja-se também Fee, First Corinthians, p. 343.
96
1Co 7:32, 33, 34 (bis.); 12:25; Fp 2:20; 4:6.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 359
33, 34a. Mas o cas ado preocupa-se com as coisas deste m undo, de
como agradar a sua esposa, e seus interesse estão divididos.
Depois de mencionar as preocupações do solteiro, Paulo agora
menciona as do casado. Tanto o solteiro como o casado desfrutam da
liberdade que Cristo provê, pelo que nenhum é inferior ao outro. De fato,
Paulo nunca expressa palavras de desaprovação sobre o estado
matrimonial do que trabalha na igreja. A única coisa que afirma é que o
obreiro solteiro tem mais tempo para a causa de Cristo que o outro.
Tomo o verbo preocupar-se no sentido positivo, pelo que nem
sequer se expressa um pingo de desprezo. Parece-me que o que Paulo
quer dizer é que o casado tem uma dupla obrigação, ou seja, preocupar-
se com as necessidades de sua esposa e filhos e dedicar seu tempo ao
trabalho da igreja. Em outro lugar, Paulo escreve: «Aquele que não
provê para os seus, e sobretudo para os de sua própria casa, negou a fé e
é pior que um incrédulo» (1Tm. 5:8). Cuidar da família é uma
preocupação válida e necessária, mas limita o tempo que uma pessoa
pode ocupar trabalhando para o Senhor. Como resultado, Paulo observa
que os interesses do casado estão divididos. Contudo, não desaprova o
casamento como algo que lamentar; o dever do esposo é agradar a
esposa. Paulo não pensa que o casamento esteja errado ou seja um
pecado. Gordon D. Fee conclui acertadamente: «diferente, sim; que o
casado está mais envolto neste mundo, sim; mas inferior ou pecaminoso,
não». 97 Paulo coloca o solteiro e o casado no mesmo nível e os vê como
obreiros iguais na igreja.
34b. Da mesma forma, a s olteira ou virgem preo cupa-se com as
coisas do Senhor, de ser santa e m corpo e es pírito. Mas a casada
preocupa-se com as coisas do mundo, de como agradar o seu esposo.
a. Problema textual. As diferenças de tradução na primeira parte
deste versículo são óbvias ao comparar as versões representativas:

97
Fee, First Corinthians, p. 345.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 360
«34 Há diferença entre a mulher casada e a virgem: a solteira cuida
das coisas do Senhor» (RC 1998).
«34 e seus interesses estão divididos. Da mesma forma, a solteira
ou virgem preocupa-se das coisas do Senhor» (minha tradução. Cf. BJ,
NVI).
«e anda dividido. 34 Também a mulher solteira e a virgem
preocupa-se pelas coisas do Senhor» (NTT).
Notemos que na primeira tradução (RC 1998), o verbo grego da
primeira oração se traduz «há diferença». Na segunda, o verbo grego se
traduz «estão divididos» e a cláusula vai unida com o versículo
precedente (v. 33). No terceiro exemplo, a oração «e está dividido»
coloca-se no versículo 33. Note-se também que a terceira versão
acrescentou a palavra também no princípio da oração e coloca a palavra
e em lugar de ou entre os termos solteira e virgem. Por último, esta
versão produz uma estrutura gramatical incorreta, na qual um sujeito
composto (a solteira e a virgem) vem seguido de um verbo no singular.
Naturalmente que o texto grego do versículo 34 tem muitas
variações. Os editores das edições gregas do Novo Testamento registram
estas variantes e concordam em adotar uma delas, a que represente a área
geográfica mais ampla. 98 Isto se reflete na leitura daqueles manuscritos
gregos que se estendem d leste ao oeste (veja-se minha tradução acima).
b. Avaliação. Como avaliamos as diferenças textuais sobre as que
se baseiam as traduções? Em favor da primeira interpretação (RV60)
está o fato de que mantém um equilíbrio entre os versículos 33 e 34.
Paulo compara os cuidados do solteiro com os do casado (v. 33) e
contrasta as preocupações da casada com as da solteira (v. 34).
Contudo, a palavra e, que em minha tradução precede o verbo estão
divididos, tem forte apoio e parece ser a leitura original. Os tradutores da
primeira versão (RC 1998) seguem uma leitura grega que omite a
98
NTG, NTG, BF, Merk. Bruce M. Metzger (Textual Commentary, p. 555) escreve que «a leitura
menos satisfatória é a apoiada pelos representantes antigos dos textos do tipo alexandrino e ocidental
(P15, B, 104, vg, copsa, bo)».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 361
conjunção. Se for acrescentada, vai impedir uma tradução lisa do
versículo 34. Se for aceita a conjunção como original, então a oração e
seus interesses estão divididos realmente pertence ao versículo 33. Além
disso, a voz passiva do verbo grego memeristai quer dizer «estar
dividido». Este verbo nunca é usado para comunicar a ideia de «há
diferença» (RC 1998), 99 e não deveria ser traduzida como voz ativa. Por
último, a primeira versão (RC 1998) reordena as palavras da oração, a
fim de que a expressão «a virgem» chegue a ser sujeito do verbo da
segunda oração: «cuida».
Em minha tradução, interpretei convenientemente a conjunção e
(que ocorre na frase «a solteira e a virgem») como ou, e omiti a palavra
também. A terceira versão não toma este caminho e como resultado dá
uma tradução exata, embora com um sujeito composto que vem seguido
de um verbo no singular. Apesar que o versículo ter muitas variantes
textuais, a segunda e a terceira tradução são as que se deve preferir.
c. Interpretação. «Da mesma forma, a solteira ou virgem se
preocupa com as coisas do Senhor». Não é possível saber com absoluta
certeza se Paulo escreve virgem como uma explicação da frase a
solteira. Se for assim, a palavra que traduzimos ou realmente significa
«quer dizer». Por outro lado, talvez Paulo tinha em mente as viúvas, as
separadas ou divorciadas ou as solteiras. 100 Além disso, uma virgem é
aquela que, embora solteira, poderia estar noiva. Por isso, é melhor
tomar a palavra virgem em sentido amplo. Pelo fato de que Paulo não dá
informação adicional, não é possível determinar com mais precisão o que
quer dizer.
O significativo é o fato de que para uma mulher solteira é possível
dedicar-se completamente à obra do Senhor (cf. Rm 16:12; Fp 4:2, 3). Se
não tiver no horizonte a possibilidade de casar, está completamente livre
para dedicar sua vida ao serviço do Senhor.
99
BAGD, p. 504.
100
Refira-se a C.K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s
New Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 180.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 362
«De ser santa em corpo e espírito». Paulo afirma que a santidade
tem que ver com a pessoa em sua totalidade, com o corpo que não está
carregado de deveres conjugais e maternais e com o espírito que é
dominado pelo Espírito Santo. 101 Quando a mente e o corpo estão cheios
do Espírito, podem refletir a santidade de Deus. Isto não quer dizer que a
solteira que dedica toda sua vida ao serviço espiritual é mais santa que a
casada que ama o seu esposo e com ele cria uma família. De maneira
nenhuma. A solteira se consagra ao Senhor porque não tem impedimento
algum.
«Mas a casada preocupa-se com as coisas do mundo, de como
agradar a seu esposo. Esta é a contraparte do comentário que Paulo fez
sobre que o casado se preocupa com sua esposa (v. 33). A palavra mundo
aponta aqui e no versículo anterior aos cuidados mundanos de um lar
comum. A esposa dedica-se em cuidar de seu esposo e filhos como para
o Senhor (Ef 5:22), e estabelece assim um lar cristão. Como Paulo já
disse (v. 14), a santidade da esposa crente impregna sua família, de tal
maneira que até o seu esposo incrédulo é santificado, assim como os seus
filhos.
35. Digo i sto para vosso pr óprio benefício, não para vos limitar,
senão para promover o decoro e a devoção ao Senhor sem que nada vos
distraia.
Com este versículo, Paulo outra vez mostra sua preocupação
pastoral com o bem-estar espiritual da comunidade cristã de Corinto.
Agora se dirige a todos os seus leitores, casados e solteiros, usando seu
pronome (veja-se o v. 32a). Paulo se preocupa com o bem-estar físico e
espiritual de todos os crentes de Corinto. Fala de forma pastoral, usando
a primeira pessoa singular digo (veja-se, p. ex., os vv. 25, 29, 32), e entra
na privacidade de suas vidas só para promover os interesses deles.

101
Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 167. Consulte-
se a Margaret Y. MacDonald, «Women Holy in Body and Spirit: the Social Setting of 1 Corinthians
7», NTS 36 (1990): 161–81.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 363
A expressão grega que traduzimos não para vos limitar, realmente
quer dizer «não vos ponho um laço». A expressão que o grego usa para
laço não volta a ocorrer em todo o Novo Testamento. 102 A frase procede
da linguagem da guerra ou da caça, e aqui se usa de forma figurada. É
como se Paulo dissesse que não quer pôr os coríntios numa correia.
Paulo já se referiu várias vezes à instituição do casamento (veja-se
os vv. 3, 5, 9) e respalda o casamento como um estado ordenado por
Deus (1Co 6:16). O apóstolo afirma que os que receberam o dom da
continência devem dedicar-se totalmente a um serviço que se caracterize
pela disciplina e a devoção ao Senhor. A palavra que traduzi decoro, no
grego é «boa ordem», quer dizer, uma vida apropriada e atrativa. Esta
vida deve mostrar devoção (constância) à obra do Senhor e deve ser uma
vida «sem coisas que distraem». 103
Está Paulo elevando a vida do solteiro acima da do casado? Creio
que não. Ao terminar com este versículo, nada diz do estado matrimonial
dos leitores, pois se dirige a toda a congregação igualmente. Antes, pede
a todos que sirvam ao Senhor de todo coração, o que implica que não
permitam que ninguém os separe do amor de Deus que é em Cristo Jesus
(Rm 8:39). Faz ver que ele respeita a liberdade de cada cristão. Calvino
disse: «Não deveríamos pôr cargas na consciência das pessoas, com a
intenção de manter alguns fora do casamento». 104 Em suma, o Senhor
usa tanto o casado como o solteiro para obter o progresso de seu
cônjuge, mas todos devem estar totalmente consagrados a Ele.

102
BAGD, p. 147; Thayer, p. 106.
103
Consulte-se a David L. Balch, «1 Cor 7:32–35 and Stoic Debates about Marriage, Anxiety, and
Distraction», JBL 102 (1983): 429–39.
104
Calvin, 1 Corinthians, p. 164. Consulte-se O. Larry Yarbrough, Not Like the Gentiles: Marriage
Rules in the Letters of Paul, SBL Dissertations Series 80 (Atlanta: Scholars, 1985), p. 110.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 364
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:32–35
Versículos 32–33
_μερίμνους — este adjetivo composto de _ privativa (=não) e do
verbo μεριμνάω (=preocupar-se, lhe importar a um) comunica a ideia
positiva de estar livre de preocupações.
O significado negativo daria o sentido de irresponsabilidade. O
verbo μεριμν_ aparece em ambos os versículos em sentido positivo.

Versículo 34
κα_ μεμέρισται. καί — «e se divide. Também …». As primeiras
duas palavras formam a conclusão ao versículo precedente (v. 33). Logo
o substantivo _ γυνή é sujeito do verbo μεριμν_ («preocupa-se»), o que
se confirma com o substantivo _ παρθένος (=a virgem). Esta é a leitura
que tem o maior apoio textual de numerosas testemunhas principais, com
a ligeira variação de repetir as palavras _ _γαμος (=a solteira). O apoio
dos manuscritos faz com que os tradutores favoreçam esta leitura.

Versículo 35
πρ_ς τ_ ε_σχημον — a preposição vem seguida do artigo definido e
do adjetivo composto ε_σχημον, o qual aparece sem o substantivo parte.
O adjetivo composto se deriva de ε_ (=bom) e σχ_μα (=comportamento,
proceder), pelo que quer dizer «decente, decoroso» (veja-se 1Co 12:24).
ε_πάρεδρον — este adjetivo composto se deriva de ε_ e do verbo
παρεδρεύω (=sentar-se ao lado de, atender constantemente). O adjetivo
composto denota devoção, mas como adjetivo deve ser traduzido
«constante». 105 Só ocorre uma vez no Novo Testamento.

105
BDF § 117.1
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 365
_περισπάστως — trata-se de um advérbio que ocorre uma só vez na
Escritura. Seu significado é «sem distração». O composto se deriva de av
privativa (=sem) e do verbo περισπάω (=estar distraído).

d. Noivado e casamento. 1Co 7:36–38

Paulo volta a mencionar as virgens em conexão com o casamento.


Explicitamente declara que aquele que casa não peca. Como Paulo tem o
dom do celibato, recomenda-o àqueles que também o receberam. Outros
devem casar, e ao fazê-lo não pecam.
36. Mas se alguém crê que se está comportando de forma desonesta
com sua virgem casadoura — s e suas paixões forem fortes e assim deve
ser — que faça como quer; não peca; que se casem.
Paulo não se expressa com clareza nestes versículos, o que produz
diferentes interpretações. Por exemplo, a quem se refere quando fala de
«alguém» (v. 36)? Aponta ao noivo ou ao pai da virgem? Se for o pai,
por que diz Paulo «Que se casem», quando não nos apresentou o noivo?
Se fala do noivo, por que escreve «decidiu … ficar com sua própria
virgem» (v. 37)? Qual é a tradução correta do versículo 38, «aquele que
se casa com a virgem» (NVI) ou «aquele que a dá em casamento» (RC
1998)? Por último, interpretaremos a passagem de uma perspectiva
oriental antiga, na qual correspondia ao pai fazer os arranjos
matrimoniais de sua filha, ou o explicaremos à luz do que hoje é costume
com relação ao noivado e o casamento? Estudemos os versículos desta
passagem, linha por linha.
a. «Mas se alguém crê que se está comportando de forma desonesta
com sua virgem casadoura». Os irmãos de Corinto devem ter pedido
conselho a Paulo com relação às virgens em idade de casamento. O
apóstolo começa com uma oração condicional que expressa uma
realidade e continua com a palavra alguém. A palavra deve referir-se a
alguém que possui uma virgem, talvez sua noiva. O homem «está se
comportando de forma desonesta» para com a mulher que não está casada
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 366
e está agindo contra o que Paulo exorta que faça cada crente em Corinto:
promover o decoro (v. 35). À luz do uso do grego, a expressão está se
comportando de forma desonesta talvez seja um eufemismo que aponta a
atos sexuais indecentes. 106 Paulo insiste no casamento, quando as
pessoas (especialmente os que estão comprometidos) não podem
controlar-se (v. 9).
b. «Se suas paixões forem fortes e assim deve ser». O sujeito da
cláusula condicional precedente é um homem cuja conduta moral é
questionável. Por isso, cremos que nesta oração condicional o sujeito é o
mesmo. A natureza íntima do assunto faz com que Paulo fale de forma
condicional, usando a partícula se. No grego, o termo hyperakmos
poderia significar: «idade na qual o tempo de casar passou» (com
referência à mulher) ou «com forte paixão» (com relação ao homem).107
Escolhemos o último sentido. Paulo acrescenta «e assim deve ser», o que
provavelmente quer dizer que o impulso sexual dominou esse homem e o
obriga a casar.
c. «Que faça como quiser; não peca; que se casem». Paulo já tinha
dado a mesma receita: «Que se casem» (v. 9), «no caso de que se case,
não peca» (v. 28). O sujeito da oração é o noivo e sua prometida, a quem
Paulo aconselha que se casem.
37. Mas aquele que está firme em seu coração e não tem necessidade,
mas tem os seus desejos sob controle e d ecidiu em seu próprio coração
ficar com sua própria virgem, faz bem.
a. «Mas aquele que está firme em seu coração e não tem
necessidade, mas tem os seus desejos sob controle». Agora Paulo trata o
caso do homem que decidiu não casar, seja por pressões econômicas ou
sociais. Este homem tem a força interna para manter seus desejos sob

106
P. ex., o adjetivo grego _σχήμονα aponta às «partes inapresentáveis [ou particulares]» (1Co 12:23).
E o substantivo _σχημοσύνη refere-se a atos homossexuais indecentes (Rm 1:27; cf. Ap 16:15).
107
Bauer faz notar que quando a palavra aplica-se ao homem, «não se deve entender _πέρ em sentido
temporal, e sim como expressando intensidade» (BAGD, p. 839). Mas Parry observa que a palavra
«não fala de excesso, mas antes, da debilitação da paixão». First Epistle to the Corinthians, p. 121.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 367
controle. Nisto é como Paulo, que tem o dom da continência (v. 7).
Outras traduções leem: domina sua própria vontade (p. ex., NVI, cf. BP,
LT). A palavra grega thelema tem tanto um significado objetivo («o que
alguém quer que suceda») como um subjetivo («a ação de querer ou
desejar»). 108 No presente caso, preferimos a interpretação subjetiva que,
segundo o contexto, aqui aponta ao desejo sexual (cf. Jo 1:13).
b. «E decidiu em seu próprio coração ficar com sua própria virgem,
faz bem». Primeiro, Paulo reitera o que disse no princípio deste
versículo, e acrescenta: «decidiu». O homem sopesou todos os fatores
disponíveis e chegou à firme conclusão de que não se casará. Segundo, o
apóstolo diz que este homem determinou «ficar com sua própria
virgem». O que quer dizer com isso? Mateus relata que José, que estava
comprometido com Maria, «não teve relações conjugais com ela até que
deu à luz um filho» (Mt 1:25). Entre os judeus, o noivado era tão
definitivo como o casamento, e não se podia romper o compromisso.
Segundo a lei judaica, se o compromisso chegava a terminar-se, o
homem estava obrigado a manter a virgem por um ano. 109 Mas o
problema era que a igreja de Corinto não era exclusivamente judia; não
sabemos se a lei judaica regia em Corinto. Paulo louva o homem que
respeita a virgindade de sua noiva e pospõe o casamento devido à crise
atual (v. 26).
38. Assim que, aquel e que casa com sua noiva faz bem, mas aquele
que não se casa faz melhor.
Aqui escutamos o eco do que Paulo disse anteriormente (vv. 8, 9),
quando louvou o casamento e exaltou o celibato. O celibato deve
entender-se sempre em conexão com o dom especial da continência. Não
é para todos.
Esta seção (vv. 36–38) é interpretada de diversas formas, por causa
do versículo 38, onde ocorre duas vezes o verbo grego gamizō (=dar em

108
BAGD, p. 354.
109
Werner Georg Kümmel, «Verlobung und Heirat bei Paulus (1 Kor 7:36–38)», ZNW 21 (1954):
275–95; Samuel Belkin, «The Problem of Paul’s Background», JBL 54 (1935): 49–52.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 368
casamento). Gamizō aparece junto ao verbo grego gameō (=casar) na
declaração «casar e dar em casamento». 110 Paulo usa o verbo gameō no
versículo 36 e o verbo gamizō no versículo 38. A pergunta é se estes dois
verbos sempre diferem em significado ou algumas vezes são sinônimos.
Os eruditos afirmam que no tempo apostólico as claras distinções
do grego clássico se debilitaram, produzindo-se uma sinonímia de
significado entre ambos verbos. 111 Se este não fosse o caso, o verbo
gamizō deve ser interpretado no sentido de que um pai dá a sua filha em
casamento. Mas se for adotada esta interpretação, a passagem enche-se
de problemas. O sujeito de toda a passagem, não parece ser o pai da
noiva, mas o homem que planeja casar ou pospor seu casamento.
Portanto, os tradutores de hoje creem que os dois verbos são sinônimos,
tendo ambos o sentido de «casar». 112 Colin Brown caracteriza esta
tendência de hoje, quando escreve: «Esta interpretação implica que não
há uma mudança de sujeito no versículo 36, e oferece uma avaliação
realista da situação». 113 Mas o inconveniente desta interpretação radica
em nosso desejo de fazê-lo pertinente aos tempos e cultura em que hoje
vivemos. Tudo isso difere do tempo apostólico e da cultura de Corinto,
na qual os pais tomavam parte em fazer as decisões.

Nota adicional sobre 1Co 7:36–38


Os problemas envoltos na tradução desta passagem produziram
grandes diferenças de interpretação. Podem-se mencionar três
alternativas: pai-filha; casamento espiritual; e o casal de noivos.

110
Mt 22:30; 24:38; Mc 12:25; Lc 17:27; 20:35.
111
Consulte-se James Hope Moulton e Wilbert Francis Howard, A Grammar of New Testament Greek,
vol. 2, Accidence and Word-Formation (Edimburgo: T & T Clark, 1929), p. 410. Veja-se também
MM, p. 121.
112
Consulte-se NVI, BJ, NBE, BP, CI, LT, VP, NTT.
113
Colin Brown, NIDNTT, vol. 2, p. 588.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 369
a. Pai-filha. Esta é a explicação tradicional que ainda se propõe o
dia de hoje. 114 Para esclarecer palavra virgem (vv. 36, 38), alguns
tradutores suprem a palavra filha (RA, TB). Mas assim é difícil explicar
a frase «que se casem» (v. 36), quando só se menciona o pai e a filha. O
problema se amortece aceitando uma variante que lê «que ela case» ou
afirmando que o plural «casem» é elíptico e quer dizer: «que ela e seu
pretendente casem». 115 Porém no versículo 36, Paulo ainda não disse
nada sobre o noivado. Quanto a atual crise (v. 26), a grande aflição para
os casados (v. 28) e o brevidade do tempo (v. 29), esperaríamos que os
pais aconselhassem as suas filhas solteiras a não se casarem. E tal
conselho não seria uma conduta desonesta da parte dos pais.
Além disso, se Paulo tivesse querido comunicar a ideia pai-filha
que se propõe, não era necessário sublinhar que o pai determinou «ficar
com sua própria virgem», pois não se mencionam outras virgens na
passagem.
Por último, o verbo gamizō tem força causativa: «fazer casar». A
isto se deve responder que é questionável a ideia de que este verbo
sempre seja causativo. Por que estaria um pai tão preocupado por dar em
casamento a sua filha virgem, se ela já passou a idade casadoura? Seria
como fútil. John C. Hurd, Jr., observa habilmente que «a tradução
causativa de gamizō nunca se pôs em dúvida», se a passagem tivesse
estado livre de dificuldades. 116
b. Casamento espiritual. Alguns estudiosos creem que um jovem
toma uma jovem sob seu cuidado e vive com ela em harmonia espiritual,

114
Consulte-se RV60, CB, VM. Veja-se também Morris, First Epistle to the Corinthians, pp. 116–
119.
115
Archibald Robertson e Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle
of St. Paul to the Corinthians, na série International Critical Commentary, 2ª. ed. (1911; reimpresso
por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 159.
116
Hurd, Origin of 1 Corinthians, p. 174. Consulte-se David E. Garland, «The Christian’s Posture;
Toward Marriage and Celibacy: 1 Corinthians 7», RevExp 80 (1983): 351–62.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 370
117
mas sem unir-se fisicamente. Neste caso, ao jovem custa controlar-se
a si mesmo, pelo que Paulo lhe recomenda entrar numa relação
matrimonial normal. Mas Paulo afirma que é melhor se o jovem tiver o
dom da continência e não se casa com a virgem.
Esta interpretação se baseia em práticas que vieram depois na
história da igreja. Não existe evidência de que esta prática estivesse
operando nos meados do primeiro século, e este fator debilita
grandemente a possibilidade de que o texto aponte ao casamento
espiritual. Além disso, a própria passagem (vv. 36–38) não dá nenhuma
pista de que Paulo esteja pensando em algum casamento espiritual. 118
Finalmente, mesmo no caso de que o jovem seja capaz de controlar seus
apetites, poderia ocorrer que sua virgem não seja capaz. Neste caso
estaria indo contra um conselho que Paulo já tinha expresso (v. 9).
Quando se examina a teoria do casamento espiritual, é preciso lembrar a
linguagem descritiva que Paulo usa ao falar dos deveres conjugais do
esposo e da esposa (vv. 2–5).
c. O casal de noivos. Um jovem está comprometido com uma
jovem; por algumas condições sociais decidiram pospor o casamento.
Mas os apetites físicos estão dominando o jovem. Para solucionar o
problema, Paulo aconselha ao jovem que se case. Paulo lhe assegura que
ao fazê-lo, não peca. Mas se pode controlar-se a si mesmo e decide
pospor o casamento, Paulo aprova tal decisão.
Esta é a melhor interpretação das três. Porém, nem por isso carece
de problemas. A dificuldade é que aqui se tende a interpretar o texto em
termos de nossa própria cultura e tempo. Como este texto particular está
envolto em muitas incertezas, o melhor é não ser dogmáticos.

117
Veja-se, p. ex., Clarence T. Craig, The First Epistle to the Corinthians, vol. 10 em The
Interpreter’s Bible (Nova York: Abingdon, 1953), p. 88; Jerome Murphy-O’Connor, 1 Corinthians,
série New Testament Message (Wilmington, Del.: Glazier, 1979), p. 75.
118
Ronald H.A. Seboldt, «Spiritual Marriage in the Early Church: A Suggested Interpretation of 1
Cor. 7:36–38», ConcThMonth 30 (1959): 103–19; 176–89.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 371
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 7:36–38
Versículo 36
ε_ δέ τις … νομίζει — a partícula ε_ seguida de um verbo no
indicativo, parece indicar de que Paulo está familiarizado com a
situação: «Se alguém pensar».
__ν _ — dentro da oração condicional, Paulo cria uma segunda
condição, mas agora escreve _άν seguido do subjuntivo _ do verbo ser.
O sujeito é o mesmo que o da oração anterior: «alguém».

Versículos 37–38
_αυτού — o pronome reflexivo perdeu sua força e é usado com o
mesmo sentido que α_τού («dele»).
_στε — aqui é uma partícula consecutiva: «e assim», «como
resultado». 119

e. Votos conjugais. 1Co 7:39-40

Paulo abordou os temas do casamento, o divórcio, a separação, as


virgens e o noivado. Mas à parte de mencionar uma vez a palavra viúvas
(v. 8), não disse nada a respeito desta classe. Assim que, em suas últimas
observações sobre o casamento dedica dois breves versículos às viúvas.
39, 40. Porque um a mulher est á atada enquanto o s eu esposo vive.
Mas se o seu esposo morrer, está em liberdade para casar com quem
quiser, somente no Senhor. Em minha op inião, é mais feliz se ficar como
está. E penso que eu também tenho o Espírito de Deus.
a. «Porque uma mulher está atada enquanto o seu esposo vive». 120
Embora entregues num contexto diferentes, estas palavras se parecem

119
Moule, Idiom-Book, p. 144.
120
O Texto Majoritário acrescenta pela lei depois do verbo está atada (veja-se RV60). Mas isto
parece haver-se acrescentado por influência de Romanos 7:2. Os manuscritos mais antigos e de uma
área geográfica mais extensa não registram este acréscimo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 372
com Romanos 7:2. Ali Paulo fala da lei, dizendo: «Pela lei uma mulher
casada está atada ao seu marido, enquanto este vive. Mas se o seu marido
morre, ela fica livre da lei do casamento». Aqui Paulo afirma que o laço
matrimonial é válido para a esposa enquanto seu esposo vive; por
implicação, o vínculo é igualmente válido para o esposo, enquanto a
esposa vive. Segundo as palavras de Jesus, o compromisso matrimonial
não é momentâneo, e sim para toda a vida (veja-se o v. 10; Mt 19:6). Só
a morte liberta o cônjuge do vínculo conjugal que une à esposa e ao
esposo. O divórcio está contra o mandamento do Senhor, como Paulo já
o fez notar (vv. 10, 11). Não precisa repeti-lo, mas discute agora as
segundas núpcias da viúva.
b. «Mas se o seu esposo morrer, está em liberdade para casar com
quem quiser, somente no Senhor». Paulo usa um eufemismo, quando
literalmente diz: «se o esposo dormir». 121 Não coloca restrição alguma à
viúva. De fato, em outro lugar insiste com a viúva jovem a casar-se outra
vez (1Tm. 5:14). Contudo, algumas viúvas escolhem não voltar a casar-
se, como a profetiza Ana, por exemplo (Lc 2:36–37). Nos segundo e
terceiro séculos, um líder proeminente exigia que as viúvas não se
casassem, o qual era adultério, segundo ele. 122 Em contraste, Paulo
afirma que a viúva é livre para voltar a casar-se, com apenas uma
condição: que seu futuro esposo seja crente. Ao acrescentar esta
estipulação, Paulo faz notar que um cristão tem uma forma de vida
diametralmente oposta à do incrédulo. No casamento, o esposo e a
esposa devem ser um no Senhor.
c. «Em minha opinião, é feliz se ficar como está». Este conselho
parece sugerir que a mulher não casada é mais feliz que a casada. Mas
quando chegam os momentos de tristeza, solidão e dificuldades, a
felicidade é um sonho fugaz. Por outro lado, o voltar a casar-se implica
entrar na família do esposo, o que pode causar muitas dificuldades e

121
Cf. 1Co 11:30; 15:6,18,20,51; 1Ts 4:13–15.
122
P. ex., Tertuliano; Johannes B. Bauer, «Was las Tertullian 1 Kor 7:39?» ZNW 77 (1986): 284–87.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 373
tristezas. Na opinião de Paulo, é melhor que a viúva fique como está.
Isto a manterá mais feliz que se casar e encontrar problemas. Paulo
qualifica sua opinião usando as palavras em minha opinião. Repete o que
já disse em outro versículo (v. 25), quando falou das virgens. Agora
aconselha às viúvas, mas também revela que ao dar sua opinião possui o
Espírito de Deus.
d. «E penso que eu também tenho o Espírito de Deus». Paulo fala
com autoridade apostólica, e em suas epístolas expressa a confiança que
tem em si mesmo, por causa da morada do Espírito Santo. Em muitos
lugares de suas cartas expressa esta confiança interna. Devido à sua
posição e confiança estabelece uma relação de harmonia com seus
leitores, ganhando seu respeito. Eles reconhecem que é competente e
confiável e apoiam sua autoridade e credibilidade. 123 Quando Paulo tem
um mandamento que vem diretamente do Senhor, espera que os crentes
obedeçam. Mas quando oferece sua própria opinião, mesmo quando
experimenta o poder do Espírito Santo, refreia-se de insistir em que o
acatem. 124 Contudo, seu conselho é mais que uma simples opinião
pessoal. Tem o apoio da influência do Espírito de Deus.

Resumo de 1Corintios 7
Paulo toma a carta que recebeu dos coríntios e cita uma linha que
promove o celibato. Seu conselho é que, devido à imoralidade, o homem
tenha sua esposa e que a mulher seu esposo. No casamento, os cônjuges
não devem privar-se um do outro, descuidando a intimidade conjugal. Os
casais que queiram dedicar algum tempo à oração, se quiserem podem
abster-se das relações sexuais, mas depois devem reatar suas relações
normais.
Os que não estão casados e as viúvas devem ficar como estão, só se
tiverem o dom da continência. Se este não for o caso, devem casar. Paulo

123
Stanley N. Olson. «Epistolary Uses of Expressions of Self-Confidence», JBL 103 (1984): 585–97.
124
Guthrie, New Testament Theology, p. 769.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 374
usa um mandamento do Senhor para atacar o divórcio. Mesmo em
famílias em que um cônjuge é crente e o outro não o é, o casal deve
permanecer junto e não pensar na separação. Se o incrédulo for embora
por decisão própria, então a esposa já não está obrigada aos seus votos
conjugais, mas é aconselhada a viver em paz.
Todos devem estar contentes com o lugar que ocupam na vida a que
Deus os chamou. Esta é uma regra que Paulo ordena em todas as igrejas.
Ilustra-o com a circuncisão e a incircuncisão, a escravidão e a liberdade.
Outra parte da discussão de Paulo tem que ver com as virgens.
Relaciona o celibato e o casamento com a crise presente e afirma que
casar não é pecaminoso. Adverte os que se casam que terão muitos
problemas porque o tempo em que vivem foi abreviado. Diz-lhes que o
mundo na forma em que eles o conhecem está passando.
Paulo faz ver que o solteiro tem mais tempo que entregar ao serviço
do Senhor que o casado que tem que prover para as necessidades da
família. Insiste com todos a viver para o Senhor sem distrações. Paulo
aconselha que se um homem não pode controlar-se a si mesmo quanto à
sua virgem, que se case, e afirma que o tal não peca. Mas se um homem
é capaz de controlar seu desejo e decide não casar, faz o correto. Paulo
termina seu discurso sobre o casamento referindo-se aos votos conjugais
que são para toda a vida e que só cessam com a morte de um dos
cônjuges. Declara que a viúva tem a liberdade de voltar a casar-se no
Senhor, mas a aconselha que fique como está e seja feliz.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 375
1 CORÍNTIOS 8
COMIDA OFERECIDA A ÍDOLOS (1CO 8:1–13)
No capítulo precedente, Paulo discutiu o problema do casamento.
Agora aborda um problema ético e religioso: pode um cristão comer a
carne que foi oferecida a um ídolo? O assunto diz respeito à vida social e
doméstica de muitas famílias crentes que deviam decidir se comeriam ou
não com suas amizades não cristãs.
Nos dias de Paulo, os sacrifícios pagãos eram atos religiosos que
envolviam toda a família. Eram trazidos animais para que os sacerdotes
os sacrificassem em honra aos ídolos. Algumas partes do animal eram
queimadas no altar, outras pertenciam ao sacerdote e o resto da carne
consagrada voltava para a família que tinha oferecido o animal em
sacrifício. A família convidaria familiares e amigos à festa. Entre eles
estavam os cristãos. Às vezes, a carne consagrada era vendida no
mercado, onde os crentes a compravam para consumi-la em casa.
Os membros da igreja de Corinto enfrentavam a pergunta se estava
certo que eles comessem a carne que tinha sido consagrada a um ídolo
num templo pagão. Tinham liberdade para assistir essas festas? Podiam
recriar-se em nome da liberdade cristã (veja-se 1Co 6:12; 10:23)?
Enquanto alguns crentes não tinham problemas de consciência, para
outros era todo um problema (1Co 8:7). Um grupo podia dizer ao outro:
«Não sejas demasiadamente justo», enquanto o outro grupo podia
responder: «Não sejas demasiadamente perverso» (Ec 7:16, 17).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 376
1. Conhecimento. 1Co 8:1–3

1. Agora, quanto à comid a oferecida a ídol os, sabemos que «todos


temos conhecimento». O conhecimento infla, mas o amor edifica.
a. «Agora, quanto à comida oferecida a ídolos». Com a frase Agora,
quanto à (veja-se 1Co 7:1, 25; 12:1; 16:1, 12), Paulo aborda outra das
consultas contida na carta que recebeu dos coríntios. A expressão comida
oferecida a ídolos é uma referência direta às instruções que o concílio de
Jerusalém entregou aos cristãos gentios. Receber a ordem para abster-se
de comida que tivesse sido oferecida a ídolos (At 15:29; 21:25; Ap 2:14,
20). Entende-se que os gentios cristãos debatiam sobre se esse
mandamento era flexível ou exaustivo.
É de esperar-se que os cristãos judeus só consumissem comida
kosher, embora podiam comer com os cristãos gentios (Gl 2:11–14).
Também estava o caso do irmão de consciência fraca (vv. 7–13), que não
sabia o que fazer. Em suma, na igreja de Corinto debatiam
acaloradamente o tema da comida oferecida a ídolos. Paulo dedica
bastante espaço de sua carta para tratar o espinhoso tema da liberdade
cristã com relação à comida que se comia num contexto judeu-gentio
(1Co 10:14–33).
b. «Sabemos que ‘todos temos conhecimento’». Os estudiosos
concordam em que a última parte desta oração é uma citação da carta
que os coríntios tinham enviado a Paulo. 1 Em seu debate com os
coríntios, Paulo emprega o verbo conhecer ao longo de toda esta epístola
(p. ex., 1Co 1:16; 3:16; 6:2, 3; 8:1, 4). Os cristãos de Corinto se jactavam
de seu conhecimento. Note-se de que não dizem: «temos conhecimento»,
mas afirmam que em todas as partes e na comunidade de Corinto todos
os crentes têm conhecimento. 2

1
P. ex., Gordon D. Fee The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary
on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 365; e as versões NBE, BP.
2
Jerome Murphy-O’Connor, «Freedom of the Ghetto (1 Cor. 8,1–13; 10,23–11,1)», RB 85 (1978):
545.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 377
Embora Paulo não explique o termo conhecimento, o contexto nos
entrega os seguintes fatos: os coríntios criam que os ídolos não eram
nada e que só havia um Deus (v. 4). Sabiam, pois, que este Deus era o
Pai e que este Senhor era Jesus Cristo (v. 6). Paulo lhes lembra
sobriamente que nem todos têm este conhecimento (v. 7). No entanto, se
os coríntios exaltarem o conhecimento, Paulo tem algo a dizer.
c. «O conhecimento infla, mas o amor edifica». Paulo já tinha
tocado o tema num contexto anterior, quando felicitou seus leitores por
possuir este tesouro (1Co 1:5). Mas agora afirma que o conhecimento
leva à arrogância, a qual deveria estar ausente do estilo de vida cristão
(v. 11; 1Co 13:2). Um cristão deve começar com o amor. É capaz de
edificar sua vida cristã só sobre o fundamento do amor. O conhecimento
sem amor envaidece. O amor nunca é arrogante (1Co 13:4), mas sempre
construtivo. Isto implica que o conhecimento subordinado ao amor é útil.
2, 3. Se al guém supõe que sabe algo, ainda não sabe com o deveria
saber. Mas se alguém ama a Deus, é conhecido por Deus.
Devemos observar duas coisas:
a. Conhecimento. Paulo continua respondendo à carta que recebeu
dos coríntios. Reage à atitude daqueles que creem que o conhecimento é
tudo. A ênfase recai sobre o verbo supor, o qual revela a atitude
arrogante dos coríntios que glorificavam o conhecimento. Em outra parte
desta carta, Paulo faz ver que o conhecimento passa, porque é
incompleto e imperfeito (1Co 13:8–10). Por si mesmo o conhecimento é
limitado em seu enfoque, extensão e profundidade.
Na primeira oração do original, Paulo usa o verbo conhecer no
tempo perfeito. Com este tempo, indica que a pessoa que se imagina que
possui conhecimento, o acumulou e aperfeiçoou por algum tempo. O
resultado é que essa pessoa crê que sabe tudo. Mas Paulo não quer saber
nada de uma atitude semelhante e põe ao solo essa pessoa, dizendo:
«ainda não sabe como deveria saber». Paulo já havia dito aos coríntios:
«Se algum de vós se crê sábio neste século, que se faça néscio para
chegar a ser sábio» (1Co 3:18; veja-se também Gl 6:3).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 378
Qual é, então, o princípio do verdadeiro conhecimento? João
Calvino faz notar que o fundamento do conhecimento verdadeiro é o
conhecimento pessoal de Deus. 3 Somos capazes de reconhecer esse
conhecimento quando vemos que na vida de alguém se mostram a graça,
a humildade, a integridade e a obediência. O crente admite suas
limitações quando confessa que só Deus tem conhecimento e sabedoria
infinita. Assim que Paulo insiste com os coríntios a reconsiderarem a
ideia que têm do conhecimento e que entendam o que deveriam saber.
Devem notar que todo conhecimento é derivativo e procede de Deus
através de Jesus Cristo. Todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento de Deus estão entesourados em Cristo (Cl 2:3). Portanto, o
verdadeiro conhecimento tem uma dimensão espiritual que o relaciona
com Deus, quem baseia o conhecimento no amor. Por si só o
conhecimento não é mau; por certo, é essencial à vida. Mas quando uma
pessoa não vincula o conhecimento ao amor divino, engana-se e fracassa
totalmente.
b. Amor. «Mas se alguém ama a Deus, é conhecido por Deus». O
conhecimento humano é temporal, enquanto o amor divino é eterno.
Aqui Paulo conecta ambos os conceitos, dando a entender que o
ingrediente essencial do conhecimento é o amor. Sem amor verdadeiro, o
conhecimento deixa de ser significativo. Mas o crente que ama a Deus
compreende plenamente que ele é conhecido por Deus. Isto não quer
dizer que Deus reconhece o homem em virtude do amor que o homem
tem a Deus. A iniciativa está em Deus, não no homem. G. G. Findlay nos
provê um delicioso resumo: «Paulo não atribui nada a alguma realização
humana; a religião é um presente, não uma aquisição; nosso amor ou
conhecimento é o reflexo do amor e do conhecimento divino que nos é
dirigido». 4 De fato, o verbo passivo é conhecido no grego está no tempo

3
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 172.
4
G. G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 379
perfeito, o que implica que o ato cognitivo ocorreu no passado, mas tem
um resultado que é evidente no presente.
Duas últimas observações são necessárias com relação a esta seção.
Primeiro, a mensagem do versículo 3 com sua ênfase no amor forma um
contraste com o versículo 2 e sua ênfase no conhecimento. Segundo, a
última parte do versículo 3 é uma breve digressão do tema que Paulo
quer tocar, ou seja, a comida oferecida aos ídolos. A digressão deve-se a
que Paulo queria sublinhar a verdade bíblica que Deus mostrou ao Seu
povo (cf. Êx 33:12, 17; Gl 4:9; 1Jo 4:19).

Considerações práticas em 1Co 8:1–3


No primeiro século, quando as pessoas pediam para ser admitidas
como membros da igreja, era-lhes ensinado as verdades do cristianismo e
eram batizavas. Estas verdades tinham que ver com o ensino elementar
sobre Cristo (Hb 6:1, 2), ao qual foi acrescentado mais tarde o Credo
Apostólico e o Pai Nosso. Do sexto século até o século dezesseis, a
instrução da fé cristã era comunicada principalmente no círculo familiar.
Na Reforma foi necessário escrever numerosos catecismos. Em
1529 Martinho Lutero escreveu seus dois catecismos, o menor e o maior,
a fim de instruir o povo que era ignorante dos ensinos básicos do
cristianismo. João Calvino compôs um catecismo em 1536 e cada
semana educava diligentemente as pessoas de Genebra. O Catecismo de
Heidelberg (1563) chegou a ser o manual autorizado de instrução nas
congregações da Alemanha, dos Países Baixos e dos Estados Unidos da
América. Na Inglaterra, os teólogos de Westminster escreveram os
catecismos maior (1647) e menor (1646). Estas ferramentas educacionais
foram desenhadas para inculcar a fé cristã, especialmente nos corações e
mentes dos filhos dos crentes e dos interessados na fé.

1961), p. 840. Embora Fee prefira a leitura mais curta e por um sentido distinto, carece do apoio das
traduções. First Corinthians, pp. 367–368.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 380
Através dos séculos que se seguiram à Reforma, os mestres destes
catecismos foram usados para comunicar conhecimento bíblico. Em
certos períodos a instrução tornou-se um mero exercício intelectual
separado da fé e amor genuínos. Por conseguinte, glorificou-se o
conhecimento, o que resultou no estancamento da igreja.
Em épocas recentes, no entanto, a igreja não enfrenta o problema de
falta de amor, mas de conhecimento. O problema atual dos membros da
igreja não é a soberba intelectual, mas a ignorância bíblica. Já não se está
passando às novas gerações a rica herança do passado. Muitos membros
da igreja quase não conhecem outra coisa que o Credo Apostólico, o Pai
Nosso e os Dez Mandamentos. Por causa deste analfabetismo espiritual,
a necessidade maior da igreja é uma sólida instrução nas verdades da
Palavra de Deus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 8:1–5


Versículo 1
ε_δωλοθύτων — trata-se de um adjetivo verbal substantivado que
está no caso genitivo, neutro plural. O adjetivo se deriva do substantivo
ε_δωλον (=ídolo) e do verbo θύω (=sacrificar). O termo aponta a carne
que foi sacrificada a um ídolo e que é comida em festas religiosas ou
vendida no mercado. 5 Seu sinônimo _ερόθυτον (=carne sacrificada à
uma divindade) aparece em 1Co 10:28.
_ γν_σις — no presente texto, o substantivo conhecimento é um
atributo do homem, não de Deus. Alguns eruditos creem ver uma
conexão entre a situação de Corinto e o movimento gnóstico do segundo
século. Contudo, a única coisa que se pode afirmar com certeza é que
nos meados do primeiro século, por aqui e por lá começava a ver os
primeiros sinais de um gnosticismo incipiente. As epístolas de João

5
Consulte-se Gordon D. Fee, «Eidōlothyta Once Again: An Interpretation of 1 Corinthians 8–10», Bib
61 (1980): 172–97.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 381
mostram que a fins do primeiro século a heresia gnóstica tinha entrado
na igreja. Porém nos tempos de Paulo o gnosticismo estava ainda numa
etapa de gestação. 6

Versículos 2–3
_γνωκέναι — é o infinitivo perfeito, voz ativa, de γινώσκω
(=conhecer) e denota uma ação que efetuada no passado, tem
consequências no presente.
_γνω — o tempo aoristo deste verbo é ingressivo («começou a
conhecer») e vem qualificado pelo advérbio ainda não.
_γνωσται — este verbo no tempo perfeito não está em voz média, e
sim na voz passiva: «é conhecido [por Deus]». O verbo é sinônimo com
os verbos chamado e eleito por Deus (Rm 8:28–30).

2. Unidade. 1Co 8:4–6

4. Como dizia, quanto a comer a comida oferecida a ídolos, sabemos


que «não existe tal coisa como um í dolo neste m undo» 7 e que «não há
Deus senão um».
a. «Como dizia, quanto a comer a comida oferecida a ídolos». Nesta
seção, Paulo repete o tema que começou anteriormente (v. 1) e
novamente toma o tema da comida oferecida aos ídolos. É um problema
oneroso para os leitores e complicado para Paulo, pois tem que
responder a uma comunidade composta de gente dividida e distinta.

6
Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, editado por
George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia: A Critical and Historical
Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), pp. 15, 140. Para alguns dos eruditos que
creem que alguns dos coríntios eram gnósticos, veja-se Walter Schmithals Gnosticism in Corinth: An
Investigation of the Letters to the Corinthians, traduzido por John E. Steely (Nashville and Nueva
York: Abingdon, 1971), pp. 225–237; R. A. Horsley, «Consciousness and Freedom among the
Corinthians: 1 Corinthians 8–10», CBQ 40 (1978): 574–89; e «Gnosis in Corinth: 1 Corinthians 8.1–
6», NTS 27 (1981): 32–51.
7
BAGD, p. 446.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 382
Muitos membros tinham raízes no paganismo e precisavam que Paulo os
guiasse para poder enfrentar o problema de comer carne que procedia de
um templo pagão.
b. “Sabemos que «não existe tal coisa como um ídolo neste
mundo»”. 8 Outra vez Paulo cita a carta que recebeu dos coríntios.
Começa o tema com a mesma frase que usou anteriormente (v. 1) e diz:
«Sabemos». Paulo repete uma verdade espiritual que os coríntios
aprenderam da Escritura e que agora emerge na carta: um ídolo não é
nada (veja-se Is 44:12–20). O salmista compara ao Deus de Israel com os
ídolos, dizendo: “Mas seus ídolos são de ouro e prata, produto das mãos
humanas. Têm boca, porém não podem falar; olhos, porém não podem
ver; têm ouvidos, porém não podem ouvir; nariz, porém não podem
cheirar; têm mãos, porém não podem apalpar; pés, porém não podem
andar; nem um só som emite sua garganta! Semelhantes a eles são seus
criadores, e todos os que confiam neles.” [Sl. 115:4–8, veja-se Sl.
135:15–18]
c. “E que «não há Deus senão um».” Esta parte do versículo
também foi tomada da carta que os coríntios enviaram a Paulo. É um eco
do ensino bíblico de que só há um Deus. Isto se resume no credo
hebraico: «Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR»
(Dt 6:4; veja-se Sl. 86:10; Is 44:8; 45:5). Os judeus recitavam este credo
duas vezes por dia, pela manhã e à tarde. A igreja herdou este credo dos
judeus, sem recitá-lo de manhã e de tarde.
Os coríntios confessam sua crença de que Deus é um; por essa
razão, dizem eles, nenhum ídolo realmente existe. Os coríntios
raciocinam que se os ídolos não existirem, mas só temos objetos
inanimados confeccionados de madeira, pedra ou metal, então são livres

8
Literalmente, «um ídolo é nada no mundo». Num contexto judaico-cristão, a palavra mundo aponta à
criação e serve como um substituto de «existência». Muitas versões optam por usar algo assim.
Consulte-se Murphy-O’Connor, «Freedom of the Ghetto», p. 546.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 383
9
de comer a carne que foi sacrificada a esses ídolos. Creem que sua
liberdade cristã lhes dá liberdade para comer.
5. Porque mesmo se houver os assi m chamados deuses, se ja no céu
ou na terra, como por certo há muitos deuses e muitos senhores.
Neste versículo, Paulo escreve a primeira parte de uma oração
concessiva, mas ele a deixa incompleta. No versículo 6 começa uma
nova oração. Isto se deve à estrutura poética do versículo 6 e a falta de
uma transição suave entre ambos versículos.
O que quer dizer Paulo, quando afirma que estão os assim
chamados deuses no céu ou na terra? Não contradiz assim a confissão
que os coríntios acabam de fazer com relação a que só há um Deus? De
maneira nenhuma. Paulo usa vocabulário gentílico quando fala de deuses
no céu ou na terra. Mas ao introduzir a expressão os assim chamados põe
em tela de juízo a realidade destes «deuses». Bem como o salmista,
Paulo repudia os deuses que os gentios adoram. 10 Afirma que esses
deuses só existem em nome; carecem de autenticidade. Não podem
pretender ser divinos, porque só Deus governa supremo nos céus e na
terra. Embora o povo gente adora a Satanás, a quem Jesus chamou
príncipe deste mundo (Jo 12:31; 14:30; 16:11), Satanás não é nem jamais
chegará a ser divino.
Os gentios adoravam numerosos deuses e senhores. Adoravam
deuses que habitavam no céu, na terra e o mar. 11 A expressão senhores
talvez aponta a seres espirituais de menor posição e que se viam como
subordinados aos deuses.
6. contudo, para nós há um De us, o Pai, de quem procedem todas as
coisas e para quem vivemos, e um Se nhor Jesus C risto, através do qu al
são todas as coisas e através de quem vivemos.

9
Veja-se Bruce W. Winter, «Theological and Ethical Responses to Religious Pluralism—1
Corinthians 8–10», TynB 41.2 (1990): 209–26.
10
Veja-se, p. ex., Sl. 82:1,6; 95:3; 96:4; 97:9; 136:2; 138:1.
11
Refira-se a John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T.
Lewis e Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 208.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 384
Como este versículo aparece na forma de um credo, os eruditos
discutem se foi Paulo quem o compôs. Alguns opinam que ele é o
autor, 12 enquanto outros creem que tomou emprestado. 13 Escreveu Paulo
estas palavras ou está citando uma fórmula confessional que era comum
na comunidades judaicas helênicas da igreja cristã? A evidência não é
concludente. Não obstante, em suas cartas Paulo demonstra que tem a
habilidade de compor afirmações doutrinais, o que não nos permite
excluir a possibilidade de uma autoria paulina. Por exemplo, Paulo é
capaz de dar expressão a suas declarações doutrinais sobre a ressurreição
dos mortos (p. ex., veja-se 1Co 15:12–18, 42–44).
a. «Contudo, para nós há um Deus, o Pai». Paulo contrasta o único
Deus e Pai com os chamados deuses. Os pagãos tinham deuses no céu,
na terra e no mar. Paulo afirma, no entanto, que nosso Deus é um e que
não está confinado a um lugar, mas está em todas as partes (cf. Sl.
139:7–10).
Nos evangelhos e ainda no livro de Atos (1:4, 7), Jesus ensina os
Seus discípulos a se dirigirem a Deus chamando-o Pai (Mt 6:9). Quando
se refere a Deus, repetidamente usa esse apelativo. Deus e o Pai são um.
O apóstolo nota deste modo que Deus é Pai tanto de Jesus como dos
crentes. 14 Com o termo Pai, Paulo sugere o conceito de família e nos dá
a entender que somos filhos de Deus.
b. «De quem procedem todas as coisas e para quem vivemos».
Quando Paulo se dirigiu aos gentios de Listra e Atenas, ensinou-lhes que
Deus criou o mundo (veja-se At 14:15–17; 17:24–31). Paulo instrui
doutrinalmente os cristãos de Corinto, dizendo algo que corresponde ao
que disse no Areópago: «Dele somos descendentes» (At 17:28).

12
P. ex., Fee, First Corinthians, p. 374; Archibald Robertson e Alfred Plummer, A Critical and
Exegetical Commentary on the First Epistle of St. Paul to the Corinthians, na série International
Critical Commentary, 2ª. ed. (1911; reimpresso por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 168.
13
Por exemplo, Jerome Murphy-O’Connor, «1 Cor. 8,6: Cosmology or Soteriology», RB 85 (1978):
253–67; R. A. Horsley, «The Background of the Confessional Formula in 1 Kor 8.6», ZNW 69 (1978):
130–35.
14
P. ex., At 2:23; Rm 1:7; 6:4; 8:15; 15:6; Ef 1:2; 1Pe 1:2; 1Jo 1:2; Ap 1:6. Veja-se também Ml. 2:10.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 385
Também fazia ênfase em que todas as coisas vêm de Deus quando
vivemos para Ele (Rm 11:36).
No grego, a frase todas as coisas abrange toda a criação sem que
nada fique excluído. Tudo o que existe foi criado por Deus. Estas
palavras também aparecem em outra carta na qual Paulo apresenta a
Cristo como criador do universo (Cl 1:16; e cf. Jo 1:3; Hb 1:3). De
maneira que Deus, o Pai criou todas as coisas por meio de Seu Filho, o
Senhor Jesus Cristo. Devemos nossa existência a Deus o Pai e, por isso,
vivemos para Ele.
c. «E um Senhor Jesus Cristo, através do qual são todas as coisas».
Notem que Paulo chama Senhor a Cristo, porém não o chama Deus. Ao
mesmo tempo, ao dizer que Ele é Criador e Redentor, dá a entender que
é divino. Aqui Paulo caminha com cuidado, para que não venham a
acusá-lo de contradizer sua afirmação anterior de que Deus é um. Não
obstante, ensina que Jesus é divino e eterno, ao afirmar que todas as
coisas foram criadas por Ele.
d. «Através de quem vivemos». Esta última parte tem que ver com a
redenção que Cristo nos comprou. Cristo nos criou e redimiu, assim que
vivemos por Ele. Em umas quantas linhas paralelas, Paulo ensina as
doutrinas de Deus, Cristo, a criação e a salvação.
Supomos que os coríntios conheciam estas doutrinas. Supondo que
Paulo compôs estas linhas, não há razão para não pensar que seus
leitores as aprenderam, memorizaram e adotaram facilmente. O
paralelismo é notável, e em sua simplicidade comunicam profundas
verdades espirituais que fortalecem a fé cristã.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 8:4–6


Versículos 4–5
περ_ τ_ς — com a repetição de περί (veja-se o v. 1), Paulo reata o
tema exposto pela pergunta que os coríntios tinham com relação à
comida oferecida aos ídolos.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 386
Algumas traduções inglesas usam o Texto Majoritário (cf. King
James), o qual acrescenta a palavra _τερος (=outro). Testemunhas mais
representativas e melhores omitem o termo, o que é seguido pela maioria
dos eruditos.
κα_ … ε_περ — «mesmo se». A partícula περ é intensiva e
enclítica. Trata-se de uma oração concessiva. No entanto, «a verdade da
oração principal afirma-se resolutamente diante desta objeção». 15 Paulo
apresenta um caso extremo.

Versículo 6
_ξ ο_ — a preposição denota origem e o pronome relativo aponta a
Deus, «de quem». Na combinação δι_ ο_ (por quem), a preposição
assinala ao agente e o pronome aponta a Cristo.
τ_ πάντα — o artigo definido faz com que o adjetivo abranja todas
as coisas.

3. Consciência. 1Co 8:7–8

7. No entanto, nem todos têm este conhecimento. Como alguns estão


até hoje acostumados ao ídolo, comem comida como se estivesse oferecida
a ídolos. E sua consciência, que é fraca, se contamina.
a. «No entanto, nem todos têm este conhecimento». No original, a
primeira palavra é um adversativo forte: «No entanto». Quer dizer que
em Corinto nem todo crente tem um conhecimento completo das
doutrinas de Deus, Cristo e a criação; coisas que Paulo logo comentou.
Paulo se refere a cristãos que logo tinham saído do paganismo e cuja fé
no Senhor era fraca devido à sua ignorância. Como pastor e mestre,
Paulo é responsável por toda a membresia da igreja. Embora dissesse
que em geral todos têm este conhecimento (v. 1), agora afirma que o

15
Robertson, p. 1026.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 387
16
irmão fraco carece dele. Supomos que a delegação que veio de Corinto
informou a Paulo de que havia alguns crentes que não tinham este
conhecimento. A delegação estava composta por Estéfanas, Fortunato e
Acaico (1Co 16:17). Agora passa a tratar o problema.
b. «Como alguns estão até hoje acostumados ao ídolo, comem
comida como se estivesse oferecida a ídolos». Esta oração quase está
fora de lugar, se considerarmos que Paulo chama os coríntios
santificados e santos (1Co 1:2). Diz-lhes que são o templo de Deus e que
o Espírito de Deus vive neles (1Co 3:16; 6:19). Contudo, neste versículo
diz que em Corinto os cristãos fracos estão acostumados ao ídolo. A
contradição se esfuma quando entendemos que no grego Paulo usa a
palavra ídolo no singular. Se tivesse usado o plural, o sentido teria sido
que alguns irmãos fracos ainda serviam aos deuses do paganismo. Porém
com o uso do singular Paulo aponta ao ambiente pagão do qual os
crentes logo tinham saído. Os costumes de seus familiares, amigos e
conhecidos gentios estavam ligadas integralmente a um ídolo. E estes
costumes continuavam tendo uma influência conceitual sobre os cristãos
fracos. 17 Embora já não adorassem nem serviam a ídolos, ainda o
passado influía neles. Os crentes fortes diziam que os ídolos não eram
outra coisa que madeira e pedra. No entanto, cada vez que um cristão
fraco entrava em contato com algo relacionado com um ídolo,
confrontava-se a um conflito. Eram como o ex-drogado que tem lutas
internas cada vez que entra em contato com as drogas.
Com as palavras até hoje, Paulo reconhece que os cristãos fracos
tinham problemas espirituais. A relação que tiveram com os ídolos antes
de sua conversão mantinha-se com eles até depois de sua conversão.
Paulo ministra mostrando seu amor e compreensão pelo que sofriam.
16
Wendell Lee Willis assegura que as palavras sabemos do v. 1a são parte de uma citação sobre
conhecimento, que se contrasta com o conhecimento do v. 7. Contudo, não nos convence a ideia de
que a palavra sabemos seja parte da citação. Veja-se Idol Meat in Corinth: The Pauline Argument in 1
Corinthians 8 and 10, na série SBL Dissertation no. 68 (Chico, Calif.: Scholars, 1985), pp. 68,88.
17
Algumas traduções inglesas (cf. King James) e a RA 1999 refletem o Texto Majoritário, o qual lê
consciência em lugar de costume [RC]. Preferimos a segunda leitura, pois é a leitura mais difícil.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 388
Paulo sabe que quando se juntam com outros gentios, eles não adoram
ídolos. Mais adiante (1Co 10:14) os exortará a fugir da idolatria. Mas
agora trata o problema de comer comida que pudesse ter sido oferecida
aos ídolos.
c. «Comem comida como se estivesse oferecida a ídolos». O cristão
forte pode dizer que a comida que pudesse vir de um templo ainda se
mantém como comida comum, mas os fracos espiritualmente não
podiam afirmar o mesmo. A relação que esta comida tinha com as
práticas idólatras os fazia retroceder diante de comida que pudesse vir de
um animal sacrificado em algum templo. Qualquer conexão com o
paganismo se convertia numa pedra de tropeço para o cristão fraco. Estes
irmãos talvez conheciam o decreto do concílio de Jerusalém (At 15:29).
Enquanto o forte poderia até entrar num templo e comer a comida que
foi sacrificada a um ídolo (v. 10), o fraco nem sequer pensaria em
comprar essa carne no mercado para comê-la em casa. 18 Além de
manter-se afastados dos templos, negavam-se a consumir carne
sacrificada até em suas próprias casa (veja-se 1Co 10:27, 28).
d. «E sua consciência, que é fraca, se contamina». Quando Paulo
afirma que a consciência do fraco se contamina, o que faz é descrever a
experiência subjetiva do irmão fraco. Se chegavam a comer carne que
procedia de um templo pagão, o que pensavam era que de algum modo
estavam participando do culto ao ídolo.
O que quer dizer com que a consciência do fraco se contamina? Os
fracos não têm princípios estáveis de conduta. Quando comem comida
relacionada com a idolatria, sua consciência se carrega de culpa. Sua
consciência é fraca porque têm um conhecimento deficiente de si
mesmos em comparação com outros crentes. 19 Carecem de

18
Consulte-se Bruce N. Fisk, «Eating Meat Offered to Idols: Corinthian Behavior and Pauline
Response in 1 Corinthians 8–10», TrinityJ 10 n.s. (1989): 49–70.
19
Consulte-se Paul D. Gardner, «The Gifts of God and the Authentication of a Christian», tese Ph.D.,
Universidad de Cambridge, 1989, p. 49; Claude A. Pierce, Conscience in the New Testament
(Londres: SCM and Naperville, Ill.: Alleson, 1955), pp. 75–83; Colin Brown, NIDNTT, vol. 1, p. 352.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 389
conhecimento e confiança em si mesmos. Isto nos ensina que para que a
consciência funcione corretamente, precisa estar bem informada. De
outro modo, a pessoa tropeçará vez após vez durante sua vida (vv. 10–
12).
8. «Mas a comida não nos aproxima de Deus. Nada perdemos se não
comermos, nem nada ganhamos se comermos».
a. Texto. Se compararmos as traduções que se encontram nas
versões, imediatamente saltam duas diferenças. Uma delas tem relação
com o tempo verbal da primeira oração. Algumas traduções usam o
tempo futuro: «não nos aproximará de Deus» (BJ, cf. CI, NBE, CB),
outras usam o presente: «não nos aproxima de Deus (NVI, cf. RA, LT,
BP). A evidência manuscrita apoia o tempo futuro, que os eruditos
interpretam como referindo-se ao dia do juízo. A pergunta é se os
coríntios se preocupam em como aproximar-se a Deus em adoração ou
se eles se preocupam com o que virá no dia do juízo.
A outra diferença tem que ver com a sintaxe da segunda oração: É
certo que a oração negativa («Nada perdemos se não comermos»)
preceda à positiva («nem nada ganhamos se comermos») ou deveríamos
inverter essa ordem? Algumas traduções começam com a positiva (NVI,
CB), enquanto outras adotam a sintaxe que nós preferimos. Gordon D.
Fee supõe que a ordem que começa com a oração negativa é a mais
difícil e, portanto, a leitura original. 20
b. Origem. Em várias oportunidades, este capítulo cita a carta que
Paulo recebeu dos coríntios. Este versículo parece conter uma afirmação
que os irmãos fortes de Corinto faziam em suas conversações com os
irmãos fracos da igreja. Como o versículo que segue (v. 9) contém
claramente a resposta de Paulo, o presente versículo parece vir dos
coríntios. 21

20
Gordon D. Fee, First Corinthians, p. 377, n.6.
21
Consulte-se a lista que John C. Hurd, Jr., apresenta em sua The Origin of 1 Corinthians (Macon,
Ga.: Mercer University Press, 1983), p. 68.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 390
c. Significado. «Mas a comida não nos aproxima de Deus». Os
coríntios afirmam que em si mesma a comida não tem nenhum
significado religioso. Paulo concorda completamente com esse critério.
Em outra epístola diz: «porque o reino de Deus não é questão de comidas
ou bebidas» (Rm 14:17). Em outras palavras, o que os fortes dizem a
seus irmãos fracos é que não se preocupem com as consequências de
comer carne que tenha sido oferecida a um ídolo. O forte aconselha que
não nos deixemos incomodar por uma consciência culpada, visto que
quando chegar o dia do juízo, Deus não nos considerará culpados. 22 O
lema «A comida é para o estômago e o estômago para a comida» (1Co
6:13) expressa a mesma ideia.
«Nada perdemos se não comermos, nem nada ganhamos se
comermos». Esta é a segunda parte da citação que Paulo tira da carta que
recebeu dos coríntios, e seu objetivo é reforçar a primeira. Pelo fato de
que a comida não tem em si nenhum valor moral, os fortes diziam que
nada ganhavam nem perdiam com ela. Compravam ou comiam e
obedeciam a Deus (cf. Fp 4:12). Note-se que não usam a expressão
oferecida aos ídolos, mas falam de comida comum. Talvez os coríntios
querem indicar que até a comida oferecida aos ídolos é comida comum.
Paulo estaria de acordo com os coríntios que defendiam a causa da
liberdade cristã. Mas também deveria discrepar com eles por sua falta de
amor e compaixão pelo irmão fraco. Ao dizer que toda comida é comum,
negavam-se a ver o ponto de vista daqueles cuja consciência os
incomodava quando comiam comida sacrificada aos ídolos.

Palavras, frases e construções gregas de 1Co 8:7–8


_λλ_ — note-se o adversativo enfático («no entanto») que segue ao
versículo 6, mas que aponta ao versículo 1.
συνηθε__ — este substantivo conota uma ideia causal, «pois pelo
costume». O termo tem forte apoio manuscrito, mas o mesmo sucede
22
Jerome Murphy-O’Connor, «Food and Spiritual Gifts in 1 Cor. 8:8», CBQ 41 (1979): 292–98.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 391
com a leitura alternativa: συνειδήσει (=consciência). Contudo, os peritos
em crítica textual afirmam que a leitura alternativa «aparentemente
surgiu por assimilação com o seguinte συνείδησις». 23
παραστήσει — é o futuro ativo do verbo παρίστεημι (=trazer diante
de). Trata-se de um termo legal usado nos processos dos tribunais. Bem
como o substantivo συνηθεί_ (v. 7), tem forte apoio manuscrito, e tem a
preferência sobre o tempo presente de παρίστεησι.

4. Pecado. 1Co 8:9–13

9. Mas cu idado para que este direito vosso não se converta num
estorvo para os que são fracos.
Por meio de um adversativo, Paulo indica que embora ele concorde
com a ideia geral da citação (v. 8), rejeita o contexto em que é usada.
Nos versículos anteriores (vv. 1, 2) havia dito aos coríntios que o amor e
o conhecimento deveriam ir de mãos dadas. Por si mesmo, o
conhecimento termina em arrogância, mas quando o amor o acompanha,
edifica a todos. Paulo tem que levantar uma objeção pastoral, porque
percebe de que a conduta de alguns coríntios carece de amor (cf. Rm
14:15).
Paulo detecta que há uma atitude perigosa que ameaça minar a
unidade da igreja. Ordena seus leitores a estar em guarda contra a forma
em que agem. Esboça a frase este vosso direito, na qual o pronome este
reflete seu descontentamento com a aparente soberba que havia em
alguns coríntios (veja-se Lc 15:30). Além disso, esta é a segunda vez que
aparece neste capítulo a palavra fraco (veja-se o v. 7). Se esta expressão
não vier de Paulo, mas dos coríntios que se dizem ser fortes

23
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 557.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 392
espiritualmente, então é óbvio que se comportam com certa arrogância. 24
Com agressividade reclamam seu direito à liberdade cristã.
Mas assim como o conhecimento sem amor produz orgulho, a
liberdade sem amor gera arrogância. Os coríntios têm o direito de
reclamar seu direito a comer de tudo, porque Paulo mesmo ensina que
«nenhuma comida é imunda em si mesma» (Rm 14:14). Contudo, a
pessoa sempre deve usar a liberdade cristã no contexto do amor pelo
próximo em geral e pelo irmão ou irmã em particular.
Um direito que um cristão exerce de forma legítima não deve
jamais converter-se num obstáculo para outros crentes. Paulo usa a
expressão pedra de tropeço para descrever o obstáculo específico que
um crente pode colocar no caminho de outro. Neste caso o obstáculo
consiste em comer comida sacrificada aos ídolos, o que ofendia a outros
na igreja.
A liberdade que um crente desfruta sempre deve apoiar-se no
contexto do serviço mútuo em amor (Gl 5:13). Sua atitude não deve ser
um estorvo ao irmão fraco da igreja. Paulo não afirma que os irmãos
fracos se dão por ofendidos, mas que são os fortes os que ofendem. Os
membros que defendem seus direitos de ser livres estão exercendo uma
pressão indevida sobre aqueles cuja consciência lhes proíbe comer certa
classe de comida. Portanto, Paulo ordena aos coríntios amantes da
liberdade que demonstrem seu amor por meio de não ofender os seus
irmãos na igreja.
10. Porque se alguém vê a ti que tens con hecimento comendo no
templo de um ídolo, não será encorajada a consciência do fraco, levando-o
a comer a comida oferecida aos ídolos?
Note-se as seguintes observações:
a. Jantar. Tomando uma situação da vida diária, Paulo imagina um
cristão espiritualmente forte sentado comendo num templo de um ídolo.
Este crente poderia ter sido convidado a uma celebração que se levava a
24
Consulte-se Roy A. Harrisville, 1 Corinthians, na série Augsburg Commentary on the New
Testament (Minneapolis: Augsburg, 1987), p. 141.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 393
cabo em um dos muitos refeitórios de um templo. A carne que se
consumiria seria a de um animal oferecido a um ídolo. O forte
argumentaria que o ídolo não é outra coisa que pedra esculpida e que a
carne não era mais que comida comum. Sua fé em Deus permaneceria
forte. Além disso, não queria romper suas relações familiares e com seus
amigos. Sentia-se obrigado a assistir à festa a que tinha sido convidado e
tomava o jantar como uma ocasião para compartilhar com parentes e
amigos. Em virtude de seu firme conhecimento da fé cristã, não veria
nada de mal em fazer-se presente em uma comida festiva em um dos
refeitórios do templo.
Embora Paulo ilustra o problema usando a expressão pronominal a
ti, sua intenção é expor algo que ocorria com frequência. Por exemplo,
era bem possível que Erasto, que era diretor de obras públicas de Corinto
(Rm 16:13) e membro da igreja local, tivesse que assistir a tais comidas.
Como Paulo apoia a liberdade cristã, não reprova ao crente que
come no comilão de um templo. Corretamente observa que o crente
espiritualmente forte não está adorando um ídolo, mas sim alegrando da
companhia de familiares e amigos. Em contraste, em outra passagem
(1Co 10:19, 20) Paulo ataca a idolatria e descreve o pecado de adorar
ídolos. 25 Agora chama a atenção, não ao comer num refeitório, mas ao
efeito que esta ação pode ter no irmão fraco. Esta ação tem o potencial
de empurrar o fraco à idolatria.
b. Consciência. É muito provável que o irmão fraco não seja judeu,
pois não passaria pela mente do judeu entrar num templo para comer
carne que foi sacrificada a um ídolo. Antes, o irmão fraco é um gentio
que há pouco se converteu ao cristianismo e cujo conhecimento
espiritual é limitado e cuja consciência é fraca. 26 Agora Paulo levanta

25
Fisk, «Eating Meat Offered to Idols», pp. 62–64.
26
Paul W. Gooch, «St. Paul on the Strong and the Weak: A Study in the Resolution of Conflict», Crux
13 (1975–76): 10–20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 394
uma pergunta irônica: «O comer num templo, encoraja a consciência do
irmão fraco? 27
A conduta do forte guia o fraco, mas o guia para desencaminhar-se.
Se uma pessoa espiritualmente fraca entrar no refeitório e comer, sua
consciência é contaminada, não fortalecida (veja-se o v. 7). Por isso não
é o irmão fraco, mas sua consciência fraca a que é encorajada. A voz
interna da consciência já não o mantém no limite. 28 Ao começar sua
discussão sobre esta matéria, Paulo fez ver que o conhecimento
envaidece e o amor edifica (v. 1). Paulo agora reitera a mesma ideia em
diferentes palavras. Uma conduta carente de amor e consideração pode
ser desastrosa, especialmente para os fracos espiritualmente que se
deixam levar pelo exemplo do forte. A pessoa que tem conhecimento é
totalmente responsável pela saúde espiritual do fraco. Sua conduta
inconsiderada constitui um pecado contra Cristo. 29
11. Porque o irmão fraco p or quem Cristo morreu é destruído por
teu conhecimento.
Quando o irmão fraco come carne sacrificada num templo pagão,
associa seu ato com a adoração ao ídolo. O remorso da consciência
destrói sua confiança. Em vez de ser edificado é destruído. Paulo aponta
as consequências da conduta do irmão que tem conhecimento, o qual
intencionalmente passa por alto as objeções que levanta o fraco. Paulo
faz notar que a conduta inconsiderada do sabe-tudo destrói o «irmão
fraco por quem Cristo morreu».
Neste versículo Paulo fala sobre a vida espiritual dos cristãos
fracos. Três coisas é preciso ter em consideração ao explicar o ponto de
vista de Paulo:

27
BAGD, p. 558; R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge
Greek Testament for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 133.
28
F.W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 196.
29
Consulte-se Harold S. Songer, «Problems Arising from the Worship of Idols: 1 Corinthians 8:1–
11:1», RevExp 80 (1983): 363–75.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 395
Primeiro, a ordem sintática que Paulo usa faz com que cada palavra
tenha importância. Sublinha em especial os verbos morreu e é destruído.
Estes dois verbos são as palavras-chave. Nesta oração, o verbo é
destruído está no tempo presente e indica que a ação já se está
produzindo. 30 O irmão fraco «está sendo destruído». O tempo presente
indica à uma ação em progresso porém não quer dizer que o irmão fraco
«já se perdeu».
Segundo, o contexto imediato (v. 12) registra o verbo ferir,
machucar no tempo presente. Paulo usa este verbo como um sinônimo
que explica o sentido de «é destruído».
Finalmente, a passagem paralela de Romanos 14:15 e seu contexto
iluminam este versículo. «Agora, se o teu irmão se angustiar por causa
do que come, já não te comportas com amor. Não destruas, por causa da
comida, o irmão por quem Cristo morreu». Se Cristo pagou o sacrifício
supremo, morrendo pelo irmão fraco, o menos que o irmão forte pode
fazer é mostrar amor aos seus irmãos, abstendo-se de comer certas
comidas. Este versículo tem como fim mostrar o contraste entre a morte
de Cristo e a dureza dos fortes de Corinto.
O texto requer duas observações adicionais. Primeiro, Paulo não
está ensinando que o cristão forte pode fazer com que o fraco espiritual
se perca, pois não diz «pecador» ou «homem», mas «irmão». Isto
implica que Cristo continua protegendo esta pessoa do perigo e que o
ajudará a estar firme (Rm 14:4). Em suma, se Cristo amou tanto este
irmão que morreu por ele, também o ajudará a resistir a tentação.
Segundo, algumas traduções introduzem um verbo auxiliar: «pode
perder-se» (CB), «pode perecer» (VM), para comunicar a probabilidade
de perder-se, porém não a realização dela. A falta de amor da parte dos

30
O Texto Majoritário tem o tempo futuro («será destruído»; cf. «perecerá» em RC 98), o que
algumas versões inglesas colocam numa oração interrogativa (veja-se, p. ex., King James) NC, NBE,
CI colocam numa oração declarativa.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 396
31
fortes impede o crescimento espiritual do irmão fraco. Não obstante,
Cristo o redimiu e o santificou (1Co 1:2), tendo-o como seu irmão (cf.
Hb 2:10, 11).
Paulo já não fala de forma geral, mas aborda os fortes
pessoalmente. Escreve «teu conhecimento», chamando a atenção à
carência de amor na atitude daqueles coríntios envaidecidos por seu
conhecimento (v. 1). Além disso, o uso do pronome pessoal teu parece
indicar que o problema envolvia um número de pessoas. Paulo contrasta
a morte de Cristo — como o amor maior que pudesse haver — com o
conhecimento carente de amor de alguns cristãos. Desta forma, Paulo
anima os seus leitores a expressar seu amor aos irmãos fracos da igreja.
12. Desta forma pecais contra Cris to quando pecais contra vossos
irmãos e feris sua fraca consciência.
Para concluir, o apóstolo aponta ao centro do problema. Duas vezes
emprega o verbo pecar na mesma oração. O grego enfatiza isso
colocando peca quase no princípio da oração e no final dela.
Note-se o seguinte:
a. Pecais contra Cristo. Ao usar o tempo presente pecais, Paulo
indica que os coríntios estão no processo de cometer o pecado de não
amar a Cristo. O tempo presente aponta que insultam a Cristo de forma
terrível, mesmo quando sua dureza se dirige contra seus próprios irmãos
em Cristo.
Quando a luz celestial cegou Paulo, em caminho para Damasco,
Jesus lhe perguntou por que O perseguia. Aniquilado, Paulo perguntou a
Jesus por Sua identidade. Jesus lhe respondeu: «Eu sou Jesus, a quem tu
persegues» (At 9:5; 22:8; 26:15). Jesus é um com Seus irmãos e irmãs.
Isto faz com que uma ofensa contra um crente seja uma ofensa contra
Jesus (veja-se Mt 25:41).
b. Contra vossos irmãos. Os crentes fortes pecam contra seus
irmãos, quer dizer, contra a igreja. Seu pecado está na atitude que tomam
31
Consulte-se F. F. Bruce, 1 and 2 Corinthians, Serie New Century Bible (Londres: Oliphants, 1971),
p. 82.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 397
para seus irmãos em Cristo. Isto faz com que não sejam seus irmãos e
sim eles os culpados que enfrentarão o juízo. Numa batalha, os soldados
não devem disparar suas armas contra seus companheiros. Os cristãos
que pecam contra seus irmãos, pecam contra Deus, tendo que enfrentar a
Deus em Sua qualidade de Juiz que pode «salvar ou destruir» (Tg 4:12).
c. Ferindo sua fraca consciência. Uma tradução literal da frase
seria: «ferindo a consciência deles, a qual está numa condição fraca».
Cristãos que se espera que animem e instruam seus irmãos, em vez disso,
ferem sua fraca consciência repetidamente. «O que requer uma atenção
compassiva é tratado brutalmente, de maneira que sua sensibilidade é
adormecida». 32 De um ponto de vista objetivo, o crente forte de Corinto
feria continuamente a fraca consciência de seu irmão, induzindo-o a
comer comida sacrificada. Não o feria fisicamente, e sim
espiritualmente. Feria uma consciência já fraca, tornando-a insensível.
De um ponto de vista subjetivo, a fraca consciência ferida do crente faz
com que perca sua autoestima. 33
13. Portanto, se a comid a faz com que meu irmão caia em pecado,
não voltarei a comer carne jamais, para evitar que meu irmão tropece.
A conclusão é que o próprio Paulo faz as vezes de líder, até estando
fisicamente ausente. Se o cristão espiritualmente forte não cumprir o seu
dever de fortalecer o fraco, Paulo fica como exemplo. Este versículo
contém uma oração condicional que aponta a uma realidade certa. Os
leitores podem estar seguros que Paulo fará o que lhes diz.
Paulo usa a palavra geral comida, em lugar de carne sacrificada,
tema que tinha sido o centro da discussão (veja-se os vv. 1, 4, 7, 10). O
assunto da comida não deveria ser uma pedra de tropeço para ninguém
na igreja. Paulo mesmo repreendeu a Pedro e a Barnabé por negar-se a
comer com os cristãos gentios de Antioquia (Gl 2:11–14). Ele e seus
colaboradores foram os que levaram a carta do concílio de Jerusalém aos
cristãos gentios (At 15:29). Os cristãos judeus até se negavam a comprar
32
Robertson and Plummer, First Corinthians, p. 173.
33
Consulte-se Paul W. Gooch, «‘Conscience’ in 1 Corinthians 8 and 10», NTS 33 (1987): 244–54.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 398
carne no mercado gentílico por medo de comer carne que tivesse sido
oferecida a um ídolo. Apegavam-se completamente à lei de Moisés (cf.
At 21:20). Os cristãos gentios também eram cuidadosos quando comiam
com amigos não cristãos.
Pelo bem de seu irmão, Paulo diz «não voltarei a comer carne
jamais, para evitar que meu irmão tropece». No capítulo seguinte desta
carta dirá claramente: «Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de
ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos
os modos, salvar alguns» (1Co 9:22). Paulo estava preparado para deixar
de comer certas comidas, se isto promovia a causa de Cristo, a
disseminação do evangelho e o crescimento da igreja.
Quer Paulo dizer que todo cristão deve tornar-se vegetariano? De
maneira nenhuma. Mas está preparado para chegar a qualquer extremo,
se isto evitar que seja ferida a consciência de qualquer um por quem
Cristo morreu. 34 E se isso implica não comer carne por um tempo, Paulo
adotará essa medida. Estava preparado para submeter sua liberdade cristã
ao princípio do amor. Paulo pede a cada crente que mostre um genuíno
amor cristão que cumpra o resumo da lei: amar a Deus com todo o
coração, com toda a mente e a alma, e amar o teu próximo como a ti
mesmo (Mt 22:37–39). Por certo, Agostinho expressa um mandamento
semelhante: «Enquanto ames a Deus e o teu próximo, podes fazer o que
te apraz e não cairás em pecado».

Nota adicional a 1Co 8:10


O concílio de Jerusalém estipulou que os cristãos gentios não
comessem comida sacrificada a ídolos (At 15:29). Mas Paulo permitia
que os cristãos de Corinto entrassem em um templo pagão e
participassem de festas que se realizavam nos refeitórios do templo. O

34
John C. Brunt, «Rejected, Ignored, or Misunderstood? The Fate of Paul’s Approach to the Problem
of Food Offered to Idols in Early Christianity», NTS 31 (1985): 113–24.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 399
que Paulo permite neste capítulo pareceria contradizer a proibição de
comer carne sacrificada que formula em 1Co 10:14–22.
É Paulo permissivo num capítulo (1Co 8:10) e estrito em outro
(1Co 10:18–22)? Dificilmente. O que Paulo procura fazer é caminhar
sobre a tênue linha que há entre permitir a liberdade cristã e fortalecer a
consciência do fraco. Em outras palavras, no capítulo 8 se dirige ao forte
e no capítulo 10, ao fraco.
Em si a carne sacrificada não é má. Se os cristãos devem assistir a
uma festa na qual se serve este tipo de carne, eram livres para comer,
sempre e quando não ferissem a consciência dos cristãos mais fracos.
Mas onde quer que o comer estivesse associado diretamente com a
idolatria, Paulo condena tal prática (1Co 10:7, 14). Quando um cristão
participa da idolatria (1Co 10:18, 20), promove a relação com um ídolo,
tornando-se ele mesmo um idólatra. Os cristãos não devem ter nenhuma
participação no próprio ato de adoração ao ídolo. Devem lembrar que
Deus é zeloso (Êx 20:4; Dt 5:8). Em palavras de Tiago: «Ó gente
adúltera! Não sabeis que a amizade com o mundo é inimizade com
Deus? Se alguém quer ser amigo do mundo se torna inimigo de Deus»
(Tg 4:4).

Considerações práticas em 1Co 8:12


O mundo de hoje toma com leviandade o pecado. Com frequência o
encontram divertido, especialmente quando tem que ver com
imoralidade sexual. Quando os meios de comunicação tornam públicas
as aventuras sexuais de gente importante, não se fala de «pecado», e sim
de «fraquezas». De fato, crê-se que não se deveria usar a palavra pecado,
porque isso danificaria a reputação do afetado. Embora o pecado seja
evidente, as pessoas gostam de fingir que não há nada de mal.
Em muitas partes do mundo, o pecado traz vergonha ao que o
comete quando o pecado se torna público. A desgraça é remediada
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 400
quando o ofensor restitui o dano ao ofendido. Se a ofensa se mantiver
oculta, o culpado continua vivendo como se nada tivesse ocorrido.
No mundo grego-romano de Paulo, o pecado trazia frustração.
Comparava-se o pecado a um arqueiro que não atingia o alvo,
fracassando em sua intenção. Portanto, o pecado era tido como uma falta
de habilidade que se podia remediar com treinamento. Não era algo que
se tomava a sério.
A Escritura, no entanto, ensina que o pecado é uma afronta pessoal
a Deus e uma transgressão das leis que Ele estabeleceu. O pecado é sair
dos limites legais dentro dos quais devemos viver e trabalhar. O pecado é
um insulto a Deus, pois quer dizer que escolhemos não servir a Ele, mas
a um ídolo. A idolatria não é outra coisa que adultério espiritual. Deus
ama o Seu povo assim como um noivo ama a sua noiva. Em lugar de
amar a Deus como o nosso esposo, voltamo-nos a um ídolo e assim
cometemos adultério.
O pecado só pode ser perdoado com derramamento de sangue, e no
Antigo Testamento o sangue dos animais anunciava o sangue de Cristo.
Com a chegada da era do Novo Testamento, o pecador fica limpo
mediante o sangue que Cristo derramou no Gólgota. Como o expressa o
escritor da Epístola aos hebreus: «sem derramamento de sangue não há
perdão» (Hb 9:22).

Palavras, frases e construções gregas de 1Co 8:9–13


Versículos 9–10
_ _ξουσία _μώ α_τη — a ordem sintática desta frase é enfática:
«este direito vosso». O substantivo _ξουσία refere-se à liberdade que
tinham alguns coríntios para comer comida sacrificada (cf. também 1Co
9:4–6, 12, 18; 11:10).
__ν γάρ τις _δ_ σέ — a oração condicional com um aoristo
subjuntivo expressa probabilidade: «porque se alguém te visse».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 401
Contudo, o contexto desta passagem parece indicar que era frequente que
se comesse no refeitório de um templo.
ο_χί — com este negativo, Paulo expõe uma pergunta retórica que
demanda uma resposta afirmativa. A oração mostra um matiz de ironia.
ε_ς τ_ … _σθίειν — este infinitivo presente de propósito serve para
expressar o efeito causado no irmão fraco que é «animado a comer».

Versículo 12
O tempo presente dos gerúndios _μαρτάνοντες («pecando») e
τύπτοντες («ferindo») e do verbo _μαρτάνετε («pecais»), todos
comunicam uma ideia frequentativa.
και — esta conjunção é explicativa, e se usa para particularizar e
explicar o que se disse. 35
_σθενού — Paulo não usa o adjetivo _σθενής (=fraco), mas sim o
gerúndio, voz ativa, no caso acusativo, singular, feminino, do verbo
_σθενέω (=ser débil). O gerúndio especifica uma ação descritiva.

Versículo 13
διόπερ — uma combinação de διό (=portanto) e a partícula enclítica
-περ, a qual acrescenta força intensiva ou extensiva. Aqui faz ênfase na
conexão das orações implicadas. 36
ε_ βρ_μα — a partícula introduz uma oração condicional que
aponta a um fato real e certo. Escolheu-se este substantivo para apontar a
qualquer tipo de comida.

35
BDF § 442.9.
36
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 164.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 402
Resumo de 1 Coríntios 8
A carta que Paulo tinha recebido dos coríntios continha muitas
perguntas. Responde a inquietação com relação à comida oferecida aos
ídolos e faz ver que não é suficiente declarar que um ídolo não é nada.
Os coríntios sabem que não há mais que um só Deus, o Pai, quem criou
todas as coisas; e sabem que não há mais que um só Senhor, Jesus
Cristo. Embora conheçam a Deus e a Jesus Cristo, não se entende
totalmente que os ídolos não sejam nada. Alguns ainda se incomodam
com a idolatria, os ídolos e a comida que lhes é oferecida. Têm uma
consciência fraca que se suja com facilidade, embora por si mesma a
comida não tem nenhum valor religioso.
No entanto, a liberdade que alguns coríntios praticam poderia
converter-se numa pedra de tropeço para os fracos. Paulo lhes adverte
para não desencaminharem os fracos por meio de comer num templo
idolátrico. Se destruírem a consciência do irmão fraco, pecam contra seu
irmão e contra Cristo. O próprio Paulo está disposto a abster-se de comer
carne para evitar que seu irmão caia em pecado.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 403
1 CORÍNTIOS 9
OS DIREITOS DE UM APÓSTOLO (1CO 9:1–27)
O capítulo 9 parece ser um interlúdio que se desvia do que se está
discutindo no capítulo 8 e em 1Co 10:14–30. Porém com mais detenção
percebe-se de que em 1Co 8–10, Paulo desenvolve o conceito de
liberdade de escolha ou direito, que mencionou explicitamente no
capítulo precedente (1Co 8:9). No presente capítulo, o tema é a liberdade
de escolha. Paulo o relaciona com seu apostolado, com a vida social
(1Co 9:4, 5) e com o serviço na igreja (1Co 9:12, 18). Paulo possui
liberdade cristã de escolha, porque tem direitos apostólicos. Mas pelo
bem do evangelho com frequência recusa usar sua liberdade. Quer que
em Corinto os crentes ajam da mesma maneira e que vivam de tal forma
que o Senhor seja glorificado e que os irmãos da igreja sejam edificados.
Paulo também quer evitar que seus leitores digam que ele não se
importa com a comunidade e que não diz enfrentar seus problemas. Para
ser mais exato, alguns coríntios ainda davam pouco valor a suas palavras
(2Co 10:10).

1. Direitos apostólicos. 1Co 9:1–12

a. Marcas de apostolicidade. 1Co 9:1–2

1. Acaso não sou li vre? Não sou apóst olo? 1 Não vi a Jesus nosso
Senhor? Não sois vós minha obra no Senhor?
Paulo levanta uma série de quatro perguntas que têm que ver com
sua vida e apostolado, perguntas que em cada caso demandam uma
resposta afirmativa. A primeira pergunta («Acaso não sou livre?») é uma

1
Os manuscritos mais importantes leem «Acaso não sou livre? Não sou apóstolo?». O Texto
Majoritário inverte a ordem (veja-se RC 1998).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 404
ponte natural entre o último versículo do capítulo precedente (1Co 8:13)
e este versículo. 2 Esta pergunta nada tem que ver com o caso do escravo
e o livre (1Co 7:21–23). Antes, tem que ver com a liberdade que Paulo
desfruta em Cristo. Usando uma pergunta que exige uma resposta
afirmativa, o apóstolo se defende de qualquer que deseje opor-se a ele.
Como no passado Paulo tinha estado vivendo entre os coríntios, eles
sabiam que ele agia com liberdade, particularmente quando comia e
bebia com eles (cf. Gl 2:11–16).
«Não sou apóstolo?» (cf. 1Co 1:1). Paulo confronta indignado os
que criticavam sua posição como apóstolo. Sabia que seus oponentes o
vinham criticando desde sua conversão. Diziam que ele não cumpria os
requisitos apostólicos que se sentaram quando os apóstolos lançaram
sortes sobre Matias como sucessor de Judas. Para ser apóstolo a pessoa
deveria ter seguido a Jesus desde o tempo de Seu batismo no rio Jordão
até Sua ascensão no monte das Oliveiras, sendo testemunha de Sua
ressurreição (At 1:21–26). Paulo não foi nomeado entre os doze e carecia
da instrução que Jesus deu a Seus apóstolos. Mas sabia que Jesus o havia
chamado para ser apóstolo aos gentios (At 9:15; 22:21; 26:16–18).
«Não vi a Jesus nosso Senhor?». Paulo defende seu apostolado com
base em sua experiência no caminho para Damasco, uma experiência que
confirmava que Jesus tinha ressuscitado. Em Corinto ninguém podia
dizer que não sabia da experiência de conversão de Paulo ou que não
sabia de que o Senhor tinha lhe aparecido (1Co 15:8; Gl 1:12, 15, 16).
Assumimos que conheciam muito bem esses episódios.
Nesta oração Paulo escolhe cuidadosamente suas palavras. Para
referir-se à figura histórica de Jesus de Nazaré usa a palavra Jesus, e não
emprega Cristo. 3 Quando Paulo usa só o primeiro nome é porque se

2
Gordon D. Fee sugere que o contexto do capítulo 9 é parte integral da resposta que Paulo dá à carta
que os coríntios lhe escreveram. The First Epistle to the Corinthians na série New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 393.
3
O Texto Majoritário registra o nome completo de Jesus Cristo (veja-se King James), mas tem pouco
apoio manuscrito.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 405
refere ao Jesus terrestre (p. ex., 1Co 12:3; 2Co 4:10–14; Ef 4:21; Fp
2:10; 1Ts 4:14). Paulo acrescenta o título descritivo de nosso Senhor,
para enfatizar que só o Senhor é capaz de designar a alguém para ser
apóstolo. nosso pronome demonstra que Paulo e os coríntios têm um
vínculo comum em Jesus.
«Não sois vós minha obra no Senhor?». Os coríntios deviam
admitir que se Paulo não lhes tivesse proclamado o evangelho, eles ainda
estariam vivendo em trevas espirituais. Como cristãos gentios, eles
mesmos eram a prova de que Paulo era apóstolo aos gentios. O trabalho
de fundar uma igreja não é uma empresa humana que se pode levar a
cabo à parte do Senhor; só se pode realizar «no Senhor».
2. Se para outros não sou apóstolo, ao menos o sou para vós. Porque
vós sois o selo do meu apostolado no Senhor.
Como foi perseguidor da igreja, Paulo sabe que a igreja cristã porá
em dúvida o seu apostolado (veja-se p. ex., 2Co 10:1–11; 12:11–21;
13:1–10; Gl 1:1, 22, 23). Durante sua ausência da congregação de
Corinto, levantou-se a dúvida sobre se era um apóstolo ou um impostor.
Quais eram os que estavam semeando dúvida no coração dos
crentes? Eram judaizantes que instigavam tensões entre os coríntios e se
negavam reconhecer o apostolado de Paulo? 4 Se assim fosse,
esperaríamos que Paulo tivesse dado mais detalhes (cf. p. ex., Gl 1:6, 7;
5:10), mas carecemos de evidência conclusiva. Quem quer que tenham
sido, estes «outros» não eram membros da igreja de Corinto. Embora não
seja apóstolo para eles, certamente que era apóstolo para os coríntios.
João Calvino parafraseia o que Paulo quer dizer: «Se há alguns que têm
dúvidas do meu apostolado, esse não deveria ser o caso convosco. Se fui
eu quem fundou a vossa congregação, ou não são crentes ou estão
obrigados a me reconhecer como apóstolo». 5

4
Consulte-se Derk W. Oostendorp, Another Jesus: A Gospel of Jewish-Christian Superiority in II
Corinthians (Kampen: Kok, 1967), p. 82.
5
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 184.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 406
A certeza de Paulo se baseia no selo do seu apostolado, o qual
recebeu no Senhor. Com a palavra selo, refere-se à igreja de Corinto.
Seus membros confirmam sua autoridade apostólica e se constituem no
selo que autentica o seu apostolado. Por certo, são suas cartas de
recomendação (2Co 3:2). 6 As credenciais de Paulo são válidas porque a
própria comunidade cristã de Corinto as certifica. Além disso, a oração
condicional de Paulo representa bem a situação: «Se para outros não sou
apóstolo, pelo menos o sou para vós».
Novamente, Paulo escreve a frase preposicional no Senhor (veja-se
o v. 1). Faz notar que os crentes de Corinto permanecem na esfera do
Senhor. Por implicação, se o Senhor nomeia Paulo como apóstolo, então
os que estão no Senhor automaticamente validam o seu apostolado.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 9:1–2


ο_χί — em lugar da partícula negativa ο_κ, usada nas primeiras
duas perguntas, Paulo agora escreve ο_χί, a fim de que a terceira
pergunta seja mais forte.
_ν κυρί_ — a preposição não é instrumental; é locativa e denota
relação.
_λλά γε _μί ε_μι — trata-se de uma oração condicional de tipo real,
cujo tom vê-se modificado pelo adversativo _λλά e a partícula γε: «pelo
menos o sou para vós».

b. Defesa. 1Co 9:3–6

3, 4. Esta é minha d efesa diante dos que me examinam: Não temos


direito a comer e a beber?
a. Divisão textual. A palavra esta poderia referir-se aos dois
versículos precedentes (vv. 1, 2) ou aos que se seguem (vv. 4, 5). Os
eruditos que conectam o versículo 3 ao que precede, creem que o termo

6
Reiner Schippers, NIDNTT, vol. 3, p. 499; Gottfried Fitzer, TDNT, vol. 7, pp. 948–949.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 407
esta refere-se ao apostolado de Paulo que tem os coríntios como selo. 7
Por outro lado, os que pensam que o versículo 3 dá começo a um novo
parágrafo, fazem com que dois pontos introduzam o versículo 4 como os
direitos apostólicos de Paulo. 8 Das duas interpretações, deve preferir-se a
segunda pelo fato de que o contexto geral sublinha os direitos de Paulo.
b. Defesa. A frase minha defesa representa outra dificuldade.
Refere-se ao testemunho que teve que dar diante de algum tribunal (veja-
se 4:3; At 22:1)? O fato de que as palavras são tomadas da terminologia
jurídica parece indicar uma resposta afirmativa. Mas à vista da distância
geográfica que separa Paulo de seus inquisidores (ele está em Éfeso, eles
em Corinto), parece que o correto é pensar que fala figuradamente.
No contexto da epístola, por que fala Paulo de defesa? Devido ao
fato de que Paulo era judeu, não gentio, os cristãos gentios de Corinto
pensavam que ele estava preso às leis alimentícias da lei. Ao dizer que se
privará de comer carne, descarta a possibilidade de consumir carne
sacrificada a ídolos. Defende o seu direito de não exercer seus direitos.
Os versículos que vêm depois dão a resposta de que Paulo tem o direito a
comer, beber, a ter companhia e sustento (vv. 4, 5, 12). Mas se recusa a
exigir seus direitos, porque deseja promover a causa do evangelho.
Anima a compartilharem a mesa, mas se nega a comer comida
sacrificada, para evitar ferir a consciência de algum irmão. Como cristão
redimido por Jesus Cristo, está livre da lei de Moisés, mas escolhe não
fazer uso desta liberdade. Tem o direito de ter uma esposa que o
acompanhe, mas opta por permanecer celibatário para que nada o estorve
na pregação e ensino do evangelho.
O Senhor opinou que o obreiro merece o seu salário (Lc 10:7; 1Tm.
5:18), assim que os coríntios tinham o dever de apoiar Paulo
economicamente, pois recebiam instrução dele. Mas quando Paulo viveu

7
Entre outros, Leon Morris, 1 Corinthians, edição revisão, na série Tyndale New Testament
Commentaries (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids, 1987), p. 130. Véase CB, NBE.
8
P. ex., John C. Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1983),
p. 109.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 408
em Corinto, em casa de Priscila e Áquila, ocupou-se em seu negócio de
confecção de tendas para manter-se (At 18:2,3). Quanto à pregação do
evangelho de Cristo, Paulo deixou muito claro aos coríntios que ele os
servia gratuitamente (v. 18).
c. Dúvidas. O fato de Paulo renunciar aos seus direitos fez com que
alguns coríntios fizessem algumas pergunta sobre sua conduta. Paulo
responde que é como se ele enfrentasse um juízo durante o qual seus
interrogadores levantavam perguntas sobre sua conduta. Talvez estes
críticos buscavam um apóstolo cuja conduta satisfizera todas as suas
expectativas completamente. Eles representavam a minoria da igreja.
Contudo, não conseguiram intimidá-lo, pois o apóstolo ousadamente
apresenta sua defesa e promove assim a causa de Cristo.
Paulo pergunta aos seus oponentes se ele tem direito a comer e a
beber. Esta pergunta reclamava uma resposta afirmativa. Em outras
palavras, a igreja devia lhe prover habitação e comida como pagamento
pelo trabalho desempenhado entre eles. 9 Embora haja razões válidas para
conectar este versículo (v. 4) com 1Co 8:9, onde aparece a palavra
direito dentro de uma discussão sobre a liberdade de comer, inclinamo-
nos a conectá-lo com o que segue, não com o que precede. Paulo já não
está falando de comida sacrifical, mas de comer e beber à custa da igreja
de Corinto. Nos versículos seguintes, informa os seus leitores que se
refreou que usar o privilégio de ser sustentado pela igreja (vv. 15–18).
Realmente carecemos de informação sobre as acusações que os
oponentes de Paulo levantavam contra ele. Nossa explicação, então, não
descansa em evidência específica, mas em conjetura.
5. Não temos o direito de traz er conosco uma esposa crente, como o
fazem o resto dos apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas?
a. «Não temos o direito de trazer conosco uma esposa crente?».
Uma tradução literal do grego seria: «uma irmã (no Senhor), uma
esposa», que numa tradução mais polida é «uma esposa crente». Paulo
9
Refira-se a Wilhelm Pratscher, «Der Verzicht des Paulus auf finanziellen Unterhalt durch seine
Gemeinden: Ein Aspekt seiner Missiosweise», NTS 25 (1979): 284–98.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 409
pergunta se tem o direito de viajar com uma esposa como
companheira. 10 Deverá que estar de acordo que tem o direito de estar
casado e ter consigo uma esposa como companheira de viagem. É difícil
determinar se Paulo esteve casado alguma vez. Mas à vista do
conhecimento que tinha das intimidades conjugais (veja-se o comentário
a 1Co 7:1–9), é plausível supor que foi casado alguma vez.
A intimidade da casal se fortalece pelo laço de fé que os une em
Cristo. Um casal missionário se entrega completamente à extensão da
igreja. Se Paulo tivesse tido uma esposa que o acompanhasse, ela teria
sofrido miséria. Teria passada fome e sede, e teria carecido de roupa
adequada (veja-se 2Co 11:23–28).
b. «como o fazem o resto dos apóstolos, os irmãos do Senhor e
Cefas?». Embora ao livro de Atos seja conhecido como os Atos dos
Apóstolos, o livro só relata os atos de dois apóstolos: Pedro e Paulo
(João só é mencionado de forma incidental). A Escritura não informa
nada a respeito das vidas e viagens dos apóstolos conhecidos como os
Doze. Paulo menciona «o resto dos apóstolos», o que implica que ele
estava bem informado a respeito de suas viagens e circunstâncias
familiares, assim como os coríntios. À parte da tradição, que diz que
Tomé viajou até a Índia, quase não sabemos nada do trabalho dos
apóstolos. Supomos que Paulo está pensando nos Doze e não num
círculo de apóstolos mais amplo que incluísse Barnabé, Andrônico e
Júnias (At 14:3, 14; Rm 16:7; 1Ts 2:6).
Os irmãos do Senhor são os que Mateus e Marcos mencionam em
seus respectivos Evangelhos: Tiago, José, Simão e Judas (Mt 13:55; Mc
6:3). João informa que estes meio-irmãos de Jesus não creram em Jesus
durante Seu ministério terrestre (Jo 7:5). Mas depois de Sua ressurreição,
Jesus apareceu a Tiago (1Co 15:7). No dia em que Jesus ascendeu, Seus
irmãos, Maria sua mãe e as outras mulheres se reuniram com os

10
Johann B. Bauer, «Uxores circumducere (1 Kor 9,5)», BibZ 3 (1959): 94–102.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 410
apóstolos no cenáculo (At 1:14). À parte das epístolas de Tiago e Judas e
do dito em Atos, não sabemos nada do trabalho dos irmãos de Jesus.
Naturalmente que o nome Cefas é o equivalente aramaico de Pedro
(Jo 1:42). Os Evangelhos relatam a vez que Jesus curou a sogra de Pedro
em Cafarnaum (Mt 8:14, 15; Mc 1:29–31; Lc 4:38, 39). Paulo diz agora
que Pedro levava a sua esposa a suas viagens missionárias. Não é
possível verificar se Pedro visitou alguma vez a igreja de Corinto. Paulo
o menciona várias vezes nesta carta 11 e agora até menciona a sua esposa.
Por tudo isso, supomos que Pedro tinha visitado a igreja de Corinto.
6. Não temos Barnabé e eu o direito de abster-nos do trabalho físico?
Se interpretarmos a pergunta (a primeira) sobre o comer e o beber
como afirmando que a igreja tem a obrigação de dar sustento ao
apóstolo, então encaixa com esta terceira pergunta. O que Paulo está
perguntando é se Barnabé e ele têm o direito de se dedicar
exclusivamente à obra espiritual, e a resposta é um terminante Sim. Se
Paulo e Barnabé se dedicam desta maneira à obra do Senhor, a igreja
deveria sustentá-los economicamente. Mas como encaixa em tudo isso a
segunda pergunta? Se Paulo tivesse sido casado, a igreja deveria ter
sustentado ele e sua esposa, o que acrescentava uma carga econômica
maior para a igreja.
Por que Paulo menciona Barnabé? Em Antioquia da Síria, Paulo e
Barnabé tinham tido um desacordo (At 15:39, 40) que os levou a
separar-se. Não obstante, Paulo menciona Barnabé em sua carta aos
gálatas (veja-se Gl 2:1–13). Se dissermos que Paulo escreveu esta
epístola depois do desagradável episódio de Antioquia, deduzimos que o
problema com seu colega Barnabé já estava superado. Barnabé foi o
companheiro de Paulo em sua primeira viagem missionária a Chipre e ao
sul da Ásia Menor. (Durante a segunda viagem de Paulo à Ásia Menor,
Macedônia e Grécia, foi acompanhado por Silas.) Não sabemos se
alguma vez Barnabé visitou Corinto. Mas podemos dizer que restaurado

11
1Co 1:12; 3:22; 9:5; 15:5.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 411
o companheirismo destes dois amigos, voltaram a encontrar-se, talvez
até na própria Corinto.
Tanto Barnabé como levita e Paulo como fariseu tinham aprendido
um ofício para poder sustentar-se. Sabemos que Paulo fazia tendas,
porém nada sabemos dos negócios de Barnabé. Embora Paulo tinha a
posição de mestre e a cultura grega menosprezava o trabalho físico, o
apóstolo trabalhava com suas próprias mãos para gerar seus próprios
recursos. Não admira que as diferentes culturas se chocassem e que os
coríntios expusessem perguntas a respeito do proceder de Paulo. Ele
tinha o direito de exigir que o sustentassem, mas havia recusado valer-se
deste direito. 12

Considerações práticas em 1Co 9:3–6


Quando Deus instituiu o sacerdócio em Israel, também instituiu o
dízimo. Os sacerdotes e levitas não receberiam terras na terra prometida.
Deviam arrecadar os dízimos dos demais israelitas. Esta era a forma
como se sustentariam a si mesmos e a forma como manteriam o
tabernáculo e o serviço religioso. 13 Ao longo da era veterotestamentária,
os descendentes de Levi eram sustentados com os dízimos do povo de
Deus. No tempo de Jesus, observou-se estritamente a prática do dízimo.
Os fariseus especialmente a observaram (Mt 23:23). Até a viúva pobre
lançou seus dois centavos à caixa de ofertas do templo (Mc 12:41–44),
entregando tudo o que tinha.
Quando Jesus enviou Seus discípulos de dois em dois, ordenou que
não levassem consigo dinheiro, comida ou alforje (Mt 10:5–9; Mc 6:7–
11; Lc 9:3–5). Disse-lhes que o obreiro era digno do seu salário. Esta
palavra lhes assegurou que Deus lhes proveria tudo o que necessitavam.

12
Consulte-se H.P. Nasuti, «The Woes of the Prophets and the Rights of the Apostle: The Internal
Dynamics of 1 Corinthians 9», CBQ 50 (1988): 246–64.
13
Veja-se Lv 27:30–33; Nm. 18:21,24,26–29; Dt 12:17–19; 14:22–29; 26:12–15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 412
Jesus regulamentou que um obreiro do reino de Deus devia receber o seu
salário do povo de Deus (Lc 10:7).
No possível, pastores e missionários deveriam trabalhar em tempo
completo, pregando e ensinando a Palavra de Deus. Por sua vez, o povo
ao qual servem deveria apoiá-los financeiramente, para que os pastores e
missionários possam cobrir suas necessidades. Embora o fabricar tendas
tenha o seu lugar e propósito, o povo de Deus deveria levantar os
recursos necessários para os ministros.
Finalmente, os membros da igreja expressam seu amor e gratidão
ao Senhor ao entregar com alegria seus dízimos e ofertas (2Co 9:7). De
domingo em domingo, apresentam seus dons ao Senhor num ato de
adoração, esperando que sejam usados para a glória de Deus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 9:3–6


Versículo 3
_υε, — este adjetivo possessivo («minha») é mais forte e expressivo
que o enclítico μου («me»), especialmente ao estar colocado entre o
artigo definido _ e o substantivo απολογία (=defesa).
αυτη — no original grego, o pronome demonstrativo («esta») ocupa
o último lugar da oração, o qual favorece a ideia de que aponta aos
versículos seguintes.

Versículos 4–5
μή — esta partícula negativa aparece no princípio de cada pergunta,
convertendo a cada uma numa pergunta retórica que demanda uma
resposta negativa. Contudo, em ambos os versículos usa-se a partícula ο_
para negar o verbo principal, de forma que o duplo negativo (com μή e
com ο_) faz com que as perguntas retóricas recebam respostas
afirmativas.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 413
_δελφ_ν γυνα_κα — o aposto de dois substantivos faz com que o
primeiro descreva o segundo: «uma irmã (no Senhor) como esposa».

Versículo 6
μόνος — no singular, o adjetivo aplica-se gramaticalmente só a
Paulo. Mas por extensão também a Barnabé.
μ_ _ργάζεσθαι — o negativo μή nega o infinitivo presente
trabalhar, mas dada a presença da partícula comparativa _ que aparece
no começo do versículo, a oração depende do negativo μή do versículo
precedente (v. 5) e é uma pergunta retórica. Os dois negativos se anulam
um ao outro, de tal forma que a pergunta recebe uma resposta positiva. 14

c. Serviço. 1Co 9:7–12

Os estudiosos não estão de acordo em como dividir o capítulo nesta


seção. Alguns creem que o versículo 7 pertence ao parágrafo precedente
(vv. 3–7), outros pensam que começa um novo parágrafo (vv. 7–12) e a
outros pensam que a seção é mais ampla (vv. 3–12).
A seção anterior (vv. 3–7) registra três perguntas retóricas que
demandam uma resposta positiva. Pelo contrário, o versículo 7 introduz
três perguntas retóricas que demandam uma resposta negativa. O
versículo 7 introduz os versículos 8–12, assim que o conectamos com
essa seção. As perguntas se relacionam com a agricultura e são
reforçadas por uma citação da lei de Moisés (Dt 25:4) no versículo 9.
Partindo desses exemplos, Paulo expõe aos coríntios seu direito a esperar
deles apoio material.
7. Ou quem serve no exército à própria custa? Quem planta uma
vinha e não come d o seu fruto? Que m pastoreia um rebanho e não bebe
do seu leite?

14
BDF § 431.1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 414
a. «Quem serve no exército à própria custa?». Esta é a primeira de
três perguntas que neste versículo demandam uma resposta negativa. O
soldado recebe suas provisões de seu oficial superior, quem tem que
prover suas tropas com todo o necessário, quer venha dos depósitos do
governo ou das nações conquistadas. Se não o fizesse, suas tropas se
rebelariam. Nenhum soldado serviria à própria custa num exército. 15 Isto
seria impensável.
Paulo não está pedindo salário dos coríntios, porém com este
exemplo defende o seu direito de suprir as suas necessidades básicas.
«‘Salário’ não é uma boa tradução [neste texto] porque … ninguém pode
pagar-se seu próprio salário». 16
b. «Quem planta uma vinha e não come do seu fruto?». Esta
pergunta também recebe uma resposta negativa. O exemplo é tomado da
vida agrícola com a qual estavam familiarizados os destinatários desta
epístola. As palavras nos lembram a declaração proverbial da lei de
Moisés: «E quem plantou vinha e não desfrutou dela?» (Dt 20:6).
c. «Ou quem pastoreia um rebanho e não bebe do seu leite?». Todos
responderão com um grande «ninguém». O pastor tem leite fresco todos
os dias, e os animais lhe entregam os produtos lácteos necessários para
alimentar a sua família.
Estes três exemplos, o do soldado, do agricultor e do pastor,
pertencem à cultura do tempo apostólico; a Escritura com frequência
representa o povo de Deus como um exército, uma vinha e um
rebanho. 17 Com estas três ilustrações da vida diária, Paulo prova, sem
dúvida, que tem direito a que os coríntios lhe paguem por seu trabalho
entre eles.

15
BAGD, p. 602.
16
Chrys C. Caragounis, «ΟΨΩΝΙΟΝ: A Reconsideration of Its Meaning», NovT 16 (1974): 52. Veja-
se também Oswald Becker, NIDNTT, vol. 3, pp. 144–145; Hans Wolfgang Heidland, TDNT, vol. 5, p.
592.
17
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), p. 438.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 415
8, 9. Verd ade que não di go estas coisas de acord o com o q ue o
homem diz? Ou acaso a lei n ão diz estas coisas? Porque na lei de Mois és
está escrito: «Não ponhais focinheira ao boi que debulha».
a. «Verdade que não digo estas coisas de acordo com o que o
homem diz?». O versículo 8 refere-se ao mundo em que nos movemos
diariamente e lembra aos leitores os exemplos que foram dados no
versículo 7. Os exemplos da vida diária são instrutivos, mas Paulo não
fundamenta seu argumento em observações axiomáticas.
b. «Ou acaso a lei não diz estas coisas?». Como o faz repetidamente
em sua epístola, Paulo se volta às Escrituras. 18 Como a Palavra de Deus
é fundamental, Paulo a cita com frequência quando ensina. A expressão
lei refere-se à lei de Moisés. Paulo tira da lei mosaica as palavras «Não
porás focinheira ao boi quando debulha» (Dt 25:4; veja-se 1Tm. 5:18).
c. «Porque na lei de Moisés está escrito». Calvino se pergunta por
que Paulo não recorreu à uma ilustração da lei que fosse mais clara, pois
poderia ter falado do obreiro pobre que necessita seu salário. Deus lhe
diz ao padrão: «No seu dia, lhe darás o seu salário» (Dt 24:15). 19 Pero
Pablo presenta un argumento de menor a mayor: Si Dios quiere que el
agricultor cuide de su buey, ¿no le requiere al hombre que cuide aun más
del ser humano?
d. «Não ponhais focinheira ao boi que debulha». O agricultor
israelita esparramava o grão sobre um solo duro, liso e parelho.
Arrastava-se sobre o grão uma tábua plana, tornando-a mais pesada
pondo pedras ou pedindo a alguém que ficasse de pé sobre ela. A tábua
era arrastada por uma parelha de bois ou cavalos que iam em círculos ao
redor de um poste (cf. 2Sm 24:22–24). Às vezes o agricultor fazia com
que os bois ou cavalos pisassem no grão (cf. Mq 4:12–13). Deixava-se
boi comer todo o grão que quisesse enquanto puxava a tábua grossa. Se

18
1Co 1:19, 31; 2:9, 16; 3:19, 20; 5:13; 6:16; 9:9; 10:7, 26; 14:21; 15:27, 32, 45, 54, 55.
19
Calvin, I Corinthians, p. 187.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 416
um judeu punha focinheira ao boi, corria o risco de ser disciplinado na
sinagoga. 20
9b, 10. C erto que Deus n ão se está preocupando com bois? Ou
realmente está falando por causa de nós? Pois por c ausa de nós s e
escreveu, porque aquele que ara deve ar ar com esperança e aquele que
debulha deve debulhar na esperança de participar do grão que colhe.
Considere-se as seguintes observações:
a. Preocupação. «Certo que Deus não se está preocupando com
bois?». A interpretação desta pergunta deve ser feita dentro do contexto
das Escrituras. Como criador do universo, Deus sustenta a cada
momento toda a Sua criação. Alimenta todas as suas criaturas, grandes e
pequenas. «Faz que cresça a erva para o gado, e as plantas que se cultiva
para tirar da terra seu alimento … Os leões rugem, reclamando sua presa,
exigindo que Deus lhes dê seu alimento» (Sl. 104:14, 21). «Ele alimenta
os gados e os filhos dos corvos quando grasnam» (Sl. 147:9). Portanto,
quando Paulo pergunta se Deus Se preocupa com bois, não quer dizer
que Deus só Se preocupa com o ser humano e descuida os animais.
Deus é que manda o homem a deixar o boi comer enquanto
debulha. O homem faz com que o animal trabalhe para ele, mas Deus
estipula que o homem cuide do boi, porque pertence à criação de Deus
(veja-se Pv 12:10; 27:23). 21 Deus Se preocupa com a conduta que o
homem tem para com a criação, porque quer que seja um mordomo
sábio.
b. Destinatário. Deus fala aos homens, não aos animais. Paulo
pergunta aos seus leitores: «Ou realmente está falando por causa de
nós?». A resposta a esta pergunta é enfaticamente afirmativa. Isto não
quer dizer que Paulo não leve em conta o que Deus quer quando manda
não pôr focinheira no boi que debulha. Pelo contrário, ensina que se um
20
SB, vol. 3, p. 382.
21
Walter C. Kaiser, Jr., «The Current Crisis in Exegesis and the Apostolic Use of Deuteronomy 25:4
in 1 Corinthians 9:8–10», JETS 21 (1978):17. Veja-se G.M. Lee, «Studies in Texts: 1 Corinthians 9:9–
10», Theology 71 (1968): 122–23; D. Instone Brewer, «1 Corinthians 9:9–11: A Literal Interpretation
of ‘Do Not Muzzle the Ox’», NTS 38 (1992): 555–65.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 417
homem não cuidar como deve dos seus animais, tampouco esperaremos
que proveja de forma adequada aos seus obreiros. De forma mais
específica, como é que a igreja cuida dos seus ministros? O que a
expressão quer dizer é que se Deus manda o homem cuidar de seus
animais, em outro nível mais importante instrui a igreja que cuide dos
ministros do evangelho.
c. Argumento. «Pois por causa de nós se escreveu». Com a palavra
pois, Paulo confirma o que veio ensinando nas linhas precedentes.
Sublinha que as Escrituras foram escritas para o homem e se dirigem ao
homem, assim que repete a frase por causa de nós. Deus fala com o
homem e lhe ordena que ouça obedientemente. Mas Paulo afirma que as
palavras se escreveu aludem à citação do Antigo Testamento do
versículo precedente (v. 9), não às palavras que se seguem. Quando diz
«porque aquele que ara deve arar com esperança e aquele que debulha
deve debulhar na esperança de participar do grão que colhe», já não cita
o Antigo Testamento. As Escrituras não registram tais palavras. 22
Supomos que Paulo cita um provérbio da vida agrícola. O que está
procurando dizer? Figuradamente aplica estas palavras ao obreiro cristão
que, como prêmio pelo seu esforçado trabalho, alegra-se ao desfrutar do
fruto. Este obreiro prega e ensina o evangelho, pelo qual espera uma
colheita. O arar e semear normalmente vêm seguidos de debulhar e
colher.
Note-se a ênfase na frase com/em esperança, a qual ocorre duas
vezes. 23 Aquele que ara e semeia deve fazê-lo com a esperança de
colher. Na colheita, ele e aquele que debulha terão sua parte. Em termos
da espera expectante, aquele que ara está no começo do período de
crescimento e aquele que debulha no final. Ambos estão cheios da
esperança de que participassem da colheita e de que alegrarão de sua

22
Eclesiástico (ou Sirácida), referindo-se à sabedoria, diz: «Como o lavrador e o semeador, trabalha-a,
e conta com seus melhores frutos» (Sir. 6:19, BJ)
23
O Texto Majoritário tem uma leitura que expande o dito na segunda parte desta frase: «e aquele que
debulha em esperança, deve participar de sua esperança» (KJ).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 418
recompensa. No final a esperança converte-se na verdade quando colhe o
fruto e se alegra. A natureza dá crescimento numa temporada que em
meses podem-se contar com os dedos de uma mão. Mas o crescimento
espiritual toma mais tempo e demanda mais paciência e trabalho. suas
recompensas não têm fim e Dã uma satisfação que vai para além de
qualquer medida humana.
11. Se sem eamos o e spiritual para vós, é grande c oisa se col hemos
coisas materiais de vós?
À primeira vista pareceria que as palavras do versículo anterior
contribuíssem pouco para o discurso. Mas este versículo nos oferece a
explicação necessária. Paulo não está falando do que ara e do que
debulha como tais. Antes, está pensando nos obreiros espirituais da
igreja de Deus, que deveriam participar nas bênçãos materiais que vêm
aos membros da igreja.
Por meio do uso da primeira pessoa plural (semeamos … colhemos),
Paulo aplica as palavras deste versículo a si mesmo e aos seus
companheiros. Além disso, escreve uma oração condicional do tipo real.
Ele e seus colaboradores por certo semearam a Palavra espiritual de
Deus entre os coríntios. E agora esperam uma resposta espiritual e
material da parte dos membros da igreja. É óbvio que se comparam as
coisas temporais com as materiais, pois os coríntios são, sem dúvida, os
recipientes dos melhores dons (veja-se Rm 15:27). Se Paulo semeou uma
semente espiritual, não deveria esperar em troca um dom material? A
pergunta demanda uma resposta afirmativa.
12. Se out ros participam deste direito [de sustento] sobre vós , não
temos nós mais dir eito? No entanto, não usamos este direito, mas
suportamos tudo, para não ser um obstáculo ao evangelho de Cristo. 24
a. «Se outros participam deste direito [de sustento] sobre vós, não
temos nós mais direito?». A primeira coisa que devemos notar é que

24
Os tradutores não concordam sobre como dividir aqui os versículos e o parágrafo. Muitos seguem a
divisão da GNT (NVI, CB, VP) e começam um novo parágrafo no versículo 12b. Mas outros
terminam o parágrafo no versículo 12 (NBE,) ou no 13 (BP) ou no 14 (BJ, NC, LT). Eu sigo NTG.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 419
Paulo elabora uma oração condicional para precisar o que ocorria em
Corinto. Afirma que há outros que estão exercendo o direito de exigir ser
sustentados economicamente. O verbo participam traduz o grego
diretamente (veja-se o v. 10), mas idiomaticamente quer dizer «desfrutar
de». 25 Literalmente o grego diz: «se outros participarem do direito de
vós», mas o contexto demanda acrescentar algo como de sustento.
Finalmente, a palavra vós não é um genitivo subjetivo («por vós»), e sim
um genitivo objetivo («sobre vós»).
A quem Paulo se refere indiretamente? A palavra outros indica que
são pessoas que estão na mesma categoria que Paulo, que são pessoas
que proclamam o evangelho. Talvez sejam Apolo ou Pedro, que também
eram ministros. Paulo escreve que estes homens participam do direito de
esperar remuneração por seu trabalho diário de pregar e ensinar.
Ao fazer esta comparação, Paulo pergunta se ele não deveria ser o
primeiro em participar do direito de ser sustentado. Nem Apolo nem
Pedro fundaram a igreja de Corinto. Foi Paulo quem a fundou e os
coríntios o tinham como seu pai espiritual (1Co 4:15). Se outros
exerciam o direito de ser sustentados, por certo que Paulo pode exigir o
mesmo.
b. «No entanto, não usamos este direito». Quando chegou a Corinto
em sua primeira visita, Paulo se hospedou na casa de Priscila e Áquila.
Eles eram fabricantes de tendas como Paulo (At 18:2, 3), assim que
sabiam trabalhar o couro. Durante a semana Paulo ganhava suficiente
dinheiro para pagar seus gastos. Porém nos sábados pregava na sinagoga
local. Por um ano e meio, Paulo pregou e ensinou aos coríntios. Não quis
aproveitar-se do seu direito de ganhar seu sustento da igreja que fundou
e serviu. Pelo contrário, trabalhou para não ser uma carga para os
coríntios. 26 Ao planejar um método de trabalho que promovesse a causa
do evangelho, Paulo sabia que seria criticado. Se Paulo recusava usar o

25
BAGD, p. 514.
26
Cf. At 20:34, 35; 2Co 12:13; 1Ts 2:9; 2Ts 3:8.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 420
seu direito de ser sustentado, seus adversários o acusariam de isolar-se
da igreja. Mas se aceitasse ser sustentado, o teriam acusado de ser
ambicioso. 27
Quando Silas e Timóteo chegaram, Paulo pôde dedicar-se em
tempo completo à pregação do evangelho (At 18:5), pois estes homens
lhe trouxeram as ofertas que as igrejas da Macedônia lhe tinham
mandado. Isto o sabemos porque ele escreve: «Quando estive entre vocês
e passei por alguma necessidade, não fui um peso para ninguém; pois os
irmãos, quando vieram da Macedônia, supriram aquilo de que eu
necessitava. Fiz tudo para não ser pesado a vocês, e continuarei a agir
assim» (2Co 11:9, NVI). A igreja de Filipos lhe proveu muitas vezes de
ofertas que ajudaram o seu trabalho (Fp 4:14–16). Esta igreja da
Macedônia dá o exemplo do que é o contribuir voluntariamente. Paulo
não andava em busca de doações, mas estava disposto a elogiar esta
igreja pelo apoio que lhe dava.
c. «Mas suportamos tudo, para não ser um obstáculo ao evangelho
de Cristo». O adversativo mas fortalece e explica o adversativo no
entanto da oração anterior.
Ao usar a primeira pessoa plural suportamos, sem dúvida inclui os
seus colegas Silas e Timóteo, que também poderiam ter trabalhado em
algum oficio para suprir suas necessidades físicas. Paulo afirma que ele e
seus colaboradores suportavam tudo. No grego, o verbo suportar tem o
sentido primário de guardar silêncio por amor a outros (cf. 1Co 13:7,
onde aparece o mesmo verbo). Aguentaram muitos inconvenientes por
amor ao evangelho de Cristo. Fariam o possível por não escandalizar a
ninguém que queria conhecer a Cristo.
Paulo e seus associados fariam qualquer coisa pela causa do
evangelho. Queriam que nenhuma pessoa que se interessasse em Cristo
dissesse que os apóstolos só se interessavam no dinheiro. Seu estilo de
vida jamais se devia converter num estorvo para os coríntios. A palavra

27
William Hendriksen, 1 y 2 Tesalonicences, p. 79.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 421
obstáculo é um termo militar que aponta à ação de destroçar um caminho
para impedir o avanço de um inimigo que se aproxima.28 A palavra
comunica que há um curso de ação que se interrompe. Neste caso o que
se interrompe é a propagação do evangelho de Cristo (2Co 6:3). Este
evangelho pertence a Cristo e ao mesmo tempo o proclama.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 2:9–12


Versículos 9–10
γάρ — a partícula afirma a resposta positiva às perguntas retóricas
precedentes (vv. 9b-10a) no sentido de «por certo». 29
κημώσεις — «porás focinheira». A evidência textual que favorece
esta leitura não é tão forte como a que favorece a φιμώσεις («porás
focinheira»). Contudo, os eruditos preferem a primeira por razões de
trascripción. 30
_τι — esta palavra pode representar a conjunção que recitativa ou
ao porque causal. A conjunção poderia ser explicativa, no sentido de
«isto é» ou aos dois pontos (BP). Dificilmente poderíamos tomá-la como
recitativa, quando não se alude à Escritura. A maioria dos tradutores dá à
palavra um sentido causal. 31

Versículo 11
ε_ — em três orações sucessivas, esta partícula introduz fatos que
são verdadeiros.

28
Thayer, p. 166. Cf. Archibald Robertson e Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary
on the First Epistle of St. Paul to the Corinthians, na série International Critical Commentary, 2ª. ed.
(1911; reimpresso por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 186.
29
BDF § 452.2.
30
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 558.
31
Entre as edições de Novo Testamento grego, só NTG coloca o versículo 10b como uma citação. No
entanto, não se identificou a fonte desta citação, visto que Eclesiástico 6:19 não é mais que um pálido
eco.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 422
_μεί _μί — note-se a justaposição destes dois pronomes pessoais
nesta cláusula e na seguinte (veja-se também v. 12a). A posição de _μώ
parece sublinhar a ideia possessiva («vossas coisas materiais»).
σαρκικά — este adjetivo descreve a aparência e características da
carne (veja-se 1Co 3:3), isto é, matéria, e refere-se a objetos materiais.

Versículo 12
_λλοι — «outros» da mesma categoria; de outra maneira, Paulo
teria usado o adjetivo _τεροι («distinto»).
_μώ — o substantivo _ξουσίας governa o caso genitivo do
pronome, o que resulta neste direito [de sustento] sobre vós». 32 O
substantivo _ξουσίας é genitivo por causa do verbo μετέχω (participar
de).
το_ Χριστο_ — o genitivo é tanto subjetivo («que Cristo possui»)
como objetivo («a respeito de Cristo»).

2. Renúncia dos direitos. 1Co 9:13–18

a. Remuneração. 1Co 9:13–14

Para os apóstolos e seus colaboradores, a revelação de Deus era


uma unidade. É verdade que o escritor de Hebreus nos diz que muitas
vezes e de muitas formas Deus falou aos antepassados através dos
profetas, e que nestes dias últimos nos falou por meio do Filho. Mas é
Deus quem revela ao Seu povo a Sua verdade redentora através dos
apóstolos (Hb 1:1, 2).
Quando Paulo escreve a respeito de receber seu sustento do povo de
Deus, refere-se ao sistema levítico que Deus instituiu para o templo. Vê
uma semelhança entre o mandamento que Deus deu para que o povo

32
Robertson, p. 500.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 423
sustentasse os sacerdotes e levitas com o mandamento do Senhor que
falava de sustentar os mensageiros do evangelho.
13. Acaso não sabeis que os que administram o culto sagrado comem
da comida do templo e que os que regularmente servem no altar
participam das ofertas do altar?
a. «Acaso não sabeis?». 33 Esta pergunta, que é uma repreensão,
aparece em outro lugar nesta carta (1Co 3:16). Os destinatários deveriam
saber o que Paulo lhes diz, mas em vez disso, dão a conhecer que sua
vida religiosa é inconsistente. Paulo os havia instruído nos ensinos do
Antigo Testamento e na mensagem do evangelho. Mas podíamos esperar
que os crentes gentios em Corinto estivessem familiarizados com as
estipulações do Antigo Testamento a respeito dos levitas e sacerdotes? 34
À vista da comparação do versículo que se segue (v. 14), que diz «Assim
também o Senhor instruiu aos que», a resposta é afirmativa. Os coríntios
deviam saber pela Escritura quais eram as regulações divinas que tinham
que ver com a remuneração dos que ministravam no serviço de Deus.
Inclusive se fosse deixado de lado o ensino das Escrituras, os gentios de
Corinto sabiam que os sacerdotes dos templos pagãos recebiam sua
remuneração do povo que devia adorar, embora esse lucro fosse usado
para coisas distintas que a simples alimentação e o vestido.
b. «Que os que administram o culto sagrado comem da comida do
templo». Esta parte da cláusula expressa uma afirmação geral a respeito
do trabalho e ministério de todos aqueles que estavam conectados com o
serviço do templo. Os dízimos e ofertas que o povo trazia para o templo
de Jerusalém estavam destinados aos sacerdotes e levitas. Pelo fato de
que a tribo de Levi não recebeu terras em Israel, Deus estipulou que os
descendentes de Levi recebam seus ganhos das ofertas que o povo trazia
para o santuário de Deus (Dt 18:1). A palavra comida refere-se às
necessidades da vida e templo alude aos serviços religiosos,
especificamente em Israel. Calvino observa com acuidade a diferença
33
Veja-se 1Co 6:2, 3, 9, 15, 16, 19. Veja-se também 1Co 3:16; 5:6; 9:24.
34
Refira-se a Lv 6:8–7:38; Nm. 18:8–31; Dt 18:1–5. Veja-se também SB, vol. 3, pp. 300–301.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 424
que havia entre os cultos nos templos pagãos e o templo de Jerusalém:
«Um argumento derivado dos costumes dos pagãos por certo teria sido
um argumento pobre, visto que os lucros dos sacerdotes pagãos não
estavam destinados a necessidades como comida e roupa, mas a móveis
custosos, esplendor monárquico e luxos extravagantes». 35
c. «E que os que regularmente servem no altar participam das
ofertas do altar?». Está Paulo distinguindo deliberadamente entre os que
trabalhavam no templo e os que serviam no altar? Dificilmente. Como
em outras partes desta carta (p. ex., 1Co 7:2, 3, 21, 22, 27; 8:6), Paulo
usa o paralelismo. Refere-se ao altar que está no átrio dos sacerdotes no
templo de Jerusalém. Ali os sacerdotes recebiam uma parte do que se
oferecia no altar. Os coríntios conheciam estas regulações, mas se davam
conta de que os cristãos gentios não deviam observar as leis cerimoniais
(cf. At 15:19–21). Não obstante, deviam ser capazes de entender que as
provisões para os sacerdotes e levitas eram as mesmas que para os
pregadores do evangelho. O que se deve cumprir não é a forma, e sim o
princípio atrás destas provisões. Não deveria haver diferença.
14. Assim tam bém o Sen hor instruiu aos que pregam o evan gelho
que ganhem a vida com o evangelho.
Paulo apela a uma palavra do Senhor que ele põe ao mesmo nível
que as estipulações da lei mosaica. Apela a uma autoridade mais alta que
os apóstolos, apela ao próprio Jesus. Nos evangelhos, Jesus disse aos
Seus discípulos que o obreiro é digno do seu salário (Mt 10:10; Lc 10:7;
cf. 1Tm. 5:18). Paulo expande o ensino de Jesus e diz que os obreiros
que se dedicam totalmente à pregação e ao ensino do evangelho, devem
ser sustentados pela igreja (Gl 6:6).
Paulo escreve que Jesus ordenou aos Seus discípulos que
recebessem o seu sustento daqueles que desfrutam de seu ministério.
Este mandamento requer a obediência da igreja, não dos apóstolos. Da

35
Calvin, 1 Corinthians, p. 190.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 425
mesma forma, Deus deu o mandamento sobre o sustento da tribo de Levi
ao povo de Israel e não aos sacerdotes.
Este versículo delineia com muita clareza qual deve ser a fonte de
sustento dos ministros da Palavra. O pregador que com fidelidade
proclama o evangelho tem o direito de esperar receber seu sustento do
evangelho. «Ai do homem que reclama viver do evangelho sem ao
mesmo tempo viver para o evangelho». 36

Considerações práticas em 1Co 9:13–14


O pregador é um ministro do evangelho. Embora ministre a Palavra
aos membros da igreja, não é um servo da igreja, mas da Palavra de
Deus. É verdade que serve à igreja, a qual lhe provê um salário; não
obstante, permanece um servo da Palavra de Deus. Esta é uma distinção
fundamental, porque enquanto for possível o Senhor envia os Seus
embaixadores a pregar a Palavra como ministros de tempo completo.
Ninguém porá em dúvida que um ministro pode trabalhar com êxito
no mundo secular e sobressair com os seus dons. Mas o servo do Senhor
deve dedicar seu tempo à pregação e ensino do evangelho. Foi chamado
a uma tarefa gloriosa e foi ordenado para que se dedique por completo ao
ministério da Palavra.
O Senhor manda aos que se beneficiam deste ministério a suprir as
necessidades do pregador. Mas o sustento que dão ao ministro deve ir
para além das necessidades básicas da vida. Com seu salário, o pastor
deve poder pagar sua dívida universitária, comprar livros para o seu
ministério, e subscrever-se em revistas teológicas e pastorais que o
ajudem em seu trabalho. O ministro deve receber um salário adequado,
que lhe permita sustentar a sua família.

36
Godet, First Corinthians, p. 451.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 426
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 9:13–14
Versículo 13
ο_κ _δατε — a partícula negativa introduz uma pergunta retórica
que espera uma resposta positiva. Os destinatários sabiam do que se
estava falando, porque Paulo e seus colaboradores lhes tinham ensinado
as Escrituras.
τ_ _ερ_. — o adjetivo no caso neutro plural quer dizer «coisas
santas» e se refere a tudo o que está conectado com o templo. 37
τ_ _κ το_ _ερού — o Texto Majoritário omite o artigo definido τα,
que deve suprir-se na tradução (RA). A evidência textual apoia tanto a
retenção como a omissão do artigo. Paulo escolhe o substantivo τ_ _ερόν
(o templo com todas as suas dependências), o qual difere de sua palavra
preferida de ναός (templo, o santuário propriamente tal). Veja-se 1Co
3:16; 6:19.

Versículo 14
το_ς — o dativo não aponta a um objeto indireto, mas a um dativo
de proveito. «O mandamento não é dado aos missionários, senão para o
seu benefício». 38
_κ — seguida do caso genitivo, esta preposição denota causa ou
fonte.

b. Recompensa. 1Co 9:15–18

15. Mas eu não usei nenhum dest es privilégios nem escrevo estas
coisas para assim tirar proveito. Porque morreria antes que … Ninguém
fará nula minha razão para me jactar.

37
BAGD, p. 372. Consulte-se Gottlob Schrenk, TDNT, vol. 3, p. 232.
38
Fee, First Corinthians, p. 413, n.95.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 427
a. «Mas eu não usei nenhum destes privilégios». Durante suas três
viagens missionárias, Paulo se sustentou com o seu próprio trabalho.
Quando menciona Barnabé, quem trabalhava para suprir suas próprias
necessidades (1Co 9:6), refere-se à primeira viagem missionária. O
trabalho artesanal em Tessalônica (1Ts 2:9), Corinto (At 18:3) e Éfeso
(At 20:34) ocorreu na segunda e terceira viagem (veja-se também 2Co.
12:14). 39
Paulo exclui a possibilidade de que os coríntios lhe paguem seus
serviços numa visita futura. Assevera categoricamente que não buscou
para si o direito do sustento material (veja-se 1Co 4:12). E continuará
observando o princípio de não aceitar dinheiro nem bens por sua obra
espiritual. Paulo não diz que outros devem seguir seu exemplo de rejeitar
o sustento do povo. Também o donativo da igreja de Filipos não se deve
entender como pagamento por alguma obra feita, mas sim como
amostras de seu amor por Paulo (1Co 2:14–18).
b. «Nem escrevo estas coisas para assim tirar proveito». Ao
escrever sua carta aos coríntios, Paulo deve ter usado os serviços de um
escriba profissional. Ao ir redigindo suas orações, o apóstolo percebe
que alguns de seus leitores poderiam pensar que sua intenção era pedir à
igreja que lhe pague pelos serviços prestados no passado. Assim que,
deixa claro que não está pedindo nada aos coríntios. Pelo contrário,
apesar que Jesus mandou que o obreiro seja remunerado por seu
trabalho, Paulo mantém o princípio de não pedir sustento, e sim confiar
em seus próprios recursos. Não se interessa em buscar sua própria
prosperidade, e sim o progresso do evangelho.
c. «Porque morreria antes que …». As cartas de Paulo nos revelam
que se emocionava com facilidade. Com frequência se detinha em meio
de uma oração, deixando que o leitor supra o que falta. 40 Na presente
passagem, Paulo reflete em sua relação com os coríntios e se emociona
39
Consulte-se Ronald F. Hock, «The Workshop as a Social Setting for Paul’s Missionary Preaching»,
CBQ 41 (1979): 438–50.
40
Cf. p. ex., Rm 3:25; 5:12; 8:32; 1Co 6:9; 10:32.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 428
ao ponto de deixar a oração incompleta. Quando recupera a compostura,
tem que começar uma nova oração com uma ideia ligeiramente distinta.
Só podemos conjeturar o que poderia ter dito a oração completa.
Talvez esteve prestes a lançar uma crítica. Jamais saberemos. Contudo,
alguns manuscritos antigos dão continuidade à oração por meio de uma
leitura diferente do grego. Esta leitura vê-se, por exemplo, na RA 1999,
que diz: «porque melhor me fora morrer, antes que alguém me anule esta
glória». Esta versão dá uma tradução parelha, porém não comunica a
emoção que causou uma ruptura da sintaxe. Se retivermos a quebra
sintática, comunicamos o estado emocional de Paulo. 41
d. «Ninguém fará nula minha razão para me jactar». O que Paulo
quer dizer? No princípio de sua carta, repreendeu os destinatários
dizendo que não deviam jactar-se, que não seja no Senhor (1Co 1:31;
veja-se Gl 6:14). Agora insinua que o cristão jamais pode jactar-se em si
mesmo ou em suas realizações, mas só no Senhor.42 Até pode dizer que
seu direito de ser sustentado pelos coríntios não é base para jactar-se. De
modo que a razão para jactar-se é que a causa do evangelho foi e é
promovida de graça. Ninguém é capaz de frear o de jactar-se sobre isso
(2Co 11:10). Se agora aceitasse receber remuneração, daria aos seus
oponentes a oportunidade de desvanecer sua jactância. Mesmo no caso
de os coríntios quisessem pagar-lhe, Paulo não o aceitaria para que não
seja freado o progresso do evangelho (v. 12).
16. Porque se pregar o e vangelho, de n ada tenho que me jactar.
Estou compelido a pregar, pois ai de mim se não pregar o evangelho.
Quando Jesus chamou Paulo no caminho a Damasco, encarregou-
lhe que pregasse o evangelho aos gentios e ao povo de Israel (At 9:15;
26:15–18). Quando começou o seu ministério, Paulo proclamou as boas
novas aos judeus nas sinagogas de Damasco e de Jerusalém. Depois

41
Roger L. Omanson, «Some Comments about Style and Meaning: 1 Corinthians 9:15 and 7:10»,
BibTr 34 (1983): 135–39.
42
Refira-se a Hans-Cristoph Hahn, NIDNTT, vol. 1, 229; Rudolph Bultmann, TDNT, vol. 3, pp. 651–
652.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 429
ensinou na igreja de Antioquia e dali foi para Chipre e a Ásia Menor
para dar a conhecer o evangelho de Cristo a judeus e a gentios. Tal como
o revela em seu sermão de despedida aos anciãos de Éfeso: «Testifiquei,
tanto a judeus como a gregos, que eles precisam converter-se a Deus
com arrependimento e fé em nosso Senhor Jesus» (At 20:21, NVI). Pelo
fato de que Paulo foi nomeado para pregar, não considerava essa tarefa
como uma razão para jactar-se. Pelo contrário, o que o compelia a pregar
era a comissão que tinha recebido do Senhor. Queria cumprir a tarefa
que o Senhor Jesus lhe tinha dado, ou seja, pregar o evangelho a judeus e
a gentios.
«Pois ai de mim se não pregar o evangelho». Paulo levanta o
lamento dos profetas do Antigo Testamento e dos apóstolos do Novo.
Bem como Paulo, estes homens estavam dominados pela urgência de dar
a conhecer a mensagem que Deus lhes tinha dado. Jeremias disse que a
Palavra de Deus era como fogo em seu coração e em seus ossos (Jr 20:9)
e Amós escreve que devido ao fato de que Deus falou, ele devia falar
(Am 3:8). Pedro e João, de pé diante do Sinédrio, disseram ao corpo
governante que eles não podiam mais que falar o que tinham visto e
ouvido sobre Jesus Cristo (At 4:20).
A frase ai de mim descreve a maior miséria jamais imaginável para
Paulo. Se não cumpria este imperativo divino de pregar, traria sobre si
esta inexprimível calamidade.43 Deve pregar o evangelho de salvação, ou
como disse a Timóteo: «quer seja oportuno ou não» (2Tm 4:2). Se não o
fizesse, expunha-se à ira de Deus e suas consequências. Paulo é um
escravo de Jesus Cristo, como amiúde o faz notar em suas epístolas (p.
ex., Rm 1:1; Gl 1:10; Tt 1:1), e como tal cumpre fielmente sua tarefa (Lc
17:10).
17. Se o f aço por decisão própria, tenho recompensa. Mas se o faço
sob compulsão, simplesmente cumpro a mordomia que me foi entregue.

43
Veja-se Norman Hillyer, NIDNTT, vol. 3, p. 1054.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 430
Este versículo é obscuro, e sua primeira parte pareceria não
corresponder corretamente à mensagem do versículo anterior (v. 16). A
segunda oração harmoniza com o contexto, visto que Paulo indica que
está sob obrigação divina de pregar o evangelho. Assim que, o problema
radica na primeira parte deste versículo, particularmente na palavra
recompensa. Paulo parece retroceder ao andado no seguinte versículo (v.
18), onde pergunta e responde a pergunta sobre qual é sua recompensa.
Quatro vezes usa a primeira pessoa singular, para fixar a atenção nele.
a. «Se o faço por decisão própria». Se tomarmos este versículo
como se fosse a continuação da explicação a respeito dos direitos que
Paulo tinha como apóstolo, as dificuldades se mantêm, mas já não são
insuperáveis. Os coríntios não podem entender como Paulo não defende
seus direitos como pregador. Ele o veem como um pregador que veio a
eles de sua própria iniciativa. Mas Paulo lhes lembra que se tivesse vindo
a eles por sua própria vontade, teria esperado que eles dessem uma
recompensa monetária. Então teria tido uma recompensa.
«Mas se o faço sob compulsão, simplesmente cumpro a mordomia
que me foi entregue». Paulo diz mordomia, a fim de mostrar que embora
seja um apóstolo com direitos (vv. 1–6), serve a Jesus como mordomo
(veja-se 1Co 4:1). No tempo de Paulo, os mordomos eram escravos que
tinham a responsabilidade de administrar a casa, propriedade ou assuntos
financeiros do amo.
Paulo sabe que recebeu sua mordomia do próprio Jesus. Seja que
um mordomo desempenhe suas tarefas por decisão própria ou por
compulsão, sua responsabilidade continua sendo a mesma. Se realizar
seu trabalho, não por sua própria vontade, mas porque seu amo o
atribuiu, não é mais que um mordomo. É como o servo da parábola que
arou a terra de seu amo, preparou-lhe a comida, serviu-o e no final teve
um momento para comer e beber. Não recebeu gratidão pelo que fazia,
porque era o servo de seu amo. De maneira semelhante, os servos de
Deus devem dizer: «Somos servos inúteis; não fizemos mais que cumprir
o nosso dever» (Lc 17:10).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 431
18. Qual é, então, m inha recompensa? Quando prego o e vangelho,
ofereço-o gratuitamente para não fazer pleno uso de minha autoridade no
evangelho.
a. «Qual é, então, minha recompensa?». Paulo sente que quando
escreveu a palavra recompensa na primeira oração do versículo anterior
(v. 17), não a explicou adequadamente. Agora toma tempo para explicá-
la. Em muitas epístolas, Paulo mostra seu desejo de ser obediente à
comissão que recebeu de Deus (p. ex., 1Co 15:9, 10; Gl 1:15, 16; Ef 3:8,
9). Para ele era um privilégio ter sido comissionado para pregar. Como
escravo de Cristo, obedecia de boa vontade a quem o enviou e assim
recebeu sua recompensa. Esta recompensa não era algo que ele desejava.
Pregava o evangelho gratuitamente (v. 18). 44
b. «Quando prego o evangelho, ofereço-o gratuitamente». Jesus
ordena que o obreiro receba seu salário (Lc 10:7). Em certo sentido, a
expressão prego o evangelho denota tanto a pregação como uma vida em
consonância com o evangelho. 45 Os que pregam o evangelho deveriam
receber seu sustento do evangelho (v. 14). Mas Paulo recusa fazer uso
deste direito apostólico e chama «jactância» o seu hábito de pregar o
evangelho gratuitamente (v. 15). Chama «recompensa» a sua rejeição de
aceitar ser pago por seu trabalho no ministério (v. 18). Pelo contrário, se
lhe fosse dito que pregasse por alguma soma de dinheiro, seu propósito
se teria desbaratado. 46 O evangelho teria sido pregado, mas Paulo teria
ficado sem a razão para sua jactância.
Ao não receber um salário por seus serviços, Paulo não deve nada a
ninguém. Ninguém podia reclamar domínio sobre Paulo por causa de
alguma responsabilidade monetária (veja-se 2Co 11:7). Paulo tinha a
liberdade de proclamar o evangelho a quem quisesse.

44
Veja-se Paul Christoph Böttger, NIDNTT, vol. 3, p. 142.
45
Consulte-se Richard Cook, «Paul … Preacher or Evangelist?» BibTr 32 (1981): 441–44.
46
David Prior, The Message of 1 Corinthians: Life in the Local Church, na série The Bible Speaks
Today (Leicester and Downers Grove: InterVarsity, 1985), p. 158.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 432
As boas intenções de Paulo se ilustram aptamente, se tomarmos um
paralelo do mundo da medicina: «Ao atender aos doentes, um médico
poderia estar motivado pelas mais altas intenções, mesmo quando receba
uma remuneração por seus serviços. Mas quando atende os pobres sem
lhes cobrar nada, embora suas motivações não sejam mais altas, a
evidência de sua pureza está fora de dúvida». 47 A pureza das intenções
de Paulo vê-se em que pregava gratuitamente o evangelho.
c. «Para não fazer pleno uso de minha autoridade no evangelho».
Esta segunda parte da oração não só explica a primeira, mas também dá
término ao parágrafo que procura os direitos apostólicos de Paulo. Sabe
muito bem que tem o direito apostólico para viver do evangelho, mas
prefere trabalhar fazendo tendas. Faz uso de outros direitos, porém não
recebe recompensa econômica. As últimas três palavras da oração, «no
evangelho», devem ser tomadas com a palavra autoridade e não devem
ser tomadas como uma referência abreviada à pregação do evangelho.
Paulo oferece gratuitamente os seus serviços com relação ao evangelho.
Surgem duas perguntas. Primeiro, por que escolheu Paulo pregar o
evangelho gratuitamente? Por certo que não o fazia para obter um maior
reconhecimento que aquele que tinham os outros apóstolos, que faziam
uso dos seus direitos apostólicos. Embora Paulo escreva que trabalhou
mais que os outros, dá a glória e o louvor a Deus (1Co 15:10). A simples
ideia de fazer algo por conveniência o repugnava. Trabalhava para que o
evangelho fosse cada vez mais influente no mundo.
Segundo, está pedindo Paulo aos pregadores que o imitem? A
resposta é um sonoro não! Em nenhuma parte de suas epístolas pode-se
encontrar evidência de que os pregadores deveriam ab-rogar o
mandamento que Jesus deu a seus obreiros do reino. Se um ministro do
evangelho tiver uma fonte independente de dinheiro e oferece seus
serviços gratuitamente, é livre de tomar essa decisão. Mas é uma decisão

47
Charles Hodge, An Exposition of the First Epistle to the Corinthians (1857; reimpresso por Grand
Rapids: Eerdmans, 1965), p. 162.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 433
pessoal que jamais deve impor sobre outros. Da mesma forma, Paulo
tomou a decisão de suprir suas necessidades econômicas trabalhando em
seu negócio particular, mas nunca teria demandado o mesmo de seus
colegas.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 9:15–18


Versículo 15
_γώ — faz-se ênfase na primeira pessoa singular por meio de
colocar o pronome pessoal como a primeira palavra da oração. O
pronome vem seguido do adversativo δέ, que aponta a um contraste com
o versículo precedente.
_γραψα — este é o chamado aoristo epistolar, no qual o escritor
considera sua carta do ponto de vista dos destinatários, usando assim o
tempo passado como presente: «escrevo».
_ — a partícula comparativa que depende do advérbio μ_λλον
(=antes) e necessita de outro elemento para completar a comparação.
Mas este outro elemento está ausente, o qual deixa inconclusa a oração.
Não é correto usar a palavra _ (=verdadeiramente) como meio de
resolver o problema. Com exceção de uma variante de Hebreus 6:14, a
leitura _ não aparece em nenhuma variante do Novo Testamento.
ο_δε_ς κενώσει — «ninguém fará vazia». A evidência manuscrita
que apoia esta leitura é antiga, forte e geograficamente ampla. Pelo
contrário, o apoio para a variante _να τις κενώσ_ («a fim de que alguém
esvazie») é fraca. 48 Aqui aplica-se a regra de que a leitura mais difícil é a
preferida.

48
Consulte-se Metzger, Textual Commentary, pp. 558–559.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 434
Versículo 16
__ν γ_ρ ε_αγγελίζωμαι — esta oração é a prótase de uma oração
condicional que comunica uma concessão: «embora pregue o
evangelho». A apódose afirma uma verdade real.
_πίκειται — a voz passiva («está imposto [sobre mim]») pressupõe
que Jesus é o agente da ação do verbo. O tempo presente dá a entender
que o mandato tem uma validez contínua.

Versículos 17–18
ο_κονομίαν πεπίστευμαι — note-se que o caso acusativo do
substantivo mordomia é retido com o verbo perfeito passivo «me foi
entregue». O que se esperava é o verbo ativo πιστεύω com o dativo τινί e
o acusativo do substantivo. 49 Com a voz passiva, no entanto, Paulo
aponta indiretamente a Jesus.
_να — esta cláusula aposicional serve para explicar o versículo
precedente (v. 17).
ε_ς τ_ καταχρήσασθαι — a frase preposicional com o infinitivo
articular expressa resultado, não propósito. O infinitivo tem um sentido
perfectivo («fazer pleno uso»).

3. Liberdade apostólica. 1Co 9:19–27

Paulo tinha a difícil tarefa de ter que trabalhar em duas culturas


distintas: a dos cristãos judeus, que viviam segundo a lei de Moisés, e a
dos cristãos gentios, que estavam livres da lei de Moisés. Devia pregar o
evangelho a ambos os grupos, ao mesmo tempo que procurava reuni-los
numa só comunidade de crentes e de servir como um fiel pastor a
cristãos que tinham uma consciência fraca. Paulo estava na posição

49
C.F.D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 32.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 435
pouco invejável de ter que dar orientação, abordando todos os problemas
que dividiam os crentes em Corinto. Por esta razão, cuidava sua
liberdade para assim poder servir a todos. Tendo demonstrado seu desejo
de ser livre como pregador do evangelho, agora revela qual é a estratégia
que usa para ganhar as pessoas para Cristo.

a. Estratégia paulina. 1Co 9:19–23

19. Porque embora seja livre de to dos os homens, fiz -me escravo de
todos para ganhar a maior quantidade possível.
Com a palavra livre, Paulo retorna ao discurso sobre a liberdade que
começou este capítulo (v. 1). Disse que ele era livre das restrições
dietéticas que a lei mosaica impunha aos judeus. Agora dá a entender
que é livre de dependência econômica. Ao não aceitar compensação
econômica pelo ministério que realiza em Corinto, ficava livre de
qualquer imposição que pudesse obstaculizar sua pregação.
A liberdade é um conceito relativo que tem suas próprias
limitações. Paulo não diz que é livre de todas as coisas, mas é livre de
todos os homens. Ecoa da ideia que começou o capítulo (v. 1). Ali
afirma que é livre porque tem liberdade cristã. Aqui declara que é livre
de todos os homens, como fato objetivo, visto que não tem feito uso de
toda a liberdade que possui. 50
Paulo diz que ele tem a liberdade de comer ou não comer carne, e
que desfruta de independência econômica em virtude de seu negócio
com as tendas. Contudo, nunca esteve livre da lei de Deus, porque tinha
liberdade só dentro do contexto dessa lei. Agostinho o coloca de forma
concisa: «O homem nunca é mais livre que quando é controlado por
Deus somente».

50
Cf. F.W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, en la serie New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 211.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 436
Como homem livre, Paulo é capaz de se relacionar com qualquer
crente da igreja de Corinto. Tem plenos direitos apostólicos para estar
livre do controle humano, mas escolhe ser servo de todos os crentes de
Corinto. Cumpriu literalmente as palavras que Jesus disse aos Seus
discípulos: «Como vocês sabem, os governantes das nações oprimem os
súditos, e os altos oficiais abusam de sua autoridade. Mas entre vocês
não deve ser assim. Ao contrário, aquele que quiser fazer-se grande entre
vocês deverá fazer-se seu servidor, e aquele que quiser ser o primeiro
deverá ser servo dos demais» (Mt 20:25–27). Paulo imitava a Jesus, que
veio para servir e não para ser servido.
Paulo faz-se servidor de todos, com o fim de ganhar a maior
quantidade de gente para Cristo. Deve ficar claro que não compete com
os outros apóstolos a quem converte mais gente a Cristo. Antes, espera
que a estratégia de ser servo de todos traga mais gente a Cristo que
qualquer outro método. 51 Em conclusão, ao colocar-se a serviço do povo
de Cristo, Paulo demonstra que é um servo de Jesus (cf. Gl 5:13).
20. Com os judeus me comporto como judeu, para ganhar os judeus.
Para os que estão debaixo da lei me tornei como um qu e está debaixo da
lei, embora eu mesmo não esteja deba ixo da lei, para ganhar os que estão
debaixo da lei.
a. «Com os judeus me comporto como judeu, para ganhar os
judeus». Como aquele que é servo de todos, Paulo começa por sua
própria gente e se apega ao princípio de «aos judeus primeiro e também
aos gentios». 52 Paulo era judeu e hebreu de hebreus (Fp 3:5). Mas
quando diz que se faz judeu para os judeus, quer dizer que ao ser um
seguidor de Jesus vive numa nova criação (2Co 5:17), que já não é nem
judeu nem gentio. 53

51
R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament
for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 142.
52
Veja-se, p. ex., Mt 10:5,6; At 13:45; Rm 1:16; 2:9.
53
Refira-se a Barbara Hall, «All Things to All People: A Study of 1 Corinthians 9:19–23», em The
Conversation Continues: Studies in Paul and John. In Honor of J. Louis Martyn, editado por Robert
T. Fortna e Beverly R. Gaventa (Nashville:Abingdon, 1990), p. 146.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 437
Em sua intenção de ganhar os judeus para Cristo, Paulo se adaptava
aos costumes judaicos durante o seu ministério. Estes são alguns dos
exemplos notáveis: deixou que Timóteo fosse circuncidado «por causa
dos judeus» (At 16:3); fez um voto nazireu para expressar a Deus o seu
agradecimento (At 18:18); purificou-se junto a quatro nazireus e pagou
seus gastos para a oferta sacrifical (At 21:23, 24, 26).
Paulo buscou promover a unidade da igreja, levando até Jerusalém
alguns cristãos gentios da Macedônia e Ásia Menor (At 20:4). Embora
fosse acusado de não ensinar a lei de Moisés aos judeus da dispersão (At
21:20, 21), voluntariamente pacificou os cristãos judeus de Jerusalém.
Queria demonstrar que não tinha nenhum problema em obedecer a lei de
Moisés. 54
b. «Para os que estão debaixo da lei me tornei como um que está
debaixo da lei, embora eu mesmo não esteja debaixo da lei». Esta ideia é
paralela à primeira oração do versículo. Ambas as orações se aplicam
aos judeus que estavam debaixo da lei de Moisés e aos cristãos com uma
consciência fraca. 55 Mas por que volta Paulo a chamar a atenção aos
judeus? Parece que queria fazer uma clara distinção entre quem estava
debaixo da lei (v. 20) e quem não estava debaixo da lei (v. 21). Isto não
só distingue entre judeus e gentios, mas também parece distinguir entre
os cristãos de consciência fraca que estão debaixo da lei e os cristãos
fortes que praticam sua liberdade da lei. 56
Neste versículo e no seguinte (v. 21), a palavra lei alude à lei
mosaica. Para ser preciso, a parte civil e cerimonial dessa lei era uma
carga para os judeus (cf. At 15:10; Gl 5:1). Contudo, Paulo estava
preparado para relacionar-se com aqueles judeus que consideravam que
seu dever era obedecer a lei de Moisés. Junto aos seus demais

54
Consulte-se Simon J. Kistemaker, Hechos (Grand Rapids: Libros Desafío, 1996), pp. 819–822.
55
Veja-se T.L. Donaldson, «The ‘Curse of the Law’ and the Inclusion of the Gentiles: Galatians 3,13–
14», NTS 32 (1986): 94–112. Cf. Stephen Westerholm, Israel’s Law and the Church’s Faith: Paul
and His Recent Interpreters (Grand Rapids: Eerdmans, 1988), pp. 192–195.
56
Veja-se Hall, «All Things to All People», p. 146.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 438
compatriotas, guardava os costumes judaicos, que incluíam regras
dietéticas, lavamentos e a observância sabática.
Como campeão da liberdade cristã (veja-se p. ex., Gl 2:4; 5:13),
Paulo porá de lado sua liberdade em Cristo e se submeterá à escravidão
da lei mosaica. Isto o faz em contextos judaicos e só por uma razão:
ganhar os judeus para Cristo. Contudo, acrescenta algo que esclarece sua
disposição a guardar os mandamentos da lei mosaica: «embora eu
mesmo não esteja debaixo da lei». 57 Permanece livre em Cristo Jesus.
c. «Para ganhar os que estão debaixo da lei». O que Paulo busca ao
obedecer a lei mosaica é promover a conversão dos judeus ao
cristianismo. Não fala dos judeus cristãos que já sabem que em Cristo
têm liberdade. Antes, refere-se aos judeus que ainda não conhecem Jesus
e o poder libertador do evangelho. Quer que os que estão debaixo da lei
tenham a mesma liberdade que ele desfruta em Cristo.
Embora Paulo tenha sido nomeado acima de tudo como apóstolo
dos gentios (veja-se Gl 2:7–9), pregou o evangelho da salvação a judeus
e gentios (At 20:21). Desta forma buscou ganhar os que estão debaixo da
lei» e «os que estão sem a lei». Paulo se adaptou tanto a judeus como a
gentios, para o bem do evangelho.
21. Para os que não têm a lei me converti como um que não tem a lei,
embora eu mesmo não esteja sem a le i de Deus, mas debaixo da lei de
Cristo, para ganhar nos que estão sem a lei.
a. «Para os que não têm a lei me converti como um que não tem a
lei». Por que não é direto Paulo e diz «para os gentios», em lugar de dar
um rodeio com a frase «para os que não têm a lei»? Primeiro, nesta
epístola evita alienar os gentios e é cauteloso precavido ao dirigir-se a
eles. 58 Segundo, dirige-se aos gentios que não conheciam a lei de Deus e
aos gentios cristãos que estavam livres da lei mosaica. Finalmente, «os
que não têm a lei» poderia referir-se aos cristãos fortes.

57
O Texto Majoritário omite esta oração, a qual deveu omitir-se por acidente na transcrição. Consulte-
se Metzger, Textual Commentary, p. 559. A evidência para sua inclusão é esmagadora.
58
A palavra gentios só ocorre quatro vezes (1Co 1:23; 5:1; 10:20; 12:2).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 439
Deus entregou aos judeus «as palavras de Deus» (Rm 3:2, NVI),
passando por alto as outras nações (Sl. 147:19, 20). As nações não
tinham a lei. Em grego, Paulo usa o termo anomos, que tem um duplo
significado: objetivamente os gentios viviam sem a lei de Deus;
subjetivamente não tinham nenhum interesse nessa lei. 59 No presente
versículo prevalece o sentido objetivo. Paulo contrasta aos que não
tinham a lei com os que receberam a lei. Contudo, o sentido subjetivo
também está presente, visto que Paulo acrescenta imediatamente que ele
mesmo não está sem a lei de Deus. Vive em conformidade com a lei de
Cristo.
Cada vez que Paulo passava um tempo com os gentios, não fazia
caso das leis judaicas sobre as comidas, nem da circuncisão, a festa da
lua nova ou do sábado (veja-se Gl 2:11–14; Cl 2:11, 16). não admira de
que em Jerusalém o acusassem de ensinar aos judeus da dispersão que
abandonassem as leis e costumes mosaicos (At 21:21). De um ponto de
vista judaico, a forma em que Paulo se conduzia com os gentios, o fazia
um gentio. Como não ignorava a lei, a olhos dos judeus se convertia num
transgressor dos preceitos divinos.
b. «Embora eu mesmo não esteja sem a lei de Deus 60 mas debaixo
da lei de Cristo». Com estas palavras, Paulo deixa claro a judeus e
gentios que não é um homem sem lei. É preciso destacar que em três
versículos sucessivos, Paulo sublinha aos seus leitores qual é seu estado:
sou livre de todos os homens (v. 19)
eu mesmo não estou debaixo da lei (v. 20)
eu mesmo não estou sem a lei de Deus, mas debaixo da lei de Cristo
(v. 21).
A primeira declaração (v. 19) deve ser entendida à luz das outras
duas afirmações (vv. 20, 21). «Ser livre significa não estar nem debaixo

59
Refira-se a Walter Gurbrod, TDNT, vol. 4, p. 1086.
60
Fee toma este substantivo como um genitivo objetivo: «para Deus». First Corinthians, p. 429. Veja-
se também RA.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 440
61
da lei nem fora da lei, mas em Cristo». Aquele que está em Cristo
Jesus é uma nova criação. Com relação a Cristo, Paulo é livre e ao
mesmo tempo está debaixo da lei de Cristo.
Com um jogo de palavras com o termo lei, Paulo diz que é livre da
lei pela qual os judeus buscam a salvação. Mas agora que a salvação
chegou em Cristo, a lei de Cristo é a norma de Paulo. Cristo mudou a
forma em que o apóstolo via a lei. Já não busca a salvação com relação à
lei, mas agora quer guardar essa lei como gratidão a Cristo.
O que é, então, a lei de Cristo? A expressão volta a ocorrer mais
uma vez no Novo Testamento (Gl 6:2) e descreve a implementação do
amor: suportar uns as cargas dos outros. Embora Cristo aboliu a lei civil
e cerimonial, as leis morais de Deus permanecem. Paulo escreve que o
guardar esses mandamentos é importante (1Co 7:19). 62 Até coloca a
palavra de Jesus sobre o obreiro digno de seu salário (Lc 10:7) ao mesmo
nível com os preceitos mosaicos (Dt 25:4; 1Co 9:9, 14; 1Tm. 5:18). Se o
crente está debaixo da lei de Cristo, ao mesmo tempo está debaixo da lei
de Deus e obedece a Sua vontade. Como Cristo medeia a lei de Deus,
Paulo deve permanecer dentro dos limites dessa lei no marco da aliança
de Cristo. «Tudo o que Deus lhe ordena como um crente da nova aliança,
obriga-o; não pode sair desses limites. Há um limite rígido a sua
flexibilidade em sua busca de ganhar os perdidos de culturas e religiões
distintas; não pode fazer nada que esteja proibido a um cristão, e deve
fazer tudo o que Cristo mandou ao cristão. Não está livre da lei de Deus,
está debaixo da de Cristo». 63
c. «Para ganhar os que estão sem a lei». Em seus esforços por
ganhar a maior quantidade de gente possível para Cristo, Paulo busca
ganhar os gentios para o Senhor. Quando põem sua fé em Cristo, os
gentios ordenam sua vida de acordo com a lei de Cristo.

61
Hall, «All Things to All People», p. 152.
62
Consulte-se Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard
de Witt (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), pp. 284–285.
63
D.A. Carson, The Cross and Christian Ministry (Grand Rapids: Baker, 1993), pp. 119–120.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 441
22. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos.
Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, po r todos os modos, salvar
alguns [RA].
Fazemos duas observações:
a. Adaptação. «Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de
ganhar os fracos». Paulo agora volta à sua discussão sobre os cristãos
com consciência fraca (1Co 8:9–13). Paulo completou o círculo ao
revisar a liberdade que tem em Cristo. Assim, fala a respeito de sua
relação para com o fraco. Tivéssemos esperado um equilíbrio sintático
que incluísse o forte, mas Paulo não se interessa em comparar o forte
com o fraco. O forte era livre em Cristo e não tinha peso de consciência
quando comia carne sacrificada a ídolos. Os fracos eram os coríntios que
tinham uma consciência fraca; necessitavam do conselho e ânimo que
Paulo lhes pudesse dar para ser fortalecidos em sua fé (Rm 14:1; 15:1).
O versículo 22 dá a entender que nesta passagem particular Paulo
também poderia ter estado pensando em ganhar para o Senhor os
coríntios economicamente fracos. Anteriormente na carta afirmou que
entre aqueles que Deus havia chamado não havia muitos poderosos, nem
muitos de nobre nascimento, mas Deus tinha escolhido o fraco e
insignificante para envergonhar os fortes (1:26–28). Agora Paulo faz
ressoar a mesma mensagem quando escreve: «Fiz-me fraco para com os
fracos». No contexto usa o verbo ganhar para falar de levar judeus (vv.
19, 20) e gentios (v. 21) ao conhecimento de Cristo. Mas quando fala dos
fracos, cuja consciência era fraca, não usa o verbo ganhar. Os fracos já
conhecem Jesus Cristo como Salvador, mas por ter uma consciência
fraca necessitam a ajuda dos fortes.
Cremos que com a oração Fiz-me fraco para com os fracos, com o
fim de ganhar os fracos (v. 22) Paulo poderia estar comunicando uma
dupla conotação. Em outras palavras, refere-se aos fracos de consciência
e aos fracos economicamente. 64 É preciso considerar que ao ministrar em
64
David Alan Black assegura que os fracos eram não crentes que eram incapazes de obter alguma
justiça por si mesmos. «A Note on the ‘the Weak’ in 1 Corinthians 9,22» Bib 64 (1983): 240–42.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 442
Corinto, Paulo se identificou em palavra e fato com os pobres. Seu
trabalho fabricando tendas era uma clara demonstração de que se punha
de lado dos economicamente fracos (At 18:1–4). O próprio Paulo
pertencia à classe alta, como o demonstrava a educação que recebeu. No
entanto, ele não tinha nenhuma hesitação em pôr seu avental e gorro para
trabalhar em seu campo. A alta sociedade greco-romana o desprezaria
por seu degradante trabalho, mas a classe baixa o aceitaria com prazer. 65
A classe alta pensava que a oficina não era um lugar para o homem livre
senão para o escravo. Contudo, Paulo estava preparado a identificar-se
com o pobre para ganhá-los para Cristo.
b. Realidade. «Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos
os modos, salvar alguns». O apóstolo é um modelo para todo aquele que
quer ganhar pessoas para Cristo. Paulo se acomodava às diferentes
situações de cada cultura. Com os judeus vivia como judeu, e com os
gentios como gentio (dentro dos limites do mandamento de Cristo). Fez-
se fraco para com os fracos, para assim ser tudo para todos.
Os oponentes de Paulo poderiam qualificá-lo como ineficaz,
instável e mutável. Neste caso, estariam mal entendendo completamente
suas motivações, ao não notar a intenção missionária dos esforços de
Paulo: levar o evangelho à maior quantidade de gente possível.
Paulo estava convencido de que ao pregar as boas novas da
salvação, Deus abriria o coração de cada um dos escolhidos para
salvação. Se a Deus aprouve salvar Paulo, quem se chamava a si mesmo
o primeiro dos pecadores (1Tm. 1:15), o Senhor Jesus Cristo podia entrar
no coração de qualquer que vivesse em trevas. Paulo era um instrumento
nas mãos de Deus para trazer os pecadores ao Senhor mediante o
evangelho. Paulo pregava e aconselhava, mas o verdadeiro trabalho de
salvação pertencia a Deus.

Kenneth V. Neller crê que os fracos eram gente imatura espiritualmente. «1 Corinthians 9:19–23. A
Model for Those Who Seek to Win Souls», ResQ 29 (1987): 129–42.
65
Ronald F.Hock, «Paul’s Tentmaking and the Problem of His Social Class», JBL 97 (1978): 55–64.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 443
Em poucas palavras, Paulo manifesta um realismo sóbrio, quando
escreve que ao acomodar-se a todos os homens ele o faz «com o fim de,
por todos os meios, salvar alguns». Alguns manuscritos leem «salvar
todos», mas a evidência favorece o texto que adotamos: «salvar alguns».
Naturalmente que Paulo seria o primeiro em afirmar que, embora ele
trabalhasse duro para apresentar o evangelho a todos, só Deus efetuava a
salvação (Fp 2:13). Trabalhava para salvar todos, mas sabia que só
alguns responderiam ao evangelho (veja-se 1Co 10:33; Rm 11:14).
23. E t udo faço pelo bem do evangelh o, para participar
conjuntamente nele. 66
a. «E tudo faço». Notemos que quatro vezes Paulo escreve a palavra
tudo nos versículos 22 e 23. É um servo humilde do evangelho, que irá a
qualquer parte, que descerá ou subirá a qualquer nível da sociedade ou
fará qualquer tarefa por insignificante que seja, contanto que o evangelho
seja proclamado a todos. Paulo não conhecia a palavra discriminação,
visto que dizia que em Cristo não havia «judeu nem grego, escravo nem
livre, homem nem mulher» (Gl 3:28). Sabia que em Cristo todos os
crentes são um.
b. «Pelo bem do evangelho». Esta afirmação repete o dito nos
versículos 15–18. Paulo é um servo do evangelho, tal como o demonstra
servindo a todo tipo de gente. Só pensa no trabalho que o Senhor lhe deu
e que tem que cumprir. É a tarefa de proclamar o pleno evangelho da
graça de Deus a todos os seres humanos em todo lugar (At 20:24; e veja-
se Fp 3:7–14). Paulo estava preparado para viajar ao Ilírico (o que foi a
Iugoslávia e que agora é Albânia) e a Espanha, para que o evangelho
fosse o mais amplamente divulgado (veja-se Rm 15:19, 24).
c. «Para participar conjuntamente nele». Alguém poderia pensar
que Paulo perde, quando afirma que sua intenção é servir a todos os que
queiram ouvir o evangelho. Paulo não perde, mas antes, se beneficia das
bênçãos que vêm com a pregação das boas novas. Cada vez que uma

66
BAGD, p. 774. Em lugar de «todas as coisas», o Texto Majoritário tem «isso» (NTLH).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 444
pessoa crê em Cristo, produz-se alegria e felicidade no Senhor, e Paulo o
arauto do evangelho participa dessa prazerosa celebração. Além disso, o
pregar as boas novas de salvação traz uma rica bênção.
Uma tradução literal desta parte do versículo 23, diria: «para co-
participar nele». A expressão co-participar não aponta tanto ao fato de
que Paulo participa com seus associados no trabalho de pregar, mas sim
participa nas bênçãos que recebem os que se convertem a Cristo. Paulo
se alegra com eles, ao vê-los tomar posse dos benefícios espirituais que
vêm de uma vida obediente ao evangelho.

Considerações práticas em 1Co 9:19–23


Se Paulo queria fazer-se de todo para todos, não se expunha a ser
criticado pelos que o chamariam fraco? Esperavam que fosse um líder
forte. Mas Paulo está disposto a ser um fraco entre os fracos.
Permanecendo fiel ao ensino do evangelho, era livre quanto a coisas
neutras, incluindo assuntos de comida e bebida. Paulo era livre de
judeus, gentios e fracos, mas ministrava a todos o evangelho com
eficácia.
Paulo segue os rastros de Jesus, quem em Seu ministério terrestre
comeu com publicanos e prostitutas. Jesus foi conhecido como seu
amigo (Mt 11:19), pelo que foi considerado como um deles. Jesus bebeu
da água que a samaritana lhe deu no poço de Jacó, e Seus discípulos se
surpreenderam de que conversasse com uma mulher (Jo 4:9, 11, 27).
Jesus disse aos fariseus que pagassem impostos a César e que dessem a
Deus o que é de Deus (Mt 22:21). 67 Jesus sentou o modelo do que é
acomodar-se à cultura e circunstâncias das pessoas entre as quais pregou.
Contudo, o evangelho mantinha-se incólume.

67
Consulte-se Peter Richardson e Paul W. Gooch, «Accomodation Ethics», TynB 29 (1978): 89–142;
Peter Richardson, «Pauline Inconsistency: 1 Corinthians 9:19–23 and Galatians 2:11–14», NTS 26
(1980): 347–62.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 445
Pelo bem do evangelho, os missionários, evangelistas e pastores
devem adaptar-se às pessoas e comunidade na qual trabalham. Sem
comprometer jamais as demandas do evangelho, devem buscar a maneira
de levar às pessoas o conhecimento de Jesus Cristo. Tal como o Senhor
Jesus disse em sua oração sacerdotal, «E esta é a vida eterna: que te
conheçam ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste».

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 9:19–23


Versículo 19
_ν — este é o gerúndio de ε_μί (=ser, estar), e aqui e nos dois
versículos seguintes (vv. 20, 21) denota concessão («embora»).
_κ πάντων π_σιν — ao vir seguida pelo genitivo plural, a
preposição expressa a ideia de livre de. O primeiro adjetivo poderia ser
masculino («de todos os homens») ou neutro («de todas as coisas»). O
contexto favorece o gênero masculino. O segundo adjetivo refere-se às
pessoas («a todos»).
το_ς πλείονας — o adjetivo é comparativo, mas neste contexto quer
dizer: «tantos quantos for possível». 68

Versículo 20
το_ς _ουδαίοις — a presença do artigo definido diante da palavra
judeus indica «aqueles com quem tenho que tratar em cada ocasião». 69

Versículo 21
το_ς _νόμοις — o artigo definido aponta a um grupo específico que
está sem a lei, ou seja, os gentios.

68
Cf. Robertson, p. 665.
69
BDF § 262.1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 446
θεο_ … Χριστο_ — os melhores manuscritos gregos têm as
palavras Deus e Cristo no genitivo, o que poderia ser subjetivo ou
objetivo. O Texto Majoritário tem ambos os substantivos em caso dativo,
o que dá: «sem lei para com Deus mas com a lei para com Cristo» (cf.
VM). No entanto, a maioria dos tradutores tomam os substantivos como
genitivos subjetivos: «a lei de Deus mas debaixo da lei de Cristo».

Versículos 22–23
_σθενής — alguns manuscritos colocam a partícula _ς diante do
adjetivo fraco como se lê em: «Aos fracos me fiz como fraco». Contudo,
é mais fácil explicar a intromissão da partícula que seu omissão, o que
nos leva a omiti-la.
κερδήσω — o verbo ganhar ocorre cinco vezes em quatro
versículos (vv. 19–22). A presença do aoristo subjuntivo σώσω
(traduzido «salvar») indica que ambos os verbos têm o mesmo
significado.
το_ς π_σιν … πάντα … πάντως … πάντα — notemos o uso
repetido da palavra tudo, a que mostra o tremendo esforço de Paulo. O
artigo definido refere-se aos grupos individuais mencionados nos
versículos 20–22. 70
α_τού — este pronome no genitivo refere-se ao evangelho e
depende do substantivo συγκοινωνός (participante, sócio). C. K. Barrett
escreve: «Isto às vezes se mal-entende. Paulo não quer dizer
‘participante com o evangelho’ (na obra de salvação; o qual requereria
α_τώ, no α_τού); tampouco quer dizer ‘um que participa do trabalho de
(pregar) o evangelho’. O que afirma é que ele participa dos benefícios do
evangelho». 71

70
BDF § 275.7.
71
C.K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 216.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 447
b. Ilustrações de Paulo. 1Co 9:24–27

Todo conferencista sabe que uma ilustração adequada esclarece o


ponto que alguém quer comunicar. Claro que se corre o risco de os
ouvintes se esquecerem do ponto e só lembrem da ilustração. Paulo toma
um exemplo do esporte grego e o aplica a si mesmo. Paulo é um modelo
a outros e espera que o imitem.
24. Não sabeis que os que correm numa carreira, correm todos mas
só um recebe o prêmio? Correi de tal maneira que ganheis.
a. Prêmio. No mundo antigo, segundo em importância aos jogos
olímpicos estavam os jogos ístmicos, os quais eram realizados 16
quilômetros de Corinto. Os jogos eram celebrados a cada dois anos,
atraindo numerosos atletas e espectadores de todas as partes do mundo. 72
Durante o ano e meio que Paulo passou em Corinto (50–52 d.C), os
jogos foram celebrados na primavera do ano 51 d.C. Isto o familiarizou
com os jogos e supomos que assistiu a algum deles. Talvez moveu seu
negócio de tendas a Ístmia, onde teria a oportunidade de apresentar o
evangelho a grande quantidade de gente que devia participar ou assistir
os jogos. 73
As ilustrações que Paulo usa são muito adequadas para comunicar-
se com os destinatários, porque os habitantes de Corinto tinham uma
forte participação nos jogos ístmicos. Estavam bem informados dos que
corriam carreiras de velocidade curta ou longas de resistência. Eles
sabiam que embora todos os atletas corressem numa carreira, só um
recebia o prêmio.
b. Exortação. «Correi de tal maneira que ganheis». Paulo usa a
metáfora de uma corrida para indicar que todos os crentes participam
numa corrida espiritual. É óbvio que não quer dizer que de todos os

72
Refira-se John V.A. Fine, The Ancient Greek: A Critical History (Cambridge, Mass., e Londres:
Harvard University Press, 1983), p. 118.
73
Cf. Oscar Broneer, «The Apostle Paul and the Isthmian Games», BA 25 (1962): 2–32
(especialmente p. 20).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 448
crentes só um ganhará. Paulo exorta os coríntios tomar sua vida
espiritual seriamente e que a considerem como se fosse uma competição
na qual devem esforçar-se até o limite.
Como encaixa esta ilustração dentro do tema da liberdade
apostólica? Paulo demonstra que para ele a única coisa que tem
importância é o progresso do evangelho, ao qual ele se entrega com todo
o seu poder intelectual, espiritual e físico. Da mesma forma, os crentes
de Corinto devem dedicar-se a fazer com que sua vida espiritual
progrida, como se corressem numa corrida para ganhar o prêmio. 74
25. Todo aquele que compete nos jogos esportivos mantém domíni o
próprio em tudo. 75 Eles o fazem para receber uma coroa pere cível, mas
nós uma imperecível.
a. «Todo aquele que compete nos jogos esportivos mantém domínio
próprio em tudo». Paulo descreve a atividade do indivíduo mediante o
verbo grego agōnizomai (=lutar, pelejar) de onde se deriva a palavra
portuguesa agonizar. No campo esportivo, o atleta submete seu corpo e
mente a uma luta severa. O competidor tem que obter um domínio
próprio completo para ganhar (2Tm 2:5). Paulo acrescenta as palavras
em tudo, o que nos traz imagens de longas sessões de treinamento,
exercícios exaustivos, dieta adequada e suficiente descanso. O atleta
mantém mente e corpo centralizados numa meta: ganhar o prêmio.
b. «Eles o fazem para receber uma coroa perecível, mas nós uma
imperecível». A mudança do singular todo aquele que ao plural eles …
nós contrasta a meta dos esportistas com a dos crentes. Os atletas do
tempo de Paulo se esforçavam por ganhar uma coroa feita de pinheiro ou
louro. 76 O que trabalho mais extenuante por uma coroa de louro que já
está seca! À parte da vitória do momento, a grinalda não tem valor
porque murcha. Além disso, os espectadores logo se esquecem do
vencedor, pois no futuro vêm outros vencedores.

74
Cf. Gl 2:2; 5:7; Fp 2:16; 2Tm 4:7; Hb 12:1.
75
BAGD, p. 216.
76
Broneer, «Apostle Paul», pp. 16–17; Colin J. Hemer, NIDNTT, vol. 1, p. 406.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 449
Em contraste, Paulo diz que nós nos esforçamos para ganhar uma
coroa imperecível. Que coroa é está que não murcha? O Novo
Testamento nos ensina que se procura a justificação, a vida eterna e a
glória. 77 A coroa que os crentes recebem tem um valor eterno.
No grego, a última oração deste versículo (v. 25) é muito concisa,
só diz: «mas nós uma imperecível». Paulo força o leitor a suprir do
contexto o que falta. Compara as duas coroas, avançando do menor ao
maior. O que se implica é que se um atleta se esforçar por obter uma
coroa perecível, os cristãos deveriam esforçar-se muito mais para
conseguir uma que dura para sempre. Isaac Watts expressou-o desta
maneira:
Deverei ser levado a céu
sobre pétalas de rosas,
enquanto outros lutam por ganhar o prêmio
navegando por mares de sangue?

26, 27. Por certo que eu corro de ta l forma a não perder de vista a
meta; boxeio de tal ma neira a não espancar o ar. Trato meu corpo com
severidade e o escravizo, para que não seja que de pois de ter pregad o o
evangelho a outros, eu termine sendo desqualificado.
a. Dois exemplos. Nos versículos precedentes (vv. 24, 25), passou
da segunda pessoa plural à primeira pessoa plural. Da primeira pessoa
plural, agora passa à primeira pessoa singular, para apontar a sua própria
conduta. Para isto usa duas ilustrações tiradas do campo esportivo:
atletismo e boxe.
«Por certo que eu corro de tal forma a não perder de vista a meta».
Paulo se aproxima no final de sua discussão sobre a liberdade apostólica
(vv. 19–27), e se aplica a si mesmo suas últimas observações: ele é o
atleta e o boxeador. Como atleta que corre, deve fixar seus olhos na
meta, porque não pode dar-se ao luxo de correr sem direção. Ao longo de

77
Veja-se 2Tm 4:8; Tg 1:12; 1Pe 5:4; Ap 2:10.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 450
toda a corrida, a meta está sempre diante dele. Como o diz em outra
parte: «Esquecendo o que fica atrás e me esforçando por alcançar o que
está adiante, sigo avançando rumo à meta para ganhar o prêmio que
Deus oferece mediante sua chamada celestial em Cristo Jesus» (Fp
3:13b, 14). Nenhum atleta perde de vista a meta final. Todos os outros
participantes na corrida são um recordatório dessa meta. Como os
coríntios estavam relaxando-se em seus esforços espirituais, Paulo lhes
diz que o imitem e corram rumo à coloque como ele o faz.
«Boxeio de tal maneira a não espancar ao ar». Algumas vezes o
boxeador dá um golpe, porém não se pega ao competidor, expondo-se a
um contragolpe que poderia ser fatal. Paulo diz aos leitores que ele não
gasta seus golpes batendo no ar. Antes, comporta-se como um
profissional que boxeia com precisão e habilidade. Paulo usa seu
exemplo para demonstrar que em sua luta pelo evangelho não perde
oportunidade. Duas metáforas ilustram a forma tenaz na qual Paulo
busca alcançar a meta.
b. Uma metáfora. «Trato meu corpo com severidade e o escravizo».
Em lugar de «Trato meu corpo com severidade», uma tradução literal
seria «aplico ao meu corpo um olho arroxeado». Esta é uma imagem
emprestada do boxe, no qual os boxeadores aparecem com machucados
no rosto. Ao tomar emprestada esta imagem, Paulo não quer dizer que
ele literalmente espanca o seu corpo. Foram os seus inimigos os que o
espancaram (2Co 11:23–25), e não temos nenhuma razão para pensar
que ele se açoitasse ou espancasse. Com a expressão escravizar, Paulo
indica que exerce autocontrole e que se dedica a obter seu propósito.
«Para que não seja que depois de ter pregado o evangelho a outros
eu termine sendo desqualificado». À primeira vista, esta afirmação não
parece ser definitiva. Alguns tradutores têm sentido a dificuldade e
procuraram superá-la, expandindo a oração ou mudando a redação.
Outras versões leem: «Eu trato o meu corpo duramente e o obrigo a ser
completamente controlado para que, depois de ter chamado outros para
entrarem na luta, eu mesmo não venha a ser eliminado dela» (NTLH).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 451
Outra parafraseia: «cuido-me de não ser desqualificado depois de ter
chamado a outros ao torneio» (GNB).
Paulo se põe como exemplo. Controla sua forma de vida de tal
forma que ninguém pode acusá-lo de contradizer com sua vida o
evangelho que prega. Esforça-se física e mentalmente para benefício do
evangelho. O que quer dizer é que o evangelho que prega é uma
realidade em sua vida.
Muitos eruditos creem que cada uma das partes deste versículo é
uma imagem tirada do esporte. Dizem que assim como os que anunciam
as competições pronunciam os nomes dos opositores, assim também
Paulo anuncia o evangelho. Paulo é o anunciador e o competidor ao
mesmo tempo. 78 Mas tudo depende de se interpretamos cada coisa
figuradamente ou se há algumas coisas literais. Por exemplo, a palavra
pregar refere-se à pregação do evangelho e não ao anunciar o nome dos
competidores e ganhadores dos jogos. Neste caso é preferível uma
interpretação literal. Em outras partes do texto, Paulo se apresenta como
um atleta que se esforça por ganhar o prêmio, ou seja, a coroa eterna que
não murcha.
A cláusula negativa «não seja que … eu termine sendo
desqualificado» refere-se à contenda da qual se fala aqui e no capítulo
precedente (cap. 8). Ao proclamar as boas novas, Paulo desfruta de
liberdade apostólica. Mas se abstém de certas comidas para não ofender
os irmãos fracos, nega-se a ser remunerado e assim se torna tudo a todos,
para o bem do evangelho.

Considerações doutrinais em 1Co 9:24–27


«Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço» é o desafio que
os incrédulos dão a qualquer que é crente. É como se os cristãos
vivessem em casas de vidro e tivessem o mundo todo olhando se vivem
o evangelho que pregam e ensinam.
78
P. ex., Robertson y Plummer, First Corinthians, p. 197.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 452
Paulo diz o mesmo, mas o aplica a si mesmo. Ele o faz para pôr-se
como exemplo para aqueles que leem sua epístola. Ao viver em
harmonia com o evangelho, serão irreprocháveis. Não obstante, Paulo dá
a entender que ele mesmo ficaria desqualificado, se deixar de exercer
domínio próprio. Fala Paulo da possibilidade de cair da graça e de perder
a salvação? Alguns estudiosos afirmam que à luz do contexto, o
versículo 27 quer dizer que poderia perder a recompensa por seu serviço,
porém não a salvação. 79 É verdade que no versículo 18 menciona a
palavra recompensa, mas ali está falando de pregar o evangelho
gratuitamente e não da graça de Deus para o pecador.
Deus escolhe uma pessoa em Cristo e lhe dá a segurança de
salvação. Por outro lado, Deus espera que quando a fé do crente for
provada, este demonstre um desejo sincero de conhecer Sua vontade, de
obedecer Seus mandamentos, de ser agradecido pelo dom da salvação,
de amar a Deus e o próximo, de ter fé em Deus e esperança de vencer as
provas. 80
Se o crente se esfria e o seu coração se endurece, corre o risco de
perder a salvação? Paulo não ensina que o amor de Deus, pelo qual nos
escolhe para a salvação, deixa o crente sem nenhuma responsabilidade e
lhe concede a coroa da vida sem a necessidade de provar sua fé. De
maneira nenhuma, porque Paulo exorta o crente a efetuar sua própria
salvação com temor e tremor, pois é Deus quem opera neles o querer e o
fazer (Fp 2:12, 13).
Poderia Paulo mesmo cair da graça e ser desqualificado? De
maneira nenhuma, porque ele não poupou nenhum esforço para servir ao
Senhor, pregar o evangelho e viver de forma honorável diante de Deus e
os homens. Em outro lugar, Paulo adverte os coríntios a se examinar a si
mesmos para que não sejam desqualificados (veja-se 2Co 13:5–7). Então
acrescenta que ele e outros não fracassaram como cristãos. No final de

79
Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 627.
80
Cf. Hermann Haarbeck, NIDNTT, vol. 3, p. 810.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 453
sua vida, Paulo escreve que receberá a coroa da justiça que lhe está
reservada (2Tm 4:8).

Palavras, frases e construções gregas de 1Co 9:24–27


Versículo 24
μ_ν … δέ — e neste versículo e no seguinte (v. 25), estas partículas
mostram um decidido contraste.
τρέχετε — trata-se do imperativo presente (não o indicativo
presente), que ordena os coríntios a abandonar sua atitude relaxada e
assumam o papel de atletas espirituais.

Versículo 25
πάντα — este é um acusativo plural de referência geral («em
tudo»). 81
_φθαρτον — «incorruptível». Este adjetivo composto com a _
privativa (-in) tem sentido passivo: que não pode ser corrompido.

Versículo 26
_γώ — no princípio de uma oração e separado do verbo principal
(roda de pessoas), este pronome pessoal recebe ênfase.
ο_κ — usa-se a partícula ο_, em lugar de μή, para negar o gerúndio
δέρων («pegar»). Mas a posição de ο_ indica que não nega ao particípio,
mas sim ao substantivo _έρα (=ar).

Versículo 27
_πωπιάζω — “«espanco o rosto». O verbo compõe-se de _πό
(=debaixo de) e o substantivo _ψ (=olho), isto é, espancar debaixo do
olho. «A expressão se toma obviamente da linguagem do boxe». 82
81
BDF § 154.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 454
Resumo de 1Corintios 9
Em íntima conexão com o capítulo precedente, Paulo desenvolve o
tema dos direitos de um apóstolo, isto é, liberdade de escolha. Pergunta
se ele e o resto dos apóstolos têm direito a comer e beber, a levar consigo
a suas esposas em suas viagens e a não ter que trabalhar em outra coisa
que não seja sua vocação.
Faz uma série de perguntas e lhes consulta o seguinte: serve o
soldado às suas custas? Não come o agricultor dos frutos que colhe? Não
consome o boiadeiro os produtos do gado? Depois prova seu argumento
citando a lei de Moisés, a qual proíbe pôr focinheira ao boi que debulha.
Alguém que trabalha colhendo participa da colheita; da mesma forma,
Paulo e seus associados que semeiam sementes espirituais devem poder
colher frutos materiais da parte dos coríntios. No templo, os
trabalhadores recebem seu sustento do templo. Da mesma forma, o
Senhor ordenou aos pregadores do evangelho que vivam do evangelho.
Mas Paulo recusa usar seu direito a receber sustento material,
porque quer pregar o evangelho sem depender de ninguém. Assim não
estará obrigado a ninguém, pode gloriar-se e pode pregar o evangelho
gratuitamente. Ninguém é dono de Paulo e assim é livre para pregar a
todo tipo de gente: aos judeus que estavam debaixo da lei, aos que não
estavam debaixo da lei e aos fracos. Paulo se acomodava a todas as
pessoas.
Usando imagens tiradas dos jogos olímpicos, exorta os leitores a
correr a corrida de tal forma que ganhem o prêmio. Depois aplica a
figura a si mesmo e diz que ele não corre sem olhar à meta. Vive de
forma disciplinada para não ser desqualificado.

82
BAGD, p. 848; Thayer, p. 646.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 455
1 CORÍNTIOS 10
ADVERTÊNCIAS E LIBERDADE (1CO 10:1–11:1)
1. Advertências que a história oferece. 1Co 10:1–13

Paulo parece começar um tema totalmente diferente em 1Co 10:1–


13, mas um exame mais meticuloso mostra que há continuidade com a
passagem precedente (1Co 9:24–27). Remonta-se à história para ensinar
aos seus leitores as lições que os israelitas tiveram que aprender quando
viajavam do Egito pelo deserto rumo à terra prometida. Em certo
sentido, estes israelitas participavam numa competição de fé na qual só
duas pessoas, Josué e Calebe, receberam a bênção. Faz-se uma
comparação com a corrida (1Co 9:24) na qual todos os atletas
participam, mas só um recebe o prêmio. «O atleta ao que o juiz coroa é a
contraparte dos dois israelitas fiéis que foram os únicos a quem foi
permitido entrar na terra prometida». 1
Por que pereceram os israelitas no deserto? Apesar dos milagres
que Deus fez para tirá-los do Egito, estes israelitas não tinham fé em
Deus. Cruzaram o Mar Vermelho, nunca lhes faltou alimento (maná),
beberam água de uma rocha, a nuvem que os acompanhava os protegeu
do ardente sol e receberam um sem-número de outras bênçãos. Em lugar
de adorar a Deus, os israelitas serviram aos ídolos que haviam trazido do
Egito (Am 5:26). No monte Sinai fizeram um bezerro de ouro (Êx 32:1–
6) e o adoraram. Estes israelitas rebeldes não foram aprovados na prova
da fé, e Paulo dá a entender que os coríntios que se entregam à idolatria
tampouco servem a Deus.

1
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), p. 478.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 456
a. Uma analogia. 1Co 10:1–5

1, 2. Por que não quero que ignoreis, irmãos, que todos os nossos
antepassados estiveram sob a nuvem e todos cruz aram o mar ; e todos
foram batizados em união com Moisés na nuvem e no mar.
a. «Porque não quero que ignoreis, irmãos». A conjunção porque
une este versículo ao contexto precedente (cap. 9) e indica que se
continua com o mesmo tema. Além disso, Paulo usa o vocativo irmãos, o
qual inclui as irmãs e introduz novo material dentro do argumento.
Lembra aos destinatários alguns acontecimentos da história de Israel e
usa estes incidentes como poderosos exemplos. Em todas as suas
epístolas, Paulo se mostra desejoso de que seus leitores não ignorem
certas coisas. 2 Para tirá-los da ignorância, refere-se a intenções e
experiências pessoais ou a verdades espirituais. Mais adiante aplicará
estas verdades espirituais ao problema de comer comida oferecida aos
ídolos.
b. «Todos os nossos antepassados estiveram sob a nuvem e todos
cruzaram o mar». De forma sucinta, Paulo menciona o êxodo e o
cruzamento do Mar Vermelho. Deus guiou o Seu povo por meio de uma
nuvem durante o dia e por meio de uma coluna de fogo durante a noite
(Êx 13:21). Desta forma, podiam viajar durante o dia ou a noite. A
nuvem e a coluna de fogo representavam a presença de Deus cuidando
de seu povo. Embora a nuvem e a coluna de fogo sempre
acompanhassem o povo (veja-se Êx 14:24; Nm. 12:5; Dt 31:15; Sl.
99:7), alguns deles começaram a duvidar da proximidade de Deus.
Paulo chama os israelitas «todos os nossos antepassados». Com isto
quer dizer que a nação inteira de Israel saiu do Egito e que esta nação
assume assim o papel dos antepassados espirituais dos cristãos judeus e
gentios de Corinto. Nosso pronome coloca os gentios membros da
comunidade cristã no mesmo nível que os cristãos judeus.

2
Rm 1:13; 11:25; 1Co 12:1; 2Co 1:8; 1Ts 4:13.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 457
A oração todos cruzaram o mar alude a Israel quando cruzou o Mar
Vermelho por terra seca, enquanto os egípcios afundaram nas mesmas
águas (Êx 14). O fato de que todo o povo chegou a salvo à outra
margem, demonstra que Deus foi fiel para com o Seu povo no passado e
assegura Sua fidelidade para o presente.
c. «E todos foram batizados em união com Moisés na nuvem e no
mar». O passado e o presente se unem quando Paulo menciona o
batismo. O batismo une a Cristo (Rm 6:3; Gl 3:27), e Paulo projeta este
significado ao êxodo dizendo que os israelitas foram batizados para unir-
se com Moisés. Compara a cristãos que põem sua fé em Jesus Cristo
com os israelitas que puseram sua fé em Deus, que estava representado
por Seu servo Moisés (veja-se Êx 14:31). Cristo redimiu o Seu povo do
pecado e da morte, assim como Deus usou a Moisés para libertar os
israelitas da opressão no Egito e das destrutivas águas do Mar Vermelho.
Para os israelitas, o ser «batizados em união com Moisés»
significou que eram membros da aliança que Deus fez com o Seu povo
(Êx 24:4b-8). Moisés serviu como mediador daquele primeira aliança, o
qual ficou obsoleto, mas Cristo é o mediador da nova aliança (Hb 7:22;
8:6; 9:15). Assim como o povo de Deus converteu-se em nação sob a
liderança de Moisés, assim também o povo de Deus hoje se incorpora a
Cristo, que é sua cabeça espiritual (Ef 5:23).
Qual é o significado dos dois elementos, a nuvem e o mar? Um
estudo dos capítulos do livro de Êxodo que tratam do tema, mostrará que
mediante a nuvem e o mar Deus separou a seu povo das forças egípcias
que buscavam sua destruição. A nuvem que estava à frente dos israelitas,
moveu-se a sua retaguarda para separar ao povo de Deus do exército de
Faraó (Êx 14:19, 20). O Mar Vermelho serviu de muralha defensiva para
os israelitas, convertendo-se no limite que separava os egípcios dos
israelitas (Êx 23:31). «A experiência de estar ‘sob a nuvem’ e de ‘passar
pelo mar’ devia ver com a identificação dos filhos de Israel como um
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 458
3
povo agora separado do Egito e sob a proteção de Deus». Em suma, por
meio da nuvem e o mar, Deus separou o Seu povo para Si. O êxodo deve
ver-se de uma perspectiva histórica e espiritual.
Assim como a experiência de passar através do Mar Vermelho
simbolizava o fim da escravidão de Israel e o começo de uma nova vida,
assim também o batismo comunica a ideia de que o cristão é separado do
pecado e consagrado a Deus. A experiência de estar sob a proteção da
nuvem e de passar pelas águas do Mar Vermelho era o pré-requisito para
que o israelita fosse incluído dentro do povo de Deus. Da mesma forma,
o sinal de ser batizado em união com Cristo é a marca que indica que
participamos de Sua redenção. Resumindo, ser batizado em união com
Moisés representa a redenção de Israel, assim como o ser batizado em
união com Cristo quer dizer que o cristão é incorporado em Sua
comunhão. 4
3, 4. E todos comeram a mesma co mida espiritual, e todos beberam
da mesma bebida es piritual. Porque bebiam da rocha espirit ual que o s
seguia, e a rocha era Cristo.
a. «E todos comeram da mesma comida espiritual, e todos beberam
da mesma bebida espiritual». Cinco vezes em cinco orações
consecutivas, Paulo escreve todos. Quer dizer, todos os que participaram
do êxodo estiveram sob a nuvem, cruzaram o Mar Vermelho, foram
batizados em união com Moisés, comeram da comida espiritual e
beberam da rocha espiritual.
Deus tirou os israelitas do Egito, longe dos celeiros egípcios. No
entanto, o Senhor lhes proveu «pão do céu». O povo chamou este pão

3
Paul D. Gardner, «The Gifts of God and the Authentification of a Christian», tese para o Ph.D,
Cambridge University, 1989, p. 127. Consulte-se também William B. Badker, «Baptised into Moses-
Bapstised into Christ: A Study in Doctrine Development», EvQ 60 (1988): 23–29; Michael A.G.
Haykin, «‘In the Cloud and the Sea’: Basil of Caesarea and the Exegesis of 1 Cor. 10:2», VigChr 40
(1986): 135–44.
4
Consulte-se Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard de
Witt (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), pp. 405–406; G. de Ru, «De Doop van Israël tussen Egypte en
de Sinaï», NedTTS 21 (1967): 248–69.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 459
«maná», o que significa «o que é isto?» (Êx 16:15). Cada manhã, com
exceção do sábado, Deus fez com que o maná cobrisse a terra (Êx 16:2–
36). Este maná manteve vivos os israelitas até cruzarem o Jordão, onde
puderam comer pão assado do grão que crescia em Canaã. Então cessou
a provisão de maná (Js. 5:12).
O mesmo ocorreu com a necessidade que Israel tinha de água.
Durante os quarenta anos que o povo viajou pelo deserto, Deus lhes
proveu água para eles e seu gado. 5 Moisés bateu numa rocha no monte
Horebe e Deus supriu água para o povo e seus animais (Êx 17:6). Depois
Moisés bateu em outra rocha no Cades, para dar de beber à comunidade
e a seu gado (Nm. 20:11). Estes dois incidentes ocorreram como
exemplos de como Deus cuidava constantemente do Seu povo. O
salmista faz notar que Deus partiu rochas no deserto e fez com que
saíssem correntes de água da penha (Sl. 78:15, 16). Em outras palavras,
dia a dia Deus apagou a sede de homem e animal por meio de lhes
prover correntes de água no meio do deserto.
As fontes rabínicas contêm material legendário a respeito da rocha
que supria água os israelitas e que viajou com eles durante os quarenta
anos. 6 Supomos que Paulo conhecia esta explicação. Contudo, não se
interessa na lenda, mas na forma milagrosa em que Deus lhes proveu
alimento e bebida. Paulo descreve como «espiritual» este ato
sobrenatural. 7
Nos versículos 3 e 4, a palavra espiritual aparece três vezes com um
sentido figurado. A comida, a bebida e a rocha apontam a uma fonte
espiritual. Através de Seu Espírito, Deus estava entregue ativamente à
tarefa de prover as necessidades básicas de Seu povo. Assim como os
elementos da Ceia do Senhor apontam para o significado espiritual da
5
Veja-se Êx 17:1–7; Nm. 20:2–11; 21:16; Ne 9:15; Sl. 78:20; Is 48:21.
6
Consulte-se SB, vol. 3, pp. 406–408. Veja-se também E. Earle Ellis, «A Note on First Corinthians
10:4», JBL 76 (1957): 53–56; Paul’s Use of the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1957), pp.
66–70.
7
Algumas versões inglesas adotaram a expressão sobrenatural (NEB, RSV, etc.) em lugar de
«espiritual».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 460
presença de Cristo, assim também os elementos que Paulo qualifica
como espirituais apontavam finalmente para Cristo. 8
b. «Porque bebiam da rocha espiritual que os seguia, e a rocha era
Cristo». No deserto, Deus de forma milagrosa proveu água para os
israelitas. Como Paulo o demonstrou na cláusula precedente, a água
assinalava à fidelidade de Deus como fornecedor de Seu povo, uma
fidelidade que não estava limitada a um só lugar, tenha sido o monte
Horebe ou Cades. A fidelidade de Deus ia com eles por onde quer que
fossem durante a sua viagem no deserto. Não obstante, os israelitas
rebelaram-se contra Deus. O cântico de Moisés (Dt 32) e os Salmos
falam da fidelidade de Deus e a rebelião de Israel.
No Antigo Testamento, a palavra rocha aparece com frequência
como uma descrição de Deus:
1. Jacó declara que Deus é «a Rocha de Israel» (Gn 49:24).
2. Moisés O descreve como uma rocha (Dt 32:4, 15, 18, 30, 31).
3. Os salmistas O chamam a rocha (Sl. 18:31; 62:2; 78:35; 89:26;
95:1).
c. «A rocha era Cristo». A identificação que se faz da rocha com
Cristo é figurada, embora o Antigo Testamento faz uma definida relação.
A palavra rocha, tanto nos Salmos como no cântico de Moisés, vem
qualificada com frequência por palavras que apontam diretamente a obra
redentora de Cristo: a rocha de sua [minha] salvação (Dt 32:15; Sl. 62:2;
89:26; 95:1), Salvador (Sl. 89:26), redentor (78:35), criador (Dt 32:18). 9
Parece que Paulo relaciona Cristo com a terminologia dos hinos do
Antigo Testamento (o cântico de Moisés e os Salmos), e assim identifica
Cristo com a rocha. Desta forma conecta um episódio da história de
Israel com a atual condição da igreja de Corinto. Cristo estava presente

8
Richard M. Davidson, Typology in Scripture: A Study of Hermeneutical TUPOS Structures, na série:
Andrews University Seminary Doctoral Dissertation, vol. 2 (Berrien Springs, Mich.: Andrews
University Press, 1981), p. 249.
9
Gardner, «Gifts of God», p. 161; Godet, First Corinthians, pp. 484–486. Cf. A. McEwen, «Paul’s
Use of the Old Testament in 1 Corinthians 10:1–4», VoxRef 47 (1986): 3–10.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 461
no deserto da mesma forma em que hoje está presente em Sua igreja.
Deus rejeitou os israelitas que O provaram e provocaram (veja-se Sl.
95:7–11; Hb 3:7–19), o que vinha a ser uma apropriada lição e
advertência para os coríntios dados à idolatria.
5. Contudo, Deus não se agrad ou da maioria deles, pois seus corpos
foram espalhados pelo deserto.
Paulo quer que seus leitores meditem na infinita bondade e
misericórdia que Deus teve para com Seu povo rebelde durante o êxodo
e a viagem pelo deserto. Este povo desconfiou do Senhor, apesar de
Deus de forma maravilhosa cuidar deles diariamente. Suspiravam para
voltar ao Egito e servir os ídolos que tinham feito e levavam consigo
(Am 5:25, 26; At 7:42, 43). Não nos surpreende que Deus não se
agradasse deles. Paulo vai a um eufemismo quando escreve «da maioria
deles». O que realmente quer dizer é que só dois dos homens mais
velhos de vinte anos (Calebe e Josué) agradaram a Deus e entraram na
terra prometida. O resto morreu no deserto. De forma muito gráfica,
Paulo afirma que os corpos mortos desta gente ficaram espalhados pelo
deserto (Nm. 14:16). Os funerais estavam na ordem do dia, e quando
uma praga os atacou, foram milhares os que caíram (Nm. 16:40; 25:9).
Quando se leva em conta o número total dos homens com mais de vinte
anos (que eram 603.550 segundo Nm. 1:46) e assumindo que haveria
uma quantidade semelhante de mulheres, poderia dividir-se esse total de
1.207.100 pelos 38 anos que Israel passou no deserto como resultado da
maldição (Nm. 14:23). Com estas cifras pode-se calcular uma média de
90 mortes diárias durante tal período. Que recordatório mais constante e
terrível da ira de Deus!
Paulo compara o povo que morreu no deserto com os membros da
igreja de Corinto. O apóstolo queria que os coríntios soubessem que
todos os israelitas se beneficiaram da diária provisão de Deus e que, no
entanto, pereceram por sua incredulidade. Por meio de uma analogia,
quer que seus leitores saibam que o ter recebido o batismo e a Santa Ceia
não lhes garante a vida eterna. Sem um compromisso diário com Cristo,
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 462
não terão segurança eterna, mas que se enfrentarão com a morte
espiritual.

Comentários adicionais a 1Co 10:1–5


Paulo não está interessado em nos dar um discurso sobre o batismo
ou em como participar da Ceia do Senhor. É só de passagem que
menciona os sacramentos. Nesta passagem faz uso da tipologia, o que
nos diz que quando identifica a rocha com Cristo, está falando
figuradamente.
a. Tipologia. À primeira vista, a forma em que Paulo identifica
Cristo com a rocha, que no deserto proveu aos israelitas comida e bebida
espiritual, pareceria um claro exemplo de alegorização. Mas a questão
não é tanto assim. Devemos levar em consideração o pano de fundo
educativo de Paulo. Quando escreve, com frequência se transluz o
método judaico de interpretação bíblica. Ao ler a Escritura, os cristãos
judeus o faziam dando por sentado que o povo de Deus era o mesmo,
quer pertencessem à antiga ou nova dispensação. Paulo cria que o Antigo
Testamento revelava a obra do Cristo preexistente em favor de Seu povo.
O judeu Filo de Alexandria era contemporâneo de Paulo, e explicou
que a rocha do deserto era a sabedoria e palavra de Deus. Deus
demonstrou que era fiel ao Seu povo, tirando da lei o que o povo
requeria para suas necessidades diárias. Segundo Filo, o maná
representava o dom de Deus na forma de Sua revelação. Além disso
interpretou o cântico de Moisés em termos de que a rocha forte (Deus)
proveu ao povo comida e bebida (Dt 32:13). Por certo, a interpretação de
Filo é claramente alegórica. 10
Embora Paulo estivesse influenciado pela forma em que a
metodologia educacional de seu tempo interpretava a Escritura, com
prudência prefere adotar a terminologia escriturística. E embora às vezes

10
Philo The Worse Attacks the Better 31; Allegorical Interpretation 2.86; Who is Heir 79. Cf. Andrew
J. Bandstra, «Interpretation in 1 Corinthians 10:1–11», CTJ 6 (1971): 12–13.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 463
apelasse à alegoria (o que ele mesmo admite, cf. Gl 4:21–31,
especialmente o v. 24), não enche seu discurso de analogias alegóricas.
Antes, limita-se a apresentar a revelação inspirada de Deus.
b. Responsabilidade. A morte de todos os israelitas de vinte anos
para cima, com a exceção de Calebe e Josué, forma um agudo contraste
com as cinco vezes que Paulo usa o adjetivo todos para referir-se ao
êxodo. Todos desfrutaram do favor de Deus, e tão somente dois
responderam com fé. O escritor de Hebreus também usa o adjetivo todos
quando pergunta: «Agora, quais foram os que ouviram e se rebelaram?
Não foram acaso todos os que saíram do Egito guiados por Moisés?»
(Hb 3:16). De diversas maneiras Deus demonstrou a Sua fidelidade a
todos os israelitas. Apesar de tudo, este mesmo povo recusou pôr sua
confiança no Senhor, rebelando-se contra Ele dez vezes (Nm. 14:22).
Não se deve lançar a culpa a Deus por este fracasso, pois o Senhor lhes
mostrou diariamente Sua fidelidade. Os responsáveis foram os israelitas
que não quiseram glorificar a Deus. No primeiro século, muitos cristãos
também estavam em perigo de apartar-se do Deus vivo, por causa da
incredulidade e a desobediência.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:1–5


Versículos 1–2
ο_ πατέρες _μώ πάντες — por meio de colocar o adjetivo todos
depois do pronome nosso, Paulo coloca a ênfase sobre o substantivo pais
mais que sobre o adjetivo. De outra forma, teria colocado o adjetivo
diante do substantivo.
_βαπτίσθησαν — é o aoristo passivo do verbo βαπτίζω (=batizar) e
tem bom apoio manuscrito. Embora o aoristo médio _βαπτίσαντο tem
um apoio semelhante, muitos eruditos preferem o aoristo passivo, visto
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 464
que reflete a forma cristã de batismo, enquanto a voz média aponta mais
à prática judaica do batismo. 11

Versículos 3–4
_θαγον y _πιον — ambos os verbos são aoristos, voz ativa, e devem
tomar-se como constativos, quer dizer, servem para descrever o que
durou o comer e beber dos israelitas no deserto. Notemos que o verbo
_πινον está no imperfeito para assim descrever a ação. O aoristo afirma o
fato, enquanto o imperfeito descreve o modo. 12

Versículo 5
_ν το_ς πλε_οσιν — no grego, o verbo ε_δόκησεν («se agradou»)
toma a preposição _ν para completar a construção. O artigo definido e o
adjetivo comparativo aparentemente querem dizer «a maioria». 13
_ν — a segunda vez que aparece esta preposição, tem sentido local
como dativo de lugar.

b. Um exemplo. 1Co 10:6–10

Depois de apresentar aos seus leitores uma analogia tirada da


experiência dos israelitas durante os quarenta anos que passaram no
deserto, Paulo entrega uma lista de cinco exemplos históricos tirados do
mesmo período. 14
1. O cobiçar comida (Nm. 11:4)

11
Consulte-se Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição
corrigida (Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 559. Veja-se também BDF § 317.
12
Robertson, p. 883; BDF § 327.
13
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 108.
14
Consulte-se Wayne A. Meeks, «‘And Rose up to Play’: Midrash and Paraenesis in 1 Corinthians
10:1–22», JSNT (1982): 64–78; Charles Perrot, «Les exemples du désert (1 Cor. 10:6–11)», NTS 29
(1983): 437–52.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 465
2. Entregar-se à idolatria (Êx 32:4, 6, 19)
3. Cometer imoralidade (Nm. 25:1–9)
4. Tentar o Senhor (Nm. 21:5)
5. Murmurar (Nm. 14:2, 36; 16:1–35)
Cada um destes cinco exemplos aparece na forma de uma frase,
uma oração ou uma citação. Estas breves referências parecessem indicar
que os destinatários estavam familiarizados com o relato histórico das
experiências de Israel. Os coríntios deveriam ser capazes de ver-se a si
mesmos no espelho destes acontecimentos históricos.
6. Agora, estas coisas vieram a ser exemplos para nós, para que não
cobicemos coisas más como esse povo o fez.
a. «Agora, estas coisas vieram a ser exemplos para nós». O
advérbio agora introduz um resumo do dito no parágrafo anterior. «Estas
coisas» referem-se aos fatos históricos que Paulo veio mencionando: a
nuvem que guiava e protegia os israelitas, o cruzamento do Mar
Vermelho, a provisão de comida e bebida e o pecado de incredulidade e
desobediência. Em suma, «todas estas coisas» se referem aos benefícios
que o povo recebeu e os pecados que cometeram». 15
Paulo diz que «estas coisas» são exemplos, ou como diz o texto
grego, são typoi, palavra da qual derivamos o vocábulo tipo. Porém no
contexto destes primeiros cinco versículos do capítulo 10, a tradução
literal tipos é questionável: Por exemplo, quer dizer que a maioria dos
coríntios perecerão, assim como o fizeram os israelitas no deserto?
Semelhante interpretação daria uma conotação preditiva à palavra tipos.
Por outro lado, a tradução exemplos (RA, NVI, CB) necessita
explicação. À luz do versículo 5, a palavra exemplos comunica a ideia de
advertências. A NBE traduz: «Tudo isto sucedeu para que
aprendêssemos nós». 16 Fazemos bem se entendermos a palavra como

15
John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T. Lewis e
Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 216.
16
Veja-se a discussão de Bandstra, «Interpretation», pp. 14–17, e Davidson, Typology, pp. 250–255,
312.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 466
«pinturas pintadas por um artista, a fim de revelar que tipo de juízo
ameaça os idólatras, fornicários, e outros que desprezam a Deus» (cf. v.
11). 17
Paulo escreve que os exemplos são «para nós». Por meio do uso da
primeira pessoa plural, Paulo claramente se inclui a si mesmo junto com
seus leitores. Depois continua usando a primeira pessoa: não cobicemos.
b. «Para que não cobicemos coisas más como esse povo o fez». Esta
primeira referência a um dos incidentes históricos nos lembra o relato a
respeito do populacho que reclamou pela comida. Cansados do maná de
todos os dias, disseram: «Quem nos dará carne a comer? Lembramo-nos
dos peixes que, no Egito … dos pepinos, dos melões, dos alhos
silvestres, das cebolas e dos alhos. Agora, porém, seca-se a nossa alma»
(Nm. 11:4–6). Estes inconformados provaram e tentaram a Deus (Sl.
106:14), que em Sua graça lhes enviou codornizes em abundância. Mas
junto com isso os castigou com uma severa praga, de tal forma que
morreram quando ainda tinha a comida na boca (Nm. 11:31–34).
Enterraram-nos num lugar que os israelitas chamaram Quibrote-Hataavá
(sepulcros de apetite). Esta gente esteve possuída pela cobiça e, como
Paulo o diz em outra parte (Cl 3:5), a cobiça é idolatria.
Paulo admoesta os coríntios, dizendo o que não devem fazer. Alude
ao décimo mandamento: «Não cobiçarás» (Êx 20:17; Dt 5:21). Este
mandamento é a base do decálogo, visto que a cobiça provoca todo tipo
de pecados (Tg 1:14, 15).
7. Não sejais idólatras como alguns deles o foram. Como está escrito:
«O povo se sentou para comer e a beber e se levantou para brincar».
A segunda referência aponta à ocasião em que Arão permitiu que o
povo fizesse um ídolo com forma de bezerro (Êx 32:1–20). Assim os
israelitas quebrantaram o segundo mandamento: «Não farás para ti
imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos
céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as
17
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, serie Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 211.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 467
adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus,
Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e
quarta geração daqueles que me aborrecem» (Êx 20:4, 5; Dt 5:8, 9). Aos
olhos de Deus, a idolatria é um horrendo pecado porque troca o Deus
vivo por uma imagem.
Paulo os adverte de forma direta: «Não sejais idólatras». Não se
inclui a si mesmo na advertência, mas sim se dirige aos coríntios na
segunda pessoa plural (nos versículos 6, 8 e 9 usa a primeira pessoa
plural). Neste versículo, especificamente relaciona alguns dos coríntios
com os rebeldes de Israel. Tanto os israelitas que adoraram um bezerro
de ouro no monte Sinai como os coríntios que participavam dos ritos dos
templos pagãos, todos transgrediam o segundo mandamento.
«O povo se sentou para comer e a beber e levantou-se para
brincar». Esta citação Paulo a saca palavra por palavra da tradução que a
Septuaginta faz de Êxodo 32:6. A passagem nos retrata a cena de uma
festa seguida de jogos de vários tipos. Estas eram práticas aceitas que em
geral estavam livres de críticas. Porém nos ritos pagãos, o povo comia e
bebia em honra a um ídolo que representava um deus. Os bailes que se
seguiam à comida em geral terminavam em libertinagem. Por isso que o
verbo grego paizein, que traduzi «brincar», pode adquirir uma conotação
negativa que lhe dá o sentido de «para se entregar à farra» (NVI).
Os coríntios que entravam nos templos pagãos durante os festivais
pagãos, expunham-se a situações que os poderiam levar a pecar. Isto
fazia com que estivessem na mesma categoria que os israelitas que «se
levantaram para entregar-se a uma orgia pagã».
8. Nem tamp ouco pratiquemos a imoral idade sexual como alguns
deles o fizeram, quando num só dia caíram mortos vinte e três mil.
O terceiro caso refere-se a um fato que ocorreu quando estava por
terminar a viagem de Israel pelo deserto. Instigados por Balaão, os
israelitas adoraram Baal-Peor, praticaram os ritos cananeus de fertilidade
e se entregaram à imoralidade sexual (Nm. 25:1–9; 31:16). Esta é uma
mancha na história de Israel, que é mencionada várias vezes na Escritura
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 468
(Dt 4:3; Sl. 106:28, 29; Os 9:10). Nesta oportunidade, os israelitas
pecaram contra o sétimo mandamento: «Não adulterarás» (Êx 20:14; Dt
5:18).
Menciona-se um que se entregou à imoralidade sexual. É
mencionado por seu nome e tribo: Zinri, filho do Salu, da tribo de
Simeão. Este homem entrou em sua tenda com uma mulher midianita e
foi morto pelo neto de Arão (Nm. 25:6–8, 14). Deus feriu os israelitas
com uma praga como castigo por sua infidelidade. Imediatamente depois
da praga, Deus mandou Moisés e Eleazar, filho de Arão, a que fizessem
um segundo censo nas planícies de Moabe (Nm. 26:1, 2; o primeiro
censo se realizou 38 anos antes no deserto Sinai, cf. Nm. 1:1–3). As
estatísticas mostram que no segundo censo, o número de homens com
mais de vinte anos da tribo de Simeão (22.200) era inferior na metade do
que se computou no primeiro censo (59.300). Deduzimos que a maioria
dos que morreram durante a praga pertenciam à tribo de Simeão (veja-se
Nm. 1:22; 26:14).
Paulo diz que morreram 23.000 por causa do pecado que Israel
cometeu contra Deus. Mas o relato histórico de Moisés diz que o total
era 24.000 (Nm. 25:9). O número dado por Moisés encontra apoio em
outras fontes (Septuaginta, Filo e os rabinos). 18 Deram-se muitas
explicações: a memória de Paulo lhe pregou uma peça; os escritores
tanto em Números como em 1 Coríntios usavam números redondos;
Paulo segue uma variante. João Calvino opina que «Moisés entrega o
limite máximo e Paulo o limite mínimo, assim que não há uma
discrepância real». 19
Como carecemos de informação, todas estas respostas são apenas
hipótese. Ao estar muito bem treinado nas Escrituras e tendo informação
derivada da tradição oral, Paulo desfrutava de informação da qual
carecemos. Por exemplo, o historiador judeu Josefo apresenta um longo
18
Nm. 25:9, LXX; Philo, Life of Moses 1.55 [304]; para os targumim y los midrashim, refira-se a SB,
vol. 3, p. 410.
19
Calvin, 1 Corinthians, p. 209
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 469
relato deste incidente no qual inclui discursos de Balaão, Zambrias [=
Zinri], Moisés e outros. Também menciona como mataram os culpados e
a destruição que deixou a praga. Não obstante, conclui com a observação
de que «pereceram não menos de 14.000 homens». 20 Em suma,
carecemos, pelo que parece, da informação que Paulo usava.
9. Nem tentemos a Cristo como alguns deles o fizeram, e foram
destruídos por serpentes.
A quarta referência à história de Israel trata do assunto das
serpentes (Nm. 21:4–9). Tendo derrotado o rei de Arade, o povo de
Israel se tornou arrogante, recusando rodear o reino de Edom. Ficaram
impacientes, blasfemaram contra Deus, acusaram Moisés, rejeitaram o
maná e clamaram por água. Em resposta, Deus enviou serpentes
venenosas ao acampamento. Quando o povo se arrependeu de seu
pecado, Moisés orou por eles, fez uma serpente de bronze e a colocou
num poste. A pessoa que tinha sido ferida olhava para a serpente e
sobreviveu (cf. Jo 3:14, 15).
Paulo diz «Nem tentemos a Cristo». A maioria dos tradutores
adotam a leitura Senhor 21 em lugar de «Cristo». 22 O manuscrito grego
mais antigo (P46), o texto ocidental, numerosas testemunhas, versões e
pais da igreja leem Cristo. Esta é a leitura primária que data do segundo
século, e que era aceita em todo o Mediterrâneo e que tem excelente
apoio. 23 Portanto, a leitura que deve preferir-se é Cristo, pois harmoniza
com o contexto (veja-se o v. 4). Paulo ensina que o Cristo preexistente
acompanhou os israelitas durante a sua viagem pelo deserto.
Mais duas observações. Primeiro, Paulo volta a usar a primeira
pessoa plural (veja-se o v. 8) para mostrar que nem ele nem os coríntios
estão isentos do juízo de Deus. São como os israelitas no deserto. Os
20
Josefo, Antiguidades 4.6.12 [155] (LCL).
21
NVI, CI, RV60, NTT, BJ, NC, VM, CB, LT, NBE, BP.
22
VP.
23
Consulte-se Carroll D. Osburn, «The Text of 1 Corinthians 10:9», em New Testament Textual
Criticism, Its Significance for Exegesis. Essays in Honor of Bruce M. Metzger, ed. Eldon J. Epp e
Gordon D. Fee (Oxford: Clarendon, 1981), pp. 201–212.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 470
vitoriosos guerreiros de Israel se mostraram impacientes e não quiseram
ser guiados por Deus. Receberam seu castigo. Por conseguinte, os
crentes do Novo Testamento (incluindo Paulo e os coríntios) não se
devem deixar levar por suas próprias inclinações. Devem esperar que o
Senhor responda a oração e que os guie em Sua providência.
Segundo, em três versículos sucessivos (veja-se vv. 8, 9, 10), Paulo
especifica que só «alguns deles» caíram em pecado e morreram. Só
morreram alguns dos que foram mordidos por serpentes. O resto olhou
para a serpente de bronze e viveu.
10. E não murmureis como alg uns deles o fizeram, e foram
destruídos pelo anjo que destrói.
Um olhar à história de Israel mostrará que tinham o vício de
murmurar contra Deus, Moisés e Arão. 24 Como era tão frequente sua
murmuração, não é fácil determinar a passagem exata à qual Paulo alude
nesta quinta referência. À luz de todo o presente versículo, há dois
incidentes que poderiam ser bons candidatos. Primeiro, depois de ter
ouvido o relatório dos espias que voltaram da terra prometida, a
comunidade inteira murmurou contra Moisés e Arão (Nm. 14:2). Mas
Paulo diz que «alguns deles» murmuraram, e esta afirmação concorda
com o relato de Números 14:37–38. A praga só matou aos dez que
difundiram o relatório negativo a respeito da terra prometida. Só eles
morreram de forma instantânea, enquanto Calebe e Josué viveram.
Segundo, outra possibilidade é o relato que descreve o motim de Coré,
Datã, Abirão e Om, quem junto a 250 líderes rebelaram-se contra Moisés
(Nm. 16:1–35). Não só morreu toda esta gente, mas também devido à
murmuração de toda a comunidade, 14.700 pessoas morreram pela praga
que Deus lhes enviou (veja-se os vv. 41, 49).
Contudo, nem estas duas passagens concordam plenamente com o
que Paulo diz, visto que ele menciona um anjo destruidor. O livro de
Números não menciona um anjo de destruição, embora encontremos
24
Veja-se, p. ex., Êx 14:11,12; 15:24; 16:2,3,8; 17:3; Nm. 11:1; 14:2–4; 16:11,41; Dt 1:27; 9:28; Js.
9:18; Sl. 106:25.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 471
referências ao destruidor em alguns outros lugares (Êx 12:23 e Hb 11:28;
2Sm 24:16 e 1Cr 21:15). É interessante que Sabedoria de Salomão
18:20–25 relata o episódio de Números 16:41–50. O autor descreve o
sumo sacerdote Arão detendo o destruidor, para que não destrua Israel.
Esta linguagem encaixa com o uso paulino, porque o apóstolo supre o
artigo definido e chama o anjo «o destruidor». Desta forma, segue a
prática dos rabinos, que diziam que havia um anjo dedicado
especialmente à destruição. 25 Podemos supor que Paulo está refletindo o
ensino judaico de seu tempo e que se refere à destruição de Coré e seu
séquito e à praga que matou milhares de israelitas (Nm. 16).
Embora alguns manuscritos leiam não murmuremos, prefere-se o
texto que registra a segunda pessoa plural, «não murmureis». As
palavras se dirigem aos coríntios, porque alguns líderes arrogantes
podiam induzi-los a murmurar contra Paulo. O apóstolo tomou um
exemplo das crônicas de Israel, para deixar claro os perigos de murmurar
contra Deus e Seus servos. Sem ameaçar os coríntios, Paulo lhes ensina
uma lição que tira da história sagrada, a fim de inculcar neles o respeito
por seus líderes espirituais (cf. Hb 13:7, 17, 24).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:6–10


Versículo 6
τα_τα — este pronome neutro plural no caso nominativo vem
seguido pelo verbo _γενήθησαν («vieram a ser»), que está no plural, não
no singular (cf. v. 11).
τύνποι _μώ — o genitivo poderia ser objetivo («exemplos para
nós») ou subjetivo («nossos tipos»). Muitos eruditos preferem o genitivo
objetivo.

25
SB, vol. 3, pp. 412–416. Veja-se também Sl. 105:23 (LXX, Sl. 106:23 no texto hebraico) para o
verbo composto destruir por completo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 472
ε_ς τ_ μ_ ε_ναι — o negativo μή faz com que o infinitivo indique
um propósito negativo («para que não cobicemos») que termina quase
como um mandamento negativo («não cobiceis»). Por esta razão, incluí
este mandato com os quatro imperativos negativos nos quatro versículos
que seguem (vv. 7, 8, 9, 10).
_πεθύνησαν — o verbo _πιθυμέω (=desejar, anelar) também
aparece no décimo mandamento do Decálogo (Êx 20:17; Dt 5:21, LXX).
Veja-se também Tiago 4:2.

Versículos 7–8
μηδέ — a partícula ocorre neste versículo e nos três seguintes, e é
seguida por quatro verbos no presente imperativo.
παίζειν — «jogar». No entanto, o equivalente hebraico ‫( צחק‬Êx
32:6) comunica a ideia de libertinagem. Este significado ocorre em
outros três textos (Gn 26:8; 39:14, 17). 26
_ν — O Texto Majoritário, Merk e Souter inserem a preposição _ν,
a fim de reforçar o dativo de tempo que aparece na frase num dia. Os
melhores manuscritos não registram esta preposição.

Versículo 9
_κπειράζωμεν — a forma composta deste verbo denota intensidade,
o que resulta no sentido de «provar ao limite, desafiar» (Sl. 77:18, LXX;
que é o Sl. 78:18 no texto hebraico). O objeto direto é τ_ν Χριστόν.
_πώλλυντο — é o imperfeito passivo do verbo _πόλλυμι (=destruir)
e denota uma ação contínua no passado. Contudo, no versículo seguinte
(v. 10) aparece o mesmo verbo no tempo aoristo, que descreve uma ação
singular.

26
Georg Bertram, TDNT, vol. 5, pp. 629–630.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 473
Versículo 10
καθάπερ — «como». Esta conjunção (que é uma combinação de
καθα, e a partícula enclítica intensiva -περ) aparece no Novo Testamento
só nas epístolas paulinas (com exceção de Hb 4:2). 27
_λοθρευτού — o substantivo aparece só uma vez com o artigo
definido no Novo Testamento, e a ideia é «o destruidor». Paulo tira a
palavra do Antigo Testamento (Êx 12:33, LXX; o hebraico lê ‫ַשׁחִית‬ ְ ‫) ַהמּ‬. O
apóstolo emprega o substantivo _λεθρον (=destruição) em conexão com
o incestuoso a quem entrega «a Satanás para a destruição da carne, a fim
de que seu espírito seja salvo no dia do Senhor» (1Co 5:5, minha
tradução).

c. Uma admoestação. 1Co 10:11–13

Em uns poucos versículos conhecidos (vv. 12, 13), Paulo aplica as


lições históricas aos crentes de Corinto. Ao mesmo tempo, revela que
Deus sempre provê ajuda aos crentes, quando estes enfrentam provas e
tentações.
11. Pois bem, estas coisas caíram sobre eles como uma advertência e
escreveu-se para nos admoestar, a nós sobre quem os fins dos tempos têm
chegado.
a. «Pois bem, estas coisas caíram sobre eles como uma
advertência». Ao introduzir o adjetivo todas, muitas traduções registram
uma leitura ligeiramente distinta: «Tudo isso lhes sucedeu». 28 Contudo,
o adjetivo poderia ter sido acrescentado para dar ênfase aos incidentes
históricos mencionados nos versículos precedentes (vv. 6–11). O
versículo 11 repete a ideia do versículo 6, que diz: «Agora, estas coisas
vieram a ser exemplos para nós».

27
Robertson, p. 967.
28
P. ex., veja-se BJ, NC, LT, VP, CB, BP.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 474
Os exemplos históricos que falam de idólatras, fornicários, rebeldes
e murmuradores são advertências pertinentes de que Deus derrama Sua
ira contra os pecadores que voluntariamente O provocam. No original,
Paulo usa o tempo imperfeito do verbo cair, com o qual descreve a
recorrência destes fatos; com a expressão sobre eles aponta claramente
aos israelitas em sua viagem de 40 anos através do deserto da península
sinaítica. Deus teve por bem registrar estes eventos como lições
instrutivas, a fim de advertir o Seu povo nas gerações sucessivas e em
outras culturas. Deus é o Deus da história, e deseja que Seu povo leve
em conta a história bíblica.
b. «E escreveu-se para nos admoestar». A Palavra de Deus tem
autoridade permanente para os crentes de todas as épocas. Com efeito,
Deus nos entregou o Antigo e Novo Testamento para nos admoestar a
viver uma vida em harmonia com seus preceitos (veja-se 1Co 9:10). A
palavra admoestar ocorre em outra carta de Paulo, onde instrui os pais a
criar os seus filhos na «disciplina e admoestação do Senhor» (Ef 6:4,
RA). Com isso quer dizer que devem ensinar aos seus filhos as verdades
das Escrituras. Da mesma maneira, Deus admoesta com diligência o seu
povo para que se apegue à Sua palavra escrita, e os adverte que o não
obedecer lhes trará trágicas consequências (cf. Hb 10:31).
Que ninguém pense que o Antigo Testamento só apresenta a Deus
como se fosse um vingador que castiga o mal (Sl. 139:19) e que o Novo
Testamento O apresenta como um Deus de amor (1Jo 4:16). Deus odeia
o pecado e, ao mesmo tempo, ama o pecador que se arrepende. Deus
nunca muda. Ama o Seu povo; tanto o patriarca dos tempos bíblicos
como o recém-convertido experimentam a alegria da graça perdoadora.
Com invariável constância, Deus cumpre Suas promessas na vida dos
santos, e todo crente sincero o pode testificar.
c. «A nós, sobre quem os fins dos tempos têm chegado». A que se
refere Paulo quando fala de «os fins dos tempos»? Não quer dizer que o
povo de Deus «chegou à consumação, mas que o fim dos tempos
começou agora. De forma semelhante, outros escritores do Novo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 475
Testamento afirmam que agora estamos vivendo no último período da
história (veja-se Hb 9:26; 1Jo 2:18). Os fins dos tempos chegaram com a
vinda de Cristo, e com isto se completaram alguns períodos na história.
Por exemplo, com o cumprimento das promessas messiânicas deu-se fim
à era do Antigo Testamento. As culturas grega e romana desapareceram
ao entrar em contato com o evangelho de Cristo. Como afirma F. W.
Grosheide, «logo que uma nação entra em contato com o evangelho, dá-
se término a uma época». 29
Embora Paulo afirme que chegaram os fins dos tempos, não
podemos discernir o fim do período em que vivemos. Jesus nos diz que o
fim virá quando o evangelho tiver sido pregado como testemunho a todas
as nações (Mt 24:14). Portanto, ao viver nestes últimos tempos devemos
apressar o dia da vinda de Cristo, levando uma vida santa e piedosa (2Pe
3:11, 12) e apoiando a disseminação do evangelho de Cristo por todo
mundo e em cada setor da sociedade. Quando esta tarefa for cumprida,
virá a consumação de todas as coisas. Junto com os coríntios, cada crente
deve dar ouvidos à admoestação que Deus nos dá nos dias que
conhecemos como o fim do tempo. Os fatos registrados no Antigo
Testamento têm o propósito determinado de advertir os crentes a evitar o
pecado e de apressar o dia do Senhor.
12. Assim que, aquele que pensa estar de pé, cuide-se para não cair.
Este é um aforismo que todos podem levar a sério. Por certo, com
frequência usamos este texto para dizer a alguém que evite a
autossuficiência e a arrogância.
Com as palavras assim que, Paulo conclui sua recapitulação da
história de Israel e aplica suas lições aos coríntios. Dirige a aplicação a
todos os leitores, mas em especial àqueles que com orgulho creem que
em Cristo têm a liberdade de fazer qualquer coisa ou de ir a qualquer
lugar. Paulo se refere aos coríntios que visitavam templos pagãos (1Co

29
F. W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 226.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 476
8:10). Os chamados cristãos fortes devem levar a sério as lições do
Antigo Testamento, visto que nelas Deus lhes está falando. De fato,
mediante estas lições veterotestamentárias, o apóstolo vincula o povo de
Israel com o cristão de Corinto.
O povo de Israel estava orgulhoso de sua condição para com Deus.
Só eles eram o povo de Deus, e pensavam que Deus sempre estaria do
lado deles. Sentiam-se espiritualmente seguros porque Deus fez uma
aliança com seu pai Abraão, uma aliança que tinha prometido guardar
toda a sua descendência (Gn 17:7). Contudo, a Escritura narra que
muitos descendentes de Abraão morreram no deserto (ver o v. 5; Rm
11:20), porque foram desobedientes a Deus e Sua palavra. O escritor de
Hebreus diz: «Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em
qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do
Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o
tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido
pelo engano do pecado» (Hb 3:12, 13, RA).
O verbo cair aponta para uma falsa segurança. Com esta palavra,
Paulo se refere aos coríntios que confiavam no fato de ser membros da
igreja ou no batismo e na Santa Ceia, porém não em Jesus Cristo. Estes
coríntios confiam em sua própria perspicácia e na «sabedoria» de outros
(1Co 3:18). Eram autossuficientes e seu coração não estava com Deus.
Paulo os aconselha a descansar dia a dia em Deus com a confiança de
uma criança. Sua segurança espiritual devia vir de uma fé verdadeira que
descansa em que Deus cumprirá Suas promessas.
13. Nenhuma tentação vos sob reveio que não seja com um a tod os.
Mas Deus é fiel, e não permitirá que se jais tentados além do q ue podeis
suportar, porém com a tentaç ão também proverá uma forma de escape,
para que a possais suportar.
a. «Nenhuma tentação vos sobreveio». Que ânimo para todo crente!
Que alívio saber que Deus pôs limites à tentação! Paulo faz uma pausa
em sua argumentação para trazer uma palavra de segurança aos seus
desanimados leitores. Como corolário ao seu mandato de estar firmes e
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 477
não cair (v. 12), Paulo se dirige a todo aquele que tem que enfrentar os
problemas da vida diária.
Como em toda língua, o grego tem palavras que têm diversos
significados. A palavra tentação é uma delas, pois pode significar
«prova». Em sua epístola, Tiago diz que «Ele [Deus] a ninguém tenta»
(Tg 1:13, TB). Embora isto seja certo, na sexta petição do Pai Nosso,
Jesus ensina aos Seus discípulos: «Não nos deixes cair em tentação, mas
livra-nos do maligno» (Mt 6:13). Embora a origem da tentação fique sem
resolver, pode-se fazer a seguinte distinção: as tentações vêm de Satanás,
mas as provas provêm de Deus.
O que quer dizer Paulo no versículo 13, «tentação» ou «prova»?
Talvez ambas as coisas. Por exemplo, Satanás comparece diante de Deus
no céu, e Deus lhe permite que tente a Jó, que ponha sua fé à prova. Mas
Deus usa Satanás para demonstrar que Jó é capaz de ser aprovado na
prova, visto que no final a fé de Jó triunfa (Jó 1, 2 e 42). 30
b. «Nenhuma tentação vos sobreveio que não seja comum a todos».
O verbo principal desta oração está no tempo perfeito e conota uma
condição permanente. Também comunica a ideia de que a tentação ou a
prova se apodera da pessoa. 31 O grau e extensão de qualquer tentação se
limitam ao que é comum a todos. Em contraste, no princípio e no fim de
Seu ministério terrestre, Jesus teve que resistir a tentação de Satanás para
além do que é comum para o ser humano. Nenhum ser humano poderá
jamais suportar a infernal agonia que Jesus suportou no Getsêmani e no
Calvário. Nenhum crente terá que submeter-se à mesma experiência.
Paulo não entrega detalhes sobre as tentações dos crentes, mas os
anima de forma geral. Por isso, não deveríamos perguntar quais são as
tentações às quais os crentes estão sujeitos.
c. «Mas Deus é fiel, e não permitirá que sejais tentados além do que
podeis suportar». Deus é fiel para com o Seu povo de uma forma

30
Refira-se a Godet, First Corinthians, p. 498.
31
BAGD, p. 464.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 478
perfeita, mesmo quando nossa fidelidade é imperfeita. A Escritura deixa
claro que é o ser humano que quebra a aliança. Os escritores da Bíblia
louvam a fidelidade de Deus como chegando até os céus. De forma
semelhante, a fidelidade de Deus é um tema recorrente nas epístolas de
Paulo, assim como em outros lugares da Escritura. 32
Como demonstra Deus Sua fidelidade aos crentes? Deus promete
que não permitirá que ninguém seja tentado além do que o ser humano
pode resistir. Até se os crentes se colocam sabendo em situações onde as
tentações são inevitáveis e desenfreadas, Deus demonstra Sua fidelidade
vindo resgatá-los. Ló é um exemplo. Foi viver em Sodoma e teve que
enfrentar «a suja vida de gente má». Contudo, Deus o ajudou e o
resgatou de uma destruição repentina (2Pe 2:7). 33 Em suma, como um
pastor fiel resgata sua ovelha perdida, da mesma forma Deus vigia sobre
o Seu povo para resgatá-los dos problemas que enfrentam. Paulo afirma
que Deus põe limites à tentação humana segundo o que o ser humano
possa suportar.
d. «Porém com a tentação também proverá uma forma de escape,
para que a possais suportar». O adversativo porém é qualificado e
reforçado por também. Deus põe limites à tentação humana e Ele mesmo
vem em socorro de Seu povo durante suas provas. Anima os crentes a
perseverar e triunfar. Ele pessoalmente Se envolve na prova, abrindo
uma porta de escape para aqueles que são tentados e provados. O
original grego registra o artigo definido: a forma de escape. Quer dizer,
para cada prova Deus provê uma saída. 34 Um período de tentação e
prova pode ser comparado com um barco que se aproxima de uma zona
rochosa e que enfrenta um naufrágio inevitável. Mas «de improviso e,

32
1Co 1:9; 2Co 1:18; 1Ts 5:24; 2Ts 3:3; Hb 10:23; 11:11; 1Jo 1:9; Ap 1:5. Veja-se também Dt 7:9;
Sl. 145:13b.
33
Consulte-se Walter Schneider e Colin Brown, NIDNTT, vol. 3, pp. 802–803.
34
Isto não quer dizer que Deus cancela o período de prova, mas sim põe um limite ao lhe mostrar aos
crentes o fim da prova. Cf. C. F. D. Moule, «An Unsolved Problem in the Temptation-Clause in the
Lord’s Prayer», RTR 33 (1974): 65–75.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 479
para aquele que não sabe de barcos, de forma inesperada, o barco desliza
por uma abertura da costa inóspita e consegue salvar-se seguro». 35
O propósito da via de escape é «que a possais suportar», isto é, a
tentação. O verbo principal que Paulo usa comunica a ideia de suportar o
peso da tentação. A perseverança dos crentes os salva de cair e os afirma
na fé. 36 A permanente fidelidade de Deus acompanha o Seu povo através
das provas e lhes dá a vitória.

Considerações doutrinais em 1Co 10:12


Jesus disse a Pedro que tinha orado para que a fé de Pedro não
falhasse (Lc 22:32). Contudo, três vezes seguidas Pedro negou conhecer
a Jesus. Quer dizer, então, que Deus não respondeu tal oração e que foi
desleal com Pedro? Será, antes, que o medo que Pedro tinha de sofrer
perseguição minou e até anulou a sua fé? A resposta é que o que estava
em jogo era a responsabilidade de Pedro e não a provisão de Deus.
A fé não é uma virtude estática, mas um dom espiritual. A fé
diminui se não a exercitamos, e cresce quando é provada. A verdadeira
fé brilha esplendorosa quando os crentes se mantêm firmes em tempos
de prova (p. ex., Gl 5:1; 2 Ts. 2:15). A Escritura ensina que a permanente
batalha da fé consiste em resistir aos ataques de Satanás (Ef 6:10–18; Fp
4:12–14). Nesta luta os crentes se mostram fortes ou fracos; sua fé pode
crescer ou diminuir (Rm 14:1; 2Co 10:15). A fé verdadeira está ancorada
firmemente em Deus. Através de Cristo Jesus, Deus dá aos crentes a
força e habilidade necessárias para perseverar.
Quando Paulo escreve «aquele que pensa estar de pé, cuide-se para
não cair», os verbos estar de pé e cair recebem conteúdo doutrinal. Estar
de pé quer dizer depender completamente de Deus em Cristo. Davi
pergunta: «Quem pode subir ao monte do Senhor? Quem pode estar em
seu lugar santo?», ao que responde: «Só o de mãos limpas e coração

35
W.W. Gauld, «St. Paul and Nature», ExoT 52 (1940–41): 340.
36
Consulte-se Gardner, «Gifts of God», p. 169.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 480
puro, aquele que não adora ídolos vãos nem jura por deuses falsos.
Quem é assim recebe bênçãos do Senhor; Deus seu Salvador lhe fará
justiça» (Sl. 24:3–5).
O verbo cair no contexto da salvação dá a entender que se produziu
uma perda, o que quer dizer que se rejeitou a graça divina. Por exemplo,
os israelitas caíram quando desafiaram a Deus. Rejeitaram o maná que
diariamente os supria e a liderança que lhes tinha sido atribuído.
Rejeitaram sua graça ao desobedecê-Lo de forma voluntária. Em
contraste, «se alguém ama a Deus, é conhecido por Deus» (1Co 8:3). A
pessoa que ama a Deus demonstra evidência genuína de que possui
segurança eterna por meio de crer em Sua palavra e obedecer Seus
preceitos. Portanto, o crente é animado sabendo que Deus jamais, jamais
abandonará o que descansa em Jesus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:11–13


Versículo 11
τυπικ_ς — este advérbio, que traduzimos por «advertência», ocorre
só aqui no Novo Testamento. O forte apoio manuscrito que tem este
advérbio faz com que os estudiosos o prefiram. A outra leitura registra a
palavra τύποι (=tipos, exemplos) e seu correspondente verbo no plural
συνέβαινον.
_γράφη — «escreveu-se» está no singular. Não obstante, o τα_τα da
cláusula precedente está no plural. A preposição πρός denota propósito:
«para nos admoestar a nós». O pronome _μώ não é um genitivo
subjetivo («para que nós admoestemos»), mas sim um genitivo objetivo
(«para nos admoestar a nós»).

Versículo 12
_στε — esta conjunção consecutiva funciona numa construção
coordenada e quer dizer «assim que».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 481
μή — depois do verbo cuidar-se, esta partícula age como uma
conjunção que de forma negativa introduz o subjuntivo aoristo, voz
ativa, πέσ_ («cuide-se para não cair»).

Versículo 13
ε_ληφεν — é o tempo perfeito de λαμβάνω (=receber, tomar) e
indica que uma ação que se efetuou no passado tem consequências no
presente.
το_ δύνασθαι _πενεγκεί — trata-se de uma cláusula de propósito,
visto que contém um artigo definido em caso genitivo του seguido por
dois infinitivos. 37 Os verbos são impessoais (lit. «para poder suportar») e
não aparece um pronome que faça explícita na segunda pessoa plural
(«para que a possais suportar»). Alguns manuscritos suprem este
pronome (_μά = «vós»). Notemos, além disso, que o segundo infinitivo é
um aoristo constativo de _ποφέρω, que considera a ação do verbo do
princípio ao fim.

2. Advertências contra a idolatria. 1Co 10:14–22

Paulo começou seu discurso sobre o problema da idolatria no


capítulo 8. Ali abordou os assuntos de comer comida que tinha sido
sacrificada a um ídolo (1Co 8:4, 7) e de comer dentro do templo de
algum ídolo (1Co 8:10). Paulo estava expressando sua preocupação pelo
irmão fraco, cuja consciência era ferida pelas ações dos cristãos fortes.
Já na primeira parte do capítulo 10, Paulo retomou o tema da
idolatria (vv. 6–10) e se referiu à adoração idolátrica da qual Israel foi
culpado no monte Sinai (v. 7; Êx 32:1–20). Ao refletir nas experiências
que Israel teve no deserto, Paulo opera com base em que o povo de Deus
é o mesmo no Antigo e Novo Testamento. Com exemplos descritivos do

37
Robert Hanna, A Grammatical Aid to the Greek New Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p.
301.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 482
que o povo de Deus fez no deserto, o apóstolo admoesta a todos os que
pertencem à família de Deus.
Agora na segunda parte do capítulo 10, Paulo se dirige a todos os
irmãos de Corinto, especialmente aos que se creem cristãos fortes. Faz-
lhes ver o que implica participar de sacrifícios oferecidos a ídolos. No
capítulo 9 se desviou do tema da idolatria para abordar o assunto dos
direitos de um apóstolo. Mas deu a entender que ainda não terminava de
tratar do problema da idolatria. Este tema se originou por uma carta que
Paulo tinha recebido (p. ex., veja-se 1Co 7:1), na qual os coríntios lhe
perguntaram a respeito da comida sacrificada aos ídolos. «A forma em
que Paulo começa o capítulo 8, deve-se à maneira como os coríntios
expuseram seus pontos. Em contrapartida, no capítulo 10, Paulo elabora
o tema seguindo sua própria agenda». 38
Em sua carta, Paulo com frequência se separa do tema, quer para
esclarecer o que diz com ilustrações pertinentes (p. ex., 1Co 7:17–24) ou
para entregar uma palavra de alento ou exortação. Nesta oportunidade,
está preparado para retomar sua discussão sobre a idolatria.

a. Uma comparação gráfica. 1Co 10:14–17

14. Por isso, meus amados, fugi da idolatria.


Agora Paulo dirá algo sobre o participar tanto nas festas de um
templo idolátrico como na Santa Ceia. As palavras «por isso» não
conectam o que Paulo dirá agora com a admoestação precedente, e sim
com as alusões que fez à idolatria de Israel (vv. 6–10). Paulo resume seu
ensino com um mandamento que dirige a todos os destinatários. Como a
ordem é direta e enérgica, modera-a usando meus amados. Às vezes,
Paulo usa uma expressão carinhosa para aproximar-se de seus leitores,
ao mesmo tempo que lhes ordena algo (p. ex., 1Co 4:14).

38
Wendell Lee Willis, Idol Meat in Corinth: The Pauline Argument in 1 Corinthians 8 and 10, SBL
Dissertation Series 68 (Chico, Calif.: Scholars, 1981), p. 112.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 483
O mandamento de fugir da idolatria é semelhante à ordem que deu
anteriormente: «fugi da imoralidade» (1Co 6:18). Paulo se dirige aos
coríntios que dizem ser o suficientemente fortes para resistir a tentação
quando concorrem a festivais em templos pagãos. Paulo lhes instrui que
fujam desse meio ambiente, assim como um refugiado escapa de
situações ameaçadoras. Ordena-lhes que se mantenham o mais longe
possível dos templos pagãos e das festas que ali se celebram em honra a
seus deuses.
Em 1Co 8:6 Paulo parece permitir que o cristão forte de Corinto
coma no refeitório dos templos pagãos. Será que Paulo se contradiz
agora que os ordena a fugir da idolatria? Por certo que não. Primeiro,
notemos que no contexto de 1Co 8:9, Paulo põe limites à liberdade
cristã. Afirma que a liberdade é boa, sempre e quando não se converter
num estorvo para o resto dos crentes (veja-se também 1Co 10:24, 32).
Segundo, em 1Co 8:10 Paulo fala da ação de comer num templo pagão,
enquanto neste versículo aponta à própria idolatria. Embora um ídolo
seja um objeto inanimado de madeira ou pedra, a atmosfera que o rodeia
é religiosa e implica adoração. Isto cria o perigo de transgredir um
mandamento expresso de Deus quanto a não adorar ídolos (Êx 20:4–6;
Dt 5:8–10). É isto o que leva Paulo a ordenar os coríntios a fugirem da
idolatria (cf. 1Jo 5:21). Os coríntios pecavam contra Deus, ao entrar num
templo pagão e participar de festividades relacionadas com o culto a um
ídolo. Deviam saber que sua presença num templo pagão durante uma
festividade era uma afronta a Deus. Deus prepara Sua própria mesa
mediante o sacramento da Santa Ceia, e em essa mesa Ele é o anfitrião e
os crentes Seus convidados. A mesa do refeitório de um templo pagão e
a mesa do Senhor pertencem a dois contextos religiosos diametralmente
opostos.
15. Dirijo-me aos sábios: julgai vós mesmos o que digo.
Paulo se dirige aos sábios. Em outro contexto ridicularizou a
sabedoria dos coríntios (1Co 4:10), mas agora não. Os sábios são os
crentes que obedientemente cumprem a vontade do Senhor. Mas os
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 484
néscios descansam em seu próprio entendimento e sabedoria humana, e
assim se destroem a si mesmos (cf. Mt 7:24–27). A sabedoria dos
coríntios que são prudentes, radica precisamente em ser obedientes ao
mandamento que diz que não devemos adorar ídolos. 39 Isto quer dizer
que não devem permitir-se nem sequer a aparência de semelhante
idolatria.
Os coríntios agora devem decidir julgar com sabedoria. São cristãos
amadurecidos que se supõe são capazes de discernir o que é central e o
que é periférico nesta matéria. Nos versículos seguintes, Paulo lhes dá
instruções precisas sobre que medidas devem tomar quando são
convidados para uma comida em casa de algum incrédulo (vv. 27–30). O
apóstolo deseja que estejam atentos ao que ele diz e sejam assim
«instruídos na escola de Cristo». 40
16. O cál ice da bênção pela qual d amos graças, acaso não é
participar do sangue de Crist o? O p ão que p artimos, acaso n ão é
participar do corpo de Cristo?
Notemos os seguintes pontos:
a. Perguntas. Agora Paulo lembra aos destinatários a celebração da
Ceia do Senhor, na qual ele é o anfitrião e eles os convidados. Ele lhes
recorda isso por meio de duas perguntas retóricas que todo crente deve
responder de forma afirmativa. Quando os coríntios bebem do cálice e
comem do pão durante a Santa Ceia, por certo que têm comunhão com
Cristo. Pelo fato de que têm comunhão com Jesus Cristo, nada têm que
ver com os ídolos. Ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6:24; Lc
16:13).
b. Contexto. A instituição da Ceia do Senhor teve lugar no
cenáculo, a noite anterior à da morte de Cristo na cruz. Nessa ocasião,
Jesus explicou qual era o propósito desta celebração, dizendo: «Este
cálice é a nova aliança em meu sangue, que é derramada por vós» (Lc
22:20; veja-se 1 Cor. 11:25). A fórmula contém o termo nova, o qual nos
39
Cf. Jürgen Goetzmann, NIDNTT, vol. 2, pp. 619–620.
40
Calvin, 1 Corinthians, p. 215.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 485
lembra a velha aliança, que foi ratificada pelos israelitas no monte Sinai.
Moisés aspergiu sangue sobre o altar, o livro da aliança e o povo, e disse:
«Eis aqui o sangue da aliança que O Senhor fez convosco sobre todas
estas coisas» (Êx 24:8). Imediatamente, depois de ter sido ratificada a
aliança, os líderes de Israel (Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e setenta
anciãos) subiram ao monte para encontrar-se com Deus. Estes líderes
não só viram a Deus, mas também participaram com Ele numa comida
relacionada com tal aliança (Êx 24:9–11).
Séculos depois, Deus anunciou por meio de Jeremias que faria uma
nova aliança com as casas de Israel e Judá (Jr 31:31). Esta profecia se
cumpriu quando Jesus, na noite em que foi entregue, instituiu uma nova
aliança e participou em uma comida com os Seus discípulos, comida que
estava relacionada com essa aliança.
c. Sequência. Nos Evangelhos de Mateus e Marcos, Jesus primeiro
parte o pão e logo serve o vinho (Mt 26:26–28; Mc 14:22–24). Porém no
Evangelho de Lucas, primeiro toma o cálice e o entrega aos discípulos, e
então parte o pão, para logo tomar o cálice (Lc 22:17–20). Isto se explica
dizendo que durante a comida da páscoa judaica, os participante bebiam
quatro cálices a intervalos determinados.41 O primeiro cálice era
conhecido como «o cálice de bênção», e com o tempo a frase adotou a
categoria de fórmula técnica. Cristo instituiu a Santa Ceia quando
apresentou este terceiro cálice.
Paulo escreve que ele recebeu do próprio Jesus a fórmula para
celebrar a Ceia do Senhor (1Co 11:23–26). Segundo esta fórmula o partir
o pão vem primeiro e depois se bebe do cálice. Porém no versículo 16
Paulo altera a ordem porque quer usar o conceito do pão como

41
SB, vol. 4.1, pp. 56–61. Veja-se também William Hendriksen, Lucas, Série Comentario al Nuevo
Testamento (Grand Rapids: Libros Desafío, 1990), pp. 892–893; Phillip Sigal, «Another Note to 1
Corinthians 10.16», NTS 29 (1983): 134–139.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 486
introdução ao versículo seguinte, no qual faz um paralelo entre um pão e
um corpo. 42
d. Significado. «O cálice da bênção pela qual damos graças». Neste
versículo Paulo usa o verbo grego eulōges (=abençoar), 43 que se traduz
de duas formas. A maioria das traduções dão uma tradução literal: «o
cálice da bênção que abençoamos» (RA, cf. CI, NTT, BJ, CB, LT),
enquanto a NTLH lê: «Pensem no cálice pelo qual damos graças a Deus
na Ceia do Senhor». Os que preferem a segunda tradução, entendem o
verbo à luz da cultura judaica, pelo que creem que se procura um ato de
ação de graças dadas a Deus. O verbo tem uma conotação teológica;
deve entender-se no sentido de dar graças a Deus, o Pai pela obra
redentora que Seu Filho fez a nosso favor. Quando celebramos a
comunhão, expressamos nossa gratidão a Deus.
Deus é quem concede bênçãos e nós somos os que as recebem,
dando a Ele graças e louvor. Quando Jesus alimentou a multidão, tomou
o pão e deu graças a Deus o Pai. Quando instituiu a Santa Ceia, deu
graças antes de partir o pão (1Co 11:24; Lc 22:19). Desta forma nos
deixou um exemplo para que também nós demos graças ao Pai pelos
Seus dons. Daqui se deriva o termo eucaristia, o qual vem do verbo
grego eujaristeō (=dar graças). Eucaristia quer dizer gratidão ou ação de
graças.
«O cálice … acaso não é participar do sangue de Cristo? O pão que
partimos, acaso não é participar do corpo de Cristo?» Neste versículo
aparece a palavra koinonia, que às vezes é traduzida por «ação de
compartilhar» ou «comunhão». Aqui a traduzimos por «participar de». 44
Os crentes participam numa relação vertical com Jesus Cristo. Tal como

42
Na Didaquê 9:2–3, um documento que talvez vem do primeiro século, a ordem é primeiro o cálice e
depois o pão. Consulte-se Willy Rordorf, «The Didache», en Eucharist of the Early Christians, trad.
Matthew J. O’Connell (Nueva York: Pueblo, 1978), pp. 1–23.
43
Cf. Joachim Jeremias, The Eucharistic Words of Jesus, trad. Norman Perrin de 3ª. edição alemã
(Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1966), p. 113.
44
Há muita literatura a respeito. Um exemplo representativo é a obra de Willis, Idol Meat, pp. 167–
222.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 487
Paulo escreveu anteriormente, temos comunhão com o Filho de Deus,
nosso Senhor Jesus Cristo (1Co 1:9; veja-se também 1Jo 1:3). Mas os
crentes também têm uma relação horizontal uns com os outros, tal como
se evidenciou na comunhão que os crentes experimentaram uns com os
outros depois do Pentecostes (At 2:42). Estas relações verticais e
horizontais encontram-se na igreja, porque os crentes formam um corpo
do qual Cristo é a cabeça (veja-se o v. 17; Ef 5:23).
Neste versículo, as palavras cálice e pão significam participação no
sangue e corpo de Cristo. Esta participação faz com que os crentes
recebam o favor de Deus na forma de bênçãos espirituais e materiais
maravilhosas. Mas esta participação implica também a responsabilidade
cristã de obedecer a Cristo.
Ao celebrar a Ceia, os crentes confessam que estão numa relação de
aliança. «Este cálice é a nova aliança em meu sangue», são as palavras
que Paulo recebeu do Senhor (1Co 11:25; Lc 22:20). O mesmo é certo
quanto ao corpo de Jesus (1Co 11:24; Lc 22:19).

Há um notável paralelismo na forma como as duas palavras cálice e


pão são explicadas. 45

cálice = participação no sangue pão = participação no corpo


de Cristo (1Co 10:16) de Cristo (1Co 10:16)

a nova aliança em meu meu corpo que é


sangue (1Co 11:25) por vós (1Co 11:24)

e. Conclusão. Paulo usa a primeira pessoa plural neste versículo e


no seguinte: «damos graças … todos participamos». Isto não só aponta a
Paulo e aos outros apóstolos que administravam o sacramento da
45
Gardner, «Gifts of God», p. 177; Willis, Idol Meat, p. 206; Stuart D. Currie, «Koinonia in Christian
Literature to 200 A.D.», tesis doctoral (Ph.D.), Emory University, 1962, pp. 42–44; Elmer Prout,
«One Loaf … One Body», ResQ 25 (1982): 78–81.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 488
comunhão, nem se restringe aos ministros que servem à mesa do Senhor,
porque todos os crentes que vêm à mesa são os convidados do Senhor, e
Ele o anfitrião. Esta interpretação faz-se evidente no seguinte versículo.
17. Visto que h á um só pão, embora sejamos muitos, somos um
corpo, porque todos participamos daquele único pão.
a. Traduções. O próprio texto grego é simples, usando um
vocabulário limitado e inclusive repetitivo. Mas a simplicidade não é
sempre sinônimo de clareza. A primeira parte deste versículo pode-se
traduzir de duas formas diferentes: «Já que há um único pão, nós,
embora muitos, somos um só corpo» (BJ), ou «Visto que há um só pão,
todos nós, embora sejamos muitos, formamos um só Corpo» (LT, cf.
NVI, NTT, CB, RA). Qual é a diferença?
Na primeira tradução se supre a conjunção e que não aparece no
texto grego. Esta ausência já deveria advertir o tradutor que não deveria
tomar os termos pão e corpo como sinônimos. Se os crentes forem
descritos como pão, como poderiam participar do pão? Por conseguinte,
preferimos a segunda tradução, pois com ela se evita a tautologia. 46
b. Conectivos. A conjunção causativa visto que une o versículo 17
ao versículo precedente, onde Paulo discute a participação do crente no
partir do pão da comunhão. O apóstolo sublinha que cada crente
participa daquele único pão. O comer pão juntos numa comida une os
participantes e cria um vínculo de unidade.
c. Unidade. A igreja em Corinto estava composta por gentios que
tinham chegado a ser crentes e de judeus convertidos à fé cristã.
Contudo, este grupo formava um só corpo. De tal maneira que Paulo
pode dizer: «embora sejamos muitos, somos um corpo». Indiferentes às
barreiras raciais, eram um em Cristo. Juntos todos eles participaram do
pão, cada vez que celebravam o serviço de comunhão. Ao participar de
um único pão, hoje os crentes mostram que são um corpo e que

46
Godet, First Corinthians, p. 512.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 489
pertencem à comunhão. Este texto fala da unidade que prevalece a nível
horizontal.
d. Participar. Neste versículo, Paulo usa duas vezes conjunções
causais: «visto que» e «porque». As duas orações «Visto que há um só
pão» e «porque todos participamos daquele único pão», reforçam uma à
outra. Ambas sublinham o significado daquele único pão. O corpo de
crentes participa de uma substância: pão. O participar dos elementos da
Ceia do Senhor descarta que algum membro da igreja vá colocar-se num
festival pagão no templo de um ídolo ou que algum pagão se aproxime
da mesa do Senhor. 47 Paulo sublinha o fato de que os crentes participam
de um único pão com o fim de demonstrar que o cristianismo e o
paganismo excluem-se um ao outro (veja-se o v. 21).

Considerações práticas em 1Co 10:16–17


Algumas palavras gregas foram introduzidas em nosso vocabulário
e são usadas com frequência para descrever as igrejas de forma
descritiva. Menciono só duas: agapē e koinonia. De maneira que,
encontramos a «congregação ágape» ou «a comunidade koinonia». O
primeiro título quer dizer que essa congregação pratica o amor. O
segundo é um tanto redundante, visto que koinonia quer dizer ter as
coisas em comum. Por que ir a palavras estrangeiras, se nossa língua tem
expressões suas próprias?
Contudo, não se deve minimizar o significado do termo koinonia,
porque é profundamente espiritual. Quando o pastor dá a bênção no final
do culto, pede a Deus que a comunhão do Espírito Santo seja com a
congregação que parte para seus lares (veja-se 2Co 13:14). Durante a
comunhão, os crentes são convidados à mesa do Senhor, comem o pão e
bebem o cálice, e assim experimentam a comunhão com Jesus, o Seu
anfitrião (Mt 26:26–28; 1Co 10:16; 11:23–25).

47
Johannes Eichler, NIDNTT, vol. 1, p. 639.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 490
A comunhão com Cristo é um elemento vital na vida de toda
congregação, e esta comunhão se expressa na unanimidade e unidade
que o Espírito Santo produz. Nesta comunhão, o indivíduo nunca está
sozinho, mas sempre recebe a ajuda e apoio do resto dos crentes. Na
igreja primitiva, os crentes reuniam-se para ter comunhão, ser instruídos
pelos apóstolos, para participar da Santa Ceia e orar (At 2:42). Por certo,
Lucas nos descreve a condição econômica dos membros da igreja: «não
havia nenhum necessitado na comunidade» (At 4:34). Portanto, a palavra
comunhão conota um sem-número de bênçãos materiais e espirituais
para o povo de Deus.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:14–17


Versículo 14
διόπερ — «por esta razão». Esta partícula é provavelmente similar a
διό, e serve para conectar a passagem precedente à presente oração. 48
φεύγετε _πό — o verbo φεύγω (=fugir) com frequência vem
seguido da preposição _πό (=desde, de). O verbo aparece aqui no modo
imperativo presente, o que indica que se deve continuar fazendo o que se
ordena.
ε_δωλολατρίας — este substantivo vem precedido pelo artigo
definido («a idolatria»), o que comunica a ideia do culto a ídolos que vós
[coríntios] conhecem muito bem». 49

Versículo 15
κρίνατε — trata-se do aoristo imperativo, voz ativa, do verbo κρίνω
(=julgar), e quer dizer que os coríntios mesmos (_μεί) devem avaliar este
assunto em particular. Devem aprovar o que Paulo lhes ordena.

48
Refira-se a Moule, Idiom-Book, p. 164; Hanna, Grammatical Aid, p. 310.
49
Nigel Turner, A Grammar of New Testament Greek (Edimburgo: T & T Clark, 1963), vol. 3,
Syntax, p. 173.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 491
φημί — embora este verbo é sinônimo de λέγω (=dizer), aqui dá a
ideia de quero dizer (cf. o v. 19).

Versículo 16
τ_ς ε_λογίας — «de bênção». Alguns manuscritos leem de ação de
graças, mas tal leitura carece de apoio suficiente. O genitivo é descritivo.
ε_λογού — este verbo («abençoamos») e o outro κλ_μεν
(«partimos»), ambos estão no tempo presente, o que aponta a uma ação
que se repete. No contexto da celebração da Ceia, o verbo ε_λογέω
(=abençoar) é sinônimo de ε_χαριστέω (=dar graças).
ο_χί — esta partícula negativa introduz uma pergunta retórica que
demanda uma resposta afirmativa.

Versículo 17
_τι y γάρ — estas duas conjunções causativas se apoiam
mutuamente com duas orações separadas.
μετέχομεν — no presente contexto, este verbo («participamos»)
significa quase o mesmo que κοινωνέω (=tomar parte). 50

b. Um exemplo de simetria. 1Co 10:18–22

Se for comparada a seção precedente (vv. 14–17) com a presente


seção, percebe-se que há frases que se repetem. Uma maior atenção aos
textos revelará que também há simetria. 51 Por certo, poderíamos colocar
algumas orações destas duas seções de tal forma que se mostre
claramente a simetria da qual falamos, assim como o desenvolvimento
do pensamento e o contraste que se dá:

50
Mas veja-se W.A. Sebothoma, «Koinonia in 1 Corinthians 10:16», Neotest 24 (1990): 63–69.
51
Devo a Xavier Léon-Dufour o me haver animado a construir este arranjo simétrico. Veja-se seu
Sharing the Eucharistic Bread: The Witness of the New Testament, trad. Matthew J. O’Connell (Nova
York e Mahwah, N.J.: Paulist, 1982), p. 207.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 492
A Fugir da idolatria, julgar por si mesmos.. Vv. 14–15
B Cálice de bênção, participar do pão. Vv. 16–17
C Sacrifícios no altar. V. 18
D A comida oferecida a ídolos e os ídolos em si não são nada. V. 19
C´ Sacrifícios a demônios, não a Deus. V. 20
B´ Cálice do Senhor, cálice de demônios. V. 21
A´ Provocar o Senhor a ciúme. V. 22

Ao interpretar esta passagem (vv. 18–22), sigo de perto seu arranjo


simétrico e explico suas palavras, frases e orações. No contexto, Paulo
faz referências explícitas e implícitas a Israel e sublinha o contraste entre
participar da mesa do Senhor e participar dos ritos do altar de algum
ídolo.
18. Considerai o Israel segun do a ca rne. Não parti cipam do altar
todos os que comem dos sacrifícios?
a. «Considerai o Israel segundo a carne». 52 Esta tradução literal soa
pomposa, mas isso é o que Paulo quer dizer. Outras versões traduzem
«povo de Israel» (VA, NVI, cf. NTLH) ou «israelitas de raça» (BP). Em
outra parte, Paulo discute o tema da mente carnal da natureza
pecaminosa e a mente espiritual criada pelo Espírito. Em sua explicação
usa a frase segundo a carne (Rm 8:5a). Desta forma, aponta ao Israel que
carece de espiritualidade.
Quando Paulo exorta os coríntios a fixar-se no Israel pecaminoso,
implicitamente lhes lembra os exemplos que lhes deu da história de
Israel (vv. 6–10). Agora cabe a eles receber a aplicação desses exemplos,
os quais foram escritos como advertência para eles (v. 11), e julgar por si
mesmos (v. 15). Devem avaliar a diferença decisiva entre festividades
que se realizam no refeitório de um templo pagão e a celebração da Ceia
do Senhor.

52
Cf. CI, RV60, NTT, BJ.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 493
b. «Não participam do altar todos os que comem dos sacrifícios?»
Para os judeus isso era evidente. Paulo elabora uma pergunta retórica
que deve receber uma resposta afirmativa. A pergunta aponta aos
sacerdotes e levitas de Israel que serviam no altar, como também às
pessoas que apresentavam ofertas ao Senhor.53 Por certo, as pessoas que
comem dos sacrifícios oferecidos ao Senhor, têm comunhão com Ele.
Este é o aspecto positivo do que Paulo está expondo.
Mas esta pergunta retórica também tem um aspecto negativo. A
pergunta vem precedida pela frase Israel segundo a carne, o que no
contexto mais amplo aponta ao incidente em que Israel deu culto ao
bezerro de ouro. Arão edificou um altar e anunciou que no dia seguinte
haveria uma festa religiosa: «No dia seguinte, madrugaram, e ofereceram
holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo assentou-se para
comer e beber e levantou-se para divertir-se» (Êx 32:6). Os israelitas
participaram de sacrifícios feitos a um ídolo, não a Deus. Adoraram o
bezerro de ouro. Quando comeram do sacrifício, quebraram os votos
feitos na aliança (Êx 24:3, 7), abandonaram o Senhor Deus, e
participaram do pecado de adorar um ídolo. Se Moisés não tivesse
pedido misericórdia, Deus os teria destruído. Este acontecimento
histórico foi registrado para que os leitores das gerações seguintes
fossem advertidos contra a idolatria. Os coríntios estavam dentro dos
leitores que necessitavam desta advertência.
19. O que é que quero dizer, que a comida oferecida a um ídolo é
alguma coisa ou que o ídolo é alguma coisa?
O que diz este versículo se depreende do dito no anterior, onde se
apresentou de forma negativa o sacrifício pecaminoso que Israel
ofereceu a um ídolo. Se Paulo tivesse querido dar ao versículo 18 um
sentido positivo, a transição a este versículo teria sido difícil. 54 Porém
não é o caso, visto que de forma indireta Paulo pede aos seus leitores que
considerem este sórdido episódio da história de Israel.

54
Consulte-se Gardner, «Gifts of God», p. 183.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 494
O conteúdo críptico do versículo 18 poderia ser mal-entendido, o
que força a Paulo a expandir seu sentido no versículo 19. Aqui pede aos
destinatários que captem o que quer dizer. Pergunta-lhes se entenderem
que é em vão oferecer comida a um ídolo ou que o ídolo como tal carece
de valor (cf. 1Co 8:4). A resposta a ambas as partes da pergunta é
negativa. É óbvio que a comida do sacrifício não é nada, o mesmo que o
ídolo feito de madeira ou pedra. Não obstante, o problema radica no
pecado de adorar um ídolo e de aceitar a crença «implícita no ato de
participar de tal adoração». 55
20. Claro que não. Contudo, o que sacrificaram, para os demônios o
sacrificaram, não para Deus. Não quero que sejais partícipes dos
demônios.
a. Diferença. Muitos tradutores suprem um sujeito para o verbo
sacrificar da primeira oração. Traduzem: «os gentios» (RC, BJ, AV,
NTT, LT) ou «os pagãos» (RSV). Como se fala de demônios, os
tradutores pensam que se fala de sacrifícios pagãos.
Mas a pergunta é: Estava Paulo pensando nos gentios de sua época,
que ofereciam seus sacrifícios nos altares de seus deuses? Parece que
não, pois Paulo continua com o exemplo da vez que Israel adorou o
bezerro de ouro quando o povo se voltou de servir a Deus para servir a
demônios. De fato, prova o que diz citando o cântico de Moisés, o qual
descreve a infidelidade de Israel naquela ocasião:
“Jesurum engordou e deu pontapés; você engordou, tornou-se
pesado e farto de comida. Abandonou o Deus que o fez e rejeitou a
Rocha, que é o seu Salvador. Eles o deixaram com ciúmes por causa dos
deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis.
Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não
conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus

55
R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament
for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 152; Willis, Idol Meat,
p. 192; Gordon D. Fee, «Eidolothyta Once Again: An Interpretation of 1 Corinthians 8–10», Bib 61
(1980):172–97.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 495
antepassados não adoraram. Vocês abandonaram a Rocha, que os gerou;
vocês se esqueceram do Deus que os fez nascer” (Dt. 32:15–18, NVI).

Nos exemplos da história de Israel (vv. 1–10), Paulo aludiu com


frequência ao cântico de Moisés. O versículo 4 fala da Rocha como o
Salvador de Israel e da Rocha que os levou (Dt 32:15, 18). Os versículos
6–10 descrevem como os israelitas provocaram o Senhor com ciúmes
(Dt 32:16).
Como neste versículo (v. 20) Paulo alude ao cântico de Moisés,
supomos que os coríntios o tinham memorizado e cantado em seus
cultos. Assim que, era suficiente citar um fragmento do cântico para que
os coríntios pensassem na viagem de Israel por quarenta anos no deserto.
Em suma, as palavras «o que sacrificaram, para os demônios o
sacrificaram, não para Deus», têm que ver com toda a experiência que
Israel teve no deserto e em particular com a adoração ao bezerro de ouro.
b. Demônios. «Não quero que sejais partícipes dos demônios». A
palavra demônios aparece duas vezes aqui e duas vezes no versículo
seguinte (v. 21). Isto demonstra que Paulo destaca a incompatibilidade
de adorar a Deus e aos demônios. Paulo ensina que o culto aos ídolos é
vão e desprovido de significado. Mas também vê que atrás dos ídolos
está a presença de Satanás e suas hostes.
Não existe terreno neutro entre Deus e Satanás, entre o bem e o
mal, entre a virtude e o vício. Se assim fosse, a segunda parte deste
versículo não só estaria fora de lugar, mas também seria contraditória.
Paulo já disse anteriormente que os ídolos não são nada (1Co 8:4;
10:19). No entanto, aqui a ênfase não recai sobre os objetos de madeira
ou pedra que os pagãos adoravam como deuses, mas sobre o conceito
idolatria. Este conceito é muito mais amplo, visto que abrange a
adoração de demônios representados por um ídolo. 56 Embora em si um
56
I. Howard Marshall está certo quando descarta que haja uma contradição com a referência ao deus
não conhecido (At 17:23). Veja-se sua Last Supper and Lord’s Supper (Grand Rapids: Eerdmans,
1980), pp. 122,173 n. 31.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 496
ídolo não é nada, os demônios são poderosos e induzem as pessoas a
adorar ídolos.
No texto grego, Paulo instrui os coríntios a não ser «partícipes dos
demônios». O artigo definido aponta aos demônios como uma classe.
A tradução grega do Antigo Testamento, que sem dúvida era usada
pelos coríntios, descrevia a infidelidade de Israel evidenciada na
adoração a demônios. Esta descrição ocorre na lei, nos profetas, nos
escritos e outros livros. 57 Tanto pela Escritura como pela literatura pagã
os coríntios sabiam da adoração aos demônios. A expressão sejais
partícipes lembra com força o que já se disse no versículo 18, que os
israelitas participaram do altar na ocasião que apresentavam seus
sacrifícios a um ídolo (Êx 32:6). Agora Paulo explica que realmente
estavam adorando a demônios. Há uma clara implicação para os
coríntios. Quando os fortes participavam num festival em honra a um
ídolo num templo pagão, o que realmente estavam fazendo era adorar a
demônios.
21. Não podeis beber do cálice do Senhor e do cálice dos demôni os,
nem podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios.
Paulo volta a usar a sequência simétrica dos versículos 14–22 (veja-
se o comentário que precede o v. 18), o que quer dizer que o versículo 21
é paralelo aos versículos 16 e 17. Neles se falou do cálice da bênção que
pertence à celebração da Ceia do Senhor. Aqui se usam as frases o cálice
do Senhor e a mesa do Senhor.
A mensagem é clara. Quando um crente é convidado à mesa do
Senhor e bebe do cálice do Senhor e come o pão, faz-se um com Cristo.
Tal como o Senhor o disse a Seus ouvintes em duas ocasiões: «Não se
pode servir ao mesmo tempo a Deus e às riquezas» (Mt 6:24; Lc 16:13),
aqui Paulo declara terminantemente que não é possível servir ao Senhor
e aos demônios.

57
Veja-se a LXX em Dt 32:17; Is 65:11; Sl. 95:5 (96:5 no hebraico); Sl. 105:36,37 (106:36,37 no
hebraico); Epístola de Barnabé 4:7; e veja-se Ap 9:20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 497
O cristão forte está diante deste dilema: Devem participar do cálice
do Senhor e comer à Sua mesa ou jantar com idólatras em templo de um
ídolo? Não se podem fazer ambas as coisas. O Senhor e os demônios se
opõem diametralmente um ao outro. Os crentes que se dizem fortes
deveriam ver a gravidade deste dilema. Devem escolher entre Cristo ou
Satanás. Devem fugir da idolatria (v. 14).
22. Queremos, porventura, provocar a zelos o Senhor? acaso somos
mais fortes do que ele? [TB]
a. «Queremos, porventura, provocar a zelos o Senhor?». Esta
oração completa a estrutura simétrica. No versículo 14, Paulo exortou os
seus leitores a fugir da idolatria, pois é uma afronta a Deus. E Deus é um
Deus zeloso, tal como o declara o Decálogo (Êx 20:5; Dt 5:9). O cântico
de Moisés diz: «Eles o deixaram [à Rocha] com ciúmes por causa dos
deuses estrangeiros» (Dt 32:16, NVI). Voltando a citar este cântico, o
apóstolo fala dos ciúmes do Senhor. Os coríntios jamais deveriam
provocar o ciúme do Senhor. Antes, deveriam pôr atenção à lição que
Israel teve que aprender no deserto e não cair no pecado da idolatria,
quer dizer, não deveriam «participar … da mesa dos demônios» (v. 21).
No versículo 21 Paulo usa a palavra Senhor para apontar a Jesus Cristo,
aqui a usa para referir-se a Deus. Assim afirma a divindade de Jesus.
b. «Acaso somos mais fortes do que ele?». Fazer a pergunta é
respondê-la. Ninguém deve imaginar-se que está sobre Deus. Em sua
epístola, Tiago repreende quem julga ou fala mal de um irmão. Tiago diz
que o tal fala contra a lei, e aquele que critica a lei faz-se superior ao
Doador da lei e Juiz (4:11, 12). De forma parecida e pastoral, Paulo se
inclui na pergunta. Quer que todos sejam submissos a Deus e que sirvam
obedientes ao Senhor Jesus Cristo. Se um irmão de Corinto afirma ser
forte, «que se pergunte se é ‘mais forte’ que o próprio Deus, isto é, por
meio de querer e fazer o que Deus não quer (v. 22)». 58

58
Ridderbos, Paul, p. 304.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 498
Considerações práticas em 1Co 10:22
O ciúme pode converter um amigo em inimigo, uma pessoa doce
num monstro, e a virtude em vício. O ciumento viola o décimo
mandamento do Decálogo, onde nos proíbe cobiçar. Deus instrui o seu
povo a aprender a contentar-se. Paulo ensina: «É verdade que com a
verdadeira religião se obtêm grandes lucros, mas só se a pessoa estiver
satisfeita com o que tem» (1Tm. 6:6), e ele mesmo sabia o que era passar
necessidade e ter em abundância (Fp 4:12).
A Escritura revela os horríveis efeitos do pecado do ciúme. No
Antigo Testamento, por ciúme os irmãos de José o venderam aos
comerciantes midianitas que iam em caminho para o Egito (Gn 37:4, 28).
As dez tribos do reino do norte tinham ciúme das tribos de Judá e
Benjamim, e com frequência pelejaram com elas (Jz. 12:4; 2Sm 3:1). No
Novo Testamento, por ciúme os líderes judeus encarceraram e açoitaram
os apóstolos (At 5:17, 18, 40).
Também é dito que Deus é zeloso. Mas o zelo de Deus é um zelo
santo, é o justo desejo de proteger Sua santidade. Este tipo de ciúme
deve ser entendido no contexto da condição de Israel como povo especial
de Deus. Deviam-Lhe obediência fiel, pois somente Ele é Deus.
Contudo, eles adoraram ídolos e provocaram o ciúme do Senhor (p. ex.,
Os 2:2). Ao ser provocado, Deus derrama a Sua ira. Mas se o povo em
pecado se arrepende, o amor de Deus não tem fronteiras. Em Jesus
Cristo, o amor de Deus é insondável (Jo 3:16)

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:18–22

Versículos 18, 20
θυσιαστηρίου — «altar». Note-se o jogo de palavras: o altar tem
θυσίας («sacrifícios») que os adoradores θύουσιν («oferecem»).
O Texto Majoritário, o Textus Receptus e Souter inserem τ_ _θνη
(«os gentios») como sujeito do verbo sacrificam. Mas a introdução deste
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 499
sujeito neutro plural viola a regra que um sujeito neutro plural deve ir
acompanhado por um verbo singular. Diante disso, alguns poucos
manuscritos menores que introduziram o neutro plural, também
proveram o verbo no singular (θύει), para manter a regra. Estas variações
parecem delatar o esforço dos escribas para fazer com que o texto seja
entendido. Com base em um melhor apoio manuscrito, outras edições
(BF, Merk, GTG e NTG) não registram o sujeito. «[τ_ _θνη] não poderia
ter estado ausente de tantas testemunhas notáveis, se teria sido parte do
texto original». 59

Versículo 21
ο_ … καί — estas duas palavras gregas formam um forte contraste
dentro da oração, mesmo quando a conjunção quer dizer «e».
τραπέζης — «mesa». Como se espera a presença do artigo definido,
sua ausência sublinha a qualidade característica da mesa do Senhor em
contraposição à mesa dos demônios. 60
μετέχειν — o verbo auxiliar δύνασθε («sois capazes») introduz ao
infinitivo presente do verbo participar. Os verbos que indicam
participação usam um genitivo partitivo como complemento. No
presente caso, o verbo rege o substantivo mesa.

Versículo 22
παραζηλο_μεν — «provocamos o ciúme». O indicativo presente
declara o fato e a forma interrogativa o elemento surpresa. 61 Esta forma
composta aparece como um aoristo indicativo em Deuteronômio 32:21
(LXX).

59
G. Zuntz, The Text of the Epistles: A Disquisition upon the Corpus Paulinum (Londres: Oxford
University Press, 1953), p. 102.
60
BDF § 259.3.
61
Robertson, p. 923.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 500
3. Liberdade de consciência. 1Co 10:23–11:1

Alguns coríntios que tinham visto como Paulo se conduzia, agora


podiam argumentar que se contradizia. Podiam objetar que enquanto ele
praticava a liberdade cristã, comendo em casa de gentios, lhes proibia
fazê-lo. Paulo tinha dado sua palavra de que não voltaria a comer carne,
para evitar que seu irmão caísse em pecado (1Co 8:13). Paulo precisava
explicar-se, a fim de não ensinar preceitos contraditórios. Devia fazer
uma distinção entre o que é essencial e o que é acidental. Seu ensino
mais importante era que os coríntios deveriam viver de uma maneira que
promovesse o bem do próximo (v. 24) e que glorificasse a Deus (v. 30).
Qualquer outra coisa era negociável. Numa palavra, é idolatria comer
carne sacrificada no refeitório de um templo pagão, porém não é mau
comer a carne comprada no açougue. Por outro lado, se um cristão é
convidado a um lar gentio e se inteira de que a carne que está sendo
servida procede do templo de um ídolo, então deveria abster-se de comê-
la em consideração da consciência de seu próximo.

a. Liberdade e Escritura. 1Co 10:23–26

23, 24. «T udo está p ermitido», mas nem tudo é pr oveitoso. «Tudo
está permitido», mas nem tudo ed ifica. Que ning uém busque o seu
próprio proveito, e sim o do próximo.
“«Tudo está permitido», mas nem tudo é proveitoso”. Este lema dos
coríntios já apareceu anteriormente (1Co 6:12), porém no contexto da
imoralidade sexual: alguns cristãos de Corinto tomavam liberdades com
relação à sua vida social. Neste versículo, Paulo volta a citar o lema, mas
agora o aplica ao assunto de comer carne do açougue (v. 25).
A brevidade do lema todo está permitido obscurece o que Paulo
quer dizer. Aqui não ocorre o pronome me (cf. 1Co 6:12; veja-se
Eclesiástico 37:26–28), assim que é improvável que fale só de si mesmo.
O contexto sugere uma aplicação mais ampla: até os filósofos nos
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 501
círculos helênicos expunham perguntas semelhantes sobre a liberdade, e
os judeus eram peritos em perguntar o que era permitido e o que não. Por
isso, os ministros judeus proveram centenas de mandamentos e
estipulações humanas. Criam que o homem bom era livre, porque sua
conduta era irreprochável. 62 Não obstante, dentro da membresia de
Corinto, pelo que parece alguns cristãos judeus questionavam a liberdade
cristã de Paulo. No capítulo 10, com relação ao assunto da idolatria,
Paulo se dirige aos cristãos judeus. 63 Mas o desafio de Paulo não só
vinha do setor judeu, também surgia do setor gentio.
Paulo tem uma contrarresposta ao lema dos coríntios: «mas nem
tudo é proveitoso». Aludindo implicitamente aos interesses egoístas de
alguns, Paulo afirma que o egoísmo torna nula a possibilidade de receber
prêmios.
b. «‘Todo está permitido’, mas nem tudo edifica». Paulo repete o
lema, mas desta vez responde de outra forma, fala do que não edifica. O
trabalho de edificar é sempre algo que alguém faz por outros. 64 Assim
que, é o oposto ao que nos aproveita, o benefício não é para nós. Paulo
ensinou aos coríntios que o amor e a busca da paz levam a edificação
mútua (1Co 8:1; Rm 14:19).
c. «Que ninguém busque seu próprio proveito, e sim o do próximo».
Continuando seu conselho pastoral para os crentes de Corinto, Paulo
acrescenta uma oração que nos lembra exortações de outras de suas
cartas: «Cada um deve agradar o próximo para seu bem, com o fim de
edificá-lo» (Rm 15:2) e «Cada um deve cuidar não só dos seus próprios
interesses. mas também pelos interesses dos demais» (Fp 2:4). O
conteúdo de todas estas exortações ecoa do ensino de Jesus, quando Ele
resumiu o Decálogo, dizendo: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo»

62
Philo, Every Good Man Is Free 3 [21.22]; 6[41]; 9[59–61]. Veja-se também R. A. Horsley,
«Consciousness and Freedom among the Corinthians: 1 Corinthians 8–10», CBQ 40 (1978): 574–89.
63
Veja-se James B. Hurley, «Man and Woman in 1 Corinthians», tese doutoral (Ph.D.), Cambridge
University, 1973, p. 86.
64
Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, vol. 2, p. 220.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 502
(Mt 22:39). Paulo nota que este resumo é o cumprimento da lei (Rm
13:10) e Tiago o chama a lei real (Tg 2:7).
Não é fácil cuidar dos interesses de outro. Por natureza estamos
inclinados a buscar primeiro o nosso próprio bem, e depois, se sobrar
tempo e meios, pensamos em outros. Jesus ensinou a parábola do Bom
Samaritano para mostrar aos doutores da lei do Antigo Testamento como
amar o próximo (Lc 10:25–37). O mandato de Paulo de buscar o bem
dos demais reforça sua contrarresposta mas nem tudo edifica. Edificar e
buscar o bem dos demais são a mesma coisa.
25. Comei de tudo o que se ve nde no açougue sem fazer perguntas
por motivos de consciência.
a. «Comei de tudo o que se vende no açougue». Pareceria um pouco
brusca a transição entre este versículo e o anterior. Por certo, os editores
do Novo Testamento grego começam aqui um novo parágrafo, indicando
com isso que Paulo se move a um novo assunto.65 Talvez poderíamos
dizer que Paulo deve ter introduzido seus exemplos práticos (vv. 25–27)
de uma forma mais apropriada, mas também é preciso reconhecer que
segue com o mesmo tema. O que faz é misturar os princípios do
exercício da liberdade cristã com aplicações às circunstâncias que
encontrarão os destinatários.
Uma dessas circunstâncias era o comprar num açougue (veja-se
também o comentário ao capítulo 8). No antigo Corinto o açougue era
chamado makellon, um termo que também aparece no latim
(macellum). 66 Os rabinos permitiam que os judeus da dispersão
comprassem carne no makellon, mas estipulavam que não devia ser
carne sacrificada a ídolos. Além disso, o açougueiro devia declarar que
só tinha carne kosher, isto é, de acordo com o ritual judaico. 67 Mas o que
do cristão gentio que pertencia à igreja de Corinto? Eles não tinham

65
NTG, BF.
66
H.J. Cadbury, «The Macellum of Corinth», JBL 53 (1934): 134. Veja-se também Johannes
Schneider, TDNT, vol. 4, pp. 370–372.
67
SB, vol. 3, p. 420.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 503
problema. O cidadão comum de Corinto comprava carne que com
frequência não tinha conexão alguma com a idolatria. C. K. Barret
comenta: «O problema da eidōlothyta [=carne sacrificada a um ídolo]
raramente teria ocorrido, e é possível que nunca tivesse surgido numa
igreja gentílica como a de Corinto, se os crentes judeus não o tivessem
levantado (talvez foram os do grupo de Cefas)». 68
b. «Comei … sem fazer perguntas por motivos de consciência».
Quando Paulo aconselha os seus leitores a comer carne sem perguntar
sua procedência, dirige-se aos judeus cristãos, pois são eles os que
insistiriam em comprar e consumir só comida kosher. Mas o conselho de
Paulo contradiz deliberadamente o ensino judaico. Paulo pensava que
uma vez que a carne chegava ao açougue, perdia seu significado
religioso.
Certamente que não é ao cristão forte que Paulo anima a comer,
visto que eram eles os que levavam os outros a cair (veja-se o v. 32).
Tampouco é provável que de repente queira persuadir o fraco (1Co 8:1)
a comer comida sacrifical. 69 Antes, o apóstolo fala aos seus
compatriotas. A consciência dos judeus os incomodava se comiam
comida que pudesse não cumprir as regulamentações judaicas. Os
cristãos judeus consultam Paulo sobre o que diz a Escritura a respeito.
26. Porque «Do Senhor é a terra e tudo o que há nela».
Quando Paulo dá um conselho pastoral, em geral prevê que terá
oposição e, portanto, estabelece o que ensina apelando à Escritura. 70
Nesta oportunidade cita as conhecidas palavras do Salmo 24:1, que têm
uma mensagem semelhante a outros salmos (Sl. 50:12; 89:11).
A literatura judaica nos informa que a citação deste Salmo em
particular usava-se ao orar antes das comidas. 71 «O conteúdo e propósito

68
C. K. Barrett, «Things Sacrified to Idols», NTS 11 (1965): 146. Este artigo também aparece em seu
Essays on Paul (Philadelphia: Westminster, 1982), p. 49.
69
Gardner, «Gifts of God», p. 190; veja-se também Willis, Idol Meat, pp. 230–234.
70
Veja-se, p. ex., 1Co 3:19,20; 6:16; 9:9; 14:21.
71
Refira-se a Berakhôth 35a-b.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 504
principais destas bênçãos eram louvar e agradecer a Deus por Sua
abundante bondade, que derramou sobre suas criaturas e, ao mesmo
tempo, pedir permissão para desfrutar dos frutos deste mundo, porque
‘do Senhor é a terra e sua plenitude’ [Sl. 24:1]». 72 É óbvio que Paulo
pensa na hora da comida, pois mais adiante fala de participar numa
comida e de dar graças (v. 30).
Enquanto os rabinos empregavam as palavras do Salmo 24:1 na
hora da comida, Paulo acrescenta uma interpretação adicional que aceita
e agradece todo tipo de comidas. Aqui ouvimos o eco da voz celestial
que disse a Pedro «O que Deus purificou, não o chames impuro» (At
10:15; veja-se os vv. 9–16). Por implicação, os cristãos judeus podiam
comprar no açougue e não deviam perguntar a origem da carne quando
comiam. Embora Paulo não acrescenta uma conclusão quando cita o
Salmo 24:1 para fundamentar seu argumento, o que tenta dizer é claro.
Mesmo se a carne foi oferecida a um ídolo, não deve ser um assunto de
consciência para os coríntios, porque Deus é o Senhor da criação. 73 O
sentido do Salmo 24:1 se reflete no comentário que Paulo faz sobre a
criação: todas as coisas existem por Deus o Pai e o Senhor Jesus Cristo
(1Co 8:6). O Senhor criou tudo e é Ele quem santifica a comida.
Portanto, os cristãos devem recebê-la de Sua mão como uma resposta à
oração: «o pão nosso de cada dia nos dá hoje» (Mt 6:11).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:24


το_ _τέρου — o adjetivo significa «outro» no sentido de alguém
diferente de si mesmo, e o traduzimos «próximo». A mesma palavra
ocorre no versículo 29 com um sentido semelhante.

72
Joseph Heinemann, Prayer in the Talmud: Forms and Patterns, Studia Judaica, editado por E.L.
Ehrlich (Berlim e Nova York: Walter de Gruyter, 1977), vol. 9, p. 18.
73
Cf. Duane F. Watson, «1 Corinthians 10:23–11:1 in the Light of Greco-Roman Rhetoric: The Role
of Rhetorical Questions», JBL 108 (1989): 301–18.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 505
Para expressar mais claramente a mensagem que este versículo
comunica, alguns tradutores acrescentam a palavra _καστος (=cada um,
cada qual) que alguns textos gregos inserem: «Não busque ninguém o
que é seu, e sim cada qual o bem do próximo» (VM). No entanto, o
apoio textual para a expressão cada qual é insignificante e secundário.

b. Liberdade e consciência. 1Co 10:27–30

27. Se qualquer incrédulo vos convidar e quereis ir, comei o q ue vos


puserem na frente sem fazer perguntas por motivos de consciência.
a. Considerações práticas. Os cristãos em Corinto enfrentavam o
dilema de se podiam aceitar convites da parte de incrédulos que queriam
convidá-los a comer. O texto grego indica que este tipo de convites era
comum: «Se, como de fato ocorre, qualquer incrédulo vos convida, ide e
comei». O cenário já não é o refeitório de um templo (veja-se a proibição
que Paulo emite no v. 20), mas a casa de um gentio.
Como é que um cristão pode dar bom testemunho quando é
convidado para jantar em casa de um incrédulo? O próprio Paulo se
adaptava a todas as pessoas, incluindo os gentios, para ganhá-los para
Cristo (1Co 9:20–22). Não aceitar um convite por temor a comer carne
oferecida a um ídolo, seria perder a oportunidade de apresentar as
demandas de Cristo. Além disso, o pôr-se a fazer perguntas sobre a
comida que é servida, para logo recusar-se a comê-la, seria ofender
desnecessariamente o anfitrião.
O conselho de Paulo é simples e direto: «se … quereis ir, ide e
comei o que vos puserem na frente». A decisão depende de cada um.
Paulo não ordena nem anima a que vão, mas deixa que cada um tome sua
própria decisão. Sabe que os cristãos de Corinto tinham compromissos
familiares e obrigações sociais que não podiam romper. Estes laços
familiares e sociais podiam servir para promover a causa de Cristo.
Devem estar abertos a ser convidados à casa de um gentio.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 506
b. Consciência. Paulo repete o que disse no versículo 25. Crê que a
consciência pode ser afetada, não por coisas mas por pessoas, como fica
claro pela ilustração do seguinte versículo (v. 28). Portanto, os coríntios
não deveriam expor perguntas baseadas em receios que tenham a
respeito da origem da comida. Não devem levantar barreiras
desnecessárias entre eles e seu anfitrião gentio. Se o fizerem, estariam
mostrando a atitude legalista dos fariseus, que obedecem a letra e não o
espírito da lei. 74
«Por motivos de consciência». Esta frase poderia ser construída
com o verbo comei ou com a frase sem fazer perguntas. Se tomarmos a
oração segundo a sequência em que aparecem as palavras, terei que
construir a frase por motivos de consciência com a frase sem fazer
perguntas, e não com o verbo comei. Tanto a sintaxe como o contexto
parecem indicar que o assunto que preocupa o crente é o perguntar.
Entendemos a cláusula como querendo dizer que um convidado deveria
comer o que lhe for posto na frente e aprender a viver em ignorância
com relação à origem da comida. Os convidados deveriam aprender a
não expor perguntas, para que assim sua consciência se mantenha livre.
28, 29. Mas se alguém vos disser, «esta carne foi oferecida a um
ídolo», não a comais, em consideraçã o ao q ue o di sse e por moti vos de
consciência. Não me refir o à vossa consciência, mas à d o outro, pois por
que será julgada minha liberdade pela consciência de outro?
a. «Mas se alguém vos disser ‘esta carne foi oferecida a um ídolo’».
O texto grego não comunica a ideia de certeza e ato real da oração
condicional do versículo precedente (v. 27a). Pelo contrário, Paulo
menciona uma circunstância que poderia surpreender um cristão que foi
convidado a comer na casa de um gentio. Poderia ocorrer algo como isto:
há outros convidados presentes e todos conversam animadamente.
Quando se chega ao tema da religião cristã, alguém dá a conhecer que a

74
Cf. Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians,
editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia: A Critical and
Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 177 n.15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 507
carne que se come procede do açougue de um templo pagão. Nesse
momento o cristão é posto à prova e deve proceder de acordo com suas
crenças religiosas.
Aquele que revelou a procedência da carne poderia ser um cristão
escrupuloso, o anfitrião gentio ou um incrédulo. Muitos eruditos
favorecem a primeira possibilidade, visto que no versículo 29a Paulo
explicitamente menciona a consciência de outra pessoa. 75 Conjetura-se
que o informante é um cristão fraco e que aquele que recebe a
informação é um cristão forte. Mas um cristão primeiro averiguaria a
procedência da comida e depois ficaria para jantar? Claro que não.
Seguiria a propósito o exemplo do cristão forte, para depois sofrer de
uma consciência culpada? Tampouco. Por outro lado, poderia a resposta
de um cristão afetar a consciência de um gentio? Claro que sim, pelo que
se vê pela ampla observação de Paulo no versículo 32, na qual inclui
judeus, gregos e membros da igreja. 76 Embora a cena que nos é
apresentada seja muito parca em detalhes, parece-nos que deve ter sido o
anfitrião gentio ou algum outro não-cristão aquele que expôs o assunto.
Paulo coloca a palavra grega hierothyton na boca do gentio, a qual
aponta à carne que foi esquartejada como parte de um rito pagão. 77 Paulo
usa a palavra para mostrar que era o termo preciso que os gentios
usavam. Ele prefere a expressão grega eidolothyton, a qual até na
transliteração revela que se procura comida que foi sacrificada a um
ídolo. Era comum que judeus e cristãos usassem o termo de forma
pejorativa para referir-se às práticas gentílicas. 78

75
P. ex., C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 242; Margaret E.Thrall,
«The Pauline use of ΣΨΝΕΙΔΗΣΙΣ», NTS 14 (1967): 118–25.
76
Refira-se a Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, série New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 484.
77
O termo literalmente significa «sacrificado num templo». Veja-se F. F. Bruce, 1 and 2 Corinthians,
série New Century Bible (Londres: Oliphants, 1971), p. 100; Horst Seebass, NIDNTT, vol. 2, p. 235;
Gottlob Schrenk, TDNT, vol. 3, p. 252.
78
BAGD, p. 221. Refira-se também a 1Co 8:1,4,7,10; 10:19; Ap 2:14,20, e Didaquê 6:3.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 508
b. «Não a comais, em consideração ao que o disse e por motivos de
consciência. Não me refiro à vossa consciência, mas à do outro». No
grego, o mandamento é direto e se aplica a algo que está ocorrendo:
Parem de fazer o que estão fazendo! Neste caso fica em perigo a causa
de Cristo, assim que mais vale ao cristão não se apegar ao lema «Todo
está permitido» (v. 23). O que deveria é perguntar ao informante por que
mencionou o assunto da carne sacrificada. Se o cristão é posto à prova,
deve notar que o incrédulo o observa para ver se ele se apega aos
princípios cristãos de conduta. Tem o dever de honrar o seu Senhor e de
prosperar a causa do evangelho. Se ao comer carne sacrificada a ídolos,
desacredita a fé cristã diante dos não crentes, o que estará fazendo é
afastar o incrédulo de Cristo.
Embora no versículo 28 Paulo não diga a que consciência se refere,
é iluminador deter-se no versículo seguinte (v. 29a), pois ali é feito um
contraste entre a consciência do cristão e a do informante. Paulo usa uma
palavra grega que pode ser traduzida como «distinta». Assim que diz:
«Não me refiro à vossa consciência que vos dá liberdade, mas a uma
consciência que é distinta e que pertence ao informante». O que faz é
lembrar ao cristão que quer fazer uso de sua liberdade, que tem que ser
sensível à consciência do não-crente.
29b, 30. Pois p or que será julgada minha liberdade pela consciência
de outro? Se participo co m ação de graç as, por q ue me acusam de algo
pelo qual dei graças?
a. «Pois por que será julgada minha liberdade pela consciência de
outro?». Quem é aquele que fala neste versículo? Da gama de respostas
que apresentam os estudiosos, seleciono duas. 79 Paulo poderia estar
repetindo o comentário de um cristão forte, embora a primeira pessoa
singular (em participo e dei graças) e os pronomes minha e me poderiam
apontar ao próprio Paulo. Se Paulo estivesse citando as palavras de um
cristão forte, teríamos esperado alguma frase introdutória como: «por

79
Para os detalhes, consulte-se Fee, 1 Corinthians, p. 486 n. 52.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 509
que direis vós: ‘minha liberdade é julgada pela consciência de outro’?».
Como este não é o caso, o pronome pessoal deve referir-se a Paulo
mesmo.
O que procura Paulo comunicar com esta pergunta? À luz dos dois
capítulos precedentes (8 e 9), nos quais explica amplamente a liberdade
cristã, quer dizer que a liberdade cristã deve operar no contexto do amor
a Deus e ao próximo. O verbo julgar pode ser interpretado no sentido
desfavorável de «condenar». Esta interpretação é reforçada pela presença
do verbo acusar no versículo seguinte (v. 30). Por isso, Calvino opina
que outros nos condenarão se usarmos mal nossa liberdade cristã. «Se
usarmos nossa liberdade como quisermos, de maneira que causemos
ofensa ao próximo, o resultado será que condenarão nossa liberdade. Por
conseguinte, nosso erro e falta de consideração fará com que se condene
este incomparável dom de Deus». 80
A liberdade cristã que Paulo promove em suas epístolas é a de
«sirvam-se uns aos outros em amor» (Gl 5:13). Esta liberdade jamais
deve provocar desprezo e o escárnio de crentes ou de incrédulos, porque
então perdeu seu objetivo. 81
b. «Pela consciência de outro». Se esta frase for traduzida de forma
literal terei que tomar o adjetivo outro e conectá-lo com consciência da
seguinte maneira: «por outra consciência». Algo assim vê-se em «alheia
consciência» (NTT). Mas o sentido do versículo é que o adjetivo outro
aponta para uma pessoa, e assim traduzem o resto das versões. Paulo não
especifica a quem pertence a consciência.
c. «Se participo com ação de graças, por que me acusam de algo
pelo qual dei graças?». Esta segunda pergunta continua a anterior (29b).
Paulo diz que se ele ora, mas outros (quer o irmão fraco, o anfitrião ou o
gentio) questionam sua decisão de comer comida sacrificada, sua oração

80
Calvin, 1 Corinthians, p. 224.
81
Refira-se Nelson D. Kloosterman, Scandalum Infirmorum et Communio Sanctorum: The Relation
between Christian Liberty and Neighbor Love in the Church (Neerlandia, Alberta: Inheritance
Publications, 1991), p. 30.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 510
fica desqualificada. Especialmente os gentios perguntarão «que tipo de
religião é esta?» 82 Pensarão que a conduta do cristão não é mais que
fingimento e hipocrisia. Portanto, ninguém deve dar razões a outros para
insultar a religião cristã. Paulo apresenta seu conselho na forma de
perguntas desenhadas para que ninguém ponha em dúvida a sua
sinceridade cristã, e nos versículos 29b e 30 diz aos coríntios que devem
agir com prudência.
Até a tradução comunica um jogo de palavras entre ação de graças
e dei graças. A ação de graças é parte das orações que judeus e cristãos
oferecem a Deus antes de comer. Desta forma se agradece a provisão
diária de comida e bebida (veja-se o comentário do v. 26). A ação de
graças reconhece a Deus como o doador da comida. Mas se um cristão
não pode orar com sinceridade devido à forte crítica que recebe, deveria
abster-se de comer carne sacrificada, a fim de evitar que a causa de
Cristo seja desprezada (cf. Rm 14:6). Contudo, um cristão continua
tendo a liberdade de comer tudo o que for posto diante dele, mesmo se
decidir abster-se. 83

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 10:27–29


ε_— a partícula introduz uma condição real simples, que vem
seguida por uma apódose que contém o presente imperativo _σθίετε
(comei!).
__ν δέ τις _μί ε_π_ — esta oração introduz uma probabilidade por
meio do verbo no modo subjuntivo. A oração condicional é completada
com uma proibição que usa o imperativo presente: não a comais.
_λλης σονειδήσεως — o adjetivo é feminino singular («outra»)
qualificando o substantivo consciência. A preposição _πο, («por») faz

82
Godet, First Corinthians, p. 527. Veja-se também G. G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the
Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols.
(1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1961), p. 869.
83
Barrett, First Corinthians, p. 244.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 511
com que o genitivo indique o meio: «por meio de outra consciência». As
traduções suprem o agente da ação, dando uma volta distinto à
expressão: «a consciência de outro» (RV60), «a consciência alheia» (CI).

c. Conclusão. 1Co 10:31–11:1

31. Portanto, quer comais ou bebais ou façais qualquer outra coisa,


fazei tudo para a glória de Deus.
Nestas últimas observações, Paulo expressa os mesmos sentimentos
que expõe com mais detalhe numa das cartas da prisão: «E tudo o que
fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor
Jesus, dando por ele graças a Deus Pai» (Cl 3:17). Paulo exorta os
coríntios a viver para a glória de Deus, a ser positivos sem ser ofensivos,
e que mesmo na atividade diária de comer e beber, exaltem a bondade e
a graça de Deus.
Não poderemos glorificar a Deus, a menos que nossa vida esteja em
harmonia com Ele e Seus preceitos. Nenhuma característica de nossa
conduta deve impedir que a glória de Deus se reflita através de nós. Em
outras palavras, em tudo o que fazemos e dizemos, não importa quão
insignificante seja, o mundo deve ser capaz de ver que somos o povo de
Deus. Nosso principal objetivo em nossa vida deve ser exaltar a glória de
Deus (cf. 1Pe 4:11).
32, 33. Não ofend ais nem a ju deus, nem a gregos nem à i greja de
Deus, assim como eu agrado a todos em tudo, sem buscar o meu próprio
proveito, e sim o de muitos, para que assim sejam salvos.
a. «Não ofendais». Neste resumo, Paulo reitera em termos positivos
o que deu a entender nas perguntas que expôs nos versículos precedentes
(vv. 27–30). Um cristão deve procurar viver de forma irreprochável onde
quer que se encontre. Anteriormente Paulo tinha escrito que com os
judeus comportava-se como judeu, com os gentios como gentio, e com
os fracos como fraco, a fim de ganhá-los para Cristo (veja-se 1Co 9:19–
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 512
23). Aqui volta a mencionar as categorias judeu, gentio (aqui: grego) e o
termo abrangente de igreja de Deus.
Não devemos pensar que Paulo não impunha as demandas de Cristo
por temor de ofender. Pelo contrário, com ousadia dizia a judeus e
gregos que se voltassem para Deus e que pusessem sua fé em Jesus
Cristo (At 20:21). Não obstante, apresentar o evangelho de Cristo de
forma eficaz requer tato, cortesia e persistência. Paulo procurava
acomodar-se a todos, e ao concluir esta seção, convida todos a seguir o
seu exemplo.
Notemos que Paulo inclui os membros da igreja. Como crentes
individuais, têm a obrigação corporativa de cuidar uns dos outros. Se um
membro fraco da igreja é ofendido, ofende-se toda a congregação, e ela
deveria responder. «Se um membro sofrer, todos os membros sofrem
com ele», dirá Paulo mais adiante (1Co 12:26).
b. «Assim como eu agrado a todos em tudo, sem buscar meu
próprio proveito, e sim o de muitos». Nesta e em outras cartas, Paulo se
põe como exemplo de conduta cristã, ao ponto de dizer aos coríntios que
sejam seus imitadores. 84
Que tipo de exemplo é Paulo? Procura agradar a todos em tudo. À
primeira vista, pareceria conquistar o favor de outros. Mas se olharmos
com mais cuidado, veremos que é consistente com o seu ensino de amar
o próximo como a si mesmo, a fim de lhe mostrar o caminho de salvação
em Cristo. Paulo nunca pediu algo para si, mesmo quando tinha o direito
de receber apoio econômico pelo seu trabalho (1Co 9:12–18). Preferia
trabalhar fazendo tendas para sustentar-se. Como artesão, ele se
identificava com as pessoas de baixos recursos (veja-se o comentário a
1Co 9:22). Estava preparado para ajudar a todos, não importa quem fosse
que lhe pedisse ajuda, um judeu, um gentio ou um cristão. Mas em tudo
o que fazia, buscava glorificar ap seu Deus levando as pessoas a Cristo.

84
1Co 4:16; 11:1; Fp 3:17; 4:9; 1Ts 1:6; 2Ts 3:7, 9.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 513
Por conseguinte, podia escrever que nada fazia para seu próprio proveito,
e sim o de muitos.
c. «Para que assim sejam salvos». Este é o objetivo que Paulo
persegue em sua vida: levar as pessoas ao conhecimento salvífico de
Cristo. O verbo principal desta oração de propósito está na voz passiva, e
tem a Cristo como o agente tácito: «sejam salvos por Cristo». Como
apóstolo, Paulo serve a quem o enviou como fiel embaixador que
proclama o evangelho e explica o caminho de salvação. Deus espera que
Seus emissários sejam fiéis à Sua palavra em seu trabalho de chamar
mulheres, crianças e homens à conversão. No entanto, Paulo não tem o
poder para salvar as pessoas, pois essa não é uma prerrogativa humana, e
sim iniciativa divina. Através da obra expiatória de Jesus Cristo e a ação
do Espírito Santo, Deus concede salvação ao Seu povo.
11:1. Sede meus imitadores, assim como eu de Cristo.
Quando o Novo Testamento foi dividido em capítulos, infelizmente
este versículo foi colocado como o primeiro versículo do capítulo 11. O
contexto mostra com clareza que este versículo é a conclusão ao capítulo
10.
Paulo dá o exemplo e implora aos seus leitores a segui-lo. Ele
mesmo imita a Cristo, em cujos passos todo crente deveria andar (1Pe
2:21). Seguimos a Cristo não no sentido de sofrer a agonia e a dor do
Getsêmani e do Calvário. O que fazemos é seguir os Seus rastros
mostrando a Ele nosso amor e gratidão e guardando os Seus preceitos.

Considerações práticas em 1Co 10:27–33


Temos a tendência a relegar a mensagem desta seção ao primeiro
século. Naquele tempo, o evangelho penetrou o mundo para que o estilo
de vida cristão deslocasse à cultura pagã. O conflito entre cristianismo e
paganismo estendeu-se por todo mundo antigo. Porém não creiamos que
hoje não exista mais o conflito ou que se tenha assinado alguma trégua.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 514
Embora as culturas tenham mudado e o ambiente seja distinto, o conflito
continua.
Os crentes devem ser sinceros, honestos, confiáveis, fiáveis,
prudentes e eficientes na luta. Mas as constantes pressões que caem
sobre os crentes no mundo de hoje, põem-nos à prova. O mundo vigia de
perto a conduta do crente, esperando que os cristãos mantenham sua
palavra, sua integridade moral e que evitem sequer alguma aparência de
maldade. Nos negócios, reuniões sociais e tarefas especiais, os cristãos
devem tomar decisões que muitas vezes requererão que transijam
valores. Deverão alguma vez obscurecer a verdade ao fazer propaganda,
no trabalho de contador ou em algum relatório? Devem todos os cristãos
abster-se de álcool totalmente sem importar as circunstâncias? Devem os
cristãos observar o dia do Senhor, não importa onde ou com quem estão?
Paulo responde a estes dilemas com o princípio básico de fazer
todas as coisas, até as atividades tão comuns como comer e beber, para a
glória de Deus. Os cristãos que amam ao Senhor com todo o coração,
alma e mente e que amam o próximo como a si mesmos, farão todo o
possível para agradar ao seu Senhor. Como no caso de Paulo, para eles
Deus é o centro de toda área de sua vida. A consciência de Paulo era
livre na presença de seu Senhor.

Resumo de 1 Coríntios 10
Paulo afirma que todos os israelitas que deixaram o Egito sob a
nuvem passaram através do mar e foram batizados em união com
Moisés. Todo este povo comeu a mesma comida espiritual e beberam a
mesma bebida espiritual da rocha espiritual que os acompanhava, ou
seja, Cristo. Contudo, como Deus não Se agradou deles, deixou seus
corpos atirados através do deserto.
Os acontecimentos históricos que Paulo relata advertem os coríntios
dos perigos da idolatria. Paulo conta o incidente quando os israelitas
comeram e beberam numa festa conectada com a adoração a um bezerro
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 515
de ouro. Esta foi uma festa que degenerou em libertinagem pagã.
Durante a sua viagem pelo deserto, puseram à prova a paciência de
Deus. Como castigo, alguns foram mordidos por serpentes venenosas e
outros mortos por um anjo. Aconselha os coríntios a tomar nota do que
aconteceu, a fim de não sucumbir à idolatria. Não obstante, Paulo diz
que Deus é fiel e que não permitirá que lhes sobrevenha uma tentação
mais forte da qual possam suportar.
Depois de mandar de forma direta que fujam da idolatria, Paulo
instrui os seus leitores a que percebam o significado da Santa Ceia.
Devem saber que participar do cálice e comer do pão significa unidade.
O comer comida oferecida a ídolos o torna um partícipe com os
demônios. Paulo mostra a total inconsistência de beber do cálice dos
demônios e do cálice do Senhor. Isto é provocar o Senhor.
Aplica a si mesmo e interpreta o lema tudo está permitido ao comer
carne comprada no açougue. São tratadas circunstâncias específicas que
poderiam ocorrer ao comer na casa particular de um não-crente. Paulo
aconselha os cristãos a fazer tudo para a glória de Deus e a que evitem
ofender a judeus, gregos ou membros da igreja.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 516
1 CORÍNTIOS 11
CULTO, PRIMEIRA PARTE (1CO 11:2–34)
1. O homem e a mulher no culto. 1Co 11:2–16

Nos quatro capítulos seguintes (11–14), Paulo instrui os coríntios


quanto ao culto. Começa falando dos que rendem culto ao Senhor, do
homem e a mulher, que oram e profetizam. Depois explica qual deve ser
a sua conduta na mesa do Senhor. Coloca sua carta de amor (capítulo 13)
em meio de sua longa discussão sobre os dons do Espírito e sobre o falar
em línguas. Conclui com uma exortação a profetizar, uma ordem a que
não se proíba falar em línguas e a que se mantenha a ordem.

a. O homem e a mulher. 1Co 11:2–6

Paulo compreende o seu povo e os aborda como um bom pastor.


Sabe que ainda são crianças em sua vida espiritual e que necessitam
muito conselho que os corrija. Mas antes de admoestá-los, louva-os
pelos esforços que estão fazendo por seguir seus ensinos.
2. Eu vos louvo porque lembrais de mim em tudo e porque guardais
as tradições assim como vo-las transmiti.
a. «Eu vos louvo». Nenhuma outra passagem desta epístola tem
palavras de louvor para os coríntios (contraste-os vv. 17, 22), com
exceção da seção introdutória na qual Paulo dá graças a Deus pela graça
que lhes concedeu (1Co 1:4–9). Imediatamente depois desta introdução,
repreende os destinatários pelas divisões que havia na igreja (1Co 1:10–
12). De maneira semelhante, no presente capítulo Paulo louva os
coríntios porque lembram dele e das tradições que lhes encomendou.
Mas depois do elogio, ele os instrui sobre como devem conduzir-se
homens e mulheres, especialmente no culto público.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 517
b. «Porque lembrais de mim em tudo». Por que louva os coríntios?
Porque lembraram dele (no grego o verbo está em tempo perfeito) e
continuam lembrando em tudo. Isto quer dizer que muitos dos cristãos de
Corinto têm lindas lembranças de Paulo e que se apegam a suas
instruções. Mas muitos outros não seguiam os ensinos de Paulo, como
demonstra com clareza o contexto subsequente. Por essa razão, alguns
tradutores, em lugar de em tudo (NTT, CI, RA), preferem o advérbio
temporal sempre ou algo semelhante. 1 Desta forma, eliminam uma
possível tensão entre este versículo (v. 2) e o resto do capítulo. No grego,
no entanto, Paulo é consistente no uso da frase em tudo (que já ocorreu
anteriormente em dois textos, 1Co 9:25 e 1Co 10:33). À vista do uso que
Paulo veio dando à frase, preferimos nossa tradução.
c. «E porque guardais as tradições assim como vo-las transmiti». A
segunda parte do versículo 2 explica a frase aludida. «Em tudo» refere-se
ao ensino apostólico que Paulo comunicou aos coríntios em outras
oportunidades. Trata-se das tradições que os apóstolos receberam e que
depois transmitiram a outros. Por exemplo, Paulo escreve que o Senhor
lhe revelou informação que depois ele a transpassou aos coríntios (v. 23;
1Co 15:3; 2Tm 2:2).
Carecemos de alguma indicação específica que nos diga se, nesta
seção particular, Paulo está respondendo alguma pergunta que os
coríntios tenham exposto na carta que lhe enviaram. O capítulo 11 não
tem uma fórmula como «Agora, com relação ao que me escrevestes».
Uma fórmula semelhante ocorre em outros lugares da carta (1Co 7:1, 25;
8:1; 12:1; 16:1, 12). Talvez a carta continha uma pergunta a respeito da
conduta cristã na sociedade multicultural de Corinto, e Paulo aborda o
problema nos seguintes versículos (vv. 3–16).
3. Mas quero que entendais que Cr isto é cabeça de cada homem e
que o homem é cabeça de uma mulher, e que Deus é cabeça de Cristo.

1
NBE, CB, VP, BP, LT.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 518
a. Construção. Depois do versículo 2, Paulo começa um tema que
não mencionou em outra parte. Ensina os seus leitores a respeito da
relação de Cristo com o homem, do homem com a mulher e de Deus
com Cristo. Isto o faz numa sequência de três orações:
Cristo é cabeça de cada homem
o homem é cabeça de uma mulher,
Deus é cabeça de Cristo
Notemos que Paulo começa e termina com a palavra Cristo e que a
primeira e terceira orações estão equilibradas. Também reparemos em
que a sequência das duas primeiras orações é suave. Mas o
desenvolvimento destas três orações com a palavra cabeça que se repete
em todas, levanta interrogantes que se centralizam no significado dessa
única palavra.
b. Significado. Os comentaristas não estão de acordo sobre o
significado da palavra grega kefale (=cabeça). Alguns creem que quer
dizer «fonte»,2 outros insistem em «autoridade». 3
Alguns eruditos examinaram a evidência e descobriram que a
Septuaginta (a versão grega da Bíblia hebraica) contém um número de
lugares onde o termo cabeça tem o significado figurado de «chefe» ou
«governante». Dois destes exemplos são «Das contendas do meu povo
me livraste e me fizeste cabeça das nações; povo que não conheci me
serviu» (2Sm 22:44), e «Porque a cabeça da Síria é Damasco, e a cabeça
de Damasco, Rezim … a cabeça de Efraim é Samaria, e a cabeça de
Samaria o filho de Remalias» (Is 7:8, 9). É impressionante a evidência
que se acumula da Septuaginta, Filo e Josefo. Mas outros põem em
dúvida que a palavra hebraica rosh (=cabeça) queira dizer de forma
metafórica «chefe» ou «governante». Creem que na literatura grega a
palavra kefalē significa «fonte», 4 e que a expressão cabeça deriva-se do
uso grego que conota o sentido de «fonte». De fato, um escritor afirma
3
P. ex., Heinrich Schlier, TDNT, vol. 3, p. 679; Bauer, p. 430.
4
Consulte-se, p. ex., C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série
Harper’s New Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 248.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 519
que «simplesmente não há razão para dar por sentado que um judeu
helênico por instinto daria à palavra kefalē o sentido de ‘um que tem
autoridade sobre outro’». 5
O problema que enfrentam os estudiosos é como determinar se
Paulo se dirige aos coríntios de uma perspectiva judaica (na qual cabeça
indica autoridade) ou uma perspectiva helênica (na qual cabeça quer
dizer fonte). Falava Paulo levando em conta seu próprio pano de fundo
ou ao falar ele se acomodava à cultura grega? Um dos eruditos que
examinou o debate, conclui: «o resultado da discussão é que um escritor
judeu helênico como Paulo de Tarso bem poderia ter querido comunicar
com kefalē, em 1 Coríntios 11:3, a ideia de ‘cabeça’ no sentido de
autoridade ou supremacia sobre outra pessoa». 6
c. Interpretação. Uma interpretação desta passagem é que «cabeça»
quer dizer «forte» ou «fonte de vida». Esta interpretação se baseia
principalmente em três passagens paulinas (Cl 1:18; 2:19; Ef 4:15).
Assim como Cristo é a fonte do ser do homem, assim o homem o é da
mulher. A interpretação que o homem é a fonte da mulher se confirma
pela afirmação de Paulo com relação ao fato de que a mulher saiu do
homem (vv. 8, 12). Com isto se conclui que Paulo não ensina uma
doutrina na qual a mulher esteja subordinada ao homem, mas uma
doutrina na qual se expressa «a relação única que ocorre em que alguém
é a fonte da existência do outro». 7 Além disso, o relato da criação nos
ensina que Deus fez a Eva de uma das costelas de Adão (Gn 2:21–23), o
que indica que Adão é a fonte de vida de Eva. Mas se examinarmos o
versículo 3 em termos de um paralelismo estrito, surgem dificuldades. É

5
Jerome Murphy-O’Connor, «Sex and Logic in 1 Corinthians 11:2–16», CBQ 42 (1980): 492. Refira-
se também ao seu artigo «1 Corinthians 11:2–16 Once Again», CBQ (1988): 265–74; veja-se John P.
Meier, «On the Veiling of Hermeneutics (1 Co. 11:2–16)», CBQ 40 (1978): 212–26.
6
Joseph A. Fitzmer, «Another Look at ΚΕΦΑΛΗ in 1 Corinthians 11:3», NTS35 (1989): 510.
Consulte-se também Wayne Grudem, «Does ΚΕΦΑΛΗ (‘Head’) Mean ‘Source’ or ‘Authority Over’
in Greek Literature? A Survey of 2,336 Examples», TrinityJ 6 n.s. (1985): 38–59.
7
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 503.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 520
óbvio que rejeitaremos a ideia que Deus criou a Cristo, visto que Cristo é
eterno e não criado. Mesmo quando a Escritura revela que Deus chegou
a ser seu pai (Sl. 2:7; Hb 1:5; 5:5) e que «como o Filho, Cristo deriva seu
ser eterno de Deus o Pai», 8 Cristo não foi «criado fisicamente de uma
parte que foi tomada de Deus». 9 Tampouco podemos dizer que o homem
saiu fisicamente de Jesus Cristo. Devemos concluir que se interpretamos
a expressão cabeça como «fonte», rompe-se o paralelo com outros textos
da Bíblia e o paralelismo dentro do próprio versículo 3.
Mas se tomamos a expressão cabeça no sentido de «autoridade»,
mantém-se o paralelismo. Cristo tem autoridade sobre o homem, o
homem sobre a mulher e Deus sobre Cristo. Contudo, esta autoridade
não implica necessariamente que alguém seja superior e o outro inferior.
Mesmo quando Deus tem autoridade sobre Cristo (ver 1Co 15:24–28),
Cristo não é inferior ao Pai. Do mesmo modo, «a autoridade que o
homem tem sobre a mulher não implica que a mulher seja inferior ou que
o homem seja superior». 10 Pelo contrário, assim como Cristo é em
essência igual a Deus o Pai, assim também a mulher é igual ao homem
em seu ser e valor.
Finalmente, o grego não deixa claro se Paulo está falando da
relação marido-esposa ou da relação homem-mulher. Com base ao
paralelo do esposo é cabeça de sua esposa, assim como Cristo é cabeça e
salvador da igreja» (Ef 5:23), optamos pela primeira interpretação.

8
F. F. Bruce, 1 and 2 Corinthians, série New Century Bible (Londres: Oliphants, 1971), p. 103. Veja-
se também Stephen Bedale, «The Meaning of kephale in the Pauline Epistles», JTS n.s. 5 (1954): 211–
15.
9
James B. Hurley, Man and Woman in Biblical Perspective (Grand Rapids: Zondervan, 1981), p. 166.
Cf. Noel Weeks, «Of Silence and Head Covering», WTJ 35 (1972): 21–27.
10
Thomas R. Schreiner, «Head Coverings, Prophecies and the Trinity», em Recovering Biblical
Manhood and Womanhood: A Response to Evangelical Feminism, editado por John Piper e Wayne
Grudem (Westchester, Ill.: Crossway, 1991), p. 130.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 521
Considerações doutrinais em 1Co 11:3
Ao falar do termo cabeça no presente texto, devemos levar em
conta como Paulo usa a palavra em outras passagens. Em suas cartas, a
palavra aparece 17 vezes, das quais 7 têm um significado literal e 10
figurado. 11
Quando Paulo desenvolve seu ensino sobre a autoridade que Cristo
tem sobre a igreja e sobre toda a criação, expõe o que significa que
Cristo seja a cabeça. Em Efésios 1:20–23, Paulo introduz a doutrina de
Cristo como cabeça de tudo, referindo-se à Sua exaltação celestial
«acima de todo governo e autoridade, poder e domínio» (Ef 1:21). O
próprio texto fala da operação da autoridade divina de Cristo: «Deus
submeteu todas as coisas ao domínio de Cristo, e o deu como cabeça de
tudo à igreja» (Ef 1:22). O tema de que Cristo é cabeça da igreja também
aparece em Efésios 4:15; 5:23 e Colossenses 1:18; 2:19. Cristo é
chamado cabeça de todas as coisas (Cl 2:10).
Numa passagem, Paulo faz um paralelo entre a autoridade que
Cristo tem sobre a igreja e a autoridade que tem o esposo como cabeça
de sua esposa. Neste texto particular encontramos um paralelo que nos
ajuda a interpretar 1 Coríntios 11:3. Efésios diz: «Esposas, submetam-se
ao seu próprio esposo como ao Senhor. Porque o esposo é cabeça de sua
esposa, assim como Cristo é cabeça e salvador da igreja, a qual é seu
corpo» (Ef 5:22, 23). Aqui ocorre uma clara analogia entre a relação
esposo-esposa e a relação Cristo-igreja. A esposa submete-se ao esposo,
assim como a igreja submete-se a Cristo. Contudo, a chefia da cabeça
tem uma qualidade que lhe é única, tal como o texto o indica: Cristo é o
Salvador da igreja, a qual é Seu corpo. A igreja tem sua existência nEle.
De forma semelhante, com base no relato da criação de Eva (Gn 2:21–
23), o esposo reconhece que a esposa procede do homem e depende dele.
Portanto, a autoridade como cabeça não só significa autoridade, mas

11
Literal: 1Co 11:4 (bis), 5 (bis,7), 10; 12:21. Figurativo: 1Co 11:3 (três vezes); Ef 1:22; 4:15; 5:23
(três vezes); Cl 1:18; 2:10, 19.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 522
também inclui a referência à origem da mulher que afeta a relação
contínua. 12
Pelo paralelo que há entre 1 Coríntios 11:3 e Efésios 5:22–23,
inferimos que Paulo apresenta a doutrina de Cristo em sua qualidade de
cabeça governante como um modelo. Assim como Cristo é cabeça de
todo homem e da igreja, assim também o esposo é cabeça de sua esposa.
Assim como Cristo submete-se a Deus o Pai, a esposa submete-se ao
esposo. 13
4. Todo homem que ora ou p rofetiza com algo sobre sua c abeça,
desonra sua cabeça.
a. Uma condição. Antes de explicar este versículo, devemos
reconhecer que as normas da vestimenta variam de cultura para cultura e
de época para época. A cidade de Corinto tinha uma população mista de
gregos, romanos, judeus e outras nacionalidades. Quando Paulo fala dos
penteados e o uso do véu, devemos lembrar que diz a seus leitores que,
em meio de um mundo pagão, devem adotar práticas cristãs. Paulo
objetava que se apagassem as diferenças de gênero (feminino e
masculino), e queria que os coríntios demonstrassem no visual que havia
uma clara distinção entre homens e mulheres.
b. Interpretação. Embora a tradução deste texto seja simples, não o
é sua interpretação. Por exemplo, o homem ora e profetiza em sua casa
ou na igreja, em particular ou em público? Como entendemos o verbo
profetizar? O que quer dizer com «algo sobre sua cabeça»? A palavra
cabeça ocorre duas vezes. Têm essas duas ocorrências o mesmo
significado ou a segunda aponta para Cristo? (veja-se o v. 3).
Primeiro, pelo que parece o orar e profetizar ocorrem no culto
público, pois não tem sentido que Paulo dê estas instruções a alguém que
ora em particular. Quanto a profetizar, em outro contexto Paulo diz que

12
Refira-se a Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard de
Witt (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 382.
13
Cf. Hurley, Man and Woman, p. 145.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 523
aquele que profetiza edifica a igreja (1Co 14:4). Concluímos que o
versículo fala do culto público.
Segundo, quando Paulo escreve «todo homem que ora ou
profetiza», refere-se à oração audível que se faz no culto. A partícula ou
é o conectivo entre ora e profetiza, e mais adiante em outro capítulo
Paulo dirá que alguém deveria anelar ter o dom de profecia (1Co 14:1,
39). Deixa a impressão que a oração é algo comum, mas a profecia
ocasional. Contudo, qual é o significado de profetizar? A palavra aponta
à pregação, o ensino ou a explicação da revelação divina. De fato, isto é
o que Priscila e Áquila fizeram quando convidaram Apolo ao seu lar
para lhe explicar com mais precisão a Palavra de Deus (At 18:26). De
maneira semelhante, tanto Simeão como Ana, a profetiza, passavam seu
tempo nos átrios do templo adorando a Deus com oração e louvor, e
explicando a revelação divina ocorrida em Jesus como a salvação e
redenção de Seu povo (Lc 2:25–38).
Terceiro, o que quer dizer «com algo sobre sua cabeça»?
Literalmente, Paulo diz «tendo [algo] pendurando de sua cabeça». Se
tivesse escrito a palavra algo, a qual nós suprimos, o texto seria mais
claro. A palavra provida é necessária para entender o que Paulo diz. As
palavras que Paulo usa aparecem nos escritos do autor grego Plutarco,
quem nasceu em 46 ou 47 a.C. a 65 quilômetros de Corinto. Nos escritos
do Plutarco, as palavras se referem a algo que descansa sobre a cabeça.
«A literatura grega contemporânea com o Novo Testamento, demonstra
que a frase kata kefalē pode significar claramente ‘sobre a cabeça’». 14
Tanto em sua terra natal como em suas colônias, os romanos
cobriam a cabeça durante devocionais particulares ou públicos. Ao
oferecer sacrifícios, ao orar ou profetizar, estendiam sua toga sobre sua

14
Richard Oster, «When Men Wore Veils to Worship: The Historical Context of 1 Corinthians 11:4»,
NTS 34 (1988): 486. O autor cita muitas referências de Josefo e Plutarco. Para outros pontos de vista,
veja-se James B. Hurley, «Did Paul Require Veils or the Silence of Women? A Consideration of 1
Cor. 11:2–16 and 1 Cor. 14:33b-36», WTJ 35 (1973): 193–204; Jerome Murphy-O’Connor, «The
Non-Pauline Character of 1 Corinthians 11:2–16?» JBL 95 (1976): 615–21.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 524
cabeça. Esta prática devocional parece que tinha entrado na sociedade de
Corinto, uma colônia romana. «De maneira que quando Paulo lembra
aos cristãos varões que devem orar e profetizar com a cabeça descoberta,
a recomendação encaixa no contexto de fugir da idolatria». 15 Paulo
deseja que os coríntios se separem dos costumes pagãos e que sejam
diferentes em sua prática cristã.
Por último, tem a segunda menção da palavra «cabeça» o mesmo
sentido que a primeira (a cabeça física) ou, antes, aponta para Cristo (a
cabeça espiritual)? Os comentaristas se dividem. O versículo precedente
(v. 3) ensina que Cristo é a cabeça do homem e que o esposo é a cabeça
da esposa. Portanto, o homem que cobre a cabeça desonra a Cristo e a
esposa que descobre a cabeça desonra seu esposo. No entanto, se
tomarmos a segunda ocorrência de cabeça como se apontasse a Cristo,
então a mensagem do versículo 7 parece redundante. Além disso, o
contexto subsequente parece indicar que a mulher que ora ou profetiza
com a cabeça descoberta desonra, não só o seu esposo mas também sua
própria cabeça. Se isto é assim, não está totalmente fora de lugar uma
interpretação literal do versículo 4. 16 Portanto, fazemos bem em aceitar
ambas as interpretações, a literal e a figurada.
Paulo quer manter uma clara distinção de sexos, de tal forma que
nenhum homem ou mulher desonre a igreja. Não quer que durante o
culto público o homem cubra a cabeça, pois esse proceder imita um
costume pagão e rejeita implicitamente a ordem da criação (veja-se o
comentário aos vv. 5, 6, 13–15). Por conseguinte, não quer que a mulher
assista ao culto público sem sua cabeça coberta.
5, 6. M as toda mu lher que ora ou profetiza com su a cabeça
descoberta, desonra a su a cabeça. Porque é tal e qual a mulher cuja
cabeça foi rapada. Porq ue se uma mulher nã o cobre a sua cabeça, que

15
Cynthia L. Thompson, «Hairstyles, Head-covering, and St. Paul: Portraits from Roman Corinth»,
BA 51 (1988): 104. Consulte-se David W.J. Gill, «The Importance of Roman Portraiture for Head-
Coverings in 1 Corinthians 11:2–16», TynB 41.2 (1990): 245–60.
16
Cf. Murphy-O’Connor, «Sex and Logic», p. 499.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 525
também corte o cabelo. Mas s e for uma desgraça que uma mulher corte
ou rape a cabeça, que cubra a cabeça.
a. «Mas toda mulher que ora ou profetiza». Os versículos 4 e 5 são
paralelos e revelam que o homem e a mulher são iguais na igreja. No
Antigo Testamento, não a mulher, e sim o homem recebia o sinal da
aliança (p. ex., Gn 17). O homem representava a mulher. Porém na era
do Novo Testamento, o homem e a mulher são um em Cristo Jesus (Gl
3:28), o que quer dizer que são iguais diante de Deus. Isto fica claro
quando Paulo atribui as funções religiosas de orar e profetizar tanto ao
homem como à mulher. O homem e a mulher sabem que profetizar
consiste em ensinar e pregar a revelação de Deus e exortar e aconselhar a
outros com a Escritura (veja-se At 24:26).
b. «Com sua cabeça descoberta, desonra a sua cabeça». A
interpretação deste versículo depende do versículo 3, onde Paulo diz que
o homem é cabeça da mulher. No círculo familiar isto quer dizer que o
esposo é cabeça da esposa. Se a mulher de Corinto deixa de cobrir a
cabeça em público, com esse ato afirma que recusa mostrar o que Deus
quer que exiba, ou seja, que está subordinada ap seu esposo. Apropria-se
da autoridade que pertence ao esposo. 17 Quando na igreja de Corinto a
mulher vai contra a estrutura da criação, desonra o seu esposo.
No tempo de Paulo, a mulher devia cobrir a cabeça. Se não o
fizesse, não só desonrava a sua própria cabeça, mas também se mostrava
desrespeitosa para com seu esposo. Deveria respeitar o seu esposo
cobrindo a cabeça em público. Mas perguntamos, tinha a mulher que
cobrir a cabeça quando não orava ou profetizava? Na privacidade de seu
lar não era necessário, mas em público sempre devia cobrir a cabeça.
c. «Porque é tal e qual a mulher cuja cabeça foi rapada». À primeira
vista, esta observação pareceria ter pouco tino e ser um tanto dura. Mas
devemos considerar estas palavras dentro do contexto cultural do Corinto

17
Consulte-se Werner Neuer, Man and Woman in Christian Perspective, traducido por Gordon J.
Wenham (Westchester, Ill.: Crosway, 1991), p. 113; H. Wayne House, «Should a Woman Prophesy or
Preach before men?» BS 145 (1988): 154.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 526
do primeiro século. Paulo se explica nos versículos que se seguem, onde
nota que a própria natureza ensina que o cabelo longo é a glória da
mulher (v. 15). Que rapar a cabeça de uma mulher era e ainda é uma
marca de desgraça e humilhação. É difícil saber se Paulo está pensando
na prática de humilhar uma mulher adúltera, rapando-a. O autor romano
do primeiro século, Dion Crisóstomo, menciona que na ilha de Chipre,
as autoridades rapavam a adúltera para identificá-la como prostituta. 18 A
mensagem que Paulo comunica às mulheres de Corinto é que deveriam
honrar seus esposos mediante as normas culturais da época. Como diz
David W. J. Gill:
“O que Paulo poderia querer dizer é que se as mulheres na igreja
não usam véu, tomará essa ação como se estivessem desonrando seus
esposos, o que poderia afetar seu lugar na sociedade. Se a esposa insistir
em usar a cabeça descoberta, bem poderia usar também um sinal de
humilhação, rapando a cabeça. Se não quiser envergonhar dessa maneira
o seu esposo, a ela mesma e a sua família, que use o véu.” 19
O princípio que aqui se ensina é que a esposa deve honrar seu
esposo, e a aplicação deste princípio era usar véu quando se estava em
público. O não cobrir a cabeça era sinal de rebelião da parte da esposa.
d. «Porque se uma mulher não cobrir sua cabeça, que também corte
o cabelo». Paulo aborda o assunto de forma lógica. Diz que uma esposa
que não usa véu em público envergonha seu esposo tanto como o seria
para ela andar com a cabeça rapada.
e. «Mas se for uma desgraça que uma mulher corte ou rape a
cabeça, que cubra a cabeça». Nesta última parte do versículo, a ênfase
recai na palavra desgraça. Paulo coloca a esposa na difícil posição de ter
que escolher: se quer aparecer em público sem véu, que se rape e se
identifique com mulheres de má reputação. Se não quiser rapar a cabeça,
que use véu e se associe assim com as mulheres respeitáveis. Notemos

18
Dio Chrysostom, Discourses 64.2–3.
19
Gill, «Head-coverings», p. 256.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 527
que é a esposa, não o esposo, quem tem que tomar a decisão. A decisão
depende de quão disposta estiver para aceitar uma posição de submissão
ao seu esposo «segundo a ordem da criação». 20

Considerações práticas em 1Co 11:4–6


As normas culturais mudam de país para país, e também mudam
com o tempo. As diferenças são muito notórias, quando consideramos os
penteados e as tocas para o cabelo. Isso pode ser breve ou demorar, e em
muitas culturas o cobrir a cabeça tem que ver com observâncias
religiosas (p. ex., o judaísmo, o Islã e alguns ramos do cristianismo).
Em climas frios, a igreja cristã considerava que era necessário
cobrir a cabeça. Durante a Reforma, João Calvino e seus colegas usavam
um capuz para proteger-se do frio. Usariam estes capuzes durante o culto
ou seguiriam a ordem de Paulo de não orar ou profetizar com a cabeça
coberta? Calvino diz:
Porque não devemos ser tão estreitos de mente para pensar que um
professor está fazendo mal ao vestir um capuz quando fala com o povo
do púlpito. A única coisa que Paulo quer deixar claro é que o esposo tem
a autoridade, e que a esposa lhe está sujeita, e isto se obtém quando o
homem descobre sua cabeça à vista da congregação, embora depois volte
a colocar o capuz para não pescar um resfriado. 21
Dois séculos depois (em 1741), o comentarista alemão John Albert
Bengel teve que enfrentar um desenvolvimento cultural distinto: O que
pensamos das perucas? Bengel comenta que as perucas são usadas
quando o cabelo é escasso. «Portanto, as perucas dificilmente desonram
mais o homem enquanto ora que quando não ora». 22 Contudo, o
comentarista opina que se pudesse perguntar a Paulo o que opina, o

20
Bruce, 1 and 2 Corinthians, p. 104.
21
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), pp. 230–231.
22
John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T. Lewis e
Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 223.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 528
apóstolo teria persuadido as pessoas a não usar perucas, porque são
«impróprias para os homens, especialmente quando oram».
Durante a primeira metade do século vinte, as mulheres tinham o
costume de usar chapéus para ir à igreja. Porém na segunda metade deste
século, já não se vê muitas mulheres entrando na igreja com chapéus.
Como aplicamos as palavras de Paulo ao assunto de cobrir ou não
cobrir a cabeça hoje em dia? Estava Paulo dando expressão a padrões
culturais de sua época que ocorriam na igreja de Corinto e outros lugares
(v. 16), padrões que já não estão em voga? Podem os padrões mutáveis
da cultura comunicar princípios permanentes e básicos?
Paulo proclama o evangelho de Cristo. Este evangelho nos liberta
das leis cerimoniais e civis dos judeus. O apóstolo rejeita a ideia de pedir
aos gentios que adotem costumes judaicos como um requisito para
tornar-se cristãos (Gl 5:1–6). Do mesmo modo, Paulo não quer dizer a
todos os crentes ao longo de todas as épocas que adotem os costumes
que ele deseja que os coríntios guardem. O que sublinha nesta seção é
que na relação matrimonial, a esposa honra e respeita o seu esposo,
enquanto o esposo ama e guia a esposa. Este é o princípio básico que se
pode aplicar de diversas formas nas diferentes culturas ao longo do
mundo. O princípio é o mesmo, embora a sua aplicação seja diferente.
Se Paulo permitir que a mulher ore e profetize no culto, não
contradiz isso com a ideia de que a esposa deve submeter-se à autoridade
do esposo? Não necessariamente. Dentro da relação matrimonial, a
esposa deve honrar o seu esposo, sendo submissa. Porém na igreja, o
Espírito Santo enche homens e mulheres e ambos oram e profetizam.
Diante do Senhor, tanto o homem como a mulher recebem os dons do
Espírito. Não obstante, Paulo não anula os papéis distintivos de cada
sexo. Embora homens e mulheres são novas criaturas em Cristo, a
relação esposo-esposa mantém-se incólume. 23

23
Consulte-se Hurley, «Veil», p. 204.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 529
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 11:2–6
Versículos 2–3
O Texto Majoritário registra a palavra _δελφοί («irmãos») depois
de vos louvo. Bruce M. Metzger observa: «Se a palavra tivesse sido
original (como o é em 1Co 10:1 e 12:1, onde nenhuma testemunha a
omite), sua ausência [dos manuscritos antigos e importantes] seria
inexplicável». 24
μέμνημαι — é o perfeito médio de μιμνήσκω (=lembrar) e funciona
como um presente contínuo.
πάντα — este neutro plural é um acusativo de relação: «em todo
respeito».
_ κεφαλή _ Χριστός — «Cristo é a cabeça». O artigo definido
aparece com o sujeito e o predicado nominal. Isto quer dizer que os
substantivos são intercambiáveis e idênticos. Em contraste, a oração
κεφαλ_ γυναικ_ς _ _νήρ só tem um artigo definido, com o qual se afirma
que «o homem não é a cabeça da mulher da mesma forma exata em que
Cristo é a cabeça do homem». 25

Versículos 4–5
κατ_ κεφαλ_ς _χων — a tradução literal é «tendo sob a cabeça»,
mas o particípio necessita um complemento: «um véu». Pelo que se
sugere: «com [uma mantilha?] sobre a cabeça [isto é, caindo da
cabeça]». 26

24
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), pp. 561–562.
25
Robert Hanna, A Grammatical Aid to the Greek New Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p.
302.
26
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 60. Veja-se também R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to
the Corinthians, Cambridge Greek Testament for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge
University Press, 1937), p. 158.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 530
τ_ α_τό — o pronome neutro refere-se a uma mulher sem véu como
exemplo, não como se se falasse de uma pessoa em particular: «é tal e
qual a mulher cuja cabeça foi rapada».

Versículo 6
ε_— duas vezes esta partícula introduz uma oração condicional,
usando o modo indicativo, para apontar a uma realidade, com a dedução
lógica para o argumento de Paulo. 27
κείρασθαι, ξυρ_σθαι — «ser cortado, ser barbeado». O primeiro
infinitivo é um aoristo em voz média e o segundo é um presente em voz
média. Na voz média os infinitivos denotam consentimento: «a mulher
deixa cortar ou rapar a cabeça».

b. Imagem e glória. 1Co 11:7–12

Os Evangelhos, especialmente o de Mateus, apresentam a Jesus


como um mestre que vez após vez apela ao Antigo Testamento e às
vezes pergunta ao seu auditório se leram na Escritura (veja-se Mt 12:3;
Mc 2:25; Lc 6:3). Jesus baseava Seu ensino na Palavra de Deus.
Ao escrever aos coríntios, Paulo segue o exemplo de Jesus e baseia
sua instrução nas Escrituras do Antigo Testamento. É de esperar que os
cristãos judeus estivessem familiarizados com o conteúdo do Antigo
Testamento, e que os cristãos provenientes do paganismo não tivessem a
mesma solidez escriturística (veja-se a Introdução). Contudo, Paulo é um
mestre que abre a Palavra de Deus e toma o que vai ensinar nos
versículos seguintes dos primeiros dois capítulos de Gênesis.
7. Porque um homem não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e
glória de Deus. Mas a mulher é a glória do homem.
a. «Porque um homem não deve cobrir a cabeça». A primeira
palavra que encontramos é a conjunção causal porque, a qual indica que

27
BDF § 372.2.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 531
a presente passagem (vv. 7–12) é uma explicação dos versículos
precedentes (vv. 5, 6), aludindo-se ao relato da criação (Gn 1:26, 27;
2:18–24). Quando Paulo diz que o homem não deve cobrir a cabeça, o
que faz é escrever um princípio geral que aplica à oração e à profecia.
(Isto não quer dizer que uma pessoa não possa proteger-se das
inclemências do tempo, usando um chapéu ou uma boina). Paulo chama
a atenção ao conceito-chave de que o homem é a imagem e glória de
Deus.
b. «Porque é a imagem e glória de Deus». Aqui só se registra a
palavra imagem e não aparece o termo «semelhança», o que também
teríamos esperado numa alusão ao primeiro capítulo de Gênesis (Gn
1:26; cf. também Gn 5:1; 6:9). Uma imagem é uma representação exata
de alguém ou algo: a estátua de um líder famoso, a cabeça de algum
governante gravada numa moeda, ou uma foto na tela de televisão. «Em
sua relação de autoridade rumo à criação e para sua esposa, o homem
representa o domínio de Deus sobre a criação e a chefia de Cristo como
cabeça de Sua igreja». 28
Também teríamos esperado que Paulo declarasse que tanto a
mulher como o homem foram criados à imagem de Deus (Gn 1:26–28).
Paulo, antes, usa a palavra glória para oferecer uma comparação, não um
paralelo. O homem é a imagem e glória de Deus, enquanto a mulher é a
glória do homem, porém não é a imagem do homem. 29 Paulo afirmou
que Deus é cabeça de Cristo, que Cristo é cabeça do homem e que o
homem é cabeça da mulher (v. 3). Como o apóstolo está ensinando a
respeito do homem em sua qualidade de cabeça, neste momento não lhe
interessa explicar que Eva também foi criada à imagem de Deus.

28
Hurley, Man and Woman, p. 173.
29
F. W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 255.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 532
Em lugar de «semelhança», Paulo escreve glória, ao que algumas
versões acrescentam o verbo refletir ou o substantivo reflexo. 30 Por
certo, uma versão até omite por completo a palavra glória, e traduz:
«pois [o homem] é imagem e reflexo de Deus; mas a mulher é reflexo do
homem». 31 É verdade que o homem reflete a glória de Deus. Isto é
evidente no Salmo 8:5, onde se descreve o homem coroado de honra e de
glória. Mas de outro ponto de vista, o homem atribui e dá glória a
Deus. 32 Os humanos foram criados para a glória de Deus. O fim
principal do homem é glorificar a Deus e desfrutar dEle para sempre,
como o diz um conhecido catecismo do século XVII.33 O homem atribui
glória a Deus.
A frase glória de Deus pode ser interpretada subjetivamente (a
glória que Deus dá ao ser humano), objetivamente (a glória que o
humano rende a Deus) ou ambas as formas. Da mesma forma, em
sentido subjetivo, o homem ama e protege a sua esposa. Em sentido
objetivo, a esposa dá glória a seu esposo, sendo sua ajuda (Gn 2:18, 20).
c. «Mas a mulher é a glória do homem». A última parte do
versículo 7 começa com o adversativo mas, com o que se cria um
contraste entre esta oração e a oração anterior. A esposa não é a glória de
Deus, mas a glória do homem, quer dizer, de seu esposo. A mulher foi
criada para ajudar o seu esposo, e é assim que busca honrá-lo,
reconhecendo-o como cabeça do lar. O termo glória aparece outra vez
neste contexto, quando Paulo recorre ao argumento da natureza e
assinala que a glória da mulher é seu cabelo longo (v. 15). Por que deve
glorificar a esposa ao seu esposo? Os dois versículos que se seguem o
explicam.

30
Cf. VP, CB.
31
BJ, cf. LT, NBE, BAGD, p. 204.
32
Fee, 1 Corinthians, p. 516.
33
Catecismo Menor de Westminster, resposta Nº. 1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 533
8, 9. Porq ue o h omem não veio da m ulher, e sim a m ulher do
homem. Por certo, o home m não foi criado por caus a da mulher, e sim a
mulher por causa do homem.
Paulo apoia seu ensino com fatos tirados do relato da criação (Gn
2:18–24):
Deus criou Adão e Eva.
Adão não criou Eva.
Deus primeiro criou Adão, depois Eva.
Deus fez Eva de uma costela de Adão.
Deus criou Eva por causa de Adão.
Assim como Deus criou de uma vez os animais como machos e
fêmeas, também poderia ter criado Adão e Eva num só ato criativo,
tirando ambos do pó da terra. porém não agiu assim, mas primeiro fez
Adão, logo declarou que não era bom que o homem estivesse sozinho
(Gn 2:18). Por isso lhe proveu uma ajuda idônea às suas necessidades.
Deus formou Eva de uma das costelas de Adão, para que fosse sua
esposa. Deus a apresentou a Adão, o qual cantou sua canção nupcial:
«Esta agora é osso dos meus ossos e carne da minha carne; ela será
chamada varoa, porque do varão foi tomada» (Gn 2:23, TB)
Muitas pessoas creem hoje em dia que a criação de Adão e Eva é
uma história dos começos da história humana e que, portanto, pouco e
nada tem a dizer para a época atual. No entanto, ainda é verdade que na
criação Adão foi criado primeiro e depois Eva (1Tm. 2:13). Deus fez
esta diferença para sempre, e com ela revelou qual era Seu desígnio e
propósito para os sexos. Embora o homem e a mulher sejam iguais
diante de Deus e em Cristo (Gl 3:28), foi-lhes atribuído papéis
diferentes. A responsabilidade do esposo está principalmente em ser
cabeça do lar, e a esposa cumpre o papel de colaboradora. Esta relação
não deve ser alterada, porque a história da criação ensina «que a mulher
tem uma orientação não-reversível para o homem como o ponto de
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 534
34
referência de sua vida». O fato de que Eva tenha sido criada para
ajudar a Adão sugere que está sujeita a ele. Quando Deus criou Eva
como ajuda de Adão, atribuiu-lhe um papel de apoio e submissão (Gn
2:18). Ao apelar ao relato da criação, Paulo é capaz de dizer que o
homem não foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem.
10. Por esta raz ão, a mul her deve ter autoridade sobre sua cabeça
por causa dos anjos.
a. «Por esta razão». Paulo continua o seu discurso, vinculando
estreitamente este versículo aos precedentes (vv. 7–9). A conjunção
porque (v. 8) explica o versículo 7, e a frase por certo (v. 9) mostra que
o versículo 9 entrega apoio adicional ao versículo 8. A conjunção do
versículo 10 tem a função de conectar o versículo ao argumento global.
b. «A mulher deve ter autoridade sobre sua cabeça por causa dos
anjos». Não é fácil traduzir esta porção do texto, como ficará claro pelas
seguintes versões representativas:
«sinal de autoridade» (NVI, RA)
«sinal d poderio» (RA)
«um sinal de autoridade» (CI)
«sinal de sua autoridade» (REB)
«sinal de sua independência» (BJ, cf. LT)
«divisa da autoridade do marido» (VM)
É óbvio que os tradutores se veem forçados a interpretar o texto
grego. A construção do original é concisa e obscura. No princípio desta
seção coloquei uma tradução literal, que admito carece de elegância e
clareza. Minha tradução não supre a frase sinal de e não indica se a
palavra autoridade refere-se à autoridade da esposa ou do esposo.
Ao procurar esclarecer a passagem, devemos considerar o contexto
precedente e subsequente. Até aqui, Paulo estabeleceu o princípio de que
o homem é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça do homem
e Deus é a cabeça de Cristo. Entregou indicações de como devem

34
Neuer, Man and Woman, p. 73.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 535
comportar-se os homens e mulheres enquanto oram ou profetizam. Paulo
instruiu as mulheres que se cubram para que não tragam vergonha sobre
suas «cabeças», isto é, seus esposos. Paulo defendeu sua posição indo ao
relato da criação que se encontra nos dois primeiros capítulos de
Gênesis. Agora Paulo conclui este segmento de sua discussão, dizendo
que «a mulher deve ter autoridade sobre sua cabeça por causa dos
anjos».
São muitos os eruditos que estudaram este versículo. Contudo, cada
um admite que sua interpretação tem fraquezas. Apesar de tudo o que se
sugeriu, o texto se mantém enigmático e não é capaz de comunicar seu
sentido. A seguir apresentamos as diferentes interpretações propostas:
1. Quando uma mulher ora ou profetiza em público, exibe a nova
liberdade que tem em Cristo. A mulher deriva sua autoridade de Deus, e
é capaz de demonstrar tal poder, cobrindo a cabeça. 35 A fraqueza desta
proposta é que uma discussão sobre igualdade harmonizaria bem com
Gálatas 3:28, porém na presente passagem Paulo não diz nada sobre
liberdade.
2. «Um sinal de autoridade». Muitas traduções puseram de relevo
sua leitura, acrescentando a frase sinal de ou véu. 36 Muitos comentaristas
afirmam que a palavra autoridade não aponta à autoridade da mulher,
mas sim à do esposo. O contexto diz que o esposo é a cabeça da esposa,
o que deixa a impressão que o termo autoridade equivale a submissão.
Em grego, no entanto, exousia nunca tem um sentido passivo ou
objetivo, quer dizer, não indica que alguém está sob a autoridade de
outra pessoa. Sempre tem o sentido subjetivo ou ativo que tem que ver
com a própria autoridade que alguém tem. Finalmente, esta interpretação
faz com que a preposição grega epi (= sobre) adquira o sentido de acima
de. O esposo tem autoridade sobre sua esposa. Por certo que Paulo disse
isto anteriormente (v. 3), porém não o está dizendo no versículo 10.
35
Consulte-se Morna D. Hooker, «Authority on Her Head: An Examination of 1 Cor. XI.10», NTS 10
(1963–64): 415–16.
36
SB, vol. 3, pp. 435–436; Werner Foerster, TDNT, vol. 2, pp. 573–574.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 536
3. Tem-se relacionado a palavra autoridade com o relato da criação
de Adão e Eva em Gênesis 1:26–28. Esta passagem afirma que o homem
e a mulher receberam o mandato de governar e ter autoridade sobre os
peixes, as aves e toda criatura vivente que está sobre a terra. 37 Esta
engenhosa explicação faz com que a mulher participe com o homem de
forma ativa no exercício da autoridade, mas o próprio texto não entrega o
apoio suficiente que a interpretação necessita.
4. Quando uma mulher ora ou profetiza num culto, recebe
autoridade espiritual. Não obstante, deve aceitar a posição que lhe foi
atribuída desde a criação do mundo, isto é, deve reconhecer que seu
esposo é sua cabeça. Não poderá orar no Espírito, se se rebelar «contra a
ordem da criação que foi santificada pelo Espírito de Deus». 38 Esta é
uma explicação plausível que faz justiça ao conceito de autoridade.
Contudo, tal conceito deveria estar ligado com o que segue: «por causa
dos anjos».
5. Poderia ser que, em virtude dou treinamento rabínico que Paulo
recebeu, esteja pedindo à mulher que se cubra com um véu por causa
duas anjos? A literatura de Qumran nos diz que naquele tempo se uma
mulher se apresentasse numa reunião religiosa sem o seu véu «era como
um defeito físico que deve ser excluído». 39 A ideia é que ela deve ser
excluída do culto porque os anjos, que estão presentes, se ofendem por
este tipo de defeitos. Esta forma de abordar o texto ilumina um pouco a
referência aos anjos, porém não nos ajuda com o sentido da palavra
«autoridade».
Todas estas sugestões nos ajudam a entender os problemas que
enfrentamos ao abordar o versículo 10, mas todas têm fraquezas. Os
estudiosos devem reconhecer que ainda não existe uma explicação

37
Refira-se a Hurley, «Veils», pp. 211–212.
38
Neuer, Man and Woman, p. 115.
39
Joseph A. Fitzmyer, «A Feature of Qumram Angeology and the Angels of 1 Cor. XI.10», NTS 4
(1957–58): 48–58.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 537
satisfatória. Com humildade confesso que realmente não sei o que Paulo
queria dizer neste versículo.
c. «Por causa dos anjos». Este breve versículo contém duas
conjunções causais: a primeira a traduzi «por esta razão» e a segunda
«por causa de». Alguns tradutores combinam estas duas expressões
causais com a palavra e ou também. Quer supramos um conectivo ou que
sigamos a sintaxe do grego, persiste o fato de que os eruditos não sabem
o que significa a referência aos anjos. 1 Coríntios registra quatro vezes a
palavra anjos (1Co 4:9; 6:3; 11:10; 13:1). Mas embora se estude a
palavra em cada um de seus contextos, não poderemos captar o que
Paulo quer dizer aqui. Os intérpretes terão que admitir que, apesar de
toda a pesquisa que se tem feito, não se chegou a uma explicação
aceitável desta passagem.
Embora o versículo 10 se mantenha um mistério para os tradutores,
devemos considerá-lo à luz do contexto precedente e subsequente. Paulo
afirmou que «o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a
mulher por causa do homem» (v. 9) e «por esta razão a mulher deve ter
autoridade sobre sua cabeça por causa dos anjos» (v. 10). O versículo 11
começa com o adversativo no entanto, assim Paulo muda a discussão
para sublinhar um ponto importante: «no Senhor a mulher não é [nada]
além do homem nem o homem é [nada] à parte da mulher». Este
versículo continua o dito no versículo 9, onde Paulo fala do relato da
criação. No versículo 11, Paulo dá a entender que fala da nova criação
espiritual e diz que o homem e a mulher dependem um do outro «no
Senhor». Entre estes dois versículos, Paulo coloca as enigmáticas
palavras do versículo 10, as quais atribuem autoridade à mulher. Ela
pode orar ou profetizar, sempre que cobrir sua cabeça (vv. 5, 13). Desta
maneira, a mulher possui autoridade quando mostra respeito pela
presença dos anjos. 40

40
Cf. Annie Jaubert, «Le Voile des Femmes (1 Cor. XI.2–16)», NTS 18 (1971–72): 419–30.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 538
11, 12. N o entanto, no Sen hor a m ulher não é n ada à p arte do
homem nem o homem não é nada à part e da mulher. Porque assim como
a mulher procede do homem, assim o homem vem através d a mulher, e
tudo procede de Deus.
a. Estrutura. Estes dois versículos servem de equilíbrio aos dois
versículos precedentes (vv. 8,9) e mostram quase um paralelismo
perfeito, sempre e quando tomarmos o versículo 10 como uma espécie
de parêntese. Os sujeitos (homem e mulher) dos versículos 8 e 12 estão
em ordem quiástica:

Versículo 8a,b Versículo 12a,b


Porque o homem não veio Porque assim como a mulher procede
da mulher do homem,

e sim a mulher assim o homem vem através


do homem. da mulher.

De forma semelhante, os versículos 9–11 têm a função de criar um


contraste, especialmente por meio de no entanto. Os versículos também
mostram uma estrutura quiástica.

Versículo 9a,b Versículo 11a,b


Por certo, o homem não foi No entanto, … a mulher nada é à parte
criado por causa da mulher do homem

e sim a mulher por causa nem o homem é nada à parte


do homem da mulher.

b. Intenção. O que está procurando Paulo comunicar com a


estrutura literária desta passagem? Primeiro, o versículo 8a forma um
contraste com o versículo 12b, enquanto os versículos 8b e 12b
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 539
correspondem. Paulo afirma que através do nascimento natural o homem
(e também a mulher) tem sua origem biológica por meio da mulher. Só
Adão pode dizer que Deus lhe deu vida de forma direta, outros homens e
mulheres a recebem por nascimento. Paulo não diz isso para minar a
ordem da criação, visto que no versículo 12a repete o que disse no
versículo 8b (que a mulher procede do homem). Com estes dois
versículos comunica a ideia de que no que respeita ao nascimento
natural, homens e mulheres são iguais.
Além disso, o conteúdo dos versículos 9a e 11a, reforçado pelo
adversativo no entanto, lembra-nos com força a realidade. Junto com
isto, o versículo 11 faz uma afirmação significativa: «no Senhor», a qual
eu coloquei no começo deste versículo. Com estes dois modificativos em
mente, examinemos cuidadosamente estes versículos.
Paulo afirma: «Por certo, o homem não foi criado por causa da
mulher» (v. 9), o que harmoniza com a ordem da criação. A isto
acrescenta: «No entanto, no Senhor … o homem não é nada à parte da
mulher» (v. 11b). Uma óbvia afirmação sincera! A segunda parte é
igualmente reveladora: «a mulher [foi criada] por causa do homem» (v.
9b), o qual vem seguido por: «No entanto, a mulher não é nada à parte
do homem» (v. 11a).
Paulo aponta à forma em que o esposo e a esposa dependem um do
outro, complementando-se um ao outro de forma maravilhosa. Embora o
esposo seja a cabeça da esposa, depende dela em muitas formas. Ao
mesmo tempo, a esposa necessita de seu esposo tanto como ele necessita
dela. Quando a morte ou o divórcio separam o casal, o que se
experimenta é a destruição de laço matrimonial que os unia. Enquanto o
Senhor lhes concede vida, que o esposo e a esposa estejam unidos em
amor e serviço mútuo. 41
Paulo não debilita em nada a ordem da criação. Acrescenta uma
segunda afirmação modificativa destes dois versículos: «e tudo procede

41
Calvin, 1 Corinthians, p. 233.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 540
de Deus». Com isso quer dizer que o esposo não tem nenhuma vantagem
sobre a esposa pelo fato de Adão ter sido criado primeiro que Eva. No
Senhor, os dois se mantêm numa relação de reciprocidade, e ambos
dependem e se ajudam um ao outro, pois é o próprio Deus quem
determinou que tudo seja assim. Tudo vem de Deus: o homem, a mulher,
o nascimento, as relações e a vida conjugal.

Considerações práticas em 1Co 11:11–12


O cristianismo foi e se mantém como uma força que liberta as
mulheres da opressão e do servilismo. Em muitas outras religiões, os
pais são os donos de suas filhas em virtude do nascimento. Depois o
casamento converte o esposo em dono da esposa. As mulheres não têm
liberdade, vivem em escravidão e carecem de igualdade. Até no antigo
Israel, o homem precedia à mulher. Há uma oração judaica que numa
parte da décima oitava petição, o homem agradece a Deus porque não o
fez escravo, nem gentio nem mulher. A mulher não era digna de estudar
a Escritura e lhe era negada a educação.
O Novo Testamento ensina que no básico o homem e a mulher são
iguais. Por exemplo, tanto em seu Evangelho como em Atos, Lucas
menciona homens e mulheres: Zacarias e Isabel, José e Maria, Simeão e
Ana, Ananias e Safira, Áquila e Priscila. Paulo afirma sem equívoco que
em Cristo Jesus o homem e a mulher são um (Gl 3:28). Louva às
obreiras na causa do evangelho, entre as que estavam Febe, Priscila,
Maria, Trifena, Trifosa, Pérside e Júlia (Rm 16:1–15).
Os livros de história registram os esforços missionários de
numerosas mulheres e as louvam por ter feito crescer a igreja de Cristo.
Em nosso país, as mulheres piedosas são a silenciosa força que fortalece
a igreja e a torna produtiva. Uma mãe piedosa leva seus filhos a Jesus e
os educa no temor do Senhor. Embora as mulheres cumpram papéis
distintos aos dos homens, em casa e na igreja ambos estão em pé de
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 541
igualdade. Ambos dependem um do outro (1Co 11:11), porque ambos
percebem que dependem do Senhor para tudo (1Co 11:12).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 11:7–12


Versículo 7
μ_ν … δέ — estas duas partículas formam um contraste definitivo
entre o homem e a mulher. Notemos que a palavra _νήρ (=homem)
carece de artigo definido, mas a palavra γυνή (=mulher), sim, o leva.
_φείλει — «deveria». Neste caso diz-se o que o homem não deveria
fazer. No versículo 10 o mesmo verbo diz o que a mulher deveria fazer.
Não é simples coincidência que Paulo use esta estrutura de oração e
escolha estas palavras.

Versículo 10
_ξουσίαν _χειν — «ter autoridade». Os quatro evangelistas usam
esta frase para descrever a autoridade de Jesus ou de Deus, o Pai. Mas
em 1 Coríntios, Paulo aplica a palavra _ξουσία (=autoridade) a Cristo, a
si mesmo, aos outros apóstolos e cristãos. 42 Algumas poucas versões
antigas e testemunhas da patrística registram a variante κάλυμμα (=véu),
recurso que se usou para procurar explicar o texto. Esta leitura é de
duvidosa autenticidade.

Versículos 11–12
πλήν — a partícula adversativa no entanto aparece na conclusão de
um argumento para resumir um ponto principal. 43
_κ … διά — a primeira preposição indica a fonte («de»), a segunda
agência («através de»).

42
1Co 7:37; 8:9; 9:4,5,6,12,18; 11:10; 15:24.
43
Robertson, p. 1187; BAGD, p. 669.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 542
τ_ πάντα — o artigo definido expressa a totalidade de todas as
coisas sob o controle de Deus.

c. O homem e a mulher outra vez. 1Co 11:13–16

Um estudo cuidadoso dos versículos 13–15 demonstrará que Paulo


usa fraseologia idêntica aos versículos 4–7. As palavras que ocorrem
nestas duas seções são as seguintes: mulher, descoberta, orar, homem,
glória. Assim como os primeiros dois versículos (vv. 2, 3) introduzem
toda esta seção, assim o versículo 16 lhe serve de conclusão. 44 Em suma,
este segmento é uma peça de literatura belamente construída que segue
um desenvolvimento ordenado, à medida que Paulo ensina a respeito da
relação homem-mulher dentro do culto.
13. Julgai por vós m esmos: É próp rio que uma mulher ore a Deus
com sua cabeça descoberta?
a. Mandato. Ao chegar a suas observações finais, Paulo quer que os
leitores se envolvam, pensando no que ele veio expondo. Diz-lhes que
analisem os fatos, usem sua mente e julguem por si mesmos. Em outra
seção diz o mesmo (veja-se 1Co 10:15).
b. Perguntas. Por meio de duas perguntas retóricas, Paulo desafia
os seus leitores a responder. 45 Espera que respondam negativamente à
primeira pergunta (v. 13) e afirmativamente à segunda (vv. 14, 15a).
Discutamos a primeira inquietação: «É próprio que uma mulher ore a
Deus com sua cabeça descoberta?». Com base no que Paulo disse que a
mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta desonra a sua
cabeça (v. 5a), o leitor deveria responder de forma negativa à pergunta
que lhe é feita. Notemos que na pergunta que faz, Paulo omite o verbo

44
Thomas P. Shoemaker, «Unveiling of Equality: 1 Corinthians 11:2–16», BTB 17 (1987): 60–63. Cf.
Murphy-O’Connor, «1 Corinthians 11:2–16 Once Again», p. 274.
45
Alan Padgett («Paul on Women in the Church: The Contradictions of Coiffure in 1 Corinthians
11:2–16», JSNT 20 [1984]:69–86), traduz as perguntas dos versículos 13–15a como orações
declarativas, mas carece do apoio de editores e tradutores.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 543
profetizar, visto que não quer sublinhar tanto a função que a mulher
cumpre no culto, mas a forma em que se conduz.
Paulo pergunta se é próprio. Quando se assiste e participa num culto
dedicado a adorar a Deus, a pessoa deve fazê-lo com decoro. Quando
adoramos ao Senhor aproximamo-nos de um Deus que habita na
santidade. Os anjos cobrem o rosto na presença de Deus e dizem:
«Santo, santo, santo, é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia
da sua glória» (Is 6:2, 3). Por isso, Paulo pergunta se é próprio que uma
mulher ore a Deus com a cabeça descoberta. Esperava-se que ela
seguisse as práticas culturais da época, isto é, que viesse à igreja vestida
apropriadamente e que assim participasse do culto.
O que Paulo quer dizer com cabeça descoberta? Ele diz à mulher
que em público ela deveria manter sua honra e dignidade feminina. Isto o
fará tendo a cabeça coberta. Nessa época e cultura, as mulheres usavam
véus para diferenciar-se marcadamente dos homens. Deus criou uma
diferença distintiva entre homens e mulheres, e deseja que o Seu povo
mostre esta diferença mediante uma veste apropriada. Se uma mulher
recusa seguir estes códigos, nega expressamente a diferença que Deus
estabeleceu.
Nos dois versículos seguintes (vv. 14, 15), Paulo apela à própria
natureza para demonstrar que as diferenças entre homens e mulheres está
baseada num ordem natural que se origina na criação. Em outras
palavras, Paulo afirma que as mulheres não têm direito a abandonar as
normas culturais pelo fato de que são livres em Jesus Cristo. Antes,
Paulo quer que vivam em harmonia com a ordem da criação e que se
mantenham dentro dos costumes de seu tempo. É próprio que uma
mulher de Corinto adore a Deus com a cabeça descoberta? A resposta é
não.
14, 15. Não vos ensina a própria natureza que é uma des graça que o
homem deixe o cabelo crescer, mas se um a mulher deixa o cabelo crescer,
é sua glória? Porque seu cabelo longo foi dado a ela por coberta.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 544
a. «Não vos ensina a própria natureza?». Com a palavra natureza,
Paulo aponta à ordem natural que Deus criou. Quando Deus criou o
homem e a mulher, o homem recebeu o cabelo mais curto que a mulher.
«A natureza (isto é, Deus) fez os homens diferentes das mulheres, e
proveu uma indicação visível de tal diferença por meio da quantidade de
cabelo que atribuiu a cada um». 46 Epicteto foi um filósofo estoico que
ensinou nos meados do primeiro século. Até ele fala da diferença que há
entre homens e mulheres com relação ao cabelo. Conclui: «Portanto,
devemos preservar os sinais que Deus nos deu. Não devemos jogá-las no
lixo. Até onde dependa de nós, não devemos confundir os sexos que se
diferenciam deste modo». 47 Até este escritor pagão reconhece a
diferença que Deus criou e que fez parte da ordem da criação.
b. «[Não vos ensina a própria natureza] que é uma desgraça que o
homem deixe o cabelo crescer». Paulo coloca uma pergunta retórica que
demanda uma resposta afirmativa. No contexto cultural em que Paulo se
movia, o cabelo longo considerava-se como uma desgraça no homem
mas era a glória da mulher. Os judeus cortavam o cabelo. Em certas
ocasiões o deixavam crescer por um tempo determinado, pois tinham
feito um voto (veja-se At 18:18; 21:24), mas depois o cortavam.
As moedas, estátuas e pinturas que descrevem os homens do mundo
greco-romano do primeiro século, apresentam-nos com o cabelo curto.
Uns séculos antes, os espartanos da península do Peloponeso usaram o
cabelo longo. Os autores gregos não deixaram de mencionar este fato,
acrescentando que na Grécia os homens em geral deixam o cabelo curto,
e são as mulheres que o deixam crescer. 48 No tempo de Paulo, os
coríntios cortavam o cabelo, seguindo assim a corrente cultural de gregos
e romanos. A não ser por motivo religioso ou por luto, o deixar o cabelo
crescer era vergonhoso.

46
Barrett, First Corinthians, p. 256.
47
Epicteto 1.16.9–14.
48
Heródoto 1.82.7; Plutarco Moralia 267B.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 545
c. «Mas se uma mulher deixa o cabelo crescer, é sua glória». O
contraste cultural quanto ao cabelo encontra-se nas palavras desgraça
para os homens e glória para as mulheres. Paulo equilibra o termo
negativo com um positivo.
A contraparte da pergunta retórica que espera uma resposta
afirmativa tem que ver com a mulher. Paulo já disse que era uma
desgraça para a mulher que cortasse ou rapasse o cabelo (v. 6). Agora
postula a parte positiva, afirmando que o cabelo longo é a glória da
mulher. Com sabedoria evita opinar sobre quão longo deve usar a mulher
o seu cabelo ou sobre que penteados deveria usar, visto que isso tem que
ver com a moda e o uso, o que é matéria do gosto de cada uma. Por
exemplo, a cultura israelita estabelecia que a mulher não devia soltar o
cabelo em público. Qualquer mulher que se apresentasse em público com
o cabelo solto, seria identificada com uma prostituta. Não admira que
Simão, o fariseu, se escandalizasse de que uma prostituta entrasse em seu
lar e que com seus cabelos secasse os pés de Jesus (Lc 7:36–50). Mas
Paulo não fala de usar o cabelo solto ou preso, só se refere ao fato de que
o cabelo longo é belo na mulher. Seu cabelo longo será a alegria de seu
esposo.
d. «Porque seu cabelo longo foi dado a ela por coberta». Esta última
parte do versículo é muito breve, o que impede de entender com
facilidade o que se diz. O que quer dizer com as palavras por e coberta?
Se tomarmos o que diz o grego na ordem em que Paulo o apresenta,
esta oração causal serve para respaldar a resposta positiva à pergunta
retórica. Paulo entrega a razão de por que a mulher deve usar o cabelo
longo: foi-lhe dado como coberta. Ao verbo passivo foi-lhe dado deve
suprir o agente por Deus, que como Criador dotou às mulheres de um
véu ou coberta natural. Contudo, a palavra grega anti (traduzida por) cria
problemas, pois poderia significar «em lugar de». Interpretada assim, o
texto estaria dizendo que o cabelo toma o lugar do véu. Neste caso,
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 546
poderíamos traduzir: «Seu cabelo longo foi-lhe dado em lugar de véu». 49
Minha própria tradução de anti indica que uma coisa equivale à outra,
pelo qual seu sentido é «por, como» 50 (p. ex., «olho por olho, dente por
dente» [Mt 5:38]). Em vista de todo o contexto que fala do decoro que é
próprio, os eruditos preferem esta segunda tradução.
Os versículos 5b e 6 são a contraparte do versículo 15b. Nessa
contraparte, Paulo diz às mulheres de Corinto que em público cubram a
cabeça. Dá-se por sentado que elas usavam uma coberta na forma de um
véu ou lenço. Se as mulheres negavam-se a usá-la, estavam renunciando
à autoridade de seus esposos e repudiando o princípio divino de que o
homem é a cabeça do lar (v. 3). No versículo 15, a palavra coberta
aponta a um artigo de vestir, a algo feito de tecido.
Na forma de uma declaração geral, a segunda oração do versículo
15 resume o argumento de Paulo: a forma de vestir dos coríntios deve
exibir as diferenças sexuais dadas na criação. Não são os homens, mas as
mulheres as que devem deixar o cabelo crescer, pois lhes serve de
coberta. A natureza proveu a mulher do cabelo, o qual lhes serve para
destacar esta diferença. Paulo sugere que, à parte de seu cabelo longo, as
mulheres devem vestir um véu, que é símbolo de que honram a seus
esposos e que são submissas a eles.
Na cultura de hoje, a mulher não usa o chapéu como símbolo de que
está subordinada ao seu esposo. Paulo não está pedindo à mulher que use
algo na cabeça ou que faça um coque. O que busca é que a mulher seja
distintivamente feminina na forma em que se veste e usa o cabelo, para
que assim possa cumprir o papel que Deus lhe deu desde a criação. Quer
que em sua feminilidade seja sujeita ao seu esposo. «A beleza única da
mulher se manifesta de forma gloriosa na forma em que seu cabelo e seu

49
Hurley, Man and Woman, p. 163.
50
Bauer, p. 73.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 547
cuidado pelos costumes femininos manifestam sua feminilidade
distintiva». 51
16. Mas se alguém se inclina a ser litigioso, nós não temos semelhante
costume, nem tampouco as igrejas de Deus.
Paulo conclui desta maneira sua discussão a respeito da conduta
apropriada que as mulheres devem seguir. Quando um escritor ou
conferencista dá um tema que afeta os gostos pessoais, é de esperar-se
que a plateia ou os destinatários reajam de algum modo. Paulo o indica
com uma oração condicional que expõe um fato simples. No auditório de
Paulo há gente que quer afirmar seus direitos individuais. Talvez usam o
lema: «Tudo me está permitido» (1Co 6:12; 10:23) e reclamam por sua
liberdade pessoal. Mesmo quando Paulo promove a liberdade cristã,
também ensina que devemos obedecer às ordenanças e preceitos divinos.
Seu desejo é que tudo se faça decentemente e com ordem.
a. «Mas se alguém se inclina a ser litigioso». Ao usar o termo
alguém, Paulo fala de forma geral. Não se dirige aos homens, nem às
mulheres, nem a um grupo. Se alguém, mesmo com boas intenções, quer
argumentar sobre esta matéria, Paulo não o ouvirá. Não tem tempo para
aquele cuja mente se centraliza em debater por debater. O termo que
Paulo usa descreve ao «que ama o polemizar». A pessoa poderia ser uma
mulher que busca afirmar-se a si mesma a respeito de normas sociais da
qual queria ver-se livre. Também poderia ser um homem que sai na
defesa e discute com Paulo. O resumo final não nos entrega detalhes.
b. «Nós não temos semelhante costume, nem tampouco as igrejas
de Deus». Paulo não se deixa desafiar quanto a ensinos que se baseiam
no Antigo Testamento. Sabe que tem o apoio do resto dos apóstolos e
que, portanto, pode escrever nós com confiança.
O que significa a palavra costume neste contexto? Calvino opinava
que Paulo apontava ao hábito de argumentar e discutir por tudo. 52 Esta

51
John MacArthur, Jr., 1 Corinthians, serie MacArthur New Testament Commentary (Chicago:
Moody, 1984), p. 235.
52
Calvin, 1 Corinthians, p. 235.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 548
conduta deve ter sido evidente entre cristãos judeus e gentios,
especialmente no que se refere a assuntos de conduta pessoal. Contudo, a
própria passagem dá a ideia que Paulo se refere à prática cultural de seu
tempo: que as mulheres usavam véus durante o culto público. O que
afirma é que ele e o resto dos apóstolos e igrejas respeitam a regra de
assistir ao culto vestidos corretamente. Em suma, Paulo apela ao
testemunho de toda a igreja. Em seus escritos, com frequência se refere à
igreja. 53 Faz com que a unidade da igreja tenha algo a dizer sobre o
tema. De forma implícita dá a entender que o litigioso está sozinho em
sua disputa, tendo que enfrentar-se com toda a igreja.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 11:13–16


Versículo 13
_μί α_τοί — esta combinação é usada em lugar do pronome
reflexivo σεαυτο_ς (= «por vós»). 54
πρέπον — o particípio neutro conota aquilo que é culturalmente
aceitável e próprio.

Versículos 14–15
_ — O Texto Majoritário registra a partícula ou ao princípio do
versículo 14, mas carece de um amplo apoio geográfico das testemunhas
textuais.
_ — Em ambos os versículos denota probabilidade: «em caso que
ocorra que …».

53
Cf. Rm 16:4, 16; 1Co 7:17; 14:33; 16:1, 19; 2Co 8:1, 18, 19, 23, 24; 12:13; Gl 1:2, 22; 1Ts 2:14;
2Ts 1:4.
54
Robertson, p. 303.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 549
Versículo 16
ε_ — esta partícula introduz uma condição que se refere a um fato
simples. Note-se que em ambas as orações, Paulo contrasta com ênfase o
pronome indefinido τις (=alguém) com o pronome pessoal _μεί (=nós).

2. A Ceia do Senhor. 1Co 11:17–34

Paulo tratou o tema do culto e do que é aceitável e próprio dentro


dele. Também falou de como o conceito «cabeça» afeta o culto. Agora
trata do tema da celebração da Ceia do Senhor. Primeiro passa em revista
os excessos que ocorriam nas reuniões dos coríntios (vv. 17–22), depois
expõe a instituição e fórmula da Santa Ceia (vv. 23–26), para terminar
falando de como a pessoa deve preparar-se para comer do pão e beber do
cálice dignamente (vv. 27–32). Paulo conclui a seção exortando à
mesura (vv. 33–34).

a. Excessos. 1Co 11:17–22

17. Mas n ão vos louvo q uando vos dou estas instruções, porque
quando vos reunis não é para melhor, e sim para pior.
a. «Mas não vos louvo quando vos dou estas instruções». Paulo
começa com um mas adversativo que separa este versículo do discurso
precedente. É a ruptura com o anterior uma ruptura completa ou parcial?
A resposta depende de como interpretemos a expressão estas instruções,
que pode referir-se ao que dirá a respeito da conduta dos coríntios
quando celebram a Ceia do Senhor. Neste caso a ruptura seria completa.
Mas a expressão poderia apontar para trás, e as instruções teriam que ver
com o que Paulo veio dizendo. Neste caso a ruptura seria parcial.
O grego diz literalmente «Mas ao vos instruir isto» (cf. CI, NTT). O
fato de que se usa o pronome singular isto (e não o plural que se vê em
algumas versões) faz com que o pronome tenha uma conotação geral.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 550
Alguns estudiosos afirmam que este pronome normalmente aponta ao
que já se disse e não ao que se está por dizer (cf. 1Co 7:6). 55 Creem que
o pronome aponta à instrução que Paulo entregou sobre qual deve ser a
conduta apropriada de homens e mulheres no culto público. Acrescentam
que as instruções que Paulo dá para a correta observância da Ceia do
Senhor (vv. 28–34) estão bastante afastadas da presente passagem.
Portanto, optam por uma ruptura parcial no contexto.
Não obstante, a opinião que prepondera é a de uma quebra completa
com o contexto precedente. Primeiro, o próprio conteúdo da passagem
revela que Paulo está introduzindo um tema novo: a Ceia do Senhor.
Paulo diz não vos louvo, a fim de formar um contraste com a forma
positiva em que falou no princípio do capítulo (v. 2) e de repetir o
negativo no versículo 22. No versículo 2, louvava os coríntios por
guardar as tradições, mas aqui os censura por comportar-se de forma tão
desordenada. Paulo deve corrigir essa conduta com a instrução
pertinente. Paulo escreve duas seções distintas (vv. 2–16 e 17–34), as
quais começa com louvor e censura respectivamente. Além disso, a
segunda parte deste versículo (v. 17) é uma oração causal que se refere
às reuniões desordenadas dos coríntios, como o mostra o resto do
capítulo. Em suma, preferimos a ideia de que aqui começa um novo
tema.
b. «Porque quando vos reunis não é para melhor, e sim para pior».
Nestas palavras, Paulo sintetiza o que ouviu sobre o mau comportamento
de seus leitores. Inteirou-se da desordem com que se despreza a igreja e
se humilha os pobres (v. 22). Além disso, a forma indigna como se
celebra a Ceia do Senhor é um pecado contra o corpo e o sangue do
Senhor (v. 27). Os cristãos não observavam as normas básicas de
urbanidade. Paulo menciona dois exemplos extremos: alguns ficavam

55
Veja-se os comentários de Barrett, p. 260; Bruce, p. 108; Grosheide, p. 264; Robertson e Plummer,
p. 238.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 551
com fome, enquanto outros se embebedavam (v. 21). Repreende os
coríntios, dizendo que suas reuniões fazem mais mal que bem.
18. Porque, em primeiro lugar, qu ando vos reunis na igr eja, ouço
que há divisões entre vós, e em parte acredito.
a. «Porque, em primeiro lugar». Quando um conferencista ou
escritor diz primeiro, espera-se que depois proceda a um segundo ponto.
Uma apresentação lógica que começa com em primeiro lugar deve
seguir com outros pontos. Mas Paulo nem sempre entrega uma sequência
ordenada de seus pensamentos. Em outro lugar Paulo também começa
enumerando o que vai dizer, porém nunca chega além do «em primeiro
lugar» (Rm 3:2). Contudo, com esta frase Paulo quer sublinhar a
importância de sua instrução. Quer que seus leitores ponham muita
atenção ao que vai dizer.
b. «Quando vos reunis na igreja». Neste contexto, a frase quando
vos reunis alude aos cultos, visto que Paulo usa a frase repetidas vezes
neste capítulo (vv. 17, 18, 20, 33, 34; e veja-se 1Co 14:23, 26). Damos
por sentado que os cultos em geral eram realizados em casas particulares
ou às vezes ao ar livre, para poder acomodar a congregação inteira. Por
outros textos do Novo Testamento sabemos que os cristãos costumavam
reunir-se para o culto, não em grandes edifícios, mas em casas
particulares que se conheciam como «igrejas domésticas». 56 Isto quer
dizer que a igreja de Corinto se reunia em grupos mais reduzidos nas
casas dos membros mais prósperos.
A expressão na igreja deve entender-se como um termo geral que
não aponta a um edifício. Aqui a palavra igreja aponta para o corpo de
Cristo reunido para o culto que se realizava em vários lugares.
Nestes cultos, as cartas de Paulo eram lidas aos membros da
congregação. Paulo mesmo instrui às igrejas a intercambiar cartas para
serem lidas (veja-se Cl 4:16; 1Ts 5:27; veja-se também Ap 1:3). Estas

56
Veja-se Rm 16:5; 1Co 16:19; Cl 4:15; Fm 2.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 552
cartas estavam no mesmo nível das Escrituras do Antigo Testamento e,
portanto, eram consideradas canônicas (cf. 2Pe 3:15–16).
c. «Ouço que há divisões entre vós, e em parte acredito». Não
sabemos como foi que Paulo ouviu destas irregularidades. Sabemos que
os membros da família da Cloe (1Co 1:10–12) haviam lhe dito que havia
divisões na igreja e que uma delegação de Corinto lhe tinha entregue um
relatório oral (1Co 16:17). Paulo não aborda assuntos teológicos nem
fala de algumas pessoas, mas trata de problemas sociais e econômicos
evidentes nos cultos da igreja de Corinto (vv. 20–22).
Várias coisas devem ter originado na congregação um espírito
divisionista. Não só estava o desejo de identificar-se com Paulo, Apolo,
Pedro ou Cristo (1Co 1:12), mas os membros da igreja procediam de
panos de fundo culturais, sociais e econômicos distintos. Estes crentes
eram judeus, gregos, romanos ou pertenciam a outros países. Alguns
eram mercadores, oficiais do governo e profissionais que pertenciam à
classe educada. Era gente próspera que vivia em casas espaçosas. Em
contraste, os obreiros e os trabalhadores portuários eram pobres e em
geral viviam em moradias alugadas.
d. «E em parte acredito». Paulo se expressa com cautela na parte
final do versículo. Como o que diz depende do que ouviu, cuida-se de
que ninguém vá inculpá-lo de falar precipitadamente. Nem todos em
Corinto são culpados de arrogância. Contudo, Paulo quer chamar a
atenção aos excessos que prevaleciam na comunidade de Corinto, e está
totalmente consciente de que parte da realidade da vida são as diferenças
sociais e culturais.
19. Porque deve h aver dissensões entre vós, par a que os q ue são
[crentes] provados, se tornem evidentes entre vós.
a. Dificuldades. Tradutores e comentaristas ficaram perplexos com
este versículo. Primeiro, algumas versões inglesas colocam o texto entre
parêntese, para indicar que é uma nota explicativa que poderia ter sido
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 553
57
relegada a uma nota à margem. Outros começam a primeira oração do
versículo com uma tradução que indica uma ideia adversativa ou de
consentimento: «no entanto», «sem dúvida». 58 Segundo, o próprio texto
exibe a palavra dissensões como uma variante do termo divisões que
aparece no versículo 18. O texto registra o adjetivo provados, ao que
deve acrescentar-se o crentes. Por último, duas vezes ocorre a frase entre
vós. É difícil traduzir o versículo.
b. Explicações. Embora este texto se afaste ligeiramente do
discurso, não é necessário colocá-lo entre parêntese. De fato, a expressão
portanto do versículo 20, tira uma conclusão baseada no que se diz no
versículo 19.
Paulo é realista e observa que o evangelho de Cristo produz
divisões. Não aprova o cisma que a igreja sofre, mas afirma que os
crentes devem apartar-se de companhias que se opõem ao evangelho.
Afirma que os crentes devem separar-se dos não crentes (refira-se a 2Co
6:14, 18).
Num versículo (v. 18) Paulo fala contra o cisma e no seguinte
versículo consente as dissensões (v. 19). Não obstante, estes versículos
não se contradizem. Na igreja produzem-se cismas, enquanto as
dissensões, no bom sentido da palavra, são o separar-se voluntariamente
dos que não ensinam a doutrina de Cristo. O resto do versículo apoia esta
interpretação da palavra dissensões, «para que os que são [crentes]
provados, se tornem evidentes entre vós». 59
Os crentes provados são os que Deus aprova porque passaram bem
a prova a que foram submetidos. Tendo sido provados na batalha
espiritual, são reconhecidos entre o povo de Deus como cristãos
genuínos. 60 Estes são crentes que rejeitam as coisas do mundo. Amam e

57
Veja-se NCV, GNB.
58
LT, NVI, BJ.
59
Consulte-se Henning Paulsen, «Schisma und Häresie. Untersuchungen zu 1 Kor 11,18.19», ZTK 79
(1982): 180–211.
60
Consulte-se Gerd Schunack, EDNT, vol. 1, pp. 341–342; Walter Grundmann, TDNT, vol. 2, p. 259.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 554
obedecem a Deus, apegam-se a Cristo pela fé e Lhe demonstram
lealdade na igreja e na sociedade.
Neste versículo, a frase entre vós ocorre duas vezes: primeiro
quanto às dissensões e depois com relação aos crentes. Alguns
manuscritos omitem um ou ambos os eventos. No entanto, há um forte
apoio textual para aceitar ambas como leituras genuínas. Paulo diz que
os incrédulos se infiltrarão entre os crentes da igreja de Corinto, e que
causarão discórdias com seu ensino e forma de vida. Frederic Louis
Godet escreve: «a Segunda Epístola aos Coríntios demonstra o pouco
que se demorou em ocorrer o que Paulo antecipava». 61 Os verdadeiros
seguidores de Cristo tiveram que opor-se aos incrédulos de seu meio.
c. Necessidade. No grego, o versículo começa com a palavra dei,
que denota necessidade, não obrigação. Paulo diz aos leitores que é
necessário que ocorram dissensões entre eles, pois elas revelarão o
melhor de cada crente verdadeiro. Deus leva a cabo Seus próprios planos
para fortalecer os cristãos em tempos de prova e para castigar os
incrédulos por suas obras ímpias.

Considerações práticas em 1Co 11:18–19


As barreiras de linguagem, cultura e geografia separam os crentes.
Nos começos da história da igreja, as diferenças linguísticas entre as
viúvas em Jerusalém fizeram com que um grupo fosse desatendido (At
6:1). O fato de que na igreja antiga se traduziram as Escrituras do Novo
Testamento a vários idiomas (p. ex., latim, copto, siríaco) é uma
indicação de que tinham surgido várias igrejas de acordo com certa
orientação geográfica e linguística.
Durante a Idade Média, surgiram muitos grupos distintos dentro da
igreja romana. Do tempo da Reforma, as igrejas protestantes sofreram
uma fragmentação incrível. Hoje poderíamos comparar a igreja a uma

61
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), p. 569.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 555
árvore de numerosos ramos e brotos que formam uma unidade. A figura
da árvore ajuda a explicar a origem e as raízes das denominações.
Contudo, a unidade parece ser esquiva. Até se afirmássemos que a
unidade não implica uniformidade, sabemos que a oração de Jesus nos
chama a lutar pela unidade da igreja cristã (veja-se Jo 17:21).
Unidade e verdade devem ser as duas caras de uma mesma moeda.
Quando os crentes confessam e sustentam a verdade da Escritura, a
unidade supera as barreiras linguísticas, culturais e geográficas. Por
outro lado, jamais se deve conseguir a unidade e a harmonia às custas da
verdade.
Os cristãos devem separar-se das forças da incredulidade e da
desobediência. Muitas exortações da Escritura lhes impõem o dever de
separar-se dessas forças (2Co 6:14–18). Por outro lado, os crentes devem
lutar por manter, defender e promover a unidade do corpo de Cristo. Aos
líderes da igreja não lhes costa nada dividi-la, mas é tremendamente
difícil restabelecer os laços.
De forma concisa, Paulo descreve algumas condições deploráveis e
censura a falta de consideração que os coríntios tinham por seus irmãos e
irmãs em Cristo que eram pobres. Repreende-os por suas má maneiras e
lhes diz que não os pode louvar (v. 22). Ensina-lhes como devem
celebrar a comunhão e os aconselha a esperar uns aos outros quando se
reúnem para a comida de comunhão (vv. 27–33). Embora dada em outro
contexto, a deliciosa «carta de amor» de Paulo (cap. 13) contém
instruções explícitas de como as pessoas abastadas de Corinto deviam
praticar o amor fraternal.
20. Portanto, quando vos reunis no mesmo lugar, não é para comer a
Ceia do Senhor.
Paulo usa a expressão portanto para resumir o contexto precedente
(vv 17–19) e a primeira oração serve para repetir o que disse no
versículo 18. Naquele versículo menciona a igreja. Aqui a chama «o
mesmo lugar». Quer fale da igreja que se reúne num lugar particular (cf.
14:23) ou em casas particulares, não é importante para o presente
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 556
versículo. O que Paulo deseja é que toda a igreja esteja unida, o que só
pode ser conseguido no contexto do amor. Sabe que as divisões na igreja
de Corinto minam seriamente o amor genuíno entre o povo de Deus.
O versículo 20 carece de equilíbrio, o que o torna torpe
gramaticalmente. Esperaríamos encontrar equilíbrio literário, quer dizer,
esperaríamos que as duas orações contenham ao menos um verbo finito
cada uma. Mas este não é o caso, porque a segunda oração contém um
verbo impessoal: «comer». Esta volta confunde e poderia levar a
entender-se erroneamente o texto. Fala Paulo de não comer totalmente a
Santa Ceia ou afirma que já não é apropriado que os coríntios o façam?
À luz das discórdias na igreja, supomos que Paulo alega que não é
apropriado que os coríntios participem da Comunhão. Quando os crentes
se reúnem como assembleia, não podem celebrar apropriadamente a Ceia
do Senhor, porque suas ações carentes de amor e sua conduta indecente
tornam impossível uma celebração verdadeira. Os coríntios já não
honram o Senhor quando se reúnem para comer ou para a Santa
Comunhão.
Em sua história da igreja primitiva, Lucas se refere à celebração da
Comunhão como «o partir o pão» (At 2:42; 20:7, 11). Paulo a chama «a
Ceia do Senhor». A expressão do Senhor só ocorre mais uma vez em
todo o Novo Testamento, em Apocalipse 1:10, onde João fala do «dia do
Senhor». Isto quer dizer que tanto a Ceia como o dia pertencem a nosso
Senhor Jesus Cristo. Supomos que a expressão Ceia do Senhor era
comum no tempo em que Paulo escrevia aos coríntios e que a expressão
dia do Senhor ficou bem estabelecida a fins do primeiro século.
21. Porque ao comer, cada um to ma sua ceia antes que outros ; um
fica com fome e outro se embebeda.
Embora a informação que Paulo proporciona seja escassa, inferimos
que a conduta dos coríntios foi inconsistente em suas festas de amor
cristão. O que é que sabemos a respeito destas festas? Lucas nos diz que
depois do Pentecostes, a igreja primitiva se reunia em seus lares para
compartilhar alimentos em comidas comunitárias (At 2:46). A prática de
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 557
compartilhar alimentos entre crentes chegou a ser a marca da igreja
cristã. Os cristãos reuniam-se para comer juntos e para participar dos
elementos da Ceia do Senhor (At 20:7, 11). Nestas reuniões os crentes
demonstravam uns aos outros o amor de Cristo em palavra e obra. Não
obstante, rapidamente tornou-se comum discriminar os pobres (veja-se
Jd. 12; cf. 2Pe 2:13).
É muito provável que os coríntios fizessem distinções de classe nos
cultos e nas festas de amor. Os membros proeminentes recebiam
tratamento preferencial. Os ricos consumiam a comida selecionada de
suas próprias despensas, deixando as sobras para os pobres. 62 Não
tinham a paciência para esperar que todos chegassem, 63 mas começavam
a comer antes de chegarem os trabalhadores e os escravos. Conjeturamos
que quando por fim chegavam alguns dos pobres que não puderam
chegar mais cedo, encontravam que já se tinham comido tudo. Paulo os
descreve como os que ficavam com fome. Em contraste, os ricos tinham
passado o tempo comendo até fartar-se e bebendo até ficar bêbados. A
frase cada um refere-se ao rico, não ao pobre.
22. Porque acaso não tendes casas pa ra comer e beber ou desprezais
a igreja de Deus e envergonhais os que na da têm? O que vo s direi?
Louvar-vos-ei? Nisso não vos louvo.
a. «Porque acaso não tendes casas para comer e beber?». Paulo
agora expõe uma série de perguntas. A primeira é retórica e demanda
uma resposta afirmativa. Esta não é uma indagação dirigida a todos os
destinatários. De maneira nenhuma. Paulo confronta com denodo os
prósperos proprietários e lhes diz que comam e bebam em casa. Dá-lhes

62
Gerd Theissen, The Social Setting of Pauline Christianity: Essay on Corinth, editado e traduzido
por John H. Schütz (Philadelphia: Fortress, 1982), pp. 145–174.
63
Escavações na antiga Corinto nos deram uma ideia das dimensões das casas. Os refeitórios destas
casas podiam acomodar um número limitado de gente. De vinte a trinta pessoas podiam comer
sentados, enquanto o resto dos convidados ficaria de pé. Consulte-se Jerome Murphy-O’Connor, St.
Paul’s Corinth: Texts and Archaeology, Good News Studies, vol. 6 (Wilmington, Del.: Glazier,
1983), p. 159.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 558
a entender que nem sequer deveriam assistir às festas de amor, se
carecerem de amor e consideração pelos pobres.
b. «Ou desprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada
têm?». Lucas relata em Atos que pessoas ricas tornaram-se membros da
igreja. Por exemplo, Lucas menciona ao procônsul romano Sérgio Paulo
em Chipre (At 13:6–12), a mercadora Lídia de Tiatira (At 16:14) e a
Tício Justo em Corinto (At 18:7, RA). Contudo, os ricos eram uma
minoria e os pobres a maioria. Estão os ricos em Corinto desprezando os
pobres? As pessoas humildes poderão ser pobres materialmente mas são
ricas espiritualmente, e ocorre com frequência que com relação ao rico
ocorre o contrário. Por certo, de uma perspectiva espiritual, os pobres
deveriam gloriar-se em sua alta posição (Tg 1:9).
Paulo repreende os ricos por menosprezar os pobres que são seus
irmãos e irmãs espirituais. Os ricos desprezam a igreja, que é o corpo ao
qual pertencem. Deveriam notar que Jesus, cabeça do corpo, ama e
estima cada membro. Além disso, nenhuma parte do corpo pode dar-se o
luxo de ignorar a outra parte (veja-se 12:14–27). Paulo se serve de uma
pergunta retórica para abordar os ricos, e lhes pergunta se percebem que
ao humilhar os pobres estão desprezando a igreja. Para sua própria
vergonha teriam que admitir que assim era.
c. «O que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisso não vos louvo». Paulo
usa duas perguntas para indicar que quase não tem palavras. Coloca o
problema diante de seus leitores e lhes pede que o ajudem a encontrar as
palavras corretas: «O que vos direi? Louvar-vos-ei?». Eles sabem qual é
a resposta à segunda pergunta. Terão que admitir que não merecem ser
louvados. Para pôr de relevo sua desaprovação, Paulo repete o que já
disse anteriormente: «Nisso não vos louvo» (v. 17).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 559
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 11:17–22
Versículo 17
παραγγέλλων — é o gerúndio de παραγγένλλω (=mandar, instruir)
e denota o modo em que Paulo sublinha por que não pode louvar os
coríntios.
κρε_σσον, _σσον — estes dois advérbios comparativos têm um
significado positivo: «melhor … pior». 64

Versículo 18
μέν — esta partícula não tem contraparte no versículo seguinte (v.
19), mas os versículos 20–22 implicam um contraste sem que apareça
esperada partícula δέ. BDF interpretam πρ_τον (=em primeiro lugar)
como se quisesse dizer: «do mesmo princípio». 65
_ν _νκκλησί_ — esta frase sem artigo definido («em [a] igreja») é
sinônima de _π_ τ_α_τό («no mesmo lugar»), que aparece no versículo
20.
_κούω — o verbo escuto realmente quer dizer «informam».

Versículo 19
γ_ρ καί — esta combinação é o contrário a κα_ γάρ (=por certo) e
quer dizer «porque também», «porque precisamente». 66
δόκιμοι — é um adjetivo que quer dizer «aprovados» (pl.) e que
provém do verbo δοκιμάζω (provar, examinar [v. 28]). Veja-se Rm
14:18; 16:10; 2 Cor. 10:18; 13:7; 2Tm 2:15; Tg 1:12.

64
BDF § 244.2.
65
Ibid., § 447.4.
66
BAGD, p. 151.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 560
Versículos 20–21
σονερχομένων _μώ — trata-se de uma construção no genitivo
absoluto que aqui aparece com um gerúndio e um pronome pessoal em
caso genitivo: «quando vos reunis». Contudo, o sujeito do verbo _στιν é
impessoal, o qual resulta numa construção um tanto torpe.
προλαμβάνω — «toma de antemão». Primeiro, este é um presente
iterativo ou habitual, que mostra que a ação ocorria com frequência em
Corinto. 67 Segundo, a preposição πρό (=antes de) não perdeu sua força
temporal no contexto em que Paulo usa o verbo. 68

Versículo 22
μή — esta partícula negativa é usada numa pergunta retórica
quando se espera uma resposta afirmativa. A partícula ο_κ nega o verbo
tendes.
_σθίειν — «comer». O infinitivo presente é usado para indicar um
fato que se repete. Os dois versículos precedentes (vv. 20, 21) registram
o infinitivo aoristo φαγε_ν (=comer) que tem força constativa.
ε_πω — este é o subjuntivo aoristo do verbo dizer, assim como
_παινέσω é o subjuntivo aoristo do verbo louvar. Em duas perguntas
sucessivas, Paulo usa os subjuntivos deliberadamente. O futuro
indicativo _παινώ aparece na seguinte oração declarativa.

67
Consulte-se Robertson, p. 880.
68
Refira-se Liddell, p. 1488; Burghard Siede, NIDNT, vol. 3, p. 750; Gerhard Delling, TDNT, vol. 4,
p. 14. Por contraste, veja-se o cuidadoso estudo de Bruce W. Winter, «The Lord’s Supper at Corinth:
An Alternative Reconstruction», RTR 37 (1978): 73–82.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 561
b. Instituição. 1Co 11:23–26

Quando as igrejas celebram a Santa Comunhão, ouvem as palavras


que Paulo recebeu do Senhor e que ele passou aos crentes. As palavras
desta passagem particular são a fórmula usada para observar a Ceia do
Senhor. O que queremos dizer é que usamos as palavras que Paulo
escreveu aos coríntios e não as que estão nos Evangelhos. Tanto as
palavras como a sequência que apresentam os Evangelhos são distintas
às que Paulo coloca neste capítulo. No comentário dos seguintes
versículos (vv. 23–26) discutiremos estas diferenças.
23, 24. Porque eu recebi do Senhor o mesmo que vos transmiti, que o
Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou pão e, tendo dado
graças, o partiu e disse: «Este é o meu cor po, que é por vós. Faz ei isto em
memória de mim».
a. «Porque eu recebi do Senhor o mesmo que vos transmiti».
Quando Paulo disse aos coríntios que não sabia o que dizer (v. 22)
estava lhes dizendo que estava perplexo, porém não afirmava que não
tinha nada a dizer. Pelo contrário, como pai da igreja de Corinto, ensina-
lhes o significado e a maneira correta de celebrar a Ceia do Senhor. Os
crentes devem entender que quando comem o pão e bebem do cálice do
Senhor, nesses momentos são convidados à Sua mesa. Se os cristãos
participarem sem amar a outros membros da igreja, desonram o próprio
Senhor. Por essa razão, devem aprender as palavras que o Senhor
pronunciou quando instituiu a Ceia.
Paulo diz que recebeu do Senhor a fórmula da Comunhão. Quer
dizer que Jesus lhe comunicou esta fórmula quando Paulo se converteu
ou em alguma visão subsequente? Qualquer destas duas alternativas
poderia ser certa. Mas o Senhor Jesus também comunicou a Paulo a Sua
palavra indiretamente, como o fez por meio de Ananias em Damasco (At
9:17). Assim que, Paulo poderia estar dizendo que alguém dos apóstolos
lhe ensinou as palavras da instituição da Santa Ceia. De fato, Paulo
esteve quinze dias na companhia de Pedro (Gl 1:18). Conjeturamos que
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 562
Paulo recebeu a informação através dos apóstolos. Não obstante, a
revelação primeiro veio de Jesus, quem é o Senhor desta tradição e
aquele que em pessoa dirige o desenvolvimento da igreja. 69
As palavras recebi e transmiti são termos técnicos que denotam os
elos individuais da cadeia da tradição. (Em outro lugar Paulo alude a esta
transmissão de revelação divina [cf. veja-se 1Co 15:3]. Um exemplo
perfeito é sua pregação em Tessalônica, onde verbalmente transmitiu o
evangelho aos tessalonicenses. Por sua vez, eles o comunicaram
verbalmente às pessoas por toda Macedônia e Acaia [1Ts 1:5–8].) As
palavras da instituição se originaram com o Senhor, não com Paulo.
Portanto, são palavras divinas que se deve honrar, obedecer-se e
transmitir-se. Paulo afirma que recebeu do Senhor as palavras da Santa
Comunhão através dos apóstolos e que ele agora as transmite aos
coríntios. Espera que aceitem este sagrado depósito e tradição que
deverão passar a outros.
b. «Que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue». Confiamos
que os destinatários estavam familiarizados com o relato a respeito dos
fatos relacionados com a traição e prisão de Jesus. Ao acrescentar Jesus
a Senhor, Paulo dirige a atenção de seus leitores à vida terrestre de Jesus
e à humilhação que teve que experimentar. Mas notemos o contraste:
enquanto os adversários de Jesus tramavam suas intrigas para prendê-Lo
e matá-Lo, o Senhor instituía o sacramento da Santa Comunhão.
Para descrever o ato da traição, Paulo usa um verbo grego em
tempo imperfeito, e assim indica uma ação que estava em progresso. Só
Paulo dá esta informação como introdução às palavras que Jesus
pronunciou. Os evangelistas colocam a instituição no contexto imediato
da festa da Páscoa e no contexto mais amplo da agonia de Jesus no
Getsêmani e de Seu sofrimento e morte no Calvário. Desta maneira a
Ceia do Senhor coloca-se dentro de seu contexto histórico. Mas Paulo

69
Cf. Robert Paul Roth, «Paradosis and Apokalupsis in 1 Corinthians 11:23», LuthQuart 12 (1960):
64–67.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 563
revela que a Comunhão também é o repetido ato de entregar e receber o
sacramento até que o Senhor volte (v. 26).
c. «[Jesus] tomou pão e, tendo dado graças, o partiu». O grego tem
as mesmas palavras que Lucas 22:19. A narração de Mateus 26:26 e de
Marcos 14:22 são quase idênticas na tradução, exceto por uma forma
verbal distinta para «deu graças». Os relatos dos Evangelhos especificam
que Jesus entregou o pão aos Seus discípulos. Mas Paulo omite este
detalhe, pois talvez queria subministrar um contexto mais geral aplicável
a todo aquele que participa do pão.
As palavras da fórmula ecoam de outras tradições ou
acontecimentos. Por exemplo, na alimentação dos cinco mil, Jesus
tomou pão, olhou ao céu, deu graças e o partiu. 70 Os pais judeus seguiam
o mesmo ritual para a comida ou na Páscoa. Perto do final da celebração
da Páscoa, Jesus instituiu a Ceia do Senhor tomando pão, o qual era uma
referência ao Seu próprio corpo que dentro de pouco seria entregue ao
sofrimento e à morte.
d. «E disse: ‘Este é o meu corpo, que é por vós. Fazei isto em
memória de mim’». Os evangelistas também registram esta declaração
de Jesus. Comparemos suas palavras com as de Paulo, para o qual
ofereço minha própria tradução:

Mateus 26:26 Marcos 14:22 Lucas 22:19 1 Coríntios 11:24

Tomai Tomai;
e comei;
Este é meu corpo. Isto é meu corpo. Este é o meu corpo Este é o meu corpo,

que por vós é dado que é por vós.


Fazei isto em Fazei isto em
memória de mim memória de mim

70
Mt 14:19; Mc 6:41; Lc 9:16, e veja-se Jo 6:11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 564
Os relatos de Mateus e Marcos são quase idênticos, como são os de
Lucas e Paulo. Uma diferença entre Mateus e Marcos é que o primeiro
registra o imperativo comei. Da mesma forma, Lucas tem o verbo dado
que Paulo omite. Lucas e Paulo não registram o mandato tomai e comei
no princípio do dito de Jesus. Por outro lado, só Paulo e Lucas registram
o mandato de Jesus: «fazei isto em memória de mim». Os quatro têm as
palavras Isto é o meu corpo.
Do tempo da Reforma, os teólogos têm discutido o significado das
palavras Isto é o meu corpo. Um comentário não é o lugar para um longo
ensaio teológico. Mas farei algumas observações. O pedaço de pão que
Jesus sustentava em Sua mão não se transformou em Seu corpo físico; o
pão continuou sendo pão. Foi um símbolo que representava a realidade
do Seu corpo. Assim como a pomba que desceu sobre Jesus no dia em
que foi batizado representava o Espírito Santo, assim o pão representa o
corpo do Senhor. 71
Jesus disse aos Seus discípulos: «Este é o meu corpo, que é por
vós». Na véspera de Sua morte, o Senhor falou de forma profética a
respeito de Seu corpo físico que seria cravado à uma cruz como expiação
pelo pecado. Seu corpo seria entregue por todos os que creem em Cristo
e participam do pão na Comunhão. Jesus afirmou que morreria no lugar
deles (cf. Rm 5:7, 8).
O que podemos dizer a respeito do exaltado e invisível corpo do
Cristo que subiu ao céu? O pão que o crente come é um símbolo desse
corpo glorificado que agora está no céu. Através do Espírito Santo e pela
fé, os que participam do pão unem-se em comunhão com Cristo e
experimentam Sua presença e poder sagrados.
O mandamento «fazei isto em memória de mim» pode-se entender
em sentido subjetivo e objetivo. Do ponto de vista objetivo, aponta à
oração que elevamos a Deus para pedir que em Sua graça lembre o

71
Calvin, 1 Corinthians, p. 245.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 565
72
Messias e que traga o Seu reino quando Ele aparecer. Em sentido
subjetivo, quer dizer que ao participar da Ceia do Senhor, lembramos
Sua morte na cruz. Destas duas interpretações, a segunda parece mais
pertinente ao contexto. A igreja de Corinto não celebrava corretamente a
Ceia do Senhor (vv. 20, 21). Precisavam lembrar a morte de Jesus e
refletir nas implicações que tinha para eles. Por conseguinte, Paulo
repete as palavras de Jesus para lembrar aos coríntios que a Ceia do
Senhor é um ato recordatório. 73
Paulo afirma que ao comer o pão e beber do cálice, proclamamos a
morte do Senhor (v. 26). Jesus mandou que o fizéssemos repetidamente,
para que lembremos Sua morte. Mas a Comunhão significa muito mais
que lembrar a morte de Cristo. Também lembramos Sua obra redentora,
Sua ressurreição e ascensão, Sua promessa de que estará sempre com
Seu povo e Sua segunda vinda. 74

Considerações práticas em 1Co 11:23–24


Qual é o significado da Ceia do Senhor quando um cristão participa
dos elementos? Lembro da primeira vez que tive o privilégio de
participar. Por semanas tinha estado esperando a celebração da Santa
Ceia, mas meu espírito de expectação se apagou quando comi e bebi com
o resto dos comungantes. Esperava uma descarga sobrenatural de poder
divino, porém não ocorreu nada milagroso durante o culto. Pensei a
respeito da morte de Cristo na cruz do Calvário, o perdão dos pecados e

72
Joachim Jeremias, The Eucharistic Words of Jesus, traduzido por Norman Perrin da 3ª. ed. revisada
alemã (Nova York: Charles Scribner’s Son, 1966), p. 252; Richard J. Ginn, The Present and the Past:
A Study of Anamnesis (Allison Park, Penn.: Pickwick Publications, 1989), p. 20.
73
Fee, First Corinthians, p. 553. Consulte-se também Fritz Chenderlin, «Do This as My Memorial».
The Semantic and Conceptual Background and Value of Anamnesis in 1 Corinthians 11:24–25,
Analecta Biblica 99 (Roma: Biblical Institute Press, 1982); M.H. Sykes, «The Eucharist as
‘Anamnesis’», ExpT 71 (1960): 155–18.
74
Consulte-se Otfried Hofius, «Herrenmahl und Herrenmahlsparadosis. Erwägungen zu 1 Kor 11,23b-
25», ZTK 85 (1988): 371–408; «To sōma to hyper hymōn 1 Kor 11,24», ZNW 80 (1989): 80–88.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 566
na presença do Senhor. Em certo sentido, essa primeira experiência
moderou minhas expectações e não teve nada mágico.
Com o tempo, amadureci espiritualmente e comecei a experimentar
a presença de Cristo nos serviços de Comunhão. Como anfitrião, Jesus
me convidava à Sua mesa. Como Mediador da nova aliança que Deus
fez, teve-me como uma das partes de tal aliança. Como o Cordeiro de
Deus imolado no Gólgota, purificou-me de meus pecados. Como meu
irmão e amigo, mostrou-me como viver para a glória de Deus e como
Lhe expressar minha gratidão. Como fonte de bênção, não me encheu de
pesar e tristeza como Sua morte, mas com prazer e alegria por Sua
presença.
Qual é o significado da Comunhão? É um tempo de reflexão, de
regozijo e ação de graças. Ao experimentar na mesa a presença espiritual
do Senhor, com a igreja de todos os séculos e lugares oramos com ardor
Maranata, isto é, «Vem, ó Senhor» (1Co 16:22; veja-se também Ap
22:20). 75
25. Da mesma forma, tomando também o cálice depois de ter cead o,
disse: «Este cálice é a n ova aliança no meu sangue; fazei isto todas as
vezes que o beberdes em memória de mim».
a. Variações. As palavras deste versículo são quase idênticas às do
relato de Lucas. No texto grego dos Evangelhos sinóticos, só Lucas tem
a expressão da mesma forma, e só ele omite o verbo tomando (Lc 22:20;
cf. com Mt 26:27; Mc 14:23). Para que o texto seja meridiano, ao
versículo 25 é necessário acrescentar-lhe a palavra tomando.
Mateus escreve que Jesus tomou o cálice e ordenou aos Seus
discípulos: «bebei dele todos» (Mt. 26:27). Marcos tem uma oração
declarativa que diz: «todos beberam dele» (Mc 14:23). Mas Lucas anota
o comentário de Jesus, que diz: «Este cálice é a nova aliança no meu
sangue, que é derramado por vós» (Lc 22:20b). Paulo registra a primeira
parte da oração de Lucas, porém não a segunda. De todos os relatos da
75
Didaquê 10.6. Veja-se também I. Howard Marshall, Last Supper and Lord’s Supper (Grand Rapids:
Eerdmans, 1980), p. 152.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 567
última Ceia, só Paulo tem as palavras: «fazei isto todas as vezes que a
beberdes em memória de mim». Por outro lado, os três sinóticos
mostram um equilíbrio com relação aos beneficiários do pão e do cálice,
pois acrescentam: «derramado por muitos/vós » (Mt e Mc/Lc).
Tanto Mateus como Marcos escrevem: «meu sangue da aliança».
Mas em Lucas as palavras de Jesus aparecem como: «a nova aliança no
meu sangue». Disse Jesus «nova aliança» em cumprimento da profecia
de Jeremias (Jr 31:31) e Lucas registrou o adjetivo novo? Suprimiram
Mateus e Marcos este adjetivo? À parte das interrogantes a respeito das
variações, Lucas e Paulo mostram notável similitude em seus relatos.
b. Significado. «Da mesma forma, tomando também o cálice depois
de ter ceado, disse». Paulo usa a frase da mesma forma para formar um
econômico paralelo entre as palavras sobre administração do pão e do
cálice. O advérbio também afirma que com o cálice Jesus usou o mesmo
procedimento que com o pão. Quando Paulo escreve «depois de ter
ceado», dá a entender que depois que se distribuiu e se comeu o pão,
encheu-se o cálice pela terceira vez, como era o costume. 76 Depois foi
passado o cálice aos discípulos. No jantar da Páscoa judaica, a intervalos
os participantes bebiam de quatro cálices (veja-se o comentário a 1Co
10:16). Quando Jesus tomou o cálice, tomou a terceira taça conhecida
como o «cálice da bênção». 77 Nesse momento instituiu a segunda parte
da Ceia do Senhor. Por sua vez, a frase depois de ter ceado (v. 25) torna
possível que quando a igreja de Corinto celebrava a Comunhão, o fazia
colocando um intervalo entre a distribuição do pão e do cálice.
«Este cálice é a nova aliança no meu sangue». Segundo Paulo e
Lucas, Jesus não diz que o líquido do cálice seja o Seu sangue, o que faz
com que esta oração não seja totalmente paralela às palavras Isto é o meu
corpo. Embora Mateus e Marcos mantenham um equilíbrio entre corpo e
sangue, Lucas e Paulo deixam fora o paralelismo porque para eles a frase

76
Cf. S.K. Finlayson, «1 Corinthians xi.25», ExpT 71 (1960): 243.
77
SB, vol. 4, pp. 630–631; Leonard Goppelt, TDNT, vol. 6, pp. 154–155.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 568
central é nova aliança. Esta expressão dá à palavra sangre um
significado espiritual mais profundo. O cálice representa a nova aliança
que Paulo ratifica com o Seu sangue. Quando Moisés confirmou a
primeira aliança no monte Sinai, aspergiu sangue sobre o povo, e disse:
«Eis aqui o sangue da aliança que o Senhor fez convosco» (Êx 24:8;
veja-se também Zc 9:11). Na primeira aliança se aspergiu o sangue de
um animal, na nova aliança o sangue de Cristo.
O que é uma aliança? «A palavra aliança’ aponta para uma
disposição unilateral que Deus faz em favor do homem, e não deve
entender-se como um acordo mútuo entre duas partes que estão nas
mesmas condições». 78 Nos dias de Moisés, Deus instituiu a primeira
aliança (Êx 24:4b-8) e fez promessas aos israelitas que cumpriu. A
aliança exigia certas obrigações dos israelitas, as quais eram obedecer a
lei, o que não fizeram. Quando Deus fez uma nova aliança com o Seu
povo, a antigo ficou obsoleta (Hb 8:13). Deus ratificou a nova aliança
com o sangue de Cristo derramado uma vez por todas (Hb 9:26; 10:10).
Além disso, nomeou Jesus como mediador desta aliança (Hb 7:22; 8:6) e
Jesus cumpriu a aliança, entregando Seu corpo e sangue. Em suma, na
palavra aliança radica o paralelo implícito entre o corpo de Cristo, que
foi sacrificado por nós e o sangue aspergido de Jesus, o qual confirma
esta nova aliança com o Seu povo (cf. Rm 3:25).
Todo crente que bebe do cálice na mesa do Senhor é um membro da
aliança que Cristo ratificou no Seu sangue. O mesmo ocorre quanto ao
comer do pão. Todos os que participam do único pão estão dizendo que
participam do corpo de Cristo (1Co 10:17). Juntos formam a comunidade
da aliança. 79
c. Mandamento. «Fazei isto todas as vezes que beberdes em
memória de mim». Pela segunda vez, Jesus ordena observar o
sacramento da Comunhão. Mas este mandamento Ele o dá de forma mais
78
Geoffrey B. Wilson, 1 Corinthians: A Digest of Reformed Comment (Londres: Banner of Truth
Trust, 1971), pp. 168–169.
79
Barrett, First Corinthians, p. 269.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 569
específica. Ordena ao Seu povo que o celebrem e, quando o fizerem, que
lembrem dEle em conexão com Seu derramamento de sangue pelo
perdão de seus pecados.
No Antigo Testamento os israelitas eram ordenados a observar a
Páscoa nos dia quatorze do mês hebraico de Nisã. Em contraste, Jesus
ordena ao seu povo que coma do pão e beba do cálice regularmente,
porém não lhes dá uma data específica. Algumas congregações celebram
a comunhão cada três meses, outras uma vez por mês, e outras uma vez
por semana. Embora numerosas igrejas celebrem a Ceia do Senhor na
quinta-feira ou sexta-feira santa, sua celebração não está limitada a um
dia em especial. Jesus, antes, diz: «com tanta frequência como observam
a Comunhão, lembrem que Eu me ofereci por vós».
26. Porque todas as vezes que come rdes este pão e beberdes este
cálice, proclamais a morte do Senhor até que ele venha.
a. «Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este
cálice». De todos os escritores do Novo Testamento que registram as
palavras da instituição da Santa Ceia, só Paulo anota este mandamento
de Jesus, que diz: «fazei isto todas as vezes que beberdes em memória de
mim». Paulo acrescenta agora seu próprio resumo e entendimento da
Ceia do Senhor. Com a conjunção porque resume a fórmula dada por
Jesus.
Repete as palavras todas as vezes que e as conecta com a ação de
comer o pão e a ação de beber do cálice. Estas duas ações devem ser
sempre elementos que estão ao mesmo tempo. Nas festas de amor e nos
cultos de Comunhão que os coríntios celebravam ocorriam
irregularidades que Paulo deseja retificar.
b. «Proclamais a morte do Senhor». Paulo ensina que todos os que
comem o pão e bebem do cálice proclamam simbolicamente a morte de
Jesus. 80 Por meio de Sua morte, Cristo fê-los partícipes da nova aliança
que Deus estabeleceu com o Seu povo e do qual Cristo é o Mediador.
80
Beverly R. Gaventa, «You Proclaim the Lord’s Death: 1 Corinthians 11:26 and Paul’s
Understanding of Worship», RevExp 80 (1983): 377–87.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 570
Paulo lhes lembra os benefícios espirituais que provêm do sacrifício de
Jesus na cruz e quando eles participam do pão e do cálice estão
reconhecendo a unidade que todos têm em Cristo.
Quando a igreja celebra a Ceia do Senhor no contexto do culto, os
ministros deveriam proclamar o significado da morte de Cristo. Cada vez
que expõem à viva voz a Palavra de Deus, os que participam do culto o
fazem em silêncio ao participar dos elementos do sacramento.
c. «Até que ele venha». Os membros da igreja proclamam tanto a
morte como a segunda vinda de Jesus. Olham expectantes ao dia em que
Cristo voltar e estejam para sempre com o Senhor. Na igreja da segunda
metade do primeiro século, os crentes celebravam a Comunhão e oravam
Maranata (veem, Senhor). 81
Os cristãos não podem suprimir seu desejo por estar com o Senhor,
devem proclamar Sua morte, ressurreição e volta. De forma semelhante,
o profeta Isaías fala de sua incapacidade para suprimir este desejo: 82
“Por amor de Sião, me não calarei e, por amor de Jerusalém, não
me aquietarei, até que saia a sua justiça como um resplendor, e a sua
salvação, como uma tocha acesa” (Is. 62:1).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 11:23–26


Versículo 23
_γώ … _μί — notemos que estes dois pronomes pessoais ocupam
uma posição-chave de ênfase. O primeiro aparece no princípio da
primeira oração, o segundo ocorre no final da oração principal.
_π_ το_ κυρίου — «do Senhor». Não há diferença entre _πό y παρά
depois do verbo παραλαμβάνω (=receber).
παρεδίδετο — o imperfeito aponta à ação de trair ou entregar («era
entregue»). usa-se a voz passiva para evitar usar o nome de Deus.

81
Veja-se Didaquê 10.6; Jeremias, Eucharistic Words, p. 253.
82
Otfried Hofius, «‘Bis dass er kommt’: 1 Kor. xi.26», NTS 14 (1968): 439–41.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 571
Segundo o que Pedro disse no Pentecostes, o Pai entregou Jesus em
mãos de homens perversos (At 2:23). 83

Versículo 24
O Texto Majoritário, em duas traduções (RV60, VM), expande o
texto para incorporar as palavras tomai e comei. Mas os manuscritos
importantes e mais antigos não teriam omitido estas palavras, se
tivessem sido parte do texto. Por isso, os editores do GNT opinam que
são um acréscimo que entrou no texto por influência de Mateus 26:26.
De forma semelhante, o Texto Majoritário insere a expressão que é
partido entre «este é o meu corpo» e «por vós». O verbo partido é um
eco do mesmo verbo usado para o partir o pão. 84
το_το μού _στιν τ_ σ_μα — «o gênero do pronome demonstrativo é
natural, sendo atraído ao gênero do predicado nominal, τ_ σ_μα μου; a
referência bem pode ser a _ρτος [=pão], embora seja masculino». 85 Na
presente oração, o predicado nominal provavelmente recebe ênfase:
«Este é o meu corpo», e não «Este é o meu corpo» ou «Este é o meu
corpo».
το_το ποιε_τε — o pronome demonstrativo este inclui todas as
partes da cerimônia (veja-se também o v. 25). O imperativo presente do
verbo fazer indica uma ação repetida.
ε_ς — esta preposição controla o caso acusativo e denota propósito:
«para me lembrar».
τ_ν _μ_ν _νάμνησιν — «em minha memória». Ao que parece entre
o artigo e o substantivo, o adjetivo possessivo minha é enfático. É o ato
de lembrar a pessoa e obra de Jesus.

83
Jeremias, Eucharistic Words, p. 107; P. Coleman, «The Translation of paradideto in 1 Co. 11:23»,
ExpT 87 (1976): 375.
84
Refira-se a Metzger, Textual Commentary, p. 562.
85
Robert G. Hoerber, Studies in the New Testament (Cleveland: Biblion, 1991), p. 7.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 572
Versículos 25–26
_μώ y _μήν — os dois adjetivos possessivos são colocados entre o
artigo definido e o substantivo para indicar ênfase.
_σάκις — este advérbio expressa a ideia de repetição indefinida
(«todas as vezes»). O advérbio aparece em ambos os versículos (vv. 25,
26) junto a um subjuntivo presente: πίνητε («bebais», v. 25) _σθίητε
(«comais», v. 26). 86
_χρι ο_ _λθ_ — «até que ele venha». «Esta oração não só entrega
uma referência temporal, mas também _λθ_ («venha») é um subjuntivo
prospectivo que … poderia, portanto, traduzir-se livremente ‘até que (as
coisas se desenvolveram ao ponto em que) ele venha’». 87

c. Preparação. 1Co 11:27–34

Em Corinto, as condições das festas de amor e da Comunhão eram


tão deploráveis, que para corrigi-las não bastava recitar as palavras de
Jesus e celebrar propriamente a Ceia do Senhor. Paulo queria que os
cristãos de Corinto examinassem sua vida espiritual e social. Tendo se
arrependido de seus pecados, deviam aproximar-se livremente da mesa
do Senhor, sabendo que não seriam condenados. Deviam notar de que
um sacramento é algo sagrado e da necessidade de vir à Santa Ceia com
profunda reverência. A celebração da Comunhão é uma ocasião de
alegria e felicidade, mas jamais de superficialidade e indolência.
27. Portanto, aquele que comer este pão ou beber este cálice do
Senhor indignamente, será culpado de [profanar] o corpo e o sangue do
Senhor.
a. Tradução. Primeiro, os tradutores e editores do texto grego não
estão de acordo em como dividir o texto. Deveria este versículo ser a
conclusão do parágrafo precedente ou o começo de um novo? A maioria

86
Robertson, p. 974.
87
Jeremias, Eucharistic Words, p. 253.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 573
dos estudiosos pensa que Paulo começa a tratar de outro aspecto de seu
ensino a respeito da Santa Ceia e, portanto, escolhem começar um novo
parágrafo.
Segundo, a oração é clara em grego porém não em português.
Deve-se inserir a palavra profanar ou seu equivalente, a fim de
esclarecer que aquele que participa com indiferença da Comunhão peca
contra o próprio Senhor. Se déssemos uma tradução literal, poderíamos
dar a entender que o comungante é culpado de assassinar a Jesus.
b. Incompatibilidade. «Portanto, aquele que comer este pão ou
beber este cálice do Senhor indignamente». O pão e o cálice pertencem
ao Senhor. Assim que, aquele que participar destes elementos sem
observar a santidade do Senhor, peca contra Ele. Paulo escreve a
pequena palavra ou para recalcar que quando se profana o ato de comer
ou beber, o comungante é culpado. À luz das orações paralelas dos
versículos precedentes e subsequentes (vv. 26, 28), o disjuntivo ou
parece ser o mesmo que y.
Como o advérbio indignamente tem vários sentidos, surgem
numerosas e diversas explicações. Ilustremos as opções: que os
comungantes se creem indignos de uma comida e bebida tão santa; que
os comungantes se aproximam sem arrepender-se de seus pecados e,
então, sem examinar-se a si mesmos; que os coríntios enriquecidos
desprezam os pobres; que os comungantes não agradecem ao Senhor, e
assim o sacramento converte-se numa festa frívola. 88
Talvez Paulo queria que o advérbio indignamente fosse interpretado
tão amplamente quanto fosse possível. É verdade que alguns coríntios
demonstravam falta de amor, enquanto outros não distinguiam entre uma
festa de amor e a Santa Ceia. Ambos os grupos erravam, e Paulo os
confronta. Mas o texto também tem uma mensagem para a igreja
universal. Os cristãos jamais deveriam considerar a Ceia do Senhor

88
Para outras interpretações, veja-se William Ellis, «On the Text of the Account of the Lord’s Supper
in 1 Corinthians xi.23–32 with Some Further Comment», AusBRev 12 (1964): 43–51.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 574
como um simples rito. Antes, os crentes sinceros deveriam chegar à
Comunhão com expectativas. Os cristãos devem confessar que por seu
pecado são indignos, mas por Cristo são dignos. Paulo não exige que os
crentes sejam perfeitos para receber permissão de participar da
Comunhão. Promove um estilo de vida que esteja governado pelas
exigências do evangelho de Cristo e que atribua a Deus o mais alto
louvor.
c. Culpabilidade. «Será culpado de [profanar] o corpo e o sangue
do Senhor». As palavras indignamente e culpado vão justapostas no
grego e se explicam mutuamente, como o esclarece uma ilustração
moderna. Uma pessoa que queima a bandeira de seu país está declarando
que não o respeita. Admitindo que uma bandeira não é mais que um
pedaço de tecido, sabemos que simboliza a nação. Falhar com relação à
bandeira é desprezar ao país que representa.
Da mesma forma, se comungarmos indignamente dos elementos da
Santa Ceia, estamos cometendo um sacrilégio. Aquele que profana o pão
e o cálice está ofendendo o próprio Senhor. A propósito escolheram não
proclamar a morte de Cristo, mas opor-se ao Senhor e tomar parte com o
que O mataram. Estas pessoas faziam-se culpadas do corpo e do sangue
do Senhor, porque envergonhavam abertamente o Filho de Deus e o
tratavam com insolência (cf. At 7:52; Hb 6:6; 10:29).
28. Mas que cada um se examine a si mesmo e assim coma do pão e
beba do cálice.
Aconselha Paulo aos coríntios que deveriam examinar-se a si
mesmos antes de aproximar-se da mesa do Senhor? Deve o pastor
exortar sua membresia a que se examine antes de celebrar a comunhão?
A resposta a estas duas perguntas é um sonoro sim. Estas são as razões:
Primeiro, com o adversativo mas, Paulo prescreve o autoexame
para todos os que desejam participar do pão e do cálice do Senhor.
Quando diz cada um refere-se a todos, homens e mulheres.
Segundo, o significado do verbo examinar aplica-se aos leitores
originais desta carta e aos membros da igreja universal. O imperativo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 575
presente do verbo examinar indica que quem quer que participe da Ceia
do Senhor deve examinar-se de forma regular. Os coríntios devem saber
que não podem participar da Comunhão com seu coração cheio de
desprezo ou frivolidade. Depois do devido autoexame devem aproximar-
se da mesa do Senhor com amor genuíno tanto para o Senhor como para
o próximo. Isto é certo de todos os cristãos em todas as partes. Devem
aproximar-se da mesa da Comunhão com seu coração em sintonia com
Deus e as Escrituras (cf. 2Co 13:5, 6). Essa mesa simboliza a santidade
de Deus e Sua presença sagrada. Tendo buscado e obtido o perdão de
seus pecados, o povo de Deus pode entrar na esfera da santidade de
Deus. Em suma, a mesa do Senhor não tolera nem a incredulidade nem a
desobediência. 89 A Comunhão é para os que expressam verdadeira fé em
Jesus Cristo e proclamam Sua morte, esperando Sua volta.
29. Porque aquele que come e bebe, come e bebe juízo para si, se não
discerne o corpo.
a. Texto. Esta passagem explica e apoia o versículo precedente (v.
28). Alguns manuscritos gregos têm uma leitura ampliada do texto.
Acrescentam o advérbio indignamente depois da oração aquele que come
e bebe e as palavras do Senhor depois de corpo, o que resulta em:
«Porque o que come e bebe indignamente come e bebe para sua própria
condenação, não discernindo o corpo do Senhor» (RC 1998). Algumas
versões mostram ambas as adições, 90 outras só aceitam a segunda. 91 Mas
a leitura longa parece ser uma tentativa bem intencionada de explicar o
texto com a ajuda do versículo 27. Na antiguidade, os escribas tinham a
tendência de ampliar o texto, não de condensá-lo. Aceitamos a leitura
curta como a correta, porque é a leitura mais difícil e porque não é fácil

89
Contra Norman M. Pritchard, que esgrime a hipótese que em Corinto incrédulos assistiam à mesa
do Senhor. Veja-se seu «Profession of Faith and Admission to Communion in the Light of 1
Corinthians 11 and Other Passages», SJT 33 (1980): 55–70.
90
VM.
91
NTT, LT, VP, cf. BP.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 576
explicar como pôde ter sido omitido as palavras acrescentadas pela
leitura amplificada. 92
b. Significado. «Porque aquele que come e bebe, come e bebe juízo
para si, se não discernir o corpo». A primeira parte do versículo é
repetitiva e é explicada na segunda oração. A conjunção causal porque
une este versículo ao contexto precedente, que fala de autoexaminar-se
antes de comungar. Alguém que come e bebe sem tal introspecção é
julgado por Deus. Mas Deus não o condenará se ele se arrepende e
discerne corretamente. O juízo de Deus cai sobre aqueles que não se
autoexaminam. Isto é tão inevitável quanto a noite segue por dia.
O que aconselha Paulo? Diz que o juízo vem só quando a pessoa
não discerne o corpo. Isto é, os comungantes devem distinguir
claramente entre o pão que comem na festa de amor para nutrir seu corpo
físico e o pão da Ceia do Senhor para o benefício do corpo de crentes.93
Comemos pão para alimentar nosso corpo, mas o mesmo pão converte-se
em santo quando se aparta para a Comunhão. O ato de diferenciar tem
que ver com o comer o pão, o que harmoniza com o contexto imediato.
Refere-se o termo corpo (v. 29) ao corpo do Senhor, como se vê em
algumas traduções? É uma abreviação para «o corpo e o sangue do
Senhor» (v. 27)? Ou é uma referência ao corpo de crentes (1Co 10:16)?94
Quase todos os comentaristas entendem este versículo (v. 29) à luz do
contexto imediato que fala do corpo do Senhor. Creem que há uma
íntima conexão entre os versículos 27 e 29. Os comentaristas sabem que
os melhores manuscritos não registram as palavras do Senhor como
modificativo de corpo. No entanto, entendem que o termo corpo é uma
forma abreviada da ideia completa «o corpo e o sangue do Senhor» que
aparece no versículo 27. Põem em dúvida que Paulo espera que os

92
Consulte-se Metzger, Textual Commentary, pp. 562–563.
93
Cf. Gerhard Dautzenburg, EDNT, vol. 1, p. 305. Veja-se também Siegfried Wibbing, NIDNTT, vol.
1, pp. 503–504.
94
Para um tratamento detalhado, consulte-se Fee, First Corinthians, pp. 563–564; veja-se também
Bruce, 1 and 2 Corinthians, p. 115.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 577
leitores entendam que seu sentido seja «o corpo de crentes» (1Co 10:16).
Paulo fala do corpo do Senhor representado no pão e o cálice da
Comunhão.

Considerações práticas em 1Co 11:27–29


O salmista pergunta ao Senhor quem pode ser admitido dentro do
templo (Sl. 15:1). Ou para dizê-lo de outro modo, podemos perguntar
quem pode ser convidado à mesa do Senhor. A resposta é: a pessoa
irrepreensível, justa, reta e obediente à lei do Senhor. Quer dizer isto que
só aqueles que são perfeitos podem entrar no templo e sentar-se à mesa
do Senhor? Não. Até no antigo Israel o povo devia preparar-se antes de
entrar no tabernáculo ou no templo. Deviam examinar-se a si mesmos
antes de entrar nos átrios do Senhor durante as festas da Páscoa, as
primícias e os tabernáculos. 95 Do mesmo modo, no Novo Testamento
pede-se aos cristãos que se examinem a si mesmos antes de aproximar-se
da mesa do Senhor.
Mas quais são os que podem ser admitidos à mesa da Comunhão? O
teólogo alemão Zacarias Ursinus lutou com a mesma pergunta. Em 1563
entregou a resposta bíblica de forma completa e pertinente:
“Aqueles que não estiverem contentes consigo mesmos por causa
de seus pecados e que, no entanto, confiam que seus pecados lhes são
perdoados e que a fraqueza que ainda resta neles é coberta pela paixão e
morte de Cristo, e que também desejam cada vez mais ser fortalecidos
em sua fé e corrigir sua vida. Mas os hipócritas e impenitentes comem e
bebem juízo para si”. 96
30-32. Por causa disso, muitos entre vós estão fracos e d oentes e
muitos morreram. Mas se no s julgássemos corretamente, 97 não seríamos

95
Willem A. van Gemeren, Psalms, in The Expositor’s Bible Commentary, 12 vols. (Grand Rapids:
Zondervan, 1991), vol. 5, p. 148.
96
Catecismo de Heidelberg, resposta 81.
97
BAGD, p. 185.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 578
julgados. Quando somos julgados, somos disciplinados pelo Senhor para
que não sermos condenados com o mundo.
a. «Por causa disso». Os resultados da negligência dos coríntios
tornam-se evidentes na comunidade cristã. No fim de seu discurso sobre
a Ceia do Senhor, Paulo alude com coragem às tristes consequências dos
abusos.
b. «Muitos entre vós estão fracos e doentes e muitos morreram».
Como Paulo foi o primeiro pastor dos coríntios, a delegação que o
visitou (1Co 16:17) provavelmente lhe informou em detalhe a respeito
da saúde física dos membros da igreja. Inteirou-se que muitos membros
estavam indispostos, que outros estavam doentes e que outros tinham
morrido. Os que estavam indispostos sofriam um mal-estar passageiro;
os doentes estavam mal de saúde e muitos não tinham esperança de
recuperação; os que morreram são descritos como «os que dormem».
Paulo tira conclusões proféticas das notícias que recebeu. Crê
necessário advertir os coríntios que suas doenças e mortes têm que ver
com o veredito que Deus pronunciou sobre eles. O veredito veio por
causa da forma imprópria em que celebravam a Santa Ceia. Aqui volta a
mencionar que devem examinar-se a si mesmos.
Paulo não nos dá licença para julgar as enfermidades dos demais.
Pelo contrário, insiste para fazer-se um consciencioso exame de nossa
própria vida moral e espiritual.
c. «Mas se nos julgássemos corretamente, não seríamos julgados».
A tradução portuguesa não é capaz de reproduzir o grego, que tem um
duplo reflexivo. Um aparece no verbo nos julgássemos e o outro no
pronome nos. Paulo quer evitar dar aos coríntios a ideia de que outros
poderiam julgá-los. O que deseja é que cada um se examine a si mesmo
na forma correta.
O versículo 31 é uma oração condicional que indica um evento
contrário aos fatos. Paulo diz que se nos julgássemos a nós mesmos
(coisa que não estamos fazendo), não seríamos julgados (ao passo que
agora estamos recebendo o juízo de Deus). Com a primeira pessoa
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 579
plural, Paulo se inclui a si mesmo, apesar de a oração condicional
realmente só ter que ver com os coríntios. Estão em pecado, mas Deus
quer que se arrependam e mudem de atitude.
d. «Quando somos julgados, somos disciplinados pelo Senhor». O
próprio Paulo nos interpreta o significado do verbo julgar. Não é que
Deus nos esteja castigando, o que faz é nos disciplinar. Deus castigou o
Seu Filho, que carregou e tirou nossos pecados na cruz. Se Deus nos
castigasse, Cristo não teria morrido por nossos pecados. Mas Deus não
vai castigar a Cristo e a nós. Deus nos disciplina para que nos voltemos a
Ele com todo arrependimento. Ao nos arrepender de nossos maus
caminhos, experimentamos o perdão, a graça, a misericórdia e o amor de
Deus (2Co 7:10). Deus usa as aflições para nos aproximar dEle.
Disciplina-nos porque somos Seus filhos (cf. 1Pe 4:17; Hb 12:5–7, 10).
Com frequência a enfermidade não cede porque o pecado persiste. Tiago
aconselha ao pecador que confesse seu pecado e seja curado (Tg 5:16a).
e. «Para que não sejamos condenados com o mundo». Em dois
versículos precedentes (vv. 27, 29), Paulo declarou que aquele que
comer ou beber sem discernir a diferença entre as festas de amor e a
Comunhão está sob juízo. Mas aqui juízo não é o mesmo que
condenação. O juízo é uma advertência oportuna, a condenação é
irrevogável. Se não fazemos caso à advertência que Deus nos manda em
Sua graça, seremos condenados e pereceremos com os incrédulos
endurecidos do mundo. Deus não Se agrada na morte do justo que
voluntariamente se desencaminha nem do ímpio. Deus, em vez disso,
exorta todos ao arrependimento, para que vivam (Ez 18:32).
33, 34a. Portanto, meus irmãos, quando vos reunis, esperai uns pelos
outros. Se alguém tiver fome, coma em casa, para que não sejais julgados.
Mediante o advérbio portanto, Paulo resume seu discurso da Ceia
do Senhor. Volta a dirigir-se a seus leitores com o carinhoso apelativo de
meus irmãos, o que inclui as irmãs (veja-se 1Co 1:11; 14:39; 15:58).
Com esta saudação lhes comunica seu amor e preocupação. Como fiel
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 580
pastor, aconselha-os para que corrijam a forma como se conduzem nas
festas de amor e na celebração da Comunhão.
O conselho de Paulo insiste para que convertam pensamentos e
palavras em ações. Se os coríntios na verdade examinarem a conduta que
têm em suas reuniões e se arrependem, isso tem que produzir mudanças
visíveis em suas futuras reuniões. Quando se reúnam para comer juntos e
nutrir seus corpos físicos ou para participar da Santa Ceia, devem ser
pacientes e esperar-se uns aos outros. O verbo grego ekdejomai (=esperar
a) aparece seis vezes no Novo Testamento e sempre com o mesmo
significado. 98 É usado para descrever Paulo esperando Silas e Timóteo
em Atenas, para representar o agricultor que pacientemente espera as
chuvas da primavera e do outono. Este acepção apoia o sentido do
versículo 21, onde Paulo lamenta a falta de paciência dos coríntios que
não esperavam seus irmãos. 99 Aqui os exorta a expressarem amor
genuíno uns aos outros: o rico para o pobre, e o pobre para o rico.
Quando os coríntios se reúnem, devem notar que o propósito da
reunião não é alimentar-se fisicamente, mas espiritualmente. Paulo os
exorta a diferenciar entre necessidades espirituais e físicas. Diz-lhes: «se
alguém tiver fome, coma em casa». Com a palavra alguém se dirige a
todos os membros da igreja de Corinto, ricos e pobres. Paulo faz ver que
existe uma clara separação entre a festa de amor e a celebração da Ceia
do Senhor. Diz aos coríntios que devem comer e beber em casa,
reforçando assim o que disse anteriormente a respeito de suas casas
particulares (v. 22). Devem notar que participar do pão e do cálice da
Comunhão não tem como fim o satisfazer a fome física, mas o desejo
espiritual de ter comunhão com Cristo e Seu povo. Se os coríntios
guardassem esta distinção de forma correta, não seriam julgados.
34b. Outros assuntos os porei em ordem quando for ter convosco.

98
At 17:16; 1 Cor. 11:33; 16:11; Hb 10:13; 11:10; Tg 5:7; veja-se também a leitura variante de Jo 5:3.
99
Bruce W. Winter interpreta o verbo grego ekdejomai como «‘receber-se um ao outro’ no sentido de
compartilhar [a comida]». Veja-se seu «The Lord’s Supper», pp. 79–80. Consulte-se também Fee,
First Corinthians, pp. 567–569.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 581
Neste capítulo, Paulo ensinou qual deve ser a conduta própria nos
cultos de adoração e durante a celebração da Comunhão. Embora estes
temas talvez não fossem mencionados na carta que Paulo recebeu, o
apóstolo estava a par do que ocorria em Corinto e creu ser proveitoso pôr
suas instruções por escrito para a comunidade de Corinto e para todas as
igrejas.
Paulo não nos entrega detalhes que nos ajudem ou seja o que quer
dizer com a frase outros assuntos. Supomos que se refere a outras
irregularidades da igreja de Corinto que desconhecemos. São coisas que
podem esperar até ele chegar. Então entregará instrução adicional,
quando os encontrar face a face (cf. 2Jo 12; 3Jo 13,14). Depois de visitar
as igrejas da Macedônia, Paulo espera ir a Corinto para passar o inverno
ali (1Co 16:5–8).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 11:27–34


Versículo 27
_στε — esta é uma partícula consecutiva que introduz uma oração
independente (seguida de indicativo) ou uma oração que leva um
imperativo (veja-se o v. 33). Em ambos os casos quer dizer «portanto».
_ναξίως — este advérbio só ocorre aqui no Novo Testamento.
Consiste na partícula privativa _ (=in) e o advérbio _ξίως (=dignamente).
Seu significado é: «de uma forma indigna ou descuidada».

Versículo 28
Note-se que todos os verbos deste versículo estão no modo
imperativo, tempo presente (examinar-se, comer, beber), a fim de
comunicar uma ação repetida e habitual.
_νθρωπος — este é o uso genérico da palavra homem, pelo qual a
traduzimos cada um. No grego, Paulo a propósito coloca esta palavra
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 582
entre o verbo se examine e o pronome reflexivo a si mesmo, a fim de lhe
dar ênfase.

Versículo 29
κρίμα — esta é a primeira aparição de uma lista de palavras que
Paulo usa nos versículos 29–34 com a raiz κρι- (=separar). Cada uma
tem seu próprio matiz: κρίμα («juízo», v. 29), διακρίνων («discerne», v.
29), διεκρίνομεν («nos julgássemos corretamente», v. 31), _κρίνομεθα
(«seríamos julgados», v. 31), κρινόμενοι («somos julgados», v. 32),
κατακριθ_μεν («sejamos condenados», v. 32). 100 No versículo 34,
aparece a oração ε_ς κρίμα σονέρχησθε («sejais julgados»). Neste caso
κρίμα significa «veredito».
_αυτώ — no contexto deste versículo, o pronome reflexivo («para
si») é um dativo de desvantagem.
διακρίνων — o gerúndio, voz ativa, denota condição: «se não
discernir».

Versículos 33–34
_στε — é uma partícula consecutiva semelhante a ο_ν (=portanto).
Veja-se o versículo 27.
ε_ τις πειν_ — os melhores manuscritos carecem da conjunção δέ
que aparece no Texto Majoritário. A partícula ε_ (=se) aponta a um fato
que se expressa com o pronome indefinido alguém e o presente
indicativo do verbo ter fome.
_ς _ν — seguida do aoristo subjuntivo _λθω («vá»), esta
combinação equivale a _ταν («quando quer») e o subjuntivo. 101

100
BDF § 488.1b.
101
Ibid., § 455.2.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 583
διατάξομαι — «porei em ordem». Este verbo no futuro médio
revela que Paulo está pensando em assuntos doutrinais e não em coisas
externas.

Resumo de 1 Coríntios 11
Depois de elogiar os coríntios por lembrar a ele e aos seus ensinos,
Paulo fala da autoridade de Cristo, o homem e Deus. De tal tratamento
deduz alguns princípios a respeito da conduta apropriada no culto de
adoração. Afirma que é impróprio que um homem ore ou profetize com a
cabeça coberta e que uma mulher o faça com a cabeça descoberta.
Ensina que a mulher deve cobrir a cabeça. De outra maneira, deveria
rapar-se, o que lhe seria uma desgraça. Também ensina que o homem é a
glória de Deus e que a mulher é a glória do homem. A mulher foi tirada
do homem e o homem nasce da mulher, mas todas as coisas provêm de
Deus. O cabelo longo é uma desgraça para o homem, mas é a glória da
mulher.
Paulo não louva os coríntios por suas reuniões, visto que causam
mais dano que benefício. Diz que quando se reúnem para a Ceia do
Senhor, alguns ficam com fome enquanto outros se embebedam.
Humilham os pobres e se desviam das normas bíblicas, o que mancha a
igreja de Deus. Por conseguinte, Paulo tem que ensiná-los a respeito da
instituição da Santa Ceia, tal como ele a recebeu do Senhor. Instrui-lhes
a que com frequência comam o pão e bebam do cálice como uma
proclamação da morte do Senhor no contexto da expectação por Sua
vinda.
Observar a Comunhão com indiferença é um pecado contra o
próprio Senhor. Paulo insiste com os coríntios a que se examinem antes
de comer e beber da mesa do Senhor. Se a pessoa não se examinar, está
atraindo para si o juízo divino, como o confirmam as enfermidades e
mortes entre os coríntios. Mas se a pessoa se examina e se arrepende,
livra-se do juízo de Deus.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 584
Paulo conclui seu tratamento admoestando os coríntios a satisfazer
a sua fome em casa, para que a Ceia do Senhor seja celebrada
corretamente. Informa aos seus leitores que quando os visitar lhes
entregará maiores instruções.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 585
1 CORÍNTIOS 12
CULTO, SEGUNDA PARTE (1CO 12:1–31)
3. Dons espirituais. 1Co 12:1–31

a. O Espírito Santo. 1Co 12:1–11

Paulo deixa sua discussão sobre a própria celebração da Santa Ceia,


para tratar outros aspectos do culto. Entre eles destacam-se os dons
espirituais que os membros tinham recebido para o benefício da
comunidade cristã. O Espírito Santo dotou estes membros com dons que
realizam e promovem a vida da igreja. O Espírito trabalha através de
crentes individuais e os usa como instrumentos para cumprir os
propósitos de Deus.
O primeiro segmento deste capítulo revela mais da obra do Espírito
Santo que qualquer outra passagem de 1 Coríntios. 1 Das referências
explícitas ao Espírito Santo num capítulo anterior (1Co 2:4–14), Paulo
ainda não abordou o tema dos dons do Espírito. Agora ensina a doutrina
da Trindade, na qual o Espírito cumpre a função proeminente de dotar os
crentes de dons extraordinários.

(1) A confissão cristã. 1Co 12:1–3


1. Agora, a respeito dos dons espirituais, irmãos, não quer o que
sejais ignorantes.
a. «Agora, a respeito dos». Imediatamente reconhecemos estas
palavras introdutórias. Com frequência introduzem a resposta que Paulo
dá aos problemas que os coríntios lhe consultaram por meio de uma

1
A palavra grega pneuma aparece doze vezes em oito versículos: 1Co 12:3 (bis), 4, 7, 8 (bis), 9 (bis),
10, 11, 13 (bis).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 586
carta. Quando os coríntios lhe escreveram, perguntaram-lhe várias
coisas, entre as quais estavam consultas a respeito do casamento e as
virgens (1Co 7:1, 25), a comida oferecida a ídolos (1Co 8:1), os dons
espirituais (1Co 12:1) e a oferta para o povo de Deus (1Co 16:1).
Paulo não cita a carta que recebeu, como o fez anteriormente (1Co
7:1; 8:1), assim que não temos ideia da forma precisa como os coríntios
lhe pediram informação. A única coisa que sabemos é que os coríntios
queriam que ele dissesse algo sobre os dons espirituais. Agora fala a
respeito dos dons que o Espírito deu aos membros da congregação.
b. «Os dons espirituais, irmãos». Nesta epístola, Paulo com
frequência escreve irmãos quando tem que tratar com os coríntios um
ponto delicado (por exemplo, 1Co 1:10). Este vocativo implicitamente
inclui as irmãs da comunidade cristã, pelo qual se dirige a toda a
congregação.
O tema que Paulo trata neste capítulo refere-se aos dons espirituais.
O adjetivo grego pneumatikōn («espirituais») aparece só no texto
original, pelo que temos que lhe acrescentar outra palavra. Diferente de
outros estudiosos, 2 não completamos a ideia acrescentando um
substantivo que se refira a pessoas (1Co 2:15; 3:1; 14:37), mas suprimos
a palavra dons (cf. 1Co 14:1). O Espírito Santo é o doador destes dons,
pelo que não só é plausível traduzir os dons do Espírito Santo, 3 mas
também soa atrativo. O Espírito Santo continua provendo os crentes com
estes dons.
Numa passagem anterior (veja-se 1Co 1:7), Paulo usou a palavra
grega charisma (= dom de graça) como um sinônimo para os dons
espirituais. Em português usamos o termo carisma para falar da
habilidade pessoal de liderança. Porém, no presente capítulo, a palavra
carisma aponta às atividades do Espírito Santo. Isto é evidente quando,
entre outras coisas, Paulo enumera os dons de sabedoria, conhecimento,
2
Entre outros, vexa--se F. F. Bruce, 1 and 2 Corinthians, série New Century Bible (Londres:
Oliphants, 1971), p. 116.
3
GNB, veja-se também CB.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 587
cura, operação de milagres, profecia, as línguas e interpretação de
línguas (vv. 4, 9, 28, 30, 31).
c. «Não quero que sejais ignorantes». Esta oração se repete nas
epístolas de Paulo. 4 Com relação ao presente versículo, poderíamos
perguntar: «ignorantes do quê?» e depois suprir a resposta. Paulo não
quer que os coríntios ignorem como usar corretamente os dons
espirituais. Em lugar de usá-los para benefício dos demais crentes,
alguns coríntios exibiam estes dons como distintivos de superioridade.
De todos os dons, pensavam que o dom de falar em línguas era único e
de grande importância. 5 Nos três capítulos seguintes (12–14), Paulo
mostrará aos coríntios como avaliar e usar os dons espirituais.
2. Sabeis que quando éreis gentio s, fostes desencaminhados aos
ídolos mudos, qualquer que seja a forma em que éreis desencaminhados.
a. Gramática. Começamos com três observações gramaticais.
Primeiro, no grego a sintaxe da oração está incompleta, porque o verbo
fostes não aparece na segunda oração, a qual literalmente diz:
«desencaminhados». Mas se suprirmos o verbo fostes, obtemos uma
sintaxe adequada. Segundo, com relação a quando éreis gentios, alguns
eruditos conjeturam que a palavra grega hote (=quando) deveria ser pote
(=uma vez): «uma vez fostes gentios». Contudo, as conjeturas são
permitidas só quando é impossível obter uma explicação satisfatória, o
que não é o caso aqui, porque não há evidência textual que apoie a
conjetura. Por último, outra forma de traduzir a oração qualquer que seja
a forma em éreis desencaminhados é «seguindo o ímpeto que vos vinha»
(NBE) ou «éreis arrastados, conforme vos impeliam» (NTT). Mas esta
interpretação não consegue impor-se, visto que é muito livre e não ajuda
a entender o sentido do texto.
b. Intenção. «Sabeis que quando éreis gentios». Como é que este
versículo desenvolve a argumentação? A resposta está no verbo sabeis.

4
Rm 1:12; 11:25; 1Co 10:1; 12:1; 2Co 1:8; 1Ts 4:13.
5
Cf. John C. Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1983), pp.
71–72.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 588
Paulo disse que não queria que seus leitores ficassem na ignorância (v.
1). Depois lhes diz que eles conhecem seu próprio passado religioso (v.
2). E finalmente, declara que lhes faz saber como professar que Jesus é
Senhor (v. 3).
O termo gentios aponta aos dias em que alguns membros da igreja
eram inconversos antes de deixar o paganismo. Paulo se refere a esses
tempos ao dirigir-se a eles como cristãos gentios. Até aqui seu discurso
se dirigiu a crentes judeus e gentios, agora se dirige a cristãos que antes
foram pagãos e idólatras.
«Fostes desencaminhados aos ídolos mudos». É possível que Paulo
se esteja referindo aos excessos característicos das festas pagãs daquele
tempo? Foram os coríntios desencaminhados por um demônio que os
fazia experimentar um frenesi enlevado? 6 Os estudiosos creem que o
vocabulário e o contexto não proporcionam nenhuma base para pensar
em delírios religiosos. 7 O verbo desencaminhar tem que ver com
movimento mais que com algum êxtase religioso. Não obstante, a forma
passiva do verbo como aparece aqui («fostes desencaminhados»)
demanda um agente. Em oposição ao Espírito Santo, tal agente é Satanás
ou um de seus representantes (cf. 1Co 10:20, 21).
Paulo usa o hebraísmo ídolos mudos (Sl. 115:5; Hc 2:18,19; 3
Macabeus 4:16), com o qual não só quer dizer que as imagens de
madeira, pedra ou metal são mudas, mas os deuses que representam
também o são.
«Qualquer que seja a forma em éreis desencaminhados». O verbo
grego desencaminhados está em tempo imperfeito, o qual aponta para

6
Bruce, 1 and 2 Corinthians, p. 117; cf. H. Wayne House, «Tongues and the Mystery Religion of
Corinth», BS 140 (1983): 134–50.
7
Wayne A. Grudem, The Gift of Prophecy in 1 Corinthians (Washington, D.C.: University Press of
America, 1982), pp. 162–164. Véase también D. A. Carson, Showing the Spirit: A Theologica
Exposition of 1 Corinthians 12–14 (Grand Rapids: Baker, 1987), pp. 25–26; Karl Maly, «1 Kor 12:1–
3, eine Regel zur Unterscheidung der Geister?» BibZ 10 (1966): 82–95; André Mehat,
«L’Enseignement sur ‘les Choses de l’Esprit’ (1 Corinthiens 12,1–3)», RevHistPhilRel 63 (1983):
395–415.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 589
uma ação que se repetia. De vez em quando, os pagãos iam a seus
templos e eram desencaminhados por um poder maligno. Estes ex-
pagãos estiveram cambaleando na escuridão. O diabo os tinha presos, até
que o Espírito de Deus os libertou e confessaram a Jesus como seu
Senhor.
3. Portanto, faço-vos saber que ni nguém que fale pelo Espír ito de
Deus diz: «Jesus é mal dito», e ningué m pode dizer: «Jesus é Senhor» ,
senão pelo Espírito Santo.
a. «Portanto, faço-vos saber». Alguns eruditos consideram que o
conteúdo dos versículos 2 e 3 apresenta uma ideia parentética. 8 Mas a
força do advérbio consecutivo portanto aponta ao versículo 2 e a toda a
passagem precedente (vv. 1, 2). Se entendermos o versículo presente (v.
3) como uma conclusão, vemos que Paulo descreve a condição espiritual
dos cristãos gentios de Corinto. Isto não quer dizer que podemos sair
com uma explicação totalmente satisfatória deste versículo. O que quer
dizer é que no contexto de Corinto, podemos separar o passado (v. 2) do
presente (v. 3). Agora Paulo fala da vida espiritual dos crentes de
Corinto. Diz que lhes fará saber algo (cf. 1Co 15:1; 2Co 8:1; Gl 1:1).
b. «Ninguém que fale pelo Espírito de Deus diz: ‘Jesus é maldito’».
Paulo equilibra o que diz com a afirmação: «e ninguém pode dizer:
‘Jesus é Senhor’, senão pelo Espírito Santo». Se Paulo só tivesse escrito
a segunda afirmação não teríamos problemas. Mas como escreveu as
duas, a pergunta é se Paulo se refere a casos concretos nos quais algumas
pessoas estão de fato amaldiçoando a Jesus dentro da comunidade cristã.
Quem são os que amaldiçoam a Jesus? Deram-se muitas e variadas
respostas. Apresentarei as mais comuns:
1. Líderes judeus. Os que amaldiçoam a Jesus são judeus que sabem
que Jesus morreu numa cruz, pelo que Lhe aplicam o texto bíblico que
diz: «o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus» (Dt 21:23).
Quando o povo judeu crucificou o Senhor, entregaram-no a Deus,

8
Veja-se a tradução de Moffatt.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 590
esperando que sua maldição o aniquilasse para sempre. Mas quando os
cristãos proclamavam o nome de Jesus, os judeus continuavam
pronunciando uma maldição divina sobre Jesus.
Reagindo ao testemunho cristão, os líderes judeus procuravam
evitar que seus compatriotas se convertessem ao cristianismo. Assim
que, nas sinagogas locais diziam às pessoas judias que amaldiçoaram a
Jesus. Qualquer que se juntasse com um cristão que confessasse a Jesus
como Senhor era considerado um pecador. Em tempos de perseguição,
obrigava-se os cristãos a renunciar a Jesus como Senhor e a rejeitá-Lo
como Salvador por meio de amaldiçoá-Lo. 9 Mas por que aludiria Paulo
diretamente aos líderes judeus das sinagogas judaicas? E por que, de
repente, ele se dirigiria aos cristãos judeus, quando o que faz é instruir a
crentes que tinham sido pagãos (v. 2)?
2. Mestres gnósticos. Outros eruditos sugeriram que Paulo se está
opondo a mestres gnósticos que ensinavam um dualismo entre o material
e o espiritual. 10 Devia-se amaldiçoar o corpo físico de Jesus porque
pertencia ao mundo material. Só ao Cristo espiritual era preciso
confessá-Lo como Senhor exaltado. Esta proposta assume que o
gnosticismo estava bem enraizado na comunidade de Corinto durante a
metade do primeiro século. Mas as cartas que Paulo escreveu aos
coríntios dificilmente apoiam a ideia de que o gnosticismo estava em
tudo o seu apogeu em Corinto. Esta hipótese teria credibilidade se se
aplicasse aos fatos ocorridos a fins do primeiro século, não em tempos de
Paulo. Além disso, os gnósticos só atribuiriam senhorio a Cristo, não a
Jesus.
3. Formulação paulina. Outra sugestão é que com a frase Jesus é
maldito, Paulo está formulando a contraparte da confissão genuína Jesus
9
J. D. M. Derrett, «Cursing Jesus (1 Cor. XII.3): The Jews as Religious ‘Persecutors’», NTS 21
(1974–75): 544–54. Jouette M. Bassler afirma que Paulo lembra sua própria história passada na qual
amaldiçoava a Jesus. «1 Cor. 12:3—Curse and Confession in Context», JBL 101 (1982): 415–18.
10
Walter Schmithals Gnosticism in Corinth: An Investigation of the Letters to the Corinthians,
traduzido por John E. Steely (Nashville e Nova York: Abingdon, 1971), pp. 124–130; Norbert Brox,
«Anathema Iesous (1 Kor 12.3)», BibZ 12 (1968): 103–11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 591
é Senhor. Objeta-se que na sintaxe do presente versículo (v. 3), Paulo usa
o modo indicativo e aponta a uma realidade, não a uma probabilidade.
4. O Espírito Santo. Por último, diz-se que Paulo quer dar a
conhecer o significado do conceito pelo Espírito Santo, que ocorre duas
vezes, uma com relação à maldição e outra com relação à confissão de
Jesus como Senhor. A pessoa, quer judia ou gentia, que blasfema o nome
de Jesus, não pronunciará sua maldição por meio do Espírito Santo. Quer
judia ou gentia, a pessoa que confessa o senhorio de Jesus está cheia do
Espírito. 11 Pelo fato de que Paulo faz ênfase no Espírito, sabemos de que
não está falando a respeito de um lugar específico ou de um grupo
particular de pessoas. Sublinha a ausência ou presença do Espírito Santo,
por quem se fala de Jesus. Por isso, parece-nos que esta é a explicação
adequada.
c. «E ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’, senão pelo Espírito
Santo». Paulo ensina que o crente em quem habita o Espírito de Deus
com alegria confessa sua lealdade a Jesus reconhecendo-O como Senhor.
A confissão Jesus é Senhor é um dos credos mais antigos; talvez o
mais antigo do cristianismo (cf. Jo 13:13; Fp 2:11). Os judeus que se
converteram ao cristianismo no dia do Pentecostes, creram que Deus fez
a Jesus Senhor e Messias (At 2:36). Os gentios convertidos
abandonavam seu passado pagão e juravam lealdade a Jesus como seu
Senhor e Salvador (At 16:31; cf. Rm 10:9). Cristãos de origem judaica
ou gentílica aceitavam a Jesus como governante do mundo, como Rei
dos reis e Senhor dos senhores (1Tm. 6:15; Ap 1:5; 17:14; 19:16).
Alguns poderiam chamar Senhor a Jesus e ainda realizar valiosas
tarefas em seu serviço. Mas se não estiverem cheios do Espírito de Deus
e, portanto, não cumprem a vontade do Pai, Jesus os despedirá dizendo:
«Nunca vos conheci. Afastai-vos de mim, os que praticais a iniquidade!»
(Mt 7:23). Jesus exerce Sua soberana vontade neste mundo. Só

11
Refira-se a Carson, Showing the Spirit, p. 31. Consulte-se também a Traugott Holtz, «Das
Kennzeichen des Geistes (1 Kor xii.1–3)», NTS 18 (1972): 365–76.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 592
reconhece os que, guiados por seu Espírito Santo, reconhecem Sua
verdadeira divindade e que obedientemente se submetem à Sua
autoridade.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 12:1–3


Versículo 1
περί — esta preposição usa-se em sentido absoluto: «quanto a» ou
«a respeito de». 12
δέ — embora esta partícula pode significar «mas», «e» ou «agora»,
preferimos a última tradução.
τ_ν πνευματικ_ν — este adjetivo precedido pelo artigo definido
poderia ser masculino: «os espirituais» ou neutro: «as coisas espirituais».
Este versículo não depende do capítulo precedente, pelo que é como o
cabeçalho de um novo tema. O neutro está mais em harmonia com um
cabeçalho que o masculino.

Versículo 2
_τε … _παγόμενοι — o contexto demanda que ao gerúndio passivo
(«desencaminhados») se acrescente a segunda pessoa plural _τε
(«fostes») no tempo imperfeito, para assim formar a construção
perifrástica.
_ς _ν _γεσθε — o imperfeito indicativo do verbo _γω (=guiar) com
a partícula _ν dá a ideia de repetição: «vos desencaminhava [dia a
dia]». 13

12
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 63.
13
Robertson, p. 974; Robert Hanna, A Grammatical Aid to the Greek New Testament (Grand Rapids:
Baker, 1983), p. 304.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 593
Versículo 3
λαλ_ν — é um gerúndio que denota a atividade de falar («que
fala»), e λέγει («diz») é o indicativo presente que denota o conteúdo do
que se diz. Veja-se também o sinônimo que aparece como um infinitivo
aoristo ε_πεί («dizer»).
_νάθεμα _ησού — como a expressão carece de verbo, poderia
acrescentar-se o subjuntivo («seja Jesus maldito») ou o indicativo
(«Jesus é maldito»). O paralelismo com a confissão Jesus é Senhor
favorece o modo indicativo. O substantivo neutro _νάθεμα deriva-se do
particípio perfeito neutro τ_ _νατεθειμέ νον («aquilo que foi colocado»).
Refere-se à oferta votiva que se apresenta a uma deidade para fins de
consagração ou destruição. Aqui a palavra aponta à destruição, com a
intenção de pedir a Deus que amaldiçoe a Jesus.
κύριος — esta palavra tem que ver com o termo hebraico Yahveh e
quer dizer «Senhor soberano».

(2) Diferentes dons, mas todos dados por Deus. 1Co 12:4–6
Se os primeiros três versículos deste capítulo são entendidos como a
introdução ao ensino a respeito dos dons espirituais e do Espírito Santo,
então o parágrafo seguinte é uma elaboração detalhada do tema. Paulo
faz notar a variedade de dons e afirma que se originam no Deus Triúno:
o Espírito Santo, o Senhor Jesus Cristo e Deus o Pai. Estes dons são
diversos e Deus é o doador de cada um.
4-6. Há variedades de dons, mas o mesmo Espírito. Há variedades de
ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há variedades de atividades, mas
o próprio Deus está operando tudo em todos.
Se para nos concentrar nos substantivos destes versículos
suprimimos por um momento a repetição das expressões há variedades e
mas é o mesmo, descobrimos a seguinte disposição:
Há variedades de dons
ministérios
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 594
atividades,
mas o mesmo Espírito [Santo]
Senhor [Jesus]
Deus [Pai]
está operando tudo em todos.

Podemos fazer três pares: dons e Espírito, ministérios e Senhor,


atividades e Deus. A frase «tudo em todos» serve de conclusão. Para
dizê-lo de outro modo, com relação ao Espírito há variedades de dons;
com relação ao Senhor esses dons são ministérios; e com relação a Deus
são atividades. Olhemos agora a passagem versículo por versículo.
a. «Há variedades de dons, mas o mesmo Espírito». O termo
variedades está no plural para revelar a forma tão completa em que a
graça de Deus se propagou no povo de Deus. Quer dizer que estes dons
tinham funções distintas e que estavam amplamente distribuídos entre a
comunidade cristã. De tal maneira que, cada crente tem algum dom ou
dons, mas nunca possui todos (veja-se 1Pe 4:10). A palavra variedades
quer dizer que a igreja de Cristo tem unidade e diversidade. Pensemos,
por exemplo, numa árvore bem formada. Embora a árvore produza uma
multidão de folhas, nenhuma é igual. Da mesma forma, a igreja reflete
unidade em sua totalidade, mas uniformidade em suas partes. A igreja foi
abençoada com uma variedade de dons que refletem a diversidade e que
contribuem para a unidade.
O que são estes dons? No versículo introdutório (v. 1), Paulo
mencionou os pneumatikôn (=dons espirituais), mas agora os chama
charismata (=dons de graça). Neste capítulo, Paulo mostra nove dons
como exemplos: sabedoria, conhecimento, profecia, fé, curas, milagres,
discernimento espiritual, falar em línguas, interpretação de línguas (vv.
8–10, 28; cf. Rm 12:6–8). Não obstante, Paulo não tenta ser exaustivo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 595
nem completo. De fato, o número de dons mencionados no Novo
Testamento chega só a uns vinte. 14
A oração há variedades de dons se anexa a mas o mesmo Espírito.
Note-se que Paulo não diz do mesmo Espírito, implicando assim que o
Espírito é o único que reparte estes dons. O fato é que as três pessoas da
Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) dão dons ao povo de Deus (p. ex.,
Ef 4:8). Paulo usa o adversativo mas na segunda oração deste versículo
(v. 4) para contrastar a variedade de dons e a igualdade do Espírito. O
Espírito capacita os membros da igreja de Cristo a receber, desenvolver e
aplicar estes dons em unidade. Qualquer que seja o dom, é o mesmo
Espírito que está operando na vida do crente. Pelo fato de que o Espírito
Santo está atrás de cada dom que se distribui ao povo do Senhor, não
deveria haver nenhum orgulho nem divisão entre os coríntios. O Espírito
não é promotor de divisões, e sim de unidade.
b. «Há variedades de ministérios, mas o Senhor é o mesmo». Neste
versículo (v. 5), Paulo ensina que o Senhor Jesus Cristo é o responsável
pela diversidade de dons ministeriais que há na comunidade cristã. A
palavra grega diakoniōn realmente aponta a serviços que se entregam
dentro do contexto da igreja. As palavras em português diácono e
diaconato são derivados que se impregnam do espírito de serviço ao
corpo de Cristo. Os serviços que se prestam não têm limite. Desta
infinita multidão vou mencionar três: uma pessoa prega o sermão, outra
ensina na escola dominical e outra canta no coro. Cristo equipa a cada
pessoa para que O sirva em adoração, evangelização, ensino,
aconselhamento, administração e governo.
Ninguém deveria jactar-se de ter recebido um dom maior ou uma
posição mais eminente que outros membros, porque todos os dons e
posições são dados pelo Senhor. Na noite que foi detido, o Senhor lavou
os pés de Seus discípulos e disse: «Eu vos dei o exemplo, para que,

14
Ralph P. Martin, The Spirit and the Congregation: Studies in 1 Corinthians 12–15 (Grand Rapids:
Eerdmans, 1984), p. 11. Veja-se Klaas Runia, «The ‘Gifts of the Spirit’», RTR 29 (1970): 82–94.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 596
como eu vos fiz, façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo
que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado, maior do que
aquele que o enviou» (Jo 13:15, 16). O serviço na igreja e na
comunidade deve prestar-se no espírito de Jesus, quem dota e energiza o
Seu povo com talentos e habilidades. Jesus é o mesmo para cada crente e
não mostra favoritismo algum. Reconhece completamente o serviço que
cada um realiza, qualquer que seja, quando é feito com humildade e para
Ele (Mt 25:34–40).
c. «E há variedades de atividades». O que são estas variedades de
atividades? A palavra grega energēmata («atividades») aparece duas
vezes no Novo Testamento (vv. 6 e 10). No versículo 6, a palavra se
conecta com o conceito de dons, enquanto no versículo 10 quer dizer
poderes milagrosos. O português tem palavras com essa raiz: enérgico,
energia, energético. Aqui indica ações que são o resultado do poder
energizante de Deus. Ilustremo-lo desta maneira: pode ser que o pastor
tenha preparado muito bem o seu sermão para o domingo, mas se
comunicará bem só quando Deus lhe conceder o poder para pregar. O
pastor depende por completo de quem o enviou para obter poder para
pregar, e reconhece que serve a Deus como Seu porta-voz quando prega
no culto do domingo.
d. «Mas o próprio Deus está operando tudo em todos». Deus envia
o Seu povo para que sejam Seus servos em inumeráveis situações. O
reino de Deus não tem fronteiras e seus cidadãos residem onde quer o
Senhor o coloque. Deus põe o Seu povo em todo setor e segmento da
sociedade, para que deem a conhecer Sua verdade em todo lugar. Quer
que o Seu povo ministre a todos os que sofrem: homens, mulheres e
crianças. Dá-lhes o Seu poder para curar um mundo destroçado que
necessita ajuda física, emocional, espiritual e material.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 597
Considerações práticas em 1Co 12:4–6
A comunidade cristã tem uma variedade surpreendente e
inumerável de dons e talentos. Por exemplo, alguns têm o dom de falar
em público, de cantar ou tocar um instrumento, de ensinar, aconselhar,
de desenvolver arte criativa ou de compor música ou poesia. Sem ser
intrometidos, os crentes com frequência fazem uma grande contribuição
para o bem-estar da sociedade. Por seus talentos e habilidades, podem
liderar em muitas áreas da vida pública e particular.
Jesus colocou o Seu povo em posições estratégicas por todo mundo.
Chama-os a usar os seus talentos para a vinda de Seu reino e a extensão
de Sua igreja. Quer que Seu povo use seus dons para o bem comum da
humanidade. Através do ministério mundial de Seus servos, Jesus dá a
conhecer Seu nome a todas as nações, raças e povos em todos os idiomas
do mundo. O nome mais conhecido em todo mundo é o nome de Jesus.
O povo de Deus jamais deve usar os seus talentos e dons para sua
própria satisfação e interesses particulares, embora os portadores desses
dons se beneficiem grandemente por eles. O cristão peca contra Deus e
lhe desobedece, se permitirem que ocorra semelhante egoísmo. Deus
manda os Seus servos a saírem em Seu nome para servi-Lo onde quer
que Ele os colocar. Muitas vezes isso requer decidir deixar atrás
parentes, amigos e posses. Deus promete dar-lhes como herança cem
vezes mais nesta vida e a vida eterna (Mt 19:29).

(3) Dons para o bem comum. 1Co 12:7–11


7. Mas a cada um lhe é dada a ma nifestação do Espírito para o bem
comum.
Com muita frequência crê-se que são os pastores, os evangelistas e
os missionários os únicos que receberam dons especiais. Com frequência
se faz uma distinção entre uma ocupação secular e uma sagrada. Crê-se
que o serviço ao reino são realizados pelos que foram ordenados para
servir ao Senhor em ministérios especiais.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 598
Paulo escreve que cada crente recebe a manifestação do Espírito.
Como o Espírito Santo habita em cada crente (1Co 6:19), faz sentir Sua
presença por meio de algum dom. De uma forma ou outra, o Espírito
Santo Se revela na vida de cada crente. Isto não quer dizer que cada
crente tem só um dom. Por exemplo, o próprio Paulo tinha recebido o
dom da continência e o de falar em línguas (1Co 7:7; 14:18).
A frase a manifestação do Espírito poderia ser um genitivo objetivo
ou subjetivo. Se for objetivo, quer dizer uma ação que revela a presença
do Espírito. Se for subjetivo, aponta à uma ação que o Espírito gera. À
vista do verbo passivo é dada, talvez deveríamos aceitar a interpretação
objetiva, visto que o verbo implica que Deus é aquele que dá os distintos
dons. 15
A evidência da presença do Espírito na vida do crente serve ao bem
comum de toda a comunidade. O Espírito usa os dons de cada crente
para a edificação da igreja (cf. Ef 4:12), a qual é um tema que Paulo
aplica mais adiante à sua discussão do uso das línguas (1Co 14:4). A
intenção aqui é promover o bem comum, o qual proíbe que o cristão use
seus dons para benefício pessoal. Paulo não nega que um dom possa ser
de beneficio para aquele que o possui, 16 mas Deus confere Seus dons ao
Seu povo para que todos sejam edificados (1Co 14:26).
8. A um é da da uma palavra de sabedoria mediante o Espírito, a
outro uma palavra de conhecimento segundo o mesmo Espírito.
Como se manifesta o Espírito Santo? Nos dons que Deus reparte em
Seu povo. Paulo cita um total de nove dons representativos (vv. 8–10),
uma lista que não pretende ser exaustiva. É difícil de saber se procura
categorizá-los. Os estudiosos tentam diferenciar os dons que são
temporais dos que são permanentes, os verbais dos não verbais, os

15
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament [Grand Rapids: Eerdmans, 1987], p. 589, n. 30. Veja-se também John Calvin, The
First Epistle of Paul to the Corinthians, serie Calvin’s Commentary, traduzido por John W. Fraser
(reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 261.
16
Carson, Showing the Spirit, p. 35.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 599
importantes dos menos importantes. Uma tríplice divisão atrativa dos
dons é a seguinte:
1. Pedagógicos: sabedoria e conhecimento
2. Sobrenaturais: fé, curas e milagres
3. Comunicativos: profecia, discernimento de espíritos, línguas e
interpretação de línguas. 17
Paulo usa uma variedade de palavras no grego dos versículos 8–10.
Aparentemente, só se interessa na diversidade estilística e não em fazer
distinções. Por exemplo, ao referir-se ao Espírito usa as preposições
mediante, segundo e por só para variar a forma de expressão.
Além disso, embora sejam nove dons, ao único que se lhe chama
dom é ao de cura (v. 9). Por certo que damos por sentado que Paulo faz
uso de sua liberdade como autor desta carta ao escolher seu vocabulário.
a. «A um lhe é dada uma palavra de sabedoria mediante o Espírito».
A sabedoria é o primeiro dos dois dons pedagógicos. Deus dá este dom
de sabedoria e comunica seu conteúdo por meio do Espírito Santo.
Literalmente, o grego diz: «palavra de sabedoria»; outros tradutores
colocam: «que falem com sabedoria» (VP, cf. BP, CB, LT). O dom tem
que ver com a habilidade de falar sabedoria divina, a qual os crentes
recebem através do Espírito Santo (cf. 1Co 2:6, 7). Contrasta-se a
sabedoria divina com a humana (1Co 1:17, 20, 25).
Em Jesus se cumpriu a profecia de Isaías, quem dizia que o Espírito
de sabedoria descansaria sobre o Messias (Is 11:2). Jesus cresceu em
sabedoria (Lc 2:52). Estêvão estava cheio de sabedoria e do Espírito (At
6:10), sendo um exemplo de como Jesus cumpriu sua promessa de que
daria sabedoria a seus discípulos. Por último, Tiago diz a seus leitores
que se alguém tiver falta de sabedoria, deve pedir-se o Deus, quem a

17
Refira-se a William Baird, The Corinthian Church, A Biblical Approach to Urban Culture (Nova
York: Abingdon, 1964), 139. R. C. H. Lenski apresenta categorias similares: intelecto, fé e línguas.
Veja-se seu The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians (1935;
Columbus: Wartburg, 1946), p. 499.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 600
comunica com generosidade sem reprovar nada (Tg 1:5). Os crentes
devem com fé pedir sabedoria, e Deus as dará.
b. «A outro uma palavra de conhecimento segundo o mesmo
Espírito». O segundo dom pedagógico é o conhecimento. Em essência,
trata-se de «um conhecimento íntimo e pessoal de Deus que não depende
do intelecto mas sim do amor, que depende do conhecimento que Deus
tem do homem». 18 O termo denota afinidade e aponta à uma relação
pessoal que existe entre Deus e o redimido em Cristo. Deus comunica
este conhecimento por meio de seu Espírito e deve usar-se dentro da
comunidade cristã para o benefício de todos seus membros. Se expressa
no saber, entender e explicar ao povo a revelação de Deus na Escritura e
na criação.
Sabedoria e conhecimento são dons que se cobrem. 19 Aqui Paulo os
coloca juntos e alude à uma discussão anterior sobre estes dois tema
(1Co 2:6–16). Ao longo desta carta, Paulo usa repetidamente a palavra
conhecimento, 20 cujo significado variada segundo o contexto.
9. A outro lhe é dada fé pelo me smo Espírito e a outro dons de curar
por um só Espírito.
a. «A outro lhe é dada fé pelo mesmo Espírito». O terceiro dom é a
fé. Junto com os milagres e as curas, pertence à categoria de dons
sobrenaturais. Como todo verdadeiro crente tem fé em Jesus Cristo,
Paulo não se refere à fé salvadora; antes, refere-se à convicção completa
e firme de que Deus vai realizar um milagre.
Jesus disse aos Seus discípulos que se tivessem fé como um grão de
mostarda, poderiam mover montanhas (Mt 17:20; 1Co 13:2). Com a
chegada do Pentecostes, os apóstolos mostraram ter essa fé. Por
exemplo, Pedro e João corajosamente se opuseram aos membros do
Sinédrio, pregaram o evangelho e no nome de Jesus curaram um aleijado

18
R. St. John Parry, The First Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek
Testament for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 180.
19
Consulte-se a Carson, Showing the Spirit, p. 8.
20
1Co 1:5; 8:1, 7, 10, 11; 12:8; 13:2, 8; 14:6.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 601
(At 3:1–4:2). Paulo obedeceu a palavra de Jesus que o enviava a
testificar em Roma (At 23:11). A fé de Paulo não vacilou quando veio
uma tormenta no Mediterrâneo e todos os que estavam à bordo do barco
perderam toda esperança de conservar a vida. Pelo contrário, animou a
tripulação e os passageiros, dizendo que confiassem em Deus, porque
todos estariam a salvo e conseguiriam chegar a uma das ilhas (At 27:23–
26, 34).
Um número incontável de crentes demonstrou sua confiança em
Deus, e sua fé foi recompensada em formas milagrosas. O autor de
Hebreus apresenta uma lista dos heróis da fé do Antigo Testamento (Hb
11), a qual tem sua contraparte não escrita nos tempos do Novo
Testamento. Aquele autor passa por alto a fé de Elias, mas Tiago
menciona seu nome e diz que era um homem como qualquer um de nós
(Tg 5:17, 18). Portanto, o dom especial da fé não se limita a um profeta
do Antigo Testamento nem a um apóstolo do Novo.
b. «E a outro dons de curar por um só Espírito». Os dons da fé e de
curar estão intimamente relacionados. Tiago escreve que a oração dos
anciãos da igreja que oram com fé curará o doente (Tg 5:14, 15). Quando
os anciãos reclamam as palavras escritas por Tiago e confiam que Deus
ouvirá sua oração fervente, com frequência produz-se o milagre da cura.
Não obstante, é bom que digamos duas palavras de cautela: primeiro, os
anciãos não devem supor que receberam de forma permanente um dom
que os capacita a curar a qualquer membro da igreja que esteja doente.
Segundo, apesar de orações elevadas com ardor e fé, Deus pode decidir
que não vai devolver a alguém a saúde e força que antes tinha.
Nos primeiros anos da igreja cristã, não só os apóstolos mas
também os diáconos receberam a habilidade de curar. Naquele tempo, os
apóstolos curaram a todos os doentes que foram a eles (At 5:16b). Pedro
curou as pessoas, tocando-as com sua sombra (At 5:15, 16). Estêvão e
Filipe fizeram milagres de cura em Jerusalém e Samaria (At 6:8; 8:6, 7).
Na cidade de Listra, na Ásia Menor, Paulo curou um coxo (At 14:8–10)
e, no entanto, ele mesmo estava afligido de uma doença que ele chamava
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 602
um espinho na carne. Embora Paulo tenha rogado ao Senhor que o
curasse, Jesus lhe respondeu: «A minha graça te basta, porque o meu
poder se aperfeiçoa na fraqueza» (2Co 12:9, RC).
Além disso, em suas epístolas Paulo admite indiretamente não ter
podido curar a Epafrodito (Fp 2:27), a Timóteo (1Tm. 5:23) ou a
Trófimo (2Tm 4:20). Por que o Senhor não deu a Paulo a habilidade de
curar a seus amigos? A resposta está no fim para o qual um doente é
curado. O Novo Testamento ensina que as curas em geral eram
realizadas para fortalecer a fé e ampliar o círculo de crentes. Em algumas
circunstâncias, Deus não curará um doente para só promover seu bem-
estar físico.
Hoje em dia os crentes não possuem o dom de cura que os
apóstolos tinham no tempo da nascente igreja do Novo Testamento. Em
nossa época em que os crentes oram com fé e esperam uma resposta
divina, em geral não se produz nenhuma cura. Deus pode escolher curar
uma pessoa mediante a medicina e os cuidados físicos ou não curá-la de
maneira nenhuma. Os crentes que oram pelos doentes e veem que a
oração os cura, não deveriam jactar-se de que têm o dom de cura.
Nenhum cristão pode reclamar ter um dom de forma permanente, mas
deve dar a Deus toda a glória e a honra por curar os doentes. Quando não
há resposta imediata, os crentes devem continuar orando e não devem
deixar de pedir ajuda em tempos de necessidade (Hb 4:16).21 A cura
produz-se porque Deus responde as orações que os crentes elevam com
fé. Os crentes reconhecem que Deus faz o milagre de curar o doente
como resposta à oração. Os crentes oram sabendo que «a oração do justo
é poderosa e eficaz» (Tg 5:16b).
10. E a ou tro são dadas atividades que produzem milagres, a outr o
profecia, e a outro o distinguir espí ritos, a outro diferentes tipos de
línguas, a outro interpretação de línguas.

21
Consulte-se Edward N. Cross, Miracles, Demons, and Spiritual Warfare: An Urgent Call for
Discernment (Grand Rapids: Baker, 1990), pp. 66–67; B. B. Warfield, Counterfeit Miracles
(reimpresso por Edimburgo: Banner of Truth, 1986), p. 169.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 603
a. «E a outro são dadas atividades que produzem milagres». Este é o
terceiro dom da lista de dons sobrenaturais. Se o dom de cura é um dom
transitório, o mesmo sucede com o dom de fazer milagres. Ao longo da
Escritura, os milagres são atos sobrenaturais que ocorrem de forma
contrária às leis da natureza. Deus intervém temporariamente na natureza
mediante um milagre. O homem é o instrumento e Deus é quem o
realiza.
O Antigo Testamento nos informa que, por meio de Moisés, Deus
realizou milagres antes e durante o êxodo do Egito. 22 Depois do êxodo, o
sol se deteve quando os israelitas conquistaram Canaã (Js. 10:13).
Quando Elias e Eliseu serviram ao Senhor como profetas, ocorreram
muitos milagres. 23 Os três amigos de Daniel caminharam sem ser
destruídos pelas chamas do forno, e o próprio Daniel esteve a salvo na
cova dos leões (Dn 3:19–27; 6:16–23).
No Novo Testamento, o ministério terrestre de Jesus se caracterizou
por numerosos milagres que iam das curas, exorcismos e ressurreições,
até a alimentação de multidões. Durante o ministério de Jesus ocorreram
mais milagres que em qualquer outro período da história bíblica. O
milagre supremo da ressurreição de Jesus foi seguido por Sua ascensão.
À parte de narrar curas, uma cegueira temporal, um exorcismo e
ressurreições, o livro de Atos só relata os milagres da libertação dos
apóstolos do cárcere (At 5:19; 12:6–10; 16:22–28).
Quatro observações são pertinentes: Primeiro, quando Paulo
escreve que os milagres são parte dos dons sobrenaturais (veja-se
também vv. 28, 29), não insinua que cada crente recebe o poder para
fazer milagres. Antes, explica que o dom de fazer milagres era uma das
marcas distintivas de um apóstolo (2Co 12:12). Segundo, o Novo
Testamento ensina que na igreja apostólica, Deus operou milagres
somente para confirmar a mensagem do evangelho (At 6:8; 8:7; 13:6–12;

22
Veja-se Êx 4:1–9; 7:8–13:16; 14:21; 17:1–6; Nm. 11:31; 20:2–13.
23
1Rs 17:8–24; 18:30–39; 2Rs 2:13–25; 5:8–14.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 604
Hb 2:4). Terceiro, de quando em quando os dons de efetuar curas e de
fazer milagres parece apresentar-se no Novo Testamento, 24 embora
deve-se fazer uma distinção entre milagres na natureza e aqueles que têm
que ver com o corpo humano. Por último, parece que a fins da era
apostólica os milagres na natureza chegaram ao seu fim.
b. «A outro profecia». O dom de profecia ocupa o primeiro lugar
entre os dons de comunicação, seguido pelo discernimento de espíritos,
as línguas e a interpretação de línguas. Quão importante era a profecia na
igreja cristã primitiva e especial em Corinto? Num capítulo anterior (1Co
11:4, 5), Paulo declarou que um homem que ora e profetiza não deveria
fazê-lo com a cabeça coberta. Pelo contrário, a mulher deve cobrir a
cabeça quando ora e profetiza no culto público. Paulo parece sugerir que
o orar e o profetizar andam de mãos dadas (1Ts 5:17–20), porém não
coloca a oração dentro dos dons espirituais. Para ser exatos, quando fala
dos dons menciona a profecia e o falar em línguas, o que em certo
sentido é como orar (cf. 14:13–17). «A profecia e a oração não são a
mesma coisa, mas estão muito conectadas». 25
A presente passagem afirma que nem todos os crentes recebem o
dom de profecia, mas Deus o distribui entre Seu povo. Deus controla a
pessoa que ocasionalmente Lhe serve como porta-voz, quer para predizer
(p. ex., Ágabo, At 11:28; 21:11) ou com mais frequência para revelar à
igreja a vontade de Deus (Ef 4:11). 26 Paulo escreve que algumas pessoas
da igreja de Corinto recebem uma revelação de Deus para instruir e
animar os crentes (veja-se 1Co 14:30). Contudo, Paulo diz que as
afirmações proféticas que declarem estão sujeitas ao consciencioso
exame de outros (1Co 14:32). Com isso dá a entender que os profetas
não estão acima da igreja, mas são membros de sua comunidade cristã e

24
Refira-se Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost: Studies in New Testament Teaching on
the Gifts of the Holy Spirit (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1979), p. 51.
25
Gerhard Friedrich, TDNT, vol. 6, p. 853.
26
Calvin, 1 Corinthians, p. 263; Juan Calvino. Institución de la religión cristiana (Rijswik: FELiRe,
19), vol. 1, 4.3.4.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 605
estão sujeitos a ela. A congregação deve examinar as declarações
proféticas à luz das Escrituras, assim como os irmãos de Bereia
examinaram com cuidado os ensinos de Paulo para determinar se eram
verdadeiros (At 17:11). A Escritura é a norma para os profetas e a igreja.
Ao nos dar o último livro do Novo Testamento, Deus completou o
cânon da Escritura (Ap 22:18, 19) e já não entregou mais revelação
canônica. Antes de fechar o cânon, as profecias preditivas tinham um
significado transitório (cf. At 11:28; 21:11). Havia profetas que não
prediziam, e sim explicavam e ensinavam as Escrituras exortando os
membros da igreja. 27
c. «E a outro o distinguir espíritos». Esta breve oração introduz o
segundo dos dons de comunicação. Este dom está conectado com o dom
de profecia. Paulo declara que alguns crentes receberam o dom de
distinguir espíritos. Em outra passagem (1Co 14:29), afirma que as
profecias deveriam ser examinadas e avaliadas. Mas estas duas
passagens não têm o mesmo significado e não deveriam ser usadas para
explicar uma com a ajuda da outra. 28
A pessoa pode discernir o poder e influência dos espíritos pondo
atenção a suas palavras, obras e aparência. Primeiro, o diabo comunica
informação falsa. Apresentando-se como anjo de luz (2Co 11:14),
Satanás enganou Eva com uma mensagem distinta ao que Deus tinha
entregue ao seu esposo (Gn 2:16,17; 3:1, 4, 5). O profeta Micaías
revelou aos reis de Israel e Judá que um espírito de mentira tinha falado
por boca de todos os profetas de Israel (1Rs 22:21–23; 2Cr 18:20–22).
Jesus discerniu que era Satanás quem lhe falava, quando Pedro O
reprovou ao ter dito que devia morrer (Mt 16:23). Paulo identificou a
Barjesus como filho do diabo (At 13:10) e depois pôde perceber que a
27
Consulte-se E. Earle Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity: New Testament Essays
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 130; John MacArthur, Jr., 1 Corinthians, série MacArthur New
Testament Commentary (Chicago: Moody, 1984), p. 303.
28
Wayne A. Grudem, The Gift of Prophecy in the New Testament and Today (Westchester, Ill.:
Crossway, 1988), p. 70; veja-se também seu artigo «A Response to Gerhard Dautzenberg on 1
Corinthians 12.10», BibZ 22 (1978): 253–70.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 606
predição da jovem escrava eram palavras emitidas por espíritos malignos
(At 16:18). Por último, por causa da mensagem de falsos profetas, João
teve que aconselhar seus leitores a pôr à prova os espíritos (1Jo 4:1–3).
Segundo, Satanás e suas hostes são capazes de fazer milagres. A
fim de enganar às pessoas, Satanás realiza «todo tipo de milagres, sinais
e prodígios falsos» por meio do homem do pecado (2Ts 2:9, 10). Jesus
predisse que nos últimos dias falsos cristos e profetas farão grandes
milagres para, se fosse possível, enganar os escolhidos (Mt 24:24). A
besta que sai da terra fala como Satanás, exerce toda autoridade, realiza
milagres, faz descer fogo do céu e engana as pessoas que vivem na terra
(Ap 13:11–14).
Finalmente, o diabo se introduz na comunidade cristã por meio de
falsos mestres (Jd. 4; 2Pe 2:1, 2). Quando a conduta de algumas pessoas
difere das normas prescritas na Escritura, os que têm o dom de
discernimento devem levantar-se para separar a verdade da mentira.
Como analogia poderíamos mencionar a caixa de um banco, que sabe
detectar dinheiro falso pelo simples fato de conhecer muito bem o
verdadeiro. Quando aparece um bilhete ou moeda falsa, a caixa o detecta
imediatamente. Da mesma forma, pessoas que têm o dom de
discernimento estão cheias do Espírito Santo e de forma instantânea
reconhecem o espírito de falsidade. Assim como a caixa usa seus
talentos para o bem-estar do banco, do mesmo modo o homem espiritual
usa o seu talento para proteger os crentes.
d. «A outro diferentes tipos de línguas, a outro interpretação de
línguas». Os últimos dois dons de comunicação, junto com o de profecia,
parece que eram causa de considerável controvérsia em Corinto. Na
última seção do presente capítulo (vv. 28, 30) Paulo repete a lista de
dons e depois dedica um capítulo (14) completo a eles.
A palavra língua pode apontar a um idioma conhecido (At 2:6, 8,
11) ou à glossolalia (1Co 14:2, 4, 28). Nesta carta, a palavra pode ter
qualquer desses dois significados, dependendo do contexto. Numa
cidade comercial como Corinto, havia grande demanda de tradutores
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 607
pela abundante presença de visitantes internacionais e de residentes
temporais que falavam vários idiomas. Por outro lado, a congregação de
Corinto também experimentava o fenômeno do falar em línguas. A
glossolalia refere-se a um ato de adoração a Deus. No caso de estarem
presentes outros crentes, para seu benefício devia interpretar a
mensagem. Para promover a reverência no serviço público, Paulo exigia
que o falar em línguas fosse edificante, ordenado e controlado.
Notemos que Paulo escreve a expressão tipos de línguas. Isto
aponta tanto a uma variedade de idiomas conhecidos (1Co 14:9, 10)
como à glossolalia. O apóstolo atribui todas estas línguas e sua
interpretação à obra do Espírito Santo (vv. 7, 11). Deste modo, indica
que o Espírito dá ao que interpreta as línguas a habilidade das entender e
de comunicar o significado do que se diz. 29
11. O único e mesmo Espírito faz to das estas coisas, repartindo-as a
cada um individualmente como lhe apraz.
a. «O único e mesmo Espírito». Ao longo dos primeiros onze
versículos deste capítulo, Paulo sublinha a obra do Espírito Santo.
Afirma que uma confissão genuína do senhorio de Cristo só pode vir do
Espírito Santo (v. 3). Embora todas as pessoas da Trindade dão dons
espirituais, agora Paulo dá a entender que estes dons são canalizados
através do Espírito. Desta maneira, faz notar que o Espírito é o agente (v.
4). Com frequência coloca a expressão o mesmo diante de Espírito (vv.
4, 8, 9), e neste último versículo é ainda mais descritivo, dizendo «o
único e mesmo Espírito». Paulo recalca que cada um dos nove dons tem
sua origem no Espírito Santo. Implica que o Espírito proíbe a quem
recebe estes dons de jactar-se como se fossem superiores ou merecessem
reconhecimento.
b. «O … mesmo Espírito faz todas estas coisas». O Espírito é a
fonte dos dons e o poder que energiza os crentes. É Ele quem respalda

29
Consulte-se Arnold Bittlinger, Gifts and Graces: A Commentary on 1 Corinthians 12–14, traduzido
por Herbert Klassen y Michael Harper (Grand Rapids: Eerdmans, 1967), p. 52. Cf. Vern S. Poythress,
«The Nature of Corinthians Glossolalia: Possible Options», WTJ 40 (1977): 130–35.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 608
esses dons e capacita a quem os recebem para usá-los com eficiência
para o bem da comunidade (1Pe 4:10).
c. «Repartindo-as a cada um individualmente como lhe apraz».
Nenhuma pessoa na comunidade cristã recebe todos os dons nem
ninguém está sem um sequer. Paulo afirma com clareza que o Espírito
Santo reparte a cada um na igreja cristã. A um dá um dom, a outro dá
outro. O Espírito não passa por alto a ninguém, de maneira que a
totalidade de talentos na igreja constitui uma rica reserva de habilidades
e destrezas.
d. «Como lhe apraz». Com esta última oração, Paulo ensina que o
Espírito Santo não é só um poder impessoal, mas uma pessoa com
identidade divina. O Espírito exerce sua prerrogativa de determinar e
distribuir os dons individuais aos crentes, embora o cristão tem o
privilégio de orar e pedi-los. O Espírito de Deus sabe o que a igreja
necessita e, portanto, distribui seus dons sábia e efetivamente.

Considerações práticas em 1Co 12:8–11


Quando os crentes individuais reclamam ter recebido uma palavra
de sabedoria ou de conhecimento, ou uma profecia de parte do Senhor,
outros crentes não ficam muito convencidos. Afirmando que o Senhor
lhe disse o que devia fazer ou dizer, uma pessoa pode usar uma palavra
do Senhor para calar um opositor ou influir no auditório. É preciso
reconhecer que dizer que alguém recebeu uma palavra de sabedoria ou
conhecimento é algo muito subjetivo. Quando uma pessoa recebe uma
palavra de sabedoria ou conhecimento, recebe-a sempre dentro de seu
coração e não há quem possa examinar tal acontecimento de forma
objetiva. Além disso, as mensagens pessoais muitas vezes estão
influenciados por emoções humanas.
Quando Paulo faz uma lista de dons espirituais, não dá às
expressões palavra de sabedoria e palavras de conhecimento um valor
sobrenatural. Antes, usa palavras comuns para comunicar o significado
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 609
óbvio de que alguém é capaz de falar sabiamente e com conhecimento. 30
A Bíblia ensina que se um crente pedir a Deus sabedoria, Deus lhe dará
esse dom sem lhe reprovar nada (Tg 1:5). Deus guia o crente para que
fale com discernimento e informadamente a respeito do assunto que tem
diante de si. Portanto, outros cristãos ouvem e com cuidado avaliam o
que se diz. Quando isso ocorre, os crentes dão testemunho de que Deus
concedeu ao que fala o dom da sabedoria divina.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 12:7–11


Versículo 7
_κάστ_ — «a cada um». Quando o termo _καστος age como
substantivo, como sucede nesta passagem, aponta a cada indivíduo.
Paulo se dirige a cada crente de forma individual na igreja universal.
Para uma forma reforçada, veja-se o versículo 18. 31
πρ_ς τ_ συμφέρον — acompanhada do caso acusativo, a preposição
πρός conota a ideia de «levando a [bem comum]». 32 O substantivo é um
gerúndio que significa «o que beneficia».

Versículo 8
μ_ν … δέ — estas duas partículas criam um equilíbrio na série de
coisas que se mencionam nos versículos 8–10.
δι_ … κατά — Paulo emprega estas preposições e _ν no seguinte
versículo (v. 9) para descrever a ação do Espírito Santo. Usa diferentes
preposições para variar sua forma de expressão.
δίδοται — note-se que Paulo escreve o gerúndio, voz passiva («está
sendo dada»), para afirmar que Deus continua dando estes dons especiais
a seu povo.

30
Cf. Grudem, Prophecy in the New Testament, p. 320.
31
BAGD, p. 236; Franz Georg Untergassmair, EDNT, vol. 1, p. 404.
32
Moule, Idiom-Book, p. 53.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 610
_λλ_ … _τέρ_ — estas duas formas que aparecem nos versículos 8–
10 são usadas para variar o estilo.

Versículo 9
Todos os substantivos qualitativos (p. ex., fé, dons, profecia) que
aparecem neste versículo e o seguinte carecem de artigo. O artigo se
omite quando o substantivo usa-se para expressar uma qualidade
abstrata. 33
_νί — este é um dativo singular do adjetivo numeral neutro: «por
um», «por um só». Alguns manuscritos leem α_τώ («pelo mesmo»), mas
o numeral tem maior apoio textual. 34

Versículo 10
_λλ_ … _τέρ_ — «outro». Estes dois adjetivos se usam de forma
intercambiável por razões de estilo.
γένη — «tipos». Esta forma plural deve ser suplementada com o
adjetivo «diferentes».

Versículo 11
τ_ _ν κα_ τ_ α_τό πνε_μα — note-se o uso dos dois artigos
definidos diante de Espírito. São parte de um modismo enfático.
_δί_ _κάστ_ — «a cada um o seu». O adjetivo _δί_ dá o sentido do
grego clássico: «seu próprio dom pessoal». 35

33
Robertson, p. 758.
34
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 563.
35
Nigel Turner, A Grammar of New Testament Greek, vol. 3 (Edimburgo: Clark, 1963), p. 191.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 611
b. O corpo. 1Co 12:12–31

Na primeira parte deste capítulo, Paulo escreveu a respeito do


Espírito Santo e os dons espirituais que distribui aos crentes. Na segunda
parte, fala a respeito da igreja considerando-a não como um agrupamento
de indivíduos, e sim como uma unidade. Apresenta a igreja usando a
figura do corpo humano, que em si está entre as criações mais
maravilhosas de Deus. Paulo usa a ilustração do corpo humano para
mostrar a diversidade que serve à unidade.

(1) O corpo e o Espírito. 1Co 12:12–13


12. Porque assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos
os membros do co rpo, embora sejam muitos, s ão um corpo, assim
também Cristo.
a. «Porque assim como o corpo é um e tem muitos membros».
Paulo usa a conjunção porque para criar uma ponte entre a passagem
presente e o versículo anterior e elabora o seu ensino. No parágrafo
anterior, Paulo fez notar que os membros individuais da igreja recebem
uma variedade de dons espirituais. Referiu-se à árvore, porém não pôs
atenção no bosque. Agora leva em conta a totalidade dos membros
individuais, faz referência ao corpo e demonstra sua unidade básica.
Paulo compara o corpo humano (vv. 14–16) com Cristo. O que
alguém espera é que compare o corpo com a igreja, não o corpo com
Cristo, mas para Ele a igreja é o corpo de Cristo (v. 27). Em outra parte,
Paulo escreve que Cristo é cabeça da igreja, a qual é o Seu corpo (Ef
1:22, 23). Em suma, com a palavra Cristo Paulo apresenta uma ideia
teológica comprimida na qual aparece o corpo e a cabeça juntos. Paulo
usa uma figura de dicção chamada metonímia, na qual uma parte
representa o todo. Em outras palavras, Cristo representa a igreja inteira.
O Senhor Se identifica completamente com a igreja, como é óbvio pela
pergunta que Jesus fez a Paulo no caminho a Damasco: «Saulo, Saulo,
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 612
por que me persegues?» (At 9:4). Jesus ensinou que Ele e seu povo são
um (Mt 10:40; 25:45).
b. «E todos os membros do corpo, embora sejam muitos, são um
corpo, assim também Cristo». O corpo humano é um organismo
altamente diversificado. Cada membro tem sua própria função, mas
também contribui para que todo o corpo possa funcionar. Assim ocorre
com o corpo de Cristo, no qual cada membro recebeu algum dom
espiritual. Os dons não foram desenhados para servir aos indivíduos, e
sim a toda a igreja. 36
13. Pois, por certo, por um Espí rito todos fomos batizados num
corpo, quer judeus ou gregos, escravos ou livres, e a todos nos deu a beber
de um Espírito.
Este texto apresenta um número de dificuldades que surgem das
expressões por um Espírito, batizados, num corpo, e a todos nos deu de
beber. A combinação destes termos é única. O que queria Paulo dizer
quando escreveu que todos nós somos batizados por um Espírito? O que
quer dizer com aquilo de dar de beber a todos de um Espírito?
Comentamos as expressões em itálico, admitindo que não é possível
resolver todos os problemas.
a. Por um Espírito. O texto grego usa a preposição em que pode
traduzir-se «por» ou «na maioria dos tradutores preferem por no sentido
de meio ou agência. 37 Crê-se que esta é a melhor interpretação, visto que
evita a estupidez de ter juntas a duas frases preposicionais muito
semelhantes na mesma oração: «num Espírito … num corpo». Prefiro
traduzir por.
Por outro lado, alguns tradutores creem que a preposição grega em
denota esfera ou lugar e, portanto, traduzem «em». 38 Argumentam de

36
Refira-se a Calvin, 1 Corinthians, p. 264; Leonard Sweetman, Jr. «The Gifts of the Spirit: A Study
of Calvin’s Comments on 1 Corinthians 12:8–10,28; Romans 12:6–8; Ephesians 4:1», en Exploring
the Heritage of John Calvin, editado por David E. Holwerda (Grand Rapids: Baker, 1976), p. 275.
37
NVI, VP, CI, RV60, NBE, VM.
38
BJ, NTT, BP, NC, LT.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 613
que no Novo Testamento jamais se diz que o Espírito seja o agente que
batiza. O que se afirma é que o Espírito é a esfera à qual entra o
candidato ao batismo. Os Evangelhos declaram que Jesus batiza com o
Espírito Santo (Mc 3:11; Mc 1:8).
b. Batizados. Quando Paulo escreve «todos fomos batizados»,
refere-se a um batismo literal ou figurado? Se a expressão for entendida
de forma literal, Paulo aponta à água do batismo. Contudo, o verbo
batizar com frequência é usado de forma figurada. Por exemplo, Jesus
perguntou a Tiago e a João se eram capazes de ser batizados com um
batismo semelhante ao dEle (Mc 10:38). Jesus não Se refere ao Seu
batismo no rio Jordão, mas à Sua morte na cruz (veja-se também Lc
12:50; At 1:5 e 1 Cor. 10:2). É preferível concluir que Paulo usa o
batismo em sentido figurado. 39
Paulo escreve «todos fomos batizados» e «a todos nos deu a beber
de um Espírito». Estas palavras se estendem a um círculo muito mais
amplo que o da comunidade de Corinto, estende-se até abranger todos os
crentes. Isto quer dizer que todos os crentes verdadeiros em Cristo Jesus
foram batizados pelo Espírito Santo. O texto ensina que mediante o
Espírito Santo, os crentes regenerados são incorporados a um corpo,
porém nada diz de algum subsequente batismo no Espírito. 40
Alguns estudiosos interpretam o texto como se apontasse ao
sacramento do batismo e da Ceia do Senhor. 41 Mas é difícil de manter
esta posição. Primeiro, no contexto presente Paulo não dá nenhuma
indicação de estar começando alguma discussão sobre os sacramentos.
Segundo, o texto simplesmente não alude à água do batismo. Terceiro, a
ideia de que a expressão nos deu a beber refere-se à ação de beber do
cálice da Santa Ceia, carece de apoio. Por último, o tempo verbal do

39
Consulte-se J. D. G. Dunn, Baptism in the Holy Spirit, Studies in Biblical Theology, 2ª. série 15
(Londres: SCM, 1970), p. 129; Ronald E. Cottle, «All Were Baptized» JETS 17 (1974): 75–80.
40
Refira-se à discussão de Anthony A. Hoekema, Tongues and Spirit-Baptism: A Biblical and
Theological Evaluation (reimpressão; Grand Rapids: Baker, 1981), pp. 61–62.
41
Entre outros, veja-se Bittlinger, Gifts and Graces, pp. 57–58.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 614
verbo grego dá a ideia de que se fala de uma só ação de beber, o que não
quadra com a observância periódica da Comunhão.
O argumento deste versículo insinua que no batismo chegamos a ser
membros vivos da igreja ao nos converter. Quando a regeneração
espiritual produz-se, a pessoa entra ao corpo de Cristo, isto é, à igreja. O
que nos introduz a uma relação viva com Cristo não é a observância
externa da água batismal, mas a transformação interna do Espírito
Santo. 42
c. Num corpo. Aqui Paulo recalca a unidade da igreja em suas
diversas formas. Faz notar as diferenças raciais, culturais e sociais que
existiam em Corinto: havia judeus e gregos, escravos e livres. Não
importa qual fosse a posição que tivessem na sociedade, estas pessoa
reuniam-se para adorar a Deus numa igreja. Se a igreja praticar a
discriminação, estaria em contraste direto com a lei do amor. Todas as
pessoas que foram renovadas espiritualmente em Cristo são iguais uns
com os outros.
Na frase num corpo, a preposição em quer dizer para o interior de,
e aponta para um movimento de fora para dentro. Aqueles que foram
regenerados pelo Espírito Santo abandonam o mundo e se convertem em
membros vivos da igreja. «Para Paulo, tornar-se cristão e converter-se
num membro do corpo de Cristo são sinônimos». 43
d. A todos nos deu a beber. Neste versículo (v. 13) aparece duas
vezes o adjetivo todos, e sua finalidade não é indicar que a experiência
cristã tem duas etapas distintas, e sim reforçar o que se diz sobre o novo
estado do cristão. De fato, o próprio versículo, «não permite que
interpretemos o batismo como se requeresse ser complementado por
algum outro rito subsequente, para poder comunicar o Espírito». 44 Por
esta razão, Paulo volta a usar a expressão um Espírito e diz que a todos
os crentes lhes deu de beber deste único Espírito. Os verbos batizar e
42
Consulte-se a Gaffin, Perspectives on Pentecost, p. 29.
43
Dunn, Baptism in the Holy Spirit, p. 129.
44
G.R. Beasley-Murray, Baptism in the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1962), p. 171.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 615
beber têm muito em comum. O paralelo nas epístolas de Paulo nos
oferece uma fraseologia semelhante: «porque todos os que foram
batizados em Cristo se revestiram de Cristo. Já não há judeu nem grego,
escravo nem livre, homem nem mulher, mas todos vocês são um em
Cristo Jesus» (Gl 3:27, 28).
Nas passagens de Coríntios e Gálatas, Paulo sublinha a unidade que
a igreja tem em Cristo Jesus, sem importar as diferenças raciais,
culturais, sociais e sexuais. Paulo afirma que todos foram batizados por
um Espírito em Cristo. Agora acrescenta que aos crentes foi dado a beber
do Espírito (v. 13) e que se revestiram de Cristo (Gl 3:27). Assim como
os cristãos se vestem de Cristo, assim também estão saturados do
Espírito Santo. O verbo grego potizō pode significar «dar de beber» (Mt
25:35) ou «irrigar» (1Co 3:6–8). 45 O segundo significado é apropriado
aqui, visto que Jesus conectou o Espírito Santo com o conceito de água
viva que flui do crente (Jo 4:10; 7:38, 39). Quando se produz esta
saturação espiritual, o crente desfruta de uma abundante colheita, ou
seja, os frutos do Espírito (Gl 5:22, 23).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 12:12–13


καθάπερ … ο_τως — os advérbios formam um equilíbrio: «assim
como» e «assim também». Embora o primeiro advérbio ocorra dezessete
vezes no Novo Testamento, só um deles aparece nas epístolas de Paulo.
πάντα τ_ μέλη — o adjetivo πάντα («todos») é enfático: «todos os
membros».
κα_ γάρ — «porque por certo». Cada palavra retém seu próprio
significado. 46
_ποτίσθημεν — é o aoristo passivo de ποτίζω (=dar a beber, irrigar)
e demanda um objeto direto na forma de _ν πνε_μα («um Espírito»). O

45
Refira-se a G.J. Cuming, «Epotisthēmen (1 Corinthians 12:13)», NTS 27 (1981): 283–85; E.R.
Rogers, «Epotisthēmen Again», NTS 29 (1983): 139–42.
46
BDF § 452.3.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 616
Texto Majoritário usa a preposição ε_ς (= para dentro de) diante do caso
acusativo, mas tem pouco apoio nos manuscritos (KJV, NKJV).

(2) O corpo físico. 1Co 12:14–20


Nos meados do primeiro século, Paulo pensava que o corpo
humano com seus numerosos membros servia de paralelo descritivo para
representar a igreja universal. O corpo com seus muitos membros foi
criado para funcionar de forma eficaz como uma unidade, e a igreja com
seus membros dotados de dons também forma uma unidade eficaz. No
entanto, a igreja universal hoje em dia é tão diversa em linguagem,
cultura, raça, fronteiras, tradições, história e teologia que pareceria
simplista compará-la com o corpo humano. Contudo, a ilustração de
Paulo é especialmente apta quando se fala da igreja local. A figura
ensina que assim como o corpo funciona de forma harmoniosa, assim
deve funcionar a igreja de Jesus Cristo.
14. Pois, por certo, o corpo não é um membro mas muitos.
Com as palavras introdutórias pois, por certo, Paulo retorna à ideia
que começou a desenvolver no versículo 12, onde falou de muitos
membros e um corpo. Repete as mesmas palavras para ilustrar que a
unidade e diversidade não só são uma característica do corpo humano
mas também de todos os corpos criados. Para que qualquer organismo
vivo funcione de forma produtiva, todas as suas distintas partes devem
agir de forma coordenada e compatível, e sua diversidade deve mostrar
unidade de propósito.
Paulo está pensando na igreja de Jesus Cristo e especialmente da
comunidade cristã de Corinto. À parte de todos seus problemas, esta
comunidade foi bendita com numerosos dons e talentos (veja-se vv. 28–
31). A analogia é clara, porque como o corpo humano com seus
numerosos membros foi criado para funcionar em harmonia, assim
também a igreja de Corinto com toda sua gente dotada de dons deve
funcionar de forma combinada. «Assim como a beleza do corpo humano
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 617
se ressalta pela variedade de suas partes, assim a glória do corpo de
Cristo se mostra na diversidade de seus membros». 47
15, 16. Se o pé disser: «Porque não sou mão, não pertenço ao corpo»,
por esta r azão não deixa de pertencer ao corpo. E se a orelha disser:
«Porque não sou olho, não pertenço ao corpo», por essa razão não deixa
de pertencer ao corpo.
Com estas ilustrações hipotéticas, Paulo representa as partes do
corpo humano falando-se mutuamente. Porque o pé não é tão hábil como
a mão, poderá dizer à mão «Porque não sou mão, não pertenço ao
corpo». Mas semelhante afirmação seria absurda. Os pés são parte do
corpo e o completam. A aplicação que se deriva para os coríntios é que
deveriam erradicar toda inveja que venha de algum dom espiritual em
particular que um membro não tenha recebido. O membro que não tem
esse dom não deve sentir-se menosprezado. Ninguém deve separar-se do
corpo dos crentes motivado pela inveja ou ressentimento. 48
Também há uma diferença entre as funções do ouvido e as do olho.
O surdo ainda pode ver tudo, mas o cego vive numa escuridão perpétua.
O ouvido poderia pensar que a capacidade de ver é mais importante que
a de ouvir. O ouvido poderia sentir-se inferior ao olho. Por esta razão, o
ouvido poderia argumentar: «Porque não sou olho, não pertenço ao
corpo». Mas falar assim é ocioso e inútil. O corpo necessita a todos os
seus membros para funcionar apropriadamente. Da mesma forma,
nenhuma pessoa da congregação de Corinto tem direito de separar-se da
igreja, porque cada membro é importante para o são funcionamento de
todo o corpo.
17. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo o corpo
fosse ouvido, onde estaria o olfato?
Por meio de uma excelente ilustração, Paulo explica o que é a
unidade e a dependência mútua. O corpo humano que consiste em muitas
partes jamais poderá ser só um olho. Se fosse assim, argumenta Paulo,

47
R. B. Kuiper, The Glorious Body of Christ (Grand Rapids: Eerdmans, s.f.), p. 288.
48
Calvin, 1 Corinthians, p. 267. Cf. o ponto de vista de Fee, 1 Corinthians, p. 610.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 618
veria, porém não poderia ouvir. O corpo não seria capaz de funcionar
corretamente. Além disso, se o corpo estivesse composto só pelo ouvido,
não poderia detectar aromas, maus ou bons. Por certo, sem a variedade
das partes do corpo, cumprindo suas próprias funções, o corpo se
deterioraria e morreria rapidamente.
Paulo mostra o absurdo de aninhar ciúme pelos dons espirituais que
os membros da congregação de Corinto tinham recebido. O apóstolo não
só ensina, mas também se esforça para unir a igreja cristã. Os membros
da igreja de Corinto necessitam uns aos outros. Cada um recebeu algum
dom espiritual sobre o qual depende a congregação.
Aquele que recebeu um dom deve entender que todos os membros
da igreja dependem de que ele ou ela use seu dom espiritual. Quando
todos os membros empregam os talentos que o Espírito Santo distribuiu
entre o povo de Deus, a igreja inteira funciona com eficiência para
benefício de todos.
18. Mas agora Deus colocou os memb ros, cada um deles, no corpo
como ele quis.
Respondendo sua própria pergunta (v. 17), Paulo entrega uma breve
conclusão que introduz com as palavras mas agora, isto é, «de fato». 49
Por um momento abandona o mundo de ilustrações hipotéticas e volta à
realidade.
Deus é o sujeito deste versículo, porque Ele é o criador do corpo
(Gn 2:7). Na criação, Deus fez um corpo humano livre de todo defeito ou
fraqueza. Desenhou o corpo para que todos seus membros funcionassem
corretamente e mostrassem unidade. Embora menos eficiente pelos
efeitos do pecado, o corpo humano ainda é uma maravilha da criação.
Seu desenho revela a mão do Criador, quem deu a cada membro
individual um lugar único no corpo (cf. 1Co 15:38; Ap 4:11).
Por implicação afirma-se que os dons que Deus distribuiu os deu
segundo Seu próprio desígnio. Mediante o Espírito, Deus realiza o Seu

49
BAGD, p. 546.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 619
plano no povo que redimiu. Demos dois exemplos, um do Antigo
Testamento e outro do Novo. Estes exemplos demonstram como usar os
dons. Primeiro, quando Deus mandou Moisés construir o tabernáculo no
deserto, também encheu com seu Espírito a Bezalel, a Aoliabe e a outros
artesãos. Deus lhes deu habilidades para construir a tenda da
congregação (Êx 31:1–6). Segundo, quando a igreja de Jerusalém
cresceu em número, de maneira que os apóstolos não podiam
desenvolver todas as suas tarefas, Deus levantou sete homens cheios do
Espírito e de sabedoria. Estes sete diáconos serviram com seus dons e
talentos para satisfazer as necessidades da igreja (At 6:1–6). Quer isso
dizer que Deus dota de dons especiais só a uns poucos líderes?
Naturalmente que não, porque Paulo já disse que cada crente recebe dons
espirituais (v. 11). Portanto, dentro da igreja não deveria haver pessoas
ociosas. Pelo contrário, cada um deve usar o talento que Deus lhe deu
para edificar ao corpo de Cristo.
19. Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corp o?
[RA]
Se todos os membros da igreja pensassem, agissem, falassem e
vestissem igual e se, além disso, todos tivessem um e o mesmo dom, a
igreja não seria um corpo mas um só membro. Literalmente, Paulo
pergunta: «E se todas as partes juntas fossem um só membro, onde
estaria o corpo?» Com só fazer a pergunta a pessoa a responde.
No princípio deste discurso (v. 14), Paulo olhava à totalidade do
corpo que consiste em muitas partes (v. 14). Agora olha às partes que se
tornam uma só e ele se pergunta onde estará o corpo. Uma unidade que
carece de diversidade poderá ser uma unidade, porém não será capaz de
funcionar como um corpo orgânico. Uma entidade sem parte
distinguíveis pode ser tão inútil quanto um pedaço de argila descartada.
20. Mas agora há muitos membros, mas um corpo.
Pelo contrário, diz Paulo, a igreja inclui muitos membros que juntos
formam um corpo. E este corpo expressa uma harmonia e unidade muito
parecida com a de um coro que ao cantar as diferentes vozes criam uma
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 620
harmonia musical. Paulo conclui esta parte da discussão com as mesmas
palavras que escreveu anteriormente no versículo 12. Naquele versículo
falou de um corpo e de muitas partes, mas aqui apresenta o outro lado da
moeda.

Considerações práticas em 1Co 12:14–20


Muitas congregações, especialmente as que têm muitos anos,
devem enfrentar-se com um grau de indolência. Só um pequeno grupo de
santos fiéis fazem todo o trabalho na congregação: servem como
membros do consistório ou diretório, ensinam na escola dominical,
visitam os doentes, dão as boas-vindas a novos membros e trabalham
com a juventude. À parte de assistir o culto dominical, a maioria dos
membros são frouxos. Embora recebam comida espiritual, são fracos por
falta de exercício. Sua inatividade terminou por atrofiá-los, e seu atrofia
lhes produz problemas cardíacos.
Outros veem a grande atividade dos que são fiéis, mas em lugar de
imitá-los, enchem-se de descontentamento: criticam a liderança da
igreja, mostram-se invejosos, alimentam ressentimento e produzem
inimizades. Quando estes membros desgostados não recebem a atenção
que reclamam, vão para outra igreja, só para começar um novo círculo
de descontentamento e inveja.
Todo membro do corpo de Cristo deve reconhecer que ao distribuir
seus dons, Deus não deixou ninguém sem dons nem talentos. Ninguém
deve enterrar os seus talentos sendo frouxo, porque chegará o dia em que
Deus chamará todos a prestar conta. Naquele dia, Deus felicitará e
recompensará os que foram fiéis no emprego e desenvolvimento de seus
dons. Mas condenará e castigará àqueles que descuidam seus talentos
criticando a igreja e apartando-se dela.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 621
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 12:15–18
Versículos 15–16
Alguns Novos Testamentos gregos (NTG, GNT, TR) e traduções
(BJ, CB, LT) colocam as cláusulas destes dois versículos como se
fossem perguntas. Mas se estas orações fossem perguntas retóricas que
esperam uma resposta negativa, esperaríamos o uso da partícula μή e não
ο_ Aqui Paulo usa o negativo ο_ em ambos os versículos. Por
conseguinte, estes versículos devem ler-se como afirmações.
O fato de a partícula ο_ repetir-se em ambos os versículos (vv. 15,
16) não quer dizer que se procure uma dupla negação. A ocorrência
repetitiva desta partícula fortalece a negação.
παρ_ το_το — esta combinação é um modismo que significa «por
essa razão». 50

Versículo 18
νυν_ δέ — a partícula δέ é adversativa (=mas) e o advérbio νυνί
(=agora) perdeu sua referência temporal e aponta para a simples
informação de fatos.
_θετο — é o aoristo médio do verbo τίθημι (=colocar, pôr). Aqui o
verbo é depoente e quer dizer: «ordenou». 51

(3) As partes honrosas e as pudentes. 1Co 12:21–26


Os editores do Novo Testamento grego (GNT) não veem a
necessidade de começar aqui um novo parágrafo. Parece-me que se
deveria, porque Paulo muda ligeiramente de tema ao introduzir o
elemento de superioridade que alguns membros do corpo reclamavam
para si mesmos. Este sentimento reflete as condições sociais e espirituais

50
Moule, Idiom-Book, p. 51.
51
BAGD, p. 816; BDF § 316.1.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 622
dentro da igreja de Corinto. Por meio de algumas ilustrações, Paulo
procura convencer esses membros que a arrogância deles empana a
unidade da igreja.
21. O olho não pode dizer à mão: «N ão preciso de ti». Ou a cabeç a
aos pés: «Não preciso de vós».
Outra vez Paulo personifica os membros do corpo humano. O olho
fala com a mão, e a cabeça com os pés. A ideia é que o olho e a cabeça
querem independizar-se das outras partes do corpo. Não querem admitir
que sua existência se baseia em sua interdependência com os outros
membros físicos. O que poderia obter o olho sem a ajuda das mãos? O
que poderia realizar a cabeça sem poder mobilizar-se? A imagem que
Paulo comunica mostra quão absurdo é querer ser independente. As
partes individuais do corpo se ajudam mutuamente no funcionamento do
todo.
Notemos que Paulo usa olho no singular, não para chamar a atenção
ao órgão físico da anatomia humana, e sim à capacidade de ver que tem
uma pessoa. A palavra mão aparece também no singular para apontar à
capacidade de tocar, agarrar, receber e dar objetos. Enquanto em
português usamos o plural para nos referir a alguma destreza («hábil com
as mãos», «de pernas fortes»), em outros idiomas usa-se o singular. A
palavra cabeça deve-se entender de forma coletiva como o agrupamento
de todos os sentidos e funções da mente.
Esta é a lição que Paulo procura ensinar a seus leitores: o membro
da igreja de Corinto que tiver recebido o dom de curar, por exemplo, não
deveria sentir-se independente de outros membros dizendo: «Não preciso
de vós». Este ar de superioridade se desvanece diante do que Paulo
ensina que devemos ser servos dos demais (1Co 9:19; 2Co 4:5; Gl 5:13).
A pessoa que tem o dom de curar precisa ser ministrada por aqueles que
receberam os outros dons espirituais. Em suma, na igreja todos os
membros precisam dos conhecimentos e das habilidades dos demais para
edificar-se mutuamente. O respeitado Agostinho disse aptamente: “Deus
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 623
não se torna maior porque você O adora, mas você se torna grande ao
servi-Lo.”
22. Em contraste, os membros do corpo que parecem mais fracos são
os mais indispensáveis.
Paulo sublinha o contraste entre os membros fortes e os membros
fracos do corpo humano. Os fortes são as mãos e os pés (v. 21). Mas as
partes que chamamos fracas (Paulo não as menciona) realmente são
indispensáveis. Isto se ilustra com o fato de que os órgãos internos do
corpo parecem mais fracos porque não os vemos e, no entanto, todos
reconhecem que o corpo não pode funcionar sem eles. Se por meio da
cirurgia um médico remove algum órgão interno de um de seus
pacientes, em muitos casos o paciente terá que tomar remédios pelo resto
de sua vida para rebater a perda desse órgão.
Uma pessoa que é calada por natureza poderia não ser levada em
conta pelos que são mais agressivos e estão em mais contato com as
pessoas. No entanto, esta pessoa submissa com frequência resulta
poderosa em oração e herói da fé. É um membro indispensável da
comunidade cristã e sua aparente fraqueza é sua força.
A profetiza Ana era uma guerreira de oração e uma gigante
espiritual (Lc 2:36–38). Que na igreja de Corinto ninguém menospreze a
nenhum de seus membros, chamando-o fraco, pois este tipo de gente é
essencial para o bem-estar da congregação. O próprio Jesus disse a
Paulo: «Basta-te a minha graça, pois o meu poder se aperfeiçoa na
fraqueza» (2Co 12:9).
23, 24. E os mem bros do c orpo que consideramos menos honrosos,
sobre estes colocamos ma is honra; e n ossas partes não ap resentáveis
tratamos com m aior modéstia. E noss as partes apresentáveis não têm
necessidade disso.
Paulo primeiro menciona os membros fracos do corpo humano (v.
22), então em ordem descendente cita os menos honoráveis e, por
último, as partes não apresentáveis. Depois se refere às partes do corpo
que são apresentáveis.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 624
a. «E os membros do corpo que consideramos menos honrosos,
sobre estes colocamos mais honra». A palavra-chave da oração principal
do versículo 23 é o verbo colocamos. No grego este verbo literalmente
quer dizer: «colocar ou pôr ao redor de alguém artigos de vestir. Em
outras palavras quer dizer «vestir». As partes menos honrosas do corpo
humano as vestimos com mais cuidado que as mais nobres. Lindos
sapatos cobrem os pés feios, as ombreiras acrescentam estatura a um
corpo pequeno e um bonito vestido ou um elegante traje faz com que um
corpo robusto seja cativante.
b. «E nossas partes não apresentáveis tratamos com maior
modéstia». Quando fazemos referências a partes que não se mencionam
de nosso corpo, fazemo-lo com modéstia. Paulo não precisa ser
específico, porque todo leitor sabe o que quer dizer. As partes às quais
Paulo se refere são aquelas cuja exposição seria uma indecência que
daria vergonha e rubor. Estas partes não só são tratadas com modéstia,
mas também recebem muito mais cuidado. A tradução em português não
é capaz de comunicar o jogo de palavras que o grego cria mediante
asjēmona («não apresentáveis») e eusjēmosunen («modéstia»). Algumas
versões traduzem estes termos por «os indecorosos», «decoro» (CB,
NTT), «indecente», «decência» (BP, NC). Parece-me que nos
aproximamos da assonância do grego se traduzirmos: «nossas partes
menos respeitáveis tratamos com maior respeito».
A decência e a modéstia sempre devem ser características notáveis
de uma comunidade cristã que vive em meio de um mundo imoral e
dissoluto. Na cultura pagã do primeiro século, a nudez era comum e
totalmente aceitável, especialmente nos campos esportivos. Paulo diz
que como cristãos pensamos que certas partes do corpo não são tão
honoráveis e que, portanto, devem vestir-se corretamente.
c. «E nossas partes apresentáveis não têm necessidade disso». Paulo
não menciona quais são as partes do corpo às quais se refere, mas deve
referir-se ao rosto de uma pessoa que não precisa cobrir-se. Embora
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 625
cuidemos de nosso rosto diariamente, não é motivo de vergonha ou mal-
estar.
24b, 25. Não obstante, Deus combinou os membros do corpo, dando
mais honra aos que carecem dela, para que não haja di visão no corpo,
mas os membros tenham a mesma preocupação uns pelos outros.
Não é apropriada a forma em que as traduções dividem este
parágrafo, porque este versículo tem duas funções. A primeira parte do
versículo 24 dá termo ao segmento precedente. O versículo 24b serve
como a afirmação inicial da conclusão do tema que Paulo tem entre
mãos.
a. «Não obstante, Deus combinou os membros do corpo». O
adversativo não obstante marca a transição do argumento principal às
últimas observações de Paulo. Paulo repete algo que já disse (v. 18),
quando afirma: «Deus combinou os membros», com a diferença que aqui
usa um verbo distinto em tempo passado. Este tempo verbal aponta à
uma ação que se levou a cabo no passado, mas que ainda tem efeitos no
presente. Para ser preciso, Paulo se refere à criação de Adão no princípio
da história humana (Gn 2:7). Os descendentes de Adão têm o mesmo
tipo de corpo que Deus criou para seu progenitor.
b. «Dando mais honra aos que carecem dela». Em sua soberania
Deus cria um corpo sem perguntar nada a ninguém. Isso quer dizer que o
ser humano não tem o poder de determinar a composição de seu próprio
corpo. Jesus diz: «não podes tornar um cabelo branco ou preto» (Mt
5:36). Deus tem autoridade absoluta ao construir o corpo humano. Da
mesma forma, mescla os componentes individuais dentro da igreja para
que os fracos recebam maior atenção, não os fortes. Ao combinar as
várias partes do corpo, Deus cria harmonia perfeita. Os elementos mais
fortes compensam pelos fracos, de tal forma que os últimos recebem
maior reconhecimento. Por meio da mescla de muitas partes da igreja,
Deus cria força e beleza. A criação da igreja é obra de Deus.
c. «Para que não haja divisão no corpo». Paulo usa a palavra divisão
para referir-se mais à igreja que ao corpo humano (cf. 1Co 1:10–12). O
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 626
corpo físico criado por Deus não pode causar uma divisão de si mesmo.
Porém na igreja, os membros são capazes de criar desunião, pela qual a
possibilidade de cisma é algo real. Como resultado, Paulo afirma que
dentro da igreja de Cristo não deveria ocorrer divisões. 52 Aplica a figura
do corpo humano à igreja, embora a metáfora perca algo de seu efeito.
Contudo, Paulo se esforça por manter a unidade do corpo de Cristo (Rm
12:5), não só na congregação de Corinto, e sim no contexto mais amplo
das relações dos cristãos judeus de Jerusalém com os cristãos gentios
fora da Palestina (cf. At 21:17–21).
d. «Mas os membros tenham a mesma preocupação uns pelos
outros». Os membros da igreja precisam uns dos outros para levar a cabo
a obra do Senhor de forma eficaz. É muito necessária a pessoa que
recebeu o dom do ensino, para que ensine às crianças, jovens e adultos.
O pregador deve estar a par das necessidades de toda a congregação. As
pessoas que estão qualificadas para governar a igreja em seus distintos
ministérios são indispensáveis. Os diáconos que servem aos necessitados
realizam uma tarefa essencial. Toda esta gente expressa uma
preocupação genuína por outros membros da igreja.
Ninguém na igreja deve sofrer abandono. O cuidado de uns pelos
outros deve ser a marca da comunidade cristã, pois neste contexto a
preocupação de uns pelos outros tem um sentido positivo. Aponta ao
cuidado que Deus dá ao Seu povo e o cuidado que Deus espera que eles
tenham uns por outros. 53 Paulo ecoa da segunda parte do resumo da lei:
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Lv 19:18; Mt 22:39).
26. E se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. Se um
membro recebe honra, todos se alegram com ele.
Este é um dos textos mais belos da primeira epístola de Paulo aos
coríntios. Descreve o efeito genuíno que o cuidado pode ter sobre os
membros da igreja de Corinto. Quando o amor prevalece, a igreja se
mostra como um corpo físico vivo. Se danificamos um dedo do pé, se
52
Murray J. Harris, NIDNTT, vol. 3, p. 544.
53
Cf. Jürgen Goetzmann, NIDNTT, vol. 1, p. 278.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 627
verá afetada nossa capacidade para andar e, deste modo, todo o corpo é
afetado. O encher o estômago com deliciosa comida satisfaz a todos os
membros do corpo, mas a dor de uma úlcera estomacal tem o efeito
contrário. Da mesma forma, quando um membro da congregação sofre a
perda de um ser querido, toda a congregação sofre com ele. Quando um
membro recebe reconhecimento por alguma realização ou aniversário, o
resto dos membros o enche de prazerosas felicitações. A comunidade
cristã sofre com os que sofrem e alegra-se com os que se alegram.

Considerações práticas em 1Co 12:25–26


A igreja de Jesus Cristo é um organismo, não uma sociedade; uma
comunhão, não um clube; uma irmandade, não uma associação. 54 Ser
membro de uma sociedade, clube ou associação requer o pagamento de
quotas anuais e a assistência voluntária às reuniões. Se a pessoa deixar
de pagar a quota, é cancelada a membresia. Uma sociedade consiste em
oficiais e membros que fazem um esforço comum para obter um
objetivo. Uma sociedade administrativa funciona em geral numa área
específica, por exemplo em negócios ou na política. Porém não podemos
dizer que uma sociedade seja uma entidade viva. Em contraste, usamos a
palavra organismo quando descrevemos um corpo com um número de
partes que realizam várias funções para o bem totalmente. O organismo
está vivo e pertence ao reino humano, animal ou vegetal. Quer dizer,
Deus cria um organismo.
Os membros da igreja pertencem ao corpo vivo de Cristo, recebem
alimento espiritual, amadurecem em fé e expressam amor cristão a seu
próximo em formas concretas. Dentro do contexto da igreja, os membros
necessitam uns aos outros ao amar, alimentar, ensinar, treinar, equipar e
apoiar os outros membros. Isto o fazem em virtude dos dons e talentos
que Deus lhes deu.

54
Donald Guthrie observa: «as igrejas [primitivas] eram organismos vivos, em vez de organizações».
New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 741.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 628
A vida dentro da igreja é única. Cada membro com seus dons
depende de outros que também têm dons, para promover a causa de
Cristo. Sem apoio o crente cai, mas segue avante junto com seus irmãos
na fé. De fato, a igreja está viva e continuará estando até o fim do tempo.
É um corpo vivo cuja cabeça é Cristo.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 12:22–25


Versículos 22–24
πολλ_ μ_λλον — «quanto mais». Trata-se do dativo de comparação
no qual o adjetivo positivo é usado em lugar do comparativo.
περισσοτέραν — este adjetivo comparativo modifica ambos os
substantivos τιμήν =honra; e ε_σχημοσύνην = modéstia) e se traduz
«mais», «maior».
σονεκέρασεν — este verbo composto é mais enfático que o verbo
simples κεράννυμι (=misturar). O verbo conota aqui a ideia de
«amalgamar, misturar, unir». O aoristo é constativo. 55
_στερουμέν_ — é o gerúndio, voz passiva, e quer dizer «carecer de,
ser inferior». 56

Versículo 25
_να μή — com o verbo _ («haja»). estas palavras dão começo à
uma oração negativa de propósito. continua-se a construção com o
adversativo _λλά (=mas sim) que introduz uma oração positiva de
propósito com o verbo μεριμν_σιν («tenham preocupação»).

55
Robertson, p. 832.
56
Consulte-se Willian L. Lane, NIDNTT, vol. 3, pp. 952–956.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 629
(4) Membros e dons. 1Co 12:27–31
Paulo volta à discussão sobre a membresia na igreja e sobre os dons
que Deus concede aos membros. Nos versículos 8–10 enumera nove
dons que o Espírito Santo distribui entre os membros da igreja. Nos
seguintes versículos (vv. 28–30) classifica-os por posição. Coloca os
dons de línguas e o de interpretação no último lugar de sua lista. Estes
serão discutidos mais adiante com maior detalhe (cap. 14).
Paulo introduz seu tratamento dos dons espirituais com uma
declaração exaustiva a respeito da membresia na igreja de Jesus Cristo.
Sua afirmação resume o que veio dizendo no presente parágrafo (vv. 12–
26) deste capítulo.
27. Vós sois o corpo de Cristo e individualmente membros dele.
a. «Vós sois o corpo de Cristo». Paulo se dirige aos membros da
igreja de Corinto com o pronome pessoal vós. São o povo santificado em
Cristo Jesus e que são chamados a ser santos (1Co 1:2). No entanto, esta
gente pelejava, causava divisões, não excomungaram o irmão imoral,
demandavam judicialmente os irmãos, criticavam os apóstolos e não
observavam corretamente a Santa Ceia. Apesar de todos estes defeitos,
Paulo lhes diz que são o corpo de Cristo.
No texto grego, Paulo usa o substantivo corpo no sentido absoluto
do termo. Isto é, a palavra aparece sem o artigo definido. Paulo não fala
de «um corpo» ou de «o corpo», mas só de «corpo», com o qual indica
que este é um e único corpo, porque não há nenhum outro corpo de
Cristo. Não se refere ao corpo físico de Cristo, e sim fala de forma
figurada da igreja como o corpo de Cristo (p. ex., Ef 1:23; Cl 1:24). Para
dizer de outro modo, Paulo afirma que a igreja a que pertencem os
coríntios é uma entidade sem divisões.
A igreja como o corpo figurativo de Cristo existe nEle e pertence a
Ele. Está verdadeiramente unido a Cristo, porque cada crente individual
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 630
57
está pela fé incluído nEle. Cada congregação local é um microcosmo
de toda a igreja, de tal maneira que todo aquele que observa as distintas
funções da congregação sabe que este corpo é a igreja em ação. Aqui
Paulo declara o princípio de unidade na multiplicidade. Na seguinte
oração falará da multiplicidade em unidade.
b. «E individualmente membros dele». Não temos informação do
tamanho da congregação de Corinto, mas Paulo afirma que cada
indivíduo é parte do corpo de Cristo. Ao falar assim, Paulo sublinha a
individualidade dos membros, porque cada um recebeu um dom
diferente do Senhor. Com estes dons e funções ao seu dispor, todos os
membros contribuem juntos ao bem-estar da comunidade cristã.
28. E De us nomeou na igreja, em primeiro lugar, apóstolos; em
segundo lugar, pr ofetas; em t erceiro lugar, mestres; logo, os milagres ;
depois, dons de curar, obras de ajuda, administração, tipos de línguas.
Em versículos anteriores, Paulo ensinou que Deus dispõe as partes
do corpo humano (v. 18) e combina seus vários membros (v. 24). Isto é
certo, não só com relação ao corpo humano físico, mas também da
igreja. Deus distribui aos membros na igreja uma variedade de dons
desenhados para servir ao corpo. O próprio Deus é quem nomeia a
alguém para um ofício ou lhe dá uma função a realizar. Deus chama os
indivíduos a tomar uma posição oficial dentro da igreja, mesmo quando
os membros da igreja sejam os que chamam, ordenam ou instalam os
irmãos em suas posições. Como diz o escritor da epístola aos Hebreus:
«Ninguém ocupa esse cargo por iniciativa própria; antes, ocupa-o aquele
que é chamado por Deus» (Hb 5:4). Por exemplo, Paulo e Barnabé foram
chamados pelo Espírito Santo e apartados pela igreja de Antioquia (At
13:1–3). Funcionaram na igreja como apóstolos, profetas e mestres. 58 É
um fato de que a frase na igreja aplica-se à igreja universal e não só à
congregação de Corinto.

57
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traducido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), pp. 375–376.
58
Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity, p. 139.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 631
Em ordem descendente, Paulo enumera três grupos de pessoas que
receberam dons espirituais: os apóstolos, os profetas e os mestres. Em
outra carta menciona quatro grupos: «Ele mesmo [Cristo] constituiu a
uns, apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas; e a outros,
pastores e mestres» (Ef 4:11; cf. Rm 12:6–8). Também menciona cinco
dons, embora por implicação fala-se de pessoas que exercem estes dons.
a. «Em primeiro lugar, apóstolos». Jesus comissionou diretamente
doze para serem Seus apóstolos, incluindo Matias, sucessor de Judas (cf.
Lc 6:13–16; At 1:23–26). Mas o círculo apostólico se estendeu para além
dos doze, visto que Paulo era um apóstolo (Rm 1:1), assim como
Barnabé (At 14:14). Paulo escreve que Andrônico e Júnias eram homens
destacados entre os apóstolos, embora não funcionavam como tais (Rm
16:7). Este texto parece querer dizer que os apóstolos respeitavam muito
estes dois homens. 59 Os apóstolos serviram como embaixadores de
Cristo, para proclamar, ensinar e registrar as boas novas.
Naturalmente que Paulo não quer ensinar que cada congregação
individual tem seus próprios apóstolos. Os apóstolos serviram a toda a
igreja em seus primeiros anos de formação. O ofício apostólico foi só
para um tempo e cessou com a morte do último apóstolo que morreu, o
apóstolo João, quem morreu provavelmente no ano 98 d.C. As
estipulações requeridas para ser apóstolo faziam impossível que
houvesse sucessores. Primeiro, para ser apóstolo um devia ter seguido ao
Senhor Jesus desde seu batismo até sua ascensão e, segundo, ter sido
testemunha de sua ressurreição (At 1:21, 22). Embora Paulo não
acompanhou a Jesus durante seu ministério terrestre, viu ao Senhor
ressuscitado, o que o capacitava para dar testemunho de sua ressurreição
(1Co 9:1; Rm 1:1–4). Esta é a razão pela qual Paulo se chama a si
mesmo «nascido fora de tempo» (1Co 15:8).
b. «Em segundo lugar, profetas». Diferente dos apóstolos, que
serviam a toda a igreja, os profetas com frequência serviam numa

59
Veja-se também o texto grego de 2Co 8:23; Fp 2:25; 1Ts 2:6.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 632
congregação local (p. ex., At 13:1). Mesmo quando um apóstolo (p. ex.,
João no livro de Apocalipse) podia profetizar, um profeta jamais
funcionou como apóstolo. Em uns poucos textos, Paulo menciona os
apóstolos e os profetas juntos (Ef 2:20; 3:5), porém não os põe no
mesmo nível. Ambos permanecem como dois grupos distintos, porque os
apóstolos são apóstolos e os profetas são profetas. 60 Nem no presente
texto nem em outras passagens (Ef 4:11; Ap 18:20; Didaquê 11.3) é
possível igualar o ofício de profeta com o de apóstolo.
Os apóstolos falaram e escreveram com a mesma autoridade que
Deus entregou aos profetas do Antigo Testamento. Eram testemunhas da
vida, morte e ressurreição de Jesus. Os profetas do Novo Testamento
também falaram com a autoridade do Espírito Santo. Junto com os
apóstolos colocaram o fundamento da igreja (Ef 2:20) e sua posição
seguia à dos apóstolos. Além disso, as declarações dos profetas deviam
ser avaliadas (1Co 14:29) para proteger à igreja de falsos profetas cuja
influência prejudicava seu bem-estar.
A igreja antiga tinha profetas que prediziam o futuro, entre os quais
estava Ágabo (At 11:28; 21:10); João na ilha de Patmos também
funcionou nessa qualidade (Ap 1:3; 22:9, 18). Em Antioquia, a igreja era
instruída por mestres e profetas, os quais eram Barnabé, Simeão com
sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém e Saulo (At 13:1); em
Jerusalém estavam Judas e Silas (At 15:32); e em Cesareia residiam as
quatro filhas de Filipe, o evangelista (At 21:8, 9). A tarefa dos profetas
era ensinar nas congregações locais. Instruíam sobre a conduta cristã, 61 e
agiam junto aos que tinham recebido o dom de ensinar as Escrituras.
Embora os profetas tenham recebido o dom de profecia, não há
evidência de que pertencessem a um ofício permanente das comunidades
60
F. David Farnell, «Does the New Testament Teach Two Prophetic Gifts?» BS 150 (1993): 62–88.
Por contraste, veja-se Grudem, Prophecy in the New Testament, p. 62.
61
Phillips interpreta o termo profetas como «pregadores poderosos». Consulte-se David Hill,
«Christian Prophets as Teachers or Instructors in the Church», en Prophetic Vocation in The New
Testament and Today, editado por J. Panagopoulos, Supplements to Novum Testamentum, vol. 45
(Leiden: Brill, 1977), pp. 122–123.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 633
cristãs antigas. Seu dom consistia na habilidade de profetizar, isto é, de
receber a revelação de Deus e de pregar Sua palavra. «No período que
veio depois dos apóstolos, o profeta ainda poderia estar acima do
ministro local, mas logo chegaria o dia em que este dom de profecia
passaria aos ministros locais que pregavam a palavra para edificar os
membros da comunhão cristã». 62
A igreja antiga teve vários profetas, entre os quais estava Ágabo (At
11:28; 21:10), Judas e Silas (At 15:32). Mas durante o segundo século a
influência da profecia se extinguiu, quando na Ásia Menor surgiu
Montano, que reclamou ser um profeta com uma revelação nova sobre a
vinda de Cristo. Por um tempo, o montanismo teve sua influência, mas
logo foi condenado como espúrio. 63 Por ter sido uma fraude, o
montanismo foi menosprezado. Os profetas deixaram de ser importantes
quando a igreja confiou mais na Escritura que na profecia.
c. «Em terceiro lugar, mestres». Se Paulo faz uma diferença entre
profetas e mestres, em que diferem?
Primeiro, nos dias de Paulo o mestre era respeitado por sua
habilidade para instruir a outros. Por exemplo, as pessoas dirigiam-se a
Jesus usando o termo hebraico rabi, que significa «meu grande
[mestre]». Em contraste com os mestres, os profetas nem sempre eram
respeitados, porque as táticas dos falsos profetas desprestigiaram a
profecia. De fato, Paulo admoesta os cristãos: «não desprezeis as
profecias» (1Ts. 5:20).
Segundo, enquanto o profeta esperava até receber uma revelação
(1Co 14:30), o mestre tinha as Escrituras como a Palavra revelada de
Deus. Os estudantes deviam aprender a sã doutrina e as tradições que
seus instrutores lhes ensinavam. Os livros eram tão caros que só os ricos

62
James G. S. S. Thomson, «Spiritual Gifts», BDT, p. 499. Cf. David E. Aune, Prophecy in Early
Christianity and the Ancient Mediterranean World (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), p. 204; Hermann
Sasse, «Apostles, Prophets, Teachers», RTR 27 (1968): 11–21.
63
Gerhard Friedrich, TDNT, vol. 6, pp. 859–860; David Hill, New Testament Prophecy (Atlanta: John
Knox, 1979), pp. 186–192.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 634
podiam adquiri-los. Por isso, o mestre ocupava a pedagogia da repetição,
para ajudar os seus estudantes a aprenderem de cor o que era ensinado.
Paulo afirma que ele era um apóstolo e mestre do evangelho de Cristo
(2Tm 1:11).
Por último, segundo Paulo o trabalho do mestre se relaciona de
perto com o do pastor (Ef 4:11). Grande parte do tempo do pastor está
dedicado ao ensino do povo.
d. «Logo, os milagres». Paulo fala de milagres, não dos que fazem
milagres. A tradução literal é «milagres», que por implicação aponta aos
que os realizam. Como os milagres não ocorrem com frequência, o dom
de fazer maravilhas não é permanente (leia-a explicação do v. 10).
e. «Depois, dons de curar». Os dons de curar tampouco são
permanentes (veja-se o comentário ao v. 9). A palavra grega que está
atrás de «dons» é charismata, que aparece no princípio da lista de dons
espirituais no versículo 4 e no final do capítulo no versículo 30. De todos
os dons, Paulo só chama charismata (substantivo plural no grego) às
curas.
f. «Obras de ajuda». A palavra grega antilēmpseis só ocorre aqui
em todo o Novo Testamento, e é traduzida por «socorros» (RA, NTT),
«dom de assistência» (BJ, CI, cf. BP), «dom de prestar ajuda» (NVI, cf.
VP), «assistir aos necessitados» (CB, cf. LT). O verbo aparece três vezes
no Novo Testamento. Em Lucas 1:54 o verbo fala de ajudar a Israel, o
mesmo que na Septuaginta no texto de Isaías 41:9. Em Atos 20:35
refere-se a ajudar ao fraco. Em 1 Timóteo 6:2 quer dizer beneficiar. 64
Na presente passagem, o substantivo significa ajudar ou tender a
mão de amor e misericórdia tanto aos que estão dentro como fora da
comunidade cristã. Um comentarista afirma que o termo «sugere
definitivamente a ajuda prestada pelas autoridades governamentais a
quem quer que estiver necessitado ou oprimido».65 Mas é mais provável

64
Cf. Gerhard Delling, TDNT, vol. 1, p. 375.
65
Parry, The First Epistle to the Corinthians, p. 187.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 635
que fossem os membros da comunidade cristã os que recebiam este dom
espiritual de ajudar a outros, e não o governo.
g. «Administração». A palavra grega kybernēseis só ocorre uma vez
em todo o Novo Testamento. Um substantivo da mesma raiz aparece
duas vezes (At 27:11; Ap 18:17) com a ideia de «piloto» ou «capitão de
barco». A palavra portuguesa governar vem do latim gubernare e do
grego kybernan, que significa «sustentar o leme, navegar». Paulo parece
sugerir que o dom espiritual da kybernēseis é a habilidade para conduzir
o leme da igreja.
Nas epístolas pastorais, Paulo escreve que os anciãos que governam
bem a igreja, em especial os que se dedicam a pregar e ensinar (1Tm.
5:17) são dignos de dobrada honra. Quer dizer, Paulo se refere aos
anciãos governantes e aos anciãos docentes. 66 Por certo que a pessoa que
tem o dom de governar na igreja é digna de respeito.
h. «Tipos de línguas». Este é o último dos nove dons. Como Paulo
os cita segundo sua ordem de importância, o último é o menos
transcendental. Presumimos que este dom tornou-se tema controvertido
porque alguns membros da igreja de Corinto tinham dado a ele um valor
excessivo. Como resultado, ao colocar o dom de línguas em último
lugar, Paulo corrige as ideias erradas destes crentes. O mesmo faz ao
dedicar um capítulo completo ao amor e ao ordenar-lhes depois que se
comuniquem de uma forma inteligível.
A expressão tipos de línguas é idêntica às palavras do versículo 10
(consulte o comentário). Paulo não se refere a um idioma em particular,
compreensível ou não compreensível, mas à variedade de línguas que
eram faladas na área metropolitana de Corinto. Contudo, o falar idiomas
estrangeiros ou a prática da glossolalia com frequência é causa de
alienação e isolamento. Isso torna necessária a intervenção de tradutores
ou intérpretes que superem as barreiras linguísticas. No entanto, notemos

66
As igrejas de uma persuasão reformada mantêm uma diferença entre anciãos docentes (pastores) e
anciãos governantes. Cf. Calvin, 1 Corinthians, p. 272.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 636
que nesta lista particular Paulo nem sequer inclui o dom de interpretação
(cf. v. 30).
29, 30. São todos apósto los? São todos profetas ? São todos mestres?
São todos [operadores de] milagres? Têm todos dons de curar? Fal am
todos em línguas? Interpretam todos?
Paulo faz sete perguntas retóricas, todas com uma resposta
negativa. Estas respostas mostram com clareza tanto a diversidade como
a universalidade da igreja. A igreja não se limita a uma congregação
local. A primeira pergunta («são todos apóstolos?») se dirige aos
coríntios e implica que os apóstolos não se originaram em Corinto.
A comunidade de Corinto tem profetas (1Co 14:29), mas de certo
que nem todo crente recebeu o dom de profecia. O mesmo se pode dizer
dos mestres, dos que operam milagres, dos crentes que têm o dom de
cura e dos que falam em línguas. Nem todos recebem os mesmos dons.
Notemos que Paulo passa por alto «as obras de ajuda» e a
«administração». Antes, acrescenta o dom de interpretação de línguas
(cf. v. 10).
Ninguém na igreja pode reclamar ser possuidor de todos os dons
que Paulo menciona. Os membros da igreja, individual e coletivamente,
dependem uns dos outros por causa dos talentos e habilidades que cada
um possui. Por outro lado, a distribuição de dons entre os membros da
igreja mostra diversidade e unidade.
31. Mas desejai com anelo os m elhores dons. E eu vos mostrarei um
caminho ainda mais excelente.
Paulo conclui este capítulo com um breve conselho cuja
interpretação é problemática. Está Paulo exortando os seus leitores a
buscar as primeiras três posições da lista: apóstolo, profeta e mestre?
Sabemos que os requisitos para ser apóstolo eram ter estado com Jesus
desde o Seu batismo até o dia de Sua ascensão e ser testemunhas de Sua
ressurreição (At 1:21, 22). Isso torna impossível que alguém possa
aceder ao ofício apostólico. O que Paulo faz é animar os irmãos a buscar
os dons de profecia e de ensino (cap. 14). A presente passagem deve
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 637
entender-se como um resumo que introduz o capítulo do amor. Não
obstante, este resumo tem vários problemas.
a. Tradução. Como entendemos o verbo desejai? Em grego poderia
ser imperativo ou indicativo. Alguns eruditos creem que a primeira linha
do versículo 31 deve entender-se como indicativa: «Estais procurando
pelos dons melhores». 67 Contudo, a maioria das versões usam o modo
imperativo: «aspirai os carismas superiores».68 Esta tradução está
apoiada por dois textos paralelos que usam o mesmo verbo no
imperativo: depois do intermédio da carta de amor (cap. 13), Paulo reata
sua discussão dos dons, dizendo: «Segui o amor, esforçai-vos com
denodo pelos dons espirituais, especialmente que profetizeis» (1Co
14:1).69 E depois conclui desta maneira: «Assim que, meus irmãos,
desejai com esforço o poder profetizar e não proibais o falar em línguas»
(1Co 14:39).
Outro problema é poder saber o que quer dizer com o adjetivo que
modifica a palavra dons. As versões traduzem «superiores» (BJ) ou
«mais excelentes» (NTT), «mais valiosos» (CI, CB, NBE). Uma variante
textual dá a alternativa de «melhores» (RA). 70 Com base no texto grego
e no contexto, os comentaristas preferem a tradução superiores ou mais
excelentes.
b. Significado. Por que Paulo ordena os coríntios a procurar os
melhores dons, quando num versículo anterior (v. 11) escreve que o
Espírito Santo os distribui como Lhe apraz (cf. v. 18)? Quando Paulo
escreve, «desejai com anelo os maiores dons», usa o verbo grego zēloō
(= lutar para conseguir algo), o qual neste contexto tem um sentido
positivo. Paulo exorta os crentes de Corinto a obter a meta de receber e
desenvolver os seus dons espirituais para a edificação da comunidade

67
Gerhard Iber, «Zum Verständnis von 1 Cor. 12,31», ZNW 54 (1963): 43–52; Bittlinger, Gifts and
Graces, pp. 73–75; Max-Alain Chevallier, Esprit de Dieu, Paroles d’Hommes (Neuchâtel: Delachaux,
1966), pp. 158–163; Martin, The Spirit and the Congregation, pp. 34–37.
70
Esta leitura encontra apoio nas testemunhas ocidentais e no Texto Majoritário, mas a limita o fato
de que carece de apoio nos manuscritos mais antigos e nos alexandrinos.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 638
71
cristã. O significado do substantivo zēlōtēs (de onde se deriva zelote)
dá a ideia daquele que com grande desejo faz o que é bom (Tt 2:14; 1Pe
3:13).
Supomos que alguns coríntios tinham dado proeminência ao dom
de línguas. Paulo coloca este dom no final das listas que aparecem no
princípio e no final do capítulo (vv. 10, 28, 30). Embora o apóstolo não
menospreze o valor deste dom, considera que é «a mais inferior das
bênçãos espirituais de Deus». 72 Portanto, insiste com seus leitores a
buscar os melhores dons.
c. Intermediário. «E eu vos mostrarei um caminho mais excelente
até». Neste ponto, os estudiosos não estão de acordo na forma de dividir
os parágrafos. Alguns creem que o versículo 31b se relaciona com o que
precede, outros creem que se conecta com o que segue. Outros pensam
que todo o versículo 31 forma um parágrafo à parte. Eu sugiro que a
segunda parte deste versículo é uma ponte entre os capítulos 12 e 13,
pelo que deve ficar à parte. Paulo apresenta sua exposição sobre o amor
como um intermédio em sua discussão sobre os dons. Ensina que o amor
não é um dom e sim um modo de vida. 73 Mostra que fora do contexto do
amor, a um dom espiritual é impossível funcionar e não vale nada. O
amor é o fruto mais importante do Espírito. É o primeiro que se
menciona numa lista de nove virtudes (Gl 5:22, 23).
Paulo procura definir o significado do amor, mas só pode descrevê-
lo com expressões positivas e negativas. Terminado o intermédio, volta à
sua discussão dos dons espirituais.

71
Albrecht Stumpff, TDNT, vol. 2, p. 888; Hans-Christoph Hahn, NIDNTT, vol. 3, p. 1167.
72
Hurd, Origin of 1 Corinthians, p. 192. Por contraste, Fee argumenta que a glossolalia «é
mencionada em último lugar, não porque seja ‘o dom mais inferior’, mas porque é o problema». First
Corinthians, p. 572.
73
Carson, Showing the Spirit, p. 57.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 639
Considerações práticas em 1Co 12:29–31
Ficamos assombrados quando alguém desenvolve talentos que
jamais imaginamos que tivesse. Quando vemos este resultado,
expressamos nossa avaliação e falamos de talentos escondidos. Por
exemplo, detectamos aspectos hereditários e sabemos que é Deus quem
os deu. De forma semelhante, Paulo apresenta o Espírito Santo
distribuindo dons espirituais aos crentes individuais (veja-se os vv. 11,
18). Mas se Deus nos concede os dons que Ele escolhe, como podemos
procurar conseguir dons superiores? Parece absurdo pedir a Deus dons
adicionais, quando já recebemos os dons que Ele distribuiu.
Paulo diz aos coríntios que em seu zelo por dons espirituais, devem
«Assim também vós, visto que anelais os dons espirituais, buscai
sobressair naqueles que edificam a igreja» (1Co 14:12). Na palavra
buscai ouvimos o eco das palavras de Jesus, que disse: «Peçam, e lhes
será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta»
(Mt 7:7, NVI; Lc 11:9). Deus é soberano e quer que vamos a Ele. Quer
que Lhe peçamos para que livremente nos dê os Seus dons.
Mas como recipientes destes dons espirituais, jamais devemos ser
invejosos, pretensiosos ou orgulhosos (1Co 13:4). Estes vícios sufocam o
amor e negam o fim para o qual se empregam os dons espirituais, ou
seja, para a edificação da igreja.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 12:27–28


Versículo 27
_μεί — ao ser colocado como a primeira palavra da oração, o
pronome pessoal plural é enfático. Desta forma Paulo aplica seu discurso
diretamente aos coríntios.
Note-se que este versículo tem quatro substantivos (σ_μα, Χριστο_
μέλη, μέρους) que carecem de artigo definido. A ausência do artigo se
explica de forma diferente em cada caso. Por exemplo, o nome Cristo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 640
pode ou não levar artigo definido. A palavra σ_μα (=corpo) tem sentido
absoluto, o que quer dizer que há um só corpo, a igreja. Cristo é o
possuidor de tal corpo. Portanto, o caso genitivo Χριστο_ não é subjetivo
nem objetivo, mas possessivo. 74

Versículo 28
ο_ς μέν — o antecedente deste pronome relativo é μέλη (v. 27) e
assim explica o conceito de corpo. A partícula μέν não tem um δέ como
contraparte, por causa dos números ordinais primeiro, segundo e
terceiro. Depois Paulo usa duas vezes _πειτα (=então).
_θετο — el contexto demanda a tradução nomeou, porém no
versículo 18 requer-se colocou. Veja-se o comentário gramatical do
versículo 18.

Resumo de 1 Coríntios 12
Paulo fala com os coríntios a respeito dos dons espirituais que
receberam e os lembra do seu pano de fundo pagão, no qual eram
desencaminhados aos ídolos mudos. Mas como crentes devem saber que
só através do poder do Espírito Santo são habilitados a dizer «Jesus é o
Senhor».
O mesmo Espírito, o mesmo Senhor e o mesmo Deus são os que
concedem dons espirituais para o bem comum da igreja. São enumerados
nove destes dons: sabedoria, conhecimento, fé, curas, milagres, profecia,
espírito de discernimento, línguas e interpretação de línguas. Estes dons
são a obra do Espírito Santo, o qual os distribui a cada crente segundo
Sua divina vontade.
Para descrever a igreja, Paulo usa a analogia do corpo humano, o
qual se compõe de muitas partes e, contudo, mostra uma unidade

74
C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 292.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 641
harmoniosa. Pelo fato de que o corpo tem muitas partes, nenhuma delas
pode por sua própria vontade separar-se do corpo. Cada parte permanece
conectada com o corpo: o pé, a mão, o ouvido e o olho. Deus colocou
todas as partes do corpo nos lugares onde Ele quer que estejam. As
partes individuais do corpo precisam umas das outras, pois até os
membros mais fracos são indispensáveis. Deus até dá mais honra àquelas
partes que precisam do corpo. O próprio corpo demonstra unidade e
propósito: sofre quando uma de suas partes sofre, e se alegra quando
uma de suas partes recebe honra.
Na igreja há apóstolos, profetas e mestres. Paulo enumera os dons
de milagres, cura, ajuda, administração e línguas. Nega que todos
tenham recebido todos os dons e exorta a todos os crentes a esforçar-se
por ter os melhores dons. Conclui dizendo que lhes mostrará uma forma
de vida mais excelente.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 642
1 CORÍNTIOS 13
CULTO, TERÇA PARTE (1CO 13:1–13)
4. Uma carta de amor. 1Co 13:1–13

O Espírito inspirou Paulo a legar ao mundo uma carta de amor sem


comparação. Eis aqui Paulo escrevendo maravilhosamente a respeito de
um tema que interessa a todos: o amor. Não obstante, sua representação
do amor carece de sentimentalismo, sensualidade e erotismo.
O mundo deu à palavra amor um sentido sensual que se centraliza
no sexo e no ato sexual. Também se usa a palavra para comunicar o
apego que alguém tem por uma atividade ou coisa. Dizemos: «amo a
música», «amo o esporte». Em contraste, o amor que Paulo apresenta
tem uma origem divina e transcende os significados terrestres. É bem
expresso no conhecido versículo: «Porque Deus amou o mundo de tal
maneira» (Jo 3:16). A mente humana não pode captar completamente a
profundeza desse amor divino. Deus manda que O amemos de todo
coração, alma e mente, e que amemos o próximo como a nós mesmos
(Mt 22:37–39). Este amor está encerrado na palavra grega agapē, que
aponta ao amor que Deus tem para com o homem ou ao amor que o
homem tem para com Deus. Além disso, devemos amar o próximo,
mesmo quando esse próximo seja nosso inimigo. Em suma, agapē
origina-se em Deus, quem comunica o Seu amor divino para que o
reflitamos e devolvamos a Ele.
Paulo quer que seus leitores vivam no contexto do amor divino e
que diariamente mostrem este amor. Mostra-lhes que este amor é, por
certo, a forma de vida mais excelente. Quer que recebam e empreguem
seus dons espirituais no contexto desse amor. Sabe, por exemplo, que
quando um cristão profetiza ou fala em línguas no marco do amor
divino, a igreja será edificada e fortalecida. Sem este amor, os crentes
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 643
são incapazes de compartilhar os benefícios destes dons espirituais.
Paulo analisa seis dons: o dom da fala, de profecia, mistérios,
conhecimento, fé e caridade. Conclui que fora do contexto do amor,
estes dons não têm sentido.
Nos primeiros três versículos, Paulo escreve várias orações
condicionais que se contrastam com afirmações sobre a ausência do
amor. A cada uma dessas orações, acrescenta conclusões de uma
realidade descritiva. A seguinte seção (vv. 4–7) é uma descrição do amor
em termos positivos e negativos. Depois continua com uma discussão a
respeito da permanência do amor. Quando cessarem as profecias, as
línguas se apagarem e o conhecimento desaparecer, a perfeição chega na
consumação (vv. 8–12). Por último, o versículo final apresenta a tríade
de fé, esperança e amor. O maior destes três é o amor (v. 13).

a. Requisito para o amor. 1Co 13:1–3

1. Se eu falasse em línguas humanas, até nas dos anjos, porém não


tenho amor, só sou bronze que ressoa e címbalo que retine.
Além do majestoso ritmo que tem este versículo, sobressaem vários
aspectos. Primeiro, Paulo fala hipoteticamente da possibilidade de
chegar a dominar a linguagem humana e angélica. Para expressar esta
possibilidade usa uma cláusula condicional. Segundo, bem como nos
versículos 2, 3, 11 e 12, aqui fala de si mesmo na primeira pessoa
singular. Ao longo de todo este capítulo, não se diz nada dos cristãos de
Corinto nem de seus problemas, embora inclua seus leitores mediante o
uso da primeira pessoa plural do versículo 12 («vemos … veremos»).
Terceiro, no grego Paulo realmente diz: «Se em línguas de homens
falasse, até nas dos anjos», colocando o verbo falasse entre as palavras
de homens e até nas dos anjos. A posição do verbo sem dúvida tem o
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 644
1
propósito de sublinhar a referência com a linguagem angélica. O
próprio verbo aponta mais à habilidade de falar que ao conteúdo do que
se diz.
a. «Se eu falasse em línguas humanas, até nas dos anjos». Com esta
condição, Paulo indica que ele mesmo não fala em línguas no culto
público (1Co 14:19). Parece dizer: «Suponham que como apóstolo do
Senhor, eu tivesse o dom de línguas na forma mais elevada, a ponto que
falasse as línguas dos homens e até as dos anjos, como me invejariam
vocês e como desejariam ter um dom como esse!». 2
A palavra línguas poderia ser entendida como idiomas conhecidos,
porém no presente contexto parece referir-se à glossolalia, que alguns
coríntios pensavam que era uma língua celestial. Não sabemos que
linguagem falam os anjos (cf. 2Co 12:4; Ap 14:1–3) ou se os anjos
entenderem a linguagem humana. 3 Por outro lado, os anjos se
comunicam com as pessoas em linguagem humana que ficou às vezes
registrado em ambos os testamentos.
b. «porém não tenho amor, só sou bronze que ressoa e címbalo que
retine». O ponto principal não é o falar em línguas, quer humanas ou
angélicas, mas a prática do amor. No contexto da igreja cristã, quer em
Corinto ou em outra parte, a falta de amor e suas deploráveis
consequências são dolorosamente patentes.
O verdadeiro amor se dá a conhecer amando o que não merece ser
amado, porque isso é o que Deus faz. Mostra-nos Seu amor na morte de
seu Filho quando ainda éramos pecadores (Rm 5:8). Deus sempre vem a
nós em amor antes que nós vamos a Ele em arrependimento e fé. «Nisto
consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que
ele nos amou e enviou p seu Filho para que ser oferecido como sacrifício
1
Esta construção é única e só ocorre aqui no texto grego do Novo Testamento. Veja-se D. A. Carson,
Showing the Spirit: A Theological Exposition of 1 Corinthians 12–14 (Grand Rapids: Baker, 1987), p.
58, n. 20.
2
R. C. H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians (1935;
Columbus: Wartburg, 1946), p. 545.
3
SB, vol. 3, p. 449. Veja-se o Testamento de Jó 48–50.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 645
pelo perdão de nossos pecados» (1Jo 4:10). O apóstolo João diz a seus
leitores que se amem uns aos outros assim como Deus mostrou o Seu
amor por eles.
Paulo ensina que o amor deve penetrar todo o contexto da vida
cristã. Ninguém pode gloriar-se de ter o dom da palavra, quer humana ou
angélica, e ao mesmo tempo mostrar falta de amor. Se isso ocorrer, o
ruído que se ouve, diz Paulo, é como o chiar do bronze ou retinir do
címbalo. O som de um gongo ou pires é monótono. Quando este som se
prolonga, chega a ser insuportável ao ouvido humano. Aprendemos que
quando se diz algo sem amor, mesmo quando dito na forma mais
eloquente, o que se diz é vazio e sem sentido. Parece-se ao som que se
produz quando se bate num vaso de bronze ou ao som do címbalo que se
usava no culto (Sl. 150:5, LXX). 4 Paulo não aplica suas palavras aos
coríntios, mas a si mesmo. Literalmente diz: «converti-me num bronze
que ressoa …». O grego comum que Paulo falava, com frequência usava
o tempo perfeito («cheguei a ser») em sentido de presente («sou»).
2. E se tiver [o dom de] profecia e entendesse todos os mistérios e
todo conhecimento, e se tivesse to da a fé ao grau de mover montanhas,
porém não tenho amor, nada sou.
a. Profecia. O seguinte dom que se menciona nos versículos 1–3 é o
de profecia ou como o expressaria uma tradução literal: «Se tiver
profecia». Isto quer dizer mais que «profetizar», pois significa que uma
pessoa converteu-se em profeta. 5 Na lista precedente de dons (1Co
12:28), a profecia ocupa o segundo lugar e as línguas o último. Mas aqui
Paulo começa com a glossolalia e depois fala da profecia.
Paulo exalta o dom de profecia porque um profeta, em contraste
com aquele que fala em línguas, fortalece e edifica a igreja (1Co 14:1–

4
Consulte-se William Harris, «‘Sounding Brass’ and Hellenistic Technology», BAR 8 (1982): 38–41;
William W. Klein, «Noisy Gong or Acoustic Vase? A Note on 1 Corinthians 13.1», NTS 32 (1986):
286–89; Ivor H. Jones, «Musical Instruments in the Bible, Part I», BibTr 37 (1986): 101–16.
5
E. Earle Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity: New Testament Essays (Grand
Rapids: Eerdmans, 1978), p. 25 n. 15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 646
5). O profeta será efetivo enquanto suas profecias forem verdadeiras.
Mas uma profecia que se pronuncia fora do contexto do amor não serve
de nada.
O Antigo Testamento provê exemplos notáveis de profetas que com
amor trouxeram a mensagem de Deus ao povo de Israel. Moisés foi o
profeta por antonomásia, visto que regularmente mediava entre Deus e
seu povo para lhes comunicar a palavra de Deus (cf. Dt 5:5). Foi
considerado um homem humilde em seu serviço ao povo e recebeu a
revelação divina por meio de visões e sonhos. Deus lhe falou face a face.
Moisés se mostrou fiel na casa de Deus, quer dizer, no povo de Deus
(Nm. 12:3, 6, 7; Hb 3:5, 6). Cuidou do povo de Deus, amou-os e orou
por eles. 6
Não obstante, um falso profeta fala palavras que não surgem do
amor pelo povo de Deus, mas de seu interesse por tirar algum lucro
pessoal. O profeta que presuma falar em nome de Deus ou de outro deus,
deverá ser morto, diz o Senhor. 7
b. Mistérios e conhecimento. Outra vez Paulo fala de forma
hipotética, quando diz que mesmo no caso de que ele entendesse todo
mistério e todo conhecimento, porém não tivesse amor, de nada lhe
serve. Alguns estudiosos tomam esta afirmação como se explicasse a
palavra profecia. Traduzem: «Se tivesse profecia, isto é, se entendesse
todos os mistérios e todo conhecimento … porém não tenho amor, nada
sou». 8
Esta é uma interpretação respeitável, visto que os termos mistérios e
conhecimento dependem do verbo entender e estão desta forma
intimamente conectados. Além disso, outra passagem relaciona a
profecia com o mistério (Ap 10:7). Também se pode dizer que mistérios
6
Willem A. VanGemeren, Interpreting the Prophetic Word (Grand Rapids: Zondervan, Academie
Books, 1990), p. 33.
7
Dt 18:20. Veja-se também Jr 14:14; 23:16, 26; Ez 13:2, 3, 17.
8
Ellis, Prophecy and Hermeneutic, p. 52; John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians,
série Calvin’s Commentary, traduzido por John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1976), p. 275.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 647
são verdades que Deus escondeu de Seu povo. Se o povo de Deus quer
entender estes mistérios, precisam da sabedoria divina. O profeta
verdadeiro penetra nos mistérios de Deus e os explica ao povo. 9
Numa passagem anterior que tratava do conhecimento, Paulo diz:
«falamos sabedoria de Deus em mistério» (1Co 2:7), visto que ele e seus
colaboradores são «mordomos dos mistérios de Deus» (1Co 4:1). Na
presente passagem, Paulo se refere a todos os mistérios; a expressão
todos os mistérios talvez seja sinônima de «sabedoria», a qual tem seu
lugar junto ao conhecimento (cf. 1Co 12:8). Embora Paulo tivesse a
habilidade de entender todos os mistérios e todo o conhecimento, sem
amor todo seria em vão.
c. Fé. «E se tivesse toda a fé ao grau de mover montanhas, porém
não tenho amor, nada sou». A fé é o dom que Deus dá ao ser humano. É
um dom que seu possuidor deve exercitar, fortalecer e ampliar com
frequência (veja-se 1Co 12:9). Quando a fé dorme, ela desaparece, e
tomam seu lugar a incredulidade e a desobediência. Por exemplo, os
discípulos de Jesus não foram capazes de expulsar um demônio de uma
criança que sofria de ataques epiléticos. Mas ao chegar Jesus, ordenou ao
demônio que saísse da criança e que não voltasse jamais (Mc 9:25). Em
particular, os discípulos perguntaram a Jesus por que não tinham podido
tirar o demônio. Jesus lhes respondeu: «Por causa da pequenez da vossa
fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de
mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada
vos será impossível» (Mt 17:20; cf. 21:21).
A observação sobre mover montanhas era um provérbio judeu que
se referia a obter o impossível. 10 Tem que ver com o exercer a fé de uma
forma tão intensa, que a pessoa é capaz de remover barreiras
infranqueáveis. Tanto Jesus como Paulo se referiram a este provérbio em
seus respectivos contextos.
9
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard de Witt (Grand
Rapids: Eerdmans, 1975), p. 451.
10
SB, vol. 1, p. 759.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 648
A comunidade cristã admira e tem em alta estima a pessoa que é
capaz de obter o impossível mediante a fé. Mas a fé deve ser exercida em
harmonia com o amor. De outra maneira, não serve de nada. A brevidade
da conclusão de Paulo, «nada sou», é muito apropriada e pertinente, pois
de fato a fé sem amor é inoperante.
3. E se doasse todas as minhas posses para alim entar os pobres, e se
entregasse o meu corpo para s er queimado, porém não te nho amor, de
nada me serve.
a. A caridade. Depois de enumerar a glossolalia, a profecia, o
conhecimento e a fé, Paulo se refere à atitude caridosa de estar disposto a
desfazer-se dos bens materiais. Literalmente diz: «Se distribuir todos os
meus bens para alimentar [os pobres]». Nós suprimos o objeto indireto:
«os pobres». O verbo grego psōmizō (=repartir, distribuir) é muito
revelador neste texto. É distinto do mandamento que Jesus deu ao jovem
rico, pois nesse caso lhe pediu que de uma só vez entregasse todo o seu
dinheiro aos pobres (Mt 19:21). Em vez disso, Paulo fala de entregar
todas as suas posses pouco a pouco ao longo de um extenso período.
Implica-se que assim receberá o louvor dos demais. Mas o apóstolo
acrescenta que se ele fizesse obras de caridade sem amar os que se
beneficiem com sua ajuda, então tais obras não valem nada, porque
estariam impulsionadas por motivos egoístas e ególatras. Sua obra de
caridade não cumpriria a lei moral real «Ama o teu próximo como a ti
mesmo» (Tg 2:8), e seria imperdoável aos olhos de Deus.
b. Sacrifício pessoal. «E se entregasse o meu corpo para ser
queimado, porém não tenho amor, de nada me serve». Os melhores
manuscritos gregos apoiam a leitura «e se entregasse o meu corpo para
me gloriar», e ao menos uma versão a adota. 11
Além da evidência manuscrita, os tradutores também devem
considerar a evidência fornecida pelo contexto. Só tendo feito isso
podem chegar a uma conclusão. Por exemplo, em suas cartas, Paulo
11
CI; a versão SEB combina ambas as leituras: «[eu poderia] sacrificar o meu corpo, para me jactar
disso».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 649
repetidamente usa o verbo gloriar-se (35 vezes). O verbo gloriar pode
ser entendido em certo sentido negativo ou positivo. Em sentido negativo
quer dizer jactar-se, o que não concorda com o presente contexto que
procura proezas espirituais. «A motivação de glória pessoal faz a adição
[da expressão não tenho amor] desnecessária, pois é óbvio que [o amor]
não é o princípio regulador atrás de tal motivação». 12
Se for dado um sentido positivo, o verbo quer dizer que Paulo
glorifica a Deus por meio do sofrimento físico (2Co 11:23–29; 12:10). 13
Se adotarmos esta explicação positiva do verbo gloriar-se, três são os
problemas que surgem. Primeiro, não importa quão atrativa seja a
explicação, seu sentido fica obscurecido por meio da oração porém não
tenho amor. Paulo sabe que de nada serve glorificar a Deus sem amor; e
por isso acrescenta «de nada me serve». Segundo, por que falaria Paulo
de forma hipotética se ele se refere a seus próprios sofrimentos físicos?
Terceiro, esta explicação procura preencher uma oração incompleta. As
palavras introdutórias, «se entregasse o meu corpo», precisam de um
predicado que dê sentido à oração.
Em contraste, a leitura se entregasse o meu corpo para ser
queimado é explícita e apresenta um sentido completo. Ao adotar esta
tradução, reconhecemos que ainda restam duas dificuldades. Primeiro,
por que ofereceria Paulo seu corpo físico de forma voluntária para que
fosse queimado, sendo que os três jovens foram atirados ao fogo à força
(Dn 3:19, 20)? Segundo, o texto não pode estar-se referindo à
perseguição desatada por Nero, durante a qual os cristãos foram
queimados na fogueira, porque aquela perseguição ainda não se tinha
produzido.
O que quer dizer este intrigante texto? Se a intenção de Paulo foi
que entendêssemos o que disse sobre mover montanhas no sentido
figurado, esperamos que a referência a entregar o corpo ao fogo também
12
J. K. Elliot, «In Favour of καυθήσομαι at 1 Corinthians 13.3», ZNW 62 (1971): 298.
13
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 635.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 650
seja uma metáfora. Talvez esta deve ter sido sua intenção, supondo que o
texto original lia se entregasse o meu corpo para ser queimado.

Comentário adicional sobre 1Co 13:1–3


A primeira linha de cada um dos três versículos apresenta uma
proeza difícil mas factível. Os três objetivos de falar em outras línguas
(v. 1a), de profetizar e entender todos os mistérios e todo o
conhecimento (v. 2a) e de distribuir os próprios bens (v. 3a) são coisas
que poderiam conseguir-se. Acrescentam-se mais duas metas que se
poderia conseguir: uma pessoa poderiam ter uma fé tão grande que,
figuradamente, mova montanhas (v. 2b) e que ainda decida entregar seu
corpo às chamas (v. 3b). Estas são duas proezas acessíveis, embora a
segunda implica glória pessoal mediante o suicídio. (Se adotássemos a
leitura alternativa para a segunda parte do versículo 3, «e se me entrego,
para me orgulhar» [CI], é irrelevante o assunto da possibilidade de
conseguir tal meta.) O único objetivo inalcançável para os humanos seria
o falar em línguas angélicas (v. 1a).
Por certo, não estamos seguros do que Paulo quer dizer no versículo
3b. Sugeriu-se que está procurando imitar as palavras de Jesus, quem
durante a instituição da Ceia do Senhor disse que tinha entregue Seu
corpo: «este é meu corpo, que é por vós» (11:24; Lc 22:19). 14 Mas esta
hipótese pelo menos tem uma forte objeção: que aos leitores da carta de
Paulo custaria muito entender que a enigmática expressão se entregar o
meu corpo refere-se à fórmula que Paulo discutiu em 1Co 11:24. Se isso
era o que Paulo queria dizer, certamente teria acrescentado algo sobre a
Santa Ceia para deixar-se entender.

14
J. H. Petzer, «Contextual Evidence in Favour of ΚΑΥΧΗΣΩΜΑΙ in 1 Corinthians 13:3», NTS 35
(1989): 242–43.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 651
Embora a tradução se entregasse o meu corpo para ser queimado
tem seus próprios problemas, 15 é uma ideia completa que corre
brandamente. Esta leitura «tem testemunhas de todas as outras partes do
mundo cristão antigo e a partir dos tempos mais antigos em diante
(Tertuliano, Afrates)». 16 É preciso admitir que a leitura se entregasse
meu corpo para me jactar está igualmente apoiada por boas
testemunhas. Concluímos que este problema textual é tão complexo que
seria imprudente ser dogmático.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 13:1–3


Versículos 1–2
_άν — nos versículos 1–3, Paulo usa esta partícula com cinco
cláusulas condicionais, a fim de indicar uma afirmação hipotética ou
incerta. As formas κα_ _άν y κ_ν (v. 3) são só variantes do mesmo.
_γάπην — substantivos abstratos (p. ex., fé, esperança, amor; veja-
se o v. 13) com frequência não precisam do artigo definido para
expressar uma qualidade.
_χώ — «ressonante» ou «que ressoa». Este gerúndio descritivo
modifica ao substantivo χαλκός (=bronze). O adjetivo _λαλάζον («que
retine») é onomatopéico.
_στε — a partícula («ao grau de», «de maneira que») com o
infinitivo presente μεθιστάναι («mover») introduz uma elipse. Deveria
ter-se acrescentado o infinitivo auxiliar δύνασθαι (= ser capaz). 17

15
Uma tradução literal é «se entregasse meu corpo para que eu seja queimado». Gramaticalmente, a
última parte deveria ter sido «para que [meu corpo] seja queimado».
16
G. Zuntz, The Text of the Epistles: A Disquisition upon the Corpus Paulinum (Londres: Oxford
University Press, 1953), pp. 35–36. Consulte-se René Kieffer, «‘Afin que je sois brûlé’ ou bien ‘Afin
que j’en tire orgueil’? (1 Cor. XII.3)», NTS 22 (1975): 95–97.
17
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 144.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 652
Versículo 3
καυχήσωμαι — «para jactar-me». Esta é a leitura com melhor apoio
manuscrito (P46, _, A, B, 048, 33, 1739). Esta evidência externa levou a
Sociedade Bíblica Unida preferir esta leitura nas três edições do texto
grego (GNT), o mesmo que o NTG (ed. 26).
καυθήσωμαι — «para queimar-me». O futuro subjuntivo vem
apoiado por K y Ψ, mas é uma monstruosidade gramatical. 18 É o texto
preferido pelo Textus Receptus, o Texto Majoritário e Souter.
καυθήσομαι — «para ser queimado». O grego koinê usa com
frequência _να com o futuro, em vez de com o subjuntivo. Com o apoio
textual de C, D, F, G, L, um número de unciais e alguns pais da igreja, é
o texto preferido pela Sociedade Bíblica Britânica (2ª. ed.), o NTG (ed.
25), Merk e Vogels. Também é a opção que adotam quase todas as
traduções.
Com base na evidência interna, tradutores e numerosos
comentaristas favorecem a leitura com menos apoio manuscrito. Isto
ocorre com frequência no Novo Testamento e não é pouco comum. 19
Não há dúvida de que o conceito de amor pode ser melhor
explicado pelo que não é. A primeira linha da descrição que entrega
Paulo é positiva, as linhas seguintes são negativas, e a última afirmação é
positiva. Paulo descreve o amor num parágrafo com estrutura poética
(vv. 4–6).
O amor é paciente e é benigno,
o amor não é ciumento, o amor não é jactancioso, não é arrogante.
O amor não se comporta indecentemente,

18
G. G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 898; Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição
corrigida (Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 564.
19
P. ex. veja-se 2Co 4:6, onde λάμψει («resplandecerá») tem melhor apoio manuscrito. Contudo,
alguns tradutores preferem uma leitura com menos apoio: λάμψαι («resplandeça») por razões de
testemunho interno.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 653
não busca o que é seu,
não se irrita,
não guarda um registro das ofensas recebidas,
não se alegra no mal,
mas se alegra no verdade,
tudo cobre,
tudo crê,
todo espera,
tudo suporta.
A sequência nos entrega duas afirmações afirmativas, oito
negativas e cinco atributos positivos. Agora comentaremos um por um.

b. Uma descrição do amor. 1Co 13:4–7

4. O amor é paciente e é benigno, o amor não é ciumento, o amor não


é jactancioso, não é arrogante.
Alguns tradutores usam uma pontuação distinta pela qual dividem a
primeira oração e fazem com que o substantivo amor seja sujeito da
segunda oração: «A caridade é paciente, a caridade é benigna, não tem
inveja» (CI). Contudo, a pontuação não afeta o significado do versículo
4.
a. «O amor é paciente». O verbo grego que traduzimos «é paciente»
realmente quer dizer ser clemente com as ofensas e injúrias que outros
nos fazem. Significa que alguém é lento para a vingança o lento para
zangar-se. Demonstra a determinação a ser longânimo com os aspectos
desagradáveis do caráter de uma pessoa e a exibir paciência que suporta.
Assim como Deus é paciente conosco, nós também devemos ser
tolerantes com o próximo (cf. Mt 18:26, 29).
b. «[O amor] é benigno». O verbo ser benigno só ocorre aqui no
Novo Testamento. 20 Clemente de Roma escreveu uma epístola à igreja

20
Thayer, p. 387.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 654
de Corinto, na qual cita um dito de Jesus que contém o mesmo verbo:
«como usardes de benignidade, assim a usarão convosco». 21 O
substantivo benignidade aparece repetidamente nas epístolas de Paulo.
Por exemplo, depois de colocar o amor como o primeiro fruto do
Espírito, Paulo menciona a paciência e a benignidade (Gl. 5:22).
c. «O amor não é ciumento». O ciúme é um vício ao qual ainda
atribuímos uma cor: o verde. Sabemos que quando alguém fica verde
pelo ciúme, aproxima-se um problema. A Bíblia está cheia de exemplos
que mostram os efeitos desastrosos que o ciúme tem nas relações
pessoais. Mencionemos alguns: Caim teve inveja de Abel, e o matou (Gn
4:3-8); os filhos de Jacó tiveram ciúme de José, e o venderam como
escravo (Gn 37:11, 28); o sumo sacerdote e seu séquito se encheram de
ciúme, e encarceraram os apóstolos (At 5:17, 18); e os judeus ficaram
ciumentos de Paulo e Barnabé, e os expulsaram de Antioquia da Pisídia
(At 13:45-50).
Pode-se derivar um sentido positivo da palavra «ciúme», se se
conceber como o desejo de proteger a honra pessoal. Por exemplo, Deus
é um Deus zeloso, que ordena Seu povo a adorar somente a Ele (Êx
20:5; Dt 5:9). Porém no presente versículo, o ciúme é um vício que é o
oposto ao amor. Pelo contrário, o amor está livre de inveja.
d. «O amor não é jactancioso». Paulo usa um verbo que descreve
uma pessoa que é jactanciosa ou fanfarrona. 22 Este tipo de gente faz
estardalhaço de sua retórica para conseguir reconhecimento. Sua conduta
está marcada pelo egoísmo, uma atitude servil para com seus superiores
e condescendente para com seus subordinados. Um fanfarrão mostra que
está orgulhoso de si mesmo e de suas realizações. Mas tal alarde carece
de amor a Deus e ao próximo, sendo um pecado grosseiro. Além disso, a
jactância e a arrogância andam juntas.

21
1 Clemente 13:3.
22
BAGD, p. 653.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 655
e. «[O amor] não é arrogante». Num contexto anterior, Paulo
aconselhou aos coríntios: «que … aprendam a não ir além do que está
escrito, para que assim ninguém se torne arrogante, preferindo mais a um
que a outro» (1Co 4:6). Instruiu-lhes a que obedecessem o ensino da
Escritura, porque então poderão evitar a arrogância. Por certo, alguns dos
coríntios eram arrogantes e, pensando que Paulo não retornaria a
Corinto, minavam sua autoridade (1Co 4:18, 19; 5:2). Muitos estavam
orgulhosos de seus conhecimentos. Mas Paulo os corrige, dizendo: «o
conhecimento infla, mas o amor edifica» (1Co 8:1). Além do amor, o
conhecimento degenera em arrogância detestável. Com o amor, é uma
possessão valiosa. A arrogância é egoísmo inchado, enquanto o amor é
humildade genuína. A arrogância está desprovida de amor e o amor não
tem arrogância. De fato, excluem-se mutuamente.
5. O amor não se comp orta indecentemente, não busca o que é seu,
não se irrita, não guarda um registro das ofensas recebidas.
Paulo continua a descrição do amor apresentando outras orações
que descrevem o amor de uma perspectiva negativa.
a. «O amor não se comporta indecentemente». Esta afirmação ecoa
do conselho que Paulo deu ao homem que pensava que estava agindo de
forma desonesta para com a virgem com quem estava comprometido
(1Co 7:36). Da mesma forma, Paulo leva em conta aqui uma conduta
indecorosa, imprópria e inapropriada em qualquer situação. O texto
grego indica que semelhante conduta não está em harmonia com as
normas estabelecidas da decência.
A pessoa que demonstra amor sempre procura guardar decoro com
relação aos demais. Quer a pessoa com a quem se encontra ocupe uma
posição alta ou inferior na sociedade, quer amiga ou inimiga, a virtude
do amor se tornará evidente em sua conduta. A lei real de «ama o teu
próximo como a ti mesmo» (Tg 2:8), demanda nada menos que uma
conduta decente que caracteriza a amabilidade.
Uma conduta decente vai além das palavras e da atitude. Também
tem que ver com a forma em que alguém se veste e aparece diante dos
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 656
demais. Se a pessoa se veste e se adorna corretamente dará uma boa
impressão àqueles a quem se quer agradar, visto que o amor se estende a
todos os aspectos da aparência.
b. «[O amor] não busca o que é seu». Os tradutores não estão de
acordo quanto ao significado desta oração. Alguns traduzem: «não
insiste em seu ponto de vista» (NRSV), outros preferem: «não busca o
seu próprio interesse» (LT, cf. BP), e ainda outros interpretam: «não
reclama seus direitos» (Cassirer). Embora as ênfases difiram, todas estas
versões comunicam a mesma ideia. Em poucas palavras, a ideia é «[O
amor] não é egoísta» (NIV).
O próprio Paulo mostrou aos coríntios o que é amar
desinteressadamente quando os serviu como seu pastor por um ano e
meio. Trabalhou com fidelidade sem receber nenhum apoio financeiro da
parte deles (1Co 9:18). Vez após vez buscou o bem-estar deles, não o seu
próprio (1Co 10:24, 33). Paulo mostrou aos coríntios que o proveito
pessoal não só se limita ao econômico. Também tem que ver com exigir
de outros que façam o que alguém quer. Em contraste, o amor floresce
numa atmosfera onde confiamos uns nos outros e onde procuramos o
bem um do outro (cf. Pv 3:29; Zc 8:17).
c. «[O amor] não se irrita». Ninguém é imune a irritar-se com
outros, até os que são repousados e afáveis. Depois de conduzir Israel
quarenta anos pelo deserto, Moisés perdeu a calma quando o povo
protestou por falta de água (Nm. 20:2–11). Moisés foi considerado um
homem muito humilde (Nm. 12:3). No entanto, não pôde controlar sua
irritação diante de um povo murmurador.
A irritação justa não só está permitida, mas também às vezes é
necessário. Por exemplo, Jesus Se indignou ao ver os cambistas e os
vendedores de gado, ovelhas e pombas na área do templo de Jerusalém
(Jo 2:13–17). No entanto, o salmista nos adverte contra o pecado da
irritação (Sl. 4:4) e Paulo amplia o conselho dizendo que não se ponha o
sol sobre a nossa ira (Ef 4:26).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 657
O verbo grego paroxynein quer dizer provocar à ira. A idolatria do
povo de Atenas fez surgir este sentimento em Paulo (At 17:16). Da
mesma forma, os membros da comunidade de Corinto sofriam tensões
que resultavam em provocações sem paralelo. 23 Deviam suportar as
facções, a imoralidade, as demandas judiciais, as brigas matrimoniais, a
comida oferecida aos ídolos. Os desencontros estavam na ordem do dia e
danificavam as relações. Paulo mesmo sabia por experiência que a
ruptura que se produziu entre ele e Barnabé surgiu de uma forte
discrepância (At 15:36–41). Aqui nos faz notar que o amor não deixa
espaço para a irritação.
d. «[O amor] não guarda um registro dos ofensas recebidas». Esta é
uma imagem verbal de um contador que olha através das folhas de seu
livro maior para ver quanto é o dever e o haver. É capaz de dar um
relatório exato e uma lista pormenorizada. Alguns guardam uma lista
semelhante dos ofensas que experimentaram. Mas o amor é
extremamente esquecido quando se trata de lembrar as injúrias e as
injustiças. Uma vez que as ofensas foram perdoadas, devem ser
esquecidas e jamais voltar ser mencionadas.
6. [O amor] não se alegra no mal, mas se alegra na verdade
A cláusula tem um equilíbrio perfeito, pois contém duas orações
que usam o mesmo verbo, mas cujos complementos são antônimos: mal
e verdade (cf. Rm 1:18; 1Jo 1:6). Assim como o amor descreve a Deus, o
mal descreve ao diabo. O amor está a par do mal que há no mundo, mas
jamais se deleita nele. Pelo contrário, entristece-se pelos pecados que as
pessoas cometem uns contra outros. O mal pode expressar-se de muitas
maneiras. Pode ser intencional ou não, pode expressar-se em pecados de
comissão ou omissão, em feroz perseguição como numa tranquila
indiferença. Também pode aparecer na forma de conflitos nacionais e
controvérsias pessoais.

23
Heinrich Seesemann, TDNT, vol. 5, p. 857; Hans-Christoph Hahn, NIDNTT, vol. 1, p. 110.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 658
Por outro lado, uma das características do amor são seus esforços
constantes por descobrir nas pessoas palavras, pensamentos e obras boas
e louváveis. O amor busca a verdade e alegra-se quando essa verdade
vence sobre a injustiça. O amor e a verdade são companheiros
inseparáveis que vivem no próprio Deus. Deus compartilha estas
características com Seu povo. Deus dotou o ser humano com amor e
verdade, mas o pecado os corrompeu. Em Cristo Deus nos renova o
amor e a verdade mediante a morada do Espírito Santo.
7. [O amor] tudo cobre, tudo o crê, todo o espera, tudo o suporta.
Paulo conclui esta seção poética com um resumo que apresenta
quatro coisas positivas do amor. O amor está sempre ativo, nunca
permanece quieto, tal como o esclarecem verbos que se usam:
a. «[O amor] tudo cobre». A primeira oração deste versículo
recebeu variadas traduções: «tudo desculpa» (BJ, LT), «tudo sofre» (RA
1999), «todo o desculpa» (CB), «tudo dissimula» (NTT), «tudo suporta»
(TB). O verbo em questão é stegein, que pode querer dizer «suportar»
(veja-se 1Co 9:12; 1Ts 3:1, 5). Mas também quer dizer «cobrir». Por
exemplo, Pedro afirma que o amor cobre multidão de pecados (1Pe 4:8;
veja-se Pv 10:12; 17:9). O amor é a virtude «que lança um manto de
silêncio sobre as falhas de outras pessoas». 24 Por conseguinte, aqui
encaixa bem «a ideia de cobrir coisas com o manto do amor». 25 Além
disso, a tradução cobre elimina a redundância, visto que a última oração
deste versículo diz que o amor «tudo o suporta».
b. «[O amor] tudo crê». Isto não quer dizer que o cristão que está
cheio de amor carece de sabedoria e discernimento, convertendo-se no
crédulo incauto de todo embusteiro. Pelo contrário, o amor é sempre
sábio e sagaz. 26

24
BAGD, p. 766. Adolf von Harnack, «The Apostle Paul’s Hymns of Love (1 Cor. XIII) and Its
Religious-Historical Significance», Exp 8.3 (1912): 385–408, 481–503.
25
Wilhelm Kasch, TDNT, vol. 7, p. 587; SB, vol. 3, p. 766.
26
Calvin, 1 Corinthians, p. 278.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 659
A oração quer dizer que o cristão tem fé em Deus, quem levará a
cabo seu plano divino mesmo quando tudo indique em outra direção.
Cheio de amor por Deus e o próximo, o crente confia que Deus fará retos
seus caminhos (Pv 3:5, 6).
c. «[O amor] todo espera». Com esta oração, Paulo introduz à
esperança, que é o segundo membro do trio composto pela fé, a
esperança e o amor (veja-se o v. 13). Mostra que o amor dá surgimento à
fé e à esperança, o que indica que o amor é a virtude maior do trio.
Destas três virtudes, a esperança é com frequência o membro
desatendido, pois a fé lhe faz sombra. Mas cabe lembrar que quando um
trípode perde um pé, desaba-se inevitavelmente. Quando um cristão só
alimenta a fé e o amor, descuidando a esperança, sua vida cristã claudica.
Paulo usa com frequência o verbo esperar, que em suas epístolas
ocorre 19 vezes de um total de 31 vezes no Novo Testamento.27 A
esperança é paciente, esperando os resultados positivos que virão. A
esperança é o oposto ao pessimismo e é a essência de um otimismo
saudável. A esperança nunca se centraliza em alguém e sim sempre em
Deus, na comunhão de Cristo Jesus.
d. «[O amor] tudo suporta». O verbo suportar nos fala de
perseverança e tenacidade sob toda circunstância. Significa persistir em
tempos de sofrimento, dor, privações, ódio, perda e solidão. Os escritores
do Novo Testamento nos exortam vez após vez a perseverar: Paulo nos
diz que se perseverarmos com Cristo, também reinaremos com Ele (2Tm
2:12); Pedro insiste com os escravos que, por amor ao Senhor, suportem
ser objeto de sofrimento injusto (1Pe 2:19, 20); e na ilha de Patmos, João
suportava o exílio por causa da Palavra de Deus (Ap 1:9). Os
sofrimentos que os apóstolos e os cristãos dessa época suportaram pelo
evangelho são um testemunho eloquente de seu fervente amor a Deus.

27
Refira-se Ernst Hoffmann, NIDNTT, vol. 2, p. 241.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 660
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 13:4–7
Versículo 4
_ _γάπη — tanto em grego como em português, usa-se o artigo
definido diante de substantivos abstratos. 28
περπερεύται — este verbo significa «conduzir-se como um
πέρπερος (=jactancioso, fanfarrão). 29

Versículos 5–6
τ_ _αυτή — «as coisas suas», «o seu». Contudo, o artigo definido
neutro plural poderia dar a ideia de «à sua maneira».
χαίρει, συγχαίρει — neste texto o verbo composto tem o mesmo
sentido que o simples: «alegrar-se». 30

Versículo 7
πάντα — este adjetivo ocorre quatro vezes em sucessão com quatro
verbos distintos. Pode traduzir-se «todas as coisas», mas também poderia
ter força adverbial: «sempre». 31
O atributo duradouro do amor fica contrastado com os dons da
profecia, as línguas e o conhecimento, os quais são temporais e algum
dia desaparecerão. Contudo, a perfeição finalmente terminará estas
qualidades imperfeitas e dará aos seres humanos a maturidade plena.
Quando o conhecimento parcial se desvanece, a percepção perfeita e a
compreensão completa tomam seu lugar. Mas a fé, a esperança e o amor
permanecem sempre, e dos três, o maior é o amor.

28
Em inglês, pelo contrário, o artigo não aparece. Cf. Robertson, p. 794.
29
BDF § 108.5; Robert Hanna, A Grammatical Aid to the Greek New Testament (Grand Rapids:
Baker, 1983), p. 306.
30
BAGD, p. 775.
31
Robertson, p. 487; consulte-se Oda Wischmeyer, Der Höchte Weg. Das 13 Kapitel des 1.
Korinthbriefes (Gütersloh: Gütersloher Verlaghause Gerd Mohn, 1981), p. 105.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 661
c. A permanência e perfeição do amor. 1Co 13:8–13

8. O amor nunca falha. Mas se há profecias, serão desprezadas; se há


línguas, cessarão; se há conhecimento, será descartado.
a. «O amor nunca falha». Este enunciado apoia a mensagem do
versículo precedente e serve de resumo conciso da passagem anterior
(vv. 4–7). Ao mesmo tempo, a oração introduz os versículos que se
seguem (vv. 9–13). Note-se que a palavra amor aparece no princípio
deste versículo e reaparece duas vezes no versículo 13. Entre estas duas
ocorrências, Paulo descreve o caráter efêmero dos dons espirituais (vv.
8–10) e entrega dois exemplos que ilustram o que é imaturo e imperfeito:
uma criança, uma imagem e o conhecimento (vv. 11, 12). No presente
segmento, Paulo sublinha a imaturidade, a imperfeição e o transitório.
Pelo contrário, o amor é eterno e jamais perde sua validez. Assim
como a Palavra de Deus nunca fracassa, o amor nunca falha. 32 O amor é
eterno porque é um dos atributos de Deus (1Jo 4:8, 16). O amor emana
de Deus para todo Seu povo pelo tempo todo e a eternidade. Enquanto
tudo o mais que é parte da criação de Deus termina, o amor continua
ativo e influente.
b. «Mas se há profecias, serão desprezadas». Enquanto o amor é
eterno, as profecias preditivas são temporais. O amor permanece ativo,
mas as profecias têm uma importância parcial. Como Paulo explica no
versículo 9, «profetizamos em parte» (cf. v. 12b). Dada sua natureza
parcial, serão desprezadas. Paulo não diz nada a respeito do conteúdo
destas profecias, exceto que têm um caráter passageiro.
Quatro vezes, nos versículos 8, 10 e 11, Paulo usa o verbo grego
katargein, o qual traduzimos por «desprezar» ou «cessar, passar». Se
relaciona com o adjetivo argos (frouxo, ocioso, improdutivo; veja-se p.
ex., Mt 12:36); o verbo fala de algo que se despreza ou que chegou a ser
ineficaz. Ao cumprir-se, as profecias e o conhecimento são desprezados,

32
Wolfgang Bauder, NIDNTT, vol. 1, p. 609.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 662
da mesma forma que um adulto descarta as coisas de sua infância. 33
Desprezamos as profecias e o conhecimento, porque profetizamos e
conhecemos só em parte (v. 9).
c. «Se há línguas, cessarão». Paulo menciona o termo línguas sem
explicá-lo. Deixa a discussão para o capítulo que se segue (cap. 14; cf. o
comentário). O verbo cessar da apódose, é sinônimo de desprezar (vv. 8,
10, 11). Quase não há distinção entre os dois verbos gregos que
descrevem o fim das profecias e das línguas. É verdade que o verbo
usado com as profecias está na voz passiva («serão desprezadas [pelos
crentes»]), enquanto o verbo usado com as línguas está na voz ativa. Mas
a diferença é só estilística e nada mais. 34
d. «Se há conhecimento, será descartado». Paulo não explica aqui o
significado do termo conhecimento. No capítulo anterior mencionou o
dom de conhecimento (1Co 12:8), onde se refere a uma afinidade entre
Deus e Seu povo. Supomos que se refere à habilidade cristã de discernir,
entender e explicar a revelação de Deus. Aqui nos diz que este
conhecimento será descartado no futuro.
9, 10. Por que conhecemos em parte e profetizamos em parte. Ma s
quando vier a perfeição, o que é em parte será descartado.
a. «Porque conhecemos em parte e profetizamos em parte». Os
versículos 9 e 10 formam uma só oração no grego, mas esta oração em
duas partes expõe algumas perguntas. O que Paulo quer dizer
especificamente? Se é verdade que o conhecimento e a profecia se
comunicam para benefício dos crentes, são estes dois versículos uma
circunlocução que aponta à pregação, o ensino e a explicação da vontade
de Deus tal como se revela na Escritura? Só parcialmente conhecemos a
vontade de Deus, e a pregamos por partes, assim que Paulo aplica a frase
em parte para ambos os verbos: conhecemos e profetizamos. Parece
indicar que a atividade de conhecer a verdade de Deus e de profetizá-la

33
J. I. Packer, NIDNTT, vol. 1, p. 73; Gerhard Delling, TDNT, vol. 1, p. 453.
34
Carson, Showing the Spirit, pp. 66–67; Fee, First Corinthians, p. 644.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 663
leva a cabo de uma forma fragmentada. Isto quer dizer que nosso
conhecimento e nosso profetizar são incompletos.
Duas coisas sobressaem: Paulo usa o tempo presente e a primeira
pessoa plural dos verbos conhecer e profetizar. Aponta com isso a si
mesmo e a seus colegas, ou também inclui os leitores de sua epístola?
Limita-se o tempo presente à sua época ou é válido para hoje? Paulo
emprega a primeira pessoa plural só nos versículos 9 e 12, obviamente
em certo sentido geral. O tempo presente dos verbos não parece limitar-
se à sua época. Note-se o contraste que se forma entre o versículo 9 e 10,
quando afirma que ao vir o perfeito, o parcial será descartado.
Se o conhecimento tiver que ver com nossa aptidão para
compreender e interpretar a revelação de Deus, o que quer dizer com
profetizar? Deus Se revelava aos que cumpriam o ofício de profeta nos
tempos do Antigo e Novo Testamento, para que proclamassem Sua
palavra ao povo. Em ambas as dispensações, os profetas serviram ao
propósito de escrever as Escrituras. Mas além de completar e
desenvolver o cânon, os profetas interpretaram a palavra de Deus para o
povo. Quando foram completados os livros do Antigo Testamento, o
ofício de profeta chegou ao seu fim. Quando se aperfeiçoou o cânon do
Novo Testamento, o número de profetas começou a decair até que
desapareceram. 35
Fazemos uma distinção entre revelação profética, a qual cessou
quando o cânon foi completado, e declarações proféticas, as quais ainda
continuam hoje. 36 Os eruditos questionam esta distinção dizendo que «a
pregação é essencialmente a união dos dons de ensino e exortação,
enquanto a profecia tem os elementos primários de predição e

35
Gerhard Friedrich, TDNT, vol. 6, p. 859; David Hill, New Testament Prophecy (Atlanta: John Knox,
1979), p. 187.
36
Refira-se a John MacArthur, Jr., 1 Corinthians, série MacArthur New Testament Commentary
(Chicago: Moody, 1984), p. 303; e Charismatic Chaos (Grand Rapids: Zondervan, 1992), p. 69.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 664
37
revelação». Esta observação é correta, mas só descreve o aspecto
revelatório do trabalho profético e não sua função declarativa. O
interpretar a Escritura é uma função profética que tem suas raízes no
período que começou depois do exílio. No concílio de Jerusalém, Tiago
revela que existe continuidade da pregação no Antigo e Novo
Testamento: «Com efeito, desde tempos antigos Moisés sempre teve em
cada cidade quem o pregue e o leia nas sinagogas todos os sábados» (At
15:21). Os rabinos não podiam nem sequer imaginar que Israel estivesse
alguma vez sem a sinagoga e suas escolas. 38
Nos tempos do Antigo Testamento houve um sem-número de
profetas em Israel, de tal forma que nenhuma cidade esteve sem eles.
Eles eram os intérpretes da lei e falavam com a autoridade do Espírito
Santo. Diferenciavam-se só em grau dos profetas que faziam revelações,
servindo a Deus como seus porta-vozes. De fato, quando o cânon do
Antigo Testamento foi completado, os rabinos tomaram o lugar dos
profetas. Segundo a tradição rabínica, os profetas do período clássico
não foram mais que «intérpretes da lei falando com a autoridade do
Espírito e encarregados de revelar só o que a lei continha».39 Se no
Antigo Testamento houve uma grande quantidade de profetas que
expunham a palavra de Deus, assim também nos tempos do Novo
Testamento houve profetas que interpretaram as Escrituras. Do livro de
Atos sabemos que os profetas tinham um ministério que não estava
restringido a receber revelação divina. Tanto Barnabé como Paulo, que
eram chamados profetas e mestres (1Co 13:1), proclamavam a Palavra
de Deus (1Co 13:5; 14:21). Os profetas Judas e Silas foram enviados às
igrejas para animar e fortalecer aos crentes (1Co 15:27, 32). E. Earle

37
F. David Farnell, «When Will the Gift of Prophecy Cease?», BS 150 (1993): 184; Veja-se também
Ernest Best, «Prophets and Preachers», SJT 12 (1959): 145; Robert L. Thomas, «The Spiritual Gift of
Prophecy in Rev. 22:18», JET 32 (1989): 204; Gerhard Friedrich, TDNT, vol. 6, p. 853.
38
SB, vol. 4, pp. 115–116.
39
Rudolph Meyer, TDNT, vol. 6, p. 818; veja-se também E. Earle Ellis, Prophecy and Hermeneutic in
Early Christianity: New Testament Essays (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), pp. 132–134; Colin
Brown, NIDNTT, vol. 3, p. 87; y SB, vol. 2, p. 128.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 665
Ellis conclui desta forma: «O profeta é instrumento de Deus, é um entre
tantos meios pelos quais Jesus guia a Sua igreja. Ao dar a conhecer o
significado da Escritura, ao exortar e fortalecer a congregação, ao
instruir a comunidade revelando o futuro, o profeta cristão manifesta no
poder do Espírito o caráter de seu Senhor, quem é o Profeta do fim do
tempo (1Co 3:22)». 40
Paulo usa com frequência o verbo profetizar em sua discussão dos
dons espirituais para referir-se à ação de pregar as Escrituras e dar alento
aos crentes. O Novo Testamento revela que a obra de um profeta
consistiu em animar e fortalecer os crentes (At 15:32; 1Co 14:3) e
predizer acontecimentos imediatos (At 11:28; 21:10, 11). Portanto, o
verbo profetizar inclui o trabalho daqueles que pregam e ensinam a
mensagem de Deus revelada na Escritura. Como Paulo faz notar, os dons
de conhecimento e profecia pertencem ao tempo que medeia entre a
ascensão de Cristo ao céu e a consumação desta era.
Um estudo do verbo profetizar no texto grego de 1 Coríntios mostra
que este verbo particular sempre aparece no tempo presente. Quer
apareça no modo indicativo ou subjuntivo, ou que seja um particípio ou
um infinitivo, o verbo indica uma ação presente contínua. 41 O fato de
Paulo usar o tempo presente quer dizer que não só está pensando em
revelação profética, a qual cessou quando o cânon foi encerrado, mas
também na pregação e ensino consistente da Palavra. Entre a lista de
dons espirituais (1Co 12:8–10, 28–30), não se menciona a habilidade
para pregar. Este fato diz muito, visto que implica que o dom de profecia
inclui a pregação e interpretação da Palavra de Deus para o povo.
Os verbos gregos euaggelizomai (=evangelizar) e kērussō (=pregar)
não aparecem nos capítulos 12–14, e só umas poucas vezes no resto
desta epístola. Quando Paulo usa estes verbos, o faz para referir-se a si
mesmo e aos seus ajudantes apostólicos (1Co 1:17, 23; 9:16–18, 27;

40
Ellis, Prophecy and Hermeneutic, p. 144.
41
1Co 11:4, 5; 13:9; 14:1, 3, 4, 5, 24, 31, 39.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 666
15:1, 2, 11, 12), porém não a outros. Ao usar o verbo profetizar nos
capítulos que procuram os dons espirituais, Paulo alude àqueles profetas
que interpretam a Palavra revelada de Deus.
Embora o profeta do primeiro século exortava e ensinava os
crentes, isto não quer dizer que todo cristão funciona como profeta. 42
Paulo mesmo expõe uma pergunta retórica que espera uma resposta
negativa, «São todos profetas?» (1Co 12:29). Em 1 Coríntios, profetizar
abrange tanto o receber a revelação de Deus como explicá-la para
benefício dos crentes. Quando o período institucional das Escrituras
chegou a seu fim, cessou a revelação direta, enquanto a interpretação das
Escrituras continuou.
Como no passado, assim também hoje em dia; Deus usa aos
pregadores como seus porta-vozes que proclamam sua vontade. O
teólogo suíço Heinrich Bullinger escreveu uma influente confissão de fé
em 1566. Esta confissão delineia com clareza em que consiste a Palavra
de Deus pregada pelos ministros:
Nós cremos que aos crentes é proclamada a mesma Palavra de
Deus, a qual eles recebem; e não devemos inventar nem esperar do céu
nenhuma outra Palavra de Deus. Além disso, cremos que se deve honrar
à própria Palavra que se prega, não ao ministro que a prega.
Além disso, a confissão também descreve o papel dos profetas: «em
outros tempos os profetas eram videntes que conheciam o futuro, mas
também interpretavam as Escrituras. Tais homens ainda se encontram no
dia de hoje». 43
Deus dos profetas, abençoa os filhos dos profetas;
lança o manto de Elias sobre Eliseu.
Cada época pode reclamar sua tarefa uma só vez;
faça com que cada um seja mais nobre, mais forte que seu
predecessor.

42
Cf. Max Turner, «Spiritual Gifts Then and Now», VoxEv 15 (1985): 13.
43
Segunda Confissão Helvética, capítulos 1 e 18 respectivamente.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 667
Unge-os como profetas, faze atentos seus ouvidos,
para que tua muito divina palavra desperte seus corações
à necessidade humana; faze seus lábios eloquentes
para manter a justiça e destruir todo mal.
— Denis Wortman
b. «Mas quando vier a perfeição, o que é em parte será descartado».
Paulo contrasta a palavra perfeição com a expressão em parte, que usou
duas vezes no versículo precedente (v. 9). Quando chegou o tempo para
a perfeição ou quando chegará? Deram-se três interpretações:
1. Paulo escreveu num tempo em que o cânon do Novo Testamento
ainda estava incompleto. A oração quando vier a perfeição aponta ao
tempo em que Deus completou a revelação das Escrituras. 44 Quando se
escreveu o último versículo do Novo Testamento, completou-se o cânon
e Deus deixou de entregar revelação adicional. Uma das objeções que
recebeu esta postura é que não podemos esperar que os coríntios do ano
55 d.C. conectem a perfeição com a fechadura do cânon que se produziu
a fins do primeiro século.
2. A literatura do Novo Testamento em geral dá à palavra teleion o
sentido de maturidade. De fato, de oito casos nas epístolas de Paulo, seis
são traduzidos «amadurecido», enquanto o sétimo qualifica como
adjetivo à perfeita vontade do Senhor (Rm 12:2). 45 Alguns eruditos
creem que o oitavo caso (1Co 13:10) refere-se à última etapa no
processo de maturação do crente. 46 O fato de Paulo ilustrar o que diz
usando a imagem de uma criança que chega à idade adulta, parece dar
credibilidade à interpretação que vê esta passagem no contexto da
maturidade. Não obstante, é preciso notar que a forma em que esta
ilustração conclui descarta a ideia da maturidade do crente, visto que

44
Entre outros, veja-se Kenneth L. Gentry, Jr., The Charismatic Gift of Prophecy, 2ª. ed. (Memphis:
Footstool, 1989), pp. 53–56.
45
1Co 2:6; 14:20; Ef 4:13; Fp 3:15; Cl 1:28; 4:12.
46
P. ex. Robert L. Thomas, Understanding Spiritual Gifts: The Christian’s Special Gifts in the Light
of 1 Corinthians 12–14 (Chicago: Moody, 1978), pp. 106–108.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 668
ninguém pode dizer que adquiriu um conhecimento pleno (v. 12b).
Portanto, parece-nos que o versículo fala, antes, da consumação.
3. Quando os crentes partem desta vida terrestre, deixam atrás tudo
o que é imperfeito e incompleto. Entram no céu e experimentam a
alegria e a paz de um estado sem pecado. Contudo, sua perfeição não se
completará até o dia que Cristo voltar, levar a cabo a ressurreição e o
juízo final. 47 No fim do tempo cósmico, cessarão os dons espirituais que
os crentes agora possuem em parte. Os dons espirituais imperfeitos que
têm nesta vida serão superados por um estado perfeito de conhecimento
na consumação. 48
11. Quando eu era criança, fala va como criança, pensava com o
criança e raciocinava como criança. Mas quando c heguei a ser homem,
desprezei as criancices.
O presente versículo é uma comparação entre a vida terrestre do
crente com a perfeição que desfrutará na presença do Senhor. A analogia
(v. 11) que Paulo usa é a de uma criança e um adulto. Notemos que
Paulo usa a primeira pessoa singular eu era, para descrever-se como uma
criança que fala, pensa e raciocina. Em geral, uma criança tem um
vocabulário limitado mas em desenvolvimento. Com este vocabulário a
criança se comunica. Os padrões de pensamento de uma criança são
imaturas e incompletas, e isto é exatamente o que um adulto espera de
uma criança.
Paulo usa o tempo passado, quando se refere à sua infância e à
entrada ao seu estado de adulto. Compara ambos os períodos de sua vida
e depois conclui que as coisas que lhe interessavam como criança
perderam seu atrativo quando se tornou homem. Não olha com desprezo
a forma como uma criança fala, pensa e age, pois assim é a infância. Mas

47
Calvin, 1 Corinthians, pp. 280–281.
48
Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost: New Testament Teaching on the Gifts of the Holy
Spirit (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1979), pp. 110–112; R. Fowler White, «Richard
Gaffin and Wayne Grudem on 1 Cor. 13:10: A Comparison of Cessationist and Noncessationist
Argumentation», JETS 35 (1992): 173–81.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 669
quando a criança chega a adulto, tudo toma as dimensões corretas.
Ilustremo-lo dizendo que para a criança a escola primária a que assiste é
imensa e formidável. Mas quando a visita o adulto parecerá a ele que
ficou pequena.
De forma semelhante, no presente recebemos a revelação de Deus
que é suficiente para nossa salvação. No entanto, percebemos que nosso
conhecimento se manterá parcial até que vejamos Cristo face a face.
Quando isso ocorrer, entenderemos com clareza o desígnio e propósito
de Deus.
12. Porque agora ve mos num espelho uma imagem indefinida, mas
então veremos face a face. Agora conheço em parte, mas então conhecerei
plenamente, até como fui conhecido plenamente.
a. «Porque agora vemos num espelho uma imagem indefinida».
Como a analogia que apresentou comunicava a ideia de algo incompleto,
agora Paulo acrescenta uma ilustração tomada da vida diária: o olhar-se
ao espelho. 49 Diz que nossa vida presente é semelhante a pessoas que
num espelho veem a imagem indefinida de si mesmos. Entendamos que
no tempo de Paulo um espelho era um pedaço de metal polido que com
frequência colocava-se numa mesa. A imagem que este prato metálico
reproduzia não era comparável com a realidade. Os espelhos eram
instrumentos imperfeitos. Não obstante, uma pessoa não podia ver-se a si
mesma sem a ajuda de um espelho.
Por outro lado, a declaração «ver num espelho uma imagem
indefinida» poderia ter sido uma conhecida metáfora que os filósofos
usavam para referir-se a algo enigmático. 50
b. «Mas então veremos face a face». A cidade de Corinto era
conhecida por seus espelhos. Seus habitantes conheciam bem a
expressão olhar-se ao espelho. Paulo contrasta estas palavras com a frase

49
Jó 37:18; 2 Cor. 3:18; Tg 1:23; Sabedoria 7:26; Eclesiástico 12:11.
50
«Num espelho só vemos imagens confusas». Consulte-se Gerald Downing, «Reflecting the First
Century: 1 Corinthians 13:12», ExpT 95 (1984): 176–77; veja-se também Richard Seaford, «1
Corinthians XIII.12», JTS 35 (1984): 117–20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 670
face a face, a qual aparece repetidamente no Antigo Testamento. Deus
usa a expressão face a face quando diz a Arão e a Miriã que com Moisés
falará pessoalmente (Nm. 12:8; veja-se Êx 33:11; Dt 5:4; 34:10). Ao
resto do povo Deus revela sua verdade em oráculos e profecias, mas a
Moisés Deus falou clara e diretamente.
Com esta comparação, Paulo quer dizer que hoje nossas mentes
humanas são incapazes de captar o significado pleno da verdade de
Deus. Porém no futuro Deus nos concederá o dom de um conhecimento
perfeito para que possamos entender Sua revelação.
c. «Agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, até
como fui conhecido plenamente». A primeira oração é uma repetição da
primeira parte do versículo 9, exceto que agora Paulo continua falando
de si mesmo na primeira pessoa singular (veja-se o v. 11). Por meio dos
advérbios agora e então, o apóstolo acentua o extraordinário contraste; a
era presente se contrasta com a era vindoura. Embora Paulo não
menciona um tempo específico para o advérbio então, é óbvio que pensa
na vida após a morte. Em suma, o paralelo com os versículos 9 e 10a é
claro.
O verbo conhecer plenamente aparece duas vezes na última oração
do versículo 12, uma vez em voz ativa («conhecerei plenamente») e
outra em voz passiva, a qual implica um agente («fui conhecido
plenamente [por Deus]»). Estes dois verbos estão ligados pelo advérbio
como, o que quer dizer que Paulo conhecerá a Deus da maneira como
Deus o conhece. Isto não quer dizer que Paulo obterá um conhecimento
divino, pois Jesus explicitamente diz que ninguém conhece o Pai senão o
Filho (Mt 11:27). Jamais deixaremos de ser criaturas finitas, enquanto
Deus é infinito e habita na luz inacessível (1Tm. 6:16). O termo
conhecer quer dizer que assim como Deus conhece Paulo como Seu filho
adotivo, assim também Paulo conhecerá a Deus cabalmente como seu
Pai, quando O vir face a face.
O presente versículo deve ser visto à luz do tema da presente
passagem (vv. 8–12), isto é, o amor. Paulo começou dizendo «o amor
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 671
nunca falha». O conhecimento pleno deve ser entendido dentro do marco
do amor divino, porque ser conhecido por Deus «significa o mesmo que
ser eleito por Ele e ser amado por Ele». 51

Comentário adicional a 1Co 13:8–12


Ainda restam algumas perguntas sem responder que merecem
atenção. Por que menciona Paulo profecias, línguas e conhecimento no
versículo 8, e no versículo 9 só conhecimento e profecia? Quer dizer que
as línguas cessarão antes que os outros dons? Continuarão as profecias e
o conhecimento até a vinda de Jesus?
Primeiro, Paulo escreve os substantivos profecias e conhecimento
no versículo 8, enquanto no versículo 9 escreve os verbos conhecem e
profetizamos. Não só muda do uso de substantivos ao uso de verbos, mas
também transborda a ordem de profecias e conhecimento. Com isto
mostra que está variando seu estilo e seu uso das palavras. Além disso,
provavelmente não repetiu a palavra línguas (v. 9) para não romper a
cadência: «Porque conhecemos em parte e profetizamos em parte». Uma
referência adicional às línguas teria sido supérflua.
Segundo, Paulo diz que as línguas cessarão, porém não diz quando
ocorrerá isso. O Novo Testamento mostra que o assunto das línguas
pertencia à primeira parte do período apostólico (At 2, 10, 19), que era
um tema que preocupava em Corinto (1Co 12, 13, 14) e que depois
desapareceu. Quando Clemente de Roma escreve sua carta aos coríntios
(96 d.C.), em nenhuma parte menciona as línguas em seus sessenta e
cinco capítulos. Discutiremos o falar em línguas no seguinte capítulo.
Terceiro, o conhecimento e a profecia continuarão até a
consumação final. Não se menciona nenhum período específico da
história quando cessarão os dons individuais. 52 Ao longo da era presente,

51
Ridderbos, Paul, p. 294.
52
Compare-se Thomas R. Edgar, Miraculous Gifts: Are They for Today? (Neptune, N.J.: Loizeaux,
1983), p. 344.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 672
os crentes expandiram seu conhecimento da revelação de Deus, mas
sempre «em parte». Da mesma forma, a tarefa da pregação, o ensino e a
explicação da Palavra de Deus seguirá até o fim do mundo. Quando
chegar o dia em que se aperfeiçoe o conhecimento que o crente tem de
Deus, tanto o conhecimento como a profecia, em seu estado imperfeito,
serão descartados como obsoletos e inúteis.
Então na presença de Deus conheceremos plenamente sua
revelação.
13. Agora permanecem a fé, a espera nça e o amor, estes três; mas o
maior deles é o amor.
Paulo volta à palavra amor que pela última vez foi mencionada no
versículo 8a, mas que permaneceu sempre como pano de fundo. Junto
com esta palavra menciona a fé e a esperança. Estas três virtudes formam
a bem conhecida tríade que com frequência ocorre no Novo
Testamento. 53
A primeira palavra deste versículo, «agora», pode querer dizer «no
momento» ou «portanto». A primeira explicação é temporal, a segunda é
lógica. O versículo precedente contém advérbios de tempo, «agora» e
«então», de maneira que o aspecto temporal encaixa com o contexto do
versículo 13. Mas à luz do discurso de Paulo, a tríade de fé, esperança e
amor se diferenciam dos dons de profecia, línguas e conhecimento. Estes
dons se desprezam e cessam, mas as três virtudes permanecem. Como
resultado, é claro que Paulo está dando uma conclusão lógica ao
capítulo, e não só dando uma descrição temporal da presente era.
Contudo, o verbo da primeira oração do versículo 13 é difícil de
entender: «Agora permanecem a fé, a esperança e o amor». Quer dizer
que esta tríade de virtudes cristãs se estende do presente à eternidade? As
Escrituras ensinam que a fé e a esperança pertencem à era presente, mas
que cessarão quando a fé se converter em vista (2Co 5:7) e a esperança
em realidade (Rm 8:24). A fé salvadora em Jesus Cristo chega a seu fim

53
Rm 5:2–5; Gl 5:5, 6; Ef 4:2–5; Cl 1:4, 5; 1Ts 1:3; 5:8; Hb 6:10–12; 10:22–24; 1Pe 1:3–8, 21, 22.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 673
mas outro aspecto da fé, isto é, a confiança nEle, permanecerá para
sempre. De forma semelhante, a esperança em Jesus Cristo é eterna
(veja-se 1Co. 15:19). A fé e a esperança estão intimamente ligadas, de
maneira que onde há fé, há esperança. 54 Interpretamos as três virtudes de
fé, esperança e amor como permanecendo para sempre, porque estarão
presentes no tempo e na eternidade. 55 Por conseguinte, é impossível
deixar de reconhecer que no advérbio agora (v. 13) há um elemento
temporal, embora prepondere o sentido lógico.
Por que é o amor a maior virtude da tríade? É preciso observar que
neste capítulo inteiro Paulo exalta as características do amor, enquanto a
fé e a esperança são vistas como submissas ao amor (v. 7). Damos por
sentado que a tríade era bem conhecida na igreja antiga. Por certo, Paulo
alude duas vezes a estas três virtudes no presente capítulo (vv. 7, 13).
Enquanto Paulo destaca ao amor, não encontra necessário explicar
os atributos das outras duas virtudes. Por causa do amor eterno que Deus
tem por Seu Filho e, por meio dEle, pelo Seu povo (Ef 1:5, 6), para
Paulo o amor é o mais básico. Tanto em seu Evangelho como em sua
primeira epístola, João ecoa a mesma verdade: Deus é amor (p. ex., Jo
3:16; 1Jo 4:7, 8, 16). Em tempo e eternidade o conceito do amor
permanece como o fundamento das relações entre Deus e o ser humano.
Estenderão os santos em glória as virtudes da fé, da esperança e do
amor? A Escritura guarda silêncio sobre a vida futura, o que em si é uma
advertência para não especularmos. Não obstante, sabemos que Deus não
despreza estas três virtudes que deu ao crente individual. O amor a Deus
e a confiança em Cristo continuam até a eternidade.

54
Ernst Hoffman, NIDNTT, vol. 2, p. 242; Rudolph Bultmann, TDNT, vol. 2, p. 532.
55
Marc-François Lacan, «Les trois qui demeurent: 1 Cor. 13:13», ResScRel 46 (1958): 321–43; F.
Neirynck, «De grote drie bij nieuwe vertaling van 1 Cor. XIII,13», EphThL 39 (1963): 595–615.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 674
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 13:8–13
Versículo 8
παύσονται — o tempo futuro em voz média do verbo παύω (=parar)
tem significado ativo. Como depoente, este verbo aparece sempre em
voz média, ao longo de todo o Novo Testamento. Por outro lado, a voz
passiva de καταργηθήσεται («será descartado») é um verdadeiro passivo.

Versículos 9–10
_κ μέρους — estas duas palavras, traduzidas «em parte», usam-se
duas vezes em sentido adverbial no versículo 9, uma vez no versículo 10
e uma vez no versículo 12a. Fazem um contraste entre o tempo
imperfeito e o perfeito.

Versículo 11
Note-se que o tempo imperfeito usa-se quatro vezes no versículo 11
para descrever as atividades de uma criança. O tempo perfeito γέγονα
(«cheguei a ser») expressa um estado permanente: «cheguei a ser adulto
e continuo neste estado».

Versículo 12
_ν α_νίγματι — no grego, o substantivo significa «enigma», mas
em sentido adverbial quer dizer «indistintamente». 56 Deste substantivo
se deriva nossa palavra enigma.
_πιγνώσομαι — este é um verbo composto da preposição _πί (que
indica totalidade) e o verbo γινώσκω (=saber). O composto indica a ideia
perfectiva de «conhecerei completamente». A voz média é depoente.
καί — a conjunção é ascendente e se traduz «até».

56
David H. Gill, «Through a Glass Darkly: A Note on 1 Corinthians 13:12», CBQ 25 (1963): 427–28.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 675
Versículo 13
νυν_ δέ — a combinação pode querer dizer «e agora» (tempo) ou «e
assim» (inferência).
μένει — este verbo singular aparece com um sujeito composto. O
plural neutro τα_τα («estas coisas») é um sujeito apositivo que demanda
um verbo no singular.
μείζων — o adjetivo comparativo serve como superlativo: «o
maior». 57
_ _γάπη — o uso do artigo definido é anafórico, aponta ao mesmo
substantivo que já apareceu sem o artigo no versículo 13.

Resumo de 1Corintios 13
Em meio de uma discussão dos dons espirituais (caps. 12–14),
Paulo dedica todo um capítulo ao tema do amor. Assim cumpre sua
promessa de indicar aos seus leitores um caminho mais excelente (1Co
12:31). O amor é a virtude mais importante que um cristão pode adquirir
e aplicar. Por meio de orações condicionais, Paulo faz uma lista com os
dons de línguas, profecia, conhecimento, fé, beneficência (dar dinheiro
aos pobres) e sacrifício físico (entregar o corpo ao fogo). Mas sem o
amor estes dons não são nada.
Paulo descreve o amor de forma positiva como paciente e bondoso,
mas depois nos diz o que não é o amor. O amor não é ciumento nem
jactancioso. Não é orgulhoso, rude, egoísta e iracundo; não guarda
ressentimento nem se alegra no mal. Protege a verdade, confia, espera e
persevera. Nunca falha.
Embora o amor seja eterno, os dons de profecia, línguas e
conhecimento são transitórios e serão desprezados. Paulo usa exemplos
tirados da vida diária: as palavras, pensamentos e razões de uma criança
57
BDF § 244. Ralph P. Martin interpreta o adjetivo como comparativo: «Maior que estes (três) é o
amor [de Deus]». Veja-se seu artigo «A Suggested Exegesis of 1 Corinthians 13:13», ExpT 82 (1971):
119–20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 676
são comparadas com os de um adulto. Também usa o exemplo da
imagem que se projeta num espelho, comparada com o ver alguém face a
face. Paulo conclui com as três virtudes: a fé, a esperança e o amor; mas
exalta o amor como a maior de todas.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 677
1 CORÍNTIOS 14
CULTO, QUARTA PARTE (1CO 14:1–40)
5. A profecia e as línguas. 1Co 14:1–25

O capítulo anterior serviu como um interlúdio que sublinha o valor


permanente do amor. Esta virtude é básica para o bem-estar da igreja e
se converte no instrumento pelo qual os dons mencionados em 1Co
12:8–11, 28–30 funcionam correta e efetivamente. Por certo, o último
versículo do capítulo 12, «Mas desejai com esforço os maiores dons» (v.
31), e o primeiro versículo do capítulo 14, «Segui o amor, esforçai-vos
com denodo pelos dons espirituais, especialmente que profetizeis», são o
cenário para o discurso que Paulo dará a respeito da profecia e o falar em
línguas.
Quando Paulo menciona os dons, coloca os profetas em segundo
lugar, entre os apóstolos e os mestres, enquanto as línguas ocupam o
último lugar (1Co 12:28). Agora menciona primeiro a profecia e depois
as línguas (vv. 1, 2). Conclui o capítulo da mesma forma em que
começou: «Desejai com esforço o profetizar, porém não proibais o falar
em línguas» (v. 39; cf. 1Ts 5:20).

a. Busca anelante. 1Co 14:1–5

1. Segui o amor, esforçai-vos com denodo pelos dons espirituais,


especialmente que profetizeis.
Os três verbos deste versículo são diretores: os dois primeiros são
imperativos (Segui o amor! esforçai-vos com denodo!) e o terceiro
expressa um mandamento indireto (que profetizeis). Todos estão no
tempo presente, o que indica que os destinatários deverão sempre
esforçar-se por obedecer estes mandamentos.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 678
a. «Segui o amor». Esta breve exortação serve como uma conclusão
adequada de todo o discurso sobre o amor no capítulo 13. Paulo usa o
verbo seguir em outros lugares com relação à justiça, a hospitalidade e a
paz (Rm 9:30; 12:13; 14:19). 1 O verbo indica que seguir algo implica
que dons deve fazer com intensidade e determinação. Isto é, devemos
seguir o amor com todo nosso coração, alma, mente e força (cf. Mc
12:30). Em suma, Paulo exorta os leitores a pôr em prática a mensagem
da carta do amor (cap. 13).
b. «Esforçai-vos com denodo pelos dons espirituais». O segundo
mandamento está intimamente ligado ao primeiro, de forma que os dois
imperativos em tempo presente são quase sinônimos. Contudo, a relação
não descansa tanto nos dois verbos sucessivos, como nos substantivos
amor e dons espirituais. Com a frase um caminho mais excelente (1Co
12:31), Paulo demonstra que o amor é o aspecto dominante nos maiores
dons. Agora Paulo qualifica estes dons com o adjetivo espirituais (veja-
se 1Co 12:1) e com força insiste com os coríntios a que os desejem.
Talvez a ênfase recai no fato de que são espirituais mais que no fato de
que são dons.
c. «Especialmente que profetizeis». A profecia está entre os dons
espirituais, e agora Paulo a seleciona para dedicar sua atenção a ela.
Anteriormente colocou este dom entre o dom de fazer milagres e o dom
de discernir espíritos (1Co 12:10; e cf. 12:28, 29). Porém no contexto do
capítulo 14, compara-o ao dom de línguas e diz que prefere a profecia à
glossolalia (v. 5).
Devem todos desejar com veemência a habilidade de profetizar? O
fato de alguém obter este dom depende acima de tudo do doador do dom
e depois em quem o pede. Embora Deus seja soberano para dar ou negar
o dom, isto não anula a responsabilidade que alguém tem de orar. 2 Paulo
pode insistir com os coríntios para que orem com denodo pedindo o dom
1
Veja-se Fp 3:12; 1Ts 5:15; 1Tm. 6:11; 2Tm 2:22.
2
Max Turner, «Spiritual Gifts Then and Now», VoxEv 15 (1985): 32. Cf. Wayne A. Grudem, The Gift
of Prophecy in the New Testament and Today (Westchester, Ill.: Crossway, 1988), p. 213.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 679
de profecia, porém não é capaz de lhes assegurar que Deus dará o
mesmo dom a cada um (1Co 12:11). Qualquer que seja o dom que o
Espírito Santo confere ao crente, deve empregar-se em amor para o
benefício da igreja. Além disso, sem a obra do Espírito Santo uma
pessoa não é capaz de profetizar. Enquanto Deus está chamando hoje
pregadores, mestres e exortadores de Sua revelação, Paulo insiste com
eles a responder ao chamado.
2, 3. Porque aquele que fala em línguas não f ala aos h omens [e
mulheres], mas a Deus. Por que ninguém o entende, mas no Espírito fala
mistérios. Mas aq uele que prof etiza, fala aos homens [e mulheres] pa ra
sua edificação, ânimo e consolação.
a. «Porque aquele que fala em línguas não fala aos homens [e
mulheres], mas a Deus». Dos dons de profecia e línguas, Paulo toma o
segundo para esclarecer que a glossolalia é adorar a Deus em particular
(veja-se o v. 4). Falar a Deus numa língua equivale a elevar uma oração
pessoal: aquele que ora fala para si mesmo e para Deus (v. 28) e o faz no
contexto do amor. Por conseguinte, falar numa língua sem que haja
interpretação equivale a dizer coisas que não comunicam nenhum
significado, visto que o povo não será capaz de entender o que se diz.
Embora Deus conheça cada uma das palavras que se pronunciam, Seu
povo não entende nada e não é edificado.
b. «Porque ninguém o entende, mas no Espírito fala mistérios».
Falar e ouvir são os dois lados de uma moeda. Quando não se entende o
que alguém diz, não há comunicação. O não conseguir comunicar-se
resulta na alienação da pessoa envolvida. Segundo o relato de Atos 2:4–
11, todos os que estavam presentes nos átrios do templo foram capazes
de entender a mensagem que proclamavam em muitas línguas
conhecidas os que foram cheios do Espírito Santo. Porém no presente
contexto, Paulo não fala de intérpretes. Antes, refere-se a que uma
mensagem pronunciado numa língua e sem interpretação se dirige a
Deus, não às pessoas.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 680
A palavra grega pneuma pode ser traduzido «espírito» ou
«Espírito», e os tradutores se dividem no presente caso. O termo aponta
ao espírito humano ou ao Espírito Santo. No contexto deste capítulo,
Paulo se refere ao espírito humano em outras duas oportunidades:
«Porque se eu orar numa língua, meu espírito ora» (v. 14), e «os espíritos
dos profetas estão sujeitos aos profetas» (v. 32). Isto apoia a ideia de que
aqui Paulo se refere ao espírito humano.
Não obstante, a palavra espírito, com e sem maiúscula, deve
estudar-se em relação ao termo mistérios. Esta palavra é o conteúdo
desta última oração no versículo 2. Encontramos um paralelo em 1Co
13:2, onde Paulo fala a respeito dos mistérios intimamente relacionados
à profecia. Através de seu Espírito, Deus gera, na profecia e na
glossolalia, mistérios que são incompreensíveis (cf. 1Co 2:6–16; 1Pe
1:10–12). No entanto, o Espírito Santo revela estes mistérios e emprega
o Seu povo para expressá-los. 3 Portanto, o Espírito é o agente que opera
dentro da pessoa e aquele que relata esses mistérios.
Paulo e seus colaboradores eram administradores dos mistérios de
Deus (1Co 2:7), aos que tinha sido encarregado os mistérios que Deus
revela em Cristo (1Co 4:1). Através da pregação do evangelho, eles
explicavam estes mistérios ao povo de Deus. Porém no presente
passagem, Paulo diz que qualquer que pronuncia mistérios no Espírito,
não se está dirigindo às pessoas. Então deveria dirigir-se a Deus, porém
não será capaz de fazê-lo, visto que Deus é o doador. A saída para este
dilema é dar a conhecer estes mistérios aos crentes e explicar-lhes para
sua edificação.
c. «Mas aquele que profetiza, fala aos homens [e mulheres] para sua
edificação, ânimo e consolação». É óbvio o contraste entre a glossolalia
e a profecia: aquele que fala numa língua não se comunica, aquele que

3
Refira-se a Richard B. Gaffin, Jr., Perspectives on Pentecost: Studies in New Testament Teaching on
the Gifts of the Holy Spirit (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1979), pp. 79–80.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 681
4
profetiza dirige uma mensagem ao povo. Esta mensagem tem um
tríplice propósito: deve instruir, alentar e consolar os crentes (cf. 1Ts
2:12). É uma mensagem que edifica as pessoas em sua fé, que aponta a
Cristo e que lhes ensina a viver vidas santas. Além disso, a mensagem
profética alenta e inspira aos que o escutam para que possam enfrentar os
problemas da vida diária. São palavras que reanimam, alimentam e
sustentam o povo de Deus em períodos de depressão, tristeza e aflição. O
Novo Testamento ensina que os que recebem ânimo são os que choram,
os que estão na prisão, o mesmo que as viúvas espancadas pela pobreza. 5
No contexto dos capítulos 12–14, esta passagem nos provê uma
descrição útil do que é a profecia. Descreve-nos quais são as funções da
palavra profética sem insinuar que se procure predições ou afirmações
com validez permanente.

Considerações doutrinais em 1Co 14:1–3


Este parágrafo sublinha o inteligível e edificante. Isto se aplica
tanto à pessoa que fala numa língua como ao que profetiza. Se a
glossolalia não comunicar uma mensagem aos ouvintes, a igreja não
recebe benefício algum. A pessoa que fala em alguma língua e depois
serve como seu próprio intérprete, corre o risco de que lhe perguntem
por que não apresentou sua mensagem de forma inteligível desde o
princípio (mas veja-se o v. 13). 6 Paulo declara que ele prefere falar cinco
palavras que se entendam e que assim edifiquem a igreja, em lugar de
dez mil que não se entendam (v. 19).
O profeta veterotestamentário era um israelita chamado por Deus,
capacitado pelo Espírito Santo e portador de uma mensagem divina que

4
A VP traduz a oração «aquele que profetiza» como «aquele que comunica mensagens da parte de
Deus». A CB traduz: «aquele que fala em nome de Deus».
5
Consulte-se Gustav Stählin, TDNT, vol. 5, p. 822; Georg Braumann, NIDNTT, vol. 1, p. 329.
6
Cf. Thomas R. Edgar, Miraculous Gifts: Are They for Today? (Neptune, N.J.: Loizeaux, 1983), p.
212.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 682
7
proclamava com autoridade. Predisse a revelação de Deus, anunciando
com frequência o nascimento e vinda do Messias. Sua mensagem
incorporava a esperança de que Deus cumpriria sua promessa de enviar
ao Messias.
O profeta do Novo Testamento proclamava uma mensagem que
podia ser preditiva ou não preditiva. O profeta do Novo Testamento já
não tinha a tarefa de predizer a vinda do Messias, mas agora proclamava
o evangelho.
Em 1 Coríntios, Paulo sublinha a profecia não preditiva. Insiste em
que a tarefa de profetizar consiste em edificar, alentar e consolar os
crentes. Qualquer que profetiza, ministra à igreja, proclama a revelação
de Deus, interpreta o plano de salvação e aplica a verdade do evangelho.
A profecia «busca aplicar a verdade de Deus à vida humana, a fim de
produzir entendimento e crescimento». 8 Com efeito, o trabalho de
profetizar se mistura com o de ensinar (ver o comentário a 1Co 12:28).
Tanto o profeta do primeiro século como o pregador e mestre modernos
buscam edificar a comunidade cristã (vv. 5, 12).
A igreja deve pôr à prova constantemente as palavras da profecia,
para ver se são autênticas. Desta forma, Paulo encarrega a igreja de
Corinto o dever de discernir o dom de profecia, seja preditivo ou não
preditivo. Encarrega-lhe de proteger a profecia do abuso e mau uso (v.
29). Por esta razão, começa e termina este capítulo animando os
destinatários a procurar com denodo o dom de profecia (vv. 1, 39).
Especificamente, então, o significado da profecia no Novo
Testamento constitui ao menos três diferentes aspectos da profecia,
exemplificados nos quatro Evangelhos, em Atos, nas epístolas e no
Apocalipse.

7
Willem A. VanGemeren, Interpreting the Prophetic Word (Grand Rapids: Zondervan, Academie
Books, 1990), pp. 32–33.
8
Ralph P. Martin, The Spirit and the Congregation: Studies in 1 Corinthians 12–15 (Grand Rapids:
Eerdmans, 1984), p. 66.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 683
Primeiro, mencionamos o aspecto preditivo das profecias de Ágabo,
Paulo e João. Ágabo prediz uma fome severa em todo mundo romano
durante o reinado do imperador Cláudio, e muitos anos depois prediz a
detenção de Paulo (At 11:28; 21:11). Não devemos levar a extremo os
detalhes exatos das palavras de Ágabo, porque essa não era a intenção de
suas predições. Em outra oportunidade, Paulo estava a bordo de um
navio no meio de uma tempestade no mar Mediterrâneo, e um anjo lhe
comunicou que as 276 pessoas que iam a bordo se salvariam, embora o
próprio barco encalharia numa ilha (At 27:23–26). Paulo dá a notícia aos
marinheiros, soldados, passageiros e prisioneiros. Passado um dia ou
dois, todos foram testemunhas do cumprimento da profecia de Paulo.
Além disso, o último livro do Novo Testamento descreve João como
profeta (Ap 22:9). João escreve uma profecia das coisas que logo
ocorrerão e assim prediz e proclama a Palavra de Deus (Ap 1:3).
Segundo, no primeiro século alguns ocuparam o ofício de profeta
que em posição vinha depois do de apóstolo (Ef 4:11). O Espírito Santo
deu o dom deste ofício particular à igreja antiga. Mas quando os
apóstolos e profetas completaram sua obra, a fins do período
institucional da igreja (veja-se Ef 2:20), não deixaram sucessores que
tomassem estes dois cargos oficiais. 9 Quando se completou o cânon do
Antigo Testamento, o ofício profético deixou de existir. De forma
semelhante, tendo-se completado o Novo Testamento, decaiu o número
de profetas até desaparecer.
Os profetas do primeiro século tinham o ministério da pregação e o
ensino para fortalecer, animar e instruir o povo (1Co 12:28, 29; 14:3; At
13:1; 15:32). Eram chamados profetas e mestres, porém com a diferença
que enquanto um profeta era um mestre, um mestre não era
necessariamente um profeta. O profeta e o mestre procuravam edificar a
igreja.

9
Cf. Gerhard Friedrich, TDNT, vol. 6, pp. 859–60; Edgar, Miraculous Gifts, p. 83; George W. Knight
III, Prophecy in the New Testament (Dallas: Presbyterian Heritage, 1988), pp. 19–20.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 684
Por último, anuncia-se a profecia só quando alguém se converte em
porta-voz do Espírito Santo. Jesus disse aos doze discípulos (apóstolos)
que se os prendessem e tivessem que falar, o Espírito do Pai falaria
através deles (Mt 10:19, 20). Os apóstolos tiveram que comparecer
diante do Sinédrio, em cuja oportunidade Pedro, cheio do Espírito Santo,
falou com eloquência a respeito de obedecer a Deus e não aos homens
(At 4:8–12, 19, 20; 5:29–32). Estêvão não era um apóstolo, mas era
conhecido como um diácono cheio do Espírito Santo e também se dirigiu
ao Sinédrio (At 6:5; 7:2–53).
Todo crente deve pedir a Deus que lhe dê as palavras precisas para
falar cada vez que for necessário. Deus ouvirá e responderá suas
petições. Especialmente os pregadores e mestres podem testificar que,
em resposta a suas orações, o Espírito Santo lhes deu a habilidade de
pronunciar as palavras precisas que refletem a Palavra revelada de Deus.
Não obstante, ninguém deve qualificar de infalíveis as pessoas ou
mensagens dos pregadores, pois não podem proclamar nada que não
esteja na Escritura. Tal pregação e ensino da Escritura foi e sempre será
profecia. «A profecia foi e permanece uma realidade cada vez que se
prega a verdade bíblica com fidelidade». 10
4. Aquele que fala numa língua, ed ifica-se a si mesmo. A quele que
profetiza, edifica a igreja.
a. «Aquele que fala numa língua, edifica-se a si mesmo». Paulo já
indicou que aquele que fala numa língua se dirige a Deus, não às pessoas
(v. 2). Agora afirma que aquele que fala numa língua se edifica a si
mesmo. Não diz nada a respeito dos intérpretes, porque sabe que sem
interpretação a congregação não se beneficiará do que se diz. Sem um
intérprete a mensagem não se entende.
Como é que uma pessoa que fala em línguas se edifica a si mesma?
Alguns eruditos interpretam o verbo edificar-se no sentido negativo,
porque pensam que uma pessoa deve usar seus dons para o benefício da

10
J. I. Packer, Keep in Step with the Spirit (Old Tappan, N.J.: Revell, 1984), p. 217.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 685
igreja. Creem que na primeira parte deste versículo Paulo está usando
um sarcasmo, e esgrimem dois argumentos para provar o que dizem.
Primeiro, Paulo ensina que os dons que o Espírito concede são para o
bem comum de toda a igreja (1Co 12:7). Segundo, em sua carta de amor,
insinuou que os dons jamais devem servir a propósitos egoístas. 11
Não obstante, parece que aqui Paulo se refere de forma positiva ao
edificar-se a si mesmo, visto que anima todos os seus leitores a falar em
línguas (v. 5). Também faz notar que o orar a Deus de forma particular,
embora seja em alguma língua, é um assunto entre o crente e Deus (2Co
12:2–4; veja-se também o v. 2 e seu comentário). Por conseguinte,
ninguém tem o direito de invadir a privacidade religiosa dos demais.
Seja em voz alta ou não, a oração é uma rua de duas direções. Aquele
que ora louva e dá graças a Deus e, ao mesmo tempo, Deus o anima e
consola.
O fato de que Paulo usa repetidamente o verbo edificar e o
substantivo edificação, testifica que neste capítulo sublinha o conceito de
edificação. 12 Em outro lugar, Paulo diz aos destinatários «buscai
sobressair em [o trabalho de] edificar à igreja». Paulo volta a confirmar
que entre as línguas e a profecia, deve preferir-se muito mais a profecia.
O princípio fundamental de amar o próximo como si mesmo, esclarecido
no discurso sobre o amor (cap. 13), se expressa na voz da profecia. O
marco para a profecia é o culto público onde os membros se reúnem para
louvar, orar e instruir-se. O contexto também poderia ser um pequeno
grupo de dois ou três reunidos em nome de Jesus (veja-se Mt 18:20). A
profecia deve ser dada sempre levando em conta o amor ao próximo.
Paulo nota que aquele que profetiza edifica a igreja. Aqui não se
refere à igreja universal, mas à congregação local. Quando alguém se
11
Robert L. Thomas, Understanding Spiritual Gifts: The Christian’s Special Gifts in the Light of 1
Corinthians 12–14 (Chicago: Moody, 1978), pp. 207–208; John MacArthur, Jr., 1 Corinthians, série
MacArthur New Testament Commentary (Chicago: Moody, 1984), p. 372; H. Wayne House,
«Tongues and the Mystery Religions of Corinth», BS 140 (1983): 143–44.
12
O verbo grego aparece três vezes (1Co 14:4 bis, 17) e o substantivo quatro vezes (1Co 14:3, 5, 12,
26).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 686
dirige a Deus em alguma língua, aquele que o faz segue uma linha
vertical de adoração, mas quando profetiza aos membros da igreja,
alcança de forma horizontal os crentes.
5. Quanto gostaria que todos vós falásseis em línguas, especialmente
que profetizeis. E maior é aquele que pr ofetiza que aquele que fala e m
línguas, a menos que interprete, para que a igreja seja edificada.
a. Um desejo. Quando Paulo afirma que a ele gostaria que todos os
coríntios falassem em línguas, não promove a glossolalia em si mesma.
Ao contrário, o que faz é contrastar esta oração com a que segue, na qual
exalta ao dom de profecia. Alude claramente às palavras de Moisés,
quando disse que Eldade e Medade estavam profetizando no
acampamento de Israel. Quando Josué creu que a liderança de Moisés
estava em perigo, exortou Moisés a deter os supostos rivais. Mas Moisés
respondeu: «Tens tu ciúmes por mim? Tomara todo o povo do SENHOR
fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Espírito!» (Nm. 11:29).
Seguindo o exemplo de Moisés, Paulo anela que o Espírito Santo venha
em Sua plenitude sobre o povo de Deus.
Paulo expressa o desejo de que os coríntios falem em línguas,
porém não se contradiz. Anteriormente escreveu que nem todos recebem
os mesmos dons espirituais (1Co 12:30). Agora quer que seus leitores
abordem o assunto da perspectiva correta. Dos dons de glossolalia e
profecia, crê que o melhor é o de profecia. Paulo repete o que disse ao
princípio do capítulo, «especialmente que profetizeis» (vv. 1 e 5). A
própria repetição indica que valoriza o dom de profecia muito mais que o
de línguas, embora considere que ambos os dons têm aspectos que
edificam.
b. Diferenças. Embora Paulo julgue que o dom de profecia tem
mais valor que o dom de línguas, modera o que diz com a conjunção
qualificativa a menos que. Paulo escreve: «a menos que interprete, para
que a igreja seja edificada». Com isto quer dizer que a glossolalia é
aceitável sempre e quando sua mensagem for interpretada. Não afirma
que os profetas são os intérpretes.13 De fato, o capítulo não nos informa
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 687
quem são os intérpretes. Num capítulo anterior, Paulo mencionou tanto o
dom de línguas como o dom de interpretação, e declarou que Deus
confere estes dons a vários grupos de pessoas (1Co 12:28–31). O que
Paulo quer dizer é que quando a glossolalia é interpretada, então adquire
valor porque edifica os membros da igreja.
Ao comparar o que fala em línguas com aquele que profetiza, Paulo
considera que o profeta é superior. Mas qual é o significado do adjetivo
maior? O mesmo adjetivo aparece em 1Co 12:31, onde Paulo escreve
«Mas desejai com esforço os maiores dons».
Porém nos últimos versículos do capítulo 12, o apóstolo não indica
quais são estes grandes dons. No presente texto, Paulo usa o adjetivo
maior só para comparar a glossolalia com a profecia. O próprio texto não
parece comunicar outra coisa que uma comparação. Com relação a uma
comunicação eficaz que beneficia o povo de Deus, não é o profeta, e sim
suas palavras as que são maiores, porque edificam a comunidade cristã.
Quando se edifica a igreja, prevalece o princípio básico do amor.
Coloca Paulo a glossolalia interpretada no mesmo nível da
profecia? No Pentecostes (At 2:1–12), a glossolalia e a pregação do
evangelho eram a mesma coisa. Mas em Atos, em nenhuma parte somos
informados que se necessitou que intérpretes traduzissem as mensagens.
Supomos que numa igreja cosmopolita como a de Corinto, onde se
reunia gente de muitos países, falavam-se vários idiomas. Além disso,
alguns coríntios falavam em línguas e seguiam uma prática que poderia
ter-se originado nos círculos pagãos de onde procediam os coríntios.
Depois de converter-se ao cristianismo, não viram nenhuma diferença
entre sua experiência enlevada em círculos pagãos e o poder do Espírito
Santo trabalhando na comunidade cristã. 14 Paulo não lhes proíbe falar
em línguas (v. 39); o que quer é que sejam receptivos a este dom como
procede do Espírito Santo e que o usem para edificar a igreja no contexto
do amor.

14
House, «Tongues», p. 147.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 688
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:1–5
Versículo 1
τ_ν _γάπην — o artigo definido aponta ao mesmo substantivo
mencionado em 1Co 13:13.
_να — «que», esta partícula introduz o verbo profetizeis, um
presente subjuntivo usado num mandamento indireto. A partícula e
verbo dão o conteúdo do imperativo presente ζηλο_τε («esforçai-vos
com denodo por»).

Versículos 2–3
_ λαλ_ν — é o gerúndio ativo do verbo λαλέω (=falar) e aponta à
atividade de falar, não ao conteúdo do que se diz.
_νθρώποιζ — o dativo como objeto indireto não difere muito do
dativo de proveito. 15 Contudo, nestes dois versículos preferimos tomá-lo
como objeto indireto.
δέ — esta partícula adversativa sublinha a diferença entre aquele
que fala numa língua e aquele que profetiza. Embora o verbo λαλε_ (v.
3) vem seguido diretamente por três substantivos (edificação, ânimo e
consolação), ao traduzir a oração o português requer que acrescentemos
«para sua» para completar a ideia.

Versículos 4–5
_κκλησίαν — ao aparecer sem o artigo definido, este substantivo
poderia apontar à igreja universal. Mas aqui se refere à congregação
local.
θέλω — este verbo governa dois complementos verbais, à
construção de estilo indireto _μά λαλε_ν («que vós falásseis») e o
mandamento indireto _να προφητεύητε («que profetizeis»).

15
Robertson, p. 538.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 689
_κτ_ζ ε_ μή — uma tradução literal incorre em redundância
(«exceto exceto»), «mas pode supor-se que sem ε_ μή, el _κτ_ζ quase
seria uma preposição». 16 Veja-se 1Co 15:2.

b. Analogias apropriadas. 1Co 14:6–12

Depois dos versículos introdutórios (vv. 1–5) sobre a discussão a


respeito das línguas e a profecia, agora Paulo explica que se a glossolalia
tiver que ter valor na igreja, tem que beneficiar a toda a membresia. Para
que o ponto fique claro, Paulo ocupa exemplos tirados das áreas da
música e dos idiomas.
6. Mas agora, irm ãos, suponde que eu vá a vós fal ando em línguas,
de que vos serei útil, a menos qu e vos fale com revelação, com
conhecimento, com profecias ou ensino?
a. «Mas agora, irmãos». O agora não tem sentido temporal mas
lógico: «Pelo fato de que as coisas são desta maneira». Com base na
prática da congregação, Paulo se vê desafiado a dar seu ponto de vista
sobre o tema da glossolalia. Ele se dirige aos coríntios, usando a palavra
irmãos, a qual incluía naquele tempo as irmãs da igreja. Ao usar esse
termo, Paulo se põe no mesmo nível de todos os outros. Como o assunto
da glossolalia é delicado, Paulo tem que corrigir o pensamento e as ações
do povo de Corinto, e deve fazê-lo pastoral e meigamente.
b. «Suponham que eu vá a vós falando em línguas». Na primeira
parte de sua oração condicional, Paulo coloca termos que apontam a uma
hipótese ou probabilidade. Ao dizer «suponde», convida os leitores a que
se imaginem como reagiriam se alguma vez ele aparecer no seu meio
falando em línguas. Tem toda a intenção de ir vê-los (1Co 16:5), porém
não para falar em línguas.
Paulo escreve línguas no plural, não no singular. Mais adiante
testifica que tem a habilidade de falar mais línguas que qualquer dos
16
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 83.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 690
coríntios (v. 18), onde volta a usar o plural. A frase falando em línguas é
uma forma abreviada da fórmula original «falar em diferentes línguas»
(At 2:4). 17 Paulo se nega a dirigir-se aos coríntios em línguas, porque
quer comunicar uma mensagem inteligível (cf. v. 19). A falta de
comunicação indica falta de amor. No entanto, o amor deve ser a marca
de todas as relações pessoais na igreja. Além disso, Paulo jamais se
refere ao falar em línguas «sem ao mesmo tempo apontar ao seu valor
inferior, comparando-o de forma desfavorável com o falar coisas que se
entendem». 18
c. «De que vos serei útil, a menos que vos fale com revelação, com
conhecimento, com profecia ou ensino?». Paulo espera que os coríntios
respondam com um «absolutamente», a menos que os edifique com seus
dons espirituais. Os dons que o Espírito Santo reparte são meios para
servir a igreja, a fim de que todos os seus membros se beneficiem. Por
conseguinte, quando Paulo finalmente visitar Corinto, irá edificar as
pessoas com mensagens inteligíveis de Deus.
Paulo entrega suas mensagens na forma de revelação,
conhecimento, profecia ou ensino. Faremos bem se tomarmos estas
quatro categorias como dois pares que se ajudam mutuamente:

revelação e conhecimento
profecia e ensino

No primeiro par, revelação pode tomar-se primeiro como o material


com o qual naquele tempo se desenvolvia o Novo Testamento. Segundo,
pode-se referir à interpretação da palavra que Deus revelou aos apóstolos

17
BDF § 480.3.
18
Frank W. Beare, «Speaking with Tongues: A Critical Survey of the New Testament Evidence», en
Speaking in Tongues: A Guide to Research on Glossolalia, editado por Watson E. Mills (Grand
Rapids: Eerdmans, 1986), p. 124. Trata-se de um artigo que primeiro apareceu em JBL 83 (1964):
229–46.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 691
e profetas (Ef 3:5; Fp 3:15). Por último, pode apontar a alguma
mensagem divina recebida por Paulo (p. ex. que vá a Jerusalém para ver
se a mensagem que pregava estava em harmonia com o dos apóstolos; cf.
Gl 2:2 e 2Co 12:1, 7). Agora Paulo diz que divulga revelações para o
bem do povo de Deus. Da mesma forma, compartilha com os coríntios
conhecimento que presumivelmente pertence a Deus e Sua palavra.
O segundo par põe de relevo o anterior. A profecia é paralela à
revelação, assim como o ensino é a contraparte do conhecimento. 19 O
profeta não poderia profetizar sem revelação e um mestre não poderia
ensinar sem conhecimento. Aquele que recebe uma revelação e logo
profetiza, converte-se na boca do Espírito Santo. Aquele que tem
conhecimento e ensina aos membros da igreja, experimenta a ajuda do
Espírito (1Co 12:8–9). Finalmente, a revelação e o conhecimento se
referem a posses que estão dentro da pessoa, enquanto a profecia e o
ensino aludem a atividades externas. 20
7. Da mes ma forma, coisas inanim adas como a flauta ou a har pa,
produzem sons; se não produz ir notas claras, como poderá alguém saber
o que [melodia] se toca na flauta ou na harpa?
Paulo usa algumas analogias a fim de provar que na igreja não tem
sentido a falta de comunicação. Passa por alto o mundo animal e se
refere ao mundo da música. Paulo poderia ter escolhido o chifre, a
trombeta, o címbalo ou o gongo. Mas dos instrumentos de madeira
escolhe a flauta e dos instrumentos de corda, a harpa. Era comum tocar a
flauta nos funerais e nas bodas (Mt 9:23; 11:17). Os salmistas
mencionam várias vezes a harpa (Sl. 33:2; 137:2; 149:3; 150:3) e dão a
impressão de que este instrumento era usado nos serviços religiosos do
templo e outros lugares. 21

19
Refira-se a Thomas L. Wilkinson, «Tongues and Prophecy in Acts and 1 Corinthians», VoxRef 31
(1978): 16.
20
Henry Alford, Alford’s Greek Testament: An Exegetical and Critical Commentary, 7ª. edição, 4
vols. (1877; Grand Rapids: Guardian 1976), vol. 2, p. 591.
21
Consulte-se Daniel A. Foxvog e Anne D. Kilmer, «Music», ISBE, vol. 3, pp. 436–449.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 692
Para que deleite o auditório, a música tem que ser agradável ao
ouvido. Com habilidade, os músicos devem produzir sons prazenteiros
que revelem as características distintivas do instrumento que se toca, seja
a flauta ou a harpa. Assim se cria uma relação entre o intérprete musical
e aquele que ouve. Mas se o intérprete produz sons cacofônicos, as
pessoas o deixarão sozinho.
8. Porque se a trombeta produz um som pouco claro, quem se
preparará para a batalha?
Às vezes se responde uma pergunta com apenas perguntá-la. Paulo
toma um exemplo da guerra. Numa guerra o corneteiro que cuida a
muralha da cidade avisa os habitantes da investida do exército inimigo
que se aproxima. O som da trombeta serve de alarme para que todos os
que são aptos se preparem para a batalha. Mas se a trombeta toca de tal
modo que suas notas não são ouvidas, os habitantes continuarão com
suas atividades durante o dia ou dormindo durante a noite. Em ambos os
casos o não preparar-se trará o desastre.
Com exemplos da vida diária, Paulo busca mostrar aos coríntios a
inutilidade que é falar em línguas que não comunicam uma mensagem
espiritual. Como as pessoas não entendem, abandonarão ao que fala em
línguas e deixarão a igreja.
9. O mesmo ocorr e convosco, a men os que com vossa língu a
pronuncieis uma mensagem clara, co mo poderá alguém saber o que se
está dizendo? Porque estaríeis falando ao ar.
a. «O mesmo ocorre convosco». Esta frase aplica a analogia. Paulo
usa duas vezes esta expressão (veja-se o v. 12) para sublinhar o que quer
dizer. Os coríntios emitem sons que os que ouvem são incapazes de
apreciar nem entender, da mesma forma em que não se comunica nada
significativo se se tocarem mal os instrumentos musicais.
b. «A menos que com vossa língua pronuncieis uma mensagem
clara». Agora faz os coríntios verem que são responsáveis por falar de
uma forma que se entenda e seja clara. Paulo espera que eles prestem
atenção à sua repreensão. Quer que falem de uma forma inteligível.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 693
Notemos que usa o adjetivo claro como o contrário ao adjetivo pouco
claro que usou para a trombeta (v. 8). Além disso, a frase com vossa
língua pode querer dizer com o órgão físico da fala, com um idioma
conhecido ou com linguagem enlevada. Das três, a primeira explicação
parece ser a melhor. Primeiro, o substantivo língua é, antes, pessoal,
visto que vem modificado com vossa. Segundo, o substantivo é usado
como contraparte dos instrumentos musicais já mencionados (vv. 7, 8).
Terceiro, a preposição com é instrumental e se aplica melhor ao órgão da
fala que a um idioma.
c. «Como poderá alguém saber o que se está dizendo?». A redação
desta pergunta repete as palavras do versículo 7. Ali se perguntava como
poderia alguém saber o que se toca, e aqui o que se diz. Os paralelos são
notáveis e mostram que se está fazendo uma comparação. A resposta à
pergunta de Paulo é um grande «ser-lhe-á impossível».
d. «Porque estaríeis falando ao ar». Esta é a razão de que ninguém
seria capaz de entender uma palavra do que se diz. É como estar de cara
ao vento, aquele que fala perde toda habilidade para comunicar-se
efetivamente. Não se pode ouvir sua voz, perdem-se as suas palavras e
os seus esforços são inúteis (cf. 9:26).
10. Há, sem dúvida, muitas línguas no mundo, mas nenhuma carece
de significado.
Agora Paulo apresenta outra analogia; desta vez ele a tira da área
das vozes. Isto cobre uma ampla gama que inclui o som e clamor dos
animais. A primeira analogia de Paulo tinha que ver com objetos
inanimados na área da música; seu segundo exemplo refere-se aos sons
emitidos por seres vivos. João Calvino observa que estes sons incluem o
latido do cão, o relincho do cavalo, o rugir do leão e o rebusno do burro.
Além disso, temos as canções, os sons e o trinar das aves. 22 Mas neste
versículo Paulo se refere claramente à linguagem humana. Até se Paulo
pudesse fazer um estudo da multidão de idiomas e dialetos do mundo de
22
John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido por
John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 289.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 694
hoje, também deveria dizer com segurança «sem dúvida». Para
comunicar essa ideia usa uma fórmula grega muito conhecida ei tujoi (=
se ocorresse assim).
Os idiomas que não se podem entender criam na sociedade barreiras
formidáveis. Existem países que dentro de suas fronteiras devem
enfrentar uma multiplicidade de idiomas e de divisões étnicas. Esta
fragmentação surge do fato de que a pessoa se frustra quando não
entende a linguagem com aquele que lhe fala. «Um discurso sem
significado é uma contradição de termos». 23 Da mesma forma, a
glossolalia não interpretada estava criando barreiras em Corinto,
barreiras que podiam resultar em divisões.
11. Assim que, se eu ignorar o significado da língua, serei estrangeiro
para aquele que fala, e aquele que fala será estrangeiro para mim.
Paulo escreve uma oração condicional que expressa probabilidade.
Embora ele fosse capaz de comunicar-se em vários idiomas, Paulo
mesmo não entendia o dialeto licaônio que usava o povo de Listra (veja-
se At 14:11–14). Ele mesmo experimentou o que é ser um estrangeiro
entre gente que não podia entendê-lo. De forma semelhante, o fato de
Paulo não poder entender a linguagem que eles falavam, converteu-os
em estranhos para ele. A palavra grega barbaros, da qual derivamos o
termo bárbaro, aponta à pessoa cuja língua nativa é diferente do grego.
No princípio a palavra não tinha nenhuma conotação negativa e usava-se
para diferenciar aos que falavam grego dos que falavam outro idioma.
Uma linguagem falada deve ser capaz de comunicar sentido. De
outra forma, é ineficaz e impotente. Se não comunicar, a linguagem
separa o que fala dos que o escutam. Se se deseja traduzir de forma
literal a frase o significado da língua, terei que dizer: «o poder da
linguagem». O termo grego dunamis (=poder) também pode-se traduzir

23
Archibald Robertson e Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle
of St. Paul to the Corinthians, na série International Critical Commentary, 2ª. ed. (1911; reimpresso
por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 310.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 695
24
por «força», o qual tem bom sentido neste texto. Do pano de fundo da
palavra podemos deduzir que a força da linguagem que não se entende
cria um sentido de temor e insegurança naquele que ouve. Porém, na
igreja não há lugar para o medo e a insegurança. «O amor perfeito lança
fora o temor» (1Jo 4:18).
12. Assim também vós, visto que an elais os dons espirituais, buscai
sobressair naqueles que edificam a igreja.
a. «Assim também vós». Ao terminar com sua segunda analogia,
Paulo repete a frase que usou no final de sua primeira analogia (v. 9). A
comunidade cristã de Corinto, consciente de que em sua cidade havia
muitas nacionalidades e línguas representadas, devia entender a
frustração de quem não é capaz de entender quando se fala outro idioma.
Isto quer dizer que a ilustração de Paulo é apropriada, porque se pode
aplicar ao assunto da glossolalia na igreja local.
b. «Visto que anelais os dons espirituais». Depois de sua discussão
a respeito da profecia e as línguas, Paulo fechou o círculo. No princípio
do capítulo, insistiu com os leitores a buscarem com esforço os dons
espirituais (v. 1; cf. 1Co 12:31). Literalmente Paulo escreve «visto que
sois zelotes por espíritos» (cf. 1Co 12:10). Usa dois substantivos nesta
oração, «zelotes» e «espíritos». É importante que os examinemos com
detenção.
Primeiro, Paulo diz aos coríntios que devem converter-se em
zelotes. Esta palavra tem conotações negativas e positivas. Ele mesmo
tinha sido um zelote em sua paixão por guardar as tradições do judaísmo
e, como resultado, tinha procurado destruir A igreja (At 22:3; Gl 1:14).
Mas neste versículo a palavra comunica aquele esforço positivo por
conseguir os dons do Espírito (cf. Tt 2:14; 1Pe 3:13). 25

24
BAGD, p. 207. Veja-se Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians na série New
International Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 665 n. 39.
25
Consulte-se Wolfgang Bauder, NIDNTT, vol. 3, p. 1167; Albrect Stumpff, TDNT, vol. 2, pp. 887–
888.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 696
Segundo, Paulo não está procurando que os coríntios vão atrás dos
espíritos. Antes, exorta-os a serem recipientes dos dons espirituais.
Alguns comentaristas creem que a palavra espíritos aqui aponta aos
«diversos sopros de inspiração que se davam nas assembleias da
igreja». 26 Sem dúvida que isto ocorria, mas nos aproximamos mais à
intenção de Paulo se dissermos que o Espírito Santo revela-Se a Si
mesmo distribuindo uma multidão de dons espirituais ao Seu povo.
Como Paulo disse anteriormente: «O único e mesmo Espírito faz todas
estas coisas, repartindo a cada um individualmente como lhe apraz»
(1Co 12:11). Em suma, o substantivo plural espíritos refere-se ao
Espírito Santo que distribui muitos de Seus dons espirituais a Seu
povo. 27
c. «Buscai sobressair naqueles que edificam a igreja». Esta oração
põe a ênfase no conceito edificação, que é um dos temas importantes
para Paulo no presente capítulo (veja-se o comentário ao v. 4). O
Espírito Santo dota o Seu povo com dons espirituais para o propósito de
edificar a igreja do Senhor Jesus Cristo. Paulo não especifica que dons os
membros devem usar para sua mútua edificação. Antes, exorta-os a
sobressair. Depois do imperativo buscai sobressair vêm as palavras
naqueles, que não estão no texto grego. Contudo, o transformar do
pensamento sugere que devem incluir-se. A mensagem que Paulo deixa
com os coríntios é que devem destacar-se por ser gente que edifica a
igreja com os dons espirituais que receberam.

Considerações doutrinais em 1Co 14:6–12


Todo pastor ou mestre testificará do fato de que os sermões e lições
logo podem esquecer-se, mas uma boa ilustração perdura por toda a vida.

26
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), p. 704. Fee afirma que para os coríntios tratava-se «do Espírito manifestando-se através
de seus ‘espiritus’ individuais» (First Corinthians, p. 666).
27
BAGD, p. 677. Veja-se Gaffin, Perspectives on Pentecost, pp. 76–77.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 697
No entanto, um conferencista sábio é parco em seu uso de figuras
verbais. Sabe que embora uma apresentação saturada de ilustrações pode
ser muito divertida, com frequência carece de substância e coerência.
Uma conferência ou sermão desalinhavado não se entende. Jesus ensinou
numerosas parábolas, mas todas elas comunicam uma mensagem clara
que todos podem entender imediatamente.
As analogias que Paulo apresenta, toma-as da vida diária e têm a
função de servir de apoio ao argumento principal. Espera-se que a flauta
e a harpa produzam belas melodias. O clarim deve emitir sons limpos
que ponham a população em guarda. Estas duas ilustrações põem de
relevo, esclarecem e fortalecem o ponto que Paulo quer comunicar.
Paulo estabelece quatro princípios que os coríntios deveriam
observar: primeiro, as línguas devem ser interpretadas; segundo, devem
edificar a congregação; terceiro, devem ser inteligíveis no contexto do
amor (veja-se o v. 1a); e quarto, a ordem deve ser a característica dos
crentes no culto (veja-se especialmente v. 33a).
Na comunidade cristã de Corinto, os que falavam em línguas
proferiam sons sem sentido. Paulo mostra que quando está com os
crentes, ele lhes trará revelação, conhecimento, profecia e ensino.
Informa-lhes que sua tarefa é pregar o Cristo crucificado e Seu
evangelho (1Co 1:23; 15:1). Este evangelho é inteligível e edificante só
quando o Espírito Santo se associa com ele. J. Stanley Glen comenta: «O
Espírito de Deus assinala a máxima inteligibilidade». 28 A palavra e o
Espírito andam juntos quando um pregador ou mestre comunica
claramente a revelação de Deus, pois o Espírito Santo está
inseparavelmente conectado com a Palavra de Deus. Em suma, o
Espírito explica a palavra de forma inteligível.

28
J. Stanley Glen, Pastoral Problems in First Corinthians (Londres: Epworth, 1965), p. 184.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 698

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:6–12


Versículo 6
_ν — esta preposição, que vem seguida por quatro substantivos em
caso dativo, é descritiva e quer dizer: «a menos que vos fale com
[palavras] que consistem em revelação», etc. 29
διδαχ_ — este substantivo pode apontar ao ato de ensinar ou ao
corpo de doutrina (RA). Os estudiosos favorecem o primeiro sentido.

Versículos 7–8
_μως — a versão CI traduz este advérbio como «no entanto».
Contudo, o contexto demanda que se introduza uma comparação e,
portanto, deveria traduzir-se: «Ocorre igual a …» (BP), «sucede como
…» (CB). Cf. Gl 3:15. 30
π_ς γνωσθήσεται — literalmente, o grego diz: «como será sabido
[tocado-o na flauta ou harpa]?». Em português preferimos a voz ativa e
acrescentamos alguém como sujeito: «como poderá alguém saber o que
[melodia] se toca na flauta ou harpa?».
παρασκευάσεται — é um verbo futuro em voz média que afeta
diretamente a pessoa envolvida: «como se preparará?».

Versículo 10
ε_ τύχοι — a partícula introduz uma oração condicional que leva o
presente optativo do verbo τυγχάνω (=obter). A cláusula ocorre como
uma fórmula que significa «talvez» ou «se ocorresse assim» (veja-se
também 1Co 15:37). A prótase desta fórmula carece de apódose. No
presente texto, talvez procura amortecer o impacto que o adjetivo
29
Moule, Idiom-Book, p. 79.
30
Joachim Jeremias, «Homōs (1 Cor. 14,7; Gal. 3,15)», ZNW 52 (1961): 127–28; R. Keydell,
«Homos», ZNW 54 (1963): 145–46.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 699
τοσα_τα («muitas») tem sobre a oração: «há provavelmente tantos
idiomas distintos». 31

Versículos 11–12
__ν ο_ν μ_ ε_δώ — esta é uma oração condicional que expressa
probabilidade mediante o subjuntivo de ο_δα (=entender, saber; veja-se
o v. 16). A oração vem seguida de serei e de τ_ λαλο_ντι («aquele que
fala») como dativo de referência: «Serei, aos olhos daquele que fala, um
bárbaro». 32
ζητε_τε — este presente imperativo («buscai») está colocado na
metade da segunda parte do versículo 12. A sintaxe é extraordinária
porque a ênfase recai na edificação que a igreja provê a seus membros.
Paulo quer que com todo o coração busquem a edificação.

c. Orar e louvar. 1Co 14:13–17

Ao longo de todo este capítulo, Paulo põe em dúvida a utilidade das


atividades religiosas que não produzem edificação. Nesta seção, escreve
que o princípio da inteligibilidade exige que o crente use sua mente para
orar, cantar, louvar e dar graças a Deus. O crente que em lugar de
empregar sua mente, pratica o falar em línguas sem interpretação está
proferindo uma série de sons desprovidos de significado. O dom da
glossolalia tem valor só quando vem acompanhado de interpretação (v.
5).
13. Portanto, que aquele que fala numa língua ore para q ue possa
interpretar.
A conjunção portanto conecta o presente versículo com a passagem
precedente (vv. 6–12) e especialmente com o versículo 12, onde Paulo
sublinha os princípios de edificação e inteligibilidade. Com base neles

31
Bauer, p. 829; BDF § 385.2.
32
Moule, Idiom-Book, p. 46.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 700
exorta os coríntios de que a pessoa que fala em línguas deve orar,
pedindo para poder interpretar.
Embora as palavras do texto sejam claras, sua interpretação suscita
algumas perguntas. Quer Paulo dizer que a mesma pessoa poderia ter o
dom de falar numa língua e depois, como resposta à sua oração, receber
o dom de interpretação? Pode uma pessoa possuir estes dois dons ao
mesmo tempo ou o primeiro cessa uma vez que se recebe o segundo?
Está Paulo dizendo ao que fala numa língua que ore para que possa
encontrar alguém que seja capaz de traduzir o que houver dito?
É difícil encontrar resposta a estas perguntas, visto que a construção
do texto é concisa e mesurada. Contudo, devemos levar em conta que o
contexto que Paulo descreve não é a privacidade de uma casa, mas o
culto público. É neste contexto onde a palavra falada deve sempre ser
lúcida e instrutiva. De outra maneira, aquele que fala deve ficar calado
(vv. 5, 28). Aquele que fala em línguas em geral está no controle
completo de seus sentidos e assim é capaz de começar a falar ou de
calar-se em qualquer momento. 33 Tanto aquele que fala como aquele que
ouve não é edificado por meio de linguagem ininteligível. Além disso, o
falar em línguas e a interpretação delas devem ocorrer juntas, pois são
dons do Espírito Santo dados com o fim de edificar a igreja.
Se uma pessoa falar num idioma estrangeiro, deve buscar alguém
que traduza suas palavras. 34 Paulo quer que todos os presentes recebam o
benefício da mensagem. Num contexto subsequente, diz que se deve
buscar alguém que interprete o que se diz (vv. 27, 28). Se não se
encontrar um intérprete, aquele que fala deve ficar calado.
14, 15. Porque se eu orar n uma língua, o meu esp írito ora, mas a
minha mente não tira pr oveito. O que de vo concluir, então? Que or arei
com o meu espírito e tamb ém orarei com a minha mente. Cantarei com o
meu espírito e cantarei também com a minha mente.

33
Turner, «Spiritual Gifts», p. 44.
34
Robert H. Gundry, «‘Ecstatic Utterance’ (N.E.B.)?», JTS (1966): 302–3.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 701
A primeira é uma cláusula condicional, na qual Paulo não está
dizendo que ele mesmo ora em alguma língua (cf. vv. 18, 19). A única
coisa que afirma é o que ocorreria no caso que o fizesse. Neste caso, seu
espírito oraria sem usar a mente. Paulo mesmo dá o exemplo de orar com
palavras claras que todos entendem. 35
a. «Porque se eu orar numa língua, o meu espírito 36 ora, mas minha
mente não tira proveito». Este texto serve para explicar o versículo
precedente (v. 13), visto que a conexão se realiza por meio da conjunção
porque. 37 Isto quer dizer que Paulo está usando sua vida pessoal como
exemplo para os coríntios. Numa passagem anterior, afirmou que o orar
numa língua é um assunto particular que não beneficia à igreja (vv. 2–4).
Na oração particular, só o espírito humano se comunica com Deus. Mas
Paulo rejeita este tipo de oração para o culto público. Diz que a mente
fica improdutiva, porque assim não edifica a outros. Embora as palavras
exatas de Jesus com relação a amar a Deus com todo o coração, alma e
mente (Mt 22:37) difiram das que encontramos neste texto (vv. 14, 15), o
exercício da oração deve empregar todas essas faculdades.
Como operam a mente e o espírito? A mente humana, que tem a
capacidade de pensar e entender, está intimamente ligada ao espírito
humano. Quando o Espírito Santo controla o espírito e a mente, em geral
a pessoa se desenvolve e prospera. Mas quando o espírito humano não é
governado pelo Espírito Santo, a mente permanece espiritualmente
indolente, o que resulta em esterilidade. 38

35
Consulte-se Anthony A. Hoekema, Tongues and Spirit-Baptism: A Biblical and Theological
Evaluation (reimpresso por Grand Rapid: Baker, 1981), p. 92.
36
O pronome possessivo meu indica que o substantivo espírito não se refere ao Espírito Santo, visto
que na Escritura nunca se identifica o Espírito como «meu espírito». Uma só tradução espanhola
coloca «em mim o Espírito reza» (NBE,), mas sua sucessora tem: «meu espírito reza» (BP).
37
Esta leitura tem amplo apoio. Os Novo Testamentos em grego incluem a conjunção γάρ (=porque),
e as versões espanholas traduzem-na. Jean Héring argumenta em favor de ignorar a conjunção. Veja-
se The First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, traduzido por A. W. Heathcote e P. J. Allcock
(Londres: Epworth, 1962), p. 150.
38
Por contraste, veja-se William G. MacDonald, «The Place of Glossolalia in Neo-Pentecostalism»,
en Speaking in Tongues: Let’s Talk about It, editado por Watson E. Mills (Waco: Word, 1973), pp.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 702
É possível para a mente e o espírito funcionar separadamente, mas
Paulo insinua que o espírito e a mente de uma pessoa devem empregar-
se juntos para ser produtivos. 39 Por conseguinte, Calvino faz este agudo
comentário com relação à situação em Corinto:
«Mas se alguém dotado do dom de línguas tivesse falado clara e
inteligivelmente, não teria tido sentido que Paulo dissesse que ‘o espírito
ora mas o entendimento fica sem fruto’, pois o entendimento teria estado
agindo juntamente com o espírito». 40
b. «O que devo concluir, então? Que orarei com o meu espírito e
também orarei com a minha mente». Ao orar, o espírito e a mente devem
agir em conjunto, para pronunciar palavras com sentido. Devem edificar
os membros da congregação que ouvem estas palavras. Desta forma,
Paulo insiste com os coríntios a orar num idioma que todos os presentes
no culto conheçam. Diz aos coríntios que para que a igreja seja
edificada, o espírito e a mente devem orar de forma eficaz.
Por certo, a oração demanda que nossa mente se concentre de forma
intensa: louvamos a Deus, confessamos nossos pecados, damos-lhe
graças por Suas bênçãos e com humildade fazemos nossas petições. Orar
sem usar a cabeça é inútil, diz Paulo. Portanto, se falarmos em línguas
sem usar nosso entendimento, não poderemos comunicar-nos com os que
nos ouvem. No versículo 14, Paulo afirma claramente que se a mente
não der fruto, não se obtém nada inteligível, compreensível e
edificante. 41
Paulo expressa sua vontade e determinação, usando o tempo futuro
no versículo 15: «Sem dúvida que orarei com a minha mente e, por certo,
que cantarei com a minha mente». Entre os aspectos da adoração (veja-
se o v. 26) estão a oração e o louvor. O primeiro em geral consiste em

81–93; Tony Campolo, How to Be Pentecostal without Speaking in Tongues (Dallas: Word, 1991), pp.
32–33.
39
Cf. Donald Guthrie, New Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 77.
40
Calvin, 1 Corinthians, pp. 291–292.
41
Edgar, Miraculous Gifts, p. 181 n. 11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 703
petições e o segundo na prazerosa resposta pelas bênçãos recebidas. O
bispo inglês Thomas Ken (século XVII) expressou de forma poética a
ideia de louvar ao Deus Triúno por tais bênçãos numa doxologia que nos
é conhecida:
A Deus, o Pai celestial,
Ao Filho, nosso Redentor;
Ao eternal Consolador
Unidos todos louvai. Amém.
c. «Cantarei com o meu espírito e cantarei também com a minha
mente». De forma deliberada, Paulo coloca o louvor junto à oração.
Raciocina que para poder orar de forma eficaz, tem que usar seu
entendimento. E quando seu espírito quer cantar prazerosos louvores a
Deus, Paulo deve fazê-lo entendendo plenamente as palavras e a música.
Jesus disse que ao orar os gentios se entregam a oco palavrório (Mt 6:7).
Põe em guarda os seus ouvintes para que não os imitem, mas orem
inteligivelmente usando o Pai Nosso (Mt 6:9–13). Assim também,
quando cantamos devemos expressar-nos com palavras que tenham
melodias apropriadas. Tanto aquele que ora como aquele que canta é
abençoado espiritualmente quando os que ouvem obtêm benefício
celestial.
O cenário é, obviamente, o culto público durante o qual os
membros da congregação participam orando, cantando salmos, hinos e
cânticos espirituais (veja-se Ef 5:19; Cl 3:16). Quando a pessoa canta
louvores a Deus, deve pôr especial atenção às palavras e a melodia, para
evitar que o que alguém canta resulte num absurdo dissonante. Assim
como o espírito e a mente trabalham juntos em oração, o mesmo deve
ocorrer quando se canta.
16. De out ra forma, se abençoar [só] com o espírito, como poderá
aquele que o cupa o luga r do desinformado dizer amém à t ua ação de
graças? Porque não entende o que dizes.
a. Resultado. «De outra forma, se abençoar [só] com o espírito».
Paulo diz que se os coríntios não falarem e cantarem de forma
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 704
inteligível, ofenderão os que não podem entender o que dizem em
oração. No grego Paulo usa a segunda pessoa singular, «se tu abençoas»,
como se se dirigisse a alguém que questiona o que está dizendo. Como
resultado, volta a sublinhar os resultados que traz o orar e o dar graças só
com o espírito, sem usar a mente.
O verbo abençoas deve ser tomado junto com a frase ação de
graças, visto que ambos explicam as ações litúrgicas de orar e cantar.
Neste contexto, abençoar significa oferecer louvor a Deus em adoração.
Dado o ensino do Antigo Testamento, o verbo era usado na vida diária,
especialmente antes de cada comida. 42 Abençoar é a ação de louvar,
enquanto a ação de graças é o conteúdo desse louvor. A bênção poderia
ser a parte mais nobre da oração, mas a menos que se expresse numa
linguagem que se entenda, não servirá ao resto das pessoas que
participam do culto de adoração.
b. Resposta. «Como poderá aquele que ocupa o lugar do
desinformado dizer amém à tua ação de graças?». A pergunta contextual
que Paulo expõe só se entenderá se estamos familiarizados com os
serviços de adoração que se realizavam na antiga sinagoga e na igreja.
Na sinagoga, ao finalizar uma oração era costume que os assistentes
respondessem com um amém à viva voz — amém é uma palavra
hebraica que significa «assim seja» — como sinal de entusiasta
aprovação do que se havia dito. 43 Este costume foi trasladado ao culto da
igreja cristã primitiva, o qual se torna evidente nos escritos de Paulo e na
patrística. 44 Os membros da igreja expressavam verbalmente seu apoio à
oração que um deles fez. Mas se não entendiam a oração por ter-se orado
numa linguagem desconhecido, não poderiam dizer amém.
A oração aquele que ocupa o lugar do desinformado é de difícil
interpretação. A palavra grega idiōtēs (=desinformado) volta a aparecer
no versículo 23 (ali junto ao termo incrédulos; veja-se o comentário). No
42
Hans-Georg Link, NIDNTT, vol. 1, pp. 212–213; Hermann W. Beyer, TDNT, vol. 2, pp. 759–763.
43
Veja-se Sl. 106:48; 1Co 16:36; Ne 5:13; 8:6. Veja-se também SB, vol. 3, pp. 456–461.
44
2Co. 1:20; Justino Martir, Apologia 1.65; Tertullian, Public Shows 25.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 705
presente texto, o «desinformado» parece ser o discípulo, a pessoa que
está buscando a verdade. Trata-se daquele cuja condição estava entre o
incrédulo e o cristão comprometido (cf. também o comentário aos vv.
23, 24). 45 Assim como as sinagogas tinham homens piedosos cuja
situação estava entre o incrédulo e o prosélito, a igreja também os tinha.
Como a igreja trabalhava evangelizando, em seu meio sempre havia
discípulos e pessoas em busca da verdade. Além disso, não se deve
passar por alto o fato de que neste versículo e no seguinte usa-se o
singular. O uso do singular é um modismo hebraico que significa: aquele
que faz as vezes de, aquele que ocupa o lugar de. 46
Mas nesta passagem o problema não tem que ver com não entender
a fé cristã, mas não se entende o que se está dizendo. Por esta razão, a
maioria dos comentaristas aplicam o termo grego idiōtēs ao membro da
igreja que não tem o dom de línguas ou do dom das interpretar. Este
irmão não tem nem o treinamento nem os dons para entender o idioma
que se fala, o que o despoja de bênçãos espirituais. Paulo concentra sua
atenção numa pessoa em particular que evidentemente fala numa língua
e em outra pessoa que não.
c. Razão. «Porque não entende o que dizes». O sentido da presente
passagem é que aquele que não entende o que alguém está orando não é
edificado e é incapaz de confirmar com um amém o que se diz. Paulo
repreende a qualquer um que fala em alguma língua sem a ajuda de um
intérprete. Paulo reitera que a glossolalia não é um dos dons mais
importantes.
17. Porque embora seja certo que tu dás as graças, a outra pessoa
não é edificada.
Paulo se dirige enfaticamente ao indivíduo que fala em alguma
língua durante o culto público. Diz-lhe «por certo, tu dás as graças». O
elogia por dar graças a Deus: «muito bem!». Segundo Paulo, a falta não
está em que esta pessoa dê graças a Deus, e sim o erro estriba na forma
45
BAGD, p. 370.
46
Consulte-se Josefo, Guerras judaicas 5.2.5 [88]; Epictetus, Diss. 2.4.5.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 706
em que o faz: em línguas. Reprova-o porque mostra uma total
desconsideração pela outra pessoa». Faz com que note que o
desinformado não recebe nenhum benefício da oração que foi elevada
num idioma que não se entende. Em sua última cláusula, Paulo
repreende agudamente o que fala numa língua sem edificar o
desinformado. Em suma, todo aquele que conduz um culto público deve
falar de forma inteligível para iluminar e instruir o próximo.

Considerações práticas em 1Co 14:15–17


A igreja do Novo Testamento saiu das sinagogas locais judaicas de
Israel e da dispersão. Quando os cristãos fundaram igrejas diferentes das
sinagogas, a estrutura litúrgica do culto de ambas as instituições se
manteve de forma muito semelhante. Tanto judeus como cristãos
cantavam os salmos e hinos do Antigo Testamento. Mas chegou o tempo
em que os cristãos acrescentaram à sua liturgia as canções do Novo
Testamento, como o cântico de Maria, o de Zacarias e o dos anjos (Lc
1:46–55, 68–79; 2:14). 47
Em ambas as reuniões, os líderes liam porções da Escritura
(seleções tiradas da lei e os profetas), porém na igreja também se liam os
Evangelhos, Atos e as epístolas. Os escritos sagrados eram guardados
sob chave à custódia dos oficiais locais, quem animava as pessoas a
memorizarem as Escrituras. Os que participavam do culto aprendiam de
cor salmos, hinos, canções e numerosas partes da Santa Escritura. Em
cada culto repetiam-se essas porções bíblicas e se aprendiam outras.
Quando o autor de Hebreus escreveu sua epístola, citou
principalmente os salmos, os hinos e as profecias messiânicas que a
igreja cantava e recitava no culto. O autor podia comunicar suas ideias
de forma clara e eficaz porque todos em seu auditório conheciam as
citações do Antigo Testamento e o evangelho de Cristo.

47
As cartas de Paulo contêm outros hinos da igreja: Rm 11:33–36; Ef 5:14; Fp 2:6–11; Cl 1:15–20;
1Tm. 3:16; 2Tm 2:11–13.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 707
Além disso, as pessoas confessavam sua fé de acordo com seus
respectivos credos. Os judeus recitavam a Shema (Dt 6:4) e os cristãos
declaravam sua fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador (1Co 12:3;
Fp 2:6–11; 1Tm. 3:16). A pregação nas igrejas locais era entregue na
forma de ensino, exortação e edificação. À parte da administração do
batismo e a Santa Ceia, os líderes e membros elevavam orações
congregacionais, às quais o povo apoiava com o acostumado «amém». A
igreja como corpo, não só escutava os sermões e as orações, mas os
punham à prova. 48 A pessoa devia ser capaz de entender os sermões e as
orações, os quais deviam edificar a todos os que participavam do culto.
Segundo a informação de Atos e as epístolas, nenhuma outra
congregação que não tenha sido a de Corinto, praticava a glossolalia no
primeiro século. Com a exceção de Atos 2, 10 e 19, nenhum outro livro
do Novo Testamento fala da glossolalia. Além disso, à parte de 1
Coríntios 12–14, nenhuma outra lista de dons inclui o dom de línguas.
Deve-se acrescentar que Paulo não aprova a glossolalia que não seja
interpretada. Embora insista com os coríntios a procurarem o dom de
profecia (vv. 1, 5), não os exorta a buscar o dom de línguas. Paulo
demonstra que de todos os dons, o de línguas é o inferior. Anima os seus
leitores a procurar os melhores dons (1Co 12:31). Por outro lado, instrui
os coríntios que não proíbam a glossolalia (v. 39). As línguas são um
dom do Espírito Santo.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:13–17


Versículo 13
διό — «portanto». Esta conjunção está composta da preposição διά
(=por causa de) e o pronome relativo neutro singular _ (=o qual). A

48
Refira-se a Ralph P. Martin, The Worship of God: Some Theological, Pastoral, and Practical
Reflections (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), pp. 35–36.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 708
conjunção serve para resumir a mensagem do versículo precedente (v.
12).

Versículo 15
ψαλ_ — o contexto nos diz que o tempo futuro indica propósito:
«cantarei … e cantarei com minha mente».

Versículos 16–17
_πεί, _πειδή — as palavras traduzidas «porque de outra maneira»
são uma elipse pela expressão mais completa: «Se ocorresse de outra
maneira». 49
μ_ν … _λλ_ — estas palavras formam um agudo contraste entre
aquele que fala em línguas e a pessoa desinformada.

d. Ação de graças. 1Co 14:18–19

18, 19. D ou graças a Deus que falo em línguas mais que todos vós.
Não obstante, na igreja p refiro falar cinco palavras com a minha mente,
para assim ensinar a outros, que dez mil palavras numa língua.
a. Reconhecimento. Pelo menos uma versão traduz «falo em
diferentes tipos de idiomas» (NCV) e, por certo, Paulo era capaz de falar
nos idiomas semíticos e indo-europeus. Isto lhe permitia servir a Jesus
Cristo como um missionário cosmopolita. A verdade é que o grego usa o
plural línguas, não o singular, e não diz «diferentes tipos de línguas»
(1Co 12:10, 28) e sim «línguas». Parece que Paulo centraliza sua atenção
mais na glossolalia que em sua habilidade para falar diferentes idiomas
conhecidos.
Paulo agradece a Deus 50 por lhe conceder a habilidade de falar em
línguas e em maior quantidade que as pessoas da igreja de Corinto. Sua
49
BAGD, p. 284.
50
Cf. Rm 1:8; 7:25; 1Co 1:4; Fp 1:3; Cl 1:3; 3:17; 1Ts 1:2; 2:13; 2Ts 1:2; 2:13; Fm 4; Ap 11:17.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 709
comparação não se refere tanto à frequência com a que fala em línguas,
mas antes, à qualidade de seu falar em línguas. 51 Supomos que
surpreendeu os crentes de Corinto que Paulo reconhecesse possuir o
dom. Os mais surpreendidos deveriam ser precisamente os que tinham
esse dom. Embora sabemos que Pedro e Paulo de vez em quando caíram
em transe (At 10:10; 22:17; cf. 2Co 12:1–6), não nos é dito no Novo
Testamento que alguma vez falassem em línguas.
Por que entregou Paulo esta informação pessoal? Aventuro-me a
dizer que o fez para exortar os coríntios a que o imitassem usando seus
dons só para edificar a comunidade cristã. O propósito que Paulo
persegue ao contar sua experiência pessoal é mostrar que não usará seu
dom em público, a menos que seja de beneficio para outros.
b. Uso. Paulo imediatamente corrige sua afirmação de que é capaz
de falar em línguas. Especifica claramente qual seria sua conduta no
contexto de serviço de adoração: «na igreja prefiro falar cinco palavras
com minha mente». As palavras na igreja identifica o lugar e deixa claro
que Paulo não está falando da intimidade do lar (veja-se o comentário ao
v. 4). A igreja é o lugar onde o povo de Deus se reúne para adorar,
louvar a Deus como comunidade e onde ouvem o evangelho. Na igreja
são edificados por meio do ensino e a pregação da Palavra de Deus, o
que fortalece suas vidas na fé. Mas o falar em línguas que não são
interpretadas não contribui à edificação do povo e, portanto, Paulo
desaprova essa prática.
O número cinco na expressão cinco palavras é um modismo, assim
como às vezes usamos o número seis em frases como: «me dá seis de um
e meia dúzia do outro». No Novo Testamento, o número cinco usa-se
como um número redondo junto a substantivos como pardais (Lc 12:6),
família (Lc 12:52), juntas de bois (Lc 14:19), irmãos (Lc 16:28), talentos
(Mt 25:15) e as virgens sábias e néscias (Mt 25:2). 52
51
F. W. Grosheide, De Eerste Brief van den Apostel Paulus aan de Kerk te Korinthe, série Comentar
op het Nieuwe Testament (Amsterdam: Van Bottenburg, 1932), p. 466.
52
SB, vol. 3, p. 461; Colin J. Hemer, NIDNTT, vol. 2, p. 689.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 710
«Com minha mente» denota a ideia de falar inteligivelmente e
lembra aos leitores o que Paulo tinha admoestado há pouco sobre orar e
cantar usando a mente (vv. 14, 15). A frase com minha mente também
faz surgir um contraste entre falar algo que se entende e algo que
ninguém sabe o que quer dizer, isto é, a diferença entre a profecia e a
glossolalia. 53
«Para assim ensinar a outros». O verbo grego katējeō (=ensinar)
quer dizer que o mestre pronuncia palavras a estudantes que estão
sentados aos seus pés. Na igreja antiga, o verbo conota a ideia de um
método de perguntas e respostas que se associa com a ideia do
catecismo. 54 Paulo prefere falar cinco palavras para ensinar o evangelho
de Cristo a outros, que dez mil que os coríntios não entendam. De fato,
Paulo descarta sequer a possibilidade de que ele alguma vez falará em
línguas em público, especialmente no culto de adoração. 55
Implicitamente insiste com os coríntios a que o imitem. Se querem
praticar a glossolalia, que o façam em particular. Se o querem fazer em
público, deve haver um intérprete (v. 27).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:18–19


λαλ_ — há duas variantes, o particípio λαλ_ν (que falo) e o
infinitivo λαλε_ν (que falo). Ambas buscam melhorar a construção com
o verbo finito λαλ_ («falo»), o qual carece da conjunção _τι (=que) que o
introduza.

53
James D. G. Dunn, Jesus and the Spirit: A Study of the Religious and Charismatic Experience of
Jesus and the First Christians as Reflected in the New Testament (Philadelphia: Westminster, 1975),
p. 229.
54
2 de Clemente 17.1. Hermann W. Beyer, TDNT, vol. 3, pp. 638–640. Consulte-se C. H. Dodd, «The
Primitive Catechism and the Sayings of Jesus», em New Testament Essays: Studies in Memory of
Thomas Walter Manson, editado por A. J. B. Higgins (Manchester: Manchester University Press,
1959), pp. 106–118.
55
Cf. D. A. Carson, Showing the Spirit: A Theological Exposition of 1 Corinthians 12–14 (Grand
Rapids: Baker, 1987), p. 105.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 711
_ν _κκλησί_ — este é um modismo e seu significado é «na reunião
da igreja». Não se refere ao edifício, mas à reunião dos irmãos para o
serviço de adoração.
_ — a partícula comparativa toma o lugar do advérbio μ_λλον
(antes, em vez disso).
μυρίους — literalmente: «dez de milhares». Veja-se 1Co 4:14.

e. As línguas e a Escritura. 1Co 14:20–25

Neste ponto de seu discurso sobre as línguas, Paulo lembra aos seus
leitores a virtude do amor. Deseja que ponham em prática a lei do amor,
que vençam o mal e que se apresentem como cristãos amadurecidos.
Refere-os às Escrituras para que seu pensamento seja guiado pela
revelação de Deus.
20. Irmãos, não pens eis como crianças, mas sede crianças quanto ao
mal. Sede amadurecidos para pensar.
O termo irmãos (que inclui às irmãs) em geral quer dizer que Paulo
está por abordar um tema delicado (veja-se vv. 6, 26, 39). Com esta
palavra fica ao nível dos destinatários e confessa sua comunhão com
eles. Paulo entrega diretrizes e espera que os coríntios as sigam. Assim,
emite duas ordens, uma negativa e outra positiva.
«Não penseis como crianças, mas sede crianças quanto ao mal».
Primeiro vem o mandato negativo, aquele que no grego mostra que os
coríntios demonstravam com persistência que pensavam como crianças.
É certo que alguns deles faziam alarde de sua glossolalia e desprezavam
a outros que não tinham este dom. Paulo lhes diz que deixem de
comportar-se assim e que ajam como adultos. Sem dúvida, está pensando
nas palavras que Deus deu a Jeremias, quem escreveu a respeito da gente
de seu tempo: «O meu povo é tolo, eles não me conhecem”. “São
crianças insensatas que nada compreendem. São hábeis para praticar o
mal, mas não sabem fazer o bem». (Jr 4:22, NVI).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 712
Os coríntios estavam mais interessados no entretenimento que na
educação. Preferiam o espetacular de falar em línguas que os problemas
doutrinais específicos. Espiritualmente, posavam como adultos, porém
na prática comportavam-se como crianças.
Como pai espiritual dos crentes de Corinto (1Co 4:15), Paulo os
exorta a ser adultos em suas percepções intelectuais e espirituais. 56
Contrasta sua exortação negativa com uma positiva («mas sede crianças
quanto ao mal»). No entanto, estas duas exortações não são
verdadeiramente paralelas. Esperávamos que escrevesse algo como:
«não penseis como crianças, pensai como adultos amadurecidos». Não
obstante, insiste com os coríntios a serem um povo de Deus amadurecido
e a empregar seu ser interior (coração, alma e mente) para procurar
aquilo que é bom (cf. Rm 16:19). Quanto a fazer o mal, pede-lhes que
sejam tão ingênuos como os bebês. De forma vaga, Paulo ecoa das
palavras que Jesus disse a Seus discípulos antes que eles começassem
sua viagem missionária: «Sejam ardilosos como serpentes e simples
como pombas» (Mt 10:16).
21. Na Lei está escrito : «Em lí nguas estranhas e com os lábios de
estranhos falarei com este povo, me smo assim n ão me obedec erão, diz o
Senhor».
Paulo cita de um de seus livros favoritos do Antigo Testamento, a
profecia de Isaías. Das dezessete citações do Antigo Testamento contidas
em 1 Coríntios, seis são de Isaías. 57 Aqui introduz a citação com a frase
na Lei. Seguindo a prática judaica, chama lei a todo o Antigo
Testamento (Rm 3:19; cf. Jo 10:34; 12:34; 15:25). 58 Além disso, as
palavras do versículo que cita não são exatas nem ao texto hebraico nem
ao da Septuaginta, mas antes, parece a forma em que Paulo entretece o
texto do Antigo Testamento dentro de seu discurso. Contudo, é preciso

56
Refira-se a Georg Bertram, TDNT, vol. 9, pp. 220–235.
57
1Co 1:19 (Is 29:14); 2:9 (Is 64:4); 2:16 (Is 40: 13); 14:21 (Is 28:11,12); 15:32 (Is 22:13); 15:54 (Is
25:8).
58
SB, vol. 3, pp. 462–463.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 713
fazer notar que as palavras que usa se parecem com a tradução de
Áquila.
Se traduzirmos o texto hebraico, o resultado é como segue:
“Pois bem, com lábios estrangeiros e línguas estranhas Deus falará
com este povo, ao qual disse: «Este é o lugar de repouso, que os
cansados repousem»; e: «Este é o lugar de repouso» — Mas eles não
ouviram.” (Is 28:11–12)
Paulo inverteu as duas partes da primeira linha: «lábios
estrangeiros» e «línguas estranhas». Na segunda linha, coloca «falarei»
em lugar de «Deus». Em outras palavras, Deus fala diretamente com
povo. Depois elimina a terceira e quarta linha e parte da quinta. E por
último, acrescenta «mesmo assim» e «diz o Senhor» ao quinto artigo.
a. Contexto histórico. As palavras que Paulo cita estão na metade de
uma seção na qual sacerdotes e profetas embebedados ridicularizam a
Isaías. Estes ministros embriagados zombam dele, perguntando a ele se
está procurando explicar sua mensagem a crianças pequenas. Afirmam
que a mensagem de Isaías é: «mandamento após mandamento, mandato
sobre mandato, artigo após artigo, linha sobre linha» (Is 28:10, 13). No
hebraico estas linhas soam como o balbuceio de uma criança:
sav lasav sav lasav
kav lakav kav lakav.
As expressões são tão simples que limitam com o ininteligível. Os
israelitas zombavam de Isaías, quem veio para eles com a Palavra de
Deus expressa num hebraico simples e claro. Agora Deus virá a eles com
o exército assírio, cujos soldados falarão a eles num idioma estrangeiro
(contraste-se 2Rs 18:26, onde os oficiais assírios se dirigem em língua
hebraica ao povo de Jerusalém). Deus os amaldiçoou por sua
incredulidade. 59 Prometeu-lhes que seriam exilados para a Assíria, onde
ouviriam uma linguagem ininteligível (cf. Dt 28:49; veja-se também Is

59
Consultar O. Palmer Robertson, «Tongues: Sign of Covenantal Curse and Blessing», WTJ 38
(1975–76): 43–53; MacArthur, 1 Corinthians, p. 382.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 714
33:19; Jr 5:15). Não obstante, não quiseram crer em sua palavra: «não
ouviram».
b. Contexto vivencial. Com a expressão mesmo assim, Paulo
sublinha a relutância do povo a escutar e obedecer a Deus. Interpreta sua
atitude como desobediência: «mesmo assim não me obedecerão, diz o
Senhor». Mas a quem aplica Paulo esta citação? Quem são esta gente
que não deseja obedecer ao Senhor? Não são os coríntios, pois eles
mesmos são os que falam em línguas.
Nos seguintes três versículos, Paulo usa repetidamente o termo
incrédulos (três vezes no plural, uma vez no singular, vv. 22–24). Além
disso, com frequência o Novo Testamento toma a expressão apistoi
(=incrédulos) e a aplica a gente cujo pano de fundo poderia ser judeu ou
pagão. 60 Deus deu a judeus e gentios a opção de obedecer ou
desobedecer. Os judeus que recusaram aceitar o evangelho de Cristo
conheciam a profecia de Isaías. Por certo, eram incrédulos porque
rejeitavam a mensagem da Escritura. A passagem de Isaías era um sinal
para eles. Do mesmo modo, para os gentios incrédulos, o fenômeno da
glossolalia era também um sinal. É preciso admitir que o contexto
histórico em que Isaías viveu é muito distinto ao dos coríntios. Isto quer
dizer que a identidade dos incrédulos é ainda uma pergunta sem resposta.
22. Portanto, as línguas não são um sinal para os crentes, senão para
os incrédulos. E a profecia n ão é par a os i ncrédulos, senão para os
crentes.
Todos os intérpretes consideram que a primeira oração deste
versículo é problemática. O concludente portanto marca o começo do
cruz interpretum. O que procura Paulo concluir depois de citar a
profecia de Isaías? Aplica a citação de forma modificada às pessoas de
Corinto, dizendo: «por essa razão, as línguas não são um sinal para os
crentes, senão para os não crentes». Em Corinto, o falar em línguas sem
interpretação resultava numa confusão e escuridão inevitáveis. Assim
60
Mt 17:17; Mc 9:19; Lc 9:41; 12:46; Jo 20:27; 1Co 6:6; 7:12, 13, 14, 15; 10:27; 14:22, 23; 2Co 4:4;
6:14, 15; 1Tm. 5:8; Tt 1:14.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 715
que, Paulo indica que a glossolalia é um sinal que Deus envia aos
incrédulos, que perceberão a presença santa de Deus no culto ou se
apartarão de Deus por causa de seus duros corações.
Não obstante, a primeira oração do versículo 22 ficaria bastante
libertada de um de seus problemas, se a leitura fosse: «não são um sinal
para os incrédulos, senão para os crentes». O inverter a ordem das
palavras crentes e incrédulos aliviaria o problema. 61 Mas esta alteração
deve descartar-se porque carece de apoio manuscrito grego.
Outra forma de abordar o problema é interpretar o versículo 22
como se fosse uma pergunta retórica, em lugar de uma declaração. Para
isso devemos supor que um opositor imaginário tinha exposto uma
pergunta retórica que Paulo agora incorpora em seu discurso. Paulo
estaria lhe respondendo nos versículos 23–25. 62 Por certo, esta é uma
solução engenhosa ao problema do versículo 22, mas ocorre que em
todos os lugares onde Paulo introduz uma citação que vem de alguma
fonte de Corinto, as citações mostram três características:
são breves
incluem a qualificação sustentada de Paulo e
contêm uma resposta definida da parte dele. 63
Pelo fato de que estas características estão ausentes nos versículos
22–25, duvidamos que o versículo 22 seja uma pergunta retórica.
É melhor abordar o versículo dentro de seu contexto. Primeiro
precisamos saber de forma específica a que Paulo se refere com a
palavra línguas. São estas línguas um idioma estrangeiro que os coríntios
não conhecem e, portanto, que está na mesma categoria que o idioma dos

61
Phillips faz a mudança e traduz: «Isto quer dizer que as línguas são um sinal do poder de Deus, não
para os que são incrédulos, senão para os que já são crentes».
62
B. C. Johanson, «Tongues, a Sign for Unbelievers?: A Structural and Exegetical Study of 1
Corinthians 14,20–25», NTS 25 (1979): 180–203.
63
Carson, Showing the Spirit, p. 55. Os eruditos creem que Paulo cita a terceiras pessoas em 1Co
6:12, 13; 7:1; 8:1, 4, 5, 6, 8; 11:2. porém não menciona-se 1Co 14:22 como uma citação. John C.
Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1983), p. 68.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 716
64
assírios, que era estranho para os contemporâneos de Isaías? Se assim
for, a ideia seria que assim como Deus Se dirigiu ao povo de Israel por
meio dos assírios, que falavam um idioma estrangeiro, então para
demonstrar Sua presença confrontou os incrédulos por meio dos
coríntios que falavam numa língua (veja-se também o v. 25, «Deus está
verdadeiramente entre vós»). É preciso admitir, no entanto, que a
glossolalia afastava mais que atraía os incrédulos. Não são as línguas, e
sim a profecia o que atrai os incrédulos para Deus. Paulo demonstrará
novamente que enquanto a profecia traz benefícios, a glossolalia é uma
barreira (vv. 23–25).
A segunda parte do versículo 22 afirma que «a profecia não é para
os incrédulos, senão para os crentes». Se acrescentarmos a palavra sinal
e dizemos «a profecia não é um sinal», obtemos equilíbrio entre as duas
partes do versículo, começamos a entender o que Paulo quer dizer neste
versículo e em seu argumento nos versículos 23–25. O sinal das línguas
vem a ser o juízo de Deus sobre os incrédulos e o sinal da profecia
converte-se na bênção de Deus para o povo da aliança. 65 A profecia é a
proclamação e ensino do que Deus revelou. A profecia edifica os crentes
e chama os incrédulos ao arrependimento e fé em Cristo. Se as línguas
não forem interpretadas, jamais poderão ser uma ajuda na evangelização.
Pelo contrário, a profecia serve como um instrumento eficaz para
converter às pessoas.
Portanto, que valor tem a glossolalia em comparação com o dom de
profecia? 66 A profecia cumpre um importante papel no ministério de
ensino e pregação da igreja, mas o falar em línguas sem que sejam
interpretadas não edifica a igreja. Em suma, Paulo recomenda a profecia,
a fim de que por meio de sua clara mensagem um incrédulo seja
64
Edgar, Miraculous Gifts, p. 147; Thomas, Understanding Spiritual Gifts, p. 142.
65
Turner, «Spiritual Gifts», p. 21; Grudem, Prophecy in the New Testament, pp. 174–176, y su «1
Corinthians 14:20–25: Prophecy and Tongues as Signs of God’s Attitude», WTJ 41 (1979): 381–96.
66
Dunn, Jesus and the Spirit, p. 232. Veja-se também J. P. M. Sweete, «A Sign for Unbelievers:
Paul’s Attitude to Glossolalia», NTS 13 (1966–67): 240–57; P. Roberts, «A Sign—Christian or
Pagan?», ExpT 90 (1979): 199–203.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 717
convencido de pecado e abrace a fé em Jesus Cristo. Para o não-crente
cujo coração está endurecido e que rejeita o evangelho, a glossolalia e a
profecia são sinais de juízo. Este incrédulo está sob o mesmo juízo que o
judeu incrédulo dos dias de Isaías.
23. De m aneira que, se toda a ig reja se reúne num lugar e todos
falam em língu as, e entram pe ssoas novas ou incrédulos, n ão dirão q ue
estais loucos?
a. Uma hipótese. «De maneira que, se toda a igreja se reúne num
lugar e todos falam em línguas». Paulo ilustra o que quer dizer a respeito
da glossolalia acudindo a uma exagero. Sabe que os crentes de Corinto
se reúnem em casas para os serviços de adoração e para administrar os
sacramentos. Mas agora exagera um pouco, dizendo que toda a igreja se
reúne num só lugar (cf. 1Co 11:20). Isto poderia ocorrer se todas as
congregações que se reuniam em lares se juntassem ao ar livre em algum
lugar. 67 Paulo continua seu exagero falando da possibilidade de que cada
um dos membros desta ampla congregação fique a falar em línguas. Para
que seu argumento tenha sentido, não menciona a possibilidade da
interpretação das línguas.
b. Uma observação. «E entram pessoas novas ou incrédulos, não
dirão que estais loucos?». Que testemunho se dará aos que não
pertencem à igreja, se os cristãos levarem a cabo uma ruidosa reunião
como essa? Os incrédulos ridicularizariam os crentes e os acusariam
como loucos. De fato, quando os apóstolos falaram em diferentes
idiomas no Pentecostes, os incrédulos zombaram deles, dizendo que
estavam bêbados (At 2:13–15). Se em Corinto ocorrer uma semelhante
glossolalia, a igreja se converterá no bobo do mundo.
O termo grego idiōtēs que traduzimos «desinformado», também
aparece no versículo 16 (veja-se o comentário). Mas devido ao presente
contexto, aqui e no seguinte versículo (v. 24) preferimos traduzir pessoa
nova. Como Paulo coloca este termo junto à palavra incrédulos, dá a
67
Cf. C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, en la serie Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 326.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 718
impressão que a pessoa nova é alguém que ainda não deu o passo de fé e
que assiste aos cultos de vez em quando. Em certo sentido, neste
versículo e no seguinte os dois termos quase apontam ao mesmo. A
tradução pessoas novas não crentes é descritiva e apropriada. 68
24. Mas se todos pr ofetizam e entra um i ncrédulo ou pessoa n ova,
todos o convencerão de pecado e todos o julgarão.
a. «Mas se todos profetizarem». A segunda ilustração também
apresenta um caso hipotético. Paulo imagina um culto de adoração em
que todos os crentes profetizam um após outro para evitar uma desordem
dissonante (veja-se o v. 29). Se isso realmente ocorresse, o culto não
terminaria nunca.
b. «E entra um incrédulo ou pessoa nova». Os cultos de adoração
estão abertos ao público. O próprio Jesus disse que Ele ensinou
abertamente a todos sem dizer nada em segredo (Jo 18:20). A pregação
da Palavra também se dirige às pessoas novas e incrédulos que queiram
assistir. Neste versículo as duas expressões incrédulo e pessoa nova
apontam à mesma pessoa (v. 23).
c. «Todos o convencerão de pecado e todos o julgarão». Paulo usa
duas expressões judiciais, convencer de pecado e julgar. Embora não o
especifique, podemos afirmar com confiança que a expressão convencer
de pecado refere-se a ser convencido pela Palavra de Deus e não com
mensagens humanas. O Espírito Santo usa a Escritura para trazer as
pessoas ao arrependimento e conhecimento salvador do Senhor (Jo 16:8,
9). A Palavra de Deus proclamada pelos coríntios que profetizavam traz
à luz o pecado do pecador e faz com que dê conta de todo (cf. Ef 5:13).
O contexto deixa claro que se os coríntios profetizarem, serão muito
mais efetivos em levar as pessoas ao conhecimento salvador de Cristo,
que se ficarem a falar em línguas. 69

68
Otto Flender, NIDNTT, vol. 2, pp. 456–57; Heinrich Schlier, TDNT, vol. 3, p. 217; Barrett, First
Corinthians, pp. 324–325.
69
Veja-se Hoekema, Tongues and Spirit-Baptism, p. 94.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 719
Além disso, aos crentes foi dada a tarefa de julgar tudo à luz das
Escrituras (veja-se 1Co 2:15). Devem indagar com diligência com
relação a alguém que tenha recebido a luz do evangelho, tenha aceito a
Cristo Jesus pela fé, tenha renunciado a sua antiga vida de pecado e que
agora quer tornar-se membro da igreja. Os cristãos não podem aceitar
incrédulos que rejeitam o evangelho com um coração endurecido e um
entendimento entenebrecido, porque tais pessoas são como os judeus que
por incredulidade zombaram da palavra de Isaías (Is 28:11). Isto quer
dizer que Isaías ensinou que muitos de seus contemporâneos eram
incrédulos para quem sua mensagem tinha sido improdutiva. 70
25. Os segredos de seu coração ficarão manifestos e, caindo sobre seu
rosto, adorará a Deus, dizendo: «Deus está verdadeiramente entre vós».
a. «Os segredos de seu coração ficarão manifestos». É o Senhor
quem converte as pessoas. Assim como Paulo já disse anteriormente
nesta carta: «o Senhor … trará à luz as coisas ocultas das trevas e
revelará os desígnios dos corações» (1Co 4:5). O Senhor usa a Palavra e
o Espírito para iluminar a vida das pessoas, de tal forma que tudo fica
aberto. Por exemplo, Paulo se converteu quando Jesus lhe falou. Nessa
ocasião, Paulo aceitou a Palavra de Jesus, recebeu o Espírito Santo e
começou a pregar nas sinagogas locais (At 9:4–6, 17, 20). As coisas que
Paulo jamais aceitou como verdade, agora eram claras para ele.
Imediatamente pôs-se a pregar a verdade de que Jesus é o Filho de Deus.
b. «E, caindo sobre seu rosto, adorará a Deus». Esta é uma cena de
total submissão ao Deus todo-poderoso: um pecador que jaz prostrado de
joelhos diante de Deus. Isto quer dizer que agora repudia todos os outros
deuses e reconhece só a Jesus como seu soberano Senhor. A postura de
com a face em terra também comunica a ideia de que a pessoa sente sua
indignidade na presença de Deus (veja-se 1Re. 18:39).
c. «Dizendo: ‘Deus está verdadeiramente entre vós’». Paulo se volta
outra vez ao Antigo Testamento e cita a profecia de Isaías (Is 45:14;

70
Calvin, 1 Corinthians, p. 299.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 720
veja-se também Zc 8:23). A pessoa que é convencida de pecado é a que
se voltou para Deus com fé e prostrada com a face ao solo, exclama:
«Deus está verdadeiramente entre vós». Estas palavras são um
reconhecimento de que o poder de Deus está ativo nos corações dos
pecadores. Assim como os egípcios dos tempos de Isaías reconheceram a
presença de Deus entre o povo de Israel, o mesmo ocorre com o
incrédulo que ouve os coríntios pregar o evangelho. Este homem
confessará que Deus está entre eles e, unindo-se a eles, dirá junto a eles
«Emanuel» (Deus conosco).

Comentários adicionais a 1Co 14:22–25


Paulo contrasta os diferentes resultados que procedem da
glossolalia e do profetizar. O primeiro faz com que o incrédulo diga que
os cristãos estão loucos. O segundo faz com que arrependa e confesse
que Deus está no meio dos crentes.
Novamente, Paulo sublinha a diferença entre a glossolalia e a
profecia: «Aquele que fala numa língua, edifica-se a si mesmo. Aquele
que profetiza, edifica a igreja … E maior é aquele que profetiza que
aquele que fala em línguas, a menos que interprete, para que a igreja seja
edificada» (vv. 4, 5b). Enquanto Paulo recomenda a profecia, deixa claro
que a glossolalia deve edificar a congregação (vv. 5, 12), deve ser
interpretada (vv. 5, 27) e deve ocorrer de uma forma decente e ordenada
(v. 40).

Considerações práticas em 1Co 14:24–25


Não é a palavra profética humana, mas a palavra profética de Deus
a que produz arrependimento e conversão. Isto é verdade tanto para o
povo do Antigo Testamento como para o do Novo Testamento, como
ficará claro por meio de duas ilustrações.
Primeiro, depois que Davi cometeu adultério com Bate-Seba e fez
matar a Urias, o esposo dela, Deus enviou o profeta Natã para que
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 721
entregasse a Davi uma mensagem retumbante: «Tu és aquele homem»
(2Sm 12:7). Davi se arrependeu de seu pecado e ofereceu a Deus um
coração contrito e humilhado (Sl. 51:17).
Segundo, Jesus confrontou Paulo em caminho para Damasco e o
chamou pelo nome: «Saulo, Saulo, por que me persegues?» (At 9:4).
Paulo caiu prostrado diante de Jesus, e este Se revelou quem era. Então
Paulo o reconheceu como Senhor. Jesus convenceu a Paulo de seu
pecado, dizendo que não só perseguia à igreja, mas também ao próprio
Jesus. Foi este encontro que fez com que Paulo reconhecesse que Jesus é
Deus, o que o levou ao arrependimento. Logo Paulo se pôs a pregar nas
sinagogas locais, anunciando que Jesus era o Filho de Deus.
No presente mundo confundido, a correta pregação da Palavra é o
requisito fundamental para entregar orientação competente. É a palavra
de Deus a que convence do pecado as pessoas, leva-os ao
arrependimento e os guia ao conhecimento salvífico de Cristo. Portanto,
os pregadores e mestres da Escritura devem anunciar a completa
revelação de Cristo. Devem proclamar com ousadia as doutrinas do céu e
o inferno, do perdão e a condenação, do pecado e a salvação. E onde
quer que seja pregada a Escritura com fidelidade, os que participarem do
culto de adoração dirão: «Deus está verdadeiramente entre vós».

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:24–25


Versículo 20
μ_ παιδία γίνεσθε — o presente imperativo precedido pela partícula
negativa μή indica que os coríntios de fato tinham uma conduta infantil:
«deixem de vos conduzir como crianças».
τα_ς φρεσίν — «em vossas mentes». Este e o substantivo τ_ κακί_
(«para o mal») são dativos de referência. O artigo definido que aparece
com o segundo substantivo foi atraído à construção do primeiro.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 722
Versículos 21–22
_τέρων — veja-se também o composto _τερογλώσσαις («línguas
estranhas»). Este adjetivo expressa que surge uma diferença que se
separa do normal. Alguns manuscritos registram o dativo plural _τέροις
modificando a χείλεσιν («outros lábios», RC). Mas a leitura que se
prefere é «lábios de estranhos», a que evita a repetição outras línguas e
outros lábios.
ε_ς — ao acompanhar o acusativo sinal, esta preposição expressa
propósito ou intenção: «para sinal».
_στε — esta é uma partícula consecutiva, que quer dizer: «e assim»,
«como resultado». 71

6. Uma conduta ordenada. 1Co 14:26–40

Os cultos de adoração da comunidade de Corinto estavam longe de


ser conduzidos de uma forma ordenada. Paulo já tinha entregue à igreja
instruções de como celebrar a Santa Ceia (1Co 11:17–34) e como usar os
dons espirituais para a edificação dos irmãos da igreja (1Co 14:5, 12).
Agora comunica instruções adicionais quanto a como organizar de forma
ordenada as intervenções verbais durante os cultos da igreja de Corinto.
Via-se obrigado a corrigir a individualistas que não tinham consideração
pela ordem no culto.

a. Edificação. 1Co 14:26–28

26. O que devemos concluir, e ntão, meus irmãos? Que qu ando se


reúnem, cada um tem um s almo, tem um ensino , uma revelação, uma
língua, uma interpretação. Que tudo se faça para edificação.
a. Pergunta. Por faltar o predicado, no texto grego a primeira
oração é muito breve, só diz: «O que é então?». Se se suprir o que falta,

71
Moule, Idiom-Book, p. 144.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 723
temos: «O que devemos concluir, então?» (veja-se v. 15a). A resposta a
esta pergunta é que se a desordem for um obstáculo para entender e crer,
o culto de adoração dos coríntios não é edificante. Como resultado,
Paulo volta a sublinhar o tema da edificação: se no culto há caos, os que
participam não receberão benefícios espirituais.
Cada vez que Paulo tem que abordar um tema delicado que afeta
pessoalmente os coríntios, chama-os irmãos (veja-se os vv. 6, 20, 26, 39)
e este versículo não é a exceção. Corrige a conduta desordenada que se
vê nos cultos, onde desconsideradamente promovem seu individualismo
e desatendem a outros membros da congregação.
b. Ordem. «Quando se reúnem, cada um tem um salmo, tem um
ensino, uma revelação, uma língua, uma interpretação». Paulo descreve
um culto em que participam muitos membros da congregação: um canta,
outro ensina, outro compartilha uma revelação, e os últimos que se
mencionam falam em línguas e interpretam. Paulo não diz que sua lista
seja exaustiva ou que entrega uma ordem de culto típico daquele tempo.
Antes, por acaso menciona algumas partes do culto. 72 Por exemplo, não
menciona a oração nem a leitura da Bíblia, embora estes elementos
poderiam estar incluídos nos dons mencionados.
Paulo já mencionou o canto de salmos ou hinos (v. 15), uma parte
comum nos cultos de adoração das sinagogas judaicas e as igrejas
cristãs. O canto poderia ir ou não acompanhado de um instrumento
musical. Além disso, mencionou o ensino e a revelação no contexto do
conhecimento e da profecia (v. 6). Supomos que o ensino e a revelação
se relacionam com a exposição da Palavra. Por último, uma das ordens
explícitas de Paulo foi que se em público fala-se em línguas, estas devem
ser sempre interpretadas. De outro modo, não têm valor. Tudo no culto
de adoração deve ser realizado com ordem.
c. Benefício. «Que tudo se faça para edificação». Cada parte do
culto está desenhado para fortalecer os membros da igreja. Isso quer

72
Fee, First Corinthians, p. 690.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 724
dizer que quando a congregação se reúne para o culto, deve aplicar-se o
princípio do amor de forma notória. Se este princípio estiver ausente, o
culto em si não tem valor aos olhos de Deus.
27, 28. Se alguém f ala numa língua, que falem dois e quando muito
três; que cada um o faça alternadamente e que alguém interprete. Mas se
não houver intérprete, que guarde silê ncio na igreja e que fale para si
mesmo e para Deus.
Cada vez que Paulo toca o ponto da glossolalia, regula sua prática
de algum modo. 73 No presente caso dirige-se a uma pessoa, seja homem
ou mulher, e usa o substantivo língua no singular. Quer que aquele que
fala em línguas respeite cinco considerações.
a. Quantidade. «Que falem dois e quando muito três». Não se
autoriza que todos fiquem a falar em línguas. Só se permite que dois e no
máximo três o façam. Com estes números, Paulo indica que nem todos
receberam o dom (1Co 12:30). Além disso, dá a entender que a restrição
aplica-se a todas as reuniões.
b. Ordem. «Que cada um o faça alternadamente». Anteriormente
Paulo descreveu uma cena hipotética na qual toda a congregação falava
em línguas, e fez ver os resultados negativos que teria semelhante
conduta (v. 23). Agora quer prevenir qualquer efeito daninho que a
glossolalia pudesse ter na tarefa evangelística da igreja. Deste modo,
regula o exercício da glossolalia a fim de preservar a ordem litúrgica
dentro do culto. 74 Paulo restringe os membros da congregação de
Corinto, dizendo que cada um pode falar alternadamente: uma por vez e
nada mais. Esta seção fará ênfase em que se cumpra o princípio da
ordem na igreja (veja-se o v. 33).
c. Interpretação. «E que alguém interprete». A seguinte restrição já
foi mencionada anteriormente, mas agora se reforça. Quando se fala
numa língua, outro membro da igreja deve interpretar para os dois ou

73
Refira-se a Sweet, «A Sign for Unbelievers», p. 254.
74
Consulte-se a William Richardson, «Liturgical Order and Glossolalia in 1 Corinthians 14:26c–33a»,
NTS 32 (1986): 144–53.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 725
três a quem se permite falar (cf. vv. 5, 13). No Novo Testamento, o
verbo interpretar e seus derivados têm o sentido de traduzir ou de
comunicar o significado de uma linguagem a outro. 75 Na igreja de
Corinto, parece que o sentido é comunicar o significado das palavras
faladas, mais que traduzir em sucessão dois ou três idiomas conhecidos.
d. Silêncio. «Mas se não houver intérprete, que guarde silêncio na
igreja». Ao não haver intérprete, aquele que tem o dom de línguas deve
ficar calado. O que Paulo diz indica que aquele que tem este dom
também tem a faculdade de controlar seus sentidos. Esta pessoa tem a
capacidade de ficar em silêncio enquanto outros falam por turnos.
Notemos que Paulo permite que se pratique livremente a glossolalia na
intimidade do lar.
e. Devocional. «E que fale para si mesmo e para Deus». A última
instrução que Paulo dá ao que pratica a glossolalia é que fale em
particular para si e para Deus. Falar a Deus em particular não tem nada
que ver com a congregação no culto. Aquele que fala, ora a Deus, e
ninguém tem direito a invadir sua intimidade religiosa (veja-se o
comentário aos vv. 2–4).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:26–28


Versículo 26
_καστος — «cada um», ao que o texto ocidental e o Texto
Majoritário acrescentam o pronome pessoal _μώ («de vosotros»). Os
estudiosos preferem não levar em conta o pronome.
πρός — seguida do substantivo edificação em caso acusativo, esta
preposição indica propósito.

75
BAGD, p. 194.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 726
Versículos 27–28
κατά — ao preceder números, esta preposição deve entender-se em
sentido distributivo: «de dois em dois e quando muito três».
τ_ πλε_στον — «quando muito». Este é o uso superlativo do
adjetivo πολύς (=muito) precedido pelo artigo definido τό, para o qual
suprimos o substantivo μέρος (=parte).
_αυτώ — o pronome reflexivo é usado como dativo de proveito ou
vantagem. 76

b. Profetas e revelação. 1 Cor. 14:29–33a

29-31. Que dois ou três profetas fa lem e que outros avaliem. Mas se
alguém que estivesse sentado r ecebesse uma revelação, q ue o primeiro
guarde silêncio. Porque todos podeis profetizar um por u m, a fim de que
todos aprendam e sejam animados.
À parte de algumas diferenças, as regulações que Paulo escreve
para os que profetizam são tão apropriadas como as que entregou para os
que falam em línguas. Notemos que depois que Paulo repete os números
dois e três e ordena silêncio, acentua mais um que o outro. Para aquele
que fala em línguas exige que um intérprete proveja o significado do que
se diz, mas quanto aos profetas pede que os membros da igreja avaliem o
que dizem os profetas. Ao mesmo tempo que manda que se cale na igreja
o que fala em línguas mas que não tem intérprete, anima os membros
que profetizem em sucessão. Quando Paulo fala da glossolalia não
menciona nenhum benefício, mas quando se refere à profecia, descreve
as bênçãos da instrução e de ser animado. São significativas as
diferenças que há entre estes dons, e Paulo repete vez após vez estas
diferenças. Sempre coloca o dom de profecia a um nível superior ao do
dom de línguas.

76
BDF § 188.2.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 727
a. Profetas. «Que dois ou três profetas falem». Esta é a primeira vez
que Paulo escreve o substantivo profetas no presente capítulo (veja-se
1Co 12:28, 29; 14:32, 37). Neste capítulo, com frequência usa o verbo
cognato profetizar, que no grego aparece sempre no tempo presente,
quer seja no indicativo, subjuntivo, particípio ou infinitivo (veja-se o
comentário a 1Co 13:9,10). 77 Mediante o uso constante do tempo
presente, Paulo se refere principalmente à pregação e ensino regular da
Santa Escritura e não tanto a uma afirmação profética ocasional.
O que proclamam os profetas? Herman Ridderbos escreve: «Os
profetas são os que movidos pelo Espírito proclamam a Palavra de Deus
à igreja, são os que explicam o plano de redenção e sublinham o
significado da obra de Deus em Cristo de uma forma pastoral e
exortativa». 78 E qual é o objetivo da profecia? Paulo ensina que em
Corinto a profecia é para edificação, alento e consolo dos membros da
comunidade cristã (v. 3). A mensagem daqueles que profetizam deve
estar em harmonia com a Palavra de Deus revelada ou deve provir desta.
Se uma mensagem, seja na forma de pregação ou ensino ou como um
discurso espontâneo, contradiz a Escritura, não vem do Senhor. O
profeta que afirma: «Assim diz o Senhor», mas que não comunica a
Palavra de Deus, fala de si mesmo não de Deus. É um falso profeta que
desfigura o Senhor. Por certo, no Antigo Testamento os falsos profetas
arriscavam a vida falando falsidades (cf. Dt 13:1–5).
b. Juízo. «E que outros avaliem». Quem são os chamados a avaliar
a pregação e ensino da Palavra? Alguns comentaristas creem que são
outros profetas os que devem avaliar a profecia (veja-se o v. 32, e 1Co
12:10). 79 Outros creem que os que ouvem, isto é, os membros da igreja

77
1Co 11:4, 5; 13:9; 14:1, 3, 4, 5, 24, 31, 39.
78
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 451.
79
P. ex., John Albert Bengel, Bengel’s New Testament Commentary, traduzido por Charlton T. Lewis
e Marvin R. Vincent, 2 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1981), vol. 2, p. 250; Kenneth L. Gentry, Jr., The
Charismatic Gift of Prophecy, 2ª. ed. (Memphis: Footstool, 1989), p. 69.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 728
devem avaliar ou sopesar a mensagem que se entrega (cf. v. 31). 80
Embora ambas as posturas tenham méritos, o contexto parece indicar que
são os membros que ouvem os profetas os que devem avaliar as palavras
que se digam. Se os lares que se usavam como lugar de reunião
acomodavam no máximo trinta pessoas, a proporção de profetas numa
congregação seria alta. Outros membros deviam participar da avaliação
da mensagem.
Que critério devem usar os que ouvem para avaliar as palavras de
quem fala? É a Palavra de Deus a que serve de norma para avaliar o que
se diz. Assim como as pessoas de Bereia examinavam todos os dias as
Escrituras para ver se o que ensinava Paulo estava em harmonia com a
revelação de Deus (At 17:11; veja-se também 1Ts 5:21; Didaquê 11:7),
assim também os membros da igreja devem sopesar as palavras dos
profetas. 81 Em outro lugar, Paulo exorta os crentes a permitir que a
palavra de Cristo habite neles ricamente (Cl 3:16). Quando se trata de
ensinar-se e admoestar-se uns aos outros, a Escritura é a regra.
c. Revelação. «Mas se alguém que estivesse sentado recebesse uma
revelação, que o primeiro guarde silêncio». Esta oração é interessante
porque afirma que aquele que fala pode ser interrompido e pode ser
calado, quando alguém que está sentado recebe uma revelação.
Literalmente, Paulo diz «é revelado a outro que está sentado», e então dá
instruções com relação à forma ordenada de proceder. Mas o que quer
dizer com a palavra revelação? J. I. Packer deduz que se procura o
seguinte: «uma ‘revelação’ profética era uma aplicação da verdade dada
por Deus, a qual em termos gerais já tinha sido revelada. Assim que não
se procurava a revelação de intenções ou pensamentos divinos
desconhecidos até agora e que não se pudessem conhecer de outra
maneira». 82 A aplicação da Palavra de Deus que se revela a uma pessoa
sentada no auditório não se pode colocar no mesmo nível que a Escritura,
80
Carson, Showing the Spirit, p. 120; Grudem, Prophecy in the New Testament, pp. 73–74.
81
Grudem, Prophecy in the New Testament, p. 77.
82
Packer, Keep in Step, p. 215.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 729
pois carece da autoridade absoluta com a que Deus distinguiu Sua
palavra. Contudo, quando uma pessoa que recebe tal revelação, dá a
conhecer a outros crentes, eles devem examinar tal revelação à luz do
ensino autoritativa das Escrituras. Além disso, se uma pessoa receber
uma revelação preditiva, esta também deve ser avaliada com base na
Palavra de Deus.
d. Sequência. «Porque todos podeis profetizar um por um». Paulo
entrega instruções para que o culto de adoração se realize de forma
ordenada. Não está dizendo que todos têm a oportunidade de falar em
qualquer culto. Isto contradiria o que Paulo afirma de forma insistente a
respeito de que deve haver ordem no culto. Ao mandar que dois ou três
profetas se dirijam à congregação, dá a entender que com o transcurso do
tempo todos os membros serão capazes de profetizar. O Espírito não só
está no controle da profecia, mas também dá a certos membros este dom
particular a seu devido tempo. O Espírito determina quando um profeta
já falou suficiente e deve ceder seu lugar a outra pessoa.
e. Benefício. «A fim de que todos aprendam e sejam animados». Ao
longo do presente capítulo, Paulo repete o conceito de edificação com
diferentes palavras. Aqui afirma que aquele que profetiza deve fazê-lo
para que todos aprendam «dialogando, perguntando, falando,
ouvindo». 83 Além disso, diz que a palavra profética pode animar a todos
(v. 3).
32, 33. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque
Deus não é um Deus de desordem, e sim de paz.
No grego, a frase os espíritos dos profetas carece de artigo definido
diante de ambos os substantivos (mas veja-se Ap 22:6). No presente
texto, a frase provavelmente aponta aos «dons espirituais» dos profetas
ou às «manifestações do Espírito» (veja-se o v. 12). 84 A primeira
interpretação harmoniza com o anterior mandamento de Paulo,

83
Bengel, New Testament Commentary, vol. 2, p. 250.
84
F. F. Bruce, 1 and 2 Corinthians, série New Century Bible (Londres: Oliphants, 1971), pp. 134–
135. Dunn, Jesus and the Spirit, p. 233.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 730
«esforçai-vos com denodo pelos dons espirituais» (v. 1). A segunda
explicação indicaria que nenhum profeta pode dizer que ao receber a
revelação perde o controle de si mesmo. Todo aquele que profetiza está
no controle completo de seus sentidos. Ninguém pode dizer que o
Espírito Santo prevalece acima da vontade do profeta, de tal maneira que
o profeta fala contra sua vontade. Por certo, diz Paulo, Deus não é um
Deus de desordem, e sim de paz. Deus não causa confusão, porque
espera que dentro do culto, o profeta mantenha a compostura
controlando-se a si mesmo e a outros. Na presença de Deus, todos os que
participam da adoração devem estar em paz uns com os outros.

Considerações práticas em 1Co 14:29–33a


Quando Paulo escreve que algo é revelado ao que está sentado
durante o culto, não afirma que Deus Se dirige verbalmente a essa
pessoa. Deus opera através de Seu Espírito na vida de Seu povo durante
o culto, no lar ou o trabalho. Todo crente pode testificar desta verdade.
Com frequência o Espírito Santo nos dá uma firme convicção da verdade
de Deus, uma viva impressão da realidade ou um entendimento especial
de certo problema. 85 O Espírito claramente nos impulsiona e guia a falar
e agir de tal forma que cumpramos o propósito de Deus. Esta guia divina
tem o caráter de revelação para aquele que a recebe. 86 No entanto, em
alguns casos o recipiente com sabedoria guarda para si mesmo a
informação recebida, visto que não tem o fim de que seja proclamada.
Em outras oportunidades, é capaz de compartilhá-la com outros cristãos
para que sejam edificados e louvem ao Senhor. Quer seja que o Espírito
de Deus nos inspire para fazer ou dizer alguma coisa, deseja que

85
Consulte-se John Murray, The Collected Writings of John Murray, 4 vols. (Edimburgo: Banner of
Truth, 1976), vol. 1, pp. 186–187.
86
Refira-se a Wayne A. Grudem, «Prophecy—Yes, But Teaching—No: Paul’s Consistent Advocacy
of Women’s Participation Without Governing Authority», JETS 30 (1987): 15–16.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 731
promovamos a causa de Cristo. Quer que cumpramos nossa tarefa em
harmonia com Sua vontade revelada.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:29–31


Versículo 29
ο_ _λλοι — «outros». Estas palavras podem ser aplicadas aos
profetas ou aos membros da congregação. Apesar de a proximidade do
adjetivo _λλ_ (v. 30) apoiar a primeira opção dos profetas, o contexto
completo favorece a segunda. Ver também o comentário a 1Co 12:10.
διακρινέτωσαν — este é o subjuntivo presente (exortativo) do verbo
composto διακρίνω (=julgar). O verbo aponta ao ato de julgar seja o
tempo observando o céu (Mt 16:3) ou a si mesmo (1Co 11:31) ou as
palavras proféticas (1Co 14:29). 87 É preciso dizer de passagem que o
verbo diakrinein (dar um veredito) não quer dizer «interpretar [oráculos
e sonhos]». 88

Versículos 30–31
_άν — esta partícula introduz a prótase de uma oração condicional
que indica probabilidade.
καθ_ _να — a preposição tem sentido distributivo quando vem
acompanhada do numeral um. A ideia é «um por um». 89

87
Burkhard Gärtner, NIDNTT, vol. 1, p. 503.
88
Contrário Gerhard Dautzenberg en EDNT, vol. 1, p. 306; sua tradução é refutada por Wayne A.
Grudem, «A Response to Gerhard Dautzenberg on 1 Corinthians 12.10», BibZ 22 (1978): 253–70.
89
Moule, Idiom-Book, p. 60.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 732
c. Ordem. 1Co 14:33b-35

33b-35. Como ocorre em todas as igrejas dos santos, que as mulheres


guardem silêncio nas igrejas. Porque não lhes está perm itido falar, mas
devem ser submissas, tal como o ensina a lei. E se dese jam aprender algo,
que perguntem a se us esposos em ca sa. Porque é vergonhos o para uma
mulher falar na igreja.
a. Problemas textuais. A maioria dos tradutores separam o versículo
33a do versículo 33b, devido ao fato de que a primeira parte deste
versículo («porque Deus não é um Deus de desordem, e sim de paz») é
uma afirmação completa, e porque parece incongruente acrescentar-lhe a
segunda parte («como ocorre em todas as igrejas dos santos»). Em geral,
os tradutores consideram o versículo 33b («Como ocorre em todas as
igrejas dos santos») como uma introdução à primeira oração do versículo
34 («que as mulheres guardem silêncio nas igrejas»). É preciso admitir
que a repetição da frase nas igrejas não concorda com o estilo elegante
do autor (v. 34). No entanto, a expressão igrejas é usada com diferentes
matizes: no primeiro caso («como ocorre em todas as igrejas dos
santos») alude à igreja em geral, no segundo («que as mulheres guardem
silêncio nas igrejas») aos serviços de adoração. Em contraste, o versículo
33b não é o único lugar da epístola onde Paulo se separa de seu estilo
elegante. Supomos que não se preocupa com a elegância, e sim sua meta
é prover às igrejas diretrizes que promovam a unidade e a harmonia (cf.
1Co 4:17; 7:17; 11:16), coisas que sublinhou ao longo de toda esta carta.
Esta seção trata a respeito da conduta das mulheres dentro do culto,
e alguns eruditos creem que a passagem é uma glosa, porém não são
capazes de encontrar evidência nos manuscritos gregos que apoie a
afirmação de que estes versículos foram acrescentados ao texto
original. 90 A BP os coloca entre parêntese e acrescenta uma nota dizendo

90
Por exemplo, Eduard Schweizer, «The Service of Worship. An Exposition of 1 Corinthians 14»,
Interp 13 (1959): 402–3; Fee, First Corinthians, p. 699. Fee afirma que os versículos 34–35 «não
eram parte do texto original, mas sim são uma antiquíssima nota marginal».
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 733
«parece interpolação». Umas poucas testemunhas ocidentais colocam os
versículos 34 e 35 depois do versículo 40 (veja-se Moffatt, quem também
traslada o v. 36).
Para resolver as dificuldades deste texto, devemos fazer o que
fizemos com outras passagens: considerar a estrutura, o contexto mais
amplo, e acima de tudo os temas ou princípios que Paulo apresenta. No
versículo 29, Paulo aconselha aos coríntios «Que dois ou três profetas
falem e que outros avaliem». Isto é como um subtítulo para os versículos
30–33a. Nestes versículos, explica o versículo 29 e esboça princípios de
conduta que promovem a ordem no culto. Também especifica como se
deve avaliar as profecias. 91
De forma paralela e implicitamente sob o subtítulo do versículo
92
29b, Paulo segue entregando regras de conduta, as que agora têm que
ver com as mulheres. Como os versículos 30–33a estabelecem que
outros devem julgar as mensagens dos profetas, da mesma forma os
versículos 33b-35 proíbem que as mulheres julguem os homens. 93 É por
isso que o apóstolo apela à Lei de Deus.
b. Manda que se calem. «Como ocorre em todas as igrejas dos
santos, que as mulheres guardem silêncio nas igrejas». A primeira
menção da palavra igrejas refere-se às congregações individuais, e a
segunda a suas reuniões. Quando Paulo manda que se calem, não emite
um mandamento absoluto quanto a falar durante as reuniões. Isto
contradiria o que disse anteriormente (1Co 11:5), onde falou de mulheres
que oram e profetizam no culto de adoração. Além disso, também é

91
James B. Hurley, «Man and Woman in 1 Corinthians», tese doutoral, Universidad de Cambridge,
1973, pp. 71–75; Man and Woman in Biblical Perspective (Grand Rapids: Zondervan, 1981), pp. 188–
91.
92
Grudem, Prophecy in the New Testament, pp. 220–225; D. A. Carson, «‘Silent in the Churches’: On
the Role of Women in 1 Corinthians 14:33b-36», em Recovering Biblical Manhood and Womanhood:
A Response to Evangelical Feminism, editado por John Piper e Wayne Grudem (Westchester, Ill.:
Crossway, 1991), p. 153.
93
James B. Hurley, «Did Paul Require Veils or the Silence of Women? A Consideration of 1 Cor.
11:2–16 and 1 Cor. 14:33b-36», WTJ 35 (1973): 217.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 734
preciso supor que junto aos homens, as mulheres também cantavam
salmos e hinos na igreja (1Co 14:26). É óbvio que Paulo não está
proibindo à mulher que fale durante o culto; antes, está ensinando que,
conforme o ensina a Lei, respeite o seu esposo.
c. Ensino da Lei. «Porque não lhes está permitido falar, mas devem
ser submissas, tal como o ensina a Lei». Notemos que três vezes Paulo
estabelece a norma de silêncio: «que as mulheres guardem silêncio nas
igrejas» (v. 34a), «não lhes está permitido falar» (v. 34b), «é vergonhoso
para uma mulher falar na igreja» (v. 35b). Para apoiar o que diz num
tema delicado, Paulo apela à Lei, isto é, ao Antigo Testamento. Mas a
que ensino do Antigo Testamento se refere? Aqui Paulo usa o termo
como uma expressão geral sem referir-se a nenhuma passagem definida
da Escritura.
No entanto, anteriormente neste mesmo capítulo Paulo apelou à Lei
e citou a Isaías 28:11–12 no versículo 21. Agora está pensando em
Gênesis 2:18–24, onde se ensina a ordem da criação, no qual se diz que
Adão foi criado primeiro e que Eva era a ajuda idônea de Adão. Do
relato de Gênesis, Paulo deduz o princípio de que a esposa está sujeita a
seu esposo como sua ajuda e que ela deve prestar contas a ele.
Ao longo de toda sua epístola, Paulo apela vez após vez ao relato da
criação de Gênesis 2. Primeiro, quando trata o problema da imoralidade
sexual (1Co 6:16), o apóstolo cita Gênesis 2:24, que diz: «os dois serão
uma só carne». Segundo, ao esboçar os papéis que a criação atribuiu ao
homem e à mulher (veja-se 1Co 11: 8–9), Paulo alude a Gênesis 2:18,
21–23. Por último, na presente passagem refere-se ao papel que a esposa
deve cumprir quanto a seu esposo, ou seja, que deve ser sua ajuda
idônea. Especialmente em assuntos espirituais, o esposo tem a
responsabilidade de ser o líder no lar e na igreja. A esposa tem a tarefa
de ajudá-lo.
Não se exige que as mulheres de Corinto fiquem em silêncio com
relação à oração, a profecia e o canto de salmos e hinos. Mas lhes proíbe
falar quando se avaliam as profecias de seus esposos (v. 29). Pede-se que
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 735
se atenham à ordem da criação tal como se registra na lei e que honrem a
seus esposos. Ao ordenar três vezes às mulheres que estejam em silêncio,
o que Paulo faz é pedir-lhes que reservem suas perguntas para a
intimidade do lar.
d. Submissão. «E se desejam aprender algo, que perguntem a seus
esposos em casa». A oração condicional expressa o que as mulheres de
Corinto tinham por costume. Isto faz com que a ênfase recaia no verbo
aprender. Paulo não nega à mulher a oportunidade de aprender verdades
espirituais. Pelo contrário, Maria, a irmã de Marta e Lázaro, sentou-se
aos pés de Jesus para lhe ensinar valores permanentes (Lc 10:38–42). De
forma semelhante, Priscila obteve tal conhecimento espiritual, que ela e
seu esposo estiveram capacitados a explicar a Apolo a verdade de Deus
mais adequadamente (At 18:26). Agora diz às mulheres de Corinto que
deixem que seus esposos, que são seus líderes espirituais, as instruam em
casa.
e. Vergonha. «Porque é vergonhoso para uma mulher falar na
igreja». Este versículo ensina que há uma diferença entre a casa e a
igreja. Na intimidade do lar, a esposa pode aprender de seu esposo.
Porém no serviço de adoração, a esposa que questiona a seu esposo com
relação a verdades espirituais corre o risco de desonrá-lo na presença do
resto da congregação. Por exemplo, nenhum pastor gostaria que sua
esposa o criticasse em público num culto de adoração. Se o faz, mina seu
ministério e o envergonha. Paulo quer que as esposas respeitem e
honrem os seus esposos em harmonia com a Escritura.

Comentários adicionais a 1Co 14:33b-35


Muito se tem escrito sobre esta passagem, assim que só posso
entregar alguns exemplos dos pontos de vista mais proeminentes, que
vão de um rejeição da passagem até propostas de modificá-la. Estas são
posições:
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 736
a. Alguns estudiosos creem que este não é uma passagem autêntica,
visto que envergonha à mulher. 94 Mas o testemunho textual descarta
todo argumento de que não seja autêntico.
b. Outra opinião diz que foram os oponentes de Paulo em Corinto
os que afirmaram que as mulheres devem permanecer em silêncio, e que
Paulo está respondendo a esta exigência. Paulo estaria refutando o
regulamento de seus oponentes (vv. 33b-35) expondo duas perguntas
retóricas (v. 36). Mais adiante um editor introduziu a frase «em todas as
igrejas dos santos» (v. 33b). 95 Não obstante, esta alternativa mina a
autoria paulina e descuida a doutrina da inspiração divina (veja-se o
comentário ao v. 37). Além disso, carece de base afirmar que nos
versículos 34–35 Paulo está citando os seus oponentes (veja-se o
comentário ao v. 22). 96
c. Outros eruditos argumentam que existe uma contradição entre o
mandamento de Paulo de não permitir que as mulheres falem e sua
concessão de que elas orem e profetizem. Crê-se que Paulo mudou de
opinião depois de haver permitido às mulheres orar e profetizar (1Co
11:5), o que o levou a redigir um mandato que corrigisse o que disse
primeiro (1Co 14:33b-35). 97 Mas o que Paulo diz em 1Co 11:5 não está

94
P. ex., Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to the Corinthians,
editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia: A Critical and
Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 246. Ele inclui o versículo 33b
e o 36. Contudo, estes dois versículos nunca se incluem quando colocados depois do versículo 40.
Junto com os versículos 34–35, estes também têm o apoio de todos os manuscritos gregos. Para uma
refutação, veja-se A. Feuillet, «La dignité et le rôle de la femme d’ apres quelques textes pauliniens:
comparaisons avec l’ Ancien Testament», NTS 21 (1975): 157–91.
95
Robert W. Allison, «Let Women Be Silent in the Churches (1 Cor. 14:33b-36): What did Paul
Really Say, and What Did it Mean?», JSNT 32 (1988): 27–60; David W. Odell-Scott, «Let the Woman
Speak in Church: An Egalitarian Interpretation of 1 Cor. 14:34–36», BTB 13 (1983): 90–93; y «In
Defense of an Egalitarian Interpretation of 1 Corinthians 14:34–36. A Reply to Murphy-O’Connor’s
Critique», BTB 17 (1987): 100–103; Neal M. Flanagan y Edwina Hunter Snyder, «Did Paul Put Down
Women in 1 Cor. 14:34–36?», BTB 11 (1981): 10–12.
96
Mas veja-se Jerome Murphy O’Connor, «Interpolations in 1 Corinthians», CBQ 48 (1986): 81–94.
97
Hans Lietzmann y Werner Georg Kümmel, An die Korinther I.II. Hanbuch zum Neuen Testament,
vol. 9 (Tübingen: Mohr, 1969), p. 75.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 737
expresso na forma de uma concessão, mas só menciona os fatos. Além
disso, em 1Co 14:33b-35 não impõe um decreto absoluto, mas só entrega
diretrizes que promovem um culto ordenado na igreja.
d. Outros escritos entendem a palavra lei (v. 34b) como referindo-se
a Gênesis 3:16, «teu desejo será para teu marido, e ele te dominará» 98 (o
que se interpreta como uma referência ao desejo sexual da mulher que a
atrai a seu esposo). Mas parece melhor pensar em Gênesis 2:21–23 se se
busca uma alusão anterior ao conceito de lei. A ideia é que a esposa
honra seu esposo por sua capacidade de liderança enquanto ela lhe serve
de ajuda idônea. 99 Outra interpretação diz que a palavra lei quer dizer
que Paulo entregou seu próprio mandamento às mulheres de Corinto. 100
Mas esta explicação está em conflito com o versículo 36, que apela à
Palavra de Deus.
e. Com frequência se aborda a passagem (vv. 33b-35) de uma
perspectiva histórica e cultural: as mulheres e as crianças se sentavam
num lado e os homens no outro. Durante o culto as mulheres fariam
perguntas a seus esposos, causando uma desordem que alteraria o
culto. 101 Embora esta interpretação tem seus méritos, não se deve passar
por alto a conexão que existe com o avaliar as profecias que se
entregavam na assembleia (v. 29).
d. Com estas poucas palavras, Paulo não está interessado em cobrir
toda situação possível. Algumas das mulheres estavam casadas, outras
eram solteiras, e outras tinham enviuvado. Embora a solteira e a viúva
não tivessem um esposo a quem perguntar em casa, podiam consultar os
que tomavam a palavra ou a outros membros da família. Com este
regulamento o que Paulo quer é evitar a vergonha que pudesse ocorrer se
uma mulher não respeita o homem que profetiza. Isto não quer dizer que

98
P. ex., os comentários de Bengel, p. 250; Godet, p. 739; Grosheide, p. 343; Mare, p. 276; Robertson
e Plummer, p. 325.
99
Bruce, 1 and 2 Corinthians, p. 136.
100
Martin, The Spirit and the Congregation, p. 87.
101
Na antiga sinagoga proibia-se a mulher falar em público. Veja-se SB, vol. 3, p. 467.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 738
a mulher seja proíba de usar seu tempo e talentos no ministério da igreja,
mas deve ocupá-los honrando o que receberam de Cristo a autoridade
para governar a igreja (1Tm. 5:17).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:34–35


Versículo 34
τα_ς γυνα_κες — o artigo definido aponta à mulher como uma
classe (veja-se Ef 5:22). O Texto Majoritário acrescenta _μώ («vossas»)
depois de γυνα_κες, mas isto poderia dever-se a que um escriba
acrescentou o pronome a fim de que a frase concorde com a seus esposos
do versículo 35. Preferimos a leitura mais curta.
ο_ γ_ρ _πιτρέπεται — «porque não é permitido». Com o pronome
α_ταί no caso dativo, este verbo presente passivo se traduz como ativo:
«não lhes está permitido». Em 1 Timóteo 2:12, Paulo escreve a primeira
pessoa singular _πιτρέπω. O verbo ocorre com frequência com o verbo
falar.
λαλε_ν — o infinitivo presente, voz ativa (veja-se também o v. 35),
descreve a ação de falar. O conteúdo do que se diz é introduzido pelo
verbo λέγω.

Versículo 35
μαθε_ν — é o infinitivo aoristo do verbo μανθάνω (=aprender) e se
refere a uma só ação que ocorre no curso do serviço de adoração. Em
contraste, Paulo usa o tempo presente μανθανέτω («que aprenda») em 1
Timóteo 2:11 para expressar ação contínua.
_ν _κκλησί_ — «na igreja». O contraste com _ν ο_κί_ («em casa»)
é deliberado e pertinente.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 739
d. Conclusão. 1Co 14:36–40

36-38. Ou acas o a p alavra de D eus se originou c onvosco ou ch egou


somente a vós? Se alguém se crê profeta ou espiritual, saiba que as cois as
que vos escrevo são um mandamento do Senhor. Se alguém [o] desatende,
ele será desatendido [por Deus].
a. Perguntas. «Ou acaso a palavra de Deus se originou convosco ou
chegou a somente vós?». Alguns tradutores incluem este versículo com o
parágrafo precedente, enquanto outros o fazem parte do segmento
seguinte. Os que colocam o versículo 36 à cabeça de um novo parágrafo
omitem a primeira palavra o. Mas os discursos de Paulo muitas vezes
antecipam a reação de seus leitores, o que poderia suprir-se entre
colchetes, como se pode mostrar aqui: «ou [se vos for tão difícil admitir
isso, então pensai se a palavra de Deus] só chegou a vós?» 102
No versículo 36, Paulo elabora duas perguntas retóricas que
esperam uma resposta negativa. Conecta estas perguntas com a
observação que fez anteriormente: «como em todas as igrejas dos
santos» (v. 33b), e agora quer saber se os coríntios se veem a si mesmos
como a igreja mãe. Foi a igreja de Corinto a que deu à luz o evangelho
de Cristo, isto é, a palavra de Deus? 103 Naturalmente que a resposta é
não. Com a segunda pergunta, Paulo está perguntando a seus leitores se
eles são os únicos no mundo a quem veio o evangelho de Cristo. Espera-
se a mesma resposta: claro que não. O evangelho se originou com Jesus
Cristo, quem comissionou a Paulo para ser apóstolo aos gentios (veja-se,
p. ex., At 9:15; 22:21; 26:15–18), e os coríntios estão entre os gentios.
Cristo delegou a Paulo autoridade, o qual o capacita a emitir
mandamentos do Senhor.

102
Carson, «Silent in the Churches», p. 151. Ao princípio do versículo 36, Kenneth N. Taylor supre a
pergunta «não concordam com o que digo?» (TNT).
103
Na Escritura a expressão palavra de Deus ocorre muitas vezes. Aqui aponta ao evangelho da cruz e
resurección de Cristo. Berthold Klapper, NIDNTT, vol. 3, p. 1110; Gerhard Kittel, TDNT, vol. 4, p.
116; Hubert Ritt, EDNT, vol. 2, p. 358.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 740
b. Uma ordem. «Se alguém se crê profeta ou espiritual, saiba que as
coisas que vos escrevo são um mandamento do Senhor». Paulo fala com
autoridade apostólica, o que não se pode afirmar de nenhum dos
coríntios que se consideravam profetas ou espirituais. O grego indica que
havia alguns que assim se consideravam, mas Paulo lhes nega qualquer
posição como a sua. 104 Entendamos que o termo profeta não aponta à
uma capacidade oficial, mas à habilidade de profetizar.
A ênfase deste versículo não está colocado na primeira parte, mas
na segunda. Aqui Paulo faz saber a seus leitores que seu carta está
inspirada divinamente. As palavras que escreve não são só palavras
humanas, e sim palavras que têm autoridade divina. Suas palavras são
um mandamento dado por Jesus Cristo, quem fala através de Paulo. Por
isso, os coríntios devem olhar para além de Paulo e ver o Senhor Jesus
Cristo falando.
Se os destinatários são pessoas com inclinações espirituais, como
muitos se criam, deviam pôr muita atenção às palavras divinamente
inspiradas de Paulo. Os que estão cheios com o Espírito Santo
demonstrarão acatamento imediato ao mandamento do Senhor. São os
verdadeiros espirituais que obedecem a guia do Espírito. Mas outros, que
se colocam acima do apóstolo, opõem-se continuamente aos ensinos de
Paulo. A eles Paulo entrega uma advertência de vastas consequências.
c. Descuido. «Se alguém [o] desatende, ele mesmo será desatendido
[por Deus]». 105 O texto grego é muito conciso e pede que o
suplementemos para completar a oração. Paulo indica que há gente que
não está acatando suas instruções; são os mesmos que tampouco levam
em conta a palavra de Deus. Portanto, o apóstolo declara que a pessoa
que decide ignorar suas instruções perceberá que Deus o ignorará.
Notemos a semelhança com a declaração de Jesus: «Mas qualquer que

104
Grudem, Prophecy in the New Testament, p. 87.
105
Bauer, p. 11.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 741
me desconheça diante dos demais, eu também o desconhecerei diante de
meu Pai que está no céu» (Mt 10:33; cf. 2Tm 2:12).
d. Variações. Para este texto, em geral as traduções entregam uma
nota marginal que mostra uma leitura alternativa para a segunda parte do
versículo 38. Por exemplo, a BJ traduz «se não o conhece, tampouco ele
é conhecido», porém na nota à margem coloca como alternativa: «se o
ignorar, que o ignore». A diferença radica entre usar o indicativo («é
conhecido») ou o imperativo («que o ignore»). De igual forma, a CI tem
em seu texto «se alguém [o] ignora, Deus o ignora a ele», e na nota
acrescenta que a segunda parte pode-se traduzir «que o ignore». A NVI
incluso traduz usando o tempo futuro: «tampouco ele será reconhecido».
Embora os eruditos não estejam seguros sobre qual destas leituras é
a correta, favorecem traduzir o verbo como indicativo. 106 Quer
escolhamos o presente ou futuro indicativo, devemos explicar a voz
passiva que demanda um agente. Este agente não é a congregação de
Corinto, mas o próprio Deus, que no dia do juízo ignorará todos os que
se empenhem em menosprezar Sua palavra. Esta é a mais severa de todas
as advertências que Paulo tenha pronunciado até agora nesta epístola.
39, 40. Assim que, meus irmãos, desejai com esforço o poder
profetizar e não pr oibais o falar em línguas. Mas que tudo se faç a
decentemente e em ordem.
Temos aqui as últimas observações do longo discurso de Paulo
sobre o tema da profecia e a glossolalia. A expressão assim que introduz
um resumo e vem seguida pelas palavra meus irmãos. Notemos que
depois de uma severa admoestação, Paulo os aborda pastoralmente
chamando os membros da igreja de Corinto com o epíteto de «meus
irmãos», o qual inclui as irmãs (cf. vv. 6, 20, 26).
Paulo escreve três orações no modo imperativo. Estas orações são
suas últimas observações a respeito de tema delicado da profecia e as
línguas. Primeiro, quase repete palavra por palavra o versículo 1,
106
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 566.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 742
dizendo: «desejai com esforço o poder profetizar». Usa o tempo presente
para o verbo principal seguido de um infinitivo que indica ação contínua.
Paulo insiste com os leitores a que desejem constantemente o poder
profetizar segundo as diretrizes que já entregou na primeira parte deste
capítulo (veja-se 1Ts 5:20).
Segundo, manda aos coríntios a não proibir as pessoas de falar em
línguas. Paulo mesmo afirmou que o falar em línguas é um dom do
Espírito Santo e, portanto, não poderia proibir a glossolalia. Se o fizesse,
estaria entristecendo o Espírito de Deus e extinguindo o fogo do Espírito
(Ef 4:30; 1Ts 5:19). Ele mesmo tinha o dom de línguas (v. 18) e desejava
que todos o tivessem (v. 5).
Não obstante, ao longo de todo este capítulo Paulo pôs limitações
claras à glossolalia. Permite as línguas, sempre e quando houver um
intérprete, usem-se para edificar os que ouvem, a mensagem seja
inteligível, faça-se tudo em ordem e ocorra a glossolalia no contexto do
amor. Parece que alguns dos membros da igreja proibiam outros de falar
em línguas, de maneira que Paulo agora tem que corrigi-los.
Terceiro, Paulo volta a lembrar a seus leitores que tudo deve fazer
de forma apropriada e ordenada (vv. 26–33; cf. 1Co 16:14). Este último
recordatório revela que na igreja de Corinto ocorria o oposto. Nesta
congregação a regra era a desordem e o impróprio.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 14:36–39


Versículos 36–37
_ — é uma partícula alternativa que equivale a «ou». Introduz e
acrescenta a perguntas retóricas. No entanto, por razões de estilo
algumas traduções a omitem. Ver 1Co 6:9, 16, 19; 10:22; 2 Cor. 11:7. 107
μόνους — «sós». Na cultura daquele tempo, este adjetivo em caso
acusativo plural masculino apontava a homens e mulheres.

107
Bauer, p. 342; Thayer, p. 275.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 743
_ντολή — «mandamento». Preferimos esta leitura, a qual vem
apoiada por uma variedade de manuscritos. Umas poucas testemunhas
ocidentais a omitem, mas carecem de apoio. O Texto Majoritário registra
a forma plural mandamentos (cf. RC), mas esta leitura deve ter-se
produzido pelo erro de um escriba.

Versículos 38–39
_γνοεί — a evidência textual que favorece o presente indicativo,
voz passiva de _γνοέω (=ignorar) é igualmente forte que a que apoia o
presente imperativo ativo _γνοείτω («que ignore»). Mesmo quando o
imperativo tem menos força que o indicativo, «parece não haver razão
para que o indicativo tenha sido mudado para o imperativo». 108
ζηλο_τε — este imperativo presente («desejai com esforço») tem
como objeto direto a um infinitivo precedido de artigo, τ_ προφητεύειν.
A mesma construção gramatical pode-se ver no seguinte versículo «não
proibais o falar em línguas». A expressão μ_ κωλύετε realmente quer
dizer: «no presente vós estais proibindo as pessoas de falar em línguas,
mas agora que recebestes meus regulamentos, não desalentem o uso da
glossolalia».
τ_ λαλε_ν — o artigo definido foi omitido «pela parcimônia
editorial característica da filologia alexandrina ou se acrescentou para
criar um paralelo com o infinitivo anterior que também vem precedido
de artigo». 109

108
Alford, Alford’s Greek Testament, vol. 2, p. 601. Para uma opinião contrária, veja-se G. Zuntz, The
Text of the Epistles: A Disquisition upon the Corpus Paulinum (Londres: Oxford University Press,
1953), pp. 107–108.
109
Metzger, Textual Commentary, p. 567.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 744
Resumo de 1Corintios 14
Ao terminar sua carta de amor, Paulo ensina seus leitores a
seguirem o caminho do amor, que procurem dons espirituais, entre os
quais sobressai o dom de profecia. Quem fala numa língua, fala a Deus,
mas quem profetiza se dirige ao povo e o edifica.
Usando analogias tiradas da música e da linguagem, Paulo ilustra
para o que serve a glossolalia. Menciona a flauta, a harpa e a trombeta, e
explica suas funções. Afirma que os idiomas têm significado. Mas se as
palavras que se falam não têm sentido para os que ouvem, tanto aquele
que fala como aquele que ouve permanecerão como desconhecidos.
Portanto, Paulo insiste com seus leitores a procurar os dons espirituais
que edificam à igreja.
A glossolalia deve ser interpretada para poder ser útil. Os cristãos
devem orar e cantar em pleno uso de sua razão, porque só assim poderão
assegurar que sua oração e louvor seja entendido. O fato de outros
entenderem o que se diz, permite-lhes dizer «amém» e ser edificados.
Paulo faz notar que ele prefere falar cinco palavras para que o povo o
entenda, que usar dez mil palavras que ninguém compreende.
Exortando os destinatários a ser crianças quanto ao mal, Paulo cita
o profeta Isaías para lhes mostrar que o idioma dos assírios era um sinal
do iminente juízo que cairia sobre Israel. De modo semelhante, as
línguas são um sinal para o incrédulo. Pelo contrário, a profecia o
convencerá de que é um pecador. A convicção de pecado e o
arrependimento fará com que caia com o rosto a terra e que adore a
Deus.
Paulo instrui os coríntios a seguir as diretrizes que deu para que
haja um culto ordenado, o qual fará possível que os membros da igreja
sejam edificados. Só dois — ou no máximo três — devem falar em
línguas, sempre e quando alguém interprete. Dois ou três profetas
deverão falar alternadamente para instruir e alentar à congregação. Pede
às mulheres que não façam perguntas na igreja, mas aprendam de seus
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 745
esposos em casa. Paulo apela à Palavra de Deus e revela que o que ele
escreve é um mandamento do Senhor. Conclui seu discurso exortando os
coríntios a procurarem profetizar, que não proíbam a glossolalia e façam
que tudo decentemente e com ordem. Porque Deus é um Deus de ordem
e paz.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 746
1 CORÍNTIOS 15
A RESSURREIÇÃO (1CO 15:1–58)
O conteúdo deste capítulo difere grandemente dos capítulos
anteriores, onde Paulo escreveu a respeito de problemas morais, éticos,
culturais e eclesiológicos que os coríntios enfrentavam. Aqui trata sobre
a questão doutrinal da ressurreição. Esta doutrina era tema de
controvérsia na igreja de Corinto.
A ressurreição de Jesus Cristo não se converteu numa doutrina
definida quando Paulo escreveu (ca. 55 d.C.) sua primeira carta aos
coríntios. Ao contrário, quando Pedro se dirigiu a uma multidão de
judeus devotos, no dia do Pentecostes (ca. 30 d.C.) proclamou a
ressurreição de Jesus (At 2:24–36). Ao longo do livro de Atos, lemos
que os apóstolos pregaram a doutrina da ressurreição a judeus e a
gentios. Fizeram-no em Jerusalém, Antioquia da Pisídia, Atenas e Roma.
Esta doutrina era parte fundamental da pregação apostólica e era básica
para a fé cristã (cf. p. ex., At 17:18). Esta doutrina foi e é a medula do
cristianismo.
Paulo escreve que recebeu e transmitiu os ensinos da morte,
sepultura e ressurreição de Cristo (v. 3). Dá a entender que quando se
converteu em caminho para Damasco, conheceu a realidade da
ressurreição, o que o levou a pregar imediatamente, nas sinagogas locais,
que Cristo era o Filho de Deus (At 9:20). Depois Paulo foi a Jerusalém e
se reuniu com Pedro e Tiago. Jesus havia aparecido a Pedro e a João
entre a paixão e a ascensão (veja-se o v. 7). Os apóstolos reforçaram o
conhecimento que Paulo já tinha da ressurreição de Jesus. Em suma, o
livro de Atos indica que, depois de sua conversão, o próprio Paulo
recebeu e passou a outros a doutrina da ressurreição (veja-se At 9:20, 22,
28; 13:30–37; 17:31). Não esperou para escrever suas cartas aos
coríntios para falar da ressurreição.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 747
Se Paulo proclamou aos coríntios o evangelho quando foi seu
pastor, por que lhes custava aceitar a doutrina da ressurreição? Os
cristãos de pano de fundo judaico aceitavam a doutrina hebraica de que o
ser humano é uma unidade de corpo e alma, e não lhes cabia sequer
imaginar a existência humana na forma de uma alma sem corpo. Para
eles a alma e o corpo estavam feitos para ser um. Para o povo judeu, o
ensino da ressurreição física significava «a reintegração da pessoa
total». 1
No primeiro século, os saduceus negavam a doutrina da
ressurreição física (Mc 12:18–23; At 23:8), porém não existem provas de
que tenham influenciado nos judeus da dispersão. Lucas nos informa que
em Jerusalém havia um grande número de sacerdotes que se converteram
à fé cristã (At 6:7) e que não tiveram relação alguma com o partido
minoritário dos saduceus. Portanto, supomos que em Corinto eram
cristãos gentios e não os judeus, os que negavam a ressurreição dentre os
mortos (v. 12). Alguns crentes de Corinto estavam influenciados pela
filosofia grega, o que os impedia ver a importância da ressurreição do
corpo, assim que negavam que fosse certa (v. 12). Paulo sabia que devia
opor-se a esta negação.
Suspeitamos que os coríntios não escreveram a Paulo para lhe
perguntar sobre o tema (veja-se 1Co 7:1, 25; 8:1; 12:1), mas outra fonte
o informou sobre o que os coríntios pensavam da ressurreição de Cristo.
O fato de que este seja o capítulo mais extenso de toda a carta, diz-nos
que para Paulo e a igreja universal a doutrina da ressurreição é e
permanece como fundamental.
Paulo tira seu ensino da doutrina da ressurreição que se tenha na
Escritura e do testemunho de muitas testemunhas (vv. 1–11). Entre as
testemunhas, menciona os doze apóstolos, junto com Tiago e ele mesmo.
Também afirma que um grupo de quinhentos crentes viu Jesus

1
Michael Green, The Empty Cross of Jesus, en la serie: The Jesus Library (Downers Grove: Inter-
Varsity, 1984), p. 108.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 748
ressuscitado. O testemunho de todos estas testemunhas fortalece a fé que
os destinatários tinham em Cristo.

1. A ressurreição de Cristo. 1Co 15:1–8

1. Agora, meus irm ãos, dou-vos a c onhecer o evangelh o que vos


preguei, o qual também recebestes, no qual também vos mantendes
firmes.
a. «Agora, irmãos». A palavra agora é mais temporal que lógica.
Depois de um longo discurso sobre o decoro nos cultos de adoração,
Paulo está preparado para entrar num tema totalmente distinto, ou seja, a
ressurreição do corpo. Sabe que este tema é um assunto controvertido no
contexto social da antiga Corinto. Isto o leva a dirigir-se a seus leitores
usando o termo irmãos, o qual naquele tempo incluía as irmãs. Paulo
quer que saibam que ele é seu irmão no Senhor.
b. «Dou-vos a conhecer o evangelho que vos preguei». 2 O verbo
principal dou-vos a conhecer não implica que Paulo proclama um
evangelho que difere do resto dos apóstolos. 3 Com este verbo quer dizer-
lhes que outra vez lhes está ensinando o que já lhes proclamou em outro
tempo. No entanto, Paulo introduz um elemento novo: um ensino
doutrinal detalhado da ressurreição física de Cristo e dos crentes. 4 Em
outras cartas e oportunidades anteriores vê-se que Paulo já tinha
ensinado a doutrina da ressurreição aos crentes (p. ex., At 13:30; Gl 1:1).
Porém no presente capítulo, entrega uma exposição completa da doutrina
escriturística. É por isso que diz: «Dou-vos a conhecer o evangelho».
Quando Paulo se converteu em caminho para Damasco, o Senhor
Jesus Cristo lhe transmitiu o evangelho. Depois passou um tempo com

2
Cf. Gl 1:11, texto que registra um vocabulário e sintaxe similar. Veja-se também Walter Radl, «Der
Sinn Von gnōrizō in 1 Kor 15,1», BibZ 28 (1984): 243–45.
3
Consulte-se J. Knox Chamblin, «Revelation and Tradition in the Pauline Euangelion», WTJ 48
(1986): 1–16.
4
BAGD, p. 163.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 749
Pedro e Tiago em Jerusalém, e não há dúvida que estes discípulos deram
muitos detalhes a respeito do evangelho de Jesus (Gl 1:18, 19) e o
equiparam para o ministério. Tendo transcorrido quatorze anos, Paulo
voltou para Jerusalém para consultar os apóstolos se sua pregação estava
de acordo com o evangelho que eles pregavam (Gl 2:1).
O evangelho que Paulo pregava consistia na revelação de Jesus
Cristo, quem cumpriu as escrituras do Antigo Testamento. Paulo
reconhece que ele não foi um dos discípulos de Jesus que seguiram o
Senhor desde Seu batismo até Sua ascensão (At 1:21, 22). Contudo,
Paulo pode afirmar que é uma testemunha da ressurreição de Jesus, e
desta forma Cristo lhe deu autoridade para proclamar seu evangelho.
c. «O qual também recebestes, no qual também vos mantendes
firmes». Com estas palavras Paulo confirma a fé dos coríntios. Mas
sutilmente lhes lembra que têm a responsabilidade de receber e
transmitir as doutrinas básicas do evangelho (cf. 1Co 11:23; 1Ts 2:13).
Não só espera que aceitem seu evangelho, mas também o proclamem em
Corinto e outros lugares. Assim como Paulo recebeu o evangelho e o
passou aos coríntios, assim mesmo eles devem por sua vez recebê-lo e
passá-lo a outros (veja-se o v. 3). Ele os felicita por estar firmes no
evangelho e por aceitá-lo como o fundamento de suas vidas.
2. Mediante este evangelho também sois salvos, se é que vos aferrais
à palavra que vos preguei. De outro modo, crestes em vão.
Em íntima conexão com o versículo 1, a primeira parte do versículo
2 revela um clímax no qual a tríplice aparição da palavra também faz
ênfase no evangelho:
o qual também recebestes,
no qual também vos mantendes firmes,
mediante este evangelho também sois salvos.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 750
Por si mesmo o evangelho não salva, e sim Deus nos salva em
Cristo por meio do evangelho. 5 A construção com um verbo em voz
passiva indica que Deus é o agente implícito. Ele efetua a salvação do
pecador. Por meio do verbo em tempo presente («sois salvos»), Paulo
quer indicar que a ação salvadora de Deus é eficaz e progressiva (cf. Rm
5:9).
A maioria dos tradutores invertem a ordem da cláusula grega,
colocando a oração se é que vos aferrais diante da oração à palavra que
vos preguei. Esta é a melhor leitura do texto, a qual repete a frase o
evangelho que vos preguei que se encontra no versículo 1. 6 Mas que
quer Paulo dizer com o termo palavra? Talvez se refere ao conteúdo do
evangelho que pregava. Paulo lhes faz ver que, embora os coríntios
estejam se aferrando ao evangelho de Cristo, quer que vivam de acordo
com seus ensinos. Se forem tão somente ouvintes, porém não praticantes
do evangelho que se proclama, creram em vão. O sentido do versículo
indica que os coríntios são salvos porque receberam o evangelho; mas
devem aferrar-se a esse evangelho e demonstrá-lo em sua conduta. De
outra maneira sua fé é vã e carente de valor. Para que a fé esteja
realmente viva, deve mostrar-se perseverante nos ensinos e na aplicação
do evangelho. De outra maneira, diz Paulo, «crestes em vão».

Considerações práticas em 1Co 15:1–2


Pode dar-se o caso de que um cristão receba as boas novas de Deus,
mantenha-se firme por Jesus Cristo, seja salvo, aferre-se aos ensinos do
evangelho e, no entanto, creia em vão? Perderá o verdadeiro crente sua

5
F. W. Grosheide, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians: The English Text with
Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 347.
6
Algumas versões registram a ordem sintática do grego: «Lembrai os termos nos quais lhes preguei o
evangelho — porque dou por sentado que o retendes e que vossa conversão não é em vão» (REB; cf.
GNB).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 751
salvação? Naturalmente que não. Mas, então, por que Paulo escreve «De
outro modo, crestes em vão»?
O grego é mais claro que nossa tradução. Portanto, é bom que
atendamos com cuidado aos tempos verbais. Notemos que Paulo
emprega o tempo presente nas expressões sois salvos e vos aferrais.
Felicita os coríntios porque receberam o evangelho e se mantiveram
firmes nele. Isto é institucional, visto que o que ocorreu no passado ainda
é válido para o presente. Além disso, Paulo afirma que os coríntios são
salvos. Em outro lugar ensina que a salvação é um processo que, por um
lado, os crentes devem levar a cabo e que, por outro, Deus produz neles
(Fp 2:12, 13). Isto quer dizer que os crentes estão sendo salvos, sempre e
quando se aferram ao evangelho e o aplicam a suas vidas. Deus está
ativo no processo de salvação e se aferra aos crentes. Mas também quer
que os crentes se aferrem a ele obedecendo Sua palavra. Paulo coloca
uma oração condicional: «se é que vos aferrais», mas sabe que a
atividade de aferrar-se é um fato.
Por outro lado, as pessoas que uma vez creram, mas que depois se
negaram a aferrar-se à Palavra de Deus, estão demonstrando que são
infiéis a Deus. Por conseguinte, creem que o evangelho não tem nenhum
valor para eles (cf. Hb 4:2). São pessoas que creram em vão e cuja fé
temporal não tem valor algum (Mt 7:22, 23; 25:11, 12).
A última observação de Paulo («De outro modo, crestes em vão»)
indica que são crentes que continuam aferrando-se a Cristo e obedecendo
a Palavra de Deus os que estão seguros e protegidos. Deus nunca os
abandonará porque Lhe pertencem.
3-5. Porque vos en treguei o qu e também recebi como algo de
primeiríssima importância: que Cr isto morreu por nossos pecados,
segundo as Escritur as, e que foi se pultado e que ao terceiro dia foi
ressuscitado, segundo as Escrituras, e qu e apareceu a Cef as, depois aos
doze.
a. A tradição. «Porque vos entreguei o que também recebi como
algo de primeiríssima importância». Paulo afirma que o evangelho não é
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 752
uma doutrina que ele mesmo tenha inventado. Em vez disso, afirma que
a recebeu do Senhor (Gl 1:12) e que considera o ensino dos apóstolos
como uma tradição autoritativa que se originou em Jesus Cristo. Tendo
recebido este ensino, estava obrigado a passá-lo tanto a judeus como a
gentios (At 20:21), assim como a agir em qualidade de guardião da
doutrina (cf. 1Co 11:23). Os termos receber e entregar são termos
técnicos que aparecem em contextos judaicos e gregos.
O evangelho que Paulo recebeu de Jesus e dos apóstolos se formula
aqui como um credo primitivo usado nas confissões de fé da igreja
primitiva e na pregação e ensino das igrejas. 7 Este resumo está fundado
na Escritura. Em só três versículos, Paulo usa duas vezes a frase segundo
as Escrituras, para demonstrar que o evangelho está enraizado no Antigo
Testamento e surge deste. Segundo Paulo, os ensinos elementares do
evangelho podem ser resumidos nestes quatro fatos redentores:
1. que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras,
2. que foi sepultado
3. que ao terceiro dia foi ressuscitado dos mortos, segundo as
Escrituras, e
4. que apareceu a Cefas, depois aos doze.
Estes são os fatos mais importantes na apresentação que Paulo faz
do evangelho.
No versículo 3, se poderia traduzir primeiro em lugar de
primeiríssima importância». No entanto, a passagem não fala de que
Paulo foi o primeiro em proclamar o evangelho em Corinto. Antes, a
ideia é que estes quatro fatos resumem o significado intrínseco do
evangelho.
b. Morte. «Que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as
Escrituras». Notemos que Paulo não usa o nome Jesus, e sim o título

7
Jerome Murphy-O’Connor, «Tradition and Redaction in 1 Cor. 15:3–7», CBQ 43 (1981): 582–89;
John Kloppenborg, «An Analysis of the Pre-Pauline Formula 1 Cor 15:3b-5 in Light of Some Recent
Literature», CBQ 40 (1978): 351–67; Murray J. Harris, Raised Immortal: Resurrection and
Immortality in the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), p. 32.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 753
messiânico de Cristo. Ao referir-se ao Antigo Testamento, Paulo deve
estar apontando à profecia de Isaías. Este profeta afirma que o Messias, o
ungido de Deus, o servo sofredor, foi ferido por nossa transgressão e
moído por nossas iniquidades. Além disso, Isaías escreve que todos os
nossos pecados foram postos sobre o servo e que Ele morreu pelos
pecados do Seu povo (Is 53:5, 6, 8, 9; veja-se também Sl. 22:16; 1Pe
3:18).
Jesus cumpriu as profecias messiânicas do Salmo 22 e Isaías 53.
Quando o Senhor instituiu a Santa Ceia, expressou verbalmente a
doutrina de que o Messias morreu pelo pecados do Seu povo. Disse:
«Isto é meu sangue da aliança, que é derramado por muitos para o
perdão de pecados» (Mt 26:28).
O conceito de por nossos pecados aparece em outras epístolas de
Paulo (p. ex., Rm 5:8; 8:32; Gl 1:4; 8 Ef 5:2; Tt 2:14). Nestas passagens,
a preposição grega huper (=por) comunica a ideia de que Jesus é tanto
nosso representante como nosso substituto. 9 Em suma, Cristo não só nos
representa diante de Deus, mas também toma nosso lugar morrendo na
cruz por nossos pecados.
A afirmação Cristo morreu por nossos pecados é um resumo
doutrinal da expiação. Como nosso substituto, Cristo morreu para
aplacar a ira de Deus e satisfazer as demandas da lei (Rm 3:25, 26; 5:9,
10). 10 Como nosso advogado, levou a cabo a reconciliação e nos fez
justos diante de Deus (2Co 5:21; 1Jo 2:1, 2). Como nosso mediador,
estabeleceu uma nova aliança e nos aceitou como Seus sócios (Lc 22:20;
1Co 11:25). Como nosso salvador, concede-nos vida eterna através da fé
nEle (Jo 3:16).

8
O Texto Majoritário registra a leitura variante περί (=por). No Novo Testamento, περί toma o lugar
de _πέρ, porém não vice-versa. Berthold Klappert, «Zur Frage des semitischen oder griechischen
Urtextes von I. Kor. XV.3.5», NTS 13 (1966–67): 168–73.
9
R. C. Trench, Synonyms of the New Testament, ed. Robert G. Hoerber (Grand Rapids: Baker, 1989),
pp. 325–326; Murray J. Harris, NIDNTT, vol. 3, pp. 1196–1197.
10
Herman N. Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology, traduzido por John Richard de Witt
(Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 188.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 754
Quando Jesus Se encontrou com os discípulos no cenáculo, no
Domingo de ressurreição, disse-lhes que teve que cumprir-se tudo o que
estava escrito a respeito dEle nas Escrituras (Lc 24:45, 46). O Antigo
Testamento declara que Cristo sofreria (Sl. 22; Is 53) e que ressuscitaria
dos mortos ao terceiro dia (Sl. 16:9–11; Is 53:10, 11).
c. Sepultura. «E que foi sepultado». À parte dos escritores dos
Evangelhos, só Paulo menciona a sepultura de Jesus. Faz notar que Jesus
foi baixado do madeiro e posto numa tomba (At 13:29). Identifica o
batismo do crente com a sepultura de Cristo (Rm 6:4; Cl 2:12). No
presente texto menciona o sepultamento como um resultado da morte e
como a precursora da ressurreição. A sepultura de Cristo aponta «para
trás, à realidade da morte, e para frente, ao caráter da ressurreição». 11
d. Ressurreição. «E que ao terceiro dia foi ressuscitado, segundo as
Escrituras». As traduções não fazem justiça às diferenças no tempo que
se veem nos verbos que aparecem no texto grego dos versículos 3 e 4. O
grego representa a morte e a sepultura de Jesus usando o tempo passado
que descreve a ação verbal como se fora uma única ação ocorrida no
passado. Mas para o verbo foi ressuscitado usa o tempo perfeito, para
indicar uma ação que ocorreu no passado, mas que tem pertinência
duradoura para o presente (veja-se os vv. 12, 13, 14, 16, 17, 20; cf. 2Tm
2:8). Isto é, Jesus ressuscitou dos mortos e continua Sua vida neste
estado ressuscitado.
A voz passiva foi ressuscitado implica que o agente da ação é Deus.
Em seus discursos e sermões, tanto Pedro como Paulo usam também
verbos em voz ativa para dizer que Deus ressuscitou a Jesus dentre os
mortos (At 3:15; 4:10; 5:30; 10:40; 13:30, 37). A judeus e a gentios, os
apóstolos proclamaram a morte e ressurreição de Jesus como a essência
das boas novas. Portanto, quanto aos pontos mais importantes do
evangelho, Michael Green observou, «é a morte e ressurreição de Jesus,

11
R. St. John Parry, The Epistle of Paul the Apostle to the Corinthians, Cambridge Greek Testament
for Schools and Colleges (Cambridge: Cambridge University Press, 1937), p. 216.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 755
a cruz vazia, o que jaz no coração do cristianismo apostólico e constitui
também as boas novas para o mundo». 12
A evidência da tumba vazia sublinha que a ressurreição de Jesus foi
física. Os quatro escritores dos evangelhos descrevem de forma explícita
que a tumba estava vazia. Falam de que havia anjos na tumba junto a
vestimentas funerárias (Mt 28:5, 6; Mc 16:5, 6; Lc 24:3, 4; Jo 20:6–8). O
corpo físico de Jesus podia ser tocado depois de Sua ressurreição (Jo
20:27), os discípulos puderam reconhecê-Lo com dificuldade (Jo 20:14,
15; 21:4, 7). O Senhor podia entrar e sair através de portas fechadas (Jo
20:19, 26) e comeu um pedaço de peixe assado (Lc 24:42, 43). Numa
ocasião, o Senhor comeu e bebeu com Seus discípulos (At 1:4; 10:41).
Contudo, o Seu corpo foi transformado de tal forma que estava sobre o
espaço e o tempo. Simplesmente não temos respostas para as perguntas
que surgem a respeito do corpo ressuscitado de Jesus. 13 As Escrituras
não revelam esta informação.
Paulo afirma que Jesus ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
Escrituras. Por certo, o próprio Jesus ensinou que seria morto e que ao
terceiro dia ressuscitaria (Mt 16:21). Mas ensina o Antigo Testamento
que devia ressuscitar ao terceiro dia? A resposta é dupla. Nenhum texto
registra uma referência específica. No entanto, a combinação de várias
passagens nos dá evidência suficiente para o conceito da ressurreição.
Por exemplo, lemos que Deus restauraria Israel ao terceiro dia (Os 6:2).
Jonas esteve dentro do peixe por três dias e três noites (Jn 1:17; Mt
12:40) e Isaías profetiza a ressurreição do Messias (Is 53:10–12). Gordon
D. Fee conclui: «O Antigo Testamento como um todo dá testemunho da
ressurreição ao terceiro dia … Uma antiga tradição combinou a

12
Green, The Empty Cross, p. 138.
13
Consulte-se Murray J. Harris, From Grave to Glory: Resurrection in the New Testament (Grand
Rapids: Zondervan, 1990), pp. 139–146; Stephen T. Davis, «Was Jesus Raised Bodily?», ChrSchRev
14 (1985): 140–52; Francis Foulkes, «Some Aspects of St. Paul’s Treatment of the Resurrection of
Christ in 1 Corinthians XV», AusBRev 16 (1968): 15–30.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 756
evidência dos Salmos 16:8–11 e 110:1 como dando testemunho da
ressurreição do Messias (cf. At 2:25–36)».14
Os primeiros cristãos consideraram o domingo de ressurreição
como o terceiro dia depois da morte de Jesus na sexta-feira santa.
Naquele dia, o primeiro dia da semana, Jesus apareceu às mulheres, a
Maria Madalena, a dois discípulos que iam em caminho para Emaús, a
Pedro e a dez discípulos no cenáculo. 15
e. Aparições. «E que apareceu a Cefas, depois aos doze». Nos
versículos 5–9, Paulo enumera as aparições de Jesus depois de Sua
ressurreição. Refere-se à presença física do Senhor ressuscitado, não a
visões como as que Paulo experimentou quando Jesus lhe falou em
Corinto e em Jerusalém (At 18:9, 10; 23:11). Não obstante, Paulo se
coloca na lista como alguém a quem Jesus apareceu em caminho para
Damasco. Esta aparição era definitivamente distinta às que ocorreram no
período antes da ascensão.
A que se refere Paulo com a palavra grega ophthē («apareceu» ou
«foi visto»)? Durante os quarenta dias que mediaram entre a ressurreição
e a ascensão, as testemunhas viram ao Senhor, porém nem sempre O
reconheceram. Havia «certa ambiguidade nas aparições» 16 que, no
entanto, não diminuíram a alegria dos que testificaram do fato de que
Jesus tinha ressuscitado.
Paulo menciona primeiro a Pedro, a quem em geral chama Cefas
(1Co 1:12). Esta é a forma aramaica do nome Pedro (Jo 1:42). 17 Viu
Pedro a Jesus? Devemos responder que sim, porque no domingo de
ressurreição, os discípulos no cenáculo disseram aos de Emaús: «O

14
Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians na série New International Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 727.
15
Veja-se respectivamente Mc 16:1–8, 9–11; Lc 24:13–32, 34, 36–43.
16
James D. G. Dunn, Jesus and the Spirit: A Study of the Religious and Charismatic Experience of
Jesus and the First Christians as Reflected in the New Testament (Philadelphia: Westminster, 1975),
p. 123.
17
1Co 1:12; 3:22; 9:5; 15:5; Gl 1:18; 2:9, 11, 14. No grego, o nome Pedro só ocorre em Gl 2:7, 8. A
combinação Simão Pedro ou Simão não aparece nas epístolas de Paulo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 757
Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24:34). Aquela manhã, o
anjo mandou às mulheres que dissessem aos discípulos e a Pedro que
vão a Galileia, onde Jesus os encontraria (Mc 16:7). Ali Jesus perdoou a
Pedro e o restaurou (Jo 21:15–19). O livro de Atos revela que
imediatamente depois da ascensão de Jesus, Pedro veio a ser o líder
indiscutido da igreja de Jerusalém. É por isso que é mencionado primeiro
na lista de aparições, mesmo quando foram as mulheres as que
presenciaram primeiro a ressurreição.
Além disso, Paulo menciona que Jesus apareceu aos doze. Os
Evangelhos e Atos usualmente usam a expressão «os doze» para referir-
se aos discípulos de forma coletiva. Por certo, Paulo não menciona que
Judas se suicidou e que Tomé não queria reunir-se com seus colegas
nesse primeiro domingo, mas estes não são detalhes pertinentes visto que
também usa a expressão de forma coletiva. Estes homens serviam como
os representantes oficiais de Jesus e como testemunhas de Sua
ressurreição. Talvez esta seja a razão pela qual não se menciona que
Jesus também apareceu às mulheres e os dois homens que iam em
caminho para Emaús.
6. Depois apareceu a ma is de quinhentos irmãos ao mesmo tempo, a
maioria dos quais ainda vive, embora alguns dormiram.
Pelo fato de que a estrutura da passagem muda, concluímos que a
fórmula confessional termina no versículo 5, talvez depois do verbo
apareceu. 18 Parece seguro pensar que o versículo 6 não é parte deste
credo primitivo.
Nem os Evangelhos nem Atos corroboram a cifra de 500 irmãos. O
mais próximo é o número de 120 irmãos, que se reuniram para nomear o
sucessor de Judas Iscariotes (At 1:15). Tampouco podemos constatar se
na Galileia estiveram presentes um considerável grupo de pessoas,
escolhidas por Deus como testemunhas (At 10:41). 19 O ponto deste texto

18
Murphy-O’Connor, «Tradition», p. 582.
19
Cf. os estudos de Peter J. Kearney, «He Appeared to 500 Brothers (1 Co. XV 6)», NovT 22 (1980):
264–84; S. M. Gilmour, «The Christophany to More Than Five Hundred Brethern», JBL 80 (1961):
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 758
não é o lugar onde ocorreu a aparição de Jesus, mas o número de
testemunhas que podiam dar testemunho da ressurreição. Num tribunal
judaico, exigia-se a presença de duas ou três testemunhas para provar a
veracidade de um acontecimento. Ao aparecer a quinhentas pessoas ao
mesmo tempo, Jesus estava dando a prova mais contundente de que
estava vivo.
Paulo acrescenta que a maioria deles estavam ainda com vida
quando escreveu sua epístola. Com isso dá a entender que se alguém
duvida do fato de que Jesus venceu a tumba, pode consultar a qualquer
dos crentes que viu o Senhor ressuscitado. Não se sabe se estas
testemunhas estavam com vida, mas se entende que Paulo e os coríntios
conheciam muitos deles. Paulo parece indicar que os céticos podem ir às
testemunhas e lhes pedir que deem o seu testemunho.
A frase alguns dormiram é um eufemismo que a igreja antiga usava
para referir-se à morte. Percebiam a morte natural de um crente como um
sonho do qual despertariam. Usavam a expressão como uma analogia da
ressurreição.
7, 8. Depois disso apareceu a Tiago, depois a todos os apóstolos. E ao
último de todos, apareceu também a mim, como a um nascido fora de
tempo.
a. «Depois disso se apareceu a Tiago». Sabemos que um ano e meio
antes da morte de Jesus, seus irmãos (incluindo Tiago) ainda não criam
nEle (Jo 7:5). Mas imediatamente depois de Sua ascensão, Seus irmãos
creram e estavam com os apóstolos no cenáculo (At 1:13, 14; cf. 1Co
9:5). Em conexão com as aparições, Paulo alude a Tiago porque tinha
uma posição proeminente na antiga comunidade cristã. 20 Tiago ouviu
Paulo quando aquele que fora perseguidor voltou para Jerusalém como
crente (Gl 1:19). Tiago tomou o lugar de Pedro quando este teve que

248–52; Eric F. F. Bishop, «The Risen Christ and the Five Hundred Brethern (1 Cor 15,6)», CBQ 18
(1956): 341–44.
20
Para o relato da aparição de Jesus a Tiago no Evangelho apócrifo dos Hebreus (Jerónimo De Viris
Illustr. 2), veja-se Aurélio de Santos Otero, Los evangelios apócrifos (Madrid: BAC, 1956), p. 29ss.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 759
fugir de Jerusalém depois de ser libertado da prisão (At 12:17). Paulo
considerava Tiago, Pedro e João como os pilares da igreja (Gl 2:9); e ao
terminar sua terceira viagem missionária, Paulo entregou seu relatório a
Tiago e aos anciãos de Jerusalém (At 21:18, 19). Paulo menciona Pedro
e Tiago, provavelmente porque de todos os crentes, estes dois eram tidos
como os líderes.
b. «Depois a todos os apóstolos». Esta oração parece repetir
simplesmente o dito no versículo 5, onde se menciona os doze, ou parece
estar em conflito com esse versículo. O fato de entendermos a oração
depende de entendermos o termo apóstolo. Nos Evangelhos de Mateus,
Marcos e Lucas, a palavra apóstolos refere-se aos doze (Mt 10:2; Mc
3:14; Lc 6:13). Tinha essa conotação depois de Judas suicidar-se e antes
de Matias ter sido nomeado. Mas em Atos, Lucas usa o termo para
referir-se aos doze, os quais no princípio proclamaram o evangelho e
eram custódios dele, e para descrever Paulo e Barnabé (At 14:14). A
igreja de Antioquia comissionou a Paulo e Barnabé para que levassem o
evangelho aos gentios. Por isso, foram chamados apóstolos, no sentido
de pregadores do evangelho. Segundo Paulo, Andrônico e Júnias eram
notáveis entre os apóstolos (Rm 16:7).
Em seu sentido mais antigo e específico, um apóstolo era aquele
que o próprio Jesus tinha nomeado como tal e que fora testemunha de
Sua ressurreição (At 1:21–26). Não há evidência de que as pessoas que
Lucas e Paulo mencionam cumprissem estes requisitos. Por conseguinte,
não seria correto aplicar o uso de Paulo e de Lucas a este texto.
Concluímos, portanto, que a expressão todos os apóstolos é sinônima
com «os doze» (v. 5). A menção dos doze refere-se à aparição de Jesus
no domingo de ressurreição e a que ocorreu uma semana depois (Jo
20:19, 26). A referência aos apóstolos tem que ver com a aparição de
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 760
21
Jesus no dia de Sua ascensão (At 1:6–11). Juntas, as referências
destacam os primeiros e os últimos dias das aparições físicas de Jesus.
c. «E ao último de todos, apareceu também a mim». O que quer
dizer com ao último de todos? Quer dizer que Paulo é o último na ordem
de aparições. Toma o último lugar por causa de sua conversão repentina,
a que ocorreu anos depois da ascensão de Jesus.
Paulo alude à sua experiência de conversão em caminho para
Damasco e a esse encontro com Jesus ele o chama uma visão do céu (At
26:19). Seu encontro não foi uma alucinação, mas uma revelação
genuína do Senhor ressuscitado. Notemos que Paulo usa outra vez o
verbo apareceu, mas agora especificamente para si mesmo. Quer fazer
ver que ele também pertence ao grupo especial de gente que viu Jesus.
Paulo não seguiu o Senhor desde dia do batismo de Jesus até o dia de
Sua ascensão. No entanto, viu Jesus numa visão tão claramente como o
fizeram os apóstolos durante os quarenta dias que mediaram entre a
ressurreição e a ascensão. Definitivamente é o último apóstolo que Jesus
chamou. 22 Por isso, Paulo pode escrever «também a mim».
d. «Como a um nascido fora de tempo». Paulo escolhe uma
expressão pouco usual, visto que o termo grego to ektrōma ocorre uma
só vez no Novo Testamento. 23 De forma negativa pode significar um
nascido morto ou um feto abortado. Contudo, é necessário notar que
Paulo aplica a si a palavra como uma ilustração. Escreve a palavra como,
que é semelhante a «como por exemplo». O exemplo não tem nada que
ver com a aparência física ou com imaturidade espiritual. Portanto, em
sentido positivo o contexto imediato nos fala da apostolicidade. Deus
nomeou Paulo desde o ventre de sua mãe para que fosse um apóstolo (Gl

21
Frederic Louis Godet, Commentary on First Corinthians (1886; reimpresso por Grand Rapids:
Kregel, 1977), pp. 764–765.
22
Refira-se a P. R. Jones, «1 Corinthians 15:8: Paul the Last Apostle», TynB 36 (1985): 3–34.
23
O termo aparece três vezes na LXX (Nm. 12:12; Jó 3:16; Ec 6:3).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 761
1:15), mas a nomeação foi frustrada quando Paulo perseguiu a igreja 24 e
foi atrasada até o dia de sua conversão.
Paulo não foi um seguidor de Jesus nem viu a tumba vazia no
domingo de ressurreição. Não obstante, pode reclamar que viu
pessoalmente o Cristo ressuscitado (1Co 9:1), quem o nomeou apóstolo
aos gentios. 25 Jesus não levou em conta o tempo em que Paulo não foi
discípulo, passou por alto seus antecedentes como perseguidor da igreja
e fez com que sua conversão se convertesse no ponto de partida de seu
apostolado. Sua nomeação foi atípica, como foi o fato de Cristo ter-lhe
aparecido em caminho para Damasco.
Não temos por que imaginar que Paulo estivesse usando um termo
insultante que seus oponentes usavam para descrevê-lo. Antes, o
contexto aplica as palavras nascido fora de tempo para criar um contraste
entre Paulo e as demais pessoas às quais Jesus apareceu. 26 Paulo
descreve a si mesmo com um termo pouco refinado, mas o contexto que
nos segue explica o que quer dizer.

Considerações práticas em 1Co 15:3–8


Umas poucas linhas cheias de significado teológico resumem a
verdade do evangelho de Cristo. Referem-se à morte de Jesus, à sua
sepultura e ressurreição, e desta forma apresentam as boas novas de
salvação.
Os agnósticos e ateus não têm problemas em aceitar a morte e
sepultura de Jesus. Eles veem sua morte como inevitável. Jesus foi
condenado por um tribunal romano, assim que sua morte na cruz foi a
pena iniludível que teve que pagar este revolucionário desorientado.

24
G. W. E. Nickelsburg, «An ektrōma, Though Appointed from the Womb: Paul’s Apostolic Self-
Description in 1 Corinthians 15 and Galatians 1», HTR 79 (1986): 198–205.
25
At 9:15; Rm 11:13; 15:15, 16; Gl 1:16; 2:7, 8. Consulte-se a Colin Brown, NIDNTT, vol. 1, pp.
183–184.
26
Cf. Peter von der Osten-Sacken, EDNT, vol. 1, p. 423; Johannes Schneider, TDNT, vol. 2, p. 466.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 762
Afirmar que Jesus Se levantou da tumba conquistando a morte é
uma ideia ridícula para a mente moderna. Ninguém jamais voltou da
tumba. Portanto, para os incrédulos a história da ressurreição de Cristo é
uma invenção de seus insanos discípulos que imaginavam que Ele ainda
estava com eles.
Não obstante, a verdade doutrinal da ressurreição é o que ensinam
os quatro Evangelhos, o livro de Atos, as Epístolas e o Apocalipse. Paulo
afirma de forma irrevogável que Jesus ressuscitou ao terceiro dia,
segundo as Escrituras do Antigo Testamento. Tem a ressurreição como
um fato inquestionável que implica que todo aquele que crê em Cristo
também será ressuscitado. Cristo conquistou a morte não só para Si
mesmo, mas também para o Seu povo.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:2–8


Versículo 2
τίνι λόγ_ — esta é uma estrutura oracional comprimida que deveria
ter sido algo como τούτ_ τ_ λόγ_, _. O pronome τίς toma o lugar de
_στις (=qualquer que). 27 A oração diz: «se vos aferrais a esta palavra, a
que vos proclamo».
ε_ — esta partícula é parte da prótase de uma oração condicional e
indica que a cláusula expressa um fato.
_κτ_ς ε_ μή — a combinação destas três palavras indica
redundância. É uma expressão idiomática que quer dizer «a menos que,
exceto».
ε_κή _πιστεύσατε — esta é a combinação de um advérbio e de um
verbo em tempo aoristo. O advérbio é usado como um dativo de maneira
e comunica a ideia de «sem a devida consideração, de uma forma
fortuita». 28 O tempo aoristo denota uma ação passada.

27
Grosheide, First Corinthians, p. 348 n. 2.
28
BAGD p. 222.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 763
Versículos 3–4
_ν πρώτοις — o adjetivo plural poderia ser masculino ou neutro.
Preferimos o neutro: «entre as coisas primeiras», isto é, as coisas de
primeira importância.
_πέρ — quando o NT usa esta preposição no contexto de
sofrimento e morte, em geral refere-se à morte de Cristo. Cristo morreu
por, isto é, morreu para benefício do Seu povo. Cf. Jo 11:50–52.
_γήγερται — trata-se de um perfeito passivo do verbo _γείρω
(=levantar) e expressa que a ação ocorreu no passado, mas que tem um
valor permanente para o presente. O uso do tempo perfeito aqui é único,
visto que vem depois dos verbos morreu e foi sepultado, que são aoristos
que indicam uma ideia pontual.

Versículo 5
δώδεκα — «os doze». Esta é uma palavra que se aplica ao círculo
imediato dos discípulos de Jesus. O termo onze aplica-se
apropriadamente ao grupo de discípulos entre a ressurreição e a ascensão
(Mt 28:16; Mc 16:14; Lc 24:9, 33; At 1:26).

Versículos 6–7
_κοιμήθησαν — é o aoristo passivo do verbo κοιμάομαι (=dormir)
e conota a ideia de que em diferentes ocasiões alguns crentes pegam no
sono. O verbo usa-se como um eufemismo para falar da morte.
π_σιν — como este adjetivo vem depois do substantivo apóstolos,
não é o adjetivo, e sim o substantivo o que recebe a ênfase. Paulo diz:
«aos apóstolos, por certo a todos os apóstolos». Em certo sentido Tiago
não pode ser incluído porque nunca deixou Jerusalém e, portanto, nunca
foi um missionário enviado a proclamar o evangelho. 29

29
BDF § 275.5.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 764
Versículo 8
_σπερε_ τ_ _κτρώματι — a primeira palavra realmente quer dizer
«por assim dizer». É uma combinação de _σπερ (=como) e ε_ (=se):
«como se». O substantivo _κτρωμα (=nascido fora de tempo) vem do
verbo _κτιτρώνσκω (=provocar um aborto). Refere-se ao anormal na
vida, o que Paulo descreve com o artigo definido, isto é, refere-se a si
mesmo. De todos os apóstolos (com a exceção de João, cf. Ap 1:12–20),
Paulo teve o privilégio de ver o Senhor depois de sua ascensão. 30

2. A apostolicidade de Paulo. 1Co 15:9–11

O que disse no versículo precedente (v. 8) força a Paulo a dar uma


explicação mais detalhada de seu apostolado. As igrejas punham em
dúvida que Paulo fosse um apóstolo legítimo. Sabiam que nunca foi um
dos seguidores de Jesus, mas que tratou de destruir à igreja com severas
perseguições. Não obstante, Jesus o chamou a proclamar o evangelho a
judeus e a gentios.
9. Porque sou o m ais insignificante dos apóstol os; nem sequer
mereço ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus.
A palavra porque introduz a explicação da figura que Paulo
apresentou quando falou de que seu apostolado tinha nascido fora de
tempo. É humilde e sabe bem que não pertence ao círculo dos doze, que
cumpriam com os requisitos de apostolicidade (At 1:21, 22). Foi
Barnabé quem o apresentou aos apóstolos e lhes disse que Jesus o havia
chamado no caminho a Damasco e que Paulo pregava sem temor o nome
de Jesus (At 9:27). Embora os apóstolos aceitassem a Paulo, ele estava
subordinado a eles. Depois de quatorze anos, voltou para Jerusalém para
ver se o evangelho que pregava estava em consonância com aquele que
os apóstolos proclamavam (Gl 2:1, 2).

30
Robertson, p. 757.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 765
Os apóstolos reconheceram que Paulo tinha um ministério especial
entre os gentios e depois o elevaram à mesma altura que eles (Gl 2:8, 9).
Embora Paulo conhecia a Escritura e a teologia (At 5:34–39; 22:3),
carecia do ensino que os apóstolos receberam de Jesus (At 4:13). É
apropriado que se apresente como o menor dos apóstolos (cf. Ef 3:8; 1
Ti. 1:15).
Além disso, Paulo afirma que não é digno de ser chamado apóstolo
e diz por quê: perseguiu a igreja de Deus. Perto de Damasco, Jesus lhe
perguntou: «Saulo, Saulo, por que me persegues?» (At 9:4; 22:7; 26:14).
Desse momento em diante, Paulo soube que tinha estado perseguindo o
próprio Jesus. Ao notar este crime não pôde mais apagar da memória.
Com frequência fala de sua vida como perseguidor (At 26:9; Gl 1:13;
1Tm. 1:12–14).
A expressão igreja de Deus (1Co 10:32) não deve limitar-se à igreja
de Jerusalém, onde Paulo respirava ódio contra os cristãos. Procurou
destruir as igrejas da Judeia e solicitou cartas do sumo sacerdote para
continuar em Damasco (At 9:2; 22:5) e em outras cidades estrangeiras
(At 26:11). Por conseguinte, a expressão aponta à igreja universal
daquele tempo.
10. Mas pela graça de Deus sou o que sou, e a graç a que teve para
comigo não foi em vão. N ão obstante, trabalhei mais que todos eles,
embora não eu, mas a graça de Deus que esteve comigo.
a. «Mas pela graça de Deus sou o que sou». Quando Paulo revisa o
curso de sua vida, desde seus dias de estudante em Jerusalém até seu
proceder como perseguidor da igreja e como apóstolo aos gentios, não
pode mais que exclamar que é o que é pela graça de Deus. A graça de
Deus é poder que flui de Deus aos apóstolos. 31 Por exemplo, Paulo e
Barnabé experimentaram a graça divina quando viajaram de Chipre a
Ásia Menor na primeira viagem missionária. A igreja de Antioquia os
comissionou e os apoiou em oração encomendando-os à graça de Deus

31
Hans-Helmut Esser, NIDNTT, vol. 2, p. 119.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 766
(At 14:26). A graça de Deus os protege durante suas viagens, o que
tornou possível que voltassem para Antioquia e informassem o que Deus
fez através deles.
Paulo está convencido de que a graça de Deus esteve ativa ao longo
de toda a sua vida, desde o seu nascimento (Gl 1:15) até sua carreira
como apóstolo de Jesus Cristo (Ef 3:7, 8). Com liberdade reconhece que
suas realizações são devidas à graça de Deus. Note-se que escreve «sou o
que sou» e não «sou quem sou». Paulo se vê a si mesmo, não como uma
pessoa, e sim como um instrumento que Deus usa para promover a causa
do evangelho (cf. At 21:19).
b. «E a graça que teve para comigo não foi em vão». Paulo dá
graças a Deus porque Deus lhe estendeu Sua graça. Três vezes neste
versículo escreve a palavra graça. Paulo vive, viaja e trabalha pela graça
de Deus. O Novo Testamento não nos dá informação do trabalho que
outros apóstolos realizaram. Mas se considerarmos as distâncias que
Paulo viajou para proclamar o evangelho, as igrejas que estabeleceu e a
forma como cuidou delas, ficaremos assombrados dos notáveis
resultados que pôde alcançar no curto período de duas décadas.
A expressão grega kenē, que traduzi por «em vão» quer dizer «sem
efeito», «sem obter sua meta». 32 Quando Paulo diz que em sua vida a
graça de Deus não foi em vão, o que afirma é que deu resultados
extraordinários. Neste versículo, é muito específico, visto que declara
duas vezes que Deus lhe concedeu Sua graça: «a graça que teve para
comigo … a graça de Deus que esteve comigo». Paulo sabia que Deus
havia abençoado seus esforços.
c. «Não obstante, trabalhei mais que todos eles». O adversativo não
obstante refere-se ao que Paulo disse de ser o mais insignificante dos
apóstolos. Sob todo ponto de vista é impressionante a lista de coisas que
sofreu por amor a Cristo. 33 Estando em Éfeso trabalhou fazendo tendas

32
BAGD, p. 427.
33
Veja-se 2Co 4:8–11; 6:4–10; 11:23–29.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 767
para manter-se (At 20:34). Na escola de Tirano instruía diariamente os
seus discípulos (At 19:9). O resto do tempo passou pregando e ensinando
publicamente de casa em casa (At 20:20). Além disso, escrevia cartas
aos membros da igreja de Corinto e também os visitava (1Co 5:9; 2Co
2:1–4).
Temos uma coleção de treze cartas paulinas. Por conseguinte,
quanto à atividade literária, Paulo sobressai entre os escritores
epistolares do Novo Testamento. Paulo tinha sido treinado na arte de
escrever cartas e sem temor pregava o evangelho a judeus e gentios. De
fato, Deus o escolheu como instrumento para realizar esta obra. No
entanto, a cláusula «trabalhei mais que todos eles (=os apóstolos)» não
devemos tomá-la como querendo apontar ao trabalho combinado dos
doze, mas ao trabalho de qualquer um deles.
d. «Embora não eu, e sim a graça de Deus que esteve comigo». Que
ninguém imagine que Paulo adota para si o crédito pela obra realizada.
Rejeita toda glória pessoal e agradece a Deus por seus dons. Glorifica a
seu Salvador e Senhor. Longe de ser indolente em seu chamado, Paulo
apresenta os resultados de seu trabalho a Deus. Com humildade
reconhece que é pela graça de Deus que pôde realizar tudo o que tem
feito.
11. Portanto, seja eu ou sejam eles, assim proclamamos e assim
crestes.
A locução conjuntiva portanto não só resume o discurso
precedente, mas também serve de elo com o versículo 8. Os versículos
9–10 são uma breve digressão na qual Paulo explica sua posição com
relação aos apóstolos. Quando Paulo sublinha o poder da graça de Deus
em sua vida e ministério, não o faz para elevar-se acima de outros
apóstolos, senão para dar graças a Deus por Sua misericórdia e amor.
Com esta última oração, Paulo indica que não lhe interessam as
pessoas, e sim a causa e efeito da mensagem evangélica. O que Paulo
quer é que ele, os apóstolos e todos proclamem as boas novas da morte,
sepultura e ressurreição de Cristo. A base do cristianismo é a doutrina da
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 768
ressurreição. Sem ela deixa de existir a religião cristã. Paulo e seus
colaboradores pregaram o evangelho em Corinto, o que resultou na
conversão de muitas pessoas que creram em Jesus Cristo.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:9–10


_λάχιστος — este é o verdadeiro superlativo do adjetivo μικρός
(=pequeno) e quer dizer «o menor».
_ς — o pronome relativo em caso nominativo masculino impede de
dar uma tradução literal que tenha sentido («que não sou digno», CI). As
versões modernas o traduzem «e nem sequer» (LT), «e não mereço»
(BP).
ε_ς _μέ y σ_ν _μοί — notemos as preposições distintas que Paulo
usa: ε_ς denota «para», «para o interior de», «em mim»; σύν quer dizer
«junto comigo». A primeira refere-se à experiência de conversão de
Paulo, a segunda à graça de Deus que o rodeia em seu ministério.
_ — o uso deliberado do pronome relativo neutro, em lugar do
masculino _ς, faz ênfase numa coisa, não numa pessoa: «o que sou», não
«quem sou».

3. A ressurreição dos mortos. 1Co 15:12–34

Do resumo que deu do evangelho (vv. 3–5), Paulo seleciona a


doutrina da ressurreição para entregar um comentário adicional sobre
ela. 34 Positivamente, afirma que Cristo ressuscitou dos mortos, ao que
acrescenta uma pergunta que inquire por que alguns negavam este fato

34
A literatura sobre este tema é abundante. uma lista seleta é: Kathryn W. Trim, «Paul: Life alter
Death. An Analysis of 1 Corinthians 15», Crux 14 (1978): 129–50; Robert Sloan, «Resurrection in 1
Corinthians», SWJourTh 26 (1983): 69–91; A. J. M. Wedderburn, Baptism and Resurrection: Studies
in Pauline Theology against Its Graeco-Roman Background, WUNT 44 (Tübingen: Mohr-Siebeck,
1987); M. C. de Boer, The Defeat of Death: Apocalyptic Eschatology in 1 Corinthians 15 and Romans
5, JSNT Supplement Series 22 (Sheffield: JSOT, 1988); Norman L. Geisler, «The Significance of
Christ’s Physical Resurrection», BS 146 (1989): 148–170.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 769
histórico-redentor. Negativamente, examina o que ocorre quando se
rejeita esta doutrina. O resultado é que a pregação dos apóstolos e a fé
dos crentes se tornam vazias e carentes de poder. Sem a proclamação da
doutrina da ressurreição, os pregadores pronunciam falsidades, as
pessoas ficam em pecado, os crentes que morreram estão perdidos e os
cristãos são uns infelizes. Por conseguinte, quando os inimigos da fé
cristã atacam e minam a doutrina da ressurreição, estão procurando
destruir o cristianismo em seus fundamentos. Se seu ataque tivesse êxito,
a igreja que se baseia em Jesus Cristo se desintegraria até deixar de
existir. Em suma, a doutrina da ressurreição é fundamental para a fé
cristã.

a. Um argumento lógico. 1Co 15:12–19

12. Mas se se prega que Cristo fo i levantado dos mortos, como dizem
alguns de vós que não há ressurreição de mortos?
a. «Mas se se prega que Cristo foi levantado dos mortos». A
primeira parte desta oração condicional declara um fato, ou seja, que o
evangelho de Cristo está sendo proclamado em Corinto e em outros
lugares. A palavra Cristo obviamente representa o evangelho que se
origina nEle e que Seus seguidores continuam proclamando.
Para provar a veracidade da ressurreição (vv. 5–8), Paulo
mencionou as numerosas vezes que Jesus apareceu depois de ter
ressuscitado e antes de subir ao céu. No texto grego, o tempo perfeito do
verbo levantar indica que a ressurreição de Cristo, que ocorreu no
passado, tem um significado permanente para o presente. Tendo
conquistado a morte, Jesus Cristo jamais terá que enfrentá-la de novo. A
frase dos mortos indica que o Pai levantou dos mortos a Jesus. O plural
mortos pode-se entender em sentido geral. Se é verdade que Deus
levantou Jesus dentre os mortos, também levantará dos mortos os crentes
no fim do tempo (1Co 6:14). Paulo insinua que todos os que creram em
Jesus participam de sua ressurreição (1Co 15:20–23).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 770
b. «Como dizem alguns de vós que não há ressurreição de
mortos?». Paulo afirmou que Cristo foi ressuscitado dos mortos. Agora
pergunta por que alguns coríntios negam a doutrina da ressurreição. Não
rejeitavam a doutrina, mas a reinterpretavam dizendo que a ressurreição
de Cristo foi espiritual. Ensinavam que com Cristo eles também tinham
sido ressuscitados dos mortos no dia em que foram batizados. Desta
forma, para eles a ressurreição era um assunto que já tinha acontecido e
algo que tinha uma importância transitória. Não criam que fosse uma
doutrina fundamental da fé cristã e, portanto, estavam em perigo de
separar-se da igreja.
Em outro lugar, Paulo escreve que entregou Himeneu a Satanás por
ter naufragado quanto à sua fé (1Tm. 1:19, 20). Himeneu e Fileto
negaram a doutrina da ressurreição corporal, destruindo a fé de alguns
crentes (2Tm 2:17, 18). 35 Não sabemos quantas eram as pessoas de
Corinto que questionavam esta doutrina, o que influência tinham na
igreja ou quais eram. À vista do longo discurso que Paulo atribui a esta
doutrina particular, supomos que estes coríntios eram influentes. 36
A filosofia grega tinha influenciado de tal forma estes membros da
igreja, que argumentavam que a alma (que é imortal) volta a Deus quem
a deu (Ec 12:7), mas que o corpo é mortal e que desce à tumba. Criam
que a alma se levanta para estar com Deus e desfrutar de vida eterna,
mas que o corpo é destruído. Esta é uma ideia truncada da ressurreição,
visto que Deus criou Adão com corpo e alma como um ser humano
completo. A alma e o corpo são criações de Deus e participam da
ressurreição de Cristo, quem ressuscitou dos mortos fisicamente, tal
como Paulo o provou com uma lista das aparições de Jesus (vv. 5–8).
Em contraste com o conceito filosófico grego que sustentavam alguns
35
Refira-se a George W. Knight III, The Pastoral Epistles: A Commentary on the Greek Text, série
New International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), pp. 109–112,
413–414; J. N. Vorster, «Resurrection Faith in 1 Corinthians 15», Neotest 23 (1989): 287–307.
36
Consulte-se Harris, Raised Inmortal, p. 15; From Grave to Glory, p. 190; R. A. Horsley, «‘How can
some of you say that there is no resurrection of the dead?’ Spiritual Elitism in Corinth», NovT 20
(1978): 203–31.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 771
coríntios, no capítulo 15 Paulo desenvolve uma perspectiva
escriturística. No seguinte versículo, apresenta um argumento que exibe
tanto contraste como lógica.
13. Mas se não h á ressurreição de m ortos, nem sequer Cristo
ressuscitou.
Se colocarmos os versículos 12 e 13 em colunas paralelas,
perceberemos que Paulo contrasta suas ideias:

Versículo 12 Versículo 13

Mas se se prega Mas se

que Cristo foi levantado não há ressurreição

dos mortos, de mortos,

como dizem alguns de vós

que não há nem sequer Cristo

ressurreição ressuscitou.

de mortos?

Com lógica irrefutável, Paulo contradiz a ideia errônea dos


coríntios, que criam que Deus ressuscita a alma porém não o corpo. Se
alguém sustenta a ressurreição espiritual da alma mas nega a ressurreição
corporal, surge a conclusão inevitável que o corpo de Cristo ainda está
na tumba e que Sua obra redentora foi infrutífera. Por certo, Cristo não
veio à terra, morreu na cruz e ressuscitou dos mortos para Si mesmo,
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 772
37
mas pelo bem daqueles que redimiu. Um evangelho sem o dogma da
ressurreição não tem mensagem alguma de redenção.
Usando um negativo em cada uma das partes deste versículo, Paulo
escreve uma oração condicional contrária à realidade. A oração se não
há ressurreição de mortos contrasta com o fato de que há ressurreição.
Mas se os críticos negam este fato, então Paulo lhes mostra a iniludível
conclusão de que o corpo físico de Cristo tampouco se levantou da
tumba.
14. E se Cristo não ressuscitou, então nossa pregaç ão é em vão e
também a vossa fé é vã.
a. «E se Cristo não ressuscitou». Paulo escreve outra oração
condicional que contrasta o ensino errôneo com a realidade. Paulo afirma
que negar a ressurreição é ir contra toda a evidência pertinente que
estava disponível na igreja primitiva. Centenas de pessoas do tempo de
Paulo podiam testificar a respeito da ressurreição porque viram
pessoalmente o seu Senhor glorificado. À parte dos apóstolos, perto de
quinhentas pessoas viram o Senhor vivente no período entre a
ressurreição e a ascensão (vv. 5–8). Paulo podia dizer aos coríntios que
consultassem as testemunhas oculares. Até ele viu Jesus em caminho
para Damasco e por essa razão proclamava a mensagem do Senhor
ressuscitado.
b. «Então nossa pregação é em vão e também a vossa fé é vã». A
lógica do discurso paulino é irresistível. Argumenta que se Cristo ainda
está na tumba fora de Jerusalém, então o conteúdo de sua pregação não é
mais que palavras vazias e tanto ele como os outros apóstolos são uns
enganadores. Mais ainda, a fé daqueles que ouvem Paulo e seus
companheiros é vã. Nada bom tiram ele e os que o escutam, se o que
devem crer é uma mentira que é preciso perpetuar.

37
Cf. John Calvin, The First Epistle of Paul to the Corinthians, série Calvin’s Commentary, traduzido
por John W. Fraser (reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans, 1976), p. 318.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 773
Considerações doutrinais em 1Co 15:14
O soldado romano que feriu o lado de Jesus e viu sair dele sangue e
água, sabia que Jesus tinha morrido. O abatido corpo de Jesus estava
além da restauração e teve que ser sepultado. De modo que, de um ponto
de vista médico era impensável que o corpo de Jesus pudesse ressuscitar,
porque ninguém voltou do sepulcro. Alguns teólogos têm procurado
responder estas objeções médicas interpretando a palavra ressurreição
em sentido moderno. Explicam o termo de forma espiritual e dizem que
a ressurreição não é um fato objetivo em que Jesus saiu da tumba que
estava fora de Jerusalém. Dizem que não havia ninguém presente para
ser testemunha de que Jesus deixava o sepulcro, visto que os guardas
estavam como mortos (Mt 28:2–4). Concluem que a história de sua
ressurreição, que não pode ser verificada historicamente, não é parte da
história.
Estes teólogos interpretam a ressurreição como uma experiência
subjetiva que ocorre no coração dos crentes. Alegam que quando os
crentes ouvem e obedecem a Palavra de Deus, produz-se a ressurreição
em seus corações. 38 Admitimos que esta interpretação espiritual é
engenhosa, porque anula todas as objeções expostas pelos cientistas
modernos e os historiadores empiristas. Quando os pregadores
proclamam esta mensagem de ressurreição espiritual nenhum crítico
levanta objeções.
Mas a verdade é que esta mensagem identificou a doutrina da
ressurreição com a descrição da experiência de conversão do crente. Esta
interpretação espiritual não tem nada que ver com a ressurreição física de
Jesus e a de Seus seguidores. Na verdade, não tem nada em comum com
a doutrina expressa no Credo dos Apóstolos: «Creio na ressurreição do
corpo».

38
Willi Marxsen, The Resurrection of Jesus of Nazareth (Philadelphia: Fortress, 1970). Existe
tradução espanhola por editorial Sígueme (serie Pedal).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 774
Os que criticam a doutrina da ressurreição demandam que se
presente evidência dada por testemunhas que viram Jesus ressuscitar
fisicamente e deixar a tumba. Afirmam que devido ao fato de que o
Novo Testamento não entrega uma prova observável como a que pedem,
a fé cristã é duvidosa. Um deles até sugere a possibilidade de que os
arqueólogos em Jerusalém encontrem uma carta que Caifás pudesse ter
escrito a Pôncio Pilatos. Supõe-se que esta carta revelaria um plano
detalhado para mover da tumba o corpo de Jesus para colocá-lo num
lugar secreto. 39 Seria a fé cristã prejudicada seriamente se se encontrasse
uma carta como essa, e estaria a ponto de perder credibilidade?
A resposta é absolutamente não. Os crentes e os incrédulos partem
de pontos de vista totalmente distintos. Os cristãos aceitam pela fé os
ensinos da Bíblia, mas os não cristãos os rejeitam. Os cristãos creem na
doutrina da ressurreição de Cristo, mas os incrédulos a negam. Enquanto
para os incrédulos não é suficiente, para os cristãos é suficiente o
testemunho dos apóstolos que foram testemunhas da ressurreição de Seu
Senhor (At 1:22; 3:15). A Escritura dá a entender que quando Jesus
subiu ao céu, havia muitas pessoas que cumpriam o requisito para ser
apóstolo porque tinham sido testemunhas da ressurreição. A Escritura
ensina que pelo testemunho de dois ou três se estabelecerá a verdade (Dt
19:15).
Se Pilatos tivesse trasladado o corpo de Jesus a um lugar secreto, a
doutrina da ressurreição estaria fundamentada no testemunho falso de
apóstolos e numerosos crentes. Neste caso, Cristo seria um impostor,
Seus apóstolos enganadores e a igreja um fiasco. Mas a verdade é que o
próprio Cristo é a verdade e o mesmo ocorre com a Palavra de Deus (Jo
14:6; 17:17).

39
Donald W. Viney, «Grave Doubts About the Resurrection», Encounter 50 (1989): 127. Veja-se o
contraste em William L. Craig, Assessing the New Testament Evidence for the Historicity of the
Resurrection of Jesus, Studies in the Bible and Early Christianity 16 (Lewiston, NY: Queenston,
1989), p. 396; Gary R. Habermas, «Jesus Resurrection and Contemporay Criticism: An Apologetic
(Part II)», CrisTheolRev 4 (1990): 373–85.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 775
15. Ainda mais, seríam os tidos co mo falsas testemunhas de Deus,
porque em contradição c om Deus estaríamos testificando que ele
ressuscitou a Cristo, a quem não re ssuscitou, se é que os mortos não
ressuscitam.
a. «Ainda mais, seríamos tidos como falsas testemunhas de Deus».
Paulo de maneira nenhuma terminou sua análise lógica. Tem muito mais
que dizer, visto que enfaticamente afirma que de ser falsa a ressurreição
de Cristo, Paulo e seus colegas seriam «uns impostores da pior índole». 40
Seriam qualificados como testemunhas falsas que espalham mentiras e
que enganam as pessoas crédulas. Não só isso, estariam dando um
testemunho falso a respeito de Deus, sendo declarados culpados em sua
presença.
A frase falsas testemunhas de Deus pode ser tomada como um
genitivo objetivo ou subjetivo. No primeiro caso, pode querer dizer que
Paulo e seus colaboradores estavam falando mentiras a respeito do que
Deus fez em Cristo. No segundo caso, poderia significar que o próprio
Deus os enviou a pregar e praticar o engano. Das duas interpretações, só
a primeira é aceitável: Deus não envia pessoas para O representarem
com enganos. Portanto, a frase em questão é um genitivo objetivo e
implica que se a ressurreição de Cristo é uma mentira, então os que o
proclamam como um dogma são uns mentirosos. Esta gente deveria
comparecer como impostores diante do tribunal de Deus. Estão na
mesma categoria que os falsos profetas do Antigo Testamento (Dt
18:20–22) e os falsos apóstolos no Novo Testamento (1Jo 5:10; 2Jo 10).
b. «Porque em contradição com Deus estaríamos testificando que
ele ressuscitou a Cristo». O conceito de falar contra alguém é
terminologia legal. É usado quando uma testemunha jura que seu
testemunho é a verdade. 41 A verdade está em jogo, porque ou Deus
ressuscitou dos mortos a Jesus ou, se a ressurreição não teve lugar, Paulo
e todos seus colaboradores pregam uma mentira e falam contra Deus.
40
Godet, First Corinthians, p. 773.
41
Consultar Robertson, p. 607.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 776
Mas por que promulgariam o engano, estariam preparados a sofrer e
morrer por uma mentira e reconhecer que deviam comparecer diante do
Deus da verdade?
c. «A quem não ressuscitou, se é que os mortos não ressuscitam».
Na tradução, a última parte do versículo 15 repete o dito no versículo 13.
A ressurreição de Jesus está inseparavelmente unida à ressurreição dos
mortos. Esta verdade consola o crente cuja esperança está em Cristo.
Como é que esta verdade consola o crente? Um catecismo do século
dezessete responde:
Que não só minha alma
depois desta vida será levada no mesmo instante
a Cristo, sua Cabeça, mas também esta minha carne,
sendo ressuscitada pelo poder de Cristo,
será de novo unida à minha alma
e feita conforme o glorioso corpo de Cristo. 42
16. Porque se os mort os não ressuscitam, tampouco Cristo
ressuscitou.
Este versículo também reitera o dito no versículo 13 (veja-se o v.
14). Repete-se para advertir os leitores das consequências de negar a
doutrina da ressurreição de Cristo. Os que negam esta doutrina tratam a
Deus como mentiroso e os apóstolos como testemunhas falsas. Mas esta
gente tem que notar que terão que comparecer diante do trono do juízo
de Deus para dar conta do que têm dito.
17. E se Cristo não foi ressusci tado, vossa fé não te m valor e aind a
estais em vossos pecados.
O versículo 17 é uma continuação do versículo precedente, Paulo
estende sua lógica avassaladora para que os destinatários percebam dos
resultados de negar a ressurreição. Passo a passo lhes revela as
implicações espirituais desta negação.

42
Catecismo de Heidelberg, pergunta 57.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 777
Paulo se dirige aos coríntios usando a segunda pessoa plural. O que
diz é: «se vós negais a ressurreição de Cristo, então notai que vossa fé
não vale nada» (cf. v. 2). No versículo 14, o apóstolo usou o adjetivo vã,
mas aqui diz «não tem valor». A diferença é que o adjetivo grego kenē
(=vão, inútil) indica algo vazio, enquanto o adjetivo grego mataia (=sem
valor) conota a ideia de algo sem propósito. 43
Quais são as ramificações de uma fé sem valor? Por um lado, se
Cristo não ressuscitou da tumba, está morto; e um Cristo morto não é
capaz de justificar os crentes, o que quer dizer que os crentes
permanecem em seus pecados. Tiramos a conclusão inevitável de que a
justificação dos crentes está totalmente fundada na ressurreição de Jesus
Cristo. 44 Sem o Cristo ressuscitado não há justificação, sem justificação
não há fé viva, e sem fé não há perdão de pecados. Paulo confronta os
coríntios que rejeitam a ressurreição de Cristo e de fato lhes diz que: «Se
permaneceis em vossos pecados, vossa fé não serve absolutamente, não
mostrais nenhum sinal de ser parte do povo santo de Deus, e não sois
salvos»
No entanto, Paulo escreveu que os coríntios foram santificados em
Cristo Jesus, que serão fortalecidos até o final e que foram chamados à
comunhão com Deus (1Co 1:2, 8, 9). Mais ainda, Paulo lhes disse que
foram lavados, santificados e justificados no nome de Jesus mediante o
Espírito de Deus (1Co 6:11). Seus pecados foram perdoados; foram
santificados e feitos justos em Cristo Jesus. Paulo não se contradiz
quando escreve esta carta. Antes, quer que os coríntios entendam sua
lógica e percebam o erro em que estão. Devem captar o efeito que tem
em suas vidas espirituais o fato de negar a ressurreição de Jesus e,
portanto, arrepender-se. Paulo quer que tenham a segurança de ter sido

43
Trench, Synonyms of the New Testament, pp. 191–192.
44
Richard B. Gaffin, Jr., The Centrality of the Resurrection: A Study in Paul’s Soteriology (Grand
Rapids: Baker, 1978), p. 124; Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A Commentary on the First Epistle to
the Corinthians, editado por George W. MacRae e traduzido por James W. Leitch, Serie Hermeneia:
A Critical and Historical Commentary on the Bible (Philadelphia: Fortress, 1975), p. 266.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 778
redimidos por Jesus Cristo, quem morreu e ressuscitou por eles. Quer
que saibam que com base na ressurreição de Jesus foram justificados e
santificados.
18. Assim também, os que dormiram em Cristo pereceram.
Paulo chega à conclusão de seu argumento lógico, o que introduz
com a expressão grega ara, a qual neste versículo quer dizer «como
resultado». Pede a seus leitores que reflitam num ponto que tem que ver
uma geração de crentes que já passou. Fala dos que dormiram, expressão
que no Novo Testamento é um eufemismo que se usa com frequência
para falar dos que morreram. 45 Em português evitamos usar o verbo
morrer usando falecer. O eufemismo do Novo Testamento não se refere
a que a alma dorme, mas que o corpo físico espera na tumba o dia da
ressurreição. Contudo, no presente texto a expressão dormir em Cristo
aplica-se aos cristãos que ao morrer criam que entrariam em céu para
estar eternamente com Jesus. Os coríntios criam que quando Jesus voltar
a alma não estará mais separada do corpo (1Ts 4:16).
Paulo diz a seus leitores que se uma pessoa negar a ressurreição, a
conclusão lógica é que os que morreram em Cristo estão perdidos. Se
Cristo não Se levantou dos mortos, então Deus condenará as pessoas ao
castigo eterno por causa de seus pecados. Jamais entrarão no céu para
estar na presença de Deus. Por último, seus corpos permanecerão para
sempre na tumba. Cortados da presença do Deus vivo, pereceram. Se os
coríntios que negarem a doutrina da ressurreição afirmam que aqueles
que morreram estão com Jesus, eles se contradizem. Negar a ressurreição
significa que todos pereceram, inclusive Jesus.
No entanto, os coríntios creem que seus seres amados morreram em
Cristo. Paulo os força a perceber quão falacioso é o seu pensamento.
Devem entender que se os crentes morrerem em Cristo, o próprio Cristo
os recebe no céu. Como resultado, Jesus ressuscitou dos mortos e está

45
Veja-se o texto grego de Mt 27:52; Jo 11:11, 12; At 7:60; 13:36; 1Co 7:39; 11:30; 15:6, 18, 20, 51;
1Ts 4:13–15; 2Pe 3:4.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 779
com vida. A morte é incapaz de romper o vínculo que existe entre Cristo
e os crentes ao longo de toda sua vida terrestre. 46 Esse vínculo se
mantém no além e perdura pela eternidade (cf. Rm 6:11).
19. Se p ara esta vid a só te mos posto nossa esperança e m Cristo,
somos os mais desventurados de todas as pessoas.
A sintaxe deste versículo suscita interpretações que surgem do lugar
e significado do advérbio só. Notemos as seguintes considerações:
Primeiro, o texto grego tem a palavra só no final da primeira oração
e o conecta com o verbo temos posto nossa esperança. As versões em
português evitam esta volta, mas a New American Bible reflete esta
construção: «Se só esperamos em Cristo nesta vida, somos os mais
desventurados de todos os homens». Esta tradução faz com que Paulo
afirme que os coríntios cometeram um erro ao colocar sua esperança só
em Cristo. Não há dúvida que não quer dizer que os crentes deveriam
colocar sua confiança também nos homens (veja-se Sl. 146:3).
Tampouco insinua que os cristãos deveriam concentrar sua atenção em
Jesus (Hb 12:2) para a vida no além e despreocupar-se com a vida
presente. Afinal de contas, o que é que Paulo sublinha neste versículo
que conclui a presente seção? A segunda interpretação o esclarece.
Se colocarmos o advérbio só depois «para esta vida» e antes de
«pusemos nossa esperança em Cristo», o advérbio controla toda a
primeira oração. 47 Neste caso a tradução limita decisivamente nosso
relacionamento com Jesus Cristo para esta vida, colocando-O a um nível
horizontal em vez de vertical. Por conseguinte, nosso relacionamento
com Cristo cessa quando a morte termina com nossa vida física, e
carecemos da esperança da ressurreição.

46
Ridderbos, Paul, p. 506.
47
C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the Corinthians, na série Harper’s New
Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper and Row, 1968), p. 350; Leon Morris, 1
Corinthians, edição revisão, na série Tyndale New Testament Commentaries (Leicester: Inter-Varsity;
Grand Rapids, 1987), p. 208.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 780
Paulo sublinha a expressão temos posto nossa esperança mediante
uma construção na qual usa um particípio grego em tempo perfeito, o
que talvez se traduz melhor por: «estivemos pondo nossa esperança». O
tempo perfeito descreve uma ação que teve lugar no passado e que
continua no presente. Desde que se converteram até o dia de sua morte,
os coríntios que morreram tinham estado vivendo com base em esta
esperança. 48 Quando morreram, essa esperança não se fez realidade, e
porém se converteu em desilusão. Paulo afirma que quando a esperança
se desvanece, os crentes são enganados e são as pessoas mais
desventurada. Como os incrédulos vivem sem esperança, buscam tirar o
melhor proveito da vida presente. Os crentes, pelo contrário, esperam a
restauração de todas as coisas no mundo vindouro. Se sua esperança se
desvanecer ao morrer, são os mais infelizes do mundo. 49

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:12–19


Versículos 12–14
_κ νεκρ_ν — «dos mortos». Sem o artigo definido νεκροί quer
dizer mortos em geral; com o artigo aponta a cristãos que morreram. 50
_ν _μί τινες — a preposição _ν comunica uma ideia partitiva:
«alguns de vós».
ε_ — as orações condicionais dos versículos 13–18 indicam um
evento contrário aos atos. Em sucessão, as orações condicionais
desenvolvem um raciocínio lógico na apresentação de Paulo. 51

48
Cf. Geerhardus Vos, The Pauline Eschatology (1930; reimpresso por Phillipsburg, NJ: Presbyterian
and Reformed, 1986), p. 31.
49
O livro pseudepígrafo 2 Bar. 21:13 reflete um pessimismo similar: « Porque se a única coisa que
existe é esta vida, a que todos possuem aqui, nada poderia ser mais amargo que isto». James H.
Charlesworth (editor), The Old Testament Pseudoepigrapha, 2 vols. (Garden City, NY: Doubleday,
1983), vol. 1, p. 628.
50
Joachim Jeremias, «‘Flesh and Blood cannot inherit the Kingdom of God’ (1 Cor. XV.50)», NTS 2
(1955–56): 155–56; BDF § 254.2.
51
BDF § 372.2b
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 781
_νήργεται — veja-se o dito quanto ao versículo 4.
κενόν — «vazio, vão». O adjetivo está em posição enfática: «Então
vazia é a nossa pregação e vazia a vossa fé».
_μώ — alguns manuscritos gregos importantes registram _μώ
(=nossa), mas o contexto demanda «vossa fé», para equilibrar «nossa
pregação». 52

Versículo 15
κατά — com o genitivo το_ θεο_, a preposição dá a ideia de contra
Deus.
ε_περ — neste composto, a partícula -περ coloca um acento urgente
sobre ε_ (=se), conjunção que introduz a oração condicional: «se, como
dizem, é verdade que …». 53
_γείρονται — Paulo usa o tempo presente da voz passiva para
explicar que o agente implícito é Deus, quem levanta os mortos.

Versículos 18–19
κοιμηθέντες — é o particípio aoristo passivo de κοιμάω (=dormir,
falecer, morrer) denota ação simultânea com o verbo principal perecer.
μόνον — «só». Nigel Turner observa: «Nesta oração, o advérbio
monon aparece, não diante das palavras ‘nesta vida’, mas depois do
verbo, por certo depois de toda a oração. Não se quer formar um
contraste entre ter fé enquanto estamos neste mundo e tê-la no outro. O
contraste é, antes, entre ter só fé e ter uma fé que vem apoiada pela
realidade da presente vida ressuscitada de Cristo». 54

52
Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição corrigida
(Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), pp. 567–568.
53
BDF § 454.2.
54
Nigel Turner, Grammatical Insights into the New Testament (Edimburgo: T & T Clark, 1965), pp.
113–114.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 782
_λεεινότεροι — o adjetivo comparativo _λεεινός (=digno de
compaixão) usa-se como superlativo: «os mais miseráveis».

b. A realidade da ressurreição. 1Co 15:20–22

(1) Em Adão e em Cristo. 1Co 15:20–22


20. Mas agora, Cristo foi ressuscitad o dos mortos, ele é os primeiros
frutos daqueles que dormiram.
a. «Mas agora». As primeiras duas palavras deste texto são
importantes. A primeira é o adversativo mas que muda de uma série de
afirmações negativas sobre a ressurreição (vv. 12–19) ao testemunho
positivo sobre Cristo ressuscitado dos mortos. Depois de ter escrito sete
orações condicionais para demonstrar os resultados que vêm por negar a
ressurreição, Paulo abandona o ensino contrário de alguns coríntios para
concentrar-se na doutrina consistente da igreja cristã: o dogma da
ressurreição de Cristo.
A segunda palavra é agora, a qual indica uma referência temporal,
uma conclusão lógica ou, como no presente versículo, ambas as coisas.
Para Paulo, a ressurreição de Cristo foi um fato histórico com profundas
e permanentes implicações. Deus o Pai ressuscitou a Cristo Jesus para
conseguir a restauração de Seu povo. O contrário, o advérbio agora
assinala a conclusão lógica da longa discussão de Paulo a respeito da
negação da ressurreição que alguns coríntios defendiam. 55
b. «Cristo foi ressuscitado dos mortos». Este testemunho breve
resume um fato incontrovertível que está enraizado na história e que é
básico para a fé cristã: Cristo ressuscitou. A evidência que Paulo
esgrimiu na primeira parte deste capítulo é suficiente para os crentes: a
tumba vazia e as aparições (veja-se os vv. 3–8). Embora os incrédulos
zombem, os cristãos não necessitam provas adicionais desta verdade
histórica que em suas mentes é irrefutável (veja-se At 3:15; 26:23).

55
BADG traduz as palavras gregas nuni de «mas, de fato» (p. 546).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 783
Paulo repete o que escreveu no versículo 12. Ali pôs a afirmação na
forma de uma condição: «se se prega que Cristo foi levantado dos
mortos», mas aqui a constrói como uma declaração que narra um fato
histórico. No versículo 12 expôs a pergunta teológica de que alguns
coríntios negavam este fato, enquanto ele mesmo testemunhava sua
veracidade. 56 Aqui reitera positivamente a verdade da ressurreição; sabe
que só alguns dos coríntios negam a ressurreição de Cristo. Talvez os
leitores não entenderam as implicações desta doutrina redentora, mas
depois do extenso discurso que Paulo deu sobre o tema, agora serão
capazes de notar a profunda importância deste ensino.
Permanece a interrogante de se Paulo agora exclui os que negam a
ressurreição de Cristo ou se ele se dirige a todos os coríntios. Continua
seu discurso dirigindo-o aos que rejeitavam o seu ensino ou agora só se
dirige aos que a aceitam? 57 A presente seção (vv. 20–28) não dá nenhum
sinal de que esteja excluindo alguém. De fato, depois de ter discutido a
fundo as consequências negativas de negar a ressurreição, Paulo convida
todos os seus leitores a examinar os aspectos positivos de confessar esta
doutrina.
c. «Ele é os primeiros frutos daqueles que dormiram». No texto
grego esta oração é uma afirmação direta de só três palavras e, no
entanto está carregada de significado. Paulo dá por sentado que seus
leitores conhecem o que o Antigo Testamento ensina sobre as primícias
ou primeiros frutos. Estes eram a primeira coisa que se colhia e que o
povo oferecia a Deus em reconhecimento de sua fidelidade por haver
provido frutos no tempo requerido. Moisés mandou que os israelitas
oferecessem um feixe do primeiro grão que se colha, e isto devia
realizar-se diante do Senhor no dia seguinte ao sábado que vinha depois
da festa da páscoa (Lv 23:9–11). Exatamente sete semanas depois,
deviam apresentar ao Senhor uma oferta de grão novo (Lv 23–17; veja-
56
Jan Lambrecht, «Paul’s Christological Use of Scripture in 1 Cor. 15.20–28», NTS 28 (1982): 503.
57
Para uma discussão, veja-se William Dykstra, «1 Corinthians 15:20–28, An Essential Part of Paul’s
Argument Against Those Who Deny the Resurrection», CTJ 4 (1969): 195–211.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 784
se também Dt 26:1–11). Um tempo depois, Israel foi chamado primeiros
frutos ou primícias (Jr 2:3). Paulo aplica esta expressão aos primeiros
convertidos da Ásia Menor ocidental e ao sul da Grécia respectivamente
(Rm 16:5; 1 Cor. 16:15). Os 144.000 redimidos da terra são oferecidos
como primícias a Deus (Ap 14:3; cf. Tg 1:18). 58
A expressão primeiros frutos nos diz que o primeiro feixe da
colheita de grão que se aproxima será seguida pelo resto dos feixes.
Cristo converteu-se nas primícias por Sua ressurreição, e garante a todos
os que Lhe pertencem que eles também participarão de Sua ressurreição.
Paulo descreve as pessoas que pertencem a Cristo como aqueles que
dormiram. Não menciona a ressurreição de Jesus com referência aos
aspectos temporais ou religiosos das páscoa judaica. O que quer dizer é
que a ressurreição de Cristo é a quota inicial para o Seu povo (v. 23) ou
sua garantia (2Co 1:22). Cristo não é os primeiros frutos dos que foram
ressuscitados, mas dos que morreram. 59 Por certo, nenhum ser humano
foi ressuscitado física e permanentemente dos mortos. Os filhos da viúva
de Sarepta e os da sunamita morreram alguns anos mais tarde. O mesmo
ocorreu com a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Só Cristo
conquistou a morte e ressuscitou totalmente dos mortos. Todos os outros
deverão esperar até que seus corpos ressuscitem no dia indicado. 60
21, 22. Pois pelo fat o de que por meio de um home m veio a morte,
também por meio de um home m veio a ressurreição dos mortos. Porque
assim como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão
devolvidos à vida.
Notemos os seguintes pontos:
a. Paralelos. Nestes dois versículos, Paulo escreve usando o típico
paralelismo hebraico, o que lhe permite conectar ao ser humano e à
morte na primeira oração e ao ser humano e à ressurreição na segunda.

58
Cf. também Rm 8:23; 2Ts 2:13, NRSV.
59
Conzelmann, 1 Corinthians, p. 268.
60
Ralph P. Martin, The Spirit and the Congregation: Studies in 1 Corinthians 12–15 (Grand Rapids:
Eerdmans, 1984), p. 110.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 785
Faz uma comparação entre Adão e Cristo, e faz notar que a morte veio
por meio de Adão, mas que a vida vem por meio de Cristo. As orações se
apoiam mutuamente, e em cada versículo a segunda é mais longa que a
primeira.

Pois pelo fato de que também

por meio de um homem veio por meio de um homem veio

a morte, a ressurreição dos mortos.

Porque assim como assim também

em Adão todos em Cristo todos

morrem, serão devolvidos à vida.

a. Uma alusão. As palavras pois pelo fato de que expressam uma


causa; são o conectivo entre o versículo precedente (v. 20) e esta
passagem. As palavras explicam como entrou a morte no mundo.
Paulo alude ao Antigo Testamento e em particular a Gênesis 3:17–
19, o que narra que devido ao pecado de Adão e Eva sua descendência
caiu presa da morte. O grego usa a preposição dia (por meio de) para
mostrar que o homem é o agente responsável pela entrada da morte no
mundo. Agostinho o expressou desta maneira:

Antes da Queda, Adão era capaz de pecar ou não pecar;


depois da Queda, já não era capaz de não pecar.

Isto quer dizer que em seu estado de pureza, Adão tinha a


capacidade de não pecar, e através de sua obediência poderia ter
recebido a imortalidade. Mas por sua desobediência, ele e a raça humana
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 786
receberam a pena da morte (Gn 2:17; 3:19). Cristo viveu em obediência
e sem pecado, e assim conquistou a morte para o bem de todo Seu povo.
No versículo 21, o grego omite não só o verbo, mas também todos
os artigos definidos, a fim de sublinhar a qualidade abstrata dos
substantivos homem, morte, ressurreição e mortos. Paulo recalca que a
morte entrou no mundo por causa do pecado cometido por um homem. E
uma vez que a morte foi produzida por um ser humano, só poderá ser
destruída através de outro ser humano (cf. Rm 5:12, 18). A contraparte
da morte é a ressurreição, a qual foi cumprida em Cristo, quem triunfou
sobre a morte. Ele é agora capaz de libertar das cadeias da morte os que
creem nEle.
c. Significado. O conceito da ressurreição centraliza-se em Jesus
Cristo, quem como Deus e homem conquistou a morte, levantando-Se
vitorioso da tumba. Embora a ressurreição de Cristo já teve lugar, a do
Seu povo ainda espera.
Paulo coloca a preposição em diante do nome Adão e diante do
nome Cristo. Por meio disso indica que Adão é a cabeça da raça humana
e que Cristo é a cabeça do povo de Deus. O texto grego tem o artigo
definido diante de cada nome, para confirmar que aponta a personagens
históricos. 61 A declaração «assim como em Adão todos morrem, assim
também em Cristo todos serão devolvidos à vida», usa o tempo presente
na primeira oração e o tempo futuro na segunda. O tempo presente indica
a contínua experiência da morte, enquanto o tempo futuro aponta à firme
promessa da ressurreição.
O adjetivo todos não deve ser interpretado como se Paulo ensinasse
uma salvação universal. Muito pelo contrário, o significado do versículo
22 é que todos os que por natureza têm sua origem em Adão morrem, e
de forma semelhante todos os que pela fé estão incorporados em Cristo

61
Archibald Robertson e Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the First Epistle
of St. Paul to the Corinthians, na série International Critical Commentary, 2ª. ed. (1911; reimpresso
por Edimburgo: T & T Clark, 1975), p. 352.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 787
62
serão vivificados. Enquanto toda a humanidade enfrenta a morte por
causa do pecado de Adão, só os que estão em Cristo recebem a vida por
causa de sua ressurreição. O Novo Testamento ensina que a expressão
dar vida refere-se só aos crentes e não aos incrédulos. 63 Paulo explica a
ressurreição de Cristo e Seu povo, porém não a dos pagãos.
Haverá uma ressurreição geral? Assim é, os crentes serão
ressuscitados para vida eterna e os incrédulos para vergonha e desprezo
eternos (Dn 12:2). Além disso, Jesus disse: «Os que fizeram o bem
ressuscitarão para ter vida eterna, mas os que praticaram o mal
ressuscitarão para ser julgados» (Jo 5:29).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:20–22


Versículo 20
_παρχή — sem o artigo definido, a expressão os primeiros frutos
(ou: primícias) expressa a qualidade da vida ressuscitada de Cristo.
τ_ν κεκοιμημένων — este é o particípio perfeito passivo do verbo
κοιμάω (=dormir). Com o artigo definido aponta a todos aqueles que
morreram crendo em Cristo e cujos corpos esperam o dia da ressurreição
(cf. v. 18).

Versículos 21–22
_πειδ_ γάρ — «Pois pelo fato de que» (veja-se 1:21). A conjunção
γάρ conecta o versículo 21 com a passagem precedente.
_νάστασις — «ressurreição». Este substantivo se deriva de _νίστημι
(=ficar de pé), não de _γείρω (=levantar-se). «Um estudo mais cuidadoso
amostra que egeirō, especialmente quando aparece na voz passiva, é
usado predominantemente para o que ocorreu no domingo de
ressurreição, para indicar o levantamento à vida do Crucificado,

62
Ridderbos, Paul, pp. 340–341; Vos, Pauline Eschatology, pp. 240–241.
63
P. ex., Jo 5:21; 6:63; Rm 4:17; 8:11; 1Co 15:45.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 788
enquanto anhistēmi e anastasis referem-se mais especificamente às
ressurreições que Jesus realizou em Seu ministério terrestre e à
ressurreição universal e escatológica». 64
πάντες — «todos». O adjetivo aparece duas vezes depois dos nomes
de Adão e de Cristo respectivamente. As frases preposicionais em Adão
e em Cristo limitam o alcance do adjetivo, de tal forma que todos os que
estão em Adão enfrentam a morte e todos os que estão em Cristo
recebem a vida através dEle. A preposição _ν quer dizer «dentro da
esfera de».
ζ_οποιηθήσονται — «serão devolvidos à vida». Este futuro passivo
revela que Cristo é o agente que ressuscita os crentes e que o
acontecimento ocorrerá no futuro.

(2) A vinda do Senhor. 1Co 15:23–28


23, 24. M as cada um em sua devid a ordem: Cristo é os primeiros
frutos, logo os que s ão de Cristo, em sua vinda. Então vem o fim, quando
entregar o reino a Deus, o Pai, depois de ter abolido todo domínio, e toda
autoridade e poder.
a. «Mas cada um em sua devida ordem: Cristo é os primeiros
frutos». Nesta oração, a primeira palavra mas é uma forma suave de
adversativo. Explica a sequência daqueles que serão devolvidos à vida
por Cristo. Paulo também usa a palavra grega tagma, que em outros
lugares refere-se à companhia de soldados. Aqui, no entanto, não tem
conexão alguma com a milícia. Seu significado é «posição», «ordem».
Cristo é o primogênito dos que ressuscitam e tem a supremacia (Cl 1:18).
Além disso, também é o primeiro na sequência temporal. Primeiro
ressuscita Cristo, e depois os que Lhe pertencem receberão um corpo
glorificado. 65 Outra vez, Paulo chama Cristo com a expressão primeiros

64
Lothar Coenen, NIDNTT, vol. 3, p. 276.
65
«O problema principal em 1 Coríntios 15 é a ressurreição dos crentes, quem recebe um novo
corpo». Gerhard Delling, TDNT, vol. 8, p. 32.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 789
frutos (v. 20) para destacar o fato de que a colheita completa ocorrerá a
seu devido tempo. Cristo o primeiro na ressurreição, será seguido pela
multidão incontável dos que Lhe pertencem.
b. «Logo os que são de Cristo, em sua vinda». Paulo menciona duas
categorias: Cristo e Seu povo. Cristo está sozinho na primeira
classificação e todos os crentes estão na segunda. A ressurreição de Seu
povo é realizada em duas etapas: primeiro os mortos em Cristo se
levantarão de suas tumbas, e então os crentes que estiverem com vida
serão transformados (1Ts 4:16, 17). Mas notemos que Paulo nada diz da
ressurreição dos incrédulos, mesmo quando toda a Escritura afirma que
eles serão ressuscitados para vergonha e desprezo eternos (Dn 12:2; Jo
5:29).
No contexto subsequente, Paulo revela que quando Cristo voltar, os
crentes serão transformados: «Olhem, digo-vos um mistério: nem todos
dormiremos, mas todos seremos transformados num momento, num abrir
e fechar de olhos, à trombeta final. Porque soará a trombeta, e os mortos
ressuscitarão incorruptíveis e seremos transformados» (vv. 51, 52). Em
suma, como Cristo foi ressuscitado, todo o Seu povo que estiver vivo ou
morto no momento de sua vinda será vivificado e glorificado.
c. «Então vem o fim». A primeira oração do texto grego carece de
verbo, e é a pessoa que tem que completar a ideia. Pode-se suprir os
verbos «vem» ou «virá». O fim ocorrerá depois que o povo que Cristo
redimiu tiver ressuscitado.66
Com a palavra então Paulo não se refere à ressurreição de um
terceiro grupo, mas simplesmente ao fim. Em outras palavras, este
advérbio não sugere necessariamente um interlúdio entre a ressurreição
dos crentes e o fim do tempo. Por causa de sua brevidade, a oração então

66
Para estudos sobre o milênio, consulte-se Hans-Alwin Wilcke, Das Problem eines messianischen
Zwischenreichs bei Paul, ATANT 51 (Zürich and Stuttgart; Zwingli Verlag, 1967); Wilber B. Wallis,
«The Problem of An Intermediate Kingdom in 1 Corinthians 15:20–28», JETS 18 (1975): 229–42; C.
E. Hill, «Paul’s Understanding of Christ’s Kingdom in 1 Corinthians 15:20–28», NovT 18 (1988):
297–320.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 790
vem o fim não parece apoiar o ensino de um reino intermediário antes da
consumação do tempo. Antes, quer dizer, «depois de que tudo isso tiver
sucedido, chegará o fim ou seja a consumação da obra messiânica de
Cristo». 67 As palavras o fim não só sugerem «o último na sequência»,
mas também a conclusão da obra redentora que Cristo realizou por Seu
povo. 68
No livro apócrifo 2 de Esdras, a oração então vem o fim tem um
paralelo que fala de ressurreição e juízo: «A terra entregará os que
dormem nela … O Altíssimo será visto sentado no trono do juízo, e será
o fim de toda compaixão e paciência» (1Co 7:32, 33, REB; o itálico é
meu). O termo fim aponta à consumação do tempo. Como a expressão
aparece sozinha, entendemo-la em certo sentido absoluto. Paulo escreve
umas linhas adicionais para informar a seus leitores a respeito da obra de
Cristo no fim: Entregará o reino ao Pai; será suprimido todo governo,
autoridade e poder; será destruirá a morte e Se sujeitará a Si mesmo a
Deus, para que Ele seja tudo em todos.
d. «Quando entregar o reino a Deus, o Pai, depois de ter abolido
todo domínio, e toda autoridade e poder». Esta é a sintaxe do texto
grego, mas seu significado demanda que invertamos estas duas orações.
Cristo primeiro tem que suprimir os Seus inimigos antes de poder
entregar o reino ao Seu pai.
O verbo grego katargēo (=abolir) comunica a ideia de anular os
poderes dominantes, isto é, eliminando-os e colocando-os de lado. 69
Paulo enumera três categorias: todo domínio, autoridade e poder. Os
judeus usavam com frequência estas expressões para referir-se aos
demônios. Nas cartas de Paulo é o contexto o que deve determinar se se

67
Anthony A. Hoekema, La Biblia y el futuro (Grand Rapids: Libros Desafío, 1984) p. 212;
Ridderbos, Paul, pp. 557–558.
68
Martin, The Spirit and the Congregation, p. 117.
69
BAGD, p. 417.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 791
70
referem ou não aos poderes demoníacos. Uma vez que os crentes
tiverem ressuscitado, Cristo abolirá estas forças espirituais da maldade
(Ef 6:12). Destruirá o poder de todo governo, toda autoridade e poder
nos lugares celestiais, e o fará de uma só vez. Tendo realizado esta
proeza, entregará o reino ao Pai, o qual marca o fim.
Deus encomendou o reino ao Seu Filho para o período que começa
da vinda de Cristo até Sua segunda vinda. Quando Jesus disse: «É-Me
dada toda autoridade no céu e na terra» (Mt 28:18), pronunciava o Seu
discurso e coroação. Quando chegar o fim, Cristo entregará o reino a
Deus o Pai, depois de ter destruído todas as forças espirituais inimigas.
Desta forma, o reino de Cristo dura de sua própria ressurreição até a
ressurreição de todos os crentes; depois do que serão destruídos todos os
poderes malignos.
25. Porque ele deverá govern ar até que tenha p osto a tod os seus
inimigos debaixo de seus pés.
Paulo continua explicando o significado e extensão do governo de
Cristo por meio da conjunção porque. Paulo não só diz que Cristo
governa, mas também deve governar, com o que promove o conceito de
uma necessidade imposta por Deus. Dá a entender que Deus, o Pai deu a
Seu Filho o mandato tanto de reinar como de completar Seu plano divino
de redenção.
Ao longo de toda a sua correspondência com os coríntios, Paulo
baseou seu ensino nas Escrituras. Agora alude a um dos Salmos que fala
do reinado de Cristo: «Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés»
(Sl. 110:1; Mt 22:44)
A referência mostra a liberdade que Paulo tem para adaptar as
Escrituras. No Salmo, Davi representa a Deus falando com seu Filho e
revelando que Deus subjugará os inimigos para que sejam o estrado dos

70
Rm 8:38; Ef 1:21; 3:10; 6:12; Cl 1:16; 2:10, 15. Walter Grudmann escreve: «O termo dynameis tem
o fim de indicar o poder de forças angélicas e demoníacas», TDNT, vol. 2, p. 295; Werner Foerster,
TDNT, vol. 2, p. 573; Conzelmann, 1 Corinthians, p. 272.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 792
pés de Seu Filho. Mas Paulo edita o texto veterotestamentário para lhe
dar uma ênfase cristológica, e desta forma apresenta a Cristo como
aquele que subjuga a todos os Seus inimigos. Não se deve interpretar
esta passagem para sublinhar a obra de Deus ou de Cristo. O contexto
mostra que Deus e Cristo funcionam alternadamente como sujeitos dos
verbos nos versículos 20–28. 71
O reino universal de Cristo começa quando vitorioso levanta da
tumba em Seu estado de exaltação e termina quando de fato elimina o
poder de todos os Seus inimigos espirituais. Estes inimigos são todos as
forças espirituais que possuem governo, autoridade e poder (v. 24).
Pedro escreve que quando Cristo ascendeu, submeteram a Ele «os anjos,
a autoridade e os poderes» (1Ps. 3:22). Durante o reino de Cristo
continuam exercendo uma influência demoníaca até que o Senhor
suprima Seus poderes no fim do tempo.
Quando Cristo destruir o Seu último inimigo, a morte, terá entregue
já seu reino a Deus, o Pai. Por conseguinte, já não será necessário que os
anjos sirvam os crentes, visto que o povo de Deus terá recebido a
salvação plena (veja-se Hb 1:14). Durante o tempo do reino de Cristo,
continua o processo de conquista até que finalmente entre no estado
permanente do reino de Deus.
26. O último inimigo que será abolido é a morte.
Entre as forças hostis está a morte. Esta força governou e governa a
raça humana desde o tempo do pecado de Adão (ver Gn 2:17; 3:17, 19).
A morte é experimentada como um poder estranho à raça humana.
Tomou poder da raça humana quando Satanás induziu o homem a pecar.
A desobediência de Adão resultou em sua própria morte, a de sua esposa
e a de todos os seus descendentes. Mas através de Sua ressurreição Jesus
conquistou a morte e a abolirá na consumação.
O adjetivo último refere-se à morte, e quer dizer que a morte é o
último inimigo entre as forças demoníacas que exercem o governo, a

71
Fee, First Corinthians, p. 755, n. 44.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 793
autoridade e o poder sobre a humanidade (v. 24). Este domínio, no
entanto, será abolido quando todo o povo de Cristo tenha sido
ressuscitado e glorificado.
Paulo usa o verbo abolir na voz passiva, dando a entender que será
Deus quem termina com o poder desta força destrutiva. Deus ressuscitou
a Cristo e assegurou a Seus seguidores que eles também serão
ressuscitados. Se não há ressurreição, a morte continua fazendo exibição
de seu poder. Mas se há uma ressurreição de todos os crentes, então o
poder da morte terminará por completo.
Os coríntios que negavam a ressurreição não percebiam que Cristo
tinha triunfado sobre a morte, porque Ele tem as chaves da morte e da
tumba (Ap 1:18). Segundo o apóstolo João, tanto a morte como o Hades
serão lançados no lago de fogo, que é a segunda morte (Ap 20:14).
Quando o céu e a terra forem renovados, a morte já não existirá (Ap
21:4).
Os eruditos descobrem uma estrutura simétrica muito atrativa nos
versículos 24–28 (veja-se a ilustração mais abaixo). O versículo 26 (E) é
o centro. O versículo 25 (D) relaciona-se com o versículo 27 (D’), o 24
(C) com o versículo 27 (C’), o 24 (B) com o versículo 18 (B’) e o
versículo 24 (A) com o 28 (A’). 72 Os versículos que mostram um
paralelo reforçam uns aos outros reiterando seu significado.
No versículo 25 Paulo se refere ao Salmo 110:1, cuja mensagem é a
sujeição de todos os inimigos de Cristo debaixo de Seus pés. No
versículo 27 a mensagem se amplia para incluir tudo (com uma
fraseologia importada do Sl. 8:7). Além disso, a frase então vem o fim (v.
24) quer dizer que Deus é tudo em todos como governante supremo do
universo (v. 28).
(A) 24. Então vem o fim,
(B) quando entregar o reino a Deus, o Pai,
72
Veja-se a discussão dos seguintes autores, onde se encontrarão algumas variações, Wallis
«Intermediate Kingdom», pp. 229–242; Hill, «Christ’s Kingdom», pp. 297–320; e Jan Lambrecht,
«Structure and Line of Thought in 1 Cor. 15:23–28», NovT 32 (1990): 143–51.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 794
(C) depois de ter abolido todo domínio, e toda autoridade e poder.
(D) 25. Porque ele deverá governar até que tenha posto todos os
seus inimigos debaixo de seus pés.
(E) 26. O último inimigo que será abolido é a morte.
(D’) 27. Porque ele pôs todas as coisas debaixo de seus pés.
(C’) E quando [a Escritura] diz: «todas as coisas estão debaixo de
seu domínio», é claro que se exclui àquele que pôs todas as coisas
debaixo de seu domínio.
(B’) 28. E quando todas as coisas se sujeitem a ele, então até o
próprio Filho se sujeitará àquele que pôs tudo debaixo de seu domínio,
(A’) para que Deus seja tudo em todos.
27. Porque ele pôs todas as cois as debaixo de seus pés. E quando [ a
Escritura] diz: «todas as coisas estão debaixo de seu domínio», é claro que
se exclui àquele que pôs todas as coisas debaixo de seu domínio.
a. «Porque ele pôs todas as coisas debaixo de seus pés». Esta é uma
citação direta do Salmo 8, onde Davi canta a respeito da pureza que o ser
humano tinha antes da Queda. Deus vestiu a Adão com glória e honra e o
fez governar acima de toda a criação. Fez com que tudo se sujeite ao
homem ao que deu autoridade. Isto se vê no fato de que Adão põe nome
a todos animais e em que estes lhe obedecem sem temor (Gn 2:20).
Mediante a conjunção porque, Paulo mostra que Deus, quem
destruirá o poder da morte, permitiu que a morte entrasse na vida da raça
humana no princípio da história. O sujeito do Salmo citado é o próprio
Deus, e o propósito do Salmo é mostrar que Adão não tinha pecado antes
da Queda. A dura realidade do pecado minou a autoridade do homem, de
tal forma que o autor da epístola aos Hebreus observa que «ainda não
vemos que tudo lhe esteja sujeito. No entanto, vemos a Jesus, que foi
feito um pouco inferior aos anjos, coroado de glória e honra» (Sl. 2:8, 9).
Jesus, como segundo Adão, é as primícias de uma criação que se restaura
mediante a Sua obra mediadora. Portanto, bem como o escritor de
Hebreus, Paulo não se refere ao povo de Deus, que ainda não foi
totalmente restaurado, mas a Jesus Cristo, a quem Deus aperfeiçoou
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 795
mediante sofrimentos (Hb 2:10). Deus sujeitou tudo a Seu Filho Jesus
Cristo, incluindo a morte.
b. «E quando [a Escritura] diz: ‘todas as coisas estão debaixo de seu
domínio’». Deus colocou tudo sob os pés de Cristo (Ef 1:22), e não
deixou nada que não estivesse sujeito a Ele. O Salmo 8 só menciona
rebanhos e gado, aves e peixes, e as estrelas. Mas as palavras todas as
coisas abrangem tudo o que está no universo. Todo o bem deste mundo
glorifica a Jesus Cristo, e todo o mal terminará quando Ele destruir o seu
poder e influência. Por último, quando Cristo ressuscitou, a morte foi o
último poder maligno que teve que soltar as implacáveis cadeias com
que prendia a raça humana. Na ressurreição dos crentes será totalmente
anulada.
c. «É claro que se exclui àquele que pôs todas as coisas debaixo de
seu domínio». Deus deu tudo a Seu Filho, através de quem criou o
universo (Jo 1:3; Cl 1:16; Hb 1:2). Na criação, todas as coisas estão
sujeitas ao Próprio Criador. Portanto, é óbvio que o incriado Deus Pai,
quem comissionou a Seu Filho para criar o universo, não esteja sujeito a
Cristo. Durante o tempo que precede a ressurreição dos santos, Jesus
serve a Seu povo como um mediador que intercede por eles (Rm 8:34) e
que prepara um lugar para eles (Jo 14:3). Quando finalmente todas as
coisas se sujeitarem a Cristo, então entregará o reino a Deus, o Pai. Isto
marcará o termo da Sua obra mediadora.
28. E quando todas as coisas se sujeitarem a ele, então até o pr óprio
Filho se sujeitará àquele que pôs tudo debaixo de seu domínio, para que
Deus seja tudo em todos.
Esta é a conclusão que Paulo dá à doutrina da segunda vinda do
Senhor (vv. 23–28). A primeira parte da conclusão está em paralelismo
com a segunda parte do versículo 24, onde escreve que Cristo submete o
reino a Deus o Pai. No presente versículo, Paulo usa um verbo distinto
para expressar a mesma ideia. O verbo sujeitar aparece aqui três vezes
em três formas gregas diferentes.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 796
a. «E quando todas as coisas se sujeitarem a ele». Jesus Cristo
executa o papel de segundo Adão e serve como o governante nomeado
por Deus no universo. Os discípulos de Jesus se assombraram de que até
o vento e as ondas do lago da Galileia Lhe obedecessem (Mt 8:27). Os
demônios se submeteram a Ele quando Ele os exorcizou (veja-se, p. ex.,
Mt 8:28–34), e o próprio Satanás caiu do céu (Lc 10:18). Cristo é o
governante soberano em céu e terra. Quando todo poder adverso,
incluindo a morte, tiver sido posto como estrado de seus pés, terá
chegado o tempo para que o Filho entregue o reinado a Seu pai (v. 24).
b. «Então até o próprio Filho se sujeitará àquele que pôs tudo
debaixo de seu domínio». Deus fez com que tudo, no céu e na terra,
sujeite-se a Jesus Cristo, Seu Filho. Por conseguinte, Deus está no
controle completo do universo e delegou esta responsabilidade a Seu
Filho. O Filho procede eternamente de Deus, o Pai (Sl. 2:7) e confessa
que nada pode fazer por Si mesmo e que só pode realizar as coisas que
vê o Pai fazer (Jo 5:19).
Mas como pode o Filho estar sujeito ao Pai, e ao mesmo tempo ser
igual a Ele? Charles Hodge observa: «Em certo sentido está sujeito a Ele,
em outro sentido é igual a Ele. O filho de um rei poderia ser igual a seu
pai em todo atributo natural, mas oficialmente inferior. Assim também, o
eterno Filho de Deus pode ser igual ao Pai e, no entanto, estar
subordinado oficialmente». 73 Isto quer dizer que em Seu ofício de
redentor e mediador, Cristo está sujeito a Deus, o Pai. Quando tiver
terminado a tarefa que Deus Lhe encomendou, entregará o reinado a
Deus.
c. «Para que Deus seja em tudo em todos». Em certo sentido, o
significado desta cláusula é semelhante à que diz então vem o fim (v. 24).
Quando o Filho entregar o reinado a Deus, vem o fim. Nesse momento o
único governante soberano será o próprio Deus. Ele comissionou a Seu

73
Charles Hodge, An Exposition of the First Epistle to the Corinthians (1857; reimpresso por Grand
Rapids: Eerdmans, 1965), pp. 333–334.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 797
Filho e O vestiu de autoridade, a qual o Filho Lhe devolve ao terminar a
Sua obra. Assim, Deus é o máximo soberano.
Em outro lugar, Paulo conclui com uma bela doxologia que
descreve a soberania de Deus nestas palavras: «Porque todas as coisas
procedem dele, e existem por ele e para ele. A ele seja a glória para
sempre! Amém!» (Rm 11:36). A expressão todas as coisas é completa e
inclui tudo, sem exceção. O que é maligno terá que ser abolido para
sempre e o que é puro refletirá a glória de Deus.
A oração para que Deus seja tudo em todos repete um tema
teológico familiar da Escritura, o qual um dos profetas articula muito
bem: «O SENHOR será Rei sobre toda a terra; naquele dia, um só será o
SENHOR, e um só será o seu nome» (Zc 14:9; veja-se Dt 6:4; Is 43:11).

Considerações doutrinais em 1Co 15:23–28


A obra mediadora de Cristo chegará a seu fim quando lhe entregar o
reinado a Deus o Pai. Quando o Seu povo ressuscitar e for glorificado, já
não será mais Seu mediador, porque Sua obra redentora terá terminado.
O pecado terá sido erradicado completamente, Satanás e suas hordas
serão vencidas e enviadas ao inferno, e a morte será destruída. Então,
Cristo, quem com Seu corpo glorificado trouxe a terra ao céu, trará o céu
à terra quando todas as coisas forem renovadas.
A obra de redenção é mais ampla que a salvação das almas do povo
de Deus. Também seus corpos são redimidos e serão ressuscitados ou
transformados (no caso que estiverem com vida no último dia). Cristo
redimiu esta terra e tudo o que foi criado nela, e no final será renovada
junto com os céus. Por certo, todo este universo completo será
totalmente restaurado, para que Deus seja em tudo.
Quando Jesus voltar, levará a cabo a ressurreição de todos os
crentes, o juízo geral e a renovação dos céus e da terra. Como todos estes
acontecimentos ocorrem «às portas da eternidade», não se deveria
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 798
74
insistir numa cronologia exata. Isto ocorrerá quando a obra mediadora
de Cristo estiver completa, porque o Seu reinado termina quando
entregar o reino ao Seu pai.
Quando o reino for transferido do Filho ao Pai, isto não quer dizer
que Cristo deixa de ser o Filho de Deus. Ele sempre será o eterno Filho
de Deus. Quando o Filho sujeitar-Se ao Pai, isto não implica que já não
exercerá mais o Seu poder. Cristo continua sentado em Seu trono, mas
agora com os que Lhe pertencem. O Senhor não abdica Seu trono, mas
convida o Seu povo a sentar-se junto a Ele como juízes. 75 Jesus é o
irmão de todos os que redimiu (Sl. 22:22; Hb 2:12), mas sempre terá a
supremacia (Cl 1:18).

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:23–28


Versículos 23–24
ε_τα τ_ τέλος — «pelo fato de que em enumerações ε_τα com
frequência serve para pôr coisas em justaposição sem referir-se a uma
sequencia cronológica, em geral serve como uma palavra de transição:
além disso, então, logo». 76 O grego τ_ τέλος pode querer dizer «o resto»
dos que ainda não ressuscitaram, ou «por último», ou pode apontar à
«consumação final» de todas as coisas. Os eruditos preferem a terceira
interpretação que apresenta a frase como um substantivo. 77
καταργήσ_ — é o aoristo (de ação pontual) do verbo composto
καταργέω (=abolir, destruir), que tem o sentido perfectivo de realizar
algo de forma cabal.

74
Raymond O. Zorn, Church and Kingdom (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1962), p. 134.
75
Mt 19:28; Lc 22:30; Ap 3:21; 4:4; 20:4.
76
BAGD, p. 234.
77
Consulte-se Barrett, First Corinthians, p. 356.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 799
Versículos 25–26
δε_ … βασιλεύειν — o infinitivo governar está no tempo presente
precedido pelo verbo auxiliar δε_ (=é necessário). Este verbo expressa
compulsão ou dever, visto que Deus enviou o Seu Filho para levar a
cabo o Seu plano de redenção.
θ_ — Paulo muda o que se diz no texto original do Salmo, θ_ («eu
coloco»; Sl. 110:1), no qual Deus é o sujeito. Paulo muda o verbo para a
terceira pessoa singular e coloca a Cristo como sujeito.
καταργε_ται — o tempo presente do verbo tem uma conotação
futura, «abolirá» (cf. v. 24).

Versículos 27–28
πάντα — o contexto do Salmo 8 alude ao universo, enquanto
πάντας no versículo 25 refere-se aos inimigos de Cristo.
Neste ponto de seu discurso, Paulo deseja fazer alguns comentários
adicionais a respeito da ressurreição dos mortos. Dá a entender que
especialmente os coríntios que rejeitam esta doutrina são os que devem
pôr atenção ao que vai dizer. Paulo apresenta argumentos que têm que
ver com o batismo pelos mortos, o perigo físico, o relaxamento e a
corrupção de caráter. Infelizmente, não entrega muitos detalhes para seus
argumentos. Usando uma analogia moderna, poderíamos dizer que
quando estes versículos foram escritos levavam algumas nota de rodapé
que se perderam. Estas notas provavelmente ocorreram na forma de
explicações orais que Paulo entregou quando chegou a Corinto (1Co
11:34). Carecemos da informação necessária e, portanto, temos que
especular ao explicar o texto.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 800
c. Argumentos quanto à ressurreição. 1Co 15:29–34

29. De outra maneira, o que farão os que se batizam pelos mortos?


Se os mortos não ressuscitam, por que se batizam a seu favor?
Paulo agora aborda a prática dos que se batizam pelos mortos.
Confronta só aos poucos que praticam este rito, visto que usa a terceira
pessoa o que farão e não diz o que fareis. Conjeturamos que Paulo
denunciou tais práticas, e não existe evidência de que as igrejas do tempo
apostólico praticassem o batismo pelos mortos.
No terceiro século, Tertuliano comentou sobre este versículo e
observou que Paulo tinha condenado esta prática. Cem anos depois,
Crisóstomo descreve um procedimento insólito que seguiam alguns
marcionistas rebeldes que batizavam uma pessoa que tinha morrido
subitamente sem o sinal do batismo. Crisóstomo também condenou tal
prática e declarou que o rito dos marcionistas era supersticioso. 78
Através do tempo deram-se variadas e numerosas explicações do
versículo 29; muitas das quais se referem às expressões batizam pelos
mortos e se batizam a seu favor. Apesar de toda a exegese, não se pôde
obter uma explicação satisfatória. Não vou apresentar um resumo de
todas as propostas que se têm feito, mas sim só alguns dos tentativas por
esclarecer este texto.
1. Alguns membros da igreja eram batizados vicariamente pelos
crentes que tinham morrido sem ter recebido o sacramento do batismo.
Mas esta prática não teria razão de ser, visto que ao morrer os crentes são
glorificados imediatamente na presença do Senhor. O que ganhariam
com alguém batizar-se por eles?
2. A preposição grega hyper (=por) na frase pelos mortos,
interpreta-se como «sobre as tumbas dos mortos». Outra explicação
semelhante interpreta a preposição hyper como «a favor dos mortos».
Estas duas explicações apontam a batismos representativos. Mas a
78
Chrysostom, Homily 40.1 on 1 Corinthians; Tertullian, Against Marcion 5.10 e Resurrection of the
Flesh 48.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 801
prática de «batismos vicários requereria que pensássemos que os
coríntios criam que o batismo era um rito mágico, no pior dos casos, ou
um rito mecânico, no melhor dos casos». 79
3. Os não crentes que simpatizavam com crentes que tinham
morrido, pediam ser batizados por eles, esperando que assim
compartilhariam juntos na ressurreição. 80 Resta a pergunta de se estes
candidatos ao batismo realmente tinham fé em Jesus Cristo.
4. A frase se batizam pelos mortos é semelhante à outra «orando
pelos mortos» (veja-se Macabeus 12:40). 81 Mas os ensinos de Cristo e os
apóstolos jamais incluíram recomendações sobre orar pelos mortos.
Além da semelhança, estas duas expressões nada têm em comum.
5. A expressão se batizam não se interpreta literalmente, mas
figuradamente. Por exemplo, Jesus perguntou a Tiago e a João se eles
seriam capazes de beber o cálice que Ele havia de beber ou ser batizados
com o batismo que Ele havia de receber (Mc 10:38; veja-se também Lc
12:50). Jesus usou o conceito do batismo como uma metáfora que
apontava ao Seu iminente sofrimento e morte na cruz. Estará Paulo, de
forma análoga, comunicando um significado simbólico, de tal forma que
a expressão os mortos quer dizer morte? O texto, então, deveria ser
traduzido «se batizam por meio de experimentar a morte». Sem
menosprezar a importância da morte do mártir, parece-me que esta
interpretação se afasta muito da mensagem do texto.
6. Os catecúmenos que estavam prestes a morrer, pediam para ser
batizados. Já haviam aceito a Cristo pela fé, mas alguma enfermidade ou

79
Martin, The Spirit and the Congregation, p. 119; mas Jerome Murphy-O’Connor sugere que a frase
os que se batizam pelos mortos era uma forma que alguns coríntios tinham para zombar dos
sofrimentos que Paulo suportava por ser apóstolo (vv. 31–32). Veja-se seu «‘Baptized for the Dead’ (1
Cor., XV,29) A Corinthian Slogan?», RB 88 (1981): 532–43.
80
Robertson y Plummer, First Corinthians, pp. 359–360; Maria Raeder, «Vikariatstaufe in 1 Kor.
15:29?» ZNW 46 (1956): 258–60; Jeremias, «Flesh and Blood», pp. 155–156; J.K. Howard, «Baptism
for the Dead: A Study of 1 Corinthians 15:29», EvQ 37 (1965): 137–41.
81
Consulte-a literatura mencionada por Ethelbert Stauffer, New Testamente Theology (Londres: SCM,
1955), p. 299, n. 544.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 802
acidente que os tinham à beira da morte, forçava-os a solicitar o
batismo. 82 O problema é que esta é uma interpretação caprichosa da
preposição grega hyper.
7. Como último recurso, sugerem-se conjeturas. Uma hipótese é
emendar a última parte do texto do versículo 29, para ler «se batizam em
nosso favor», em lugar de «se batizam em seu favor» (o itálico é meu). O
uso da primeira pessoa plural cria um paralelo com o versículo 29: «Por
que estamos em perigo a cada momento?»
Outra hipótese é encontrar um verbo que em grego seja semelhante
ao verbo fazer, para mudar a expressão «o que farão?». Propõe-se que o
verbo grego seja crer, o que dá: «o que crerão?». Supõe-se que no texto
original dizia crer e que depois o texto foi mudado para fazer. 83
O problema é que as conjeturas são altamente subjetivas e não
devem ser estimadas mais do que são, simples sugestões. Por certo, seria
melhor admitir que o texto é obscuro e enigmático, que aceitar teorias
superficiais.
Voltemos ao texto e examinemos as suas orações individuais.
a. «De outra maneira, o que farão os que se batizam pelos mortos?».
A expressão de outra maneira chama a atenção ao segmento precedente
(vv. 20–28), o qual fala das implicações que a ressurreição de Cristo tem
para os crentes. Agora Paulo argumenta que se esta ressurreição não
fosse assim, que proveito tiram os que se batizam pelos mortos? O fato
de que estejam dispostos a batizar-se não tem nenhum sentido, se os
mortos não ressuscitarem da tumba. O tempo presente do particípio
grego (em se batizam) indica que os candidatos a esse batismo são
participantes ativos. Batizam-se por um grupo chamado «os mortos». No
grego, a regra geral é que sem o artigo definido, a expressão os mortos

82
Calvin, 1 Corinthians, p. 330.
83
Jean Héring escreve, «Pensamos que o apóstolo ditou ‘pisteousin’ = ‘o que creem os que se batizam
pelos mortos’, um verbo que um escriba facilmente poderia ter mudado a ‘poiesousin’». Veja-se seu
The First Epistle of Saint Paul to the Corinthians, traduzido por A.W. Heathcote e P.J. Allcock
(Londres: Epworth, 1962), p. 171.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 803
aponta aos mortos em geral. Porém com o artigo definido em grego, a
frase os mortos refere-se aos cristãos que morreram. 84 Por conseguinte,
Paulo está pensando nos crentes que esperam o dia da ressurreição.
b. «Se os mortos não ressuscitam, por que se batizam a seu favor?».
A primeira oração registra uma condição contrária aos fatos, porque nos
versículos anteriores Paulo provou a veracidade da ressurreição. Em
outras palavras, diz aos seus leitores que embora alguns deles neguem a
ressurreição, o povo de Deus ressuscitará dos mortos. Para desenvolver
seu argumento, Paulo descreve este fato como falso. Quer que os
oponentes respondam a pergunta de por que as pessoas se batizam pelos
mortos. As duas orações deste versículo formam um paralelismo que
recalca o ponto de que a prática do batismo pelos mortos não tem sentido
algum, se os mortos não se levantarem da tumba.
O que quer dizer este versículo? Embora muitos estudiosos sugerem
uma interpretação literal que fala de um batismo vicário, as objeções que
recebe esta explicação são formidáveis. Com toda humildade, confesso
que não sei o que quer dizer este versículo, o versículo 29 permanece um
mistério.
30. E o que ocorre conosco? Por qu e estamos em perigo a cada
momento?
Paulo acrescenta um comentário adicional na forma de uma
pergunta. Sua pergunta não tem nada que ver com os coríntios, mas se
refere a Paulo e seus colaboradores, que realizam a obra do Senhor de
forma diligente. Nesta obra se correm riscos formidáveis. Em Atos,
Lucas relata os muitos perigos que Paulo teve que enfrentar em suas
viagens missionárias e em Jerusalém. Paulo também enumera outros
perigos que ele e seus colaboradores tiveram que passar por causa do
evangelho: fome, sede, ficar à intempérie, ataques físicos, abuso verbal e
perseguições (1Co 4:9–13). Descreve o que teve que sofrer em Éfeso
sem mencionar os períodos de desânimo e depressão. Sua seguinte carta

84
Jeremias, «Flesh and Blood», pp. 155–156.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 804
contém outra lista de perigos e adversidades que ele e seus colegas
sofreram (2Co 4:8–11; 11:23–29).
Por que Paulo estaria disposto a suportar ser encarcerado, ser
açoitado, golpeado, apedrejado e exposto à morte repetidas vezes? se não
houver esperança de que a vida será renovada mediante a ressurreição de
Cristo, por que arriscaria Paulo sua vida vez após vez? Não tem
indigestão em admitir «somos néscios por causa de Cristo» (1Co 4:10).
Trabalhou mais duro que qualquer outro porque o inspira a esperança da
ressurreição.
31. Eu morro cada dia — sim, por certo, por causa da jactância que
tenho de vós, irmãos, a qual tenho em Cristo Jesus nosso Senhor.
A primeira oração deste texto pertence ao versículo precedente (v.
30), onde Paulo falou de como enfrenta perigos todos os dias. Agora diz
que dia a dia morre. Contudo, não explica o que quer dizer com isso.
Supomos que se refere aos perigos que enfrenta diariamente em Éfeso.
O fio de pensamento rompe-se abruptamente, visto que Paulo salta
de suas observações a respeito de enfrentar perigos e morte à jactância
dos coríntios. Antecipa que os coríntios porão em dúvida sua sinceridade
porque não conhecem as condições na qual Paulo vive em Éfeso.
Quando Paulo esteve com eles em Corinto, recebeu uma forte oposição,
porém nada que ameaçasse sua vida. Assim que, para convencer a seus
leitores de que seus comentários são certos, chama-os irmãos no Senhor,
o que inclui as irmãs. Além disso, no grego ele jura que seus comentários
são verazes, afirmando que são tão certos como a forma em que se gloria
neles. Jacta-se em Cristo Jesus o Senhor. Paulo com frequência
repreende os coríntios, mas sempre se gloriou da fé que eles tinham em
Jesus Cristo. 85
32. Se segundo o homem pelejei com animais selvagens em Éfeso, de
que proveito me se rviu? Se os mortos não ressuscitam, comamos e
bebamos, porque amanhã morreremos.

85
Veja-se 2Co 7:4, 14; 8:24; 9:3, 4.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 805
Paulo passou três anos em Éfeso durante sua terceira viagem
missionária, mas o único registro deste período é o que Lucas relata em
Atos 19:1–20:1. Sabemos que em Éfeso esteve em situações perigosas.
Qualquer que tenha sido o perigo, Paulo relata que foi como se Deus o
tivesse levantado dos mortos (veja-se 2Co 1:8–10).
a. «Se segundo o homem pelejei com animais selvagens em Éfeso».
Devemos tomar esta afirmação literal ou figuradamente? É difícil
imaginar que Paulo pudesse ter sobrevivido ao ataque de feras selvagens
no coliseu de Éfeso. É verdade que Paulo conta que foi libertado das
fauces do leão (2Tm 4:17), mas a lei romana não teria permitido que um
cidadão romano fosse arrojado aos leões. E Paulo era cidadão romano.
Se tivesse sido arrojado aos leões, teria sido por ter perdido sua
cidadania. 86 Mas quando esteve preso em Cesareia, apelou a César com
base em sua cidadania (At 25:11).
Notemos as seguintes observações: Primeiro, há eloquente apoio
para entender esta oração de forma figurada. O apoio vem de uma fonte
cristã antiga, de Inácio. Como mártir a caminho de Roma, Inácio
escreve: «Da Síria a Roma venho lutando com as feras, por terra e por
mar, de noite e de dia, preso que vou a ‘dez leopardos’, quer dizer, um
pelotão de soldados». 87
Segundo, se Paulo tivesse tido que enfrentar feras no coliseu de
Éfeso, esperaríamos que tivesse mencionado esta experiência no
catálogo de sofrimentos que descreve em 2 Coríntios 11:23–29, porém
não menciona nada. Estamos conscientes que um argumento de silêncio
não é uma prova contundente, porém não podemos imaginar que Paulo
fosse incluir um evento que devia entender-se figuradamente.
Terceiro, Paulo menciona o lugar exato onde ocorreu o encontro,
isto é, em Éfeso. Lucas relata que Paulo teve que enfrentar o perigo do

86
Abraham J. Malherbe, «The Beasts at Ephesus», JBL 87 (1968): 71–80.
87
Ignacio, Carta a los Romanos 5.1, en Daniel Ruiz Bueno, Padres apostólicos (Madrid: BAC, 1950),
p. 477.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 806
tumulto instigado por Demétrio e seus sequazes. Esta gente se
comportou como bestas selvagens (At 19:23–41).
Por último, embora a frase segundo o homem possa receber diversas
explicações, supomos que quer dizer que Paulo se cercou numa luta com
seres humanos, não com animais. Procurando opor-se a Deus e a Sua
palavra, esta gente queria agredir fisicamente a Paulo. Não obstante,
admitimos que neste contexto a frase permanece obscura.
b. «De que proveito me serviu?». Paulo pergunta se pela causa de
Cristo foi objeto de abuso físico e verbal, de que lhe serve sem a certeza
da ressurreição? A palavra me é altamente pessoal, porque Paulo está
refletindo sobre sua própria vida no ministério de Jesus Cristo.
c. «Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, porque
amanhã morreremos». Esta oração apresenta uma condição contrária aos
fatos. É como se Paulo dissesse: «Se os mortos não ressuscitam, o que
não é certo». Por razões de argumentação introduz esta afirmação
contrária aos fatos, ao que acrescenta uma citação literal tirada de Isaías
22:13, como conclusão da oração condicional: «comamos e bebamos,
porque amanhã morreremos». Paulo pensa na atitude desesperada do
povo de Jerusalém quando se inteiraram que uma força inimiga tinha
começado a devastar o país. Em lugar de orar para buscar fortaleza no
Senhor, rebelaram-se contra ele esquartejando gado, comendo carne e
bebendo vinho. Em lugar de lamentar-se por seus pecados, de propósito
se afastaram de Deus e disseram aquele provérbio.
Jesus lembrou este provérbio na parábola do rico insensato que
edificou celeiros maiores para armazenar o grão. O néscio falou para si
mesmo: «Descansa, come, bebe e desfruta a vida». Mas Deus lhe
respondeu: «Néscio! Nesta mesma noite vão reclamar a tua vida» (Lc
12:19, 20).
Paulo descreve a mentalidade das pessoas que decidiram não crer
na ressurreição, pessoas que escolheram viver à parte de Deus. Antecipa
que os cristãos de Corinto perceberão imediatamente quão estúpido é
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 807
não crer na doutrina da ressurreição. Se rejeitarem a doutrina, terão que
arcar com as consequências.
33. Não vos enganeis, as más co mpanhias corrompem os bons
costumes.
Esta é a segunda vez que Paulo adverte os coríntios que não se
deixem enganar pelos membros de sua própria sociedade (1Co 6:9). 88 A
primeira vez lhes repreendeu para que não adotassem o estilo de vida de
gente imoral, porque os tais não herdarão o reino de Deus. Agora lhes
adverte que não aceitem uma doutrina desviada que nega a ressurreição.
Paulo está consciente de quão fácil é para as pessoas aceitar princípios e
estilos de vida pervertidos como normativos. Sem refletir nas coisas que
estão em jogo, simplesmente se desencaminham, adotando crenças e
condutas errôneas. Por esta razão, Paulo cita um provérbio da obra
Thais, do poeta grego Menandro: «As más companhias corrompem os
bons costumes». Não há dúvida de que o provérbio era bem conhecido
entre as pessoas de fala grega na Grécia e outros lugares. 89
O epigrama é apropriado porque o grego contém a palavra homiliai,
que pode ser traduzido como «companhia» ou «conversação», e da qual
derivamos a palavra portuguesa homilia. Quando nos associamos e nos
deleitamos com as más companhias, corremos o risco de adotar uma
linguagem profana e grosseira que corromperá nosso bom caráter. Nossa
conversação revela nosso ser interno, danificando ou elevando nossa
reputação.
Por que cita Paulo este provérbio em seu discurso sobre os méritos
da ressurreição de Cristo? É possível que os que negavam a doutrina da
ressurreição zombavam dela (cf. 2Pe 3:3, 4). Esta influência seria mortal
para a igreja de Corinto, se fosse deixada continuar sem ser corrigida.
Paulo está pensando no grupo da igreja que repudiava o ensino de que
Cristo tinha ressuscitado dos mortos (v. 12; veja-se 6:12–14). Estes
míopes espirituais só consideravam sua existência física, a que em sua
88
Gl 6:7; Tg 1:16; e veja-se 1Co 3:18.
89
Refira-se a Conzelmann, 1 Corinthians, p. 278 n.139.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 808
opinião terminava com a morte. Portanto, declinava sua perspectiva
moral sobre a vida e, além disso, influenciavam o resto dos crentes de
Corinto.
34. Repensai, como deveríeis, e não pequeis, porque alguns não têm
conhecimento de Deus. Digo isto para vos envergonhar.
a. «Repensai, como deveríeis». 90 Paulo se dirige a todos os
membros da igreja de Corinto para os prevenir que estão rodeados de
perigos espirituais. A advertência é pertinente e urgente: «Repensai
imediatamente porque estais deslumbrados». O significado do verbo
grego eknēphō (=ser sóbrio) sugere que as pessoas de Corinto não eram
capaz de pensar com clareza a respeito de assuntos que tinham que ver
com a vida e a morte. Como resultado, estavam em perigo de perder sua
integridade moral. 91 Paulo os levanta de sua letargia e os alerta para que
pensem com clareza sobre a ressurreição. Diz-lhes que despertem de
uma vez por todas, porque isso é o que devem fazer.
b. «E não pequeis». O verbo grego hamartanō (=pecar) é aqui um
imperativo presente. Paulo ordena seus leitores a parar de pecar. O que
estão fazendo que leva Paulo a lhes enviar este severo mandamento?
Devem restaurar sua relação com Deus quanto à doutrina da
ressurreição. No caso de continuarem duvidando desta doutrina, estão se
colocando numa profunda crise espiritual. Se duvidam deste dogma
básico da fé, começam a abandonar a Deus, escolhendo viver em
ignorância.
c. «Porque alguns não têm conhecimento de Deus». Paulo explica a
razão pela qual chama os coríntios a saírem de seu estupor: carecem do
conhecimento de Deus. Alguns dos coríntios que negavam o ensino
fundamental da ressurreição, não tinham conhecimento pessoal de Deus
(v. 12; cf. Mt 22:29). Tinham uma ideia geral do Ser divino, porém não
tinham comunhão com o Deus vivo. Não se diferenciam dos pagãos que

90
BAGD, p. 243.
91
Consulte-se Otto Bauernfeind, TDNT, vol. 4, p. 941; Philip J. Budd, NIDNTT, vol. 1, p. 515.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 809
se mostravam cheios de concupiscência e ignorantes de Deus (1Ts 4:4;
Sabedoria 13:1).
d. «Digo isto para vos envergonhar». Paulo desafia os membros da
congregação de Corinto a considerarem o significado da ressurreição,
para que percebam o falso ensino e possam viver vida santa. Previne-os
para que não imitem os falsos ensinos e se convertam em ignorantes da
doutrina e conhecimento de Deus. Paulo os chama a deixar de seguir os
que os desviam e transtornam sua fé em Deus. 92
Em lugar de ser seguidores, os coríntios deveriam ser líderes na
igreja de Jesus Cristo. Devem saber que a ignorância de Deus e Sua
palavra é uma vergonha para alguém que usa o nome de cristão.
Portanto, Paulo envergonha os seus leitores, com a esperança de que
despertem completamente de sua letargia. Espera que um entendimento
correto da ressurreição e seu significado os faça abandonar as más
companhias e que lutem por obter aquelas qualidades que Deus aprova.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:29–34


Versículo 29
_πε_ τί — esta combinação denota um contraste e introduz uma
pergunta retórica: «De outra maneira, o que farão …».
ε_ … ο_κ — pelo fato de que a partícula negativa é ο_κ (não μή), a
tradução da prótase da oração condicional não é «a menos que», e sim
«se … não».
τί καί — a pergunta de Paulo é: «Por que razão ainda se
batizam?» 93

92
Refira-se a Homer A. Kent, «A Fresh Look at 1 Corinthians 15:34: An Appeal for Evangelism or a
Call to Purity», GThJ 4 (1983): 3–14; para uma ênfase na evangelização, veja-se Robert G. Gromacki,
Called to Be Saints: An Exposition of 1 Corinthians (Grand Rapids: Baker, 1977), p. 192.
93
BDF § 442.14.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 810
Versículos 30–31
π_σαν _ραν — o acusativo é tanto um acusativo de extensão como
adverbial, e comunica a ideia de «constantemente». 94
νή — «por certo que sim». Esta partícula, que expressa uma forte
afirmação, só aparece aqui em todo o Novo Testamento. É usado diante
de uma palavra em caso acusativo para referir-se a uma pessoa ou coisa
pela qual alguém jura, o que aqui é τ_ν _μετέραν καύχησιν («vossa
jactância»). O pronome possessivo, no entanto, é objetivo: «minha
jactância a respeito de vós», e não subjetivo: «vossa jactância a meu
respeito». A leitura variante _μετέραν («nossa») talvez surgiu por ter-se
entendido mal o genitivo objetivo e sua íntima conexão com a primeira
pessoa singular «tenho». 95

Versículos 32–33
ε_ — no primeiro caso introduz o fato simples de uma cláusula
condicional, a qual aponta à uma realidade. No segundo caso, a condição
é contrária aos fatos.
_ποθν_σκομεν — este presente indicativo serve de futuro do
presente: «morreremos» (cf. v. 26). 96
μ_ πλάνασθε — o imperativo presente precedido pela partícula
negativa μή revela que os leitores estavam afastados da verdade. O duro
mandamento «não permitais que continuem vos desencaminhando» os
chama à realidade.

94
Robertson, p. 470
95
Consulte-se D. S. Deer, «Whose Pride/Rejoicing/Glory(ing) in 1 Corinthians 13.31?», BibTr 38
(1987): 126–28; Metzger, Textual Commentary, p. 568.
96
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 7.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 811
Versículo 34
_κνήψατε — este verbo no imperativo aoristo é um composto que
comunica uma ideia intensiva: «chegai a ser completamente sóbrios». O
aoristo é ingressivo.
μ_ _μαρτάνετε — «deixai de pecar». O mandamento no tempo
presente indica que os coríntios continuavam pecando porque se
tornaram ignorantes.
_γνωσίαν … _χουσιν — «têm ignorância». Esta é uma contradição:
eles não possuem nada. Os coríntios não poderão dizer que a ignorância
é uma bênção, porque Paulo os envergonha por sua falta de conhecimento.

4. Paralelos ao corpo ressuscitado. 1Co 15:35–44a

Com frequência, os crentes fazem perguntas a respeito de como


serão os seus corpos ressuscitados na vida vindoura. Querem saber que
tipo de corpos terão, e para isso eles se voltam para a Escritura. A Bíblia
nos fala da criação, da queda, da redenção e a restauração. Revela-nos
alguns pontos básicos a respeito da renovação de todas as coisas, porém
não responde todas as interrogantes. No tempo de Paulo, os cristãos lhe
pediam mais detalhes a respeito da ressurreição e a volta de Cristo (1Ts
4:13–18).
Um cristão de Corinto poderia perguntar a respeito da natureza da
ressurreição. Paulo responde estas inquietações dando um exemplo da
criação: a reprodução das plantas; as diferenças físicas entre os seres
humanos, os animais, as aves e os peixes. Também fala do esplendor
desta terra que é diferente do esplendor do sol, a lua e as estrelas. Paulo
chama a atenção dos que têm estas inquietações para que vejam a grande
diversidade que existe na criação. Com esta resposta, entrega um esboço
da essência da doutrina da ressurreição e esclarece a forma em que
ocorrerá este acontecimento.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 812
a. Vida que surge da morte. 1Co 15:35–38

35. Mas alguém dirá: «Como é que os mortos ressuscitam, e com que
tipo de corpo vêm?»
A primeira palavra neste versículo é o adversativo mas, o qual
introduz um contraste com o texto precedente. Esta palavra implica que
Paulo antecipa que seus leitores lhe façam perguntas, assim que ele
mesmo as formula e as responde. A mordaz repreensão («Néscio!», v.
36) faz-nos deduzir que os coríntios que repudiavam a doutrina da
ressurreição já tinham exposto estas dúvidas anteriormente. Além disso,
deveriam ter expresso seu cepticismo zombeteiramente. 97
Paulo primeiro se ocupa com as duas pergunta quanto à maneira e
forma do corpo ressuscitado e depois as responde. No versículo 36
responde a inquietação com relação ao modo da ressurreição e explica a
forma de nossos corpos renovados nos seguintes versículos. As duas
perguntas reforçam uma à outra, como o mostra as colunas paralelas:

como é que com que

os mortos não tipo de corpo

ressuscitam vêm

A primeira linha tem os interrogativos como e o que, na segunda


linha a expressão os mortos suscitam a pergunta a respeito do tipo de
corpo que terá um morto, e a terceira linha registra os sinônimos
ressuscitam e vêm.
Examinemos com mais detenção estas duas perguntas. Os que
negam a ressurreição realmente estão perguntando: «Por acaso é possível
que os mortos ressuscitem?». Duvidam que um corpo morto possa

97
Consulte-se Gaffin, Centrality of the Resurrection, p. 78.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 813
alguma vez ressuscitar. De fato, não creem que um corpo decadente que
é enterrado ou cremado possa gerar um corpo novo. 98 Põem em dúvida
de que um corpo ressuscitado seja o mesmo corpo que morreu, porque se
não é o mesmo, como se pode falar de ressurreição?
Os filósofos gregos ensinaram a imortalidade da alma, mas negaram
a imortalidade do corpo. Os filósofos epicureus e estoicos de Atenas
zombaram de Paulo quando no final de seu discurso no Areópago
mencionou a ressurreição dos mortos (At 17:31, 32). Por outro lado, os
rabinos judeus criam que Deus tinha criado o homem numa unidade de
corpo e espírito. Ao morrer, o espírito volta para Deus quem o deu e o
corpo volta ao pó da terra (Ec 12:7). Na ressurreição, os mortos se
levantarão com o mesmo corpo que pereceram. 99
Mas os coríntios que estavam influenciados pela filosofia grega
repudiavam os ensinos sobre a ressurreição. Disseram a Paulo que era
impossível levantar uma pessoa dos mortos. Negavam-se a ouvir a
mensagem do Antigo Testamento, o relato da ressurreição de Jesus e a
promessa de que os crentes em Cristo ressuscitariam dos mortos. Por
último, rejeitavam a ideia de continuidade, porque só consideravam a
dissolução do corpo físico que se produzia ao morrer.
36. Néscio! O que semeias não volta à vida, a menos que morra.
Não admira que Paulo expresse seu desgosto dizendo néscio! Usa o
singular em harmonia com a pergunta que um de seus oponentes lhe
expôs, mas dirige seu desgosto contra qualquer que negue a ressurreição.
Os néscios não podem raciocinar bem, mesmo quando todos os fatos são
óbvios e claros. Desprezam a sabedoria, distorcem a verdade e são
indiferentes para com Deus e Sua revelação. Por outro lado, os que
temem ao Senhor dependem dEle para o dom de sabedoria.

98
Robertson e Plummer, First Corinthians, p. 366; Ronald J. Sider, «The Pauline Conception of the
Resurrection of the Body in 1 Corinthians XV.35–54», NTS 21 (1975): 428–39.
99
SB, vol. 3, p. 474; 2 Baruque 50:1–51:10, em The Old Testament Pseudepigrapha, Charlesworth,
ed., vol. 1, pp. 637–638.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 814
Paulo se refere ao mundo das plantas, um mundo que oferece
expressivas ilustrações da continuidade da vida. Confronta a estultícia,
que nega o relato da ressurreição, e aponta a algo que esta pessoa faz de
vez em quando: semear uma semente. Quando se planta uma semente em
terra fértil que tem suficiente umidade e uma temperatura adequada, a
semente germina. O processo de germinação faz com que a semente se
desintegre. Ao morrer, a semente gera a nova vida na forma de uma
planta em desenvolvimento que depois amadure e produz semente (veja-
se Jo 12:24). Notemos que embora nós semeamos a semente, não temos
o poder de lhe dar vida para que germine. Essa é trabalho de Deus.
Esta é uma ilustração muito adequada para aplicar-se ao corpo
humano que ao morrer desce à tumba. O corpo se desintegra e com o
tempo desaparece por completo. A analogia não inclui um tempo
específico de tempo, porque esse não é o ponto principal. O ponto é que
a vida surge da morte. Não existe ser humano na terra que possa criar
nova vida de um corpo humano reduzido a partículas de pó. Só Deus,
através de Cristo, pode juntar essas partículas do corpo e criar uma forma
de vida glorificada e nova.
As traduções modernas usam a voz ativa: «não cobra vida» (BP).
Mas o texto grego tem a voz passiva do verbo vir à vida, que uma versão
traduz: «não se vivifica» (NVI). A voz passiva comunica a ideia de que é
só Deus o agente que cria vida e que os seres humanos não podem fazer
outra coisa senão contemplar o milagre. 100 A vida vem de Deus, que é
sua fonte.
37. E quando semeias, não semeia s o c orpo que será, mas o gr ão
despido, talvez de trigo ou de outra coisa.
Um zombador poderia argumentar que ninguém viu jamais que um
corpo novo saia do sepulcro. Poderia afirmar que o novo nascimento
ocorre quando a seguinte geração faça sua estreia. Em outras palavras,

100
Uma versão em português usa a voz passiva: «não é vivificado» (RC).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 815
Paulo tem que revisar sua analogia e comparar a vida da nova planta com
a vida humana.
Paulo toma uma forma diferente de abordar o processo de semear e
germinar. Observa que a semente que se semeia não é mais que um grão
despido de trigo ou de outro tipo. Tal semente tem uma forma e
substância específica, é redonda ou ovalada, e é dura e seca. Diz a seus
leitores que o semeado, germina e se desenvolve até converter-se numa
planta. Mas ocorre que a planta tem uma forma completamente diferente
da semente seca que se plantou. A planta continua desenvolvendo-se e é
incomparavelmente mais bela que o grão.
Paulo responde aos seus oponentes, elaborando um contraste entre o
grão e a planta em desenvolvimento: «E quando semeias, não semeias o
corpo que será, mas o grão despido, talvez de trigo ou de outra coisa».
Ninguém que esteja em seu são juízo planta uma semente esperando
colher imediatamente uma semente nova. Neste versículo, Paulo
sublinha a ação de semear que a seu tempo dará uma planta em
desenvolvimento. Ralph P. Martin elabora um epigrama que expressa a
verdade que Paulo quer comunicar: «No mundo da natureza, que é o
mundo de Deus, o que se semeia não é o mesmo que depois cresce,
embora exista uma relação». 101
Aqui se vê a importância dos princípios de continuidade e
descontinuidade. As plantas e as árvores, os peixes e as aves, os animais
selvagens e o gado, todos revelam continuidade em sua reprodução.
Contudo, também está presente o elemento de descontinuidade quando o
grão germina e se converte numa planta. Uma semente gera seu próprio
tipo de planta, a que por sua vez produz o mesmo tipo de semente.
Contudo, não se deve chegar ao ponto de pressionar os detalhes, visto
que a planta produz a mesma semente que foi semeada. Neste texto,
Paulo ainda não está preparado para comentar a respeito da diferença
entre um corpo mortal e um corpo imortal, o estado mortal e imortal do

101
Martin, The Spirit and the Congregation, pp. 133–134 (o itálico é dele).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 816
ser humano. Ele o fará em alguns versículos mais adiante (vv. 42, 52–
54). No momento, só recalca a verdade de que de uma semente que
morre surge nova vida.
O corpo físico de Jesus foi posto na tumba, mas ao terceiro dia
levantou-Se como um corpo glorificado que mostrava continuidade, pois
Seus seguidores O reconheceram. Mas também era totalmente diferente,
porque já não estava preso ao tempo e o espaço. O corpo de Jesus podia
entrar e deixar um quarto que tinha as portas fechadas (Jo 20:19, 26; Lc
24:31). A novidade do Seu corpo revela uma dimensão que não podemos
compreender em nosso presente estado.
38. Mas Deus lhe dá um corpo, ta l como ele quis e a cada semente
sua próprio corpo.
Paulo não dá mais detalhes a respeito do corpo que se levantará dos
mortos. Em vez disso, ensina que é Deus quem provê novos corpos a
cada uma das sementes que é semeada em Sua criação. Notemos que
Paulo escreve «tal como ele [Deus] quis» em tempo passado, como
aludindo ao relato da criação. Deus pôs Sua vontade na criação, de tal
forma que cada planta procria sua própria espécie (Gn 1:11, 12). Deste
modo, segundo a Sua vontade, Deus dá a cada planta seu próprio corpo.
Paulo sublinha que Deus leva a cabo Seu plano da criação segundo a Sua
vontade, e tal vontade também abrange o corpo humano que é
ressuscitado. Sabemos que Deus está no controle e, portanto, esperamos
receber corpos novos no dia da ressurreição.

Considerações doutrinais em 1Co 15:35–38


Os cristãos creem que, quando Jesus voltar, seus corpos serão
ressuscitados. Sabem que as Escrituras lhes ensinam que seus corpos
serão transformados e glorificados, porém não receberão corpos
completamente diferentes.
No entanto, a ressurreição expõe muitas inquietações diversas.
Estas são algumas: Levantará jovem uma pessoa anciã cujo corpo foi
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 817
devastado por uma enfermidade? Voltará como um adulto o bebê que
morreu num acidente ou por uma doença? Conheceremos nossos seres
queridos e poderemos conhecer os santos de outras épocas? Continuarão
os laços familiares? É impossível responder estas perguntas, e o sábio é
não especular. Onde as Escrituras calam, nós também devemos guardar
silêncio.
A Bíblia diz que os discípulos reconheceram a Jesus e que viram as
cicatrizes em Suas mãos e no lado (Jo 20:27). Além disso, Jesus ensinou
que na ressurreição não haverá casamento, porque todos seremos como
os anjos do céu (Mt 22:30).
Na transformação, os aspectos característicos de uma pessoa serão
evidentes. Por exemplo, uma criança tem certas características que
permanecem ao longo de sua vida. Embora na infância, a adolescência, a
idade adulta e a velhice produzem-se diferentes mudanças, as
características permanecem. Não obstante, a glorificação de nosso corpo
provê uma dimensão nova que marca uma medida de descontinuidade.
Tanto a ressurreição do corpo como a imortalidade da alma provam a
contínua extensão de nossa existência humana. Temos segurança em
Jesus Cristo, cuja ressurreição é o depósito que garante a ressurreição de
todos os Seus seguidores.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:35–38


Versículos 35–36
ποί_ — este pronome interrogativo indica qualidade: «com que tipo
de?».
_φρων — trata-se de um adjetivo composto da _ privativa (=não) e
o verbo φρονέω (=pensar).
σύ — o pronome de segunda pessoa singular é enfático, ao vir
depois do expletivo néscio e antes da oração subordinada à qual
pertence.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 818
Versículos 37–38
γενησόμενον — é o particípio futuro médio de γίνομαι (=chegar a
ser, ser) e o tipo de ação que comunica é ingressiva: «o corpo que será».
γυμνόν — «despido». Este adjetivo descreve a forma singela do
grão (de trigo) e não se refere ao corpo humano (cf. seu uso em 1Co
14:10).
ε_ τύχοι — esta é uma frase parentética breve: «se assim ocorrer»,
ou «talvez». O verbo está no modo optativo.
_κάστ_ … _διον — «cada um … seu próprio corpo que o
distingue». Paulo expressa a lei que Deus colocou na criação, a qual se
expressa com as palavras segundo seu gênero (veja-se, p. ex., Gn 1:24).

b. Espécies, estrelas e planetas. 1Co 15:39–41

39. Nem toda carne é a mesma, ma s há carne de homem, outra é a


carne dos animais, outra a das aves e outra a carne dos peixes.
Desta analogia — que a vida surge da morte — Paulo se move à
segunda, a diversidade de carnes, com o que se refere à substância física
das criaturas vivas, isto é, a carne dos seres humanos, dos animais, aves e
peixes (de passagem, notemos que se usa uma ordem inversa ao que
aparece no relato da criação, Gn 1:20–27). Não há dúvida que a
fisiologia de todas estas criaturas difere grandemente. A carne de um ser
humano é diferente à do gado, das aves ou dos peixes, porque Deus criou
cada um diferente do outro. A criação de Deus contém uma variedade
enorme que é complementar por causa de suas diferenças.
O que quer dizer Paulo com esta segunda analogia? Devemos
entendê-la como a continuação da segunda parte do versículo anterior (v.
38): «Deus lhe dá um corpo, tal como ele quis e a cada semente o seu
próprio corpo». Assim como há uma infinita variedade no mundo
vegetal, a mesma variedade pode ser encontrada no mundo do ser
humano, dos animais, das aves e dos peixes. Deus colocou os seres
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 819
humanos acima de todas as outras categorias que Paulo cita aqui em
ordem descendente. Não poderá Deus dar ao ser humano um corpo
transformado e glorificado? Não pôs Adão como cabeça da criação? Não
o coroou de glória e honra? Todas estas perguntas retóricas merecem
uma resposta afirmativa.
40, 41. E há c orpos celestiais e co rpos terrestres. Mas a gl ória dos
corpos celestiais é uma e a glória dos corpos terrestres é outra. A glória do
sol é uma, a glória da lua é outra, e a glória das estrelas é out ra. Porque
cada estrela difere de outra em glória.
Nesta terceira analogia, Paulo se refere aos astros: ao sol, à lua e às
estrelas. Compara-os com as criaturas que povoam a terra e encontra que
há diferenças enormes. A primeira oração aponta a um fato evidente: «E
há corpos celestiais e corpos terrestres». Contrasta a magnitude dos
corpos celestiais com o tamanho minúsculo das coisas que há na terra.
Alguns estudiosos rejeitam esta interpretação em favor de uma
tradução literal da palavra corpo e a referem só às substâncias físicas da
carne e o sangue. Mas em grego, assim como em português, a palavra
pode referir-se a diversos objetos, incluindo a água, a neve e a saraiva.
Inclusive os gregos chamavam corpo ao planeta terra. Por conseguinte, o
uso deste termo não está fora de lugar quando alude aos corpos
celestiais. 102
O contexto dos versículos 40 e 41 demonstra que Paulo está falando
dos astros celestes e não dos corpos dos anjos que são invisíveis ao olho
humano. O ponto desta analogia não é a magnitude ou pequenez de
certos objetos, e sim o esplendor que tem cada um deles. A palavra
glória aparece seis vezes na tradução (cinco no grego).
A seguinte linha do versículo 40 também aponta a um fato: «Mas a
glória dos corpos celestiais é uma e a glória dos corpos terrestres é
outra». Alguém se maravilha com a brilhantismo dos luzeiros celestiais

102
Eduard Schweizer, TDNT, vol. 7, pp. 1035–1041
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 820
e, no entanto, não se pode subestimar a majestade das montanhas e os
bosques. Cada um tem seu próprio realce.
De forma semelhante, o brilho intenso do sol não pode ser
comparado com a suave luz da lua. Assim como cada planeta ou estrela é
diferente de outros em brilho e tamanho, nenhum está desprovido de
significado. Deus criou todos com vários graus de grandeza. Não há dois
iguais, porque cada um irradia ou reflete seu próprio brilho. Em
conclusão, perguntamos: se Deus doou os astros com uma glória
indescritível, não será capaz de vestir os humanos com um corpo
transformado e glorificado? Com apenas perguntar responde-se a
pergunta.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:39–41


Versículo 39
ο_ π_σα σάρξ — a partícula negativa ο_ pode estar negando a
segunda parte da oração («toda carne não é igual») ou só o adjetivo π_σα
(«nem toda»). O primeiro poderia traduzir-se: «nem todo tipo de carne é
a mesma».
κτην_ν … πτην_ν — Paulo emprega uma figura chamada
aliteração. O primeiro substantivo se deriva do verbo κτάομαι
(=adquirir) e significa «gado», e não aponta a animais selvagens. A
segunda palavra é um substantivo adjetival πτηνός (=emplumado, alado)
e é sinônimo de πετεινόν (=ave).

Versículos 40–41
κα_ σώματα — deve-se suprir o verbo _στίν: «há corpos».
_τέρα μέν … _τέρα δέ — os adjetivos com as partículas são usados
para expressar contraste: «um … o outro». O mesmo ocorre com a
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 821
combinação _λλη μέν … _λλη δέ (v. 39), que denota o conceito de
diferença. 103
_στέρος — «estrela». O caso genitivo vem governado pelo verbo
διάφερει (=diferir).

c. Semeados e ressuscitados. 1Co 15:42–44a

42-44a. O mesmo ocorre com a ressurreição dos mortos. semeia-se


em corrupção, ressuscitará em incorru pção. 43. semeia-se em desonr a,
ressuscitará em gl ória. semeia-se em fraqueza, ressuscitará em poder.
semeia-se um corpo físico, ressuscitará um corpo espiritual.
a. Texto. começamos um novo parágrafo na metade do versículo 44.
A segunda parte deste versículo é uma oração que introduz a seção que
segue. Outras traduções fazem a divisão no final do versículo 44. 104
Depois da primeira oração no versículo 42, Paulo redige quatro
linhas de verbos que se repitam e substantivos que se contrastam. Se se
colocarem em colunas paralelas, notaremos que as primeiras três linhas
contêm a preposição em. A última linha repete o substantivo corpo, mas
o modifica com os adjetivos físico e espiritual respectivamente. Os
substantivos das primeiras três linhas na primeira coluna mostram uma
ordem descendente. Os substantivos destas linhas na segunda coluna
mostram uma ordem ascendente.
Semeia-se em corrupção ressuscitará em incorrupção
Semeia-se em desonra ressuscitará em glória
Semeia-se em fraqueza ressuscitará em poder
Semeia-se um corpo físico ressuscitará um corpo espiritual

b. Explicação. «O mesmo ocorre com a ressurreição dos mortos».


Esta oração funciona como uma ponte entre os versículos precedentes e
os versículos subsequentes. A expressão o mesmo converte a oração
103
Robertson, pp. 748–749.
104
Duas versões conectam o versículo 44b com o versículo 45 (BJ, LT, cf. CB).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 822
numa comparação, mas esta comparação não deveria exagerar-se. Em
geral, as primeiras três linhas dos versículos 42b-43 são uma explicação
adicional da semente que se semeia e da planta que dali surge (vv. 36–
38). A última linha (v. 44a) refere-se aos corpos terrestres e aos corpos
celestiais (vv. 40, 41).
«Semeia-se em corrupção, ressuscitará em incorrupção». Paulo
escreve que toda a criação foi sujeita à vaidade. Por causa do pecado do
homem e da maldição subsequente de Deus, a criação é escrava da
corrupção (cf. Rm 8:19–21). Este mundo que agora está marcado pela
corrupção não será aniquilado, e sim renovado. Então será restaurado à
incorrupção. Nesta vida, os corpos físicos dos crentes devem suportar o
saque da corrupção, mas quando vier a ressurreição, seus corpos se
levantarão incorruptíveis (veja-se vv. 50–53). Quando se sepulta um ser
humano, a dissolução de seu corpo é a última humilhação que recebe
quem foi coroado de glória e honra como vice-rei da criação de Deus (Sl.
8:5b; Hb 2:7b, 9). Receberão outra vez essa posição eminente quando
ressuscitarem para uma vida nova. Paulo escreve que Cristo Jesus
transformará nossos humilhados corpos para que se conformem ao Seu
corpo glorioso (Fp 3:21). 105
«Semeia-se em desonra, ressuscitará em glória». Embora a pessoa
que assiste aos serviços funerais mostre respeito pelos mortos, persiste o
fato de que a morte despoja o ser humano de toda dignidade. Num
enterro, encomendamos um corpo morto ao pó da terra. Os enterros são
um recordatório constante e forte da maldição que Deus pronunciou
sobre Adão, Eva e seus descendentes: «… até que voltes para a terra,
porque dela foste tomado; pois és pó, e ao pó voltarás» (Gn 3:19). Mas
por meio de Sua ressurreição, Jesus conquistou a morte, porque Ele vive
e nós viveremos com Ele.
Ainda sofremos os efeitos da morte, mesmo quando sabemos que o
seu poder foi anulado. Nossos corpos voltarão para pó, mas no final do

105
Cf. Calvin, 1 Corinthians, p. 337.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 823
tempo ressuscitarão. De modo que, a ressurreição dos mortos é
semelhante a uma semente que se desintegra para dar vida a uma planta.
Mas notemos que na ação de semear, o enterro da semente precede a sua
morte. No caso dos humanos, a morte precede ao enterro. 106
O que se quer dizer com semeia-se? É notável o parecido entre a
semente e o corpo. Uma semente tem vida, mas quando é semeada é
perdida para dar vida a uma planta. Já na presente era, o crente em Cristo
recebeu vida eterna (veja-se Jo 17:3; 1Jo 5:11–13). Quando a morte
ocorre e o corpo desce à tumba, o princípio de vida eterna permanece
incólume. Se retivermos a correlação que existe entre a semente e o
corpo, poderemos afirmar que o enterro é um semear figurativo em
antecipação à colheita futura que virá no tempo da ressurreição.
Mantém-se a promessa de que receberemos corpos glorificados que se
reunirão com nossas almas glorificadas (v. 49; Rm 8:29; Cl 3:4). Deste
modo, a plenitude da vida eterna vem quando o corpo é renovado e
reunido com sua alma em glória.
«Semeia-se em fraqueza, ressuscitará em poder». Quando a morte
arranca a alma de seu corpo, os restos que ficam carecem completamente
de todo poder. O cadáver não é mais que uma mera casca da alma que se
foi. Mas quando o corpo volta à vida em glória e se reúne com a alma,
mostrará um poder inimaginável.
«Semeia-se um corpo físico, ressuscitará um corpo espiritual». Esta
linha é diferente das três anteriores. Aqui se forma um contraste entre os
aspectos físicos e espirituais do corpo. Em certo sentido, esta linha
resume o dito no versículo e serve de introdução ao parágrafo seguinte.
É profundo o contraste que se dá entre o corpo físico e o corpo
espiritual, visto que aponta ao corpo mudado e glorificado de Jesus.
Enquanto estava na terra, Jesus esteve sujeito ao tempo e ao espaço. É
verdade que realizou milagres e que até caminhou pela água, mas seu
corpo físico estava sujeito à fraqueza humana (Hb 4:15). Precisava

106
Robertson y Plummer, First Corinthians, p. 380.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 824
comer, beber e dormir; abusou-se dEle verbal e fisicamente de uma
forma inexprimível; Seu corpo sucumbiu à morte e foi sepultado. Mas ao
ressuscitar, o Seu corpo tinha mudado para já não mais estar limitado
pelas leis do espaço e do tempo. As portas com ferrolhos não O
impediam de entrar em um quarto onde estavam os discípulos em
Jerusalém (Jo 20:19, 26). Durante dez aparições esteve com os Seus
seguidores por períodos curtos. Mas a Escritura não nos diz onde esteve
Jesus o resto do tempo antes de Sua ascensão. Depois de Sua morte, Sua
cidadania terrestre terminou e Se tornou um habitante do céu (Fp 3:20).
Os discípulos reconheceram o corpo glorificado de Jesus, por isso
sabemos que está no céu com Seu próprio corpo físico. Nós também
teremos nossos corpos quando vier a ressurreição. Paulo identifica o
corpo ressuscitado como espiritual, o que não quer dizer que seja
imaterial, mas assumiu uma dimensão diferente.
Paulo afirma que nosso corpo ressuscitado será espiritual. Mas o
que quer dizer com a palavra espiritual? Insinua que nossa alma governa
nossos corpos, e descreve nossos corpos ressuscitados como se
estivessem completamente governados e cheios do Espírito. Embora
nossos corpos físicos nos sirvam bem nesta vida, para o mundo vindouro
necessitam características espirituais. Nosso corpo ressuscitado será
enchido completamente do Espírito de glória. O corpo glorificado não é
imaterial, mas tem aspectos espirituais que o colocam a um nível
sobrenatural. 107
De forma concludente, o versículo 44a nos oferece uma clara ênfase
quanto a que há continuidade entre o corpo desta vida e o da vida
vindoura. Mas também há uma medida de descontinuidade, à luz da
transformação do corpo, quando este ressuscitar dos mortos.

107
Dos numerosos estudos sobre o tema, refiro a John A. Schep, The Nature of the Resurrection Body
(Grand Rapids: Eerdmans, 1964), pp. 220–227; Richard A. Muller, ISBE, vol. 4, pp. 145–150; Harris,
Raised Inmortal, pp. 118–119,133; From Grave to Glory, p. 191–198; Gaffin, Centrality of the
Resurrection, pp. 68–70; Vos, Pauline Eschatology, pp. 183–185.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 825
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:44a
ψυχικόν — é um adjetivo que procede de ψυχή (=alma, vida). Pela
terminação em -ικόν, o adjetivo denota aparência e características.
Descreve «a vida do mundo natural e tudo o que pertence a ele, em
contraste com o mundo sobrenatural, que se caracteriza pelo πνε_μα
(=espírito)». 108 Notemos que em lugar de usar φυσικός (=natural, de
acordo com a natureza), Paulo de propósito usa ψυχικόν, para relacioná-
lo com ψυχή (=alma) no seguinte versículo (v. 45).
πνευματικόν — contrasta-se o corpo físico com o corpo espiritual.
O primeiro tem qualidades naturais e o segundo características
sobrenaturais.

5. Corpos físicos e espirituais. 1Co 15:44b-49

44b, 45. Se há corpo físico, ta mbém há corpo espiritual. Como


também está escrito, «o primeiro homem, Adão, veio a s er um ser
vivente», o último Adão veio a ser um espírito que dá vida.
Na segunda parte do versículo 44, Paulo repete os substantivos que
usou na primeira. Mas a construção sintática da segunda parte é
diferente, porque tem uma introdução e uma oração condicional que
estabelece um fato simples. Paulo declara a verdade óbvia de que cada
um de nós tem um corpo físico. Partindo deste fato simples, também
afirma que temos um corpo espiritual.
Quando Deus criou Adão e Eva, dotou-os de corpos sem pecado.
Com a Queda, seus corpos já não foram mais adaptados para que o
Espírito os enchesse de forma permanente. Quando Cristo redime o Seu
povo, seus corpos se convertem em templo do Espírito (1Co 6:19). Mas
o pecado entristece o Espírito de Deus e ainda apaga o fogo do Espírito
(Ef 4:30; 1Ts 5:19). Além disso, o corpo físico está quebrado pela
corrupção, a desonra e a fraqueza. O corpo espiritual, pelo contrário, é

108
BAGD, p. 894.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 826
libertado do pecado e se caracteriza pela incorrupção, a glória e o poder
(veja-se os vv. 42, 43). 109 Ao usar o adjetivo espiritual, Paulo não
comunica a ideia de um corpo imaterial e etéreo. O que quer dizer é que
o Espírito Santo enche e governa por completo o corpo glorificado.
Depois de dizer que uma pessoa tem um corpo físico e um
espiritual, Paulo prova o que diz citando o Antigo Testamento. Segue o
exemplo de Jesus que instruía o povo com a Palavra de Deus (cf. Lc
24:25–27, 44). A fórmula que Paulo emprega difere da que se usa com
frequência: «como está escrito» (veja-se, p. ex., 1Co 10:7). Usando um
modelo ligeiramente diferente, compara o que disse com a Palavra
revelada.
a. «Como também está escrito: ‘o primeiro homem, Adão, chegou a
ser um ser vivente’». A citação vem do relato que conta que Adão foi
criado do pó da terra: «e o homem passou a ser um ser vivente» (Gn
2:7). Paulo expande o texto acrescentando o adjetivo primeiro e o nome
Adão. De fato, interpreta e explica este texto particular fazendo um
paralelo entre Adão e Cristo. 110 Compara Adão com Cristo usando uma
norma hermenêutica que os escritores judeus do Novo Testamento usam
com frequência. Refiro-me ao princípio de ir do menor ao maior (para
um exemplo notável, veja-se Hb 9:13, 14).
Numa passagem anterior (vv. 21, 22), Paulo já fez um paralelo entre
Adão e Cristo; agora continua a analogia. Adão é o primeiro humano
que, pelo poder criativo de Deus, veio a ser um ser vivente, ou
literalmente: uma alma vivente. Adão é a cabeça da raça humana. Feito à
imagem de Deus, Adão transmitiu à sua posteridade tanto suas
qualidades físicas como morais. Mas Adão não recebeu o dom da
imortalidade, porque Deus queria prová-lo por um tempo (Gn 2:17).
Adão falhou e por meio dele o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a

109
Vos, Pauline Eschatology, pp. 166–167.
110
Refira-se a D. G. Dunn, «1 Corinthians 15:45—last Adam, life-giving spirit», en Christ and Spirit
in the New Testament, ed. Barnabas Lindars y Stephen S. Smalley (Cambridge: Cambridge University
Press, 1973), p. 130.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 827
morte (Rm 5:12). Os anjos expulsaram Adão do jardim do Éden, para
impedir que comesse do fruto da árvore da vida e assim vivesse para
sempre (Gn 3:22–24). Não obstante, o que faltou a Adão é aperfeiçoado
em Cristo. Ao conquistar a morte, o segundo Adão ganhou a
imortalidade.
b. «O último Adão veio a ser um espírito que dá vida». Esta oração
forma um paralelo com a anterior, mas neste caso Paulo não pode citar o
Antigo Testamento. Tem que confiar na sabedoria que tem a respeito da
obra redentora de Cristo para formular o paralelo correto. Chama Cristo
o último Adão. Desta forma reflete no paralelo e contraste que existe
entre Cristo e Adão. Ao dizer último, Paulo revela que Cristo é o
cumprimento completo do primeiro Adão.
O verbo que se usa tanto com Adão como com Cristo é «veio a
ser». O que se quer dizer é que quando Deus criou Adão, este veio a ser
um ser vivente; e quando Cristo veio para este mundo, veio a ser Aquele
através de quem Deus concede vida eterna a cada crente (Jo 3:16; 17:3;
1Jo 4:11, 12). Cristo sofreu a morte, mas a conquistou. Quando Se
levantou do sepulcro, recebeu a autoridade para conceder ao Seu povo o
dom da imortalidade.
A oração «o último Adão veio a ser um espírito que dá vida» refere-
se à ressurreição de Cristo. Quando venceu a morte, obteve um corpo
humano transformado que é espiritual. Quando ressuscitou, o Espírito
Santo veio a ser o Espírito de Cristo (veja-se 2Co 3:17). O Espírito deu a
Cristo o poder para comunicar vida a Seus seguidores e para transformar
os seus corpos como o dEle. 111 Antes de Sua morte, Jesus ressuscitou
algumas pessoas (a filha de Jairo, o jovem de Naim, Lázaro), mas os
corpos destas pessoas continuaram sendo mortais. Só depois de Sua
ressurreição, a imortalidade veio a ser uma certeza para o Seu povo.
Embora agora Cristo nos dá a vida eterna só em princípio, a
imortalidade será levada a cabo em corpo e alma no dia da ressurreição.

111
Refira-se a 2Co 4:14; Cl 1:18; Ap 1:5.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 828
Embora a morte escureça a era presente, o amanhecer da vida eterna
anuncia o novo dia do futuro. 112
O contraste no versículo 45 é entre a alma de Adão e o espírito de
Cristo. Isto não quer dizer que Adão não tinha um espírito ou que Cristo
carecia de alma ou que o ser humano está composto de corpo, alma e
espírito. Estas perguntas são irrelevantes para a discussão de Paulo.
Paulo sublinha o fato de que Cristo nos dá vida por meio do Espírito
Santo. Em outro contexto escreve: «E, se o Espírito daquele que
ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele que
ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos
mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vocês» (Rm 8:11, NVI).
Jesus testifica que o Espírito dá vida ao Seu povo (Jo 6:63; cf. 7:37–
39). A ênfase do presente texto não está na renovação da vida espiritual
do cristão, e sim na ressurreição de seu corpo físico. Assim como o
corpo de Jesus foi transformado na ressurreição, assim também Seus
seguidores experimentarão uma transformação física quando Cristo
voltar. Nessa ocasião Ele lhes dará um corpo completamente controlado
pelo Espírito Santo. Todos os crentes terão um corpo espiritual
semelhante ao corpo de Cristo (Fp 3:20, 21).
46. No entanto, o espiritual n ão é primeiro, e sim o físico, depois o
espiritual.
Tendo citado a Escritura, Paulo retorna à fraseologia que usou no
versículo 44, onde usou a palavra corpo. Embora aqui não use a palavra,
está implícita. Isto quer dizer que devemos tomar o versículo 45, com
sua citação do Antigo Testamento, como um comentário parentético.
Alguns tradutores vertem o adversativo no entanto como um
imperativo: observai. 113 Em outras palavras, Paulo chama a atenção à
sequência na qual Deus criou o corpo físico e o espiritual. Não diz que
Adão e Cristo representem dois modos de existência atemporais que se
opõem um ao outro. Antes, Paulo considera o primeiro e o último Adão
112
Cf. Vorster, «Resurrection Faith», p. 303.
113
Veja-se NEB, REB, Cassirer.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 829
em termos de Cristo redimindo, no transcurso da história, os membros da
raça de Adão que creem nEle. Por conseguinte, os crentes levarão a
imagem de Cristo, na mesma forma em que levam a imagem de Adão
(veja-se o v. 49). 114 Tanto Adão como Cristo são cabeças
representativas. Adão é a cabeça da raça humana, e Cristo é a cabeça do
povo redimido. Os crentes recebem seu corpo físico através de Adão e
seu corpo espiritual através de seu Senhor e Salvador ressuscitado.
Por que sublinha Paulo a sequência dos corpos físicos e espirituais?
Alguns creem que o fazia para opor-se ao seu compatriota Filo de
Alexandria, quem escreveu que Deus primeiro tinha criado o homem
celestial ideal (Gn 1:26) e que depois fez o homem físico do pó da terra
(Gn 2:7). 115 Outros questionam esta sugestão pensando que Paulo se
opõe aos coríntios que espiritualizavam a ressurreição e assim negavam
o ensino que Paulo dava sobre a ressurreição (v. 12). 116 Concordamos
com esta última opinião. Ao mencionar o corpo físico de Adão e o corpo
espiritual de Cristo, Paulo apresenta o relato em sua perspectiva
histórica.
47. O primeiro homem procede do pó da terra, o segundo procede do
céu.
Paulo volta a usar o relato da criação, mas desta vez usa a parte que
fala de que Deus criou Adão do pó da terra (Gn 2:7a). Paulo escreve de
forma concisa para contrastar Adão, quem veio do pó da terra, com
Cristo, quem veio do céu. Este versículo segue a ordem sintática do texto
do Antigo Testamento: «O Senhor Deus formou o homem do pó da
terra» (Gn 2:7a). Não obstante, é preciso notar que para descrever Adão,
Paulo usa o adjetivo grego joikos (feito de pó ou de terra, terroso). 117
Para criar o homem, Deus recolheu pó da terra. Adão não descende de
um símio que se transformou em homem, mas é a criação única de Deus.

114
Ridderbos, Paul, p. 453.
115
Philo, Opif. Mundi 134; Leg alleg. 1.31.
116
Consulte-se Fee, First Corinthians, p. 791.
117
BAGD, p. 883.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 830
A estrutura do paralelismo deste versículo está decididamente
incompleta, visto que a segunda metade carece da contraparte à frase
feito do pó. Enquanto Adão é feito do pó da terra, Cristo procede do céu.
Alguns manuscritos gregos acrescentam ao texto as palavras o Senhor, o
que resulta em: «o segundo homem, o Senhor, é do céu» (RC 1998).
Outro manuscrito antigo (P46) lê «o segundo homem é espiritual do céu».
Contudo, deve-se preferir a leitura mais curta, visto que os escribas têm a
tendência a acrescentar palavras que esclareçam o texto.
Paulo sublinha o contraste que há entre a origem de Adão e a de
Cristo: um é da terra, enquanto o outro é do céu. Porém não se refere ao
Cristo preexistente cuja obra de criação é mencionada em outra parte (Jo
1:1; Cl 1:15–18; Hb 1:2). Antes, fala de Jesus que veio do céu à terra e
tomou para Si carne e sangue para participar de nossa humanidade (Hb
2:14). Nós demos a Cristo um corpo físico, e dEle recebemos um corpo
glorificado.
Adão veio para cima desde o pó, mas Cristo veio para baixo desde
Sua glória celestial (cf. Fp 2:6–8). Quando Cristo foi gerado e nasceu,
como todas os descendentes de Adão, tinha um corpo humano. De fato,
Seu corpo era mortal. E quando Adão ressuscitar no dia da ressurreição,
junto com todos os outros crentes, ele receberá um corpo glorificado
como o de Jesus.
Não obstante, Paulo não só está contrastando o corpo de Adão com
o corpo de Jesus. Usa a palavra homem para referir-se a Adão e a Jesus.
A expressão abrange a humanidade total destas duas pessoas ao
representar de forma individual a sua própria descendência física e
espiritual respectivamente. Adão representa a raça humana e Cristo os
redimidos.
48. E assim como um foi feito do pó, assim são os que são pó; e assim
como no caso do celestial, assim também os que são celestiais.
Paulo faz ressaltar o fato de que Adão e todos os seus descendentes
têm sua origem no pó da terra. Todos somos desta terra e pertencemos a
ela. Adão é o modelo e seus descendentes são as cópias. Não temos por
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 831
que perguntar pela cor do pai da raça, pois tal pergunta é ociosa. A
primeira parte deste versículo só fala da origem de toda a raça humana:
somos da terra, somos terrestres.
O contraste radica na segunda parte deste versículo (cf. Jo 3:13, 31).
Cristo Jesus tem Sua origem no céu, e Ele confere a todo o Seu povo a
glória celestial. É verdade que o povo de Deus já recebeu nesta vida em
princípio a glória celestial (2Co 3:18). Seu novo nascimento espiritual
lhes tem feito provar de antemão algo dessa glória. Além disso, por
causa do poder do Espírito Santo que habita neles e da revelação
iluminadora de Deus, eles refletem em sua vida diária a glória divina.
Mas este não é o ponto que o texto quer comunicar. Este versículo ensina
que na ressurreição todos os redimidos participarão plenamente da glória
celestial que pertence a Cristo.
49. E assim com o levamos a imagem do que foi feito do pó, assim
também levaremos a imagem do que é celestial.
Paulo ainda não terminou o seu discurso a respeito do paralelo que
há entre Adão e Cristo. Por meio da conjunção e conecta o conteúdo
deste versículo com o que precede. A palavra-chave deste versículo é
imagem, que aparece duas vezes. Ao longo da história da raça humana,
todos os descendentes de Adão levaram e continuam levando sua
imagem. Por exemplo, Sete nasceu quando Adão tinha 130 anos e nasceu
à semelhança e imagem de Adão (Gn 5:3). Paulo afirma que essa
imagem pertence ao ser humano feito do pó. As palavras que se ocupam
recalcam a fragilidade que Adão e toda sua posteridade tem.
Paulo repete a palavra imagem na segunda linha deste versículo:
«levaremos a imagem do que é celestial». Não se refere ao Cristo
preexistente, mas ao Senhor exaltado, quem subiu ao céu com Seu corpo
glorificado. Através de Sua ressurreição, Cristo nos promete que
levaremos Sua semelhança (Fp 3:21). Seremos feitos à imagem do
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 832
Senhor, «não só à sua semelhança de forma e aparência, mas em modo
de existência» (veja-se Rm 8:29). 118
Em geral as crianças não só levam a imagem externa de seus pais,
mas também revelam os talentos, aspectos e características de seus pais.
Como filhos de Deus, nós levaremos a imagem de Seu Filho no sentido
mais pleno da palavra. Seremos como Ele é em corpo e alma, com uma
exceção, que Cristo sempre terá a preeminência entre o Seu povo (Cl
1:18).
O tempo do verbo levar está no futuro, não no presente. Por
conseguinte, aponta à futura ressurreição do corpo. Paulo não está
exortando os seus leitores a viver vidas de santidade, em conformidade
com o modelo que Jesus deixou. Ao longo de toda a passagem Paulo
esteve instruindo sem exortar os seus leitores. O contexto demanda,
então, doutrina («levaremos a imagem») em lugar de exortação
(«levemos a imagem»). 119

Considerações doutrinais em 1Co 15:44–49


Como segundo Adão, Jesus Cristo participou da humanidade que
herdamos do primeiro Adão. O corpo físico de Jesus estava sujeito à
morte, mas foi levantado dentre os mortos de forma glorificada. Depois
de quarenta dias subiu ao céu de forma humana e tomou o Seu lugar à
destra de Deus, o Pai.
Algumas vezes, ao os cristãos morrerem, revelam a seus seres
queridos uma olhada do céu. Alguns até mencionam que veem a Jesus
lhes dando as boas-vindas; descrevem a Jesus como um homem cujas
mãos mostram as marcas da cruz. Isto não deve nos surpreender, as
Escrituras informam que Estêvão olhou ao céu e «viu a glória de Deus, e

118
Ridderbos, Paul, p. 545.
119
Tradutores e comentaristas preferem o tempo futuro, não o aoristo subjuntivo. Entre as exceções
estão G. G. Findlay, St. Paul’s First Epistle to the Corinthians, no vol. 3 de The Expositor’s Greek
Testament, editado por W. Robertson Nicoll, 5 vols. (1910; reimpresso por Grand Rapids: Eerdmans,
1961), p. 939, e Fee, First Corinthians, p. 795.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 833
a Jesus de pé à direita de Deus» (At 7:55). Estêvão identificou a Jesus
como o Filho do homem, o que em si já é incomum. Em todo o Novo
Testamento, ninguém chama Jesus por esse nome. Os Evangelhos
registram que só Jesus o usou para referir-Se a Si mesmo. Mas Estêvão
faz notar que Jesus de forma humana cumpriu as profecias messiânicas e
depois de ter terminado sua missão na terra, voltou de forma humana ao
céu. Jesus Se assenta ou fica de pé fisicamente ao lado de Deus, o Pai. O
fato de que Seu corpo está no céu garante que nós também seremos
como Ele é e que estaremos com Ele pela eternidade.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:45–49


Versículo 45
ε_ς — a preposição segue ao verbo _γένετο («chegou a ser») e quer
dizer «resultando num ser vivente (cf. Rm 10:10). 120
_σχατος — o «último», o que é também a forma como Jesus Se
chamou a Si mesmo quando apareceu a João na ilha de Patmos (Ap 1:17;
2:8; 22:13). Aqui é o equivalente a δεύτερος (=segundo, v. 47). Não
virão mais.
Versículos 47–48
_κ γ_ς — «da terra». A qualidade específica da terra se contrasta
com a origem celestial, _ξ ο_ρανο_ («do céu»).
χοϊκός — este é um adjetivo derivado do substantivo χο_ς (=pó); a
terminação –ικος indica que se tem as características do pó. O adjetivo
aparece quatro vezes em três versículos (vv. 47, 48 [bis], 49). Paulo
sublinha a origem terrena da raça humana.
ο_ος … τοιο_τος — trata-se de uma comparação na qual o primeiro
correlativo significa «de que classe» e o segundo denota qualidade «de
tal gênero, deste tipo». 121

120
Moule, Idiom-Book, pp. 70, 204.
121
BAGD, pp. 562, 821.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 834
Versículo 49
_φορέσαμεν — o aoristo do verbo φορέω (=levar, vestir) traduz-se
como perfeito («levamos»). Apesar de os manuscritos mais antigos
apoiarem o subjuntivo aoristo φορένσωμεν («levemos»), o contexto não
demanda o subjuntivo, e sim o futuro indicativo. Por último, uma
tradução usa o verbo revestir (LT), mas é preciso preferir levar.

6. Imortalidade e vitória. 1Co 15:50–57

Este longo capítulo está chegando ao final. Paulo começa um novo


parágrafo para dizer como é que os crentes receberão seus novos corpos
espirituais. Este é o grande final cheio de triunfo, porque assim Paulo
responde cabalmente a pergunta que seu oponente levantasse: «Como é
que os mortos ressuscitam, e com que tipo de corpo vêm?» (v. 35).
Ensina que nossos corpos mortais não serão revividos, e sim
transformados para viver eterna e imperecivelmente. Jesus Cristo é
vencedor sobre a morte, e compartilhamos com Ele essa vitória.

a. Transformação. 1Co 15:50–53

50. Mas digo isto, irmãos, que a ca rne e o sangue não podem herdar
o reino de Deus, nem a corrupção herda a incorrupção.
a. «Mas digo isto, irmãos». Paulo adquire um tom pessoal, quando
usa a primeira pessoa singular digo e o vocativo irmãos (o que inclui as
irmãs). A oração é quase idêntica à outra registrada anteriormente (1Co
7:29), só difere em ênfase. Paulo fala com firmeza. Passa da seção na
qual explicou como são e serão nossos corpos (vv. 42–49) a uma
discussão a respeito de como serão transformados nossos corpos. Com o
vocativo irmãos se dirige pastoralmente aos seus leitores, a fim de
estimular seu interesse na formação de seus futuros corpos.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 835
b. «Que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus».
Paulo usa a expressão carne e sangue para designar o corpo corruptível
de toda a raça humana. Ensina que a parte física do ser humano deve
perecer para poder ser renovada e transformada num corpo
glorificado. 122 A expressão é uma figura literária que aponta ao corpo
físico. É uma frase semita que aparece repetidamente em fontes rabínicas
para denotar a total fragilidade e mortalidade do ser humano. A frase
como um todo é considerada como um substantivo singular, pelo qual
vem seguida no grego de um verbo no singular. Além disso, o texto
grego do Antigo Testamento (a Septuaginta) e o Novo Testamento com
frequência registram «carne e sangue» ou em ordem inversa. 123
Qual é o significado da frase carne e sangue em conexão com
herdar o reino de Deus? Se tomássemos a frase de forma literal, Paulo
estaria dizendo que nenhum ser humano herda o reino. Mas este não é o
caso, porque os crentes têm a promessa de que eles são herdeiros e co-
herdeiros com Cristo (Rm 8:17). Paulo diz que o corpo mortal em sua
atual existência não pode entrar na presença de Deus. Só na
transformação, quando Deus cumprir a Sua promessa a todos os santos,
os redimidos herdarão o reino de Deus. Assim que, o conceito de herdar
é sinônimo com a ressurreição dos mortos.
Esta é a última vez que Paulo menciona a frase reino de Deus nesta
epístola. (Anteriormente disse que os ímpios não herdarão o reino de
Deus; e, entre outras coisas, mencionou gente com imoralidades sexuais,
ladrões, injuriadores e estelionatários [1Co 6:9, 10].) A frase tem que ver
com a etapa final na qual o reino de Deus se liberta dos poderes que
agora reinam. Estes poderes devem todos submeter-se a Jesus Cristo,
quem naquele dia da consumação entregará o reino a Deus o Pai (v. 24).

122
Compare-se com Hans Seebass, NIDNTT, vol. 1, p. 675; Eduard Schweizer, TDNT, vol. 7, p. 129;
Sider, «Resurrection Body», pp. 428–439.
123
Veja-se o texto grego de Eclesiástico 14:18; Mt 16:17; 1Co 15:50; Gl 1:16; Ef 6:12; Hb 2:14.
Refira-se a Jeremias, «Flesh and Blood», pp. 151–159. Veja-se as objeções levantadas por Ridderbos,
Paul, p. 546.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 836
c. «Nem a corrupção herda a incorrupção». A segunda parte do
versículo 50 forma paralelismo com a primeira parte. Observamos que
Paulo repete partes de sua anterior afirmação «[o corpo] semeia-se em
corrupção, ressuscitará em incorrupção» (v. 42). O que é pecaminoso e
corrupto não pode entrar na presença de Deus e obter o que é incorrupto.
Quando o que é corrupto for trasladado a um estado de incorrupção,
poderemos dizer que estamos tomando posse da herança que Deus nos
oferece. Se entendermos as duas linhas deste versículo como um
paralelismo sinônimo, então vemos que a expressão carne e sangue é
idêntica em significado ao termo corrupção. 124 E as expressões reino de
Deus e incorrupção apontam ao fim do tempo, quando Cristo entregar a
Deus o reino habitado pelos cidadãos que participam nesta incorrupção
(veja-se os vv. 24–28).
51, 52. Ol hai, digo-vos um mis tério: nem todos dormiremos, mas
todos seremos transformados num momento, num abrir e fechar de olhos,
ante a trombeta final. Porque soará a trombeta, e os mortos ressuscitarão
incorruptíveis e seremos transformados.
a. «Olhai, digo-vos um mistério». Nos Evangelhos, Atos, as
Epístolas e Apocalipse, os escritores do Novo Testamento usam
repetidamente o modismo semítico olhai. Mas surpreende que em suas
epístolas, Paulo use muito pouco a expressão. Por certo, nesta carta só
ocorre uma vez. 125 Responde uma pergunta que havia de vir: como será
transformado o crente para herdar o reino? Assim que, comunica-lhes
um mistério aos seus leitores, o qual é uma revelação que Deus entrega
através de Paulo. O mistério tem que ver com a transformação futura dos
crentes. 126 Num contexto semelhante a respeito do final dos tempos,
Paulo alude a esta revelação como uma palavra do Senhor (1Ts 4:15).

124
Refira-se a John Gillman, «Transformation in 1 Cor. 15,50–53», EphThL 58 (1982): 309–33; Kôshi
Usami, «‘How are the dead raised?’ (1 Cor. 15,35–58)», Bib 57 (1976): 489–90; Günther Harder,
TDNT, vol. 9, pp. 103–105.
125
Para outras epístolas paulinas, veja-se o texto grego de 2Co 5:17; 6:2, 9; 7:11; 12:14; Gl 1:20.
126
Cf. o uso de «mistério» em 1Co 2:7; 4:1; 13:2; 14:2.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 837
b. «Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados».
Quando Paulo diz «dormiremos», está usando um eufemismo que aponta
à morte (veja-se os vv. 6, 18, 20). Refere-se ao fato de que alguns crentes
não terão que enfrentar a morte, nem todos morrerão fisicamente. Os que
estiverem vivos quando chegar o fim, serão transformados na vinda de
Cristo, assim como todos os que morreram no Senhor.
A linguagem nesta segunda parte do versículo 51 inclui o próprio
Paulo, mas ninguém deve fazer com que o texto diga mais do que tenta
comunicar. A primeira pessoa plural dormiremos deve ser entendido
como uma observação geral que abrange todos os crentes. Entre eles
estão os que fisicamente verão Cristo voltando nas nuvens do céu (1Ts
4:15–17). Paulo revela que «todos seremos transformados», incluindo os
que estiverem vivos quando Cristo voltar. A transformação a que se
refere é a alteração completa do estado físico do crente, uma mudança
que terá lugar num abrir e fechar de olhos.
c. «Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a trombeta
final». O termo grego que Paulo usa para «momento» é atomos, do qual
se deriva a palavra átomo. A palavra refere-se a algo tão pequeno que já
não é possível fragmentá-lo mais. Mas aqui atomos é usado para o
tempo. A frase num abrir e fechar de olhos está em aposto, e refere-se ao
piscar momentâneo. O milagre da transformação ocorrerá num segundo
tanto para os ressuscitados como para os que estiverem com vida. 127
Paulo indica que a última trombeta soará para anunciar o
acontecimento da ressurreição. Este toque de trombeta será o último da
história da redenção. Outras passagens do Novo Testamento que falam
da vinda de Cristo mencionam um forte som de trombeta (Mt 24:31) e o
chamado de trombeta de Deus (1Ts 4:16). A Bíblia, os Apócrifos e os

127
G. M. M. Pelser, «Resurrection and Eschatology in Paul’s Letters», Neotest 20 (1986): 37–46;
Donald Guthrie, «Transformation and the Parousia», VoxEv 14 (1984): 39–51.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 838
escritos rabínicos falam de um som de trombeta quando querem anunciar
uma revelação divina iminente, o dia do juízo e a ressurreição. 128
d. «Porque soará a trombeta, e os mortos ressuscitarão
incorruptíveis e seremos transformados». No tempo mais curto possível,
ocorrerá a ressurreição e transformação geral. Quando soar a trombeta,
ninguém que pertença ao povo de Deus será passado por alto. Os mortos
se levantarão incorruptíveis, e os que estiverem vivos, quando Cristo
volte, serão transformados.
Paulo não coloca restrição alguma quando escreve «seremos
transformados», visto que anteriormente colocou o adjetivo todos na
oração «todos seremos transformados» (v. 51). 129 Novamente usa a
primeira pessoa seremos transformados no sentido mais amplo possível.
inclui a se si mesmo e a todos os crentes, os que estiverem na tumba e os
que estiverem com vida.
Em típico estilo semita, Paulo usa a voz passiva sem esclarecer
quem é o agente que a produz no dia da ressurreição. Evita usar o nome
de Deus, embora seja o próprio Deus quem levantará os mortos e
transformará num momento a todos os que estiverem com vida quando
Cristo vier.
Paulo não está afirmando que Cristo virá em sua época. Bem como
todos nós, Paulo esperava com ânsias o fim. A revelação de Deus nos
ensina que embora a vinda de Cristo seja iminente, ninguém exceto
Deus, o Pai, sabe o dia e a hora deste acontecimento (Mt 24:36). Por
certo, Jesus disse a Seus apóstolos que não lhes correspondia saber os
tempos e períodos que o Pai tinha determinado (At 1:7). Paulo não está
afirmando nada definido a respeito da vinda de Cristo. Mas como

128
Veja-se, p. ex., Êx 19:16; Ap 4:1; 8:2–9:14; 2 Esdras 6:23, e as referências rabínicas em SB, vol. 3,
p. 481; Gerhard Friedrich, TDNT, vol. 7, p. 84.
129
Consulte-se A. C. Perriman, «Paul and the Parousia: 1 Corinthians 15.50–57 and 2 Corinthians
5.1–5», NTS 35 (1989): 412–21; John Gillman, «A Thematic Comparison: 1 Cor. 15:50–57 and 2 Cor.
5:1–5», JBL 107 (1988): 439–54.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 839
qualquer de nós hoje em dia, expressa seu desejo de estar com vida
quando chegar tão apreciado momento. 130
53. Porque isto corrupt ível deve ser ves tido de incorrupção e isto
mortal deve ser vestido de imortalidade.
Este versículo compõe-se de duas partes em paralelismo que se
apoiam uma a outra:

Porque isto corruptível e isto mortal

deve ser vestido de deve ser vestido de

incorrupção imortalidade

Notemos, acima de tudo, os dois pronomes demonstrativos isto que


aponta ao marco mortal e corruptível do ser humano. Segundo, a palavra
grega phtharton quer dizer aquilo que está sujeito a decaimento e
destruição aplicada ao homem mortal. 131 Terceiro, o verbo deve denota a
necessidade que Deus impõe e age como verbo auxiliar de ser vestido.
No grego, poderia entender-se como voz passiva, o que implicaria que o
agente é Deus. Em outras palavras, os crentes individuais devem ser
vestidos por Deus com incorrupção e imortalidade. Não podem vestir-se
eles mesmos com estas qualidades, mas devem esperar que Deus o faça
por eles. Por último, a forma verbal ser vestido é usada figurativamente
(cf. 2Co 5:4).
Este texto não só comunica a mensagem de que os crentes serão
transformados, mas também implica certa descontinuidade com o
passado. A existência física passada e presente dos crentes se caracteriza
pela corrupção e a mortalidade. Mas a mensagem deste versículo

130
R. C. H. Lenski, The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians (1935;
Columbus: Wartburg, 1946), p. 737.
131
BAGD, p. 857.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 840
também tem um aspecto de continuidade, porque é o corpo terrestre que
será vestido de incorrupção e imortalidade. 132

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:50–53


Versículos 50–51
δύναται — o verbo no singular tem um sujeito composto por «carne
e sangue». Parecesse que Paulo só considera o primeiro sujeito. 133
πάντες ο_ κοιμηθησόμεθα — o negativo precede ao verbo, mas
realmente nega ao adjetivo todos. Se for tomado de forma literal isso
diria que Paulo não morrerá, mas verá a vinda de Cristo. Mas como
Paulo morreu, os escribas transferiram o negativo à oração seguinte:
«todos morreremos, porém nem todos seremos transformados». Outros
omitem o negativo em ambas as orações. Estas são tentativas para
modificar o texto. A leitura que preferimos é a adotada pela maioria dos
tradutores.

Versículos 52–53
_ιπή — a leitura tradicional e correta do texto é «num piscar [de
olho]» em lugar de _οπή («num momento»). 134
το_το — note-se a posição enfática do pronome demonstrativo que
aparece quatro vezes neste versículo e no seguinte.

132
Consulte-se Gillman, «Transformation», pp. 331–332.
133
Robertson, p. 405.
134
G. Zuntz, The Text of the Epistles: A Disquisition upon the Corpus Paulinum (Londres: Oxford
University Press, 1953), pp. 37–39.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 841
b. Celebração. 1Co 15:54–57

54, 55. Mas quando isto corruptível tiver sido vestido de incorrupção
e isto mortal tiver sido vestido de imortalidade, então fará realidade a
declaração que está escrita: A morte fo i tragada em vitória. Onde está, ó
morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?
O versículo 54a é uma continuação e repetição verbal do versículo
53. Ao acrescentar-se duas referências temporais (quando e então) e ao
mudar o tempo do verbo vestir-se ao passado, Paulo fala como se um
fato futuro já tivesse ocorrido. Para ser precisos, as palavras de Paulo se
cumpriram quando Jesus Se levantou dos mortos. Essa ressurreição tem
feito saber a todos os crentes que eles também ressuscitarão. Este texto é
uma excelente ilustração da constante tensão que se dá no Novo
Testamento entre o já e o ainda não. Através de Jesus Cristo,
reconhecemos a realidade da ressurreição, e através da Sua promessa nos
apropriaremos dela na consumação.
Esta é a última vez que nesta epístola Paulo cita textos proféticos do
Antigo Testamento (Is 25:8; Os 13:14). Situa no futuro o cumprimento
da primeira profecia por meio das seguintes palavras introdutórias «então
fará realidade a declaração que está escrita». Cita o profeta Isaías, porém
não segue nem o texto hebraico nem a Septuaginta. O hebraico diz:
«Tragará a morte para sempre» (Is 25:8). E a versão grega lê: «a morte
[os] tragou totalmente». Segundo o texto hebraico, o sujeito é Deus e o
objeto direto é a morte. Mas ao usar um verbo na voz passiva, Paulo
converte a morte no sujeito gramatical do verbo foi tragada. Adota o
estilo semítico de usar a voz passiva como uma forma de evitar nomear a
Deus. Está implícito que Deus eliminará a morte, isto é, o poder da
morte (cf. Hb 2:14). Por último, Paulo muda o para sempre do hebraico,
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 842
para que diga «em vitória». Suas palavras concordam com a leitura de
algumas traduções gregas do texto hebraico. 135
«A morte foi tragada em vitória». Olhando para trás, ao triunfo de
Jesus sobre a morte, e para frente, rumo à ressurreição de todos os
crentes, Paulo prorrompe em júbilo. Fala da morte do inimigo mortal da
vida: a morte. Embora a morte continue tendo poder como o último
inimigo de Cristo (v. 26), Paulo sabe que Deus a destruirá. Os dias da
morte estão contados.
Paulo zomba da morte e lhe pergunta: «Onde está, ó morte, a tua
vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?». Tira esta segunda parte de
Oseias, quem diz que Deus redimirá da tumba os filhos de Israel e que os
libertará da morte. O profeta pergunta: «Onde estão, ó morte, as tuas
pragas? Onde, ó morte, a tua destruição?» (Os 13:14, minha tradução). A
tradução grega diz: «Onde está, ó morte, o teu castigo? Onde, ó tumba, o
teu aguilhão?». Paulo mudou a palavra castigo por «vitória» para que se
acomode ao que vem dizendo. Na segunda pergunta, pôs morte em lugar
de «tumba», o que na Septuaginta é Hades. Mas Paulo nunca usa Hades
em suas epístolas. Talvez temia que os leitores gregos mal-entendessem
a palavra. Na antiga mitologia, o Hades era um deus grego, e o inferno
era chamado «a casa do Hades». É por isso que esta palavra não podia
estar no vocabulário de Paulo. 136
Um último comentário sobre este versículo. Quando Jesus deteve
Paulo, em caminho para Damasco, disse-lhe que era coisa dura que ele
desse golpes contra o aguilhão (At 26:14). Paulo deveria viver com as
cicatrizes desses golpes pelo resto de sua vida. Agora Paulo percebe que
a morte já não tem aguilhão e, em certo sentido, é impotente. Outros
eruditos creem que se trata do aguilhão do escorpião. O aguilhão fere

135
A tradução de Áquila e Teodósio. SB, vol. 3, p. 481; Rodolphe Morissette, «Un midrash sur la
Mort (1 Cor., XV,54c à 57)», RB 79 (1972): 169. Sem as vogais, a palavra hebraica nsh pode
significar «para sempre» ou «ser vitorioso».
136
A AV registra «sepulcro». Metzger comenta, «a leitura hades é … uma assimilação da
Septuaginta». Veja-se seu Textual Commentary, p. 570.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 843
com medo o coração dos humanos. Mas aqueles que estão em Cristo não
temem a morte e o seu aguilhão, porque sabem que Jesus certamente
conquistou a morte. Portanto, Paulo pode dizer com certeza:
56. O aguilhão da morte é o pecado, e o poder do pecado, a lei.
Num só versículo, Paulo apresenta a doutrina do pecado, da lei e da
morte. 137 Qual é o aguilhão da morte? Paulo responde: o pecado. E qual
é o poder do pecado? Paulo diz: a lei. Então, qual é a relação entre o
pecado, a lei e a morte? O pecado é a causa da morte, e o conhecimento
do pecado vem através da lei. Em suma, a lei tem uma função
causativa. 138 Traz à luz o pecado cometido contra Deus. Dá ao pecado
seu poder, que sem a lei está morto (Rm 7:8). A lei, que é boa, levanta
paixões pecaminosas (Rm 7:5) e, desta forma, fortalece o pecado. A lei
sentencia e condena o pecador à morte. Assim, a lei é um instrumento de
morte porque o pecador não é capaz de cumprir suas demandas. João
Calvino faz notar que «a morte não tem outra arma para nos ferir que o
pecado, visto que a morte vem da ira de Deus. Mas Deus só está irado
com nossos pecados. De maneira que, se tirarmos do meio o pecado, a
morte já não poderá nos danificar nunca mais … É a lei de Deus a que dá
a esse aguilhão seu poder mortal». 139
Não há esperança? Naturalmente. Em resposta ao clamor «Quem
me livrará deste corpo mortal?», Paulo responde: «Graças a Deus por

137
Alguns estudiosos creem que este versículo é uma glosa que foi acrescentada ao manuscrito.
Afirmam que o apóstolo poderia ter acrescentado a glosa mais tarde, mas de qualquer maneira alegam
que a brevidade do versículo o faz estar fora de lugar neste parágrafo. Veja-se, p. ex., Friedrich
Wilhelm Horn, «1 Korinther 15—ein exegetischer Stachel», ZNW 82 (1991): 88–105. No entanto, não
existe prova de que Paulo não o pudesse ter escrito neste contexto como um resumo de sua própria
teologia. Escreveu este versículo dois anos antes de escrever sua carta aos Romanos, na qual explica
plenamente a relação do pecado com a lei, e o pecado e a lei com a morte (p. ex., Rm 6:23; 7:9–11,
13).
138
J. A. D. Weima, «The Function of the Law in Relation to Sin: An Evaluation of the View of H.
Räisänen», NovT 32 (1990): 219–35; Stephen Westerholm, Israel’s Law and the Church’s Faith: Paul
and His Recent Interpreters (Grand Rapids: Eerdmans, 1988), p. 99; Frank Thielman, «The
Coherence of Paul’s View of the Law: The Evidence of First Corinthians», NTS 38 (1992): 235–53.
139
Calvin, 1 Corinthians, p. 346.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 844
meio de Jesus Cristo, nosso Senhor!» (Rm 7:24b, 25). Paulo proclama as
boas novas que Jesus Cristo cumpriu a lei para o Seu povo.
57. Mas graças sejam dadas a Deus, quem nos dá a vitória por meio
de nosso Senhor Jesus Cristo.
O júbilo de Paulo é o clímax apropriado ao seu longo discurso a
respeito da ressurreição. Neste clímax expressa sua gratidão a Deus pela
vitória obtida através de Jesus Cristo. A palavra-chave neste versículo é
vitória, a qual ecoa das citações do Antigo Testamento que se
mencionaram anteriormente (vv. 54, 55).
Qual é esta vitória? Jesus morreu por causa de nossos pecados e
conquistou a morte por nós, ressuscitando do sepulcro. Por meio da Sua
morte, libertou-nos da escravidão do pecado e nos declarou justos diante
de Deus. Com base em Sua ressurreição e glorificação, esperamos ser
como Ele. Pela fé em Cristo, participamos de Sua vitória sobre Satanás, a
morte, o inferno e a tumba (cf. 1Jo 5:4). Como resultado, nosso Senhor
ressuscitado possui triunfantemente as chaves da morte e do Hades (Ap
1:18).
Em seu serviço a Cristo, Paulo com frequência se encontrava de
cara com a morte. Mas embora soubesse que a morte ainda é uma força
poderosa na terra, é absolutamente certo que Jesus Cristo conquistou a
morte. Por conseguinte, escreve «Deus … nos dá a vitória». Paulo usa o
tempo presente, isto é, Deus se mantém nos dando a vitória em Cristo.
Podemos nos apropriar do triunfo de Jesus e nos alegrar nas riquezas da
salvação que são nossas.
Paulo afirma claramente que Deus nos dá a vitória através de nosso
Senhor Jesus Cristo. Primeiro, faz notar a obra que Cristo levou a cabo
para nos libertar; depois, identifica a Jesus como Senhor. Nós O
reconhecemos como Senhor e, em gratidão, O servimos fazendo a Sua
vontade sem permitir que nada nos distraia. Cristo é nosso Senhor
vitorioso e nós somos Seus servos agradecidos.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 845
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 15:54–57
Versículos 54–55
γενήσεται — é o futuro do verbo γίνομαι (=vir a ser, ser) e
comunica a ideia de que se levará a cabo.
κατεπόθη — é o aoristo passivo do verbo composto καταπίνω
(=engolir, tragar). O composto indica direção.
ν_κος — este substantivo neutro é uma forma tardia de νίκη
(=vitória).

Versículos 56–57
Note-se que no versículo 56 cada substantivo tem o artigo definido.
Neste mesmo versículo é necessário suprir o verbo «é» na tradução.
τ_ δ_ θε_ — o adversativo é um forte mas (veja-se o v. 20). Por
ênfase, o artigo definido e o substantivo aparecem em primeiro lugar na
oração.
χάρις — no contexto presente, a palavra significa «graças», mas
tem a mensagem implícita de que nós pela graça participamos da vitória
de Cristo.
τ_ διδόντι — o gerúndio descreve uma ação que ocorre ao mesmo
tempo que a do verbo tácito sejam.

7. Exortação. 1Co 15:58

58. Assim que, me us queridos irmã os, estai firmes, inamovíveis,


sempre abundando na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não
é vão no Senhor.
A exortação tem pouco que ver com os versículos que precedem de
forma imediata e que procuram a vitória que o crente tem em Jesus
Cristo. É uma exortação que se depreende de todo o capítulo, se não de
toda a carta. À parte das últimas instruções e das saudações finais, Paulo
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 846
terminou sua epístola e agora admoesta os seus leitores a fazer a obra de
Deus.
a. «Assim que, meus queridos irmãos». As primeiras duas palavras
introduzem uma afirmação conclusiva. Paulo usa com frequência esta
expressão em suas epístolas. Pela última vez nesta carta se dirige aos
destinatários de uma maneira muito pessoal, chamando-os «queridos
irmãos [e irmãs]». Em outros lugares os chama «meus filhos queridos»
(1Co 4:14) e «meus amados» (1Co 10:14). Cada vez se dirige aos
coríntios como um pai a seus filhos. Permanece o pai espiritual dos
coríntios, quem por meio da pregação do evangelho são sua prole (1Co
4:15). Paulo é seu pastor que os ama apesar dos muitos problemas que a
igreja tinha.
b. «Estai firmes, inamovíveis». Paulo felicita os crentes por sua
firmeza e os exorta a continuar sua dedicação ao Senhor (cf. Cl 1:23). No
meio da investida dos diversos ensinos da cultura pagã, insiste com eles
a permanecer firmes no Senhor e a não vacilarem. Diz-lhes que sejam
inamovíveis. Esta última palavra é um composto que indica a inabilidade
para mover-se de sua ancoragem espiritual. Paulo não se refere a manter
o status quo na igreja. O que quer é que as pessoas cresçam em seu amor
pelo Senhor e que comuniquem isso em suas obras.
c. «Sempre abundando na obra do Senhor». Depois de dizer a seus
leitores que devem ser inamovíveis, Paulo os anima a sobressair na obra
do Senhor. Para comunicar a ideia de constância de forma enfática,
acrescenta a palavra sempre, a qual por ênfase no original está colocada
no final da oração. Qual é a obra do Senhor? A obra tem que ver com
pregar e ensinar o evangelho de Cristo, aplicando o conteúdo da Bíblia à
vida, edificando-se uns aos outros e amando o próximo como a si mesmo
(cf. 1Co 16:10). Consiste num forte desejo de guardar os mandamentos
de Deus e em fazê-lo porque estamos agradecidos pela salvação que nos
deu através de Seu Filho. Assim como Deus nos estende o Seu amor sem
medida, assim nossas desinteressadas obras que fazemos para Ele serão
sem medida.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 847
d. «Sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor». Os
coríntios que são fiéis têm um conhecimento certo de que as obras feitas
por amor e gratidão a Deus não serão esquecidas (veja-se Hb 6:10).
Paulo usa a palavra trabalho com frequência num contexto missionário e
equivale a trabalhar com suas próprias mãos para sustentar-se a si
mesmo (1Co 4:12) ou quer apontar à «atividade da comunidade cristã
como um todo». 140 Tal trabalho que se entrega livremente para o Senhor
jamais será vão, porque o próprio Senhor abençoa os Seus servos (Mt
19:29).

Resumo de 1 Coríntios 15
Este capítulo é doutrinal, longo e concludente. Paulo começa
lembrando aos destinatários o evangelho que lhes proclamou.
Compreendia seu conteúdo mencionando o nascimento, morte, sepultura,
ressurreição e aparições de Cristo. Deixa claro que lhes entregou este
evangelho que está em harmonia com as Escrituras. Enumera as
aparições de Jesus a Pedro, aos doze, a quinhentos irmãos, a Tiago e ao
próprio Paulo. Paulo não se sente digno de ser chamado apóstolo, mas
diz que o é pela graça de Deus.
Alguns coríntios punham em dúvida a doutrina da ressurreição.
Paulo iguala a ressurreição dos mortos com a de Cristo, e afirma que se
uma não é verdade, tampouco o é a outra. Se Cristo não ressuscitou,
então a pregação dos apóstolos é inútil, assim como a fé dos coríntios. Se
assim for, os coríntios ainda estariam em pecado e seriam objeto de
compaixão.
Paulo prega com certeza a ressurreição de Cristo. Ensina que a
morte veio através de Adão e a vida através de Cristo. Revela que a
ressurreição ocorre em duas etapas: primeiro Cristo, depois os que Lhe
pertencem. Então vem o fim, quando Cristo entregar o reino a Deus, o
Pai. Todos os seus inimigos serão destruídos, incluindo a morte. Quando
140
Herbert Fendrich, EDNT, vol. 2, p. 307.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 848
o Filho tiver entregue tudo ao Pai, então Ele mesmo se sujeitará a Deus,
para que Deus seja tudo em todos. Paulo conclui esta parte do capítulo,
perguntando a respeito do batismo dos mortos e do significado de pelejar
com bestas selvagens em Éfeso. Exorta os leitores a voltar a pensar com
prudência; insiste com eles a deixar de pecar e que não sejam ignorantes
sobre Deus.
Com um número de exemplos tirados do mundo natural, Paulo
explica os meios e a maneira da ressurreição. Escreve sobre sementes e
plantas; sobre a carne dos animais, aves e peixes; sobre o esplendor do
sol, a lua e as estrelas. Ensina que os mortos se levantarão com os corpos
que tinham quando estavam neste mundo, exceto que se levantarão
imperecíveis em glória como seres espirituais. Paulo revela que o último
Adão passou seu corpo terrestre a seus descendentes; deste modo Cristo
transmite seu corpo celestial aos crentes.
Paulo declara que quando Cristo voltar, a transformação dos crentes
sucederá num abrir e fechar de olhos quando soar a trombeta final. Então
os mortos voltarão à vida e os que estão em Cristo serão transformados.
Serão eternos e imortais. Paulo zomba da morte, citando Isaías e Oseias,
e dá graças a Deus pela vitória que temos por meio de Jesus Cristo.
Exorta os leitores a que estejam firmes e constantes na obra do Senhor,
obra que não é vã.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 849
1 CORÍNTIOS 16
A OFERTA PARA O POVO DE DEUS E CONCLUSÃO
I. A OFERTA PARA O POVO DE DEUS. 1CO 16:1–4

A carta como tal chegou ao final, exceto por algumas últimas


instruções, exortações e saudações. Paulo dá a conhecer que planeja
viajar a Jerusalém a aliviar a pobreza dos santos em tal cidade (At 19:21;
24:17; 2Co 8, 9). Deseja arrecadar doações em dinheiro dos crentes de
Corinto, tal como o está fazendo em todas as igrejas gentílicas. O que
Paulo busca com estas ofertas é promover a unidade das igrejas judaicas
e gentílicas. Seu fim é terminar com a animosidade que continua
separando os cristãos judeus dos cristãos gentios.
1. Agora, a respeito da oferta pa ra os s antos, fazei o mesm o que
ordenei às igrejas da Galácia.
As primeiras palavras «Agora, a respeito de» devem indicar que
Paulo está respondendo a uma pergunta que estava incluída na carta que
os coríntios lhe enviaram (1Co 7:1). Com estas palavras de introdução,
Paulo respondeu as perguntas que lhe fizeram com relação ao casamento,
a carne oferecida aos ídolos, os dons espirituais, a oferta para os pobres
em Jerusalém e Apolo (1Co 7:1, 25; 8:1; 12:1; 16:1, 12).
A igreja de Jerusalém fiscalizava as igrejas que Paulo tinha fundado
(At 15:4; 18:22; 21:17–19). Porém não existe evidência escriturística de
que esta igreja impor tributos sobre os cristãos gentios, da mesma forma
em que os sacerdotes de Jerusalém obrigavam os judeus em Israel e a
dispersão a pagar um imposto anual para o templo. Paulo, antes, ensinou
aos crentes gentios que compartilhassem com alegria seus dons materiais
com os cristãos de Jerusalém, com base em que os santos de Jerusalém
tinham compartilhado com eles bênçãos espirituais (Rm 15:26, 27).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 850
1
Deviam saber que estavam em dívida com a igreja de Jerusalém. Paulo
queria que fossem doadores alegres que, sem desinteresse e obrigação,
contribuíssem generosamente para ajudar os pobres (2Co 9:7). A igreja
está obrigada a cuidar de sua própria gente e de outros em necessidade
(Tg 2:15, 16; 1Jo 3:17).
Depois dos primeiros anos do cristianismo, nos quais não houve
pobres entre os cristãos (At 4:34), a igreja de Jerusalém experimentou
tempos duros. A grande perseguição que se produziu depois da morte de
Estêvão, fez com que a maioria dos membros da igreja fugissem da
cidade (At 8:1b). Sem bens nem negócios, estes refugiados se uniram às
filas dos pobres (Tg 2:6; 5:1–6). Os crentes que ficaram em Jerusalém,
junto com os que voltaram, sofreram dificuldades econômicas. Antes que
transcorresse uma década, suportaram um prolongado período de fome
severa (At 11:28). Mais adiante, experimentaram adversidades
econômicas, porque Paulo escreve que havia gente pobre entre os santos
de Jerusalém (Rm 15:26). Contudo, alguns cristãos pareciam prosperar.
Paulo estava disposto a ajudar os pobres, tal como o prometeu na
ocasião que Tiago, Pedro e João lhes estenderam a destra «em sinal de
companheirismo» (Gl 2:9, 10). Por certo, a igreja de Antioquia enviou a
Paulo e Barnabé para que levassem ajuda para combater a fome que
sofriam os cristãos da Judeia (At 11:29, 30). Seja por meio de Timóteo,
Tito ou por carta, Paulo deve ter mencionado à igreja de Corinto a
necessidade de ajudar os crentes pobres de Jerusalém. O artigo definido
na expressão a oferta, realmente quer dizer «a oferta da qual todos
estamos informados». Na carta que enviaram a Paulo, os coríntios devem

1
Murray J. Harris, NIDNTT, vol. 3, p. 752; Gerhard Kittel, TDNT, vol. 4, pp. 282–283; Keith F.
Nickel, The Collection: A Study in Paul’s Strategy, STB 48 (Londres: SCM; Naperville, Ill.: Allenson,
1966); Dieter Georgi, Die Geschichte der Kollecte des Paulus für Jerusalem (Hamburgo: Reich,
1965).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 851
ter-lhe perguntado a respeito dos detalhes de como proceder para juntar o
dinheiro. 2
Assim como insistiu com os crentes da Galácia a fazer o bem a
todas as pessoas, mas em especial aos crentes (Gl 6:10), assim também
diz aos coríntios que reúnam dinheiro para os pobres de Jerusalém. As
igrejas da Galácia são as que Paulo e Barnabé fundaram durante a sua
primeira viagem missionária: Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e
Derbe (At 13–14). Além disso, Lucas menciona que Gaio de Derbe e
Timóteo de Listra o acompanharam a Jerusalém com o donativo (At
16:1; 20:4; 24:17). 3 Como representantes de suas igrejas, iam para
salvaguardar o dinheiro que se enviava aos pobres de Jerusalém.
Paulo diz aos coríntios que sigam as instruções que ele deu às
igrejas da Galácia. Com autoridade apostólica, ordena aos crentes que
cuidem dos santos de Jerusalém espancados pela pobreza.
2. No pri meiro dia da semana, que cada um de vós separe algo e o
guarde conforme tenha prosperado, para que quando eu vá não se levante
uma oferta.
a. «No primeiro dia da semana». Esta é a forma comum em que os
judeus chamavam o que nós conhecemos por Domingo (Mt 28:1 e
paralelos; At 20:7; veja-se também Ap 1:10). Na tarde do primeiro dia da
semana, os cristãos reuniam-se para partir o pão, isto é, para celebrar a
Ceia do Senhor (At 20:7). Os primeiros cristãos comemoraram o
primeiro dia da semana como o dia da ressurreição de Jesus. 4 Assim que,
escolheram esse dia como dia para adorar e ter comunhão.

2
Gerd Luedemann, Paul, Apostle to the Gentiles: Studies in Chronology, traduzido por F. Stanly
Jones (Philadelphia: Fortress, 1984), p. 81; John C. Hurd, Jr., The Origin of 1 Corinthians (Macon,
Ga.: Mercer University Press, 1983), p. 233.
3
C. K. Barrett sugere igrejas no norte da Galácia. Veja-se seu A Commentary on the First Epistle to
the Corinthians, en la serie Harper’s New Testament Commentary (Nova York e Evanston: Harper
and Row, 1968), p. 386.
4
Max Turner, «The Sabbath, Sunday, and the Law in Luke/Acts», en From Sabbath to Lord’s Day: A
Biblical, Historical, and Theological Investigation, editado por D. A. Carson (Grand Rapids:
Zondervan, 1982), p. 137.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 852
b. «Que cada um de vós separe algo e o guarde conforme tenha
prosperado». Paulo ensina os coríntios o bom costume de dar para o
Senhor. Usa o tempo presente do verbo separar, para indicar que cada
crente deve fazer isso de forma regular. Paulo não indica onde se deve
guardar esse «algo», mas dá a entender que cada crente deverá guardar
«ele mesmo» estes donativos até que Paulo chegue para arrecadá-los.
É verdade que a igreja de Corinto tinha administradores (1Co
12:28) e diáconos administravam os recursos e cuidavam dos pobres (At
6:1–6; cf. Fp 1:1; 1Tm. 3:8–13). Sem dúvida que arrecadaram doações
entre os cristãos para ministrar aos pobres. Mas o seguinte versículo
sugere que cada um devia guardar em casa os donativos para a igreja de
Jerusalém. Paulo diz aos crentes de Corinto que façam sua contribuição
no primeiro dia da semana, porém não estipula que os donativos sejam
recolhidos pelos oficiais da igreja. 5 O dinheiro não estava destinado para
que os diáconos o distribuíssem segundo as necessidades locais. Era uma
oferta especial que cada um poria à parte para os santos de Jerusalém.
Com quanto devia contribuir o crente de Corinto? Paulo não usa a
palavra dízimo, mas antes, assenta um princípio claro de que o crente
deve dar com relação à prosperidade recebida do Senhor. No grego, o
verbo prosperar quer dizer «ser levado por um bom caminho». 6 O
agente que traz a prosperidade é o Senhor, a quem o crente deve dar sua
oferta com ação de graças.
c. «Para que quando eu vá não se levante uma oferta». Esta é a
segunda vez que Paulo anuncia aos coríntios que os visitará (1Co 4:18–
21). A primeira foi para repreendê-los, agora diz que irá assegurar-se de
que os coríntios tenham feito sua oferta. Ao lhes dar instruções

5
Entre outros, Samuele Bacchiocchi, From Sabbath to Sunday: Historical Investigation of the Rise of
Sunday Observance in Early Christianity (Roma: Pontifical Gregorian University Press, 1977), pp.
93–95; Willy Rordorf, Sunday: The History of the Day of Rest and Worship in the Earliest Centuries
of the Christian Church, traduzido por A. A. K. Graham (Londres: SCM; Philadelphia: Westminster,
1968), pp. 193–194.
6
BAGD, p. 323.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 853
adequadas, evita pressionar os cristãos a darem precipitadamente. Quer
que tudo se faça corretamente.
3. E quando eu chegar, aos que vós aprovardes, a estes enviarei com
cartas [de recomendação] para que levem vosso dom a Jerusalém.
Em harmonia com o que disse sobre suas finanças pessoais (1Co
9:7–18), Paulo evita envolver-se na coleta da oferta e em seu envio a
Jerusalém. Pede que a igreja de Corinto escolha as pessoas para essa
tarefa. Na Macedônia e na Ásia Menor também foi escolhido uma
delegação para que levasse o donativo aos santos de Jerusalém. Desta
forma, não se acusaria a Paulo de incrementar seus bens.
Não se menciona uma lista de irmãos de Corinto que tenham
acompanhado a Paulo a Jerusalém (At 20:4). Quem foi o irmão
escolhido pelas igrejas para viajar com Paulo e sua companhia para fazer
entrega do donativo (2Co 8:18, 19)? Esta pessoa teria ganho a confiança
dos coríntios, mas nunca saberemos se foi Barnabé, Lucas ou outro
colaborador do apóstolo. 7
Os tradutores não estão de acordo quanto à identidade do autor das
cartas. Foi Paulo que escreveu cartas de recomendação para os irmãos
escolhidos pelos coríntios, 8 ou foi a igreja de Corinto que redigiu as
cartas? 9 Se se considerar a autoridade apostólica de Paulo, o
conhecimento dos líderes de Jerusalém e o desejo de promover a unidade
eclesiástica, sugiro que foi Paulo quem escreveu cartas recomendando
estes cristãos gentios da Grécia diante dos cristãos judeus da Judeia. No
tempo de Paulo, a pessoa que era enviada com alguma missão, em geral
levava credenciais emitidas pela pessoa ou instituição que a enviava (At
9:2; 15:23; 22:5; Rm 16:1; 2Co 3:1–3).
O termo que Paulo usa para «dom» é charis, o qual neste versículo
denota uma doação caridosa como expressão de benevolência. É um dom
de graça que os cristãos de Corinto enviam a Jerusalém.

7
Refira-se a Ralph P. Martin, 2 Corinthians, WBC 40 (Waco: Word, 1986), pp. 274–275.
8
CB, NBE, NVI, BP, CI, VP, NTT.
9
RV60, VM, LT.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 854
4. E se é apropriado que eu vá, irão comigo.
Este versículo revela que Paulo tem dúvida a respeito. Queria estar
a cargo da tarefa de enviar os portadores da oferta, para o qual escreveu
cartas para apresentá-los aos líderes de Jerusalém. Por outro lado, não
quer envolver-se no processo de arrecadar a oferta, de cuidar dela e levá-
la ao sua destino. Com isso buscava ser irreprochável e estar livre de
toda suspeita. Queria ser aprovado por Deus e os homens (2Co 8:20, 21).
Paulo pergunta aos membros da igreja se eles consideram
necessário que ele viaje com os representantes. Depois de visitar as
igrejas da Macedônia e Grécia, Paulo decidiu viajar a Jerusalém (At
19:21), mas queria que a congregação o confirmasse.

Considerações práticas em 1Co 16:1–2


Um dos elementos da adoração é ofertar a Deus como resposta
agradecida a suas numerosas bênçãos. Adoramos a Deus nos domingos
regularmente e até em alguns dias especiais ou durante a semana. Vamos
à igreja para adorar, porque Deus quer encontrar-Se conosco e nos falar
com Sua palavra. Cantamos os seus louvores, confessamos nossos
pecados, damos graças por orações respondidas e apresentamos nossas
petições. Mostramos nosso amor a Ele não só fazendo tudo isso, mas
também ofertando.
Paulo ensina aos coríntios a separar suas ofertas no primeiro dia da
semana e que o façam regularmente. Este ensino reflete a provisão de
Deus para Seu povo. Deus provê diariamente as necessidades de Seu
povo e lhes instrui para que orem pelo pão de cada dia (Mt 6:11; Lc
11:3). Assim como Deus ensinou ao povo de Israel que O honrasse com
seus bens e com os primeiros frutos de todas as suas colheitas (Pv 3:9), o
Novo Testamento também ensina ao povo a honrá-Lo, dando com
liberalidade (Lc 6:38; 21:1–4).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 855
Deus dá fielmente em resposta às orações de Seu povo (1Jo 5:14,
15). De maneira semelhante, o Seu povo deve regularmente Lhe oferecer
seus dons como um ato de adoração.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 16:1–4


Versículos 1–2
τ_ς λογείας τ_ς — uma coleta para os pobres. Note-se que duas
vezes Paulo usa o artigo definido para especificar o donativo particular
para os santos de Jerusalém.
κατά — a preposição é usada com sentido distributivo, no sentido
de cada primeiro dia da semana.
παρ_ _αυτώ — «junto com ele». Esta tradução literal indica que o
doador guardou sua oferta em sua própria casa.

Versículos 3–4
δι_ _πιστολώ — ao vir seguida pelo caso genitivo, a preposição διά
denota a maneira como Paulo envia os seus emissários. O substantivo
cartas poderia ser um plural idiomático que realmente aponta para uma
carta». 10
το_ κ_μ_ πορεύεσθαι — o infinitivo com seu artigo serve como
sujeito do verbo é. 11 O genitivo parece vir influenciado pelo adjetivo
_ξιον (=apropriado). A contração gramatical do pronome pessoal _μέ é o
sujeito do infinitivo.

10
C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2ª. edição (Cambridge: Cambridge
University Press, 1960), p. 57.
11
Robertson, p. 1061.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 856
II. CONCLUSÕES. 1CO 16:5–24

A. Pedidos de Paulo. 1Co 16:5–12

Nos dois parágrafos seguintes Paulo fala de seus planos de viagem,


a próxima visita que Timóteo fará a Corinto e o recebimento de Apolo.
Paulo fala de duas coisas: passar o inverno em Corinto e ficar em Éfeso
até o Pentecostes. Estas duas referências temporais deixam a impressão
que escreveu esta carta possivelmente um mês ou dois antes. 12 Um
eficaz trabalho evangelística manteve Paulo em Éfeso por algum tempo.
Timóteo precisa ser recomendado diante dos coríntios. Dada sua
juventude e sua personalidade tímida, Timóteo não foi bem recebido
numa visita anterior (cf. At 18:5). Apolo também teve suas próprias
razões para não querer voltar a Corinto. O que Paulo diz não é claro e
convida à especulação.

1. Paulo planeja as suas viagens. 1Co 16:5–9

5, 6. Irei a vós dep ois de ter ido a M acedônia. Irei através da


Macedônia, e talvez fique convosco algum tempo ou até tal vez passe o
inverno, para que assim me ponhais em caminho, aonde quer que eu vá.
a. «Irei a vós depois de ter ido a Macedônia». Segundo Lucas,
Paulo pensou em viajar a Corinto passando pela Macedônia e daí a
Jerusalém (At 19:21). Por certo, visitou as igrejas da Macedônia e
finalmente chegou a Corinto, onde ficou três meses (At 20:1–3a). O
tempo que passou em Corinto foi, sem dúvida, durante os meses de
inverno, quando era impossível viajar de navio.
Depois de compor e enviar esta epístola a Corinto, Paulo decidiu
cruzar o mar Egeu para fazer duas visitas. Primeiro, passará um tempo
12
Com base em 5:7 e 15:20, alguns comentaristas sugerem que Paulo escreveu esta epístola para a
Páscoa. Não tem importância se escreveu a epístola antes ou depois da Páscoa. Para uma cronologia
da estadia de Paulo em Éfeso e Corinto, veja-se a Introdução.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 857
com os coríntios, embora ainda não fará os arranjos para a coleta. Depois
viajará a pé até a Macedônia para visitar as igrejas. Logo voltará para
Corinto e dali irá a Judeia (2Co 1:15, 16). Porém, como sua curta visita a
Corinto foi dolorosa, mudou de opinião e voltou para Éfeso sem visitar
as igrejas da Macedônia (2Co 2:1). 13
b. «Irei através da Macedônia, e talvez fique convosco algum tempo
ou até talvez passe o inverno». Desde que partiu de Filipos, Tessalônica
e Bereia, em sua segunda viagem missionária, Paulo não tinha podido
voltar a visitar as igrejas da Macedônia por muitos anos. Contou às
igrejas de Tessalônica que Satanás tinha sabotado seu plano de visitá-los
(1Ts 2:18). Mesmo quando Timóteo, Silas e Erasto visitaram e serviram
as igrejas da Macedônia (At 18:5; 19:22), Paulo só tinha podido mandar-
lhes cartas (1 e 2 Tessalonicenses). Não tinha podido ir vê-los
pessoalmente. Seu plano de viajar através da Macedônia significava que
queria passar tempo com os crentes das diferentes congregações.
Depois de ministrar aos macedônios e receber seus donativos para
os pobres de Jerusalém (cf. 2Co 8:1–7), Paulo planejava viajar a Corinto
para estar com os irmãos por tempo considerável. Planejava estar em
Corinto até a primavera, visto que o clima inclemente tornava impossível
viajar por mar no inverno. Em suma, Lucas relata que permaneceu na
Grécia três meses (At 20:3).
c. «Para que assim me ponhais em caminho, aonde quer que eu vá».
Os planos de viagem que Paulo tinha não eram definidos, porque deixou
aberta a possibilidade de pregar o evangelho em outras regiões (p. ex., no
Ilírico [a atual Albânia e anteriormente, Iugoslávia] e Espanha [Rm
15:19, 24, 28]). Considerava obrigatória uma visita a Jerusalém, porque
queria informar a respeito do progresso das igrejas gentílicas (At 21:18,

13
Consulte-se Gordon D. Fee, «ΧΑΡΙΣ in II Corinthians 1.15: Apostolic Parousia and Paul-Corinth
Chronology», NTS 24 (1977–78): 533–38.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 858
14
19) antes de partir para novos campos missionários. Desta forma
esperava que Deus o guiasse ao fazer seus planos.
As igrejas cristãs davam ajuda financeira, comida, bebida e
alojamento aos missionários itinerantes (veja-se o v. 11; Rm 15:24; 2Co
1:16; Ti. 3:13; 3Jo 6). Não são os pagãos, mas os cristãos os que têm a
obrigação de suprir as necessidades físicas dos missionários e de enviá-
los a seu campo de missão. Mas Paulo havia dito aos coríntios que ele
lhes daria o evangelho gratuitamente e não pediu para ser sustentado
economicamente (1Co 9:17, 18).
7. Porque não desejo vos ver agor a ao passar, pois espero ficar
convosco por algum tempo, se o Senhor o permitir.
Paulo informa aos destinatários que sua intenção não é fazer uma
curta visita. Quer ficar por algum tempo com eles para reforçar os laços
que criou ao fundar a igreja. Desejava expressar-lhes seu amor, sabendo
que eles responderiam da mesma maneira.
Não há razões para crer que Paulo haja anteriormente visitado os
coríntios. A palavra agora não se refere ao passado, mas ao presente e
futuro. Paulo dá a conhecer seu plano de ficar com a igreja em Corinto
depois de uma longa ausência. Os numerosos problemas morais e
espirituais dos membros o obrigavam a planejar uma estadia
considerável com eles. Paulo necessitava um período para eliminar as
inconsistências que tinha a congregação de Corinto.
O povo de Deus deve saber que seu tempo está nas mãos de Deus.
Devem submeter-se à vontade de Deus. Os santos do Novo Testamento
nos dão o exemplo de viver em harmonia com a vontade do Senhor. 15
8, 9. M as ficarei em Éfeso até o Pentecostes. Porque me foi abet a
uma ampla porta para servir de forma eficaz, e há muitos adversários.

14
Grosheide crê que Paulo escreveu 1 Coríntios antes de ter decidido viajar a Jerusalém (At 19:21–22)
ou antes de fazer planos a respeito. Veja-se seu A Commentary on the First Epistle to the Corinthians:
The English Text with Introduction, Exposition and Notes, na série New International Commentary on
the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1953), p. 399, n. 4.
15
Paulo em At 18:21; Rm 1:10; 15:32 e 1Co 4:19; o escritor de Hebreus em Hb 6:3; e Tiago em Tg
4:13–15.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 859
Esta é uma referência definida de tempo. Fala-se do Pentecostes,
mas sem indicar o ano. Para os judeus, Pentecostes era a festa da colheita
que se celebrava sete semanas depois da Páscoa (Lv 23:9–16). Isto
ocorria na segunda parte de maio ou a primeira parte de junho. Os
cristãos comemoravam o derramamento do Espírito Santo em Jerusalém
(At 2:1–4). Exatamente um ano depois, Paulo viajou a Jerusalém e
chegou para o Pentecostes (At 20:16).
Paulo afirma que tem trabalho que realizar em Éfeso, onde lhe
foram abertas numerosas oportunidades para a evangelização. Usam uma
expressão figurada, «uma ampla porta para servir». Em outra parte usa
uma linguagem semelhante: «o Senhor tinha aberto as portas [para ele
em Trôade]» (2Co 2:12; veja-se também Cl 4:3). Não sabemos quando
ocorreu isso, visto que o alvoroço que em Éfeso causaram Demétrio e
seu séquito devia ter ocorrido depois que Paulo escreveu sua carta (At
19:23–41). Paulo pregou no átrio de Tirano, ensinou publicamente e
pelas casas, e chamou ao arrependimento os judeus e gregos de Éfeso e
da província da Ásia (At 19:9, 10; 20:20, 21).
O adjetivo eficaz se equilibra com o substantivo adversários. Estes
são os dois lados da moeda. O ministério que Paulo desenvolveu na
igreja e na comunidade foi eficaz e ganhou muitos conversos, mas a
presença de muitos inimigos o manteve em alerta e não lhe permitiu agir
com confiança. Entre seus inimigos estavam os artesãos cuja forma de
ganhar a vida viu-se ameaçada, quando as pessoas começaram a
abandonar os ídolos mortos para servir ao Cristo vivo. Além disso,
alguns judeus se opuseram a Paulo com malícia e se uniram aos gentios
no ataque (At 19:9, 33, 34). Paulo não oferece detalhes, mas o esboço
que oferece é suficientemente claro. Satanás se lançou com poder contra
a obra de Paulo e seus colaboradores, e contra a igreja de Éfeso (cf. Fp
1:28).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 860
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 16:5–9
Versículos 5–6
διέρχομαι — embora o tempo do verbo esteja no presente («vou
através»), tem uma conotação futura.
πρός — esta preposição vem seguida do caso acusativo, o que quer
dizer que denota posição e meio: «com».
τύχον — «talvez». O particípio aoristo neutro em caso acusativo
funciona como um advérbio de maneira.
παραμεν_ — estamos diante do tempo futuro de um verbo
composto, mas numa oração dúbia o português requer o subjuntivo
(«fique»). O verbo é idêntico à leitura variante καταμεν_. Dos dois
verbos, preferimos o primeiro como leitura original.

Versículos 8–9
τ_ς πεντηκοστ_ς — «Pentecostes». Esta é uma abreviação da forma
completa «o dia do Pentecostes» (At 2:1; 20:16).
_νέ_γεν — é o perfeito segundo do verbo intransitivo _νοίγω
(=abrir). O perfeito indica um efeito duradouro (cf. 2Co 6:11; Jo 1:51).

2. Chegada de Timóteo. 1Co 16:10–11

10. Agora, se Timóteo chegar até vós, assegurai-vos de que não esteja
com temor quando estiver entre vós, po rque realiza a obra do Senhor, tal
como eu faço.
a. «Agora, se Timóteo chegar até vós». Esta é a segunda vez que
esta epístola menciona a Timóteo (1Co 4:17). Provavelmente o enviou
através da Macedônia (At 19:22), e como não se sabe quando atracaria a
Corinto, Paulo usa uma oração condicional na qual a partícula se refere-
se à futura chegada de Timóteo.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 861
Paulo não diz quem se encarregará de entregar esta carta à igreja de
Corinto. Sem dúvida, Timóteo não posou de carteiro, pois em tal caso
esperaríamos encontrar seu nome na saudação inicial da carta (1Co 1:1).
Além disso, pelo fato de que a primeira carta de Paulo não diz que
Timóteo voltaria com um relatório de sua visita aos coríntios, inferimos
que esta carta chegou a Corinto antes da visita de Timóteo. Para o tempo
em que Paulo escreveu sua segunda carta, Timóteo tinha voltado (2Co
1:1). Concluímos que Paulo o envio só uma vez a Corinto (1Co 4:17;
16:10) e de que agora não está seguro a respeito do momento preciso em
que Timóteo chegará. A viagem de Timóteo às igrejas da Macedônia
devia ser feita por terra, enquanto a carta de Paulo deve ter sido enviada
de navio até Corinto. 16
b. «Assegurai-vos de que não esteja com temor quando estiver entre
vós». Paulo usa um imperativo para ordenar aos coríntios que sejam
corteses e respeitosos com Timóteo. Supomos que a idade de Timóteo
tem algo que ver com sua relação à igreja de Corinto (veja-se 1Tm.
4:12). Imaginamos que Timóteo teria tido uns vinte anos no momento
em que Paulo escreve esta carta. Sua juventude o poderia ter freado de
exercer autoridade na comunidade de Corinto. Além disso, a igreja de
Corinto poderia ter considerado que ele não era a figura principal, mas só
um representante de Paulo, isto é, um subordinado. Por último, alguns
membros expressaram ter diferenças com Paulo, e como por agora não
iam enfrentar-se com Paulo, tinham a oportunidade de expressar sua
arrogância impunemente na presença de um delegado (cf. 1Co 4:18).
Em suas epístolas pastorais, Paulo revela que Timóteo não tinha
boa saúde (1Tm. 5:23), que era tímido (2Tm 1:7) e que devia ser
ensinado a instruir grupos de gente diferente e a controlar suas próprias
inclinações (1Tm. 5). 17 Aparentemente, Timóteo não era uma pessoa
assertiva, mas alguém que podaria ser abusado verbalmente na igreja de

16
Luedemann, Paul, Apostle to the Gentiles, p. 93.
17
Consulte-se Gerald F. Hawthorne, ISBE, vol. 4, pp. 857–858.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 862
Corinto. Por essa razão, Paulo instrui os destinatários a aceitarem a
Timóteo para que não esteja com temor no meio deles.
c. «Porque realiza a obra do Senhor, tal como eu o faço». A razão
pela qual se deve deixar que Timóteo se sinta à vontade é o trabalho que
realiza. O que está realizando é a obra do Senhor que Paulo mesmo leva
a cabo (veja-se 1Co 15:58). Em outras palavras, Paulo dá a Timóteo a
mesma autoridade em virtude do trabalho que realiza em favor de Cristo.
Paulo não se colocava acima de seus colaboradores, apesar de ser um
apóstolo e eles seus assistentes. Dá a entender que os leitores devem
respeitar a Timóteo por sua qualidade de servo chamado ao ministério.
Portanto, devem aceitá-lo da mesma forma que o fariam com Paulo. Em
outra parte, Paulo ensina que as pessoas que se dedicam a pregar e
ensinar o evangelho são dignas de dupla honra (1Tm. 5:17). 18 Por
conseguinte, os coríntios devem receber a Timóteo pelo bem de seu
trabalho no Senhor.
11. Portanto, que ni nguém o despre ze. Despedi-o em paz, para que
venha até mim. Porque o espero com os irmãos.
a. «Portanto, que ninguém o despreze». Devido ao fato de que
Timóteo desenvolve um trabalho espiritual, nenhuma pessoa deve
rejeitá-lo ou desprezá-lo. É um servo do Senhor, de maneira que rejeitá-
lo é como rejeitar ao que o enviou. Paulo não afirma que os coríntios
tenham feito isto no passado, mas os adverte diante da possibilidade de
que menosprezem a Timóteo.
b. «Despedi-o em paz, para que venha até mim». O Novo
Testamento nada diz da chegada de Timóteo a Corinto e de como foi
recebido. Paulo escreve claramente a respeito de Tito, cujo relatório
sobre os coríntios esperava ansiosamente. 19 Porém nada diz da obra de
Timóteo em Corinto. Isto não quer dizer que Timóteo cumprisse um
papel menor no ministério da Palavra. Ao contrário, muitas igrejas

18
Refira-se William Hendriksen, 1 y 2 Timoteo y Tito (Grand Rapids: Libros Desafío, 1996): pp. 203–
206.
19
2Co 2:13; 7:6, 13–15; 8:6, 16–17, 23; 12:18.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 863
estimavam a Timóteo como um colaborador fiel de Paulo. Seu nome
aparece junto ao de Paulo nas saudações às igrejas de Corinto, Filipos,
Colossos e Tessalônica. 20
Paulo instrui os coríntios a ajudar a Timóteo em suas viagens,
provendo suas necessidades básicas para a vida (comida, bebida,
alojamento e dinheiro). Sobretudo, quer que o despeçam em paz. Quer
que na igreja de Corinto haja uma paz espiritual que se reflita na maneira
como se despeçam de Timóteo em sua viagem de volta. Isto permitirá
que Timóteo dê a Paulo um relatório em primeira mão.
c. «Porque o espero com os irmãos». O fato de ele voltar a usar a
primeira pessoa singular («a mim» e «espero») confirma que Paulo está
muito interessado na missão de Timóteo. Os coríntios devem entender
que encontrar-se com Timóteo é o mesmo que encontrar-se com Paulo.
Se o repudiarem, terão que enfrentar a Paulo mais adiante.
O substantivo irmãos pode construir-se com espero ou com o. Pode
querer dizer que Paulo e os irmãos de Éfeso estão esperando Timóteo. 21
Também poderia significar que Paulo espera que Timóteo volte com
companheiros de viagem. 22 Qual das duas interpretações deve preferir-
se? Timóteo não viajou sozinho a Macedônia, mas viajou com Erasto,
residente de Corinto (At 19:22; Rm 16:23b). É possível que Erasto e
outros companheiros de viagem escoltassem Timóteo de volta. Por outro
lado, os três delegados de Corinto (Estéfanas, Fortunato e Acaico [v.
17]) poderiam ter estado esperando a volta de Timóteo. No entanto, por
que estes três homens teriam que esperar a volta de Timóteo a Éfeso
depois de ter entregue a Paulo suas notícias? Concluímos que ambas as
interpretações são possíveis. Como outros dilemas das cartas paulinas,
este permanece sem resolver.

20
Respectivamente, 2Co 1:1; Fp 1:1; Cl 1:1; 1 Ts. 1:1; 2 Ts. 1:1.
21
Em geral as traduções em português mantêm a ambiguidade. Talvez nesta direção RA, NVI,. Cf.
KJV, NKJV, JB, NJB, Cassirer.
22
GNB, NAB, NCV, NIV, SEB, Phillips.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 864
Palavras, frases e construções gregas em 1Co 16:10–11
_άν — esta partícula seguida do subjuntivo _λθ_ («chega»)
expressa incerteza sobre quando chegará Timóteo a Corinto.
πρός — veja-se o comentário ao versículo 6.
_ξουθενήσ_ — «[que ninguém o] despreze». Esta é uma das poucas
vezes que se usa o subjuntivo exortativo na terceira pessoa singular. 23

3. A relutância de Apolo. 1Co 16:12

12. Agora, a respeito de nosso ir mão Apolo, animei-o grandemente


para ir até vós com os irmãos. E, por certo, não estava disposto a ir agora.
Mas irá quando tiver a oportunidade.
Neste trio de petições, esta é a última. Paulo pediu ao seu colega
Apolo que vá a Corinto servir a igreja. Apolo era o orador erudito de
Alexandria, que fosse comissionado pelos efésios para ministrar as
necessidades espirituais dos coríntios (At 18:24–28; 19:1). Sua grande
habilidade oratória fazia com que fosse muito querido e que tivesse
muitos amigos em Corinto. De fato, os coríntios até tinham formado um
grupo com seu nome, o qual tanto Paulo como Apolo mesmo repudiaram
(1Co 1:12; 3:4–6, 22).
Alguém se pergunta quem seria o pastor da igreja de Corinto ou se
a posição estaria vacante. Estava a igreja pedindo a Apolo que viesse a
visitá-la por um breve período ou que fosse seu pastor por um período
extenso? O convite para Apolo parece ter estado contido na carta que os
coríntios enviaram a Paulo, como se pode ver pelas primeiras palavras
deste versículo («Agora, a respeito de»; veja-se 1Co 7:1, 25; 8:1; 12:1;
16:1). Os coríntios estendem o convite através de Paulo e lhe pedem que
intermedeie a favor deles. Como Paulo jamais teve a Apolo como um
competidor, mas sempre como um fiel colega, não duvidou em rogar a
Apolo que visite os coríntios. Chama-o «nosso irmão» e faz notar que

23
Moule, Idiom-Book, p. 22.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 865
animou a Apolo a acompanhar os irmãos, isto é, aos três delegados de
Corinto, em sua viagem de retorno a casa (v. 17).
Não sabemos as razões pelas quais Apolo se negou a ir a Corinto.
Supomos que estava a par dos muitos problemas e divisões que havia na
igreja. Sabia que Paulo tinha planejado visitar Corinto e que estava
instruindo a congregação por meio de cartas. Por último, não queria
interferir no que Paulo estava fazendo.
Apolo era a pessoa que devia responder o chamado que a igreja de
Corinto lhe fazia para que a visitasse, assim que lhes comunica que não
vai no momento, porém no futuro viajará a Corinto em tempo oportuno.
O tempo passado da oração («não estava disposto a ir agora») indica que
Apolo já não está com Paulo quando escreveu este versículo. Apolo
decidiu não ir agora, mas está disposto a fazê-lo no futuro.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 16:12


πολλά — o adjetivo é usado como um advérbio com o sentido de
«grandemente» ou «fortemente».
πάντως ο_κ — uma combinação enfática que quer dizer «de
maneira nenhuma».
θέλημα — este substantivo aparece sem qualificativos e, portanto,
parece que não se refere à vontade de Deus, mas sim a de Apolo. 24

B. Exortações e saudações. 1Co 16:13–24

Como parte da conclusão deste capítulo, Paulo faz algumas


referências e exortações a alguns dos coríntios. Estes últimos versículos
(vv. 19–21) consistem, primeiro, em saudações finais que enviam igrejas
e indivíduos; Paulo escreve sua saudação de sua própria mão. Segundo,

24
Meinrad Limbeck, EDNT, vol. 2, p. 137. Contudo, Gottlob Schrenk, (TDNT, vol. 3, p. 59) o entende
como a vontade de Deus.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 866
Paulo repreende os que não amam o Senhor. Orando pela volta de Cristo,
encomenda os leitores à graça do Senhor Jesus Cristo.

1. Últimos encargos. 1Co 16:13–18

13, 14. Estai alertas, firmes na fé, sede homens valentes e fortes. Que
tudo o que façais, fazei-o em amor.
Como um general do exército do Senhor, Paulo dá uma série de
ordens breves, esperando que seu povo ponha em prática suas
mandamentos. Confia que já estão obedecendo suas instruções, mas lhes
exorta a perseverar.
a. «Estai alertas». O primeiro mandamento é que estejam vigilantes,
especialmente em vistas à volta de Cristo (veja-se o v. 22). Estas
palavras ocorrem com frequência em passagens escatológicas do Novo
Testamento. 25 Implicam que o povo de Deus deve estar atento e muito
acordado para desbaratar às forças espirituais de maldade.
b. «Firmes na fé». Paulo dá uma segunda ordem, que é semelhante
em significado a sua última exortação no capítulo anterior, «estai firmes»
(1Co 15:58). Aqui acrescenta a frase preposicional na fé, para indicar
que o crente é incomovível em sua confiança em Deus — fé subjetiva.
Como um soldado defende com firmeza os interesses da nação, assim
também o cristão está firme com relação aos ensinos da Palavra de Deus
— fé objetiva. Com ou sem modificativos, o mandato de estar firmes
aparece com frequência nas epístolas paulinas. 26
c. «Sede homens valentes». O verbo grego andrizesthe, no
imperativo plural, quer dizer «ajam como homens». Este é o único lugar
no Novo Testamento onde aparece o verbo, mas seu significado é claro.

25
P. ex., veja-se Mt 24:42; 25:13; Mc 13:35, 37; 1Ts 5:6; Ap 3:3; 16:15. Veja-se também Albrecht
Oepke, TDNT, vol. 2, p. 338.
26
Gl 5:1; Fp 1:27; 4:1; 1Ts 3:8; 2Ts 2:15. Consulte-se Walter Grundmann, TDNT, vol. 7, p. 639;
Michael Wolter, EDNT, vol. 2, p. 207.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 867
Nenhum soldado do exército de Jesus Cristo pode desanimar-se; em sua
presença não há lugar para covardes nem fracos.
d. «Sede … fortes». Nesta série de quatro imperativos, este último é
sinônimo do anterior. Na voz passiva, o verbo quer dizer ser feito forte
através das experiências que Deus prepara para o crente (veja-se Sl.
31:24; Ef 6:10).
e. «Tudo o que façais, fazei-o por amor». Isto é um eco do que
Paulo disse num capítulo anterior sobre o uso dos dons espirituais: «Mas
que tudo se faça decentemente e em ordem» (1Co 14:40). Paulo não se
interessa numa força agressiva carente de amor. Mostra-o à igreja de
Corinto «um caminho ainda mais excelente», isto é, seguir o caminho do
amor cristão (1Co 12:31; 13; 14:1). Uma igreja militante combate o
pecado, mas ama o pecador.
Mova-se potente a igreja de Deus,
Dos já gloriosos vamos hoje em pós.
Somos só um corpo e um é o Senhor,
Uma a esperança, e um nosso amor.
— Sabine Baring-Gould
Tr. Juan B. Cabrera

15. Apelo a vós, irm ãos. Sabeis que a casa de Estéfanas foram os
primeiros frutos da Acaia e que se dedicaram ao ministério dos santos.
a. «Apelo a vós, irmãos». Depois de uma série de mandamentos,
agora Paulo apela aos irmãos e irmãs da igreja de Corinto. Ao que parece
não respeitavam as autoridades da igreja que trabalhavam diligentemente
na congregação local para promover a causa de Cristo. Uma das
fraquezas desta congregação parece ter sido a falta de respeito pela
autoridade de seus líderes espirituais.
b. «Sabeis que a casa de Estéfanas foram os primeiros frutos da
Acaia». Paulo se refere ao fato de que os coríntios conhecem bem a
família de Estéfanas. No princípio da epístola mencionou-se Estéfanas e
sua família. Paulo batizou a ele e a toda sua família (1Co 1:16). Por
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 868
certo, menciona, como ideia tardia, a Estéfanas com outros que Paulo
mesmo batizou. Reconhecendo que em Atenas foram feitos crentes
Dionísio, Dâmaris e outros mais (At 17:34), esta é a primeira indicação
de uma pessoa que se batiza com toda sua família.
Paulo chama Estéfanas e a sua família os primeiros frutos, o que no
Antigo Testamento apontava aos primeiros feixes que se colhiam (Lv
23:9–11, 15–17; Dt 26:1–11). No vocabulário paulino, a expressão
primeiros frutos (ou: primícias) tem um significado espiritual: Cristo é o
Ceifeiro que diante do Pai apresenta uma nova colheita de Seu povo.
Para Paulo, as famílias de Estéfanas em Corinto e de Epêneto na
província da Ásia (Rm 16:5) são as primícias da missão aos gentios. 27
Uma vez que se colhem os primeiros frutos, o resto da colheita está
preparada.
c. «Se dedicaram ao ministério dos santos». Desde o princípio,
Estéfanas e sua família tomaram a responsabilidade de ministrar as
necessidades espirituais dos coríntios que se convertiam ao evangelho.
Sua tarefa era servir ao povo de Deus (veja-se 1Co 12:5). Serviam como
voluntários e como tinham habilidades organizacionais, tinham o árduo
trabalho de fazer crescer uma congregação. Como sucede com
frequência, algumas pessoas da congregação não apreciava estes
trabalhos e repudiavam os membros da família de Estéfanas. Uma das
queixas poderia ter sido que estes membros nunca foram oficialmente
escolhidos para servir a igreja, mas eles tomaram a iniciativa. O ciúme e
as rivalidades minavam o bem-estar espiritual da membresia. Mas Paulo
tinha um alto conceito da membresia e chamava «santos» os crentes. Dá
a entender que ainda que critiquem os servos da igreja são chamados
santos (cf. 1Co 1:2).
No grego, a estrutura da oração é um pouco torpe. Isto se notará nas
traduções que seguem a ordem do original. 28 Paulo começa o versículo
27
Refira-se a Robert Murray, «New Wine in Old Wineskins XII. Firstfruits», ExpT 86 (1974–75):
164–68.
28
P. ex., veja-se os vv. 15–16 em NTT, CI. A RA coloca entre parêntese para evitar o problema.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 869
15 com uma exortação («Apelo a vós, irmãos») que interrompe com uma
nota explicativa a respeito da família de Estéfanas. Depois de tal nota,
aplica sua apelação ao conteúdo do versículo 16. Para que a tradução
tenha um bom estilo, no seguinte versículo repeti a exortação com uma
ligeira variação.
16. Agora insisto convosco, ir mãos, a vos submeterdes a pessoas
como estas e a qualquer que trabalha e se fatiga conosco.
Paulo implora aos membros da igreja de Corinto que se submetam a
seus líderes e que o façam por amor ao próximo e voluntariamente.
Notemos que se chama irmãos (e irmãs) os leitores, para mostrar que os
ama meigamente. Está consciente de que é impossível evitar as tensões
numa comunidade em desenvolvimento. Mas estas tensões devem
amortecer-se e eliminar-se no contexto do amor cristão.
Uma tradução literal mostrará a ênfase: «Peço-vos que vos ponhais
à disposição de gente como essa» (BP). Paulo quer que os destinatários
vejam que eles devem submeter-se a seus próprios líderes. Assim como
os mais jovens devem submeter-se à autoridade dos anciãos (1Pe 5:5), os
cristãos voluntariamente devem submeter-se uns aos outros (Ef 5:21). 29
Devem renunciar os seus interesses e considerar os outros melhores que
eles mesmos em amor e humildade (Fp 2:3). Deste modo, Paulo insiste
com os coríntios a submeter-se aos líderes que com diligência servem os
membros da comunidade cristã. O escritor da Epístola aos Hebreus
também exorta os leitores a obedecer a seus líderes e a que se submetam
a sua autoridade (Hb 13:17). 30
As pessoas que devem ser respeitadas são os líderes da família de
Estéfanas. Mas Paulo amplia o círculo incluindo a «e a qualquer que
trabalha e se fatiga conosco». Isto quer dizer que os apóstolos, seus
ajudantes e qualquer outro obreiro da igreja merece respeito (1Tm. 5:17).
Paulo não está usando só palavras sinônimas quando usa os verbos

29
Gerhard Delling, TDNT, vol. 8, pp. 44–45.
30
O autor de Hebreus escreve o verbo grego hypeikō (=ceder, submeter-se), que é sinônimo de
hypotassō (=submeter-se).
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 870
trabalhar e fatigar-se. Existe uma diferença entre trabalhar e fatigar-se.
O primeiro é produtivo, o segundo conota a ideia de um trabalho duro e
longo para poder alcançar uma meta.
Quando os membros da igreja honram os obreiros que trabalham
arduamente, seguirão o seu exemplo. Uma congregação com obreiros
dispostos será um gerador que iluminará e beneficiará toda a
comunidade na qual reside. Que cada cristão adote o antigo provérbio
que ainda tem muito que dizer:
Só uma vida que logo passará,
só o que se faz para Cristo perdurará.
17, 18. Alegro-me pela vinda de Estéfanas, Fortunato e Acaico,
porque supriram o que faltava de vós. Porque refrescaram o meu espírito
e o vosso. Como resultado, reconheçam tais homens.
a. «Alegro-me pela vinda de Estéfanas, Fortunato e Acaico». A
chegada e presença destes três líderes da igreja de Corinto fez com que
Paulo se enchesse de tremenda alegria. Foram eles os que lhe entregaram
a carta que os coríntios escreveram a Paulo e lhe informaram dos
problemas e da condição espiritual da igreja.
Esta é a terceira vez que Paulo menciona Estéfanas (1Co 1:16;
16:15, 17), que em grego quer dizer «aquele que leva uma coroa».
Estéfanas era o mais influente dos três, porque tinha família. Não
sabemos se os outros dois acompanhantes pertenciam ou não à sua
família. Ambos poderiam ter sido escravos. Nada sabemos deles, visto
que seus nomes só aparecem uma vez em todo o Novo Testamento. O
nome Fortunato é uma palavra latina que significa «bendito». O nome
Acaico simplesmente significa «um da província da Acaia».
Estes três homens não eram membros da família da Cloe (1Co
1:11), a qual falou com Paulo a respeito das divisões da igreja. Estéfanas
e seus dois amigos eram líderes conhecidos que puseram Paulo em dia
quanto à vida espiritual da congregação. Enquanto o relatório oral que
Cloe entregou não tinha um caráter oficial, o da delegação de três irmãos
sim, era oficial. A igreja comissionou a Estéfanas, Fortunato e Acaico a
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 871
levar a carta da congregação e a responder qualquer pergunta que Paulo
pudesse fazer. Além disso, enquanto Paulo estava triste pelo que lhe
informou Cloe, alegrou-se com a chegada e presença da delegação de
Corinto. Menciona aos irmãos no versículo 12 e os identifica pelo nome
no versículo 17. Com isso demonstra que tem uma avaliação especial a
este trio de Corinto.
b. «Porque supriram o que faltava de vós». O pronome pessoal de
vós pode-se interpretar de duas maneiras. Se for um genitivo objetivo, a
ideia poderia ser que os três obreiros da igreja encheram em Corinto o
vazio criado pela ausência de Paulo. Se se entender como um genitivo
subjetivo, pode querer dizer que Paulo tinha ânsias por ver os cristãos de
Corinto, um desejo que estes três delegados satisfizeram com sua
presença. 31 Além disso, supomos que Paulo lhes perguntou a respeito
dos membros da igreja de Corinto e, tendo lido a carta, fez outras
perguntas. Por tudo isso, preferimos crer que se procura um genitivo
subjetivo.
c. «Porque refrescaram o meu espírito e o vosso». Por que se alegra
Paulo? Porque Estéfanas, Fortunato e Acaico foram capazes de renovar o
espírito de Paulo dando-lhe boas notícias a respeito da igreja (cf. 2Co
7:13). Animaram-no com relatos positivos que equilibraram o relatório
negativo que recebeu dos membros da família da Cloe. Experimentaram
o amor que Paulo lhes tinha. Por sua vez, eles lhe mostraram seu afeto.
Não só refrescaram a alma de Paulo, mas também ao voltar para Corinto
informaram à igreja quanto Paulo a amava. A visita a Paulo se
transformaria numa bênção para eles. Além disso, poderiam entregar-lhe
a carta que Paulo enviava à igreja e responder as perguntas que os
coríntios poderiam expor.
d. «Como resultado, reconheçam a tais homens». Este é o último
mandamento que Paulo dá aos coríntios. Quando o trio voltar a Corinto,
devem ser recebidos carinhosamente pela comunidade, que deve

31
Cf. BAGD, p. 836.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 872
reconhecê-los como seus líderes. A expressão tais homens vai além do
trio que se menciona e inclui a todas as pessoas que sem falta dedica seu
tempo e talento para o bem da igreja de Cristo.

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 16:15–18


Versículos 15–16
_παρχή — «primeiros frutos» (ou: «primícias»). Embora a palavra
seja singular, tem uma conotação coletiva que é óbvia no verbo e o
pronome reflexivo: _ταξαν _αυτού, isto é, «dedicaram-se» (ou:
«nomearam-se a si mesmos»). Note-se também o possível jogo de
palavras entre este verbo e _ποτάσσησθε («submetei-vos vós mesmos»).

Versículos 17–18
_μέτερον — «de vós». O Texto Majoritário muda este pronome
possessivo, em neutro singular, pelo pronome pessoal em segunda
pessoa plural _μώ. 32 Embora o pronome possessivo seja a leitura
original, o assunto não tem importância quanto à tradução.
τοιούτους — «tais». Este adjetivo correlativo no plural denota
qualidade, «a pessoas desse tipo».

2. Despedida. 1Co 16:19–24

Cinco vezes aparece a ideia de saudar nesta última parte da epístola.


Primeiro, vêm as saudações das igrejas da província da Ásia. Depois
vêm as saudações da casal de missionários, Áquila e Priscila, com a da
congregação que se reunia em seu lar. Em terceiro lugar, vêm as
saudações de todos os irmãos, seguidos da forma em que se saúdam uns
aos outros e, por último, os parabéns de Paulo de sua própria mão.

32
Cf. BDF § 285.1
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 873
Os últimos três versículos (vv. 22–24) são a bênção. Também
incluem uma maldição contra todos os que não amam ao Senhor, uma
petição de que o Senhor volte e a habitual bênção da graça do Senhor.
Como última observação, Paulo assegura à congregação que a ama em
Cristo Jesus.
19. As igrejas na província da Ásia vos saúdam. Áquila e Priscila vos
saúdam carinhosamente no Senhor com a igreja que se reúne em s ua
casa.
a. «As igrejas na província da Ásia vos saúdam». Durante os
primeiros séculos da era cristã, quase toda a parte ocidental da Ásia
Menor era conhecida como a província romana da Ásia. O povo judeu
que vivia nas cidades mais importantes de tal província achava-se entre
os primeiros em ouvir o evangelho, especialmente em Éfeso. Paulo
chegou a Éfeso em seu caminho para Síria e ensinou na sinagoga local,
onde foi bem recebido. A pedido dos judeus, prometeu voltar (At 18:18–
21). Quando Paulo voltou a Éfeso pela segunda vez, primeiro pregou
numa sinagoga local por três meses e depois ensinou por dois anos na
sala de conferências de Tirano. O resultado foi que «todos os judeus e
gregos que viviam na província da Ásia chegaram a ouvir a palavra do
Senhor» (At 19:10). Alguns estudantes de Paulo chegaram a ser pastores
que fundaram igrejas na parte ocidental da Ásia Menor. Entre estes
pastores estava Epafras, que trabalhou com fidelidade em Colossos,
Laodiceia e Hierápolis (Cl 4:12, 13); Tíquico, que foi um ministro fiel e
um servidor de Paulo em Colossos e Éfeso (At 20:4; Cl 4:7; Ef 6:21);
Filemom e Arquipo, colegas de Colossos (Fm 1, 2); e Trófimo que era de
Éfeso (At 20:4; 21:29). A igreja de Éfeso ocupava o primeiro lugar entre
as sete igrejas da província da Ásia (Ap 1:11; 2:1–7). De Éfeso, o
cristianismo se espalhou por toda a província, de tal maneira que quando
Paulo escreveu sua primeira epístola aos coríntios já se tinham
estabelecido muitas igrejas.
Paulo entrega as saudações que enviam as igrejas da província da
Ásia, e desta forma sublinha a unidade e universalidade da igreja de
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 874
Cristo. Estes saudações ecumênicas comunicavam as ideias de paz e
amor. Além disso, quando os cristãos enviam saudações «reforçam o
laço de comunhão que têm com aqueles que estão dedicados à mesma
tarefa e que servem ao mesmo Senhor». 33
b. «Áquila e Priscila vos saúdam carinhosamente no Senhor».
Áquila nasceu e se criou no Ponto, uma província a norte da Ásia Menor.
De pano de fundo judaico, radicou-se em Roma com sua esposa, Priscila.
Ambos foram expulsos da cidade imperial por um decreto do imperador
Cláudio (ca. 49 d.C.) e foram a Corinto, onde se dedicavam ao negócio
de tendas (At 18:2, 3). Quando Paulo chegou a Corinto, deram-lhe
alojamento e começaram a participar ativamente em seus esforços
missionários. Viajaram com ele a Éfeso, onde explicaram a Apolo mais
claramente o caminho de Deus (At 18:26). Abriram seu lar a outros
crentes e fundaram uma igreja. Priscila (ou Prisca de forma abreviada)
era uma mestra talentosa a que às vezes Paulo menciona primeiro que
seu esposo. Áquila e Priscila foram embora de Éfeso, e ficaram por um
tempo em Roma, e depois voltaram para Éfeso outra vez. Paulo
menciona seus nomes em suas saudação (Rm 16:3; 2Tm 4:19).
c. «Com a igreja que se reúne em sua casa». Na época apostólica
era comum que uma congregação se reunisse numa casa. Áquila e
Priscila fundaram igrejas-casa em Éfeso e Roma (Rm 16:5); uma
congregação se reunia em casa de Ninfa (Cl 4:15) e Filemom abriu seu
lar para as reuniões da igreja (Fm 2). As igrejas-casa não existiam como
se fossem grupos individuais separados da igreja local. No primeiro
século, a igreja local se reunia nas casas de particulares. 34
20. Todos os irmãos vos saúdam. Saudai-vos com um beijo santo.
A primeira parte deste versículo parece redundante. Paulo acaba de
enviar saudações da parte das igrejas, de Áquila e Priscila e da
congregação que se reunia em sua casa. Agora diz que todos os irmãos e

33
Hans Windisch, TDNT, vol. 1, p. 501.
34
Marlis Gielen, «Zur Interpretation der paulinischen Formel hē kat’ oikon ekklēsia», ZNW 77 (1986):
109–25.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 875
irmãs enviam saudações. As saudações dos membros da igreja de Éfeso
incluíam um carinhoso abraço aos crentes de Corinto. Além disso, este
gesto de afeto devia expressar-se com um beijo santo, o que se esperava
e era comum no tempo e cultura de Paulo. 35 Com o adjetivo descritivo
santo, Paulo previne qualquer mal-entendido. Além do abraço, o ato de
beijar incluía o tocar com os lábios ambas as bochechas. 36
21. Eu, Paulo, escrevo esta saudação de minha própria mão.
Naqueles dias, aquele que queria enviar uma carta pedia os serviços
de um secretário profissional, a quem a ditava. Algumas vezes o escriba
se identificava pelo nome (Tércio em Rm 16:22) ou eram mencionados
pelo nome (Silas em 1Pe 5:12). Não estamos seguros se Paulo empregou
um escriba para escrever a presente epístola, mas sabemos que a frase
saudação de minha própria mão significa que esta é uma carta genuína
de seu autor. Paulo diz aos tessalonicenses que a saudação de sua própria
mão é uma característica de todas suas cartas (2Ts 3:17; veja-se Gl 6:11;
Cl 4:18; Fm 19). Os destinatários de Corinto conheciam o estilo que
Paulo tinha para escrever e reconheciam sua pena. 37
22. Se alguém não ama o Senhor, seja maldito. Maranata!
a. Uma maldição. Nem todos os recipientes desta carta amavam o
Senhor Jesus, como fica claro por um número de passagens onde Paulo
reprova os que deliberadamente danificam a igreja. 38 Recorrendo a uma
oração condicional, nota que há por certo alguns na igreja que não amam
o Senhor. Paulo não usa o verbo grego agapaō, que denota um amor
espiritual genuíno e que usa em todas suas epístolas. Com exceção de
Tito 3:15, este é o único lugar onde Paulo escolhe o verbo fileō, que quer
dizer «ter afeto».
Paulo expressa uma fórmula que amaldiçoa a qualquer um que se
oponha ao Senhor Jesus, assim como amaldiçoa os pregadores que não

35
Veja-se também Rm 16:16; 2Co 13:12; 1Ts 5:26; Cf. 1Pe 5:14.
36
John Ellington, «Kissing in the Bible: Form and Meaning», BibTr 41 (1990): 409–16.
37
John Nijenhuis, «The Greeting in My Own Hand—Paul», BibToday 19 (1981): 225–58.
38
Cf., p. ej.,1Co. 4:18, 19; 5:13; 6:9, 10; 12:3; 14:36–38; 15:12.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 876
pregam o evangelho de Cristo: «Como já o dissemos, agora o repito: se
alguém anda pregando um evangelho diferente do que receberam, que
caia sob maldição!» (Gl 1:9).
b. Chamado. «Maranata». Esta é uma expressão aramaica que pode
traduzir-se como um imperativo: «Vem, Senhor!», ou como um perfeito
indicativo: «Nosso Senhor veio». À vista da repetição semelhante que
aparece em Apocalipse 22:20 («Vem, Senhor Jesus»), prefere-se o
imperativo. 39
O fato de usar uma palavra aramaica numa comunidade grega é
intrigante, embora não incomum. Os escritores do Novo Testamento não
esquivavam as palavras aramaicas. Os cristãos adotaram vocabulário
judaico, que incluía palavras como Aba (Rm 8:15; Gl 4:6), Amém (1Co
14:16; 16:24; 2Co 1:20), Aleluia (Ap 19:1, 3, 4, 6), Hosana (Mt 21:9, 15;
Mc 11:9, 10; Jo 12:13) e Maranata.
O que pretende Paulo ao pedir ao Senhor que volte? Alguns
eruditos creem que o versículo era uma fórmula que era parte da liturgia
para celebrar a Santa Ceia. 40 Existem semelhanças, porém não até o
ponto de sugerir que Paulo se refira à celebração da Comunhão.
Certo, a igreja antiga reconhecia a presença de Jesus na Comunhão
e com ânsias rogavam pela volta física do Senhor ao seu meio: Vem,
Senhor Jesus! (Didaquê 10:6). Porém no presente contexto, Paulo
acrescenta a palavra Maranata como uma fórmula de maldição. Isto quer
dizer que pede ao Senhor que deva julgar. Ora que o Senhor venha logo
para tirar as pessoas que não O amam. 41
23, 24. A graça do Senhor Jesus seja convosco. Meu amor seja
convosco em Cristo Jesus. Amém.

39
J. A. Emerton, «MARANATHA and EPHPHATHA» JTS 18 (1967): 427–31.
40
Fee, First Corinthians, p. 834, n. 6.
41
C. F. D. Moule, «A Reconsideration of the Context of Maranatha», NTS (1969): 207–10; Oscar
Cullmann, Early Christian Worship, STB, 1a serie 10 (Londres: SCM, 1953), pp. 13–14; J. J. Hughes,
«Maranatha», ISBE, vol. 3, p. 243, Cf. a W. F. Albright e C. S. Manns, «Two Texts in 1 Corinthians»,
NTS 16 (1070): 271–76.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 877
Esta epístola conclui com a bênção usual que aparece em muitas
cartas. Paulo pede que o Senhor Jesus estenda aos destinatários Sua
graça perdoadora e Sua presença espiritual. Ora pelo bem-estar espiritual
e físico do povo de Deus.
A última oração desta carta expressa o amor pessoal que Paulo
tinha para com todos os coríntios que estavam em Cristo Jesus. Quer que
saibam que os ama com verdadeiro amor espiritual no Senhor. Para
aqueles que não querem amar o Senhor, pede o juízo, mas mostra amor
genuíno para os que amam o Senhor.

Considerações doutrinais 1Co 16:22


As igrejas algumas vezes buscam algum nome que as identifique de
forma especial. Escolhem Maranata e desejam que sejam conhecidos
como a congregação que ora e espera o retorno iminente de Jesus Cristo.
Porém, na igreja universal, todo crente sincero anseia a vinda do dia do
Senhor e ora fervorosamente que ele volte. Pedro instrui os seus leitores
que estejam «esperando ansiosamente a vinda do dia de Deus» (2Pe
3:12). Quer dizer que todos os crentes devem apressar aquele dia,
proclamando e ensinando o evangelho de Cristo a todos os habitantes e
as nações do mundo. O próprio Pedro se dirigiu a uma multidão, dizendo
que se arrependessem para que Deus enviasse o Cristo (At 3:19–21).
Quando homens, mulheres e crianças por todo mundo se arrependerem e
se voltarem para Cristo, apressarão a volta.
A oração «Amém. Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22:20) é uma resposta
à promessa de Jesus, «Certamente, venho sem demora». O Espírito Santo
e a esposa (isto é, a igreja) oram sem cessar pela vinda de Jesus Cristo. A
noiva anseia a volta do noivo para que estejam juntos numa prazerosa
celebração eterna.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 878

Palavras, frases e construções gregas em 1Co 16:19–22


Versículo 19
_σπάζεται — o sujeito do verbo saudar é um composto plural que
vem seguido por um verbo no singular. Embora o Texto Majoritário
registra o verbo no plural, preferimos a leitura difícil.
Πρίσκα — e com base em vários manuscritos, o Textus Receptus
adota a leitura variante Πρίσκιλλα. Lucas registra a forma completa (At
18:2, 18, 26), mas Paulo prefere o diminutivo Πρίσκα em três de suas
cartas (Rm 16:3; 1Co 16:19; 2Tm 4:19). 42

Versículos 21–22
Παύλου — o nome próprio está em aposto ao pronome possessivo e
ao substantivo _μή χειρί («minha própria mão»).
_τω _νάθεμα — é o imperativo presente do verbo ε_μι (=ser). Aqui
se usa como um optativo de desejo. Com o substantivo eleva uma oração
pedindo a condenação daqueles que se separam de Cristo.
Μαραναθά uma palavra aramaica transliterada ao grego. É melhor
entendê-la como um imperativo.

Resumo de 1 Coríntios 16
Em outra oportunidade, Paulo instruiu às igrejas da Galácia a que
juntassem uma oferta para ir em ajuda dos santos de Jerusalém que
tinham sido espancados pela pobreza. Agora diz aos crentes de Corinto
que façam o mesmo. Convida-os a que com regularidade separem uma
quantidade de dinheiro cada primeiro dia da semana, de maneira que

42
Consulte-se Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, 3ª. edição
corrigida (Londres e Nova York: United Bible Society, 1975), p. 570.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 879
quando Paulo chegar a Corinto não se tenha que recolher uma oferta. Ele
escreverá uma carta de recomendação em favor dos que levem o
donativo a Jerusalém, e ele mesmo os acompanhará se for necessário.
Paulo dá a conhecer seus planos de viagem: quer viajar através da
Macedônia e, tendo chegado a Corinto, passar ali o inverno. Por agora
ficará em Éfeso até o Pentecostes, porque lhe foi aberta uma porta para
evangelizar. Espera-se que Timóteo chegue a Corinto, e Paulo pede aos
coríntios que o recebam com carinho por causa da trabalho que realiza.
Aconselha-os que ajudem Timóteo a prosseguir viagem. A igreja de
Corinto convidou Apolo a visitá-los, mas este declinou o convite,
embora Paulo o animou a ir. Apolo respondeu que o faria quando puder.
Menciona-se o nome de Estéfanas em conexão com sua família,
conversão e serviço aos santos. Paulo exorta os leitores a que se
submetam aos líderes dessa categoria. A visita de Estéfanas, Fortunato e
Acaico o enchem de alegria, porque refrescaram seu espírito.
O capítulo conclui com saudações da parte das igrejas da província
da Ásia, de Áquila e Priscila junto à congregação de sua casa, e de todos
os crentes. Paulo inclui sua saudação assinando a carta. Amaldiçoa-se a
todos os que não amam o Senhor. Paulo encomenda os destinatários à
graça do Senhor Jesus e lhes comunica seu amor em Cristo Jesus.
1 Coríntios (Simon Kistemaker) 880

BIBLIOGRAFIA SELETA*
COMENTÁRIOS

Alford, Henry. Alford’s Greek Testament: An Exegetical and Critical


Commentary. 4 vols. 7a. ed. 1887. Grand Rapids: Guardian, 1976.
Allo, P. E. B. Saint Paul Premiére Épitre aux Corinthiens. Études
Biblique. 2ª ed. Paris: Gabalda, 1934.
Barclay, William. The Letters to the Corinthians. The Daily Study
Bible. 2ª. ed. Philadelphia: Westminster, 1956.
Barrett, C. K. A Commentary on the First Epistle to the Corinthians.
Serie Harper’s New Testament Commentaries. New York and
Evanston: Harper and Row, 1968.
Bengel, John Albert. Bengel’s New Testament Commentary.
Translated into English by Charlton T. Lewis e Marvin R. Vincent.
2 vols. Grand Rapids: Kregel, 1981.
Brown, Raymond E., et al., ed. The New Jerome Biblical
Commentary. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1990.
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