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-“Que a vida tem a ver com a narração foi sempre conhecido e dito. Falamos da história
de uma vida para caracterizar o entremeio entre nascimento e morte. E, todavia, essa
assimilação da vida a uma história não é evidente, é até uma ideia banal que é preciso,
primeiramente, submeter a uma dúvida crítica. Essa dúvida é a obra de todo o saber
adquirido há alguns decênios1 no tocante à narrativa e à atividade narrativa – saber que
parece distanciar a narrativa da vida vivida e confiná-la na região da ficção. Vamos
primeiramente atravessar essa zona crítica com o intuito de repensar diferentemente2 essa
relação demasiado rudimentar3 e demasiado direta entre história e vida, de tal maneira
que a ficção contribua para fazer da vida, no sentido biológico da palavra, uma vida
humana. Gostaríamos de aplicar à relação entre narrativa e vida a máxima de Sócrates
segundo a qual uma vida não examinada não é digna de ser vivida.” (p. 197 Grifo do
autor)
“o enredo constitui o foco criador da narrativa” (Ricoeur, 2010, pg. 201) porque provem
dessa função de síntese da imaginação criadora que organiza a inteligibilidade da
narrativa como um todo.
“Cada obra é uma produção original, um novo existente no reino do discurso. Mas o
inverso não é menos verdadeiro: a inovação permanece uma conduta governada por
regras: a obra da imaginação não parte do nada Está ligada de uma maneira ou de outra
aos modelos recebidos pela tradição.” (Ricoeur, 2010a, pg. 202)
1
Minha nota para esclarecer a palavra “decênio” que significa “década”.
2
Minha nota: por que “diferentemente”? Que diferença é essa?
3
Minha nota para esclarecer a palavra “rudimentar”: “1. relativo aos rudimentos, aos primeiros
elementos, noções ou princípios de algo; elementar, básico, fundamental. 2. falto de desenvolvimento,
de profundidade; que contém apenas o essencial; resumido. 3. sem arte; grosseiro, tosco. sem
sofisticação; simples, modesto. 5. pouco desenvolvido, limitado quanto a valores morais, intelectuais,
psicológicos.”
O segundo exemplo é o de um juiz que busca entender o que se passa com o suspeito que
se encontra “‘emaranhado em histórias’ que lhe acontecem antes que toda história seja
narrada. O emaranhamento aparece então como a pré-história da história narrada cujo
começo permanece escolhido pelo narrador. Essa pré-história da história é o que liga esta
última a um todo mais vasto e lhe proporciona um pano de fundo. Esse pano de fundo é
feito da imbricação viva de todas as histórias vividas. É preciso então que as histórias
narradas surjam desse pano de fundo. Com esse surgimento, o sujeito implicado também
surge. Pode-se então dizer: a história é responsável pelo homem.” (Ricoeur, 2010, pg.
208)
“Falar em mundo do texto significa insistir nesse traço de toda obra literária de abrir
diante de si um horizonte de experiência possível, um mundo no qual seria possível
habitar. Um texto não é uma entidade fechada sobre si mesma; é a projeção de um novo
universo distinto daquele em que vivemos. Apropriar-se de uma obra é desdobrar o
horizonte implícito de um mundo que envolve as ações, as personagens, os eventos da
história narrada. Disso resulta que o leitor pertence ao mesmo tempo em imaginação ao
horizonte de experiência da obra e ao de sua ação real. Horizonte de expectativa e
horizonte de experiência não cessam de se afrontar e de se fundir.” (Ricoeur, 2010, pg.
204)
2) Redundância da interpretação:
História efetiva X história potencial (história em estado nascente, história ainda não
narrada)
Ricoeur descreve duas situações em que a vida humana exige narração (história em
caráter virtual que necessita ser contada):
“as sessões de análise [..] tem por finalidade e por efeito que o analisando tire desses
fragmentos de história uma narrativa que seria ao mesmo tempo mais insuportável e mais
inteligível.” (Ricoeur, 2010a, pg. 128)
O segundo exemplo é o de um juiz que busca entender o que se passa com o suspeito que
se encontra “‘emaranhado em histórias’ que lhe acontecem antes que toda história seja
narrada. O emaranhamento aparece então como a pré-história da história narrada cujo
começo permanece escolhido pelo narrador. Essa pré-história da história é o que liga esta
última a um todo mais vasto e lhe proporciona um pano de fundo. Esse pano de fundo é
feito da imbricação viva de todas as histórias vividas. É preciso então que as histórias
narradas surjam desse pano de fundo. Com esse surgimento, o sujeito implicado também
surge. Pode-se então dizer: a história é responsável pelo homem.” (Ricoeur, 2010, pg.
208)
“Contamos histórias porque, afinal, as vidas humanas precisam e merecem ser contadas.”
(Ricoeur, 2010a, pg. 129)
“O ato da leitura é assim o operador que une mímesis III a mímesis II.” (Ricoeur, 2010a,
pg. 132)
3. Narratividade e referência
“O que é comunicado é, em última instância, para além do sentido de uma obra, o mundo
que ela projeta e que constitui seu horizonte.” (Ricoeur, 2010a, pg. 132)
“Porque estamos no mundo e somos afetados por situações tentamos nos orientar nele
pela compreensão e temos algo a dizer, uma experiência para trazer para a linguagem e
para compartilhar.” (Ricoeur, 2010a, pg. 133)
“O que um leitor recebe é não só o sentido da obra, mas, através de seu sentido, sua
referência, isto é, a experiência que ela traz para a linguagem e, em última instância, o
mundo e sua temporalidade que ela estende diante de si.” (Ricoeur, 2010a, pg. 134)
2º pressuposição
“o mundo é o conjunto das referências abertas por todo tipo de textos descritivos ou
poéticos que li, interpretei e gostei.” (Ricoeur, 2010a, pg. 137)
“é o ato de leitura que finaliza a obra, que a transforma num guia de leitura, com suas
zonas de indeterminação, sua riqueza latente de interpretação, seu poder de ser
reinterpretada de maneira sempre nova em contextos históricos sempre novos.” (Ricoeur,
2010, pg. 205)
“a leitura já é ela mesma uma maneira de viver no universo fictício da obra; nesse sentido,
já podemos que as histórias se narram, mas também se vivem no modo imaginário.”
(Ricoeur, 2010, pg. 205)
“O que é re-figurado pela narrativa é o que já foi pré-significado no nível do agir humano.
[...] O ser no mundo segundo a narratividade é um ser no mundo já marcado pela prática
linguageira aferente a essa pré-compreensão.” (Ricoeur, 2010a, pg. 138-139)
4. O tempo narrado