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A Linguagem Audiovisual nas Escolas: Um dos Caminhos.

Por Alex Moletta

Para refletirmos sobre a questão do audiovisual no ambiente escolar


precisamos nos fazer a seguinte pergunta: hoje, o que existe em comum em boa
parte das crianças entre 02 e 05 anos e em uma grande parte dos adolescentes entre
12 e 15? A resposta é bem simples, ambos assistem vídeos online em dispositivos
móveis.

Segundo pesquisas que medem a audiência1, as crianças passam mais de


quatro horas diárias assistindo conteúdo audiovisual por dia. Seguindo essa
premissa, uma criança que está com 06 anos de idade, no primeiro período do
ensino fundamental, que ainda não aprendeu a ler nem a escrever, já assistiu a
quase 06 mil horas de conteúdo audiovisual sem supervisão pedagógica. Antes
dessa criança aprender a ler e a escrever ela já construiu um repertório de
alfabetização audiovisual sem a figura de um orientador. O aprendizado dessa
criança, na era digital, já se iniciou antes mesmo de entrar numa sala de aula. Aí
nos vem outra pergunta: como não considerar o audiovisual como um dos aspectos
relevantes para o processo de ensino/aprendizagem dentro do ambiente escolar?

Outra questão importante a ser considerada é que estamos passando por um


momento sensível de transição social no cenário educacional, pois temos hoje, em
grande parte das escolas e universidades, os chamados “imigrantes digitais”
educando “nativos digitais”. Essa é uma questão que por si já gera críticas, anseios,
dilemas e, portanto, também necessita de reflexão. Um estudo publicado em 2017
na revista Teaching and Teacher Education2 sobre “o mito do nativo digital”
afirma que esse conceito não possui embasamento científico e aparentemente o
problema não estará resolvido no futuro quando professores nativos digitais
estiverem educando alunos na mesma condição. Essa discussão ainda se dará por
mais tempo no meio educacional e não podemos ignorar que alguns aspectos de

1
Os dados fazem parte do Painel Nacional de Televisão, do Ibope Media, que registra a evolução do
tempo dedicado à TV (canais abertos e fechados, não inclui os programas assistidos sob demanda).
2
Artigo na íntegra em inglês no link:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0742051X16306692 - Acesso dia 01/06/2018.
mudança de comportamentos sociais precisam ser analisados e repensados para
fazer parte da pauta de discussão sobre as práticas educacionais.

Partindo do princípio de que qualquer cidadão – incluindo aqui a infância e


adolescência – tem direito à cultura, à educação, de ampliar seu repertório, adquirir
novas experiências e desenvolver seu senso crítico e intelectual, a linguagem
audiovisual passa a ter um sentido mais amplo e relevante do que apenas uma
ferramenta paradidática, o que também não a exclui nesta função, evidentemente.
O uso do audiovisual como ferramenta para o professor já faz parte do cotidiano
escolar. Exibir filmes, curtas, animações e documentários já não é raro de se
encontrar. Mas quais caminhos o professor – que tiver o desejo de ir além da
exibição de filmes – deve percorrer para ampliar o uso do audiovisual em sua rotina
didática?

Um caminho seria primeiro buscar o autoconhecimento. Fazer um


diagnóstico pessoal sobre “como” o audiovisual está presente na vida cotidiana do
professor. O que o professor assiste? Como assiste? Qual é seu repertório
cinematográfico e audiovisual? Entender o que o cinema e o audiovisual
representam em sua vida afetiva e intelectual. O que o professor “conhece” da
linguagem de comunicação desses veículos? E o mais importante: “por que” o
professor deseja usar essa linguagem para ensinar?

Aqui abrimos um parêntese para diferenciar os termos: cinema e


audiovisual. Segundo o professor e pesquisador Sérgio Rizzo3, cinema é o espaço
físico destinado a exibir filmes, ou seja, uma sala escura com tela grande de
projeção e sistema de som climatizado, projetados para nos concentrarmos
totalmente no filme que estamos assistindo, embarcarmos totalmente na história
que está nos sendo contada. Já o termo audiovisual se refere a um aspecto muito
mais amplo, pois o audiovisual não se restringe somente a filmes. Ao contrário do
cinema, que precisamos ir até a um local específico (sala de exibição) para apreciá-
lo, o audiovisual está presente em praticamente todos os lugares, do aparelho de

3
Sérgio Rizzo é Jornalista, doutor em meios e processos audiovisuais e mestre em artes e cinema pela ECA-
USP.
TV na sala das casas, ao Smartphone na palma de nossas mãos. Está também em
outdoors eletrônicos, praças de alimentação, lojas, bancos, escolas, empresas e
outras situações que nos rodeiam. Portanto, ao falar em cinema, você estará
falando de um veículo e uma linguagem específica. Por outro lado, o audiovisual
possui um caráter muito mais abrangente em termos de veículo de comunicação.

Um outro caminho seria o professor fazer um diagnóstico da presença do


cinema e do audiovisual na vida de seus alunos. Saber os que eles assistem no dia
a dia. Quais filmes? Quais programas de TV? E já que os jogos eletrônicos também
fazem parte do audiovisual, quais games seus alunos gostam de jogar? Quais
canais de vídeos do Youtube eles seguem e assistem periodicamente? O que lhes
interessa audiovisualmente? O que eles “sabem” ou “pensam” do audiovisual?
Esses são dois caminhos norteadores e de grande importância quando se trata de
trabalhar a linguagem audiovisual em sala de aula. Esse mapeamento de interesses
ou perfis de espectadores – de professores e alunos – determina o tipo de conteúdo
que será trabalhado naturalmente e também determina o que “necessita” ser
inserido de conteúdos novos para estimular a diversidade, a compreensão do outro,
a reflexão sobre temas desconhecidos e o senso crítico, tanto de aluno, como do
professor.

Quando se fala em audiovisual nas escolas, a segunda ideia que nos vem à
mente é a de criação e produção de curtas-metragens de ficção, animação ou
documentário – a primeira ideia é quase sempre a de exibição de filmes com eixos
temáticos. Mas a linguagem está muito além disso. A criação audiovisual não está
restrita a somente narrar histórias de ficção, mas também é possível criar séries de
vídeo aulas, utilizando como conteúdo as disciplinas curriculares como
matemática, língua portuguesa, idiomas ou ciências, apresentadas pelo professor
ou pelos próprios alunos. Apresentações em slides com imagens e sons também
são recursos audiovisuais que já são utilizados em trabalhos escolares, e em ambos
os casos, o audiovisual entra como ferramenta pedagógica.

Agora, o desafio de unir a criação artística audiovisual – de se narrar


histórias – aos conteúdos curriculares da sala de aula numa mesma obra, amplia a
compreensão desses conteúdos, estimula a busca por uma aplicação prática do
conhecimento adquirido, a integração e o trabalho em equipe na sala de aula e
desenvolve o pensamento crítico do aluno. Um exemplo desse caminho é o
trabalho do Professor de Sociologia da rede de ensino público de Brasília, Gilberto
Barral4 que propôs aos seus alunos em 2003 um trabalho audiovisual com o tema:
“O que é cidade?” O trabalho consistia em um registro sobre como os alunos
enxergavam a sua cidade e o desafio era também responder com imagens e sons
“o que significava a cidade para eles”. A partir dessas produções ele pôde aplicar
seu conteúdo de sociologia debatendo com os alunos suas produções e seus
respectivos olhares diferenciados.

Um aspecto importante a ser considerado sobre o uso da linguagem


audiovisual nas escolas é que não há um método científico ou uma forma correta
de se fazer isso. Esse processo de trabalho e pesquisa sempre irá depender de
inúmeros fatores sociais, educacionais, empíricos e tecnológicos. Cada lugar terá
um processo único, pois dependerá muito do grupo: professor, alunos e realidade
social. Por esse motivo se faz necessária essa reflexão e também o
compartilhamento de experiências.

Foi com esse intuito que nasceu o projeto: Mais Videomundo, um canal de
criação de conteúdo que provoca esse tipo de reflexão, promove o diálogo e se
propõe a compartilhar experiências de projetos, professores, coordenadores e
alunos sobre educação e audiovisual. Esse projeto possui dois livros publicados:
“Criação de Curta-metragem em Vídeo Digital – Uma Proposta Para Produções
de Baixo Custo” (2009) e o livro “Fazendo Cinema na Escola – A Arte
Audiovisual Dentro e Fora da Sala de Aula” (2014) ambos publicados pela
Summus Editorial.

Se você é professor, pesquisador, coordenador ou aluno e se interessa pelo


tema, ou deseja compartilhar sua experiência conosco, inscreva-se em nosso canal
ou entre em contato pelo e-mail: maisvideomundo@gmail.com

4
Gilberto Barral – Doutor e Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília – UnB. Professor de
sociologia da rede pública de ensino – Colégio CEAN de Brasília.

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