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A Influência do Desenho Institucional e as três Estratégias

Interpretativas

Antonio Guimarães Sepulveda†

Grande parte da doutrina nacional contemporânea leva em conta


primordialmente o fato, o valor e a norma como variáveis explicativas da interpretação.
Se, por um lado, há injustificável redução da complexidade do processo interpretativo
ao se trabalhar apenas com essa tridimensionalidade, uma vez que várias condicionantes
e dimensões influentes sobre a interpretação são desconsideradas, por outro, os teóricos
pátrios maximizam imotivadamente, ainda que de forma implícita, algumas das
variáveis tidas por fundamentais no processo interpretativo. Nesse aspecto, é notável
como parte da doutrina nacional, no que tange à interpretação, concede ao falível
intérprete – um ser dotado de plena capacidade intelectual, isto é, um verdadeiro “juiz
hércules” - todo tempo do mundo para aplicar o Direito a apenas um caso concreto,
independentemente da teoria valorativa ou formalista que sustente o resultado
hermenêutico alcançado. Ao mesmo tempo que a doutrina nacional maximiza no limite
a variável tempo, tomando-o por infinito, desconsidera que o intérprete contemporâneo
tem diante de si um conjunto casos a ser decidido (v.g., estoque de processos) em
determinado prazo (v.g., metas de produtividade).
Variáveis comumente negligenciadas doutrinariamente - tais como prazo e
capacidade -, por si sós, denotam a insuficiência analítica de parte de nossa doutrina,
visto que são indiciárias da desconsideração de influentes dimensões no
equacionamento do fenômeno interpretativo.
Sob estratégia maximizante, em que não se toma em linha de consideração os
custos decisórios, é que parece que boa parte da doutrina nacional se enquadra.
A adoção por parte dos doutrinadores nacionais de uma postura fortemente
idealizante e maximizadora, dita de primeira ordem (first order), pois adota estrita
abordagem pontual e imediatista, sem consideração global do contexto decisório,
revela-se inapropriada, em termos práticos, uma vez que limita sobremaneira a

Doutorando em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professor
convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Fundação
Getúlio Vargas (FGV-Rio). Tutor da Escola de Administração Fazendária (ESAF). Pesquisador
do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições -
PPGD/UFRJ. Auditor Fiscal da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
capacidade teórica de oferecimento de respostas plausíveis requeridas pelo mundo
fenomênico. Posturas maximizadoras distanciam-se, por supérfluo, de questionamentos
respeitantes ao quanto se deva investir, por exemplo, na pesquisa por fontes de
informações de coleta de materiais para a tomada de decisão.
A insuficiência explicativa da postura maximizadora-idealizante tem revelado,
ao longo dos anos, um considerável distanciamento entre a teoria e a realidade, uma vez
que negligencia relevantes variáveis no equacionamento explicativo da interpretação e
denota a incapacidade de dar conta de determinados fenômenos jurídico-institucionais,
tais como, o voto médio e à estratégica modificação ou ajuste do resultado interpretativo
alcançado por um julgador, por vezes, simplesmente manifestado pela expressão “voto
com o relator”.
Antagonicamente à estratégia maximizadora, compreende-se que o processo
interpretativo é melhor descrito e explicado a partir de uma perspectiva institucional e
estratégica, quer de índole otimizadora, quer de caráter satisfativo. Especificadas como
posturas de segunda ordem, por avaliarem o contexto decisório em termos globais,
diferenciam-se em razão de distintas regras de parada (stopping rule). Enquanto que o
intérprete otimizador encerra a pesquisa quando o benefício marginal de encontrar uma
melhor opção, descontada a probabilidade de encontrar tal opção, é igual ou menor do
que os custos de pesquisa adicional, o intérprete adepto à postura satisfatória finaliza a
pesquisa no momento em que encontra uma opção que seja boa suficiente. Ao invés de
pesquisar a melhor possível interpretação, ainda que sob constrangimentos e limitações,
o intérprete adepto da estratégia satisfatória estabelece um limite de procura por fontes e
materiais para aceitar a primeira interpretação que julgue que seja internamente
consistente, ou seja, boa suficiente.
Sob viés menos idealizante, relativiza-se a postura interpretativa maximizadora,
para se afirmar concomitantemente que o desenho institucional, em que está inserido o
aplicador do Direito (contexto/meio), influencia, em grande parte, o agir interpretativo,
vale dizer: impacta o processo e o resultado hermenêutico. Diz-se que incentivos ou
constrangimentos (v.g., normas institucionais) podem afetar profundamente o
comportamento dos atores sociais que estejam sob influência desses mecanismos.
Enaltece-se, assim, o valor das instituições – compreendidas como “padrão de conduta
recorrente, valioso e estável, em sua caracterização mais geral”-, chama-se atenção para
o fato de que todos – leia-se: juízes, julgadores administrativos, sujeitos passivos,
advogados ou servidores públicos (ou seja, as “pessoas comuns como o resto de nós”) -
respondem à influência de incentivos e constrangimentos, quando inseridos na relação
instituição-agente. Diga-se, afinal, que “os incentivos são a pedra angular da vida
moderna”.
Os incentivos e os constrangimentos são intervenções que o desenhista (v.g.,
legislador, economista ou o gestor público) concebe, arquiteta e impõe a determinado
cenário. Tem por objetivo impor certa conduta ao agente, tais como, redução de peso
corporal ou ação poluidora, aumento de produtividade laboral ou, até mesmo, motivação
à tomada de decisão. A fixação de prazo é exemplo de mecanismo posto à disposição do
projetista institucional no intuito de moldar, em grande medida, a conduta do agente.
Primariamente, almeja-se uma decisão ou uma deliberação dentro de um interregno
prefixado. Todavia, paralelamente, não se descarta a emergência de efeitos indesejados
em órgãos colegiados, tais como, “consensos alcançados sob mão armada”, isto é,
consensos atingidos de forma apressada em razão da proximidade da data fatal, o que
estimularia os participantes a barganhar por concessões, aumentando, dessa feita, a
probabilidade de consensos falhos e a obtenção de resultados subótimos. Por outro lado,
a ausência de prazo específico permite que certas decisões sejam adiadas por longos
períodos de tempo, a espera de um momento estrategicamente ideal para anunciá-la.
Ao invés de se pautar unicamente no mundo do dever ser, com base na teoria
institucional, explora-se, com maior vigor, a realidade, o mundo do ser, o mundo de
pessoas reais e de instituições vigentes. Constitui-se num exercício muito mais concreto
e problemático, de viés explicativo e prescritivo. Estimulado pelos ensinamentos do
professor Manuel Atienza e combinando a teoria com a empiria, objetiva-se descrever,
explicar e, “sabe-se lá, melhorar as práticas jurídicas e, com isso, as instituições
sociais”. Afastando-se do viés de extrema abstração, generalista e dogmático,
tradicionalmente endossado pela área jurídica, lança-se mão de mecanismos
institucionais analíticos (v.g., prêmios e filtros), os quais auxiliam na compreensão dos
fatos sociais e na avaliação das consequências das ações dos atores envolvidos.
É por isso que, do ponto de vista ora adotado, põem-se em foco as estratégias
decisoras, as estruturas de incentivos atuantes no desenho institucional em que se insere
o intérprete e as potenciais consequências acarretadas por tais estímulos institucionais.
O marco teórico dos desenhos institucionais é que descortina a importância da
influência dos dispositivos institucionais sobre a ação do intérprete.
Sob tal ótica, assevera-se que a interpretação, por se caracterizar pela
multidimensionalidade, é melhor compreendida a partir de uma perspectiva
institucional-otimizadora ou institucional-satisfatória.

Palavras-chave: Interpretação Jurídica; Teoria Institucional; Estratégias Decisórias.

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