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1.

Contextualização sobre a vida e pensamento de Descartes

René Descartes nasceu na aldeia de La haye, na Touraine, na França, ao 31 de Março de 1596. É


licenciado em direito pela universidade de Poitiers e fez filosofia no colégio dos jesuítas. Não se
sabe o porquê, mas Descartes alistou-se no exército holandês. Nestas alturas interessava-se pelas
ciências aplicadas, porém foi a partir do encontro com o jovem sábio holandês, Isaac Beeckman,
que Descartes despertou o seu espírito para as ciências especulativas, sobremaneira a
matemática, física e geometria. A sua saúde, que conservara à custa de um regime com muito
cuidado, não resistiu aos rigores do clima, acabando por morrer em Estocolmo, a 11 de Fevereiro
de 1650.

Nesse tempo, Descartes descobre vários problemas de Geometria, assim, esses problemas,
despertaram-lhe a ambição e a possibilidade de encontrar um método para resolver todos
problemas que o espírito humano pode levantar em toda ordem de pesquisa. A sua primeira ideia
é divulgar o plano da metafísica, por isso, teólogos e sábios, ao verem que ele fornece provas
convincentes da existência de Deus e da imortalidade da alma, bem como uma ciência capaz de
transformar a condição humana, unir-se-ão talvez para lhe solicitar a publicação de o mundo, e
queriam garantir a possibilidade de o editar sem ser condenado.

“Descartes, ao propor o seu método, procurava afirmar a possibilidade de um conhecimento


certo e seguro, que, partindo da dúvida, seguisse por caminhos claros e distintos até alcançar a
verdade” (2014: xii). Além disso, sabe-se que Descartes defende a suficiência humana, ou seja, a
capacidade de o homem conhecer através da razão, por isso que é de magna importância, mesmo
que ironicamente, afirmar que, em termos cartesianos, a razão não tem razões para não conhecer,
dado que ela própria impõe-se como caminho fundamental do homem na busca do
conhecimento.

É nessa senda que a cogitação cartesiana é considerada um marco dentro da história da filosofia,
na medida em que os conceitos e as estruturas epistémicas do período medieval assumem uma
nova configuração intelectual. Aliás, a sua influência significou, de certa maneira, o
esvaziamento e, por conseguinte, a derrota da maneira de pensar medieval. Por isso, a fim de
desenvolver seu pensamento sobre o infinito, Descartes busca por um saber racional que tenha
por meta a certeza, que se dá através de um pensamento claro e distinto.

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Não obstante, antes do século XVII, a metafísica era pensada como um saber que dependia,
necessariamente, de uma existência exterior ao pensamento humano, um conhecimento que
estava, umbilicalmente, ligado a objectos exteriores.

A filosofia moderna substitui o tema Deus, central na filosofia medieval, pelo


tema homem. Com Descartes realiza-se um retomo ao modo de filosofar dos
antigos filósofos gregos, que ignoravam qualquer revelação divina e
investigavam a realidade do mundo só pela luz natural da razão (ZILLES, 1991:
23).

Nesse sentido, o antropocentrismo passa a ser o centro gravitacional de toda a tentativa de fazer
ciência e metafísica, ou melhor, o pensamento ganha prioridade, visto que é uma conquista
essencialmente do homem, que tem a faculdade de pensar, e não algo que, primeiramente, é dado
pela natureza divina. É com Descartes que se faz uma virada na filosofia, colocando o indivíduo
no centro das atenções, contrariamente aos pressupostos do período medieval, que se baseavam
no mundo externo, colocando a fé no trono.

Segundo Zilles (ibidem: 32), ao tentar demonstrar a existência de Deus, Descartes não parte do
cosmos, e sim do próprio sujeito. Descartes reconhece certa autonomia da razão em relação à fé.
Para chegar à clareza tinha que se recorrer à razão, ou seja, se outrora tinha-se que justificar a
razão ante a fé, agora ocorre o inverso. A revolução cartesiana consiste essencialmente em ter ele
transferido o lugar da certeza original de Deus para o homem, para a razão humana. Parte-se,
agora, da certeza de si próprio para a certeza de Deus.

É partir da dúvida metódica que Descartes demonstra a existência de Deus. Ou seja, as pessoas
podem duvidar da existência dos braços, de que estão sentadas e mais, mas só pelo facto de eu
pensar, significa que existo. Portanto, a existência de Deus prova-se nesse corolário, ou seja, eu
tenho a ideia de Deus, que me foi criada por ele próprio, de que penso em Deus. Assim, se penso
nessa ideia, significa que Deus existe. Portanto, Descartes tenta provar a existência de Deus
através de influências racionais, isto é, a razão, em Descartes, é a condição sem a qual não se
fundamentaria o conhecimento e não se provaria a existência divina, dado que se sente Deus pela
razão. Portanto, entende-se que as verdades científicas e metafísicas têm que ser procuradas no
cogito humano, por isso, é partir da razão que Descartes demonstra ou levanta provas sobre a
existência de Deus.

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2. Provas da existência de Deus em Descartes

2.1 Prova ontológica

As Meditações metafísicas é o título da obra em que, primeiro, Descartes ocupou o seu tempo
tentando provar a existência de Deus e, posteriormente, provar se este Deus é ou não enganador,
e também faz a distinção da alma relactivamente ao corpo. Neste exercício, Descartes baseia-se
em diversos caminhos, dentre os vários, importa referir neste espaço a fundamentação ontológica
e cosmológica, ainda que o autor não designa como tal, explanados na terceira e quinta
meditação do livro supramencionado.

Descartes, para fundamentar a sua prova de Deus em termos ontológicos, parte do pressuposto
que ele duvida e, consequentemente, não é perfeito, porque se fosse perfeito teria todo
conhecimento que não o faria duvidar de nada. Porém, a coisa que ele tem a certeza é da
existência da perfeição, daí ele começa a indagar em torno do ser que lhe incutiu a ideia de
perfeição, dado que, sendo falível, não poderia ser ele mesmo, como afirma:

Eu, como substância pensante e finita, não poderia criar a ideia de um ser
perfeito e infinito, pois essas vantagens são muito grandes e importantes, o que
nos faz aceitar, baseando-se que o finito não pode criar-se o infinito, que Deus
existe, e que mesmo eu sendo uma substância, não teria essa ideia de uma
substância infinita se ela não tivesse sido colocada em mim por uma substância
que fosse de fato infinita. (DESCARTES, 2004: 101).

Nota-se que a ideia de perfeição nasce com o Homem, é uma ideia inata, por isso, a ideia de que
a perfeição não tendo origem no nada e nem muito menos em um ser imperfeito por natureza, só
pode ter sido posta na razão por um ser perfeito, isto é, Deus. Se este é um ser perfeito, deve ter a
perfeição de existência, caso contrário lhe faltaria algo para ser perfeito, portanto, ele existe.
Deste modo, na dimensão ontológica “toda a força do argumento consiste em que reconheço ser
impossível a existência de uma natureza que sou, isto é, possuidora de ideia de Deus em mim, a
menos que Deus ele mesmo também existe” (Idem: 104-105).

Seguindo este raciocínio, Descartes afirmou, também, que Deus é o único ser que se pode dar
salto qualitativo da essência para existência. Se ele é perfeito, então participa da existência, uma
vez que esta é parte integrante da essência, não é possível ter a ideia de Deus, sua essência, sem
admitir a sua existência, isto é, a definição da sua essência é garantia necessária da sua própria
existência.

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Um dos grandes méritos de Descartes é o facto de provar a sua existência através do seu
pensamento, o autor chegou ao ponto de afirmar que mesmo que a pessoa duvide que o
pensamento exista, essa sua dúvida já é um pensamento. Apesar de tomar o pensamento como o
fundamento das suas fundamentações, o mais interessante é que Descartes não inclui a ideia de
Deus neste prisma, pois, afirma o autor que:

São muitos, seguramente, os modos pelos quais entendo que essa ideia não é
uma ficção dependente do meu pensamento, mas a imagem de uma natureza
verdadeira e imutável. Primeiro, porque não posso pensar em nenhuma outra
coisa, exceto Deus, cuja existência pertença a sua essência (Ibidem: 143).

Segundo Descartes (2014: 101), Deus é uma substância infinita, independente, eterna, imutável,
sumamente inteligente e poderosa e pela qual nós fomos criados e tudo quanto existente. Se
existe alguma outra coisa. Todas essas coisas são tais que possam provir somente do indivíduo.
Por isso, do que foi dito deve-se concluir que Deus existe. Interessa-nos agora, demostrar outra
prova da existência de Deus sob óptica do mesmo autor.

2.2 Prova Cosmológica

Para Descartes, o conhecimento seguro deve ser fundado na razão porque através do método
estabelecemos regras sólidas e seguras que fazem do pensamento o princípio e a certeza da
existência, visto que todo pensamento por si só prova sua existência mesmo que uma pessoa
duvide que o pensamento exista, ou seja, a dúvida por si só já é um pensamento. Para ele a única
coisa que pode ser considerada verdadeira é o pensamento. Tendo traçado o método para o
raciocínio correcto, Descartes passa a examinar a ideia da perfeição que existe fora do homem e
independentemente dele, “a ideia de Deus é a ideia de um ser perfeito. Ora, o ser perfeito inclui
todas as perfeições. Considerando que a existência é uma perfeição, deve-se concluir que Deus
existe” (GOMES, 2014: 12).

O argumento cosmológico consiste na enumeração da causa dos fenômenos na natureza até que
se chegue a uma causa não causada, isto é, causa de si mesma que seria Deus. Segundo Zilles
(1991: 28), a primeira prova tem como ponto de partida a ideia de Deus (aspecto existencial) e
conclui que a realidade objectiva da ideia de Deus exige como causa a realidade formal que

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pensa, isto é, Deus. A segunda demonstração parte do eu pensante que tem a ideia de Deus e
conclui que o ser que tem a ideia de Deus e não é Deus, tem que ser causado por Deus.

Se o homem como ser imperfeito não é causa de si mesmo, deve existir um ser causador, perfeito
e infinito, dado que para Descartes é um contra-senso lógico que o homem como ser imperfeito
pense Deus perfeito, mas somos obrigados pela razão, pelo raciocínio, pelo pensamento correcto
a reconhecer que Deus foi aquele quem colocou a ideia de perfeição e a sua própria ideia em
mim, “e certamente não se deve achar estranho que Deus, ao me criar, haja posto em mim esta
ideia para ser como que a marca do operário impressa em sua obra; e não é tampouco
necessário que essa marca seja algo diferente da própria obra” (DESCARTES, 2014: 120)

Neste caso, Deus existe e criou o homem. A ideia de perfeição que existe na natureza é, portanto,
a assinatura que Deus deixou no homem e essa ideia que deixou é que permiti o homem pensá-
lo. Deus é aquele que me permite cogitá-lo, se Deus não colocasse sua ideia no homem, seria
impossível o homem reconhecer sua imperfeição e das coisas que existem na natureza. Deus
permiti o eu pense porque o cogito em Descartes é a primeira certeza da sua dúvida.

Mas após ter reconhecido haver um Deus, porque ao mesmo tempo reconheci
também que todas as coisas dependem dele e que ele não é enganador, e que,
em seguida a isso, julguei que tudo quanto concebo clara e distintamente não
pode deixar de ser verdadeiro: ainda que não mais pense nas razões pelas quais
julguei tal ser verdadeiro, desde que me lembre de tê-lo compreendido clara e
distintamente, ninguém pode apresentar-me razão contrária alguma que me faça
jamais colocá-lo em dúvida; e, assim, tenho dele uma ciência certa e verdadeira
(Idem: 136).
A ideia de perfeição nasce junto com o homem, é uma ideia inata. A ideia da perfeição não tendo
sua origem no nada e nem tampouco em um ser imperfeito, só pode ter sido posta na razão por
um ser perfeito. Um ser perfeito é própria causa, ao contrário de um ser imperfeito. A ideia de
perfeição posta na razão sugere a existência de um ser perfeito, pois seria incongruente a
existência da imperfeição sem um ser perfeito que a tenha criado. Assim, a existência de uma
ideia de perfeição que existe em nossa mente, comprova a existência de um ser perfeito que a
criou e a colocou em nossa razão, ou seja, um ser que pode ser chamado de Deus. Portanto, é a
ideia de Deus que impeliu o homem através da razão a conhecê-lo e conhecer o mundo, Deus é o
princípio do conhecimento. Deus garante a nossa existencial enquanto estamos duvidando.

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3. Vida e obra de Blaise Pascal

Blaise Pascal nasceu em Clermont, no dia 19 de junho de 1623. Filho de Etienne Pascal e
Antoinette Begon, ficou órfão de mãe aos três anos de idade. Suas extraordinárias qualidades de
inteligência, reveladas desde os primeiros anos da infância, tornaram-se todo o orgulho do pai de
Pascal, que quis encarregar-se pessoalmente de sua educação. O jovem Pascal manifestou, desde
logo, um pendor excepcional pelas matemáticas, a tal ponto que, segundo sua irmã Gilberte,
chegou a descobrir os fundamentos da geometria euclidiana. Aos dezasseis anos de idade,
escreveu um tratado de tal profundeza que se dizia não ter sido escrito por ele.

Enquanto isso, continuava Pascal os seus estudos do latim e do grego, nos quais seu pai o havia
iniciado, e, nos intervalos, dedicava-se também à lógica, à física, à filosofia. Aos dezoito anos de
idade inventou uma máquina de calcular. Aos vinte e três, já era senhor científico, tendo
descoberto várias leis sobre a densidade do ar, o equilíbrio dos líquidos, o triângulo aritmético, o
cálculo das probabilidades, a prensa hidráulica, etc. Um dia, porém, na ponte de Neuilly, foi
vítima de um acidente e começou a sofrer de alucinações, vendo aparecer sempre diante de si um
abismo aberto.

Desde então, tornou-se profundamente religioso, renunciou a todos os seus conhecimentos e,


passando a viver solitariamente, internado na abadia de Port-Royal em 1646, onde foi a
"primeira conversão" de Pascal, da qual dedicou-se exclusivamente à defesa do cristianismo.
Pascal foi atingido na noite de 23 de Novembro de 1654 por uma profunda iluminação religiosa,
e escreveu um famoso Memorial: esta foi a "segunda conversão", seguida pela decisão de deixar
toda actividade mundana. Toda a vida de Pascal é tida como um grande exemplo de sofrimento
resignado e de piedade. Morreu com trinta e nove anos, no dia 19 de Agosto de 1662.

Segundo Brun (1992: 20), três acontecimentos vão marcar radicalmente a vida de pascal e sua
visão do mundo, pois tivera visto neles um sinal que Deus lhe dirigiu. Ou seja, o primeiro correu
em 1654 que é conhecido como o acidente da ponte da Newlly. Pascal é salvo e pensa que não se
tratava de um simples salvamento, e sim de uma verdadeira salvação concebida por Deus.O
segundo acontecimento ocorreu em Março de 1654 e é designado pelo milagre de sainte epine.
Neste evento milagroso, a sobrinha de Pascal, Marguerit, sofrendo há três anos e meio de uma
grave fistula lacrimal que se recusava a cicatrizar, com um relicário que continha um fragmento

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de Santa de coroa de Cristo, ficou curada, na companhia de uma religiosa praticante. O terceiro
acontecimento marca o nascimento do verdadeiro Pascal em 23 de novembro do mesmo ano,
Pascal teve uma noite de iluminação de êxtase. Portanto, ele encontrou-se em comunhão com
Deus de Abraão, Isca e Jacob, e não Deus dos filósofos e dos sábios.

4. Crítica à Descartes: a defesa do irracionalismo

Pascal, na religião, é considerado um irracionalista, sentimentalista, por considerar o coração


como o núcleo da verdade divina, ou seja, segundo Pascal é o coração que sente Deus e não a
razão. Portanto, com pascal Deus é exclusivamente sensível ao coração, e não à razão, como
sustenta Descartes. Para Brown (1999: 81), Descartes pensava o homem em situação
gnoseológica, o homem que se julga senhor de coisas, graças à omnipotência da sua razão, é na
realidade o escravo destas coisas que impressionam a sua imaginação, a razão não é a luz
verdadeira. Assim, a razão é simultaneamente vencida pelo que pretende ultrapassar, quer dizer,
a imaginação, e por aquilo que o ultrapassa, a saber, o coração.

Pascal rompe com toda filosofia que pretende explicar Deus através dos fundamentos racionais,
por não ser capaz de explicar o sentimento, graças ao milagre trabalho reservado para o coração
como único meio que tende à Deus, ou seja, é no coração que Deus se manifesta, e não na razão.
Outrossim, Brown (ibidem: 43) afirma que Pascal tinha profunda consciência da verdadeira
natureza da religião. Portanto, é o coração e não a razão que tem consciência de Deus.

Portanto, o irracionalismo nasce no pensamento de Pascal como crítica ao racionalismo


cartesiano. Este irracionalismo toma uma atitude de fundamento que possibilita o homem
encontrar Deus nas suas formas mais simples e complexas, dado que Deus manifesta-se no
coração, e é por intermédio do sentimento que Deus faz se sentir no homem. A razão, em pascal,
também é dominada pelos sentimentos.

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5. A apologia da religião cristã de Pascal

O ponto de partida da apologética de Blaise Pascal, ou seja, o seu pensamento, é a constatação da


dualidade da natureza humana, onde ele descobre que o homem é um amontoado de misérias e
grandezas, um rei sem trono, mas sempre um rei, um caniço, porém um caniço pensante. Pascal
compara o homem a uma cana, a mais fraca da natureza, só que ela é uma cana que pensa e
reflecte.

Assevera ainda Pascal que não é necessário usar de grandiosas coisas para atingir este mesmo
homem, pois apenas com uma gota de água é suficiente para matá-lo. Mas mesmo assim ele
ainda continua nobre, porque ele sabe que morre e que existem outras coisas no universo
superiores a ele. No entanto, para Pascal o homem é um ser instável, por isso não é totalmente
bom, mas também não é totalmente mau, e que este mesmo homem é um complexo de bem e de
mal, digno de respeito e, também, de desprezo.

Segundo Pascal o homem é feito para pensar, nisso reside toda a sua dignidade e sua função,
para pascal o homem é o objecto sobre o qual a filosofia deve reflectir, e essa reflexão leva a
consideração do engrandecimento pelo pensamento. A grandeza do homem se reflete no seu
próprio pensar na finitude e em reconhecer a sua condição de miséria. Dentro da visão
pascaliana, a condição humana está marcada por uma miséria ontológica. “No fundo, o que o
homem é na natuireza? é nada em relação ao infinito, é tudo em relação ao nada, algo de
intermediário entre o nada e o tudo” (REALE; ANTISERI, 2005: 180).

Ao se opor ao dualismo cartesiano do homem ser pensamento ao e mesmo tempo extensão (res
cogitans e res extensa), Pascal em contrapartida nos apresenta o dualismo de grandeza e miséria.
A grandeza e a miséria do homem estão solidamente interligadas, o homem não deve se julgar
um animal, mas também não deve presumir que é um anjo. Pois, “ se ele vangloria, eu o
rebaixo; se ele se rebaixa, eu o glorifico; eu o contradigo, até que compreenda que é um
monstro incompreensível” (Ibidem).

A dúvida metódica de Descartes opõe uma desconfiança total na razão, no que diz respeito à
salvação eterna, Assevera Mondin (1981: 95), que se trata duma salvação eterna que não se
encontra fora das vias ensinadas no Evangelho, que não se conserva senão pelas vias ensinadas
no Evangelho, numa submissão completa a Jesus Cristo.

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De acordo com Pascal a razão pode, sem dúvida, ter o conhecimento da dualidade (grandeza e
miséria), que segundo ele essa dualidade dilacera a vida humana até em suas manifestações mais
íntimas, porém não pode fazer nada para superá-la, e somente a fé cristã pode explicar ao homem
a origem dessa ruptura e dar-lhe a graça de saná-la.

Com isso Pascal não quer afirmar que a razão não tenha nenhum valor, pois ele não ensina o
fideísmo, como se pode constatar claramente pelo uso frequente que ele faz de argumentos
racionais para defender o cristianismo, e para tal ele prova a verdade do cristianismo mostrando
que o dogma do pecado original, é a única explicação suficiente para todos os males que afligem
a humanidade.

A última tentativa da razão [é descobrir] que há uma infinidade de coisas que


ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não reconhecer isto. é preciso saber duvidar
aonde é preciso. Quem não faz assim não entende a força da razão (PASCAL,
1999: 55)

No entanto, nem sempre o homem quer assumir sua condição de miserável. Isso faz com que ele
busque divertimento, tentando fugir de si mesmo e de pensar na sua finitude. O facto de que o
homem é a criatura constitutivamente miserável, o faz desviar visivelmente, pois caiu de seu
verdadeiro lugar sem poder agora reencontrá-lo. “As misérias da vida humana estão na base de
tudo isso; tão logo os homens se aperceberam disso, optaram pela diversão; eles, não
conseguindo vencer a morte, a miséria e ignorância, decidiram não pensar nelas para se
tornarem felizes” (REALE; ANTISERI, 2005: 183). Diante disso, Pascal construiu a sua
apologia ao cristianismo, em que para ele o homem é plasmado de grandeza e miséria, e sozinho,
com suas próprias forças, só consegue compreender que é um monstro enigmático; e que
sozinho, não conseguirá criar valores válidos nem encontrar um sentido estável e verdadeiro da
existência. O homem não se realiza plenamente devido ao pecado original ou sua decaída,
portanto somente Jesus Cristo seria a chave para compreender e redimir o ser humano.

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CONCLUSÃO

Na temática sobre a emergência da racionalização da religião: Descartes e Pascal é possível


notar os diversos esforços detalhados pelos pensadores da época moderna na tentativa de ilustrar,
primeiro, os contornos pelos quais levaram ao aparecimento das suas abordagens e, segundo, de
forma consciente, uma elaboração dos registos da racionalização da religião, ou seja, o primado
da defesa da razão na compreensão da religião.

Se, com a elaboração deste trabalho, por um lado, passa-se a entender que a razão é o elemento
de grande importância para chegar-se ao conhecimento de Deus e da ciência, por outro, entende-
se que essa mesma razão, no que concerne ao pensamento pascaliano, não é concebido como
fora feito com Descartes, mas sim torna-se insuficiente para compreensão de Deus, ou seja, não é
o único elemento do qual pode-se sentir e legitimar a existência de Deus, dessa forma passa-se à
compreensão de que vários são os elementos do quais os seres humanos podem se servir para
confirmar a existência de Deus. Ou por outras palavras, se para Descartes defende-se a
suficiência humana, a capacidade de o homem conhecer a Deus através da razão, dado que a
razão não tem razões para não conhecer, então Pascal, na religião, contrariando o outro, é
considerado um irracionalista, sentimentalista, por considerar o coração como o núcleo da
verdade divina, ou seja, segundo Pascal é o coração que sente Deus e não a razão. Portanto, com
pascal Deus é exclusivamente sensível ao coração, e não à razão, como sustenta Descartes.

Em linhas sucintas, deve-se compreender que a racionalização da religião emerge quando o


antropocentrismo passa a ser o centro gravitacional de toda a tentativa de fazer ciência e
metafísica, ou melhor, o pensamento ganha prioridade, pois é uma conquista essencialmente do
homem, que tem a faculdade de pensar, e não algo que, primeiramente, é dado pela natureza
divina, dado que, antes do século XVII, a metafísica era pensada como um saber que dependia,
necessariamente, de uma existência exterior ao pensamento humano, um conhecimento que
estava, umbilicalmente, ligado a objectos exteriores.

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BIBLIOGRAFIA

DESCARTES, René. Discurso do método. (trad) Étienne Gilson. 70, Lisboa, 2014.

________________. Meditações sobre filosofia primeira. (trad.) Fasuto Castilho. Unicamp, [s.l],
2004.

MONDIN, Battista. Curso de filosofia: Os filósofos do Ocidente. 6.ed., Paulus, São Paulo, 1981,
vol.2.

PASCAL, Blaise. Pensamentos. (Os Pensadores), Nova Cultural, São Paulo, 1999.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da filosofia: De Spinoza à Kant. (Trad.). Ivo
Storniolo, Paulus, São Paulo, 2005, Vol.5.

GOMES, Raniery Fernandes. Introdução à Filosofia da Religião: elementos básicos para a


compreensão da religião. [s.n], Rio de Janeiro, 2014.

BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã: Um esboço histórico desde a idade antiga até ao presente.
2.ed., Vida Nova, São Paulo, 1999.

ZILLES, Urbano. Filosofia da religião. Paulus, São Paulo, 1991.

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