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O Cérebro e as Drogas - 5

Onde agem as drogas

"O poder que a dependência química exerce sobre os seres


humanos não reside em nosso córtex. O poder da
dependência em nossas mentes mora no que foi chamado
de nosso cérebro de réptil. O poder localiza-se no campo
das transformações celulares em células do meio do
cérebro – o nucleus accumbens e o tegmentum superior.
Estas transformações estão além do alcance da força de
vontade, além do alcance do condicionamento e além do
alcance do insight psicanalítico".
Esse foi um trecho da conferência proferida pelo Professor Geoge Vaillant por
ocasião da abertura do XIII° Congresso da ABEAD, realizado no Rio de
Janeiro em agosto de 1.999.
O Prof. Vaillant, da Universidade de Harvard, é sem dúvida uma das
personalidades mais respeitadas entre todos os estudiosos de Dependência
Química de todo o mundo e fez duas referências merecedoras de maior
atenção:
A primeira relaciona-se ao nucleus accumbens e tegmentum superior (onde
está a Área Tegumentar Ventral), estruturas que compõem o já anteriormente
exposto Circuito de Recompensa.
Esta área do SNC está relacionada com a sensação de prazer. A sensação de
prazer é obtida pela ativação do circuito, que pode resultar da excitação dos
seus neurônios pelos órgãos dos sentidos, sexo, sugestão ou por alguma
substância em circulação.
Os treinadores de animais nunca deixam de dar algum petisco para o animal
que executou direito uma tarefa por eles ensinada. Essa é a recompensa pela
realização da tarefa, ou seja, um prazer resultante de um comportamento
antecipado. O prazer da ingestão do petisco motiva o animal a realizar
novamente o procedimento que lhe conferiu a recompensa e para esta situação
nós dizemos que houve um reforço de motivação.
A descoberta do Circuito
de Recompensa ocorreu
quando James Olds, um
psicólogo fisiologista
americano, mas então
trabalhando na McGill
University, em Montreal,
Canadá, usando uma
técnica de estímulos
elétricos em áreas
cerebrais de ratos(com
agulhas-eletrodos), na
década de 50 do século
passado, observou que
um dos animais reagiu de
modo a procurar por mais
estímulos ao invés de
fugir deles, como faziam
os outros ratos nesse
experimento que então
fazia (estrutura do sono). Verificando também que a agulha desse animal não
foi inserida na área planejada, mas próximo a ela, continuou sua experiência
colocando o animal em gaiola apropriada para auto-administração
(pressionando uma alavanca) de estímulos por esses animais. Observou, com
grande surpresa, que o animal se exauria pressionando a alavanca do contato
elétrico num ritmo muito acelerado. A experiência foi confirmada em
sucessivas repetições com o eletrodo posicionado naquele local, logo acima
do tronco cerebral, no meio do cérebro. Estava descoberto o Circuito de
Recompensa.
A partir daí essa região do SNC tem atraído a atenção dos neurocientistas de
todo o mundo. Particularmente com relação à Dependência Química,
evidenciou-se que todas as drogas com potencial de dependência agem
aumentando o nível da dopamina, neurotransmissor do Circuito de
Recompensa.
A segunda referência do Professor Vaillant, a ser melhor esclarecida, é sobre o
nosso cérebro de réptil.
Segundo a teoria de MacLean (1.990) o nosso encéfalo atual reflete a
evolução que sofreu ao longo das eras, contendo três partes primordiais que
funcionam como três computadores biológicos interconectados, cada um com
a sua própria inteligência, sua peópria subjetividade, seu próprio senso de
espaço e tempo e sua própria memória.
Para Restak "o cérebro seria melhor compreendido em termos de três unidades
de funcionamento: vigilância, processamento de informação e ação".
Embora interconetados, cada um deles funciona com capacidade própria.
podendo preponderar conforme as circunstâncias.
O mais antigo, chamado de reptiliano ou complexo R, corresponde ao tronco
encefálico e cerebelo, sendo responsável pelos processos de auto-sustentação
do corpo, rituais de aproximação e acasalamento, os mesmos que já se
apresentavam nos répteis há 240 milhões de anos.
Situado na parte mais alta do tronco encefálico situa~se o mesencéfalo, que
contém as estruturas da Área Tegumentar Ventral ou VTA.
Uma vez ativado por estímulos relacionados à droga, o impulso nervoso parte
dessa área para o Nucleus accumbens, na base do cérebro, formando o
Circuito de Recompensa,
e daí segue para o cortex
pré-frontal que vai
comandar as ações
comportamentais
relacionadas ao processo
de uso da substância.
Em seguida temos o encéfalo afetivo, do sistema límbico, que data de cerca
de 60 milhões de anos, que é compartilhado conosco pela maioria dos
mamíferos. Esse sistema límbico atúa na expressão das emoções e
sentimentos, cuidados com a prole e eventos associativos, necessitando
entretanto interagir com o néo-cortex para processamento dessas emoções. Ao
contrário do encéfalo reptiliano, o cérebro emotivo é
capaz de aprender com a experiência. Por fim temos
o néo-cortex, o encéfalo principal dos primatas, que
foram dos últimos mamíferos a
aparecerem. Ele constitui cerca
de cinco sextos da massa total
do encéfalo humano, tendo
aparecido há cerca de um
milhão de anos.
Ele é responsável pelas funções
cognitivas mais nobres. No homem promove a
linguagem e o raciocínio, o pensamento abstrato, os cálculos matemáticos, etc.
O controle do néo-cortex racional sobre os seus precursores nem sempre é
eficiente.
Para Arthur Koestler, o respeitado escritor-filósofo, ele é "um cavaleiro que
não controla completamente o seu cavalo", e aí está a chave para a
compreensão do intrigante fenómeno do uso abusivo e dependência de
substâncias psicoativas.

A ação das drogas. A engrenagem da


dependência. Tolerância e abstinência.
É simplesmente fantástica a propriedade do SNC de transformar-se
estruturalmente para poder cumprir às demandas inerentes ao comportamento
das pessoas (que, afinal de contas, foi por ele mesmo determinada).
Desde a auto-regulação imediata, que promove os balanços certos entre as
atividades dos neurônios excitatórios e inibitórios visando, por exemplo, um
movimento muscular banal, até a formação de circuitos neurais especializados
para a execução constante e precisa de movimentos, como os da mão de um
pianista, temos toda uma gama de modificações, modelagens ou adaptações,
que nós denominamos de plasticidade neural.
Nós já vimos que as drogas agem nas sinapses nervosas modificando a
transmissão das mensagens. Trata-se de uma interferência externa que é
interpretada pelo cérebro como agressão, uma invasão ao seu território, que
deve ser combatida. Inicialmente a reação apresenta-se como aversão, repulsa
do indivíduo à droga, mas essa defesa pode perder para a sensação prazerosa
que a droga produz no circuito de recompensa, num jogo de
custo/benefício.Podemos indagar: "Porque o hábito se estabelece numas
pessoas e em outras não? "É justamente a forma pela qual o circuito de
recompensa reage à droga, isto é, quando se estabelece um efeito reforçador,
pré-requisito para a repetição do comportamento. Uma determinada droga
pode oferecer um maior ou menor atrativo à pessoa, conforme a sua
constituição genética relacionada ao neurotransmissor dopamina.
A dopamina foi reconhecida por muito tempo como a chave da adicção por
ser o neuroquímico cujo nível no cérebro eleva-se por ação do álcool e de
todas as outras drogas de abuso. Até recentemente acreditava-se que a
dopamina agisse principalmente nas áreas límbicas do cérebro associadas
apenas à recompensa e ao prazer. Trabalhos recentes demostraram que a
dopamina também assinala a saliência, isto é, a seleção das percepções
ambientais que irão determinar o comportamento da pessoa. Dessa forma,
além dos estímulos naturais como alimento, sexo e dinheiro, por exemplo, os
estímulos aversivos, como a percepção do perigo e o medo, também
aumentam o teor de dopamina no cérebro. Acontece entretanto que o álcool e
as outras drogas de abuso são reconhecidamente muito mais potentes,
inundando o cérebro com dopamina a níveis muito altos e prejudiciais, a
ponto de destruir múltiplas regiões de grande importância funcional. A Dra.
Nora Volkow, atual diretora da NIDA (National Institute on Drug Abuse),
autora dos trabalhos que possibilitaram tais afirmações, afirmou: "Os
dependentes de cocaina não estão usando a droga porque ela lhes proporciona
maior prazer. Se há alguma coisa, está documentado que a sensibilidade do
sistema de recompensa no cérebro está, de fato, diminuida. Eles têm um
sistema dopaminérgico hipofuncionante".
Os aditos começam a procurar a droga de abuso porque ela é
suficientemente poderosa para ativar o sistema, disse ela.
Se o efeito reforçador for predominante e as circunstâncias o favorecerem,
haverá a continuidade do uso, e então o necessário equilíbrio básico vital será
estabelecido por adaptações neurais, destacando-se as modificações nas
estruturas das sinapses nervosas.
Podemos imaginar o funcionamento normal do cérebro como uma delicada e
preciosa engrenagem.
Quando os elementos fundamentais da transmissão nervosa –
neurotransmissores, proteínas e outros mediadores, canais iônicos e
receptores, são modificados em número ou qualidade, para as adaptações ao
uso recorrente de uma ou mais drogas, é como se fosse criada uma outra
engrenagem, agora com a capacidade de funcionar nessa situação, ao mesmo
tempo preservando o organismo de um colapso fatal.
Esta seria a"Engrenagem da Dependência", uma fantasia com intensão
didática que
temos usado
em palestras
para apresentar
o
funcionamento
cerebral em
regime de
adaptação às
drogas.Quando
uma droga
excita um
determinado
receptor e
repete essa
ação por muitas
vezes pelo uso freqüente, o organismo reage, diminuindo o número de
receptores.
A droga agindo sobre menor número de receptores tem o seu efeito diminuído
em relação ao efeito que tinha antes da adaptação. Assim, se o usuário
pretender o mesmo efeito que sentia, terá que aumentar a dose da substância.
Este é o fenômeno da tolerância, e explica a quantidade crescente de
substância usada pelo usuário para a sua satisfação, uma vez que o organismo
vai promovendo a sua adaptação aos poucos.
Por outro lado, quando um organismo já tem plenamente o seu funcionamento
adaptado à droga, ele não funciona bem e sofre com a sua falta, ou mesmo
com a diminuição da sua concentração sangüínea, manifestando-se por um
estado que nós denominamos de abstinência. Assim por exemplo, se o uso de
uma droga excitadora (como a cocaina) se torna constante, pondo em perigo o
equilíbrio vital, a plasticidade neural se incumbe de reduzir o número de
receptores desses neurotransmissores excitadores, restabelecendo o equilíbrio
através da "engrenagem de dependência" para essa droga. Vejamos um caso
oposto, o do álcool, que é depressivo. Uma das ações do álcool é a de
bloquear os receptores NMDA do glutamato, que é excitatório. O organismo
acomoda a situação aumentando o número desses receptores. Sem o álcool
(abstinência) o glutamato aumenta a sua ação excitatória, pois fica com os
seus receptores livres, e ainda dispõe de um maior número deles, por conta da
adaptação. O álcool também age sobre os receptores GABAA,
potencializando a sua atividade depressora, e sobre os canais de cálcio,
reduzindo a emissão de neurotransmissores para a fenda. A adaptação aqui se
faz diminuindo o número de receptores (ou modificando a sua estrutura
química) e aumentando o número de canais de cálcio. Essas modificações que
constituem a "engrenagem da dependência" foram feitas para o ajuste cerebral
à presença ativa das drogas, e sem elas, haverá o sofrimento de abstinência,
como dissemos. As adaptações já tinham sido previstas por Himmelsbach na
década de 40 do século passado, mas atualmente estão sendo plenamente
confirmadas na seqüência das investigações em Dependência Química,
principalmente nos campos da engenharia genética e da biologia molecular.
A engrenagem da dependência é desativada pelo desuso da droga, mas será
prontamente restabelecida ao primeiro sinal de presença da droga em
circulação no cérebro, refazendo-se os mecanismos de tolerância e
abstinência.
Na realidade, nem será necessária a presença da substância para a reinstalação
do processo, basta para isso uma sugestão condicionada, como o encontro
com velhas amizades de uso ou a entrada em ambientes de uso.
Há o clássico episódio, muito citado, de um cidadão inglês que sofreu séria
crise de abstinência quando foi rever a sua casa de campo, local onde
costumava usar cocaina,
droga que já não usava há
cerca de dois anos.
Com respeito a isso existe
um trabalho muito bem
concebido pela Dra. Anna R.
Childress , da Universidade
da Pensilvânia, Filadélfia.
Ela recrutou 14 pessoas
dependentes de cocaína e 6
pessoas que nunca haviam
experimentado essa droga.
Submeteu-as ao exame de
tomografia cerebral
chamado PET (que tem a propriedade de distinguir as áreas em atividade das
áreas em repouso do cérebro), fazendo-as assistir a duas sessões de 25
minutos de vídeo, uma apresentando cenas da natureza e a outra apresentando
cenas relacionadas ao tráfico e uso da cocaina.
Todas as 6 pessoas não usuárias declararam não sentir nada de especial
enquanto assistiam aos vídeos, ao passo que os usuários de cocaína sentiram-
se afetados com a exibição das cenas relacionadas à cocaína, referindo um
desejo intenso e urgente de uso ("fissura", como se diz na gíria). A visão de
cenas da natureza não afetou de modo significativo nenhum dos grupos. As
imagens obtidas pelo PET não revelaram alterações cerebrais nos voluntários
não usuários da droga, ao contrário dos importantes achados com relação aos
usuários. Nestes, o giro cingulado anterior e a amídala, que são formações do
sistema emocional ao qual pertence o circuito de recompensa, mostraram
sinais de grande atividade..

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