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Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes, conhecido como Vinicius de Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913,

no Rio de Janeiro, com ascendência nobre e de dotes artísticos.

Com apenas 16 anos entrou para a Faculdade de Direito do Catete, onde se formou em 1933, ano no qual teve seu
primeiro livro publicado “O caminho para a distância”. Durante o período de formação acadêmica firmou amizades com
vínculos boêmios e desde então, viveu uma vida ligada à boemia.

Após alguns anos foi estudar Literatura Inglesa na Universidade de Oxford, no entanto, não chegou a se formar em
razão do início da Segunda Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, morou em São Paulo, onde fez amizade com Mário
de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade e também efetivou o primeiro de seus nove
casamentos. Logo após algumas atuações como jornalista, cronista e crítico de cinema, ingressou na diplomacia em
1943. Por causa da carreira diplomática, Vinicius de Moraes viajou para Espanha, Uruguai, França e Estados Unidos,
contudo sem perder contato com o que acontecia na cultura do Brasil.

É um dos fundadores do movimento revolucionário na música brasileira, chamado de “Bossa Nova”, juntamente com
Tom Jobim e João Gilberto. Com essa nova empreitada no mundo da música, Vinicius de Moraes abandonou a
diplomacia e se tornou músico, compôs diversas letras e viajou através das excursões musicais. Durante esse período
viveu intensamente os altos e baixos da vida boêmia, além de vários casamentos.

O início da obra de Vinicius de Moraes segue uma aliança com o Neo-Simbolismo, o qual traz uma renovação católica
da década de 30, além de uma reformulação do lado espiritual humano. Vários poemas do autor enquadram-se nesta
fase de temática bíblica. Porém, com o passar dos anos, as poesias foram focando um erotismo que passava a entrar
em contradição com a sua formação religiosa.

Após essa fase de dicotomia entre prazer da carne e princípios cristãos, infelicidade e felicidade, Vinicius de Moraes
partiu para uma segunda fase poética: a temática social e a visão de amor do poeta.
Há diferenças na estrutura da primeira fase poética do escritor em relação à segunda: a mudança dos versos longos e
melancólicos para uma linguagem mais objetiva e coloquial.

Vinicius de Moraes foi um poeta que marcou a literatura e a música, e até hoje é relembrado, inclusive em nomes de
avenidas, ruas, perfumes, etc.

VINICIUS DE MORAES: A PAIXÃO COMO GÊNESE DA POESIA

Eu nasci marcado pela paixão, Pedro, meu filho...


E porque por ela nasci marcado, a ela me
entreguei sem remissão desde menino, e o
primeiro gesto que fiz foi buscar um seio de
Mulher...
Vinicius de Moraes

A leitura da epígrafe acima remete a uma assertiva de Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único poeta
brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão” (apud CASTELLO, 1994, p. 11). Essa assertiva de Drummond e a
epígrafe de Vinicius, que abrem esse capítulo, servem para demarcar o quanto a paixão esteve presente na vida e obra
do poeta, numa extensão sem limites, que une as duas pontas do caminho que se confunde em um só: a paixão como
gênese da poesia.
Vinicius de Moraes (1913-80) transitou por diversas áreas: foi poeta, músico, cronista, dramaturgo, roteirista de
cinema, diplomata, ator, crítico e compositor de música popular brasileira. Ao abordar tamanha versatilidade, Tom
Jobim (1927-1994), parceiro de Vinicius de Moraes no campo musical, escreveu na contracapa do disco Por toda a
minha vida, em abril de 1959, a seguinte declaração:

Vinicius de Moraes é um grande poeta. No entanto, isto não é condição para se fazer uma
bela letra. Uma palavra, além do sentido verbal, tem uma sonoridade e um ritmo. Só um
indivíduo como Vinicius, que conhece a música da palavra, que poderia ter sido músico
profissional, poderia ter feito as letras que fez.
[...]
A versatilidade do meu amigo é espantosa: – tanto compõe um samba de morro (“Eu e o Meu
Amor”) como uma valsa romântica e sinfônica (“Eurídice”) ou ainda uma “Serenata do
Adeus”; tanto escreve um “Soneto” (“de Fidelidade” ou “de Separação”) como uma “História
Passional, Hollywood, Califórnia” – faz cinema, faz teatro e escreve crônicas deliciosas. Tem
o sentimento nato da forma que transcende o que possa ser ou foi aprendido.
Estas são umas poucas facetas do poliedro cujo número de faces tende para o infinito e que
se chama Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes. (Apud FERRAZ, 2006, p. 48-49).

Sua trajetória poética inicia-se em 1933, com a publicação de O caminho para a distância, no qual se faz notar
a “poesia do espírito”, com uma clara inquietação do eu poético diante da matéria. Conforme observa José Castello
(1994, p. 66): “Aqui se deve registrar uma influência que é, nessa primeira fase, decisiva: a de Augusto Frederico
Schmidt”. Essa influência explica-se em razão de os primeiros livros de Vinicius de Moraes terem sido escritos sob o
signo de uma religiosidade denominada neo-simbolista, que marcou a poética do autor de Estrela solitária, publicado
em 1940. Mais adiante, notam-se nitidamente outras influências como a de Federico García Lorca e Pablo Neruda.
García Lorca (1898-1936), poeta e dramaturgo espanhol, tornou-se o mais notável em uma constelação de poetas que
surgiram durante a guerra civil espanhola, conhecida como “geração de 27”. Neruda (1904-1973), com o qual Vinicius
teve uma estreita relação de amizade, foi um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX,
chegando a receber o Nobel de Literatura em 1971.
Segue com Forma e exegese (1935), publicado quando o poeta contava 21 anos de idade e com o qual
ganhou o prêmio “Filipe de Oliveira”. Nesses dois primeiros livros, é notória a presença do verso livre, que foi difundido
e consolidado pelos poetas modernistas, mas com um tom empostado e permeado pela retórica, à moda de Augusto
Frederico Schmidt.
Em 1936, publica Ariana, a mulher. Nesse livro e em Forma e exegese, a ausência de sonetos confirma a
opção de Vinicius de Moraes pelo verso longo, de ritmo largo.
Os livros O caminho para a distância, Forma e exegese e Ariana, a mulher foram agrupados sob o título O
sentimento do sublime, na publicação de Poesia completa e prosa, com primeira edição em 1968, editada pela Nova
Aguilar, sob a responsabilidade do crítico literário Afrânio Coutinho e com a anuência do poeta.
A última publicação poética de Vinicius de Moraes, na década de 1930, foi Novos poemas (1938). Sobre o
livro, Mário de Andrade (apud Ferraz, 2006, p. 31) afirmou: “o livro tem uma série de interessantíssimos sonetos”. A
epígrafe “Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis”, extraída do poema Poética, de Manuel Bandeira, abre o livro.
Nele, os poemas metrificados e rimados estão ao lado de versos curtos e brancos, e a presença de estrangeirismos
convive com a fala tipicamente brasileira. Há diversidade de ritmos e formatos, fusões inesperadas, e se notam tanto a
altivez romântica quanto a presença da oralidade e do registro coloquial.
Em 1943, publica Poemas, sonetos e baladas. Em seu título, traz a importância dada ao soneto, tão presente
em sua obra poética. Em relação à forma “poema”, esta justifica sua especificidade no conjunto, ou seja, na diferença
desta no que concerne às duas outras, o soneto e a balada. Esta última, presente em Balada de Pedro Nava, Balada
das meninas de bicicleta, Balada da praia do Vidigal, entre outras, não se apresentam de forma fixa, embora a
musicalidade dos versos e seu conteúdo narrativo se façam notar. A exemplo de outros poetas modernos, como
Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes fez sua própria leitura
dessa modalidade lírica – a balada, imprimindo-lhe um modo livre e pessoal. Apenas o soneto, portanto, apresenta-se
com a característica que lhe é peculiar, ou seja, a forma fixa. É ainda nesse volume de poemas que surge o Soneto de
fidelidade, um dos mais conhecidos e citados da literatura brasileira.
Na Antologia Poética, publicada em 1954 e reeditada em 1960, foram incluídos alguns poemas inéditos como,
por exemplo, A pêra que, pelo seu distanciamento emotivo, conforme observa Eucanaã Ferraz (2006, p. 41): “pode ser
pensado como uma radicalização do Soneto de separação. O soneto A pêra, assemelha-se ao que, na pintura,
convencionou-se a ser denominado de natureza-morta, a exemplo do poema Maçã, de Manuel Bandeira.
Após a publicação de Antologia poética, Vinicius de Moraes reuniu seus sonetos que haviam sido publicados
em livros e periódicos em um único volume, ao qual deu o título de Livro de sonetos (1957). Nessa obra, sua intimidade
com o soneto atingiu o ápice de visibilidade e, conforme observa a escritora Renata Pallottini (apud FERRAZ, 2006, p.
45), o poeta modernista pode ser considerado, historicamente, como o “regenerador do soneto depois da Semana de
22”.
A obra viniciana é extensa, e suas publicações não se resumem às acima citadas. No entanto, a proposta aqui
esboçada é a de apenas tecer breves comentários a respeito de algumas publicações feitas entre os anos de 1933,
quando de sua estréia no cenário literário brasileiro, e 1954, data em que foi publicada a Antologia poética.
Apesar de ter-se consagrado como compositor e cantor, no contexto da música popular brasileira, e nos
poemas lírico-amorosos, no início de sua trajetória poética, Vinicius de Moraes apresenta uma densa atmosfera
religiosa, como salienta José Castello (1994, p. 14):

Não é por acaso que Vinicius de Moraes inicia seu percurso como um poeta da metafísica:
afora a circunstância, determinante, de ter se formado num colégio de padres, ele parece
saber, desde o início, que o poético está no indistinto. No mistério. Na imperfeição. Que outra
coisa é seu impulso apaixonado por tantas mulheres senão uma atração irresistível pelo
desconhecido?

É ainda Castello (1994, p. 13) que, ao esboçar o pensamento de Vinicius de Moraes acerca do fazer poético,
apresenta a seguinte afirmativa:

Para Vinicius, a poesia não é uma arte intelectual, mas sensorial. Daí sua conexão inevitável
com a experiência íntima. [...] Sabe que há um elemento autônomo na arte, que se traduz
psicologicamente por uma compulsão. E que esse impulso para a beleza, e não a habilidade
para “fazer versos”, que dá a marca do poeta. Para que alguém se torne poeta, não basta
rabiscar versos, não basta “escrever bem”. Não é o livro publicado que autoriza a identidade
de ninguém.
O ano de 1930 marca a estréia de Carlos Drummond de Andrade, com a publicação de Alguma poesia.
Aparece Murilo Mendes que, pouco tempo depois, com Jorge de Lima, inaugura a influência do surrealismo no cenário
poético brasileiro.
O Modernismo, apesar da conquista de posições decisivas diante da literatura acadêmica, endossa um certo
retrocesso em tons pós-simbolistas com a poesia “espiritual” de Augusto Frederico Schmidt, Cecília Meireles e o
próprio Vinicius de Moraes na primeira fase de sua poética.
Nessa segunda fase do movimento modernista (1930-1945), conforme a descreve a crítica, algumas
características da fase inicial são afirmadas e desenvolvidas, a exemplo do verso livre, do humor, dos temas
cotidianos, da paródia e da linguagem coloquial. Isso resultou na ampliação de temas e diversificação de tendências de
estilo, onde se combinam o elevado e o banal, o grave e o grotesco, a preocupação de cunho existencial com
pretensões universalistas, a presença de imagens oníricas (semelhantes ao sonho) e o envolvimento do escritor com
os problemas sociais, e a reflexão da poesia sobre si mesma.
Apesar de ter publicado seus primeiros livros na efervescência da chamada segunda geração do Modernismo
brasileiro, não é fácil enquadrar Vinicius de Moraes como um poeta exclusivamente modernista.
De acordo com René Wellek e Austin Warren (apud JOBIM, 1992, p. 131), a “seção de tempo dominada por
um sistema de normas literárias” define um estilo de época cujo universo de autores e suas respectivas obras são
produzidas dentro desse mesmo espaço de tempo. Entretanto, segundo José Luis Jobim (1992), se essa perspectiva
fosse adotada, por exemplo, ao período literário romântico, significaria que todas as obras produzidas durante o espaço
de tempo correspondente pertenceriam a esse movimento. Tal assertiva, porém, traz em seu contexto a seguinte
dúvida: se apenas pertenceriam a esse período literário romântico as obras escritas nesse intervalo de tempo, ou
também outras que, mesmo escritas antes ainda fossem lidas e tivessem sua circulação e influência no meio social. A
questão que fica é se o Romantismo estaria limitado somente ao registro da produção literária desta “seção de tempo”,
conforme afirma Wellek, ou também seria necessária uma abrangência maior quanto à recepção, mesmo de outras
obras cuja produção se dera antes do movimento romântico.
Em literatura, o estilo de época é um conjunto de elementos comuns que marcam uma tendência dessa
mesma época, e os artistas que se harmonizam em semelhantes princípios de criação estética costumam ser
irmanados dentro do que se chama comumente escola literária. No entanto, nem sempre é fácil rotular ou classificar
determinados autores dentro de um período literário, pois há os que trazem no bojo de suas criações características de
diversas escolas e tendências, a exemplo de Manuel Bandeira, cuja versatilidade o tornou ao mesmo tempo tradicional
e moderno. Conforme relata José Luis Jobim (1992, p. 133-134):

Se as possibilidades de inscrição em contextos diferentes são infinitas, então a própria idéia


da permanência absoluta parece prejudicada. A obra, como estrutura iterativa, remanesce
após e além de normas e convenções de seu momento de produção, reinscrevendo-se em
outros momentos históricos, sob outras normas e convenções, que podem deslocar,
subverter e desencaixar a obra em relação à sua “origem”, transformando-a, de certa
maneira, em “outra coisa”.

Portanto, não é fácil simplesmente tentar enquadrar um autor e sua obra em determinado movimento literário,
pois esse “enquadramento” requer o uso de aspectos vários.
É ainda Jobim que chama a atenção para o fato de que, ao fazermos uso de conceitos como “período literário”
ou “estilo de época”, é preciso ter consciência de que um ou outro uso de tais denominações implica adotar certo tipo
de descrição, que engloba um grupo de autores e suas obras, e com o qual esses mesmos autores não se
descreveriam.
A extensa obra de Vinicius de Moraes apresenta diversificado estilo literário e, referindo-se a essa
característica plural, Manuel Bandeira (apud Castello, 1994, p. 12) assim o definiu: “Ele tem o fôlego dos românticos, a
espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas) e,
finalmente, homem bem de seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos”.
Há, pois, autores que podem ser classificados como partícipes de várias escolas, uma vez que tais divisões e
enquadramentos não podem ser vistos de forma imutável, estanque, podendo haver um clássico ou um romântico em
plena época modernista.
Na “Advertência” constante em Antologia poética (1954), Vinicius de Moraes propõe dividir sua obra poética em
duas fases: uma que denomina de “transcendental, freqüentemente mística, resultante de sua fase cristã” (apud
FERRAZ, 2006, p. 14), que finaliza com a publicação de Ariana, a mulher (1936), e outra, na qual reafirma uma
“aproximação do mundo material com a difícil, mas constante, repulsa ao idealismo dos primeiros anos”.
Entre essas duas partes, o poeta insere as Cinco elegias, de 1943, significando que essa posição de
intermediária, relaciona-se diretamente ao fato de o livro sinalizar um período de transição na trajetória poética de
Vinicius de Moraes. O quadro por ele proposto foi, no decorrer dos anos, ratificado por grande parte dos críticos e pelos
leitores. Entretanto, de acordo com Eucanaã Ferraz (2006, p. 15), seria possível uma outra reorganização da obra
viniciana através de “outros caminhos, nos quais as questões ligadas aos temas essenciais e às opções formais
estivessem presentes”, sem a necessidade de recair na divisão exclusiva de fases. Aliás, foi dessa forma, ou seja, pela
separação dos poemas pela temática, que a escritora Ana Miranda fez a compilação presente em Jardim noturno:
poemas inéditos, o livro aqui escolhido para análise.
Rosana Rodrigues da Silva (2005, p. 88), em estudo acerca da poesia religiosa de Vinicius de Moraes e
posterior passagem para uma segunda fase de sua poética, afirma:

A poesia futura de Vinicius de Moraes não ficou livre do idealismo romântico que nasceu em
sua fase religiosa. O inquietante desejo de união ao Eterno se refletiu mais tarde no lirismo
amoroso, na perquirição de um amor ideal ou da mulher ideal ou no deslumbramento pelo
que não se exaure, que permanece até no mais fugaz dos instantes ou na mais breve das
paixões. A força motriz de seu lirismo pode ser encontrada nessa sublimação do instante
poético que consegue eternizar o finito e valorizar a banalidade do sentimento humano.

A partir da segunda fase, Vinicius de Moraes volta-se para uma linguagem mais simples, de onde surgem
versos líricos revestidos de temas do cotidiano, da experiência diária. Aparecem os sonetos, relembrando a tradição de
Camões.
Em um outro momento de sua poesia, surge o poeta engajado com o social e o político, absorto na
preocupação com o homem e o seu tempo, em poemas como A bomba atômica e O operário em construção.
Na crônica intitulada “Sobre poesia”, presente no livro Para viver um grande amor, Vinicius de Moraes faz uma
reflexão acerca do seu conceito sobre o que seria a arte de fazer versos. Segundo ele, de Platão a Aristóteles,
passando pelos semânticos e concretistas, filósofos e críticos e, até pelos próprios poetas, houve diversas tentativas de
definir essa arte.
Vinicius de Moraes, então, faz uma analogia entre a construção de uma casa e o fazer poético. Na primeira,
estão presentes o operário – que parte de um amontoado de tijolos –, orientado pelo construtor, que segue os cálculos
de um engenheiro, este fiel ao projeto do arquiteto. Propõe a troca dos tijolos pelas palavras e as funções
desempenhadas pelo operário, construtor, engenheiro e arquiteto passam a ser exercidas pelo poeta. Para Vinicius de
Moraes, “o material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo que ela tem de sórdido e sublime”. Retomando um outro
poema, surgem versos que traduzem na voz do eu poético a síntese de sua arte: “Com as lágrimas do tempo / E a cal
do meu dia / Eu fiz o cimento / Da minha poesia”. 1 Acrescente-se a esses elementos a paixão como gênese, e teremos
a completude da poesia de Vinicius de Moraes como arte e sentido.
Impossível falar da lírica amorosa de Vinicius de Moraes sem abordar o seu objeto de inspiração: a mulher.
Aliás, em se tratando do “poetinha”, pode-se, com absoluta certeza, afirmar que foram várias as faces femininas que
permearam sua poesia, intimamente ligada a sua vida. Musa desde os trovadores medievais, a temática do amor pela
mulher tornou-se elemento recorrente na literatura ocidental, principalmente na poesia. Não é sem razão que o poeta
relata: “Fui salvo pela mulher”. E, complementando esse pensamento, José Castello (1994, p. 99) ratifica:

Não há dúvida que sim. Com a entrada da mulher em cena, agora não mais como um ser
ideal e inatingível, mas como um ser de carne, osso e coração, começa a nascer o grande
poeta brasileiro do amor. Para ser mais exato: poeta da paixão. [...] A paixão não é apenas o
princípio do amor, ou o amor em sua forma mais intensa, ou ainda o amor quando ele se
aproxima da cegueira e até da loucura. A paixão é amor, mas também sofrimento.

Em O canibalismo amoroso (1993), Affonso Romano de Sant’ Anna observa que, na fase transcendental,
Vinicius de Moraes procura a “mulher única” e, após abrir mão de encontrá-la, segue em busca de “todas as mulheres”.
Pluralidade tanto na arte quanto no amor dedicado às várias mulheres que por sua vida transitaram, no caminho entre
a paixão e a poesia.
Falar em Vinicius de Moraes é, sobretudo, situá-lo no espaço entre a paixão e a poesia. E nele,
especificamente, a paixão se converte em gênese da poesia. Poesia que, segundo Leminski (1987, p. 290), “é o amor
entre os sons e os sentimentos. Ela já é na sua substância, intrinsecamente, ela já é amor, já é aproximação, no
sentido que é amor entre os sons e os sentidos [...]”. Aos poetas, cabe a tarefa de encontrar na palavra algo expressivo
em grau de poder captar a essência dos sentimentos, pois a poesia é tecida de metáforas e alusões, da linguagem
simbólica que traz em si a necessidade de remeter a outras idéias, construir outros discursos.
Na obra viniciana, é exatamente a paixão que alicerça o terreno fértil de sua poesia lírico-amorosa,
funcionando como moto-contínuo entre o fazer poético e a tradução clara, precisa do sentimento que aflora do eu
poético. Se fosse possível transmutar uma definição do poeta em algo objetivo, ou mesmo equacioná-lo em uma
sentença matemática, talvez esta pudesse ser: Vinicius, adicionado à paixão, resultaria em, simplesmente, poesia.

1
Fragmento extraído do poema “Poética (II)”, do livro Nova antologia poética, de Vinicius de Moraes, p. 172.

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