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14-04-2018

ÁLVARO GARRIDO, PROFESSOR, INVESTIGADOR


E CONSULTOR DO MUSEU DE ILHAVO

`A PESCA DO
BACALHAU
TORNOU-SE UM
MITO ALÉM-
-FRONTEIRAS POR
CAUSA DESTE LIVRO'
José Cabrita Saraiva
jose.c.saraiva(a sol.pt

Em 1950, um oficial de marinha aus- Economia da Universidade de


Coimbra, Garrido assina o prefá-
vam ainda mais a tiragem da re-
vista. Era um homem talentoso,
de marinhas civis em atividade
no seu tempo.
traliano embarcou a bordo de um ba- cio de A Campanha do Argus e que tinha uma grande experiên-
(ed. Cavalo de Ferro), um livro es- cia de mar no Atlântico Sul, no
calhoeiro português a convite do Es- crito há cerca de 70 anos por Alan encalce dos grandes explorado-
E como veio parar a Portugal?
O encontro do Alan Vfiliers com o
tado Novo. Dessa viagem nasceu A Villiers, um oficial de marinha res do Ártico e do Atlântico Sul. Estado Novo resulta de uma enco-
australiano que foi convidado Como oficial da Royal Navy tinha menda. Quem toma a decisão é o
Campanha do Argus, livro mítico so- pelo regime sala7arista para tes- urna experiência e uma cultura Pedro Teotónio Pereira, na altu-
bre a odisseia do bacalhau, que aca- temunhar a perícia, a coragem e
a entrega dos pescadores portu-
naval muito grandes e interes- ra embaixador de Portugal em
sou-se pelas principais marinhas Washington. Teotónio Pereira era
ba de ser reeditado entre nós. Con- gueses nas águas geladas do civis do mundo. Estudou, por apaixonado por navios à vela e
versámos com o autor do prefácio, Al- Atlântico Norte. exemplo, as viagens dos clippers
britânicos do chá.
muito amigo de Henrique Tenrei-
ro, o homem forte das pescas cor-
varo Garrido, que explica corno era a Pelo nome, pensei inicialmente que porativas, porque tinham sido
vida a bordo e o que é feito desse na- Alan Villiers seria francês, mas afi-
nal nasceu na Austrália. Quem era
Os clippers são aqueles veleiros
com vários mastros?
ambos colegas na Escola Naval.
A família tinha interesses nos se-
vio conhecido no mundo inteiro. o autor de A Campanha do Argus? Exato. Ele chegou a fazer esse per- guros e o pai mandou-o para Zu-
Alan Villiers era um marinheiro curso de navegação para o poder rique estudar Cálculo Actorial,
ascido em Estarre- cou a sua tese de doutoramento à e um repórter muito afamado. Já

N
experimentar na pele. Depois de Matemáticas Superiores, mas
ja, Alvaro Garrido é Campanha do Bacalhau, um es- antes deste livro ele tinha escri- acabar a Segunda Guerra estes nunca se desligou dos navios, da
um apaixonado e quema de economia dirigida de- to várias crónicas de viagem ma- grandes marinheiros e cronistas vela e sobretudo da pesca do ba-
um estudioso do senhado pelo Estado Novo para li- rítimas e uma biografia do capi- tiveram muito mercado. Havia calhau, que ele aliás ainda incen-
mar e das pescas. bertar Portugal da dependência tão Cook, e era muito procurado um certo encantamento com as tivou quando esteve no governo
Entre 2003 e 2009 foi face ao estrangeiro no que tocava por editoras norte-americanas e crónicas da vida marítima. E ele como ministro do comércio e da
diretor do Museu Marítimo de ao consumo deste peixe. britânicas. Para ter uma ideia, os interessou-se muito, a dada altu- indústria, nos anos 30. Aliás foi
fihavo, de que hoje é consultor. Já Licenciado em História e atual- artigos dele na National Geo- ra, por experiências mais.ou me- ele que lançou, com o ministro
viajou a bordo do Crioula e dedi- mente professor na Faculdade de graphic normalmente aumenta- nos anacrónicas e sobre-humanas que precedeu, Sebastião Ramirez,
tesanal, arcaica - já nenhuma fro- do regime para fazerem também
ta internacional pescava assim - crónicas de viagem com fins pro-
e havia que justificar um pouco pagandísticos, nomeadamente o
esse anacronismo, a dureza do tra- Jorge Simões, que era jornalista e
balho, bem como a organização assessor de imprensa do Tenrei-
cooperativa que governava todo o ro, mas isso era muito incomum.
subsetor da pesca do bacalhau. Mas o Villiers fica amigo dos ofi-
Então Pedro Teotónio Pereira, que ciais náuticos e mesmo depois
era um grande leitor do Villiers, ainda volta a conviver com eles.
convida-o para embarcar num na-
vio da frota portuguesa, e paga-lhe Foi bem aceite?
- é uma encomenda. Villiers em- O Villiers era um homem de mar.
barca no Argus na campanha de Tinha uma cultura náutica mui-
1950, encanta-se por tudo aquilo - to forte, tinha embarcado em con-
pela bravura dos pescadores, pela textos muito diversos, e estabele-
destreza técnica, pelos capitães - ceu uma relação de cumplicidade
e escreve este livro, que se torna muito fácil com o comandante, o
um bestseller internacional. É edi- capitão Adolfo Paião, a quem ele
tado em inglês em 1951 e em Portu- tece uma homenagem rasgada no
gal no mesmo ano. Depois disso livro - que curiosamente era um
conhece edições em 16 línguas, o antepassado do cantor Carlos
que é extraordinário. Paião -, mas também com os ofi-
ciais, com o piloto, com o imedia-
É um sucesso. to, e com a tripulação em geral.
E torna-se muito conhecido nas Admirou os seus gestos e cha-
províncias atlânticas do Canadá, mou-lhes 'os melhores pescadores
nos Estados Unidos, na Grã-Breta- do mundo', e portanto entranhou-
nha e em Portugal. Era um livro -se naquele universo e tornou-se
de camarote muito comum nos um deles também, porque era um
navios da marinha de guerra de homem de mar.
vários países, e fez uma propagan-
da muito eficaz da pesca do baca- Quantos homens compunham a tri-
lhau como arte de marinharia, tal pulação de um navio bacalhoeiro
como o Estado Novo esperara que como o Argus?
ele fizesse. Não por acaso em 1951 Normalmente estes navios leva-
Salazar recebe Villiers, que é ob- vam à volta de 50, 60 homens, de-
jeto de uma série de mordomias pendendo da dimensão. Houve
em Portugal, e depois atribui-lhe navios com cem homens, mas em
o prémio Camões do SNI, em 1952, regra andavam à volta dos 50 tri-
..$4,,r-aelis •
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- - que distinguia obras estrangeiras pulantes.
Pescador no dóri, com o navio-mãe ao fundo, ao largo da Gronelândia sobre a realidade portuguesa. A
obra é muito bem recebida pelos E faziam todos a mesma coisa?
conserveiro algarvio, a campanha ta. Os navios de Aveiro, de Viana, Cerejeira. Pedro Teotónio Perei- homens do mar porque oferece Não. Grande parte eram pescado-
do bacalhau e o fomento da frota da Figueira vinham todos a Lis- ra foi o mentor de tudo isso. um retrato muito realista da pes- res, pescadores-marinheiros, mais
nacional. Mesmo depois de aban- boa para carregar víveres e par- ca, embora recalque aspetos de exatamente, porque quando eram
donar essas funções, quando era tiam depois de uma missa campal E onde entra o Villiers? conflito, tensões, dissensões, e largados no seu bote, o dóri, preci-
embaixador em Espanha junto do que durante os primeiros anos foi A maneira como os portugueses exalte o enquadramento político savam de ter rudimentos de mari-
franquismo, gostava de vir ver os presidida pelo próprio Cardeal pescavam bacalhau era muito ar- que o Estado Novo ofereceu a esta nharia, de remar, de saber orien-
navios de vela, os lugres, os baca- atividade. Aliás, a pesca do baca- tar-se e regressar ao navio-mãe, o
lhoeiros, a largada triunfal. lhau como herança cultural por- que era um perigo. Muitos eram

O que era isso?


Era a bênção dos bacalhoeiros
que se fazia na Junqueira e em
Belém, em abril, maio. Quando os
66 Villiers
tuguesa nos anos 50 e 60 tornou-
-se um mito além-fronteiras mui-
to por causa deste livro. E ainda
hoje esta crónica de viagem sus-
cita muita adesão das pessoas do
pescadores-salgadores, e tinham
um salário fixo maior porque
eram responsáveis também pela
manipulação do bacalhau e do sal
nos porões para conservar a car-
navios largavam para a Terra estabeleceu mar, mas mesmo para quem nun- ga. Outros eram redeiros, mestres
Nova havia uma cerimónia reli- ca andou ao mar é um livro mui- de redes, havia normalmente um
giosa e profana, um ritual nacio-
uma relação de to agradável de ler. radiotelegrafista - estes navios já
nalista até com alguma liturgia cumplicidade tinham TSF -, havia um ajudante
fascista nos primeiros anos. com o capitão Presumo que não fosse normal para de máquinas-eram navios com
os pescadores terem consigo al- motor auxiliar - e havia depois o
Essa cerimónia tinha antecedentes
Adolfo Paião, guém de fora. Villiers deu-se bem piloto, o imediato e o capitão.
ou foi inventada pelo Estado Novo? um antepassado com a tripulação?
Em Portugal não tinha, mas ha- do cantor Nesta época tinham sido muito Havia até o 'parte-cabeças', que ti-
via grandes rituais desse género poucos os casos de embarque de nha a função de separar as caras
nos portos bacalhoeiros da Breta- Carlos Palão pessoas estranhas às tripulações do bacalhau. Quando se fala de ca-
nha francesa, como Saint-Malo ou em navios de pesca do bacalhau ras, a que corresponde?
La Rochelle. O Estado Novo trans-
forma isso num ritual nacionslis- O investigador Álvaro Garrido 99 da frota portuguesa. Nos anos da
guerra houve alguns jornalistas
Corresponde mesmo à cabeça. aos
ossos, que têm nevroses e uma es- >
> pécie de geleia, de gordura, que é
muito agradável. Durante o Esta-
do Novo, por razões de produtivi-
dade, tudo era aproveitado, tudo
era negócio: as caras, as espinhas,
muito duras. Era um trabalho
quase sobre-humano.

E era bem pago?


Sim, por isso havia sempre mui-
66
os samos... ta gente disposta a embarcar Saíam às g
Comparando com as outras pes- quatro, cinco
O que são os samos? carias, ganhava-se relativamente da manhã e 'ÇA
São as bexigas, um petisco tam- bem.
bém muito apreciado. Até o óleo trabalhavam
dé fígado tinha procura - aliás Villiers diz que se comia bem a bor- durante oito, 3
houve um programa governa- do, o que me surpreendeu.
dez horas,
mental de inclusão de vitaminas A alimentação a bordo dependia
nas escolas e ainda há muita gen- muito do armador, dependia mui- regressavam ao
te que tem essa memória - não to do capitão e dependia muito do convés e ainda
muito agradável, parece. Portan- cozinheiro. Mas em regra não era
to tudo era aproveitado. O baca- tão boa como ele diz, é um aspeto
iam escalar o
lhau é um peixe do Atlântico, ga- que é ligeiramente dissimulado. peixe. Era quase
dus morhua, com uma produtivi- porque era um dos fatores de ris- sobre-humano
dade fantástica, isso explica em co de rebelião, de mal-estar a bor-
parte o fenómeno. É um animal do. Havia peixe, havia carne. Os
marinho muito rentável do pon- pescadores hoje, quando os ouvi-
to de vista dos tecidos, é fácil de mos, falam de uma alimentação Há relatos
conservai; de textura agradável e monótona, difícil e por vezes de- de homens
muito abundante. Na história das ficiente. que ficaram em
pescarias oceânicas não há ne-
nhum peixe que tenha desperta- Eles saíam para pescar nestes bar- cima de
do um negócio tão significativo quinhos, os dóris. As vezes perdiam icebergues
até hoje, nem o arenque. o navio-mãe de vista, não era?
durante
O Alan Villiers imortalizou essa
Como era a vida a bordo nos baca- imagem do pescador isolado no dias e foram
lhoeiros? seu dóri. Só os portugueses cria- resgatados por
O navio era um universo de tra- ram esta tradição de uni pescador
balho de noite e de dia, dormia-se por bote. um modelo de pesca que
cargueiros
muito pouco quando havia condi- incitava a competição entre os ho-
ções de peixe e de man mens, porque quanto mais se pes-
cava mais se:ganhava. Os espa- O Argus tem
Era preciso aproveitar a oportuni- nhóis - galegos e bascos - quando hoje o casco em
dade? pescavam assim iam dois homens
Exato. O grande objetivo da cam- por bote. Até isto ajudou a mitifi- decomposição
panha era carregar o navio, dar car a pesca portuguesa porque
lucro ao armador e trazer ao país era o pescador-marinheiro entre-
o abastecimento, a provisão ali-
mentar que se esperava. Nesta
época ainda não havia nenhum si-
gue a si próprio.

Como faziam para se orientar no ne-


99
nal de escassez de peixe, os navios voeiro, por exemplo? experiência e a entreajuda, que dóris com um só homem e isso é Quando passam por um cardume
vinham normalmente carrega- No grande banco da Terra Nova, era o mais importante. trazido da pesca polivalente da sabem de que peixe se trata?
dos, amortizavam o investimento e mesmo na Costa Oeste da Gro- Nova Inglaterra, onde muitos na- Sim, hoje as sondas eletrónicas e
muito depressa. Nos anos de guer- nelándia, onde iam complemen- Recorda-se de algum desses casos vios tanto eram bacalhoeiros os equipamentos de deteção não
ra, então, como os portugueses fo- tar a carga, havia muitos nevoei- em particular? como baleeiros. Aliás nos primór- deixam escapar qualquer peixe
ram praticamente os únicos a pes- ros, e muitos homens, arriscando Há ode um pescador, não me recor- dios da pesca do bacalhau a par- desde que seja permitido captu-
car nos grandes bancos, houve um pouco mais à procura de pei- do em que ano, que ficou perdido, tir dos portos portugueses pesca- rá-lo. O conhecimento da biomas-
muito peixe, os navios vinham xe, afastavam-se no navio, ou não foi resgatado, andou pelas Améri- va-se bacalhau e caçava-se baleias. sa, os tamanhos médios, a nature-
atestados, embora fosse muito di- conseguiam regressar com o bote cas durante uns meses e quando re- za dos fundos, tudo isso é acessí-
fícil navegar e pescar. carregado. Alguns andaram à de- gressou a mulher achava que tinha Como é hoje feita a pesca do baca- vel . A empiria da pesca, através
riva durante dias e foram resga- enviuvado e portanto já tinha casa- lhau? de processos de adivinhação e de
Não era perigoso? tados por outros navios, outros do com outro homem. Hoje os navios portugueses pescam segredo que eram típicos da fro-
Houve navios afundados, dois de- morreram ali, há relatos de ho- sobretudo no mar da Noruega, en- ta portuguesa e que o Villiers con-
les atingidos por submarinos ale- mens que ficaram em cima de pe- Este modelo de um navio maior, a tre a Noruega e a Riíssia,em sítios ta neste livro com mestria não
mães. O trabalho a bordo era mui- daços de icebergues durante dias partir do qual os homens saíam como a Ilha do Urso, quase no Ár- existem mais, é uma pesca muito
to, muito árduo, eles largavam às e foram apanhados por um car- para a pesca em botes, era mais ou tico e mesmo já no Ártico, a latitu- mais mecânica e sem a dimensão
quatro, cinco da manhã, e traba- gueiro da guarda-costeira cana- menos o da pesca da baleia, não des cada vez mais setentrionais, épica de outros tempos.
lhavam durante oito, dez horas, diana ou norte-americana, ou era? por causa do degelo. São arrastões
regressavam ao convés do navio, seja. há episódios absolutamente Sim, aliás esta técnica é trazida no pela popa com congeladores, onde Ainda assim devem enfrentar tem-
e iam trabalhar na escala do ba- épicos e dramáticos- mais dra- século XIX pelos portugueses da o peixe é conservado com grande pestades.
calhau - ou seja abrir o bacalhau máticos até do que épicos, relacio- Nova Inglaterra, na costa dos Es- eficácia, mas não se pode conside- O tempo é difícil, as tripulações são
e colocá-lo para os porões. Os sal- nados com os perigos do nevoei- tados Unidos, sobretudo pelos aço- rar que são bacalhoeiros, são na- compostas por pessoas de vários
gadores trabalhavam no porão. ro e com a fragilidade a que estes rianos. Desde 1835, quando Portu- vios polivalentes, porque pescam países, ganha-se muito bem a bor-
dormia-se muito pouco, com pou- homens estavam expostos. Eles só gal regressa aos bancos da Terra diversas espécies consoante as quo- do dos navios mas é um trabalho
ca água potável, com condições tinham uma agulha de marear, a Nova, já se faz pesca à linha com tas autorizadas pela UE. difícil, não é para todas. Curiosa-
`Em 1934 Portugal
importava 89%; nos anos
50 chega a produzir 80%
do bacalhau que consome'
Além do lado propagandístico, o que Inverte!
foi feito pelo Estado Novo para re- Inverte. A média até 1974 é 61% de
vitalizar a pesca do bacalhau? produção nacional - aliás Salazar
A pesca e o abastecimento do ba- manda travar a campanha em vá-
calhau são setores cruciais na rios anos para não haver a subs-
economia do Estado Novo, que tituição total de importações por-
tem uma política económica com que isso prejudicaria a exporta-
alguns aspetos de economia de ção de vinhos para a Noruega, por
antigo regime, muito ligada à exemplo. A Campanha do Baca-
provisão de bens alimentares, à lhau tem êxito do ponto de vista
ordem social, à estabilidade... A político, embora tenha sido mui-
política alimentar passa basica- to ineficiente do ponto de vista
mente pela Campanha do Trigo, económico porque o setor, nos
que é um insucesso, e pela Cam- anos 60, implodiu ao ponto de
panha do Bacalhau, que é um su- obrigar o governo a liberalizar o
cesso. porque perdura até prati- comércio do bacalhau. O setor cai
camente ao 25 de Abril. como uni castelo de cartas.

Em que medidas concretas se tra- Nessa altura a pesca ainda era fei-
duziu essa campanha? ta de acordo com esses métodos
A Campanha do Bacalhau era um rudimentares?
programa de substituição de im- Só em 1961 é que a maioria dos na-
portações baseado na técnica de vios da frota portuguesa começam
cartelização das importações. Em a ser arrastões. Até aí, a maioria
primeiro lugar, procura limitar a dos navios eram de pesca à linha,
concorrência do bacalhau estran- ou seja, assistimos a uma resistên-
geiro, constituindo a Comissão cia de uma tecnologia de pesca
Reguladora do Comércio do Baca- muito primitiva, muito arcaica,
lhau, que ocupa o edifício onde que é contra a corrente interna-
hoje está o Museu do Oriente. cional, e que se explica basica-
Essa comissão estabelece o se- mente pela natureza da procura:
guinte mecanis: os importadores o mercado interno do bacalhau
armazenistas, que era um negó- salgado seco é um mercado de
cio poderoso em Portugal e que grandes dimensões, a tabela esta-
'Retrato de família' dos pescadores-marinheiros do Argus, em 1950 representava mais de 80% do con- va organizada para remunerar
sumo, só obtinham licença de im- mais o peixe graúdo e de média
mente, e apesar de haver hoje ou- tos relacionados com o guincho e ca e de transformação Pascoal & portação depois de comprarem qualidade, e só a pesca à linha per-
tros cuidados de segurança, na pes- com os cabos de rede. Filhos, da Gafanha da Nazaré, e uma parte do contingente de pro- mitia a captura desse peixe por-
ca à linha do bacalhau morreu-se hoje está lá. dução nacional, uni esquema pro- que era muito mais seletiva que a
menos do que na pesca de arrasto. Ainda temos frota pesqueira? tecionista clássico imitado da Itá- pesca de arrasto.
Hoje Portugal tem apenas dez na- Pode ser visitado? lia de Mussolini. O que acontecia
Como foi isso possível? vios em atividade. O contributo Não. É visível só a partir do cais. até aí era os importadores e Antes da campanha o bacalhau já
Havia o apoio do navio-hospital da pesca por navios armados por Foi uma iniciativa arrojada do ex- brokers ingleses que trabalhavam era o prato nacional por excelên-
Gil Eannes, que era muito efeti- empresas portuguesas é residual, -proprietário do Santa Maria Ma- no Porto e em Lisboa, quando che- cia?
vo, havia a entreajuda dos navios não chega a 2% do consumo. Mas nuela. Hoje o Argus é parte do pa- gavam os navios portugueses, ata- Era. O mito do fiel amigo vem do
entre si e a entreajuda dos ho- temos uma indústria transforma- trimónio naval português, é um cavam o mercado com bacalhau século XIX. Já nessa época o baca-
mens das mesmas campanhas. dora de bacalhau muito competi- navio com uma história mítica e, estrangeiro mais barato, não per- lhau é objeto de um consumo de
Eram grandes pescadores, gran- tiva, muito moderna e muito in- graças ao Alan Villiers, é conhe- mitindo que o português se ven- massas. Quando havia escassez e
des marinheiros, com muita ex- teressante. Visitei algumas fábri- cido no mundo inteiro e muito desse. Resolvida esta questão, es- os preços subiam havia crises ali-
periência e muito arrojo... Parece cas na Noruega e as condições procurado pelas pessoas que se in- tabelece-se uma tabela oficial de mentares muito complicadas que
incrível. mas a mortalidade na não têm nada a ver - se fosse aqui, teressam por estas coisas. preços em todos os setores. O ba- eram glosadas pela imprensa satí-
pesca à linha acabou por ser ligei- essas unidades fechavam. calhau era tabelado, desde o ne- rica. O Estado Novo procura dar
ramente menor do que na pesca Em que estado se encontra? gócio importador até ao retalho. uma resposta autoritária a esse
por arrasto. Sendo hoje uma pes- O que aconteceu ao Argus? Está à espera de um projeto e de De seguida há um megaprograma problema, concretizando aquilo
ca mais profissional, com muito Quando terminou a vida de mar uma oportunidade de recupera- de fomento da frota nacional para que S alar defmiu em 1918, quan-
mais cuidados de segurança, con- como navio bacalhoeiro foi com- ção. Tem o casco em decomposi- reduzir as importações. O progra- do estava na Universidade de Coim-
tinua a haver acidentes. prado por uma empresa de cruzei- ção mas penso que haverá uma ma começa em 1936 e é um êxito bra, num texto em que disse que
ros turísticos nas Caraíbas, foi congregação de esforços para fa- completo: em 1934 Portugal im- era necessário criar em Portugal
De que tipo? adaptado, fez muitos anos ali e a zer daquele navio um património portava 89% do bacalhau que con- um Estado ditador de víveres. .
Acidentes naturais, pernas corta- determinada altura, há uns anos, naval flutuante e recuperá-lo. Se- sumia, e nos anos 50 chega a con- Esse escrito é depois concretizado
das com cabos, acidentes violen- foi comprado pela empresa de pes- ria muito importante para o país. sumir 80% da produção nacional. na Campanha do Bacalhau.
CONSELHEIRO EDITORIAL: JOSÉ ANTÓNIO SARAIVA EDIÇÃO N.o 607 14 ABRIL 2018 3C WWW.SOL.PT

COSTA ASSUME
AUSTER DADE Diretor Mário Remires
Diretor Executivo Vítor Rainho
Dir. Exec. Adjunta Ana Sá Lopes
Subdir. Exec. José Cabrita Saraiva
Dir.de Arte Francisco Alves

• O líder do PS prefere
1111k •
abanar a 'geringonça' a
cometer 'erros do passado'
e guarda excedente por
Paulo Trigo
Pereira
Aprendemos
temer uma nova crise
com o
• Mário Centeno exemplo
e Carlos César avisam: de 2009'
`Não pode haver Págs. 8-10
cedências' ou 'Isto vai
tudo por água abaixo' Miranda Calha
• BE e PCP já dizem que II `Entre bloco
.
central e
discurso do Governo `geringonça',
está cada vez mais igual preferia
ao de Passos Coelho o primeiro'
Págs. 6-7 :"..% Págs. 16-18
e

INCÊNDIOS. PSD E PCP CONTRA REGRAS DO GOVERNO


Sociais-democratas e comunistas revogam medidas que forçam Câmaras a limpar terrenos z Págs. 28-29

ARGUS
SPORTING COM ELEIÇÕES À VISTA A história do
bacalhoeiro mítico
Bruno de Carvalho resiste, mas os meandros dos anos 50 que fez
sportinguistas movimentam-se em busca cruzeiros nas Caraíbas
de alternativas: Miguel Relvas, Bernardo Trindade -----
e Rogério Alves estão na grelha de partida e hoje está a apodrecer
Pág. 48 na Gafanha da Nazaré
1
Págs. 38-41
TEATRO POLITEAMA E STA C APA
VA LE
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/
Lisboa Especial
1 Bolha voltou Melhor hostel País Positivo
30% J. Per eira
g) t 0 011^ 49) DESCONTO às grandes do mundo da Ci-u7
RESERVE
O MUSICAL GENIAL DE 213 405 700
ou
cidades tem ordem Portugal
FILIPE LA FÉRIA APRESENTE e ao Algarve
ESTE JORNAL
de despejo 475 anos
NA BILHETEIRA Págs. 56-57 Págs. 26-27 Japão

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