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A MEMÓRIA E NARRAÇÃO COMO INSTRUMENTOS NA EDUCAÇÃO

PATRIMONIAL:
Uma análise a partir de Walter Benjamim

DROPA, MARCIA M. (1); OLIVEIRA, RITA C. S. (2); SOUZA; LUIZ F. (3)

1. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Departamento de Turismo


Rua Enfermeiro Paulino, 325 – Uvaranas – 84060-050 – Ponta Grossa/PR
mdropa@gmail.com

2. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Departamento de Educação


soliveira13@uol.com.br

3. Universidade Estadual de Ponta Grossa. Departamento de Turismo


lufsouza23@gmail.com

RESUMO
“Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” A
partir da indagação de Walter Benjamin, novas perspectivas de estudo e análise se configuram no
campo da educação patrimonial. Se pensarmos na pouca atenção que caracteriza nossa relação com
o passado, as teses de Benjamin, ofertam uma fonte inesgotável de afirmações e citações, tanto para
pesquisadores, historiadores, como para educadores preocupados com o patrimônio cultural de uma
comunidade. Sendo assim, se configura como objetivo deste artigo, apresentar algumas
considerações sobre a relação do autor com a memória, narração e preservação do patrimônio. Se
porventura nos aventuramos no campo do patrimônio cultural, buscando na narratividade elementos
para compor uma proposta metodológica de educação patrimonial, não podemos deixar de destacar,
que Benjamin defende nas composições pedagógicas, uma relação ativa com a cultura. O autor,
define narração em primeiro lugar a partir da oralidade – que se configura na relação entre narrador -
ouvinte - transmissão. Trata-se de transmitir de geração para geração, alguma coisa ou fato que
merece ser contado. Alguma coisa que deva adquirir formas estéticas e linguísticas e graças a esta
forma, pode ser transmitido. Essa transmissão se caracteriza no sentido de preservar algo do
esquecimento e que mereça continuar vivo na memória dos homens. Assim, recuperar as histórias
dos patrimônios culturais da cidade de Ponta Grossa – Paraná- Brasil, por meio da memória e do
relato de idosos, se torna fundamental para a composição de práticas pedagógicas, que evidenciem
os diferentes cenários culturais, criando novos olhares na prática preservacionista.

Palavras-chave: Memória; Narração; Educação Patrimonial.


Introdução
Walter Benjamin, nasceu em Berlim no ano de 1892 (15 de julho). Pertencente a uma típica
família de comerciantes da burguesia judia. De acordo com Seligmann-Silva, (1999 s.p), “ a
descoberta da especificidade do judaísmo, em particular da religião e da mística judaicas, se
dá, para Benjamin (...), através do sionismo nascente, graças a sua amizade com Gershom
Scholem”. Se conheceram após o fim da Primeira Guerra Mundial, quando Benjamin se
afasta da Jugendbewegung, no qual em sua juventude participou e que tinha por objetivo
reformar a educação e o ensino alemão, pautado nas ideias da liberdade, natureza e
comunidade.

No encontro com Scholem, entra em contato ao mesmo tempo com a visão política
(esquerda) e do judaísmo como “forças vivas”. Quando emigra para a Suíça (para fugir da
adesão ao exército alemão), conhece o filósofo marxista Ernest Bloch e, em 1919 defende
seu doutorado na Universidade de Berna, com a temática “o conceito de crítica de arte no
romantismo alemão”.

Retorna para a Alemanha em 1920, enfrentando os anos difíceis, principalmente na década


de 1930 e enfrenta dificuldades, que podem ser destacadas por diversos fatores, mas em
particular de ordem política, conforme evidencia Seligmann-Silva,

o fim abrupto da Revolução Alemã, em particular com o assassinato de Rosa


Luxemburg e de Karl Liebknecht em 1919, a República de Weimar envereda por
um caminho de pseudo-classicismo e de conformismo cujas consequências
culturais talvez perdurem até hoje. Uma delas é a separação crescente entre uma
universidade sólida, mas bastante tradicional, ciumenta de seus privilégios e até
esclerosada, e uma vida social efervescente de protesto e experimentação foras,
às vezes mesmo contra a academia. Benjamin não pertence nem ao
establishment acadêmico nem a um movimento intelectual determinado (como o
expressionismo ou outros “ismos”). Ele representa como diria Hannah Arendt,
uma espécie em extinção na sociedade ocidental do século XX: “um homem de
lettres”, isto é, um homem culto, inteligente, livre, antes de mais nada, deslocado
(1999 s.p.).

Apesar de sua posição de esquerda, ele nunca se filiou ao Partido Comunista. Tenta na
década de 1920, entrar na vida acadêmica, com a escrita de sua tese de livre-docência –
“Origem do drama barroco alemão”. Este trabalho se caracteriza como uma crítica à “história
complacente e autocentrada de ciência burguesa, em particular da filosofia e da teoria

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literária”. Sua tese não foi aceita na Universidade de Frankfurt, o que leva Benjamin a
desistir da vida acadêmica.

A partir de 1925, Benjamin assume a postura de “escritor livre” e a partir de 1934, recebe
apoio como bolsista do Instituto de Pesquisa Social, que era um núcleo da Escola de
Frankfurt. Destaca-se que a relação entre Horkheimer e Adorno (teóricos da Escola), com
Walter Benjamin, são antigas, inclusive foi Adorno quem recusou a tese de Benjamin, mas
ao mesmo tempo estudou com seus alunos A Origem do drama barroco alemão. A chamada
Escola de Frankfurt tinha se transferido para Genebra em 1933 e depois para Nova York em
1934 e nos últimos anos de vida de Benjamin, se empenharam em conseguir sua emigração
para os Estados Unidos, mas que foram tardios.

Deste período até sua morte em 1940, Benjamin produz seus ensaios, mesmo tendo que se
refugiar em diversos locais em sua fuga da perseguição nazista. Seu último escrito foi no
mesmo ano de sua morte, as famosas teses “Sobre o conceito de história”, considerado “um
marco da crítica de esquerda à historiografia burguesa e, também à “ideologia do
progresso”, que segundo o autor, impede as forças de esquerda de resistir ao fascismo”.
(SELIGMANN-SILVA, 1999 s.d)

Walter Benjamin, foi associado à Escola de Frankfurt, se destacando no grupo com ensaísta
e crítico literário. Importante sua aproximação com a arte, a filosofia, a ciência, sendo assim
considerado por muitos teóricos como um dos mais intrigantes pensadores do século XX.
Apesar de ser considerado um teórico da teoria Crítica, Theodor Adorno se refere a ele
como “um teórico longe de todas as correntes. Importante destacar que ele se opunha ao
idealismo absoluto de Adorno e Horkheim, uma vez que sua característica principal é a
descontinuidade.

De acordo com Michael Löwwy (2011, s.p),

Walter Benjamin pertence à teoria crítica em sentido amplo, isto é, à corrente de


pensamento inspirada em Marx que, a partir ou em torno da Escola de Frankfurt,
pôs em questão não só o poder da burguesia, mas também os fundamentos da
racionalidade e da civilização ocidental.

Benjamin foi dentro do grupo de pensadores da Escola, o questionador da ideologia do


progresso, e sempre apostou nas classes menos favorecidas e na sua potencialidade como
força emancipadora da humanidade. Assim, ele foi um crítico revolucionário da filosofia do
progresso, um adversário marxista do “progressismo, um nostálgico do passado que sonha
com o futuro (Löwy 2002). Não se pode negar que Walter Benjamin sofreu influências do
idealismo moderno e do idealismo alemão, como afirma Gaeta (2005, p.3), “na concepção
idealista, o ponto de partida para a reflexão filosófica é o eu, o sujeito e a consciência (...) no
trabalho As Passagens, trabalhará com o sujeito ideador, produtor de imagens e de
significados”.

A discussão acerca da existência de um método e de um padrão de estudo que possa ser


utilizado nos estudos de Benjamin, ainda é presente nas pesquisas que buscam analisá-lo.
A partir de afirmações de que suas ideias devem ser tratadas não como métodos, mas sim
como concepções filosóficas e que ele não era um cientista social, mas sim um ensaísta, as
opiniões divergem. Segundo o Gaeta (2005, p.3),

para autores como Jöel Lefebvre (1994), as análises de Benjamin apresentam


graves distorções e não podem servir de caminho. Já Willie Bolle (2000) identifica
particularidades significativas em suas análises. Sérgio Rouanet, Olgária Matos,
Jeanne Marie Gagnebin entre outros, afirmam um método.

Para Sérgio Rouanet (1984, p.12), em sua obra A origem do drama barroco alemão,

fazer justiça ao livro de Benjamin, significa antes de mais nada, elucidar o que ele
tem de mais enigmático: as considerações epistemológicas e metodológicas que
servem de pórtico ao trabalho e que incluem, no essencial, uma reflexão sobre as
ideias e as coisas, sobre o nome e a palavra, sobre a origem e a gênese, e sobre
a filosofia e o sistema.

Walter Benjamin, trabalha com questões relativas à experiência, ao tempo, a tradição, à


narração e também à memória. Matos (1989, p. 31), afirma que a tradição é, para ele, uma
dimensão e dentro dela se aloja a aura do tempo, “a consolidação da experiência coletiva, a
sanção, a autoridade que garante ao indivíduo à dimensão de sua ancestralidade, tradição
que pulsa em cada instante do agora”. Por sua vez, Bolle, considera-o com um dos mais
importantes filósofos do século XX, e destaca que em seu texto “A vida dos estudantes”,
apresenta uma reflexão sobre: o que hoje teríamos a dizer ou ser conhecido pelas futuras
gerações. Ao valorizar a questão da narração, destaca a importância da memória e também
efetua a crítica ao historicismo.

Configura-se como objetivo deste artigo, apontar as contribuições de Walter Benjamin no


que concerne à memória-narração-experiência, uma vez que as mesmas embasarão parte
dos pressupostos teóricos da Tese de Doutorado, que pretende trabalhar com a memória da
Terceira Idade e sua relação com o Patrimônio Cultural e a Educação Patrimonial.

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Ressalto que a pesquisa objetivará reconstruir as histórias dos referenciais culturais
edificados de Ponta Grossa – Paraná, por meio de uma narrativa analítica. Essa narrativa,
deverá ser composta de subjetividades, de elementos tais como emoção, recordação,
experiência e desejo de contar (narrar) algo.

Assim, Walter Benjamin pode contribuir de forma significativa no sentido do entendimento de


que fazer história é também narrar o passado, a partir de novos olhares do presente. Para
compreender, os aportes teóricos do referido autor, no que se refere a memória, narrativa e
história, destacamos os estudos de Jeanne-Marie Gagnebin, que se destaca como uma
estudiosa e intérprete de Walter Benjamin e apresenta em suas obras: “Lembrar, escrever e
esquecer” (2006), Sete aulas sobre “linguagem, memória e história” (2005) e “História e
Narração em Walter Benjamin” (2011), elementos constitutivos para entender os escritos de
Benjamin, no que concerne à questão da Memória e Narração.

1. Walter Benjamin: Narração e História

Segundo a Professora Jeanne Marie Gagnebin, Walter Benjamin apresenta em todas as


suas obras e ensaios, elementos para pensarmos melhor a questão da memória e sua
relação com a história, com o patrimônio, uma vez que é conhecido como o estudioso da
memória e conservação do passado.

Nos últimos anos, a Antropologia Cultural influenciou decisivamente muitos historiadores,


(em especial Gliford Gertz) e, dessa maneira a base ou os pressupostos epistemológicos de
uma História Cultural. Buscou-se inspiração em Febvre e Bloch, resgatou-se Walter
Benjamin (que nas décadas de 1920 e 30), escrevia que qualquer forma de arte, poesia,
pinturas, fotografias e oralidade são importantes fontes da realidade. Benjamin defendia
tanto a narrativa oral, quanto a crônica pessoal, afirmando que “O cronista é o narrador da
História” (STUDART, 2013). Assim, temos a narração numa dimensão antropológica, pois o
narrador é o personagem que fala de experiências que são comuns a todos.

A teoria da história de Benjamin e sua análise sobre a memória, são pontos essenciais na
sua produção. Criticou o historicismo positivista que privilegiava a documentação oficial e
também negou a possibilidade de causalidade histórica, quando afirma,

O historicismo se contenta em estabelecer um nexo causal entre vários momentos


da história. Mas nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um fato
histórico. Ele se transforma em fato histórico postumamente, graças a
acontecimentos que podem estar dele separados por milênios. O historiador
consciente disso renuncia a desfiar entre os dedos os acontecimentos, como as
contas de um rosário. Ele capta a configuração em que sua própria época entrou
em contato com uma época anterior, perfeitamente determinada. Com isso, ele
funda um conceito do presente como um “agora” no qual se infiltraram estilhaços
do messiânico (1994, p. 232).

Quando nega a causalidade histórica, acaba valorizando o poder de interpretação do


historiador e na realidade propõe que recuperemos a memória como uma forma de
relacionamento com o passado. Destaca-se também que a crítica de Benjamin se apresenta
em muitas de suas obras, sustentadas por uma teoria do conhecimento que não submete as
ideias aos conceitos.

Se pensarmos um pouco na indiferença que caracteriza muitas vezes nossa relação com o
passado, as teses de Benjamin oferecem uma fonte inesgotável de “belas citações” para
historiadores, educadores, e pesquisadores preocupados com o patrimônio cultural de uma
comunidade.

No pensamento de Walter Benjamin, fica muito clara a questão da lembrança, do


lembrar\esquecer e identificam-se estas questões no pensamento que atravessa suas
obras. A questão do lembrar e esquecer remete à uma outra questão – a memória – que por
sua vez leva a uma reflexão da narração. As formas de lembrar e esquecer, como as formas
de narrar são os meios fundamentais da construção da identidade – pessoal, coletiva ou
ficcional (Gagnebin, 2006).

Para Benjamin, a memória, história e identidade não são conceitos imutáveis, eles sofrem
transformações ao longo da história. Gagnebin (2006), afirma que a análise dessas
transformações, elucida as diferenças entre vários gêneros literários. A relação entre
memória e narração e seus diferentes tipos, aparece com clareza no ensaio “O Narrador” e
“Experiência e Pobreza”, conforme destaca Benjamin (1994, p.198 e p.115), “no final da
primeira guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha,
não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável”

Nesse diagnóstico, Benjamin reúne reflexões oriundas de duas proveniências:


uma reflexão sobre o desenvolvimento das forças produtivas e da técnica (em
particular sua aceleração a serviço da organização capitalista da sociedade) e
uma reflexão convergente sobre memória traumática, sobre a experiência do
choque (conceito-chave das análise benjaminianas da lírica Baudelaire), portanto,
sobre a impossibilidade, para a linguagem cotidiana e para a narração tradicional,
de assimilar o choque, o trauma, diz Freud na mesma época, porque este, por

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definição, fere, separa, corta ao sujeito o acesso simbólico, em particular a
linguagem. (GAGNEBIN, 2006, p.51)

Por isso, para o historiador é importante construir uma experiência com o passado. Essa
experiência deve ultrapassar o conceito perpetuado pelo mundo capitalista (técnico) e
avançar para a experiência vivida (Erlebnis) – refletindo sobre a necessidade de
reconstrução do indivíduo para garantir sua memória e continuidade. Assim, a experiência
deveria constituir uma nova narratividade e vice-versa, pois como afirma Benjamin, “frutos
de um trabalho de construção empreendido justamente por aqueles que reconheceram a
impossibilidade da experiência tradicional na sociedade moderna e que se recusam a se
contentar com a privaticidade da experiência vivida individual” (1994, p. 10).

Ligar a questão do lembrar e contar à questão da organização da sociedade capitalista, nos


remete a tipos de sociedade com ritmos diferentes, e quando o tempo se torna uma
grandeza econômica (aproveitar financeiramente o tempo para produção), a memória
também se transforma.

Afirma Gagnebin (2011), que o lembrar infinito e coletivo do tempo pré-capitalista, deixa
lugares (Benjamin seguindo Lukács), à narração da vida individual isolada, o indivíduo que
luta pela sobrevivência e pelo sucesso numa sociedade concorrencial.

Com desaparecimento das formas tradicionais de narrar, de contar, ocorreu também o


desaparecimento gradativo das lembranças divididas, da memória coletiva, de escutar
pacientemente os mais velhos, Benjamin não defende a volta disso, ao contrário, afirma que
o crescimento técnico capitalista contemporâneo, torna difícil a volta dessas formas de
lembrança e narração.

De acordo com Gagnebin (2006), Benjamin afirmava que é necessário inventar outras
formas de memória, outras formas de narração, em especial, para lutar contra o
encurtamento da percepção temporal. Pode-se comparar aqui, a constatação de Nora
(1993), quando afirma sobre o processo de aceleração da história e a perda de referenciais
em função da passagem rápida do tempo presente. Atualmente corremos atrás do agora,
das novidades, que também rapidamente se modificam. Será que não devemos ser mais
históricos em relação ao nosso presente? Ou então relativizar nossa noção de
contemporâneo? Problemas atuais, mas que encontram ressonância teórica nas obras de
Benjamin.

Walter Benjamin, define narração, em primeiro lugar, a partir da oralidade – que se configura
na relação entre narrador - ouvinte - transmissão. Trata-se de transmitir de geração para
geração, alguma coisa ou fato que merece ser contado. Alguma coisa que deva adquirir
formas estéticas e linguísticas e graças a esta forma, pode ser transmitido. Essa
transmissão se caracteriza no sentido de preservar algo do esquecimento e que mereça
continuar vivo na memória dos homens.

Gagnebin (2011), afirma que a ênfase do texto recai também sobre a relação entre narração
e morte. A violência, o poder da morte (palavra chave em Benjamin), obriga os mortais, isto
é, os homens a se perguntarem se possuem algo a ser transmitido, que não deve se
extinguir numa existência individual. A relação entre mortalidade e narração está na
necessidade de repassarmos algo além de nossa vida. Afirma a autora que a imagem do
moribundo que transmite uma mensagem, uma frase, um conselho, domina o cenário da
narração, como por exemplo, no ensaio “Experiência e Pobreza”.

Uma vez que a dimensão antropológica da narração, bem como a necessidade de narrar
ainda se configuram na modernidade, seu desempenho torna-se mais problemático, uma
vez que o relato transmitido do que não se quer esquecer se confronta muitas vezes com a
dificuldade de conseguir dizer aquilo que se quer narrar. Para Walter Benjamin, a
transmissão pode ser traduzida também como tradição, no sentido de entregar algo para
alguém. A vinculação da tradição e da transmissão, introduz na questão da memória e do
lembrar, uma dimensão mais crítica e política. O que queremos como tradição? Qual o
sentido de transmitir algo para alguém? Como buscar uma nova concepção de
narratividade? Em função do que e para que? São indagações que podem nortear um
trabalho mais profícuo entre memória, narração e patrimônio.

Walter Benjamin apresenta a diferença entre conceito geral e conceito mais crítico de
tradição. No primeiro refere-se a algo sagrado, solene, de acontecimentos e ensinamentos
trazidos até hoje, no segundo refere-se a análise que deve ser feita entre os portadores e as
circunstâncias históricas e materiais do ato de transmitir, assim é possível questionar,
indagar o processo, trazer à tona aspectos muitas vezes negligenciados ou então
esquecidos deliberadamente. Amplia-se assim a questão da memória e narração, que sai de
uma visão meramente literária e passa à uma reflexão histórica.

Em suas Teses sobre o Conceito de História, aponta para a questão: Que história queremos
fazer? E uma das respostas que podemos destacar seria, a elaboraçãi de uma concepção
de história que se distancia da historiografia tradicional dominante e também da
historiografia materialista triunfalista. De acordo com Arriada (2003), Walter Benjamin
entende que a história não pode ser uma ciência que acredita recuperar o passado tal como
ocorreu. A história se cria a partir do próprio presente, de maneira que o que consideramos
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história, nada mais é que o discurso histórico. O historiador deve saber “ler” nas entranhas
do presente as marcas de um passado esquecido. Na Tese 14 (1994, p.229), destaca “ a
história é objeto de uma construção cujo o lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um
tempo saturado de “agoras” e complementa na Tese 17 (1994, p. 231),

o historicismo culmina legitimamente na história universal. Em seu método, a


historiografia materialista se distancia dela talvez mais radicalmente que de
qualquer outra. A história universal não tem qualquer armação teórica. Se
procedimento é aditivo. Ela utiliza a massa dos fatos, para com eles preencher o
tempo homogêneo e vazio.

Gagnebin (2011), destaca que uma leitura mais atenta do ensaio de Benjamin, nos remete a
uma temática filosófica e antropológica muito maior que uma mera discussão de
transformação de gêneros literários. As reflexões do autor permitem tecer laços com
questões históricas, antropológicas, etnológicas, pedagógicas e até psicológicas.

Se porventura nos aventuramos no campo do patrimônio cultural, buscando na narratividade


elementos para compor uma proposta metodológica de educação patrimonial, não podemos
deixar de destacar, que Benjamin defende nas composições pedagógicas, uma relação ativa
com a cultura. Neste sentido, Gagnebin (2011) destaca que a relação de Benjamin com a
cultura é viva e ativa, é de construção e desconstrução, que faça uma análise de como a
coisa chega até mim – trazido junto, relação de aprendizagem muito atenta, pois “qual o
valor de todo o nosso Patrimônio Cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?
Indaga Benjamin (1994, p. 115)

Para Benjamin, os estudos sobre a narração e por consequência sua ligação com a
memória, pautou-se nos trabalhos de Freud e Proust. Assim, Em busca do tempo perdido -
Marcel Proust e a Teoria Psicanalítica de Freud, apresentam subsídios e são modelos para
que o autor pensasse numa relação nova com o passado e a memória.

A história não deve simplesmente descrever os fatos, mas sim articular o passado de
maneira inovadora com o presente. A palavra articulação se refere para Benjamin, a criação
de um movimento de transformação entre o passado e presente. A partir do conceito de
memória involuntária de Proust, ele afirma que a história é uma imagem que vem dessa
memória.

A memória recebe imagens e por ela também é afetada, muitas vezes de maneira passiva, a
lembrança chega involuntariamente por meio de um cheiro, uma construção, uma música,
entre outros. Mas também é pesquisa, investigação, pois pode questionar, interrogar, pois
possui capacidade intensa de atividade.

Afirma Belo,

Colocando em discussão os princípios peculiares a uma construção metodológica


inspirada na obra de Walter Benjamin, podemos tomar como uma primeira
orientação, que o método a ser construído deve implicar sempre a desconstrução
da linearidade histórica estabelecida pela história tradicional. O historiador deve,
pois, contribuir para a criação de outras histórias. (2011, p.167)

Assim o historiador, tem a responsabilidade de evitar o esquecimento, quer dizer, evitar


silenciar vozes do passado. E, essas vozes vem de indivíduos, grupos, que viveram
determinados momentos, possuem lembranças e experiências, que podem aflorar na
memória e assim serem transmitidas por meio da oralidade.

Mais uma vez Gagnebin (2006), apresenta de maneira clara que o caráter paradoxal – ativo
e passivo da memória, bem como a relação privilegiada com as imagens, portanto com a
imaginação, explica a desconfiança até hoje da filosofia clássica e da história clássica em
relação à memória, narração e oralidade. O saber produzido pelo lembrar, não repousa
sobre nenhuma garantia epistemológica, não oferece nenhuma certeza. Talvez nossas
lembranças sejam apenas invenções a posteriori, nas quais acreditamos profundamente.

São questões a serem analisadas e questionadas quando se busca em Benjamin os


fundamentos teóricos em relação à preservação patrimonial por meio da memória e da
oralidade, pois a memória é incentivada por meio das lembranças (mnêmica), mas também
pela busca consciente (anamneses), então, como medir sua exatidão? Já que o passado
não existe mais, o que existe são restos?

Em Benjamin pode ser buscado parte dessas explicações a partir do entendimento de


lembrar e do controle consciente da recordação, uma vez que o passado pode ser
recuperado, a partir de um aprofundamento sobre o processo histórico, pois a memória
também é seletiva, fazendo com que as interpretações de determinados momentos
históricos sejam diferentes, cabendo ao historiador entender o contexto político, social,
cultural daquele que narra (narrador), de acordo com a experiência vivida de ambos (aquele
que escuta).

A Memória e a História e suas relações, são temas controversos entre os estudiosos do


assunto, mas podemos relacionar as ideias de Benjamin, também com Maurice Halbwachs
(1990) e Pierre Nora (1993), que destacam questões tais como: lugares de memória,
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quadros sociais da memória, aceleração da história, a não aproximação entre história e
memória, entre outros. Interessante perceber pontos de convergência e divergência entre
esses autores.

Maurice Halbwachs (1990, p. 85), ao analisar de maneira detalhada a memória e suas


dimensões individual, coletiva e histórica, estabelece uma clara distinção entre História e
Memória, “a história é uma e podemos dizer que não há senão uma história, pois a memória
trabalha com o vivido, o que ainda está presente no grupo, enquanto a História trabalha e
constrói uma representação de fatos distantes ou mesmo quando se encerra a possibilidade
de se encontrarem testemunhas daquela lembrança".

Logicamente que a noção de história apresentada por Halbwachs é aquela história narrativa,
predominante no seu tempo e guarda uma distância muito grande com a forma que hoje a
pesquisa histórica é trabalhada. Porém, a utilização de Halbwachs no terreno da produção
do estudo do patrimônio histórico é muito profícua, uma vez que apresenta subsídios, para
entender que a memória é uma capacidade seletiva, que apresenta duas operações
opostas: à de lembrar e à de esquecer.

Neste sentido, em relação à imagem da cidade, a reconstrução que se pode fazer dela tem
suas raízes no presente e, a partir do momento que se recupera um espaço preservado, é
na história vivida que se buscam referências de apoio à memória. Desta forma, pode-se ver
a história e a memória, apesar de distintas, mantendo importantes ligações.

A cidade, como um organismo vivo transforma-se e, se esta transformação não for


controlada racionalmente, ela começa a se perder, e com ela, perde-se um referencial de
identidade. Quando Nora (1993, p.7), afirma que se assiste, hoje, a um processo de
aceleração da história, o mundo por meio da globalização está se tornando um só e a
história, por sua vez, torna-se mais rápida. A curiosidade pelos lugares onde a memória se
cristaliza, que são os edifícios, os acervos documentais, enfim, o Patrimônio Cultural, está
ligada a este momento em que os locais de memória deveriam existir pois, na realidade, não
existem mais, meios de memória.

Outros, ao contrário, necessitam do suporte material para lembrar, como afirma Nora (1993,
p.8), “se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar
lugares. Não haveria lugares, porque não haveria memória transportada pela história. A
memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”.

Assim, é necessário estarmos atentos aos ecos, ressonâncias que se produzem entre
passado e presente e vice-versa, aquilo que Benjamin chamou de – experiência – com o
passado. Afirma que muitas vezes lembramos de algo do passado de maneiras diferentes,
seguindo o presente. Relato a mesma coisa, seguindo estímulos do presente. A relação que
temos com o passado é viva, ligada com algo que vivemos ou experimentamos no presente.
Assim, Benjamin introduz a questão do tempo do momento, do presente.

As análises de Benjamin buscam uma nova apreensão conjunta do passado e do presente,


uma intensificação do tempo que permita salvar do passado outra coisa que sua imagem
habitual. Procurar salvar do passado, não uma imagem eterna, mas uma imagem mais
verdadeira face a uma imagem involuntária ou até inconsciente, no sentido do elemento
soterrado sob o hábito, esquecido, negligenciado, mas que o presente pode reconhecer e
retomar. (Gagnebin, 2011).

Benjamin, não defende uma nova história, que vá desde os escravos romanos até os
movimentos sociais atuais, inclusive não é contra isso, mas ele afirma que não podemos
traçar uma linha tão contínua, para não esquecer dos outros, das outras lutas e conflitos. Há
necessidade de nos abrir para outras percepções e não repetir sempre a mesma coisa.

Em oposição à representação de uma linearidade contínua e ininterrupta do tempo


histórico, representação cuja relevância ideológica para a manutenção do
existente deve ser realçada, essa concepção disruptiva e intensiva de “atualidade”
coloca em questão a narração dominante da história, isto é, também, a
compreensão de um passado cujo sentido pode revelar-se outro e a
autocompreensão de um presente que poderia ser diferente. (GAGNEBIN, 2008,
P.81)

Assim, o historiador materialista de Benjamin, vai desconstruir a imagem congelada da


tradição e da cultura, procurando nas interferências do tempo, do passado e do presente, os
sinais significativos de uma outra possível história, “articular historicamente o passado não
significa conhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal
como ela relampeja no momento de um perigo” (1994, p.224)

Ao pensar a questão da memória coletiva sob as orientações das pesquisas sobre a


memória individual, Benjamin se propôs a ir contra uma versão dominante da história. Busca
em seus escritos recuperar eventos da história que foram esquecidos e que indicariam uma
outra possibilidade de análise histórica, pois para ele, lembrar do presente é também
lembrar daquilo que foi sufocado na história e que permite que o presente seja
transformado.

2. Considerações Finais
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Apesar de ser evidenciado neste trabalho a questão da memória e da narração, a partir do
ensaio O Narrador de Walter Benjamin, não se pode negar que no ensaio Experiência e
Pobreza e Sobre o Conceito de História (1994), ele indica com bastante clareza, o sentido
da tradição, como uma fonte inesgotável de saber, evidenciando a memória como a
responsável na transmissão desse saber.

Segundo Löwy,

estamos habituados a classificar as diferentes filosofias da história em


consonância com seu caráter progressista ou conservador, revolucionário ou
nostálgico em relação ao passado. Walter Benjamin escapa de tais classificações.
Trata-se de um crítico revolucionário da filosofia do progresso, um adversário
marxista do “progressismo”, um nostálgico do passado que sonha com o futuro
(2002, p. 199).

Assim, As Teses sobre o conceito de História, não buscam a defesa de que há necessidade
de uma nova versão marxista de como narrar a história, mas elas abrem a possibilidade de
uma nova escuta, daquele que não foi ouvido.

Vale ainda destacar a afirmação de Löwy, na literatura que versa sobre Benjamin, dois erros
devem ser evitados:

o primeiro consiste em dissociar, por meio de uma operação (no sentido clínico do
termo) “de corte epistemológico”, a obra de juventude “idealista” e teológica, da
“materialista” e revolucionária da maturidade; o segundo, em contrapartida, encara
sua obra como um todo homogêneo e não leva absolutamente em consideração a
alteração profunda trazida, por volta dos anos 20, pela descoberta do marxismo.
Para compreender o movimento do seu pensamento é preciso, pois, considerar
simultaneamente a continuidade de certos temas essenciais e as diversas curvas
e rupturas que pontilham sua trajetória intelectual e política. (2002, p.199)

Não é possível nas leituras de Benjamin, identificar uma continuidade histórica, para ele o
caminho da investigação é o da representação, que em algum momento se encontra com as
ideias. O papel da reflexão filosófica e epistemológica “é sempre buscar uma aproximação
das ideias com os fenômenos e assim “guardá-los na própria ideia, para que assim, o
particular não perca sua singularidade em detrimento do universal” (ROQUE, 2012, s\p).

Como afirmava Benjamin, há apenas uma maneira de escrever a história, a verdadeira. Em


suas obras, encontra-se um esquema básico de pensamento que se encontra tanto na
concepção de conhecimento, quanto na sua concepção de crítica e ambas estando
assentadas em sua concepção de história (ROUANET, 1981).
Pode ser que, de posse de um novo referencial, interdisciplinando-se, o historiador encontre
um caminho mais efetivo nesse mundo simbólico do Patrimônio. No estudo sobre o
Patrimônio Cultural (neste caso em particular o edificado), seu desvendamento é ‘irresistível’
e ‘fascinante’, fugindo de uma mera interpretação do monumento como arquétipo e
estereótipo. “Arquétipo de um passado que se quer salvar. Estereótipo de um futuro que se
quer construir” (Maffesoli apud Santos, 1996, p.87).

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