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PATRIMONIAL:
Uma análise a partir de Walter Benjamim
RESUMO
“Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” A
partir da indagação de Walter Benjamin, novas perspectivas de estudo e análise se configuram no
campo da educação patrimonial. Se pensarmos na pouca atenção que caracteriza nossa relação com
o passado, as teses de Benjamin, ofertam uma fonte inesgotável de afirmações e citações, tanto para
pesquisadores, historiadores, como para educadores preocupados com o patrimônio cultural de uma
comunidade. Sendo assim, se configura como objetivo deste artigo, apresentar algumas
considerações sobre a relação do autor com a memória, narração e preservação do patrimônio. Se
porventura nos aventuramos no campo do patrimônio cultural, buscando na narratividade elementos
para compor uma proposta metodológica de educação patrimonial, não podemos deixar de destacar,
que Benjamin defende nas composições pedagógicas, uma relação ativa com a cultura. O autor,
define narração em primeiro lugar a partir da oralidade – que se configura na relação entre narrador -
ouvinte - transmissão. Trata-se de transmitir de geração para geração, alguma coisa ou fato que
merece ser contado. Alguma coisa que deva adquirir formas estéticas e linguísticas e graças a esta
forma, pode ser transmitido. Essa transmissão se caracteriza no sentido de preservar algo do
esquecimento e que mereça continuar vivo na memória dos homens. Assim, recuperar as histórias
dos patrimônios culturais da cidade de Ponta Grossa – Paraná- Brasil, por meio da memória e do
relato de idosos, se torna fundamental para a composição de práticas pedagógicas, que evidenciem
os diferentes cenários culturais, criando novos olhares na prática preservacionista.
No encontro com Scholem, entra em contato ao mesmo tempo com a visão política
(esquerda) e do judaísmo como “forças vivas”. Quando emigra para a Suíça (para fugir da
adesão ao exército alemão), conhece o filósofo marxista Ernest Bloch e, em 1919 defende
seu doutorado na Universidade de Berna, com a temática “o conceito de crítica de arte no
romantismo alemão”.
Apesar de sua posição de esquerda, ele nunca se filiou ao Partido Comunista. Tenta na
década de 1920, entrar na vida acadêmica, com a escrita de sua tese de livre-docência –
“Origem do drama barroco alemão”. Este trabalho se caracteriza como uma crítica à “história
complacente e autocentrada de ciência burguesa, em particular da filosofia e da teoria
A partir de 1925, Benjamin assume a postura de “escritor livre” e a partir de 1934, recebe
apoio como bolsista do Instituto de Pesquisa Social, que era um núcleo da Escola de
Frankfurt. Destaca-se que a relação entre Horkheimer e Adorno (teóricos da Escola), com
Walter Benjamin, são antigas, inclusive foi Adorno quem recusou a tese de Benjamin, mas
ao mesmo tempo estudou com seus alunos A Origem do drama barroco alemão. A chamada
Escola de Frankfurt tinha se transferido para Genebra em 1933 e depois para Nova York em
1934 e nos últimos anos de vida de Benjamin, se empenharam em conseguir sua emigração
para os Estados Unidos, mas que foram tardios.
Deste período até sua morte em 1940, Benjamin produz seus ensaios, mesmo tendo que se
refugiar em diversos locais em sua fuga da perseguição nazista. Seu último escrito foi no
mesmo ano de sua morte, as famosas teses “Sobre o conceito de história”, considerado “um
marco da crítica de esquerda à historiografia burguesa e, também à “ideologia do
progresso”, que segundo o autor, impede as forças de esquerda de resistir ao fascismo”.
(SELIGMANN-SILVA, 1999 s.d)
Walter Benjamin, foi associado à Escola de Frankfurt, se destacando no grupo com ensaísta
e crítico literário. Importante sua aproximação com a arte, a filosofia, a ciência, sendo assim
considerado por muitos teóricos como um dos mais intrigantes pensadores do século XX.
Apesar de ser considerado um teórico da teoria Crítica, Theodor Adorno se refere a ele
como “um teórico longe de todas as correntes. Importante destacar que ele se opunha ao
idealismo absoluto de Adorno e Horkheim, uma vez que sua característica principal é a
descontinuidade.
Para Sérgio Rouanet (1984, p.12), em sua obra A origem do drama barroco alemão,
fazer justiça ao livro de Benjamin, significa antes de mais nada, elucidar o que ele
tem de mais enigmático: as considerações epistemológicas e metodológicas que
servem de pórtico ao trabalho e que incluem, no essencial, uma reflexão sobre as
ideias e as coisas, sobre o nome e a palavra, sobre a origem e a gênese, e sobre
a filosofia e o sistema.
A teoria da história de Benjamin e sua análise sobre a memória, são pontos essenciais na
sua produção. Criticou o historicismo positivista que privilegiava a documentação oficial e
também negou a possibilidade de causalidade histórica, quando afirma,
Se pensarmos um pouco na indiferença que caracteriza muitas vezes nossa relação com o
passado, as teses de Benjamin oferecem uma fonte inesgotável de “belas citações” para
historiadores, educadores, e pesquisadores preocupados com o patrimônio cultural de uma
comunidade.
Para Benjamin, a memória, história e identidade não são conceitos imutáveis, eles sofrem
transformações ao longo da história. Gagnebin (2006), afirma que a análise dessas
transformações, elucida as diferenças entre vários gêneros literários. A relação entre
memória e narração e seus diferentes tipos, aparece com clareza no ensaio “O Narrador” e
“Experiência e Pobreza”, conforme destaca Benjamin (1994, p.198 e p.115), “no final da
primeira guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha,
não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável”
Por isso, para o historiador é importante construir uma experiência com o passado. Essa
experiência deve ultrapassar o conceito perpetuado pelo mundo capitalista (técnico) e
avançar para a experiência vivida (Erlebnis) – refletindo sobre a necessidade de
reconstrução do indivíduo para garantir sua memória e continuidade. Assim, a experiência
deveria constituir uma nova narratividade e vice-versa, pois como afirma Benjamin, “frutos
de um trabalho de construção empreendido justamente por aqueles que reconheceram a
impossibilidade da experiência tradicional na sociedade moderna e que se recusam a se
contentar com a privaticidade da experiência vivida individual” (1994, p. 10).
Afirma Gagnebin (2011), que o lembrar infinito e coletivo do tempo pré-capitalista, deixa
lugares (Benjamin seguindo Lukács), à narração da vida individual isolada, o indivíduo que
luta pela sobrevivência e pelo sucesso numa sociedade concorrencial.
De acordo com Gagnebin (2006), Benjamin afirmava que é necessário inventar outras
formas de memória, outras formas de narração, em especial, para lutar contra o
encurtamento da percepção temporal. Pode-se comparar aqui, a constatação de Nora
(1993), quando afirma sobre o processo de aceleração da história e a perda de referenciais
em função da passagem rápida do tempo presente. Atualmente corremos atrás do agora,
das novidades, que também rapidamente se modificam. Será que não devemos ser mais
históricos em relação ao nosso presente? Ou então relativizar nossa noção de
contemporâneo? Problemas atuais, mas que encontram ressonância teórica nas obras de
Benjamin.
Walter Benjamin, define narração, em primeiro lugar, a partir da oralidade – que se configura
na relação entre narrador - ouvinte - transmissão. Trata-se de transmitir de geração para
geração, alguma coisa ou fato que merece ser contado. Alguma coisa que deva adquirir
formas estéticas e linguísticas e graças a esta forma, pode ser transmitido. Essa
transmissão se caracteriza no sentido de preservar algo do esquecimento e que mereça
continuar vivo na memória dos homens.
Gagnebin (2011), afirma que a ênfase do texto recai também sobre a relação entre narração
e morte. A violência, o poder da morte (palavra chave em Benjamin), obriga os mortais, isto
é, os homens a se perguntarem se possuem algo a ser transmitido, que não deve se
extinguir numa existência individual. A relação entre mortalidade e narração está na
necessidade de repassarmos algo além de nossa vida. Afirma a autora que a imagem do
moribundo que transmite uma mensagem, uma frase, um conselho, domina o cenário da
narração, como por exemplo, no ensaio “Experiência e Pobreza”.
Uma vez que a dimensão antropológica da narração, bem como a necessidade de narrar
ainda se configuram na modernidade, seu desempenho torna-se mais problemático, uma
vez que o relato transmitido do que não se quer esquecer se confronta muitas vezes com a
dificuldade de conseguir dizer aquilo que se quer narrar. Para Walter Benjamin, a
transmissão pode ser traduzida também como tradição, no sentido de entregar algo para
alguém. A vinculação da tradição e da transmissão, introduz na questão da memória e do
lembrar, uma dimensão mais crítica e política. O que queremos como tradição? Qual o
sentido de transmitir algo para alguém? Como buscar uma nova concepção de
narratividade? Em função do que e para que? São indagações que podem nortear um
trabalho mais profícuo entre memória, narração e patrimônio.
Walter Benjamin apresenta a diferença entre conceito geral e conceito mais crítico de
tradição. No primeiro refere-se a algo sagrado, solene, de acontecimentos e ensinamentos
trazidos até hoje, no segundo refere-se a análise que deve ser feita entre os portadores e as
circunstâncias históricas e materiais do ato de transmitir, assim é possível questionar,
indagar o processo, trazer à tona aspectos muitas vezes negligenciados ou então
esquecidos deliberadamente. Amplia-se assim a questão da memória e narração, que sai de
uma visão meramente literária e passa à uma reflexão histórica.
Em suas Teses sobre o Conceito de História, aponta para a questão: Que história queremos
fazer? E uma das respostas que podemos destacar seria, a elaboraçãi de uma concepção
de história que se distancia da historiografia tradicional dominante e também da
historiografia materialista triunfalista. De acordo com Arriada (2003), Walter Benjamin
entende que a história não pode ser uma ciência que acredita recuperar o passado tal como
ocorreu. A história se cria a partir do próprio presente, de maneira que o que consideramos
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil
Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
história, nada mais é que o discurso histórico. O historiador deve saber “ler” nas entranhas
do presente as marcas de um passado esquecido. Na Tese 14 (1994, p.229), destaca “ a
história é objeto de uma construção cujo o lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um
tempo saturado de “agoras” e complementa na Tese 17 (1994, p. 231),
Gagnebin (2011), destaca que uma leitura mais atenta do ensaio de Benjamin, nos remete a
uma temática filosófica e antropológica muito maior que uma mera discussão de
transformação de gêneros literários. As reflexões do autor permitem tecer laços com
questões históricas, antropológicas, etnológicas, pedagógicas e até psicológicas.
Para Benjamin, os estudos sobre a narração e por consequência sua ligação com a
memória, pautou-se nos trabalhos de Freud e Proust. Assim, Em busca do tempo perdido -
Marcel Proust e a Teoria Psicanalítica de Freud, apresentam subsídios e são modelos para
que o autor pensasse numa relação nova com o passado e a memória.
A história não deve simplesmente descrever os fatos, mas sim articular o passado de
maneira inovadora com o presente. A palavra articulação se refere para Benjamin, a criação
de um movimento de transformação entre o passado e presente. A partir do conceito de
memória involuntária de Proust, ele afirma que a história é uma imagem que vem dessa
memória.
A memória recebe imagens e por ela também é afetada, muitas vezes de maneira passiva, a
lembrança chega involuntariamente por meio de um cheiro, uma construção, uma música,
entre outros. Mas também é pesquisa, investigação, pois pode questionar, interrogar, pois
possui capacidade intensa de atividade.
Afirma Belo,
Mais uma vez Gagnebin (2006), apresenta de maneira clara que o caráter paradoxal – ativo
e passivo da memória, bem como a relação privilegiada com as imagens, portanto com a
imaginação, explica a desconfiança até hoje da filosofia clássica e da história clássica em
relação à memória, narração e oralidade. O saber produzido pelo lembrar, não repousa
sobre nenhuma garantia epistemológica, não oferece nenhuma certeza. Talvez nossas
lembranças sejam apenas invenções a posteriori, nas quais acreditamos profundamente.
Logicamente que a noção de história apresentada por Halbwachs é aquela história narrativa,
predominante no seu tempo e guarda uma distância muito grande com a forma que hoje a
pesquisa histórica é trabalhada. Porém, a utilização de Halbwachs no terreno da produção
do estudo do patrimônio histórico é muito profícua, uma vez que apresenta subsídios, para
entender que a memória é uma capacidade seletiva, que apresenta duas operações
opostas: à de lembrar e à de esquecer.
Neste sentido, em relação à imagem da cidade, a reconstrução que se pode fazer dela tem
suas raízes no presente e, a partir do momento que se recupera um espaço preservado, é
na história vivida que se buscam referências de apoio à memória. Desta forma, pode-se ver
a história e a memória, apesar de distintas, mantendo importantes ligações.
Outros, ao contrário, necessitam do suporte material para lembrar, como afirma Nora (1993,
p.8), “se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar
lugares. Não haveria lugares, porque não haveria memória transportada pela história. A
memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”.
Assim, é necessário estarmos atentos aos ecos, ressonâncias que se produzem entre
passado e presente e vice-versa, aquilo que Benjamin chamou de – experiência – com o
passado. Afirma que muitas vezes lembramos de algo do passado de maneiras diferentes,
seguindo o presente. Relato a mesma coisa, seguindo estímulos do presente. A relação que
temos com o passado é viva, ligada com algo que vivemos ou experimentamos no presente.
Assim, Benjamin introduz a questão do tempo do momento, do presente.
Benjamin, não defende uma nova história, que vá desde os escravos romanos até os
movimentos sociais atuais, inclusive não é contra isso, mas ele afirma que não podemos
traçar uma linha tão contínua, para não esquecer dos outros, das outras lutas e conflitos. Há
necessidade de nos abrir para outras percepções e não repetir sempre a mesma coisa.
2. Considerações Finais
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil
Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
Apesar de ser evidenciado neste trabalho a questão da memória e da narração, a partir do
ensaio O Narrador de Walter Benjamin, não se pode negar que no ensaio Experiência e
Pobreza e Sobre o Conceito de História (1994), ele indica com bastante clareza, o sentido
da tradição, como uma fonte inesgotável de saber, evidenciando a memória como a
responsável na transmissão desse saber.
Segundo Löwy,
Assim, As Teses sobre o conceito de História, não buscam a defesa de que há necessidade
de uma nova versão marxista de como narrar a história, mas elas abrem a possibilidade de
uma nova escuta, daquele que não foi ouvido.
Vale ainda destacar a afirmação de Löwy, na literatura que versa sobre Benjamin, dois erros
devem ser evitados:
o primeiro consiste em dissociar, por meio de uma operação (no sentido clínico do
termo) “de corte epistemológico”, a obra de juventude “idealista” e teológica, da
“materialista” e revolucionária da maturidade; o segundo, em contrapartida, encara
sua obra como um todo homogêneo e não leva absolutamente em consideração a
alteração profunda trazida, por volta dos anos 20, pela descoberta do marxismo.
Para compreender o movimento do seu pensamento é preciso, pois, considerar
simultaneamente a continuidade de certos temas essenciais e as diversas curvas
e rupturas que pontilham sua trajetória intelectual e política. (2002, p.199)
Não é possível nas leituras de Benjamin, identificar uma continuidade histórica, para ele o
caminho da investigação é o da representação, que em algum momento se encontra com as
ideias. O papel da reflexão filosófica e epistemológica “é sempre buscar uma aproximação
das ideias com os fenômenos e assim “guardá-los na própria ideia, para que assim, o
particular não perca sua singularidade em detrimento do universal” (ROQUE, 2012, s\p).
Referências Bibliográficas
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História da Educação, ASPHEqUFPel, Pelotas, n.14, p.195-209, set. 2003. Disponível em
http://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/30229
GAETA, Antonio Carlos. Walter Benjamin e a leitura da cidade moderna. Revista Eletrônica
do Instituto de Humanidades. Vol III, Nº XII – Jan-Mar, 2005
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos
Tribunais, 1990. 189p.
LÖWY, Michael. Sete teses sobre Walter Benjamin. 2011. Blog da Boitempo.
http://blogdaboitempo.com.br/2011/10/28/sete-teses-sobre-walter-benjamin-e-a-teoria-critica/
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Yara Aun Khoury
(Trad.). Revista do Programa de Pós-Graduação em História da PUC/ São Paulo. São
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SELIGMANN – Silva Marcio. Leituras de Walter Benjamin. Fapesp, 1999, v.1, p.201-208.
Studart, Hugo. Como fundamentar uma tese sobre a memória dos guerrilheiros do
Araguaia. 2013. Disponível em http://studart.blog.br/index.php/como-fundamentar-uma-
tese-sobre-a-memoria-dos-guerrilheiros-do-araguaia/