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Pesquisa Histórica como uma possibilidade à pesquisa em Estudos


Organizacionais

Jucelia Appio¹, Nelson Natalino Frizon², Liliane Canopf³, Déborah Marcon¹, Bruna Madruga¹

¹ Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Francisco
Beltrão-PR, Brasil. juceliaappio@yahoo.com.br; debomarcon_@hotmail.com; bruna.passaura@hotmail.com;
² União de Ensino do Sudoeste do Paraná (UNISEP), Brasil. nfrizon@gmail.com;
³ Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus de Pato Branco-
PR, Brasil. lilianec@utfpr.edu.br

Resumo. A pesquisa histórica tem se mostrado nos últimos anos como uma nova forma de se olhar e
abordar os estudos organizacionais. A ideia é que a pesquisa histórica contribua para fundamentar
pesquisadores que buscam novos olhares e estejam comprometidos com outras epistemologias,
expandindo as possibilidades de análise e teorização sobre os fenômenos contemporâneos, justamente por
permitir um melhor entendimento sobre temas, abordagens e problemas de pesquisa nos estudos
organizacionais. O produto principal da pesquisa histórica é o entendimento sobre a estrutura
organizacional, individual, social, político e situacional em que os fenômenos ocorreram.
Palavras-chave: Estudos organizacionais; Abordagem Qualitativa; Pesquisa Histórica.

Historical Research as a Possibility for Research in Organizational Studies


Abstract. The Historical research has been shown in recent years as a new way of looking at and
approaching organizational studies. The idea is that a historical research contributes to justify researchers
who seek new looks and are committed to other epistemologies, expanding possibilities of analysis and
theorizing about contemporary organizational phenomenon, precisely because it allows a better
understanding of themes, approaches and research problems in Organizational studies. The main product of
historical research is the understanding about the organizational structure, singles, social, political and
situational in which phenomena occurred.
Key words: Organizational studies; Qualitative approach; Historical research.

1 Introdução

A perspectiva histórica ressalta que é a partir da História que os acontecimentos e as estruturas de


uma sociedade podem ser analisados (Fontoura, Alfaia & Fernandes, 2013). A epistemologia Histórica
de Bachelard (1977) contribuiu significativamente para a forma de se pensar a ciência e produzir
conhecimento, como uma forma de pesquisa cuja base se encontra na defesa de que a história é
central para uma melhor compreensão e reflexão da humanidade por meio do entendimento de seus
acontecimentos e estruturas (Burke, 1992).
De acordo com esta epistemologia, o processo de produção científica não é linear e previsível, como
se o novo fosse resultado de diferentes fatos anteriores. Ao contrário, o pensamento científico é
fruto de um estudo crítico do passado e consiste na não repetição de ‘erros’ em seu processo de
construção (Andrade & Smolka, 2009; Fontoura, Alfaia & Fernandes, 2013), pois é a partir dos erros
cometidos que o conhecimento científico evolui.
No que se refere aos estudos Organizacionais, Pieranti (2008) destaca diferentes razões para o uso
da abordagem histórica, tais como, o passado é a maior fonte de explicação e esclarecimento do
presente. Por outro lado, é preciso evitar causas e consequências generalizadas, pois os eventos
históricos são únicos e estão ligados a contextos específicos.

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A abordagem histórica também possibilita uma interligação com diversas áreas do conhecimento e
múltiplas perspectivas. Ou seja, é possível que esta seja realizada concomitantemente com outros
métodos de pesquisa, tais como, análise de conteúdo, análise de discurso, estatística, dentre outros;
e com correntes epistemológicas em Administração, o que enriquece ainda mais a pesquisa, pois a
compreensão das estruturas é essencial para o entendimento da sociedade, assim como a relação
destas em diferentes campos de análise, como político, econômico, social e cultural.
De forma geral, a reflexão sobre a produção científica em Administração sugere que, apesar do
aumento do número de publicações, o campo ainda carece de um delineamento epistemológico
mais claro. Apesar do consenso por um percurso metodológico mais robusto, observa-se a existência
de pontos de vista antagônicos quanto às abordagens de análise predominantes no campo da
Administração, o que se evidencia, inclusive, na recorrente divisão dos meta estudos por áreas
temáticas da Administração (Gomes & Santana, 2010).
A perspectiva histórica tem despertado o interesse de vários pesquisadores, em nível nacional e
internacional (Kieser, 1994; Curado, 2001; Clark & Rowlinson, 2004; Jacques, 2006; Vizeu, 2007;
2010; Maielli & Booth, 2008; Mascarenhas & Vasconcelos, 2009; Costa, Barros & Martins, 2010).
Esforços de certos pesquisadores estão evidentes, especialmente nos Estados Unidos, que já conta
com uma divisão de Management History em sua academia há muitos anos – e na Europa, onde a
temática é explorada em novos periódicos, tais como o Management and Organizational History,
editado pela Sage a partir de 2006 (Vizeu, 2010).
No Brasil, dentre os interesses da aplicação da perspectiva histórica, os aspectos mais significativos
são, a busca de maior relevância e contribuição teórica das pesquisas por meio da ampliação do uso
do método histórico e o resgate dos aspectos históricos e interculturais em oposição à reprodução
ideológica dominante que tende a excluir o passado ou o contexto das teorias e práticas
organizacionais (Vizeu, 2007).
Visto que a pesquisa busca contribuir para uma melhor compreensão do pensamento administrativo
por meio da análise da utilização da perspectiva histórica em administração (Costa, Barros & Martins,
2010), este trabalho pretende demostrar, em linhas gerais, a Pesquisa Histórica como uma
alternativa de desenvolvimento de análises nos estudos organizacionais.
O presente trabalho está estruturado da seguinte forma: após esta breve introdução aborda-se a
pesquisa qualitativa; em seguida, a pesquisa histórica com ênfase para a pesquisa história nos
estudos organizacionais, por fim, as conclusões.

2 Abordagem Qualitativa em Pesquisa

O movimento de investigação qualitativa baseia-se na preocupação com a compreensão do outro.


Em contraposição, o positivismo e o interpretativismo oferecem maneiras diferentes de lidar com
essa preocupação.
Para o positivismo, ciência natural e ciência social são amplamente análogas, acreditando que a
realidade é invariável, única. Os positivistas tentam construir supostamente conhecimento de uma
realidade que existe. Por outro lado, os interpretativistas buscam o entendimento, rejeitando
qualquer noção de objetividade. O processo envolve identificar significados sujeitos à compreensão e
conhecimento do passado influenciando o presente e a realidade futura. Neste escopo, o
investigador e o fenômeno em estudo são interativos, porque fenômenos estão em processo de
criação contínua (Schawandt, 2006).
Para Mayring (2002) a ênfase na totalidade do indivíduo como objeto de estudo é essencial para a
pesquisa qualitativa. Além do mais, a concepção do objeto de estudo qualitativo sempre é visto na
sua historicidade, no que diz respeito ao processo de desenvolvimento do indivíduo e no contexto

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dentro do qual o indivíduo se formou. Os acontecimentos no âmbito do processo de pesquisa não


são desvinculados da vida fora do mesmo. Isto leva, ainda, a contextualidade como fio condutor de
qualquer análise em contraste com uma abstração nos resultados. Implica, ainda, num processo de
reflexão contínua sobre o seu comportamento enquanto pesquisador e, finalmente, numa interação
dinâmica entre este e seu objeto de estudo.
A história da pesquisa qualitativa revela que as disciplinas das ciências sociais modernas assumiram a
missão de análise e compreensão da conduta padronizada e dos processos sociais da sociedade,
pressupondo que os cientistas sociais teriam habilidades de observarem o mundo objetivamente. Ao
longo da história da pesquisa qualitativa, os investigadores definiram seu trabalho em termos de
valores, com base no modo como contextualizam a realidade e a imagem do mundo. A epistemologia
é a palavra que tem definido historicamente esses padrões de avaliação (Denzin & Lincoln, 2006).
A pesquisa qualitativa enquanto processo apresenta atividades interligadas, incluindo teoria,
ontologia, epistemologia, metodologia, método e análise. Por trás dessas atividades, está a pessoa
do pesquisador, que partindo de uma dada perspectiva aborda o mundo com um conjunto de ideias.
Para Grix (2002) ontologia é o ponto de partida de toda a investigação. Blaikie (2000 apud Grix, 2002)
sugere que as alegações ontológicas são afirmações e suposições que são feitas sobre a natureza da
realidade social, as alegações sobre o que existe, o que parece, as unidades que o compõem e como
essas unidades interagem uns com os outros. Em suma, os pressupostos ontológicos estão
preocupados com o que acreditamos que constitui a realidade social (Grix, 2002).
A Epistemologia está preocupada com a teoria do conhecimento, especialmente no que diz respeito
aos seus métodos, validação e as formas possíveis de ganhar o conhecimento da realidade social.
Derivado da palavra grega episteme (conhecimento) e logos (razão), epistemologia se concentra no
processo de recolha de conhecimentos e as formas de descobrir isso, não é estática. Ao refletir sobre
as teorias e conceitos em geral, os pesquisadores precisam refletir sobre os pressupostos em que
assentam e onde se originam (Grix, 2002).
A abordagem metodológica do pesquisador, sustentada na reflexão, especifica pressupostos
ontológicos e epistemológicos, representa uma escolha da abordagem e métodos de pesquisa em
um determinado estudo. A metodologia está preocupada com a lógica da investigação científica, em
especial com investigar as potencialidades e limitações das técnicas ou procedimentos específicos
(Grix, 2002).
Metodologia é muitas vezes confundida com método de investigação. O método muitas vezes é
entendido, muito simplesmente, como as técnicas ou procedimentos usados para recolher e analisar
dados (Grix, 2002). Cada método apresenta características que lhes são inerentes e particulares
quanto às fontes dos dados, o tipo de amostragem, bem como a análise dos dados, porém
apresentam semelhanças quanto a objetivos, disciplinas de origem, objetos de estudos mais
apropriados e coletas de dados. À exemplo, a Fenomenologia; a Grounded Theory; os Estudos de
Caso e a Pesquisa Histórica.
O relacionamento entre ontologia, epistemologia, metodologia e métodos a princípio pode parecer
um tanto mecanicista e rígido para sugerir um direcionamento real entre os blocos-chave da
investigação, mas para fins de ensino pode ajudar a desmistificar uma discussão, muitas vezes
impenetrável. É de suma importância que os pesquisadores entendam como uma visão particular do
mundo afeta o processo de pesquisa (Grix, 2002).
Na área da Administração, a pesquisa qualitativa, apesar de ter sido utilizada com regularidade por
antropólogos e sociólogos, só começou a ganhar espaço a partir da década de 1970 (Godoy, 1995).
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de
determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos
dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e

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possibilitar o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos (Rocha &


Ceretta, 1998).
Grix (2002) defende que o conhecimento para existir tem seus limites. Não se pode compreender o
mundo em toda a sua complexidade. A complexidade deve ser reduzida a fim de gerar
entendimento. Neste sentido, infere-se que os limites da complexidade dos problemas não são
dados, eles existem na compreensão do pesquisador. O pesquisador precisa ser ético para identificar
até que ponto o contexto equivale às preposições teóricas em estudo.
Neste sentido, a investigação social é uma prática e não simplesmente um modo de saber.
Compreender o que os outros estão fazendo ou dizendo, e dar forma pública a esse conhecimento,
envolve compromissos morais e políticos. Por isso a compreensão é um mergulho profundo na
interpretação (Schawandt, 2006).
De acordo com Rocha e Ceretta (1998), as delimitações que separam os tipos de abordagens,
quantitativos dos qualitativos, não são claras. O que se pode afirmar é que, em algum momento na
tarefa investigatória, elas se complementam. É imprescindível que o pesquisador busque se
desvincular dos pré-julgamentos inerentes ao ser humano. Isto porque ele estará em contato direto
com os investigados, podendo inclusive ser manipulado ou influenciado a pensar e concluir como
estes querem. Além disso, é vital para o sucesso do trabalho qualitativo que o investigador domine a
corrente epistemológica que selecionou para o seu estudo.

2.1 Pesquisa Histórica

A pesquisa histórica tradicional iniciou o seu processo de declínio a partir dos anos 1930 com a
História Social e nos anos 1970 com a Nova História (em francês, La Nouvelle Histoire). Apesar de ter
se mantido por muitos anos com suas convicções, princípios e métodos, mesmo após sucessivas
tentativas de contestação a este modelo de narrativa, foi com o lançamento da revista francesa
Annales d’Histoire Économique et Sociale pelos professores Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929 que
o paradigma tradicional passou a ser fortemente contestado, o que ocasionou o fortalecimento da
chamada Nova História (Burke, 1992; Martins, Costa & Barros, 2009).
Essa nova forma de pensar a pesquisa histórica, cunhada de Nova História, como um novo paradigma
pretendia, dentre outras propostas, ampliar o domínio do campo por meio de uma análise da história
como estudo do homem no tempo, a partir da redefinição de conceitos básicos, tais como,
documento, fato histórico e tempo. Ademais, a Nova História, preocupou-se, em especial, com a
análise das estruturas em si, como, por exemplo, grandes mudanças econômicas, sociais e geo-
históricas (Burke, 1992).
No que se refere ao tempo, à história tradicional definia o passado como algo inalterável, fechado e
rígido. Ao contrário, os novos historiadores defendiam o conceito de que toda história é história
contemporânea e dominada pelo presente (Martins, Costa & Barros, 2009).
Podem-se destacar como principais características da Nova História a narrativa com digressões e
remissões; a eventual análise de longos períodos temporais ou períodos históricos mais alargados e
estruturas que se modificavam de maneira mais lenta (Schwarcz, 2001); maior flexibilização da
investigação, voltando-se aos campos social, econômico e cultural; e maior relevância à
interpretação de estruturas duradouras (Curado, 2001; Martins, 2001).
Segundo Burke (1992), podem-se resumir em seis pontos as principais diferenças entre o modelo
tradicional e a Nova História. No paradigma tradicional, a história diz respeito à política; na Nova
História toda atividade humana pode ser objeto da história. Os historiadores tradicionais pensam na
história como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos; a Nova História está mais
preocupada com a análise das estruturas.

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A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se concentrado nos
grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou eclesiásticos; os novos historiadores
estão preocupados com a história vista de baixo, com as opiniões das pessoas comuns e sua
experiência de mudança social. O paradigma tradicional, a história deveria ser baseada em
documentos oficiais escritos; a Nova História expõe as limitações desse tipo de documento,
examinando maior variedade de evidências, atribuindo menor ênfase às fontes escritas e maior
relevância ao uso da história oral, iconografia e vestígios arqueológicos (Cardoso, 1997).
O estudo da história permite ao homem compreender e incorporar, em um sistema coerente, tudo o
que ele cria, faz e transforma, na produção e na explicação de sua existência. A história permite ao
homem interrogar e refletir sobre sua existência (Curado, 2001). As principais características da
pesquisa histórica são apresentadas no quadro a seguir.

Características Descrição
Recapturar sistematicamente as nuances, pessoas, significados, eventos e ideias sobre o
Foco passado, as quais exerceram influência e moldaram o presente. O foco está no desenvolvimento
histórico do fenômeno.
Precursor Leopold Von Ranke.
Objetivo e Tipo de Busca entender o processo de ação e criação em um contexto histórico específico; pesquisa
problema mais diversos elementos relacionados ao passado nos quais o interesse recai em alguns poucos
adequado eventos ou objetos de pesquisa compreendidos como únicos ou singulares.
Disciplina de
História, Ciências Sociais, Ciências Econômicas.
conhecimento
Principais fontes de Relatórios confidenciais; registros públicos; documentos do governo; editoriais de jornais e
dados histórias; crônicas; músicas; poesia; folclore; filmes de entrevistas; fotos; artefatos.
Coleta de artefatos, documentos e oralidades por meio de pesquisa arquivística, pesquisa
Forma de coleta de
documental, história oral, história biográfica, arqueologia industrial, entre outras técnicas
dados
específicas que objetivam a reconstituição de um evento ou curso de ação.
Descrição, análise e interpretação do desenvolvimento histórico do fenômeno. Método
Estratégia de análise de
comparativo, cliometria, análise de conteúdo, análise de discurso, análise contrafactual,
dados
métodos de datação, reconstituições, entre outros.
Elaboração de descrição, de narrativa compreensiva sobre o passado, ao mesmo tempo lógica,
Relatório escrito
fluída, reveladora e "viva"; descrição da evolução do fenômeno.

Quadro 1. Características da Pesquisa Histórica


Fonte: Autor, 2017.

O grande impulso da pesquisa histórica é a coleta de informações e da interpretação ou da análise de


dados. Sendo realizada por um ou vários motivos, tais como: para desvendar o desconhecido, para
responder a perguntas, para procurar implicações ou relações de acontecimentos e realizações do
passado das pessoas, organismos ou instituições.

2.1.1 Pesquisa Histórica em Administração

Em países como França e Inglaterra, a história se voltou, a partir da década de 50, mais para a
história dos negócios na qual a história empresarial era colocada em uma perspectiva mais social. O
empresário era visto como dependente dos fatores estruturais e conjunturais. Na França, a história
da Administração teve maior influência do marxismo, influenciada pela Écolle des Annales que
tratava a história empresarial como parte de uma visão de síntese global social (Lobo, 1997).
Identificar as visões provenientes do debate entre as perspectivas da história tradicional e da Nova
História, nova no campo da Administração, podendo contribuir para melhor compreensão dos

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fenômenos administrativos; formação de pesquisadores mais conscientes de seus caminhos de


pesquisa e fortalecimento da interdisciplinaridade por meio da criação de vínculos mais profundos
entre as áreas (Costa; Barros & Martins, 2010).
De forma a aprofundar essa discussão, Üsdiken e Kieser (2004) classificaram três abordagens do
pensar administrativo relacionando-as com a discussão paradigmática da história, são esses: a
história dos negócios ou empresarial (business history); a história da gestão (management history); e
a história organizacional (organizational history). Essa classificação, segundo esses pesquisadores,
permite refletir sobre a práxis social do pesquisador, considerar novos objetos, problemas e
abordagens de pesquisa, e perceber que novas perguntas podem orientar o foco de análise, o que
contribui para o desenvolvimento de análises mais críticas em administração (Costa, Barros &
Martins, 2010).
No que concerne a história dos negócios, Curado (2001) a divide a produção acadêmica em três
grandes subáreas, (a) história das empresas ou história corporativa por meio de uma história de vida
corporativa que expressa solidez, segurança financeira e princípios éticos e/ou com seus
consumidores; (b) a segunda é a história do empreendedorismo, em que são analisadas trajetórias
de empresas empreendedoras e relacionam-se com medidas de sucesso empresarial, as mais
populares sendo comparações internacionais, melhorias de produtividade, lucratividade e adaptação
às mudanças relacionadas à introdução de novas tecnologias; (c) a terceira contempla os estudos
acerca da história de grandes empresas - estudo das práticas de gestão. Entre seus principais tópicos,
destacam-se: consequências sociais da gestão; conceitos históricos estabelecidos; o papel histórico
das ciências comportamentais; gestão em empresas nos dias de hoje; filosofias de gestão; fontes
históricas; novos rumos em pesquisa histórica e em história oral.
Vizeu (2007) defende a incorporação da perspectiva histórica como contribuição para o avanço na
análise de fenômenos administrativos por meio das pesquisas, tanto pela adoção de quadro teórico-
conceitual (constituído a partir da análise histórica) quanto pela aplicação da pesquisa histórica como
método de análise. Identificar e analisar esse contexto, por meio de quadro teórico conceitual
constituído a partir da perspectiva histórica, contribui para que o pesquisador evite atribuir caráter a-
histórico e determinístico aos estudos (Costa, Barros & Martins, 2010).
A premissa positivista de que a ciência deve se ater aos fenômenos observáveis se manifesta no
funcionalismo sociológico por meio da preocupação em se revelar os aspectos universais dos
fenômenos sociais (Giddens, 1998). No caso brasileiro, os pesquisadores têm se deparado com o
desafio de entender a singularidade das práticas organizacionais. Diante dessa necessidade, uma das
formas de verificar os aspectos peculiares da gestão e formas de organização é por meio da trajetória
histórica desses modelos e das referências sociais, econômicas e políticas que os sustentaram (Vizeu,
2010).
Assim, segundo Vizeu (2010), torna-se importante a elaboração de estudos que contemplem temas,
tais como, estudos sobre a história do pensamento administrativo brasileiro; estudos históricos sobre
ideologias e discursos associados a práticas organizacionais; e estudos sobre história corporativa e
empresarial no Brasil. Costa, Barros & Martins (2010) sugerem estudos acerca da cultura corporativa
e construção da memória social.
As fontes de dados utilizados pela historiografia paralela com os de muitos outros cientistas sociais
são relatórios confidenciais, registros públicos, documentos do governo, editoriais de jornais e
histórias, crônicas, músicas, poesia, folclore, filmes, fotos, artefatos e até mesmo entrevistas e
questionários. É importante, portanto, avaliar cuidadosamente as suas fontes de dados, buscando
garantir que o documento é autêntico, a fim de obter maior credibilidade (Berg, 2001).
Como atividade acadêmica, a história empresarial desenvolveu-se como uma ramificação da história
econômica, utilizando profundos estudos de caso de corte longitudinal, com grandes recortes
temporais. As fontes tradicionais dessa área são as fontes escritas que consistem em cartas,

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memorandos, periódicos e contas em geral. Os pesquisadores brasileiros passam a focalizar o


contexto socioeconômico e crescem as pesquisas de estudos de casos procurando entender as
estratégias dos empresários; questionando visões já consagradas pela historiografia sobre as origens
da indústria; o papel dos empresários; as ações do Estado; e respectivos órgãos de classe (Lobo,
1997). Assim, os relatos e experiências empresariais têm se tornado um importante tópico para o
entendimento das organizações. Surgem como a possibilidade concreta de reconhecer o papel da
história como elemento importante para construir o futuro (Gomes & Santana, 2010).

3 Conclusões

Ontologicamente, a historiografia pode contribuir com o campo dos Estudos Organizacionais por
abrir possibilidade para novas percepções e novas abordagens de pesquisa com relação aos seus
objetos de estudo. Assumindo que a história é dominada pelo presente, conhecer a essência das
diferentes realidades que coexistem no tempo e no espaço talvez permita aos pesquisadores da área
de Administração uma percepção mais reflexiva acerca do seu pensar e agir no mundo (Costa, Barros
& Martins, 2010).
Na pesquisa histórica, epistemologicamente, prioriza-se o enfoque narrativo alinhado ao interesse
mais amplo de orientações interpretativas e discursivas em oposição ao quadro científico tradicional.
Uma maior preocupação com a busca da historicidade do espaço organizacional reflete-se na procura
pela existência de um contexto específico para todos os acontecimentos e todos os fenômenos. E
isso tanto em relação aos objetos de estudo quanto em relação aos pesquisadores (Costa, Barros &
Martins, 2010).
A partir dos aspectos ontológicos e epistemológicos apresentados, metodologicamente os problemas
de pesquisa podem ser estudados por meio de novas e diferentes fontes históricas, ampliando tanto
a noção de objeto de pesquisa quanto a noção de documento.
Como grande parte da vida das pessoas acontece dentro das organizações, uma questão importante
é captar essas experiências sociais para construir conhecimento e reconstituir a identidade e a
história perante processos sociais no interior das organizações.
Assim, conclui-se com base em Berg (2001) que a pesquisa histórica se estende para além de um
mero conjunto de incidentes, fatos, datas ou números. É o estudo das relações entre as questões que
têm influenciado o passado, e continuam a influenciar o presente, e irão certamente afetar o futuro.

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