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RESUMO. A osteoartrite társica (OAT) é uma for- conforto, visto que a OAT é considerada doença
ma de artrite proliferativa anquilosante, podendo degenerativa, variando de tratamentos conservati-
ser chamada também de “esparavão ósseo”, sen- vos como uso de anti-inflamatórios não hormonais
do uma das maiores causadoras de claudicação (AINEs), infiltrações intra-articulares de corticos-
nos membros pélvicos de equinos. Mesmo após teroides, administração de glicosaminoglicanos e
o tratamento clínico e/ou cirúrgico, cerca de 50% alterações no manejo e ferrageamento; até procedi-
dos animais permanecem com claudicação e não mentos cirúrgicos como a tenectomia do cuneano
conseguem exercer as funções atléticas anterior- (Bohanon 1999) e artroscopias, sendo que em casos
mente desempenhadas. O objetivo deste trabalho mais graves é indicada a artrodese (Labens et al.
é relatar o caso de um equino da raça Mangalarga 2007). Embora o tratamento médico-cirúrgico da
Marchador com osteoartrite társica submetido à te- OAT resulte em melhoria temporária da claudica-
nectomia cuneana e infiltração perineural de com- ção, aproximadamente 50% dos cavalos tratados
posição neurolítica etanólica (com patente requeri- permanecem com claudicação e não conseguem
da no Brasil e exterior) nos nervos tibial e fibulares, exercer as funções atléticas anteriormente desem-
após resposta negativa ao tratamento clínico com penhadas (Dowling et al. 2004).
anti-inflamatórios e glicosaminoglicanos. O animal
não exteriorizou dor ou claudicação durante doze HISTÓRICO
meses, mantendo-se em atividade e sem apresen- Um equino da raça Mangalarga Marchador, macho,
tar déficits proprioceptivos. A tenectomia cuneana castrado, oito anos de idade, 430 Kg, de utilidade lazer,
associada à infiltração perineural de composição foi encaminhado ao Ambulatório do Grupo de Pesqui-
neurolítica etanólica apresentou-se como opção te- sa e Extensão em Equídeos da Universidade Federal
rapêutica satisfatória no caso descrito. de Alagoas (GRUPEQUI-UFAL), com queixa clínica de
claudicação no membro pélvico direito (MPD) há cerca
PALAVRAS-CHAVE. Claudicação, esparavão, tendão de seis meses.
cuneano, neurólise química. Na anamnese, obtida pelo médico veterinário do
animal, relatou-se que o cavalo claudicou no dia pos-
INTRODUÇÃO terior a uma cavalgada de quarenta quilômetros, sendo
radiografado com diagnóstico de “esparavão” (OAT)
A Osteoartrite társica (OAT) é uma forma de
no MPD. Segundo o relator, o animal foi submetido ao
artrite insidiosa proliferativa e anquilosante, consi- tratamento com 2g (10 mL) de Fenilbutazona por via in-
derada como maior causa de claudicação nos mem- travenosa durante 5 dias; 20 mg (2 mL) de hialuronato
bros pélvicos de equinos. Acomete as articulações de sódio e 18 mg (3 mL) de acetonido de triancinolona
társicas, sendo de etiologia multifatorial, associada por via intra-articular; dez aplicações diárias intraveno-
à compressão e rotação de ossos distais do tarso du- sas de ácido tiludrônico; repouso por 90 dias e posterior
rante o exercício, artrite séptica, trauma, fratura de retorno gradativo ao exercício. Após aproximadamente
cinco meses do quadro inicial, o equino voltou à ativi-
ossos do tarso e osteocondrose (Zubrod et al. 2005,
dade, porém só conseguiu realizar dez quilômetros em
McIlwraith 2013). O principal sinal clínico da OAT uma cavalgada, voltando a claudicar e então sendo en-
é claudicação leve à moderada nos membros pél- caminhado para o atendimento no GRUPEQUI-UFAL.
vicos, associada ou não ao aumento de volume no Ao exame clínico o equino apresentava claudicação
aspecto medial das articulações intertársica, tarso- grau dois no MPD (Stashak 2006), com intensificação
-metatársica e/ou tíbio-társica por efusão sinovial, para grau três após teste de flexão das articulações do
normalmente progressiva e de apresentação uni ou tarso. Também apresentava leve aumento de volume
bilateral (Bohanon 1999). flutuante na face dorso-medial distal da articulação e
sensibilidade à palpação crânio medial articular. As
O diagnóstico é realizado através dos sinais clí- imagens radiológicas obtidas foram semelhantes àque-
nicos e teste de flexão das articulações társicas, que las obtidas há seis meses, sugestivas de OAT. Notou-se
promovem aumento do grau de claudicação. A reação periostal intertársica distal, reorganização pe-
confirmação ocorre normalmente através do exame riostal nas bordas mediais dos ossos central e terceiro
radiográfico (RX), obtendo-se imagens sugestivas tarsianos, estreitamento de espaço articular e alterações
para OAT como: irregularidade, esclerose ou lise na densidade do osso subcondral (Figura 1).
do osso subcondral, baixa definição corticomedu- Para o diagnostico foi efetuado o bloqueio anestésico
do nervo tibial com 8 mL de lidocaína 2 % sem vaso-
lar, aumento ou diminuição do espaço intra-arti-
constritor, aproximadamente 10 cm proximal à articula-
cular, anquilose, osteófitos, esporão ósseo dorso- ção tíbio-társica, na face medial do MPD, região onde o
proximal no terceiro metatarso e/ou formação de nervo é palpado na superfície caudal do músculo flexor
ponte óssea periarticular (Labens et al. 2007). digital profundo e cranial ao tendão de Aquiles, confor-
Os tratamentos visam alivio da dor e do des- me descrito por Moyer et al. (2007), através de inserção
A cirurgia foi realizada em decúbito lateral confor- alívio da dor na OAT, sendo um procedimento de
me descrito por Bohanon (1999), com incisão no sentido fácil execução, porém com resultados variáveis.
das fibras tendíneas e retirada de cerca de 2 cm do ramo Eastman et al. (1997) citam que em acompanha-
medial do tendão tibial cranial. As injeções neurolíticas
mento de 285 casos de cavalos com OAT tratados
foram realizadas de forma similar aos bloqueios anesté-
sicos, com o animal anestesiado, facilitando a manipu- por TC, 83% dos proprietários acreditaram na téc-
lação do membro e depositando 7 mL de CNE em cada nica promovendo a diminuição da claudicação, re-
ponto (totalizando 21 mL). torno e incremento de performance do animal.
O pós-operatório foi de rotina com utilização de A opção pela TC foi realizada por escolha do
flunixin meglumine na dose de 1 mg/kg via intramus- proprietário e médico veterinário do animal, acre-
cular durante 5 dias e penicilina benzatina na dose de ditando que a artrodese poderia não proporcionar
20 000 UI/kg via intramuscular a cada 72 horas, num o retorno do cavalo castrado às cavalgadas. A par-
total de três administrações. Não se observou alteração
tir da decisão e dos resultados analgésicos positi-
de comportamento relacionado à dor durante o período
pós-operatório e intercorrências com a ferida cirúrgica. vos obtidos a partir dos bloqueios perineurais fibu-
O paciente ficou em repouso em baia durante 15 dias, lar e tibial, foi proposto infiltração da composição
quando foram retirados os pontos. Ficou solto em pi- neurolítica patenteada.
quete por mais 15 dias, quando iniciou caminhadas diá- O uso de fármacos neurolíticos perineurais em
rias de 15 a 20 minutos duas vezes ao dia. Aos sessenta equinos deve considerar a enfermidade a ser tra-
dias do pós-cirúrgico fez a primeira cavalgada de quin- tada, característica da dor, objetivo específico do
ze quilômetros sem apresentar claudicação.
tratamento, local a ser infiltrado, tempo de latên-
O acompanhamento clínico ocorreu durante o pe-
ríodo de doze meses, através de ligações bimestrais ao cia e meia vida do fármaco e o prognóstico do caso
proprietário e avaliações presenciais semestrais, sendo o clínico. Além disso, a neurólise química compõe
paciente retornou às cavalgadas mais longas e não apre- tratamento paliativo, pois não altera ou modifica a
sentou claudicação durante esse período. progressão da condição patológica; e sempre deve
ser precedida de bloqueio anestésico local, buscan-
DISCUSSÃO do avaliar a perda proprioceptiva do animal e pos-
O tratamento inicial com infiltrações intra-arti- sível interrupção de indicação (Escodro et al. 2011).
culares de triancinolona e glicosaminoglicanos não O bloqueio anestésico do nervo tibial não causa
sulfatados (acido hialurônico) condizem aos indi- déficit de propriocepção em equinos, atribuindo-se
cados na literatura para tratamentos de osteoartri- a diminuição no grau de claudicação pelo bloqueio
tes crônicas em equinos. Ainda, as aplicações intra- com lesões em ligamento suspensório do boleto e
venosas de acido tilurônico (tiludronato) têm sido região metatársica proximal plantar (Moyer et al.
indicadas de maneira positiva em casos de OAT 2007). Assim, segundo Moyer et al. (2007), o blo-
em equino, pois promovem apoptose de osteoclas- queio desse nervo não apresentaria resultado po-
tos (Zubrod et al. 2005, McIlwraith, 2013). Porém, sitivo no caso descrito, visto que a lesão articular
Kamm et al. (2008) ressaltam, através de revisão intertársica distal, no aspecto dorso-medial, não se-
sobre o fármaco em equinos, que o uso na espécie ria alvo da analgesia proporcionada pela técnica.A
ainda não tem eficácia comprovada, devido aos partir dos autores, dois fatores devem explicar o
resultados terapêuticos variáveis. Avaliando que ocorrido: subjetividade de avaliação pelos médi-
o tratamento conservativo não obteve resultado cos veterinários; ou lesão concomitante nas regiões
positivo, mesmo com um repouso prolongado, as anatômicas supracitadas ( o que não foi detectado
condutas cirúrgicas se tornavam indicadas para o em exames complementares). Porém, em biblio-
paciente, no intuito principal de analgesia e possí- grafia menos recente, Berg (1978) atribui ao nervo
vel retorno à função anteriormente desempenhada. tibial propriedades sensitivas sobre a toda a região
Segundo Zubrod et al.(2005), quando o trata- medial distal ao calcâneo, assim o bloqueio causa-
mento conservativo terapêutico para OAT não sur- ria analgesia parcial, conforme constatado no caso.
tir efeito, a artrodese torna-se a primeira indicação Considerando o bloqueio anestésico dos nervos
terapêutica paliativa, podendo ser realizada de fibulares, a maior controvérsia é o efeito mecâni-
forma química (principalmente através da injeção co causado pelo mesmo, que segundo Moyer et al.
intra-articular de monoiodoacetato de sódio) ou ci- (2007) pode resultar em déficits proprioceptivos,
rúrgica, através de destruição articular e utilização com o cavalo apresentando o sinal de elevação im-
de placas ou parafusos, ou ainda, através de utili- precisa e insuficiente do membro, ou seja, apresen-
zação de laser (Zubrod et al. 2005). Bohanon (1999) tar-se arrastando o pé. Esse fato inviabilizaria o uso
também indica a tenectomia do cuneano (TC) para de neurolíticos terapêuticos paliativos nos nervos
fibulares superficial e profundo, porém não foi ob- nervos tibial e fibulares mantiveram o equino por-
servada essa alteração durante o bloqueio anestési- tador de OAT na atividade antes desenvolvida por
co no paciente. 12 meses, podendo ser considerada como opção te-
A ausência de déficits proprioceptivos no caso rapêutica para a enfermidade. A partir do relato,
descrito pode ser explicada por dois motivos prin- levanta-se a necessidade de mais pesquisas sobre
cipais, sendo o primeiro a deposição de anestésico a utilização da terapia neurolítica em nervos do
em local impreciso, não acarretando a interrupção membro pélvico associada à tenectomia do cunea-
da condutividade nervosa, porém essa hipótese é no para tratamento de OAT.
descartada, visto que o animal cessou a claudicação
após a analgesia dos nervos fibulares. O segundo Agradecimentos. Ao Conselho Nacional de Desen-
motivo são as variações individuais das ramifica- volvimento Científico e Tecnólogico (CNPq) pelo finan-
ções nervosas dos nervos fibulares, já comprova- ciamento de bolsas para execução do Projeto Avaliação
clínica e motora de equinos submetidos à infiltração pe-
das em estudo de Iglesias, Silva & Vasconcelos
rineural de composição neurolítica com patente requeri-
(2012) com nervos fibulares de fetos equinos, onde da no Brasil e exterior e ao Núcleo de Inovação Tecnoló-
comprovaram diferenças significativas entre as ra- gica da Universidade Federal de Alagoas (NIT-UFAL),
mificações nervosas dos nervos fibulares superfi- pelo apoio incondicional à viabilização da combinação
cial e profundo sobre os músculos extensor lateral farmacológica veterinária desenvolvida.
do dedo, extensor longo do dedo, tibial cranial e
fibular terceiro. REFERÊNCIAS
Assim, quando optar-se pelo uso de neurolíti- Berg R. Regiones del miembro pelviano, Regiones membri pelvini,
cos, deve-se realizar o bloqueio anestésico prévio, p.348-397. In: Berg R. (Ed.), Anatomía topográfica y aplicada de los
animales domesticos. Editorial AC, Madrid. 1978.
buscando-se descartar déficits proprioceptivos e in-
Bohanon T.C. The tarsus, p.848-861 In: Auer J.A. & Stick J.A. (Eds),
terpretar qual grau de analgesia obtido, lembrando Equine Surgery. 2rd ed. Saunders Company, 1999.
que a terapia apenas é indicada para síndromes de- Dowling B.A., Dart A.J. & Matthews S.M. Chemical arthrodesis of the
generativas crônicas, não responsivas ao tratamento distal tarsal joints using sodium monoiodoacetate in 104 horses.
Australian Veterinary Journal, 82:1-2, 2004.
conservativo, como o caso de OAT descrito. O risco Eastman T.G., Bohanon T.C., Beeman G.M. & Swanson T.D. Owner
para o conjunto (cavalo/cavaleiro) sempre deve ser survey on cunean tenectomy as a treatment for bone spavin in per-
colocado na primeira linha de discussão sobre o uso formance horses. Proceeding of the American Association of Equine
de neurolíticos, sendo que no relato aqui descrito o Practice, 43:121-122, 1997.
Escodro P.B., Tonholo J., Thomassian A., Nascimento T.G. & Vila-
animal era um macho castrado de cavalgada (traba- ni R.G.O.C. Considerações acerca dos fármacos neurolíticos na
lha em baixa velocidade), sem outra finalidade, com medicina equina. Revista Brasileira de Medicina Equina, 35:26-31,
síndrome degenerativa articular e que não apresen- 2011.
Iglesias L.P., Silva F.O.C. & Vasconcelos B.G. Distribuição do nervo fi-
tou déficit proprioceptivo ao bloqueio anestésico bular comum em fetos de equinos e descrição anatômica de pontos
prévio, indicando-se a terapia instituída. para bloqueio anestésico. Pesquisa Veterinária Brasileira, 32:672-676,
Em relação à CNE utilizada nos bloqueios peri- 2012.
neurais do tibial e fibulares, a composição neurolí- Kamm L., McIlwraith W. & Kawcak C. A Review of the Efficacy of Ti-
ludronate in the Horse. Journal of Equine Veterinary Science, 28:209-
tica mostrou eficácia de seis meses na dessensibili- 214, 2008.
zação dos nervos palmares de equinos, com ação Labens R., Innocent G.T. & Voûte L.C. Reliability of a quantitative rat-
mais prolongada em relação a outros fármacos ing scale for assessment of horses with distal tarsal osteoarthritis.
Veterinary Radiology and Ultrasound, 48:204-211, 2007.
como cloreto de amônio, fenóis e álcoois, sem cau-
McIlwraith C.W. Surgical versus conservative management of osteo-
sar efeitos indesejáveis como neurite e dor na infil- chondrosis. Veterinary Journal, 197:19-28, 2013.
tração (Escodro et al. 2011). No caso descrito não Moyer W., Schumacher J. & Schumacher J. A Guide to Equine: Joint in-
foi observado dor no pós-operatório ou reações jection and Regional Anesthesia. Veterinary Learning Sistems, Yard-
ley, 2007. 111p.
dolorosas ou de fibrose locais após as infiltrações. Stashak T.S. Claudicação em equinos segundo Adams. 5ª ed. Roca, São
Paulo, 2006, p.137-138, 459, 501, 887.
CONCLUSÃO Zubrod C.J., Schneider R.K., Hague B.A., Ragle C.C., Gavin P.R. &
Kawcak C.E. Comparison of Three Methods for Arthrodesis of the
A tenectomia do cuneano associada à infiltração Distal Intertarsal and Tarsometatarsal Joints in Horses. Veterinary
perineural de composição neurolítica etanólica nos Surgery, 34:372-382, 2005.