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Disputa de limites entre Rio e Minas

Nilza Cantoni1

Pelo Alvará de 9 de março de 1814, criando a Vila de Cantagalo, ficou


estabelecido que as divisas entre Rio de Janeiro e Minas Gerais seriam marcadas
pelo rio Paraíba do Sul.

Conta-nos Xavier da Veiga[i] que não havia disputa entre as províncias até
que, em 1833, surgiu um questionamento sobre as divisas entre autoridades de
Aldeia da Pedra e do distrito de Santa Rita do Meia Pataca (atual Cataguases). Em
1836 voltaram a ocorrer disputas, agora entre as câmaras de Campos dos
Goytacazes e do Pomba. Três anos depois, os juízes de paz de Aldeia da Pedra e
Feijão Cru (hoje Leopoldina) enfrentaram-se sobre o mesmo tema, passando o ano
de 1839 a marcar o início de uma série de desordens que se estenderam até 1842.

A solução do problema veio através do Decreto Imperial nº 297 de 19 de maio


de 1843, que estabelecia, em seu Artigo 1º:

os limites entre a Província do Rio de Janeiro e de Minas Gerais


ficam provisoriamente fixados da maneira seguinte: começando pela
foz do Riacho Prepetinga no Parahyba, subindo pelo dito Prepetinga
acima até o ponto fronteiro à barra do ribeirão de Santo Antônio no
Pomba, e dahi por uma linha recta à dita barra de Santo Antonio,
correndo pelo ribeirão acima até a serra denominada Santo Antonio
e dahi a um logar do rio Muriahé, chamado Poço Fundo, correndo
pela serra do Gavião até a cachoeira dos Tombos do rio Carangola,
e seguindo a serra do Carangola até encontrar a província do
Espírito Santo.

1Artigo inicialmente publicado em www.cantoni.pro.br em maio de 2005 e republicado, no todo ou em


parte, em outras publicações da autora.
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No alto, à esquerda, destacada em vermelho a linha divisória entre Rio e Minas segundo cartografia
de 1856, e a localização de Leopoldina, antigo Feijão Cru.

Ocorre que, em de outubro de 1842, Honório Hermeto Carneiro Leão (depois


Marquês do Paraná) como Presidente da Província do Rio de Janeiro havia lavrado
uma Portaria alterando os limites estabelecidos em 1814. Esta atitude gerou
inúmeros protestos, tanto de autoridades mineiras como fluminenses. Logo depois
Carneiro Leão deixou a presidência e assumiu a pasta da Justiça. No cargo de
Ministro do Império foi-lhe fácil obter a promulgação do Decreto Imperial nº 297 que
abonava a Portaria que ele, Carneiro Leão, havia definido inadequadamente, já que
como presidente de província não tinha poderes para alterar as divisas. Nem assim
o agora Ministro conseguiu aplacar os ânimos.

Ainda em outubro de 1843 foi requerido o levantamento topográfico dos


municípios do Presídio (Visconde do Rio Branco), Pomba e São João Nepomuceno.
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No decorrer do processo de revisão dos limites foram confirmadas as divisas


estabelecidas pelo Decreto 297 que, desta forma, deixaram de ser provisórias. No
que concerne a Leopoldina, então Curato de São Sebastião do Feijão Cru, seus
limites com a província do Rio de Janeiro “tanto no civil como no eclesiástico”
ficaram assim definidos: “começando da barra do rio Pomba no Parahyba, e por este
acima até o riacho Perapetinga, abrangendo todas as suas vertentes”.

Entretanto, autoridades fluminenses questionaram o direito de Minas legislar


sobre o Curato do Feijão Cru, por estar subordinado ao Bispado do Rio de Janeiro.
Mas não encontraram respaldo no governo central e ficou definido que o limite entre
Rio e Minas, naquela região, começaria na foz do Pirapetinga no rio Paraíba do Sul,
subiria pelo Pirapetinga até encontrar o ponto fronteiro à barra do ribeirão Santo
Antônio do Pomba, seguindo daí em diante o curso do Santo Antônio até o ponto do
rio Muriaé chamado Poço Fundo, em seguida correndo pela serra do Gavião até a
cachoeira dos Tombos, no rio Carangola, e seguindo a serra do Carangola até
chegar na divisa com o Espírito Santo.

Portanto, não restaram dúvidas de que o Curato do Feijão Cru, elevado a Vila
e Cidade da Leopoldina pouco tempo depois, pertencia à província de Minas Gerais.
Diferentemente do que aconteceu em Patrocínio do Muriaé e localidades adjacentes,
com os moradores recusando-se ao alistamento[ii] por acharem-se sujeitos ao Rio
de Janeiro, em Leopoldina não houve nenhum problema desta natureza. Quando
começaram as disputas entre fluminenses e mineiros em 1882, o território reclamado
já estava desmembrado de Leopoldina há mais de uma década. Diga-se, a bem da
verdade, que os litígios do final do século XIX atingiam região que só esteve
subordinado a Leopoldina entre 1854 e 1871.

Entre 1843 e 1897 porém, o território do antigo Curato do Feijão Cru esteve
subordinado civilmente a Minas Gerais e suas igrejas vinculadas ao Bispado do Rio
de Janeiro. Pelo que se pode observar na documentação remanescente[iii], a
mudança para o Bispado de Mariana ocorreu sem conflitos.

Segundo certidão do Bispado de Mariana, extraída de registro do Cartório


Eclesiástico de Mariana em 21 de janeiro de 1852, a dúvida a respeito dos limites
entre os Bispados de Mariana e Rio de Janeiro teria origem na dificuldade de
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interpretar a Bula Condor Lucis Eterna, de 6 de dezembro de 1746, na qual o Papa


Bento XIV criou o Bispado de Mariana, desmembrado do Bispado do Rio de Janeiro.
O Cônego Luiz Antônio dos Santos foi encarregado de resolver a pendência em
1852, tendo confrontado os termos da citada Bula com o testemunho “dos homens
mais antigos daqueles lugares”, como informa o registro do processo. Os limites
foram assim definidos:

 1 – Desde a foz do Kagado até suas cabeceiras na serra de Domingos


Ferreira, ficando a direita para o Bispado do Rio de Janeiro: Curato do
Espírito Santo.
 2 – Por todo o espigão da dita serra até tocar no rio Pomba, perto do Meia
Pataca, sendo do Bispado do Rio as Dores do Rabicho e todo o território
cujas águas vertem para os rios Novo e Pomba.
 3 – Pelo rio Pomba abaixo até o espigão que divide as águas do rio Baraúna
das águas do rio Capivara, sendo de Mariana o território cujas águas vertem
para o Baraúna e do Rio de Janeiro o território cujas águas vertem para o
Capivara.
 4 – Continuando pelo dito espigão até que as águas vertam para o rio São
João e Capivara, e subindo até o espigão que divide as águas do Pomba das
águas do Muriaé.
 5 – Subindo por este espigão para o Nascente até encontrar com a linha que
divide as duas Províncias do Rio e Minas provisoriamente, e seguindo-a até o
Poço Fundo do rio Muriaé.
 6 – Subindo do Poço Fundo ao território do Arraial dos Tombos, sendo de
Mariana todas as famílias descendentes de Antônio Rodrigues dos Santos,
fazendas de José de Lana, José Custódio e Lopes, e as mais que atualmente
dão obediência a Mariana.
 7 – Dos Tombos subindo a serra, que divide as águas do Carangola das
águas do rio Preto até a serra que fica à esquerda do rio Veado.
 8 – Da dita subindo a serra dos Pilões até a Província do Espírito Santo.

Desta forma, em 1855 pertenciam ao Bispado do Rio de Janeiro:


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- Freguesia de Mar de Espanha com os curatos do Espírito Santo do Mar de


Espanha (Guarará) e Santo Antônio do Aventureiro;

- Freguesia de São Sebastião da Leopoldina com os curatos de Madre de


Deus do Angu (Angustura), Nossa Senhora da Piedade (Piacatuba), Nossa Senhora
da Conceição da Boa Vista, São José do Além Paraíba e Bom Jesus do Rio Pardo
(Argirita).

Nos anos subseqüentes alguns curatos foram elevados a freguesias e outros


foram criados. Na década de 1860 aparecem também, nos domínios do Bispado do
Rio de Janeiro, o Curato Nossa Senhora das Dores do Monte Alegre que
corresponde ao atual distrito de Taruaçu, município de São João Nepomuceno;
Santo Antônio do Mar de Espanha (Chiador), e São Francisco de Assis da Capivara,
correspondente ao atual município de Palma.

A transferência que faria coincidir a subordinação civil com a paroquial veio


com o Decreto Pontifício de 16 de julho de 1897. Depreende-se da leitura de
Raimundo Trindade [iv] que neste Decreto Pontifício a Igreja antecipou-se ao
governo civil, resolvendo também a disputa pelo território de Miracema alguns
meses antes do Acordo civil de 4 de setembro de 1897.

Fontes:

[i] VEIGA, João Pedro Xavier da. Notícias Histórica da Questão de Limites entre os
Estados de Minas Geraes e Rio de Janeiro. Revista do Arquivo Público Mineiro,
Ouro Preto, v. 4, p.332-376, 1899.

[ii] Por alistamento entenda-se o procedimento de identificar os moradores com


vistas ao lançamento de tributos, à qualificação eleitoral e convocações militares.

[iii] DOCUMENTOS Eclesiásticos sobre as divisas do Bispado de Mariana. Revista


do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, v. 11, p.433-446, 1906.

[iv] TRINDADE, Raimundo da Archidiocese de Mariana: subsídios para a sua


história. São Paulo: SPLCJ, 1928-29, 3 volumes.

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