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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES

UNIDADE ACADÊMICA DE HISTÓRIA

DISCIPLINA: HISTÓRIA DO BRASIL IV

PROFESSOR: JOSÉ BENJAMIM MONTENEGRO

ALUNA: ROBERTA DOS SANTOS ARAÚJO

FERREIRA, Jorge Luís. O carnaval da tristeza – Os motins Urbanos do 24 de Agosto. In.


Vargas e a Crise dos Anos 50. GOMES, Ângela de Castro (Org.) Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1994. pp.61-96.

O ano de 1954 foi o recorte temporal escolhido pelo historiador Jorge Luís
Ferreira para apresentar um estudo sobre a atuação das multidões na história do nosso
país. Os personagens que Ferreira nos apresentam são aqueles que, durante um longo
período de tempo, estiveram longe das linhas da escrita da história, ou seja, as massas, as
multidões. O pano de fundo para o traçado da escrita do autor é o Brasil impactado pelo
suicídio do então presidente Getúlio Dorneles Vargas. O Carnaval da tristeza, ao qual o
título do artigo faz referência, nada mais é que a agitação que tomou conta do país ao ser
noticiada a morte daquele que era considerado o “pai dos pobres”, o “amigo dos
trabalhadores”, enfim, o popular político que encabeçava o poder no Brasil há mais de
uma década.
Portando uma narrativa linear e extremamente agradável, do ponto de vista
estético, quase literário, o autor reconstitui, lançando mão de jornais e revistas que
circulavam à época, o turbulento dia 24 de agosto de 1954. A notícia do suicídio de
Vargas, segundo análise de Jorge Ferreira, pegou partidários e opositores do presidente
de surpresa. Os relatos jornalísticos analisados pelo historiador, mostram que o Brasil
parou diante da morte de seu governante. O Rio de Janeiro, cidade onde concentrava-se
todo o aparato político do Estado Nacional, foi o primeiro palco das agitações que
surgiram com a consternação provocada na multidão carioca pela notícia da morte do
presidente.
A oposição de Getúlio Vargas, tendo como mais emblemático represente o
Partido da União Democrática Nacional (UDN), que há meses vinham desempenhando
uma ardilosa campanha na tentativa de deslegitimar o governo e, usando como arma para
tal a imprensa radiofônica e impressa, não contava, assim como todo o povo brasileiro,
com o trágico desfecho que o político gaúcho daria a sua própria vida. Neste ínterim, o
imaginário da crise, midiatizado pela oposição, praticamente desapareceu do seio popular
para entrar em seu lugar um verdadeiro sentimento de revolta e de repugnância para com
os opositores de Vargas. O povo reagiu com sentimentos de consternação e revolta, e o
seu principal alvo era a oposição.
Os símbolos, como lembra Ferreira, são bens que geram, em tempos de crise,
disputas políticas. Em 1954, a oposição disputava, simbolicamente, o imaginário da
população brasileira ao construir, em torno da figura e do governo de Getúlio, uma forte
ideia de crise e “doença” moral e política com a finalidade de deslegitimá-los perante a
sociedade e, consequentemente, obter alguns votos em campanhas futuras. Porém, com o
a morte do presidente, foi a multidão que passou a usar os ditos bens simbólicos. O
imaginário criado dentro dos motins que explodiram nos quatros cantos do país naquela
data, foi o da destruição dos símbolos que representavam a oposição.
Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Recife, Salvador,
Natal e Teresina foram as capitais que Jorge Luis Ferreira identificou revoltas populares
que se levantaram contra os líderes locais que faziam oposição ao presidente morto. O
poder simbólico, para usar a máxima de Pierre Bourdieu, foi demasiadamente utilizado,
pela oposição antes de 24 de agosto, e após esta data pelos revoltosos que se levantaram
após o suicídio de de Getúlio Vargas. Jornais ligados à oposição, sedes de partidos, casa
de líderes opositores, faixas que se encontravam nas ruas destas capitais, cartazes, etc.,
foram alvos da fúria da multidão revoltada.
A oposição era o alvo, as revoltas populares que explodiram naquele 24 de
agosto foram motivadas, dentre outras coisas, pelo imaginário de que a oposição era a
responsável pela morte do “pai dos pobres”, sendo assim, os amotinados não pouparam
as ações de destruição dos bens simbólicos da oposição. Invadiram, incendiaram,
quebraram prédios onde funcionavam órgãos que faziam oposição ao governo. O autor
chama atenção para o fato de que estes revoltosos não fizeram apropriação de bens
materiais (dinheiro, móveis, etc) ao invadirem estes espaços pertencentes aos adversários
políticos de Vargas, pelo menos nos documentos por ele analisados não há registros de
fatos desta natureza. O poder simbólico, atrelado ao que Thompson de chama de
“economia moral” falaram mais alto que o poder material e de apropriação do dinheiro e
dos bens alheios.
A dor da morte do presidente Vargas, segundo a orientação dos que se
manifestaram contra os fatos ocorridos no palácio do Catete, deveria ser sentida por todos.
O luto deveria estar visível pelas ruas das cidades, o preto e todos os simbolismos que
circundam a morte deveriam ser internalizados pelos brasileiros. Quando as massas
tomaram as ruas foram em busca de atingir os adversários, tidos como culpados pela
morte do presidente, e com a finalidade de “oficializar” o luto em suas cidades. Era uma
exigência da multidão, quem não expressasse esse sentimento, seja por meio do preto nos
estabelecimentos, seja na bandeira a meio mastro, automaticamente era remetido a
opositor e, portanto, cumplice daqueles que levaram Vargas a suicidar-se.
Os atos de revolta da multidão consternada pela morte do presidente se
espalharam pelo país, o que não impediu a ação rápida do braço armado do Estado. Nas
capitais aqui citadas, a ação repressora da polícia e do exército foram eficazes e em poucas
horas os motins eram silenciados e esvaziados. Foram registrados muitos casos de feridos,
em alguns lugares até mesmo mortos. A multidão levantou-se para protestar e para dar o
último adeus ao presidente. No Rio de Janeiro, na ocasião do velório, o número
exorbitante de pessoas que foi desejava ver Getúlio morto, gerou verdadeiro tumulto e
desordem, Ferreira mostra que há registros de feridos e até de pessoas pisoteadas.
A morte de Vargas chocou o país e a sua repercussão se deu entre atos de
protestos e de homenagens. Até mesmo a oposição deixou de lado os ataques que outrora
desferiu contra o presidente e, talvez por medo de represália ou por mera diplomacia e
intencionalidades políticas, reservou algumas palavras de pesar para a ocasião. A
multidão, que na escrita de Ferreira ganha o merecido espaço, foi a protagonista das ações
que culminou naquele carnaval de tristeza que desfilou nas principais capitais do país. O
povo ordeiro e feliz deu vez a uma multidão agitada e triste.
A Nova História políticas ganha contorno claro nas linhas escritas por Jorge
Luis Ferreira. O imaginário, as representações e os símbolos, atrelados ao poder, são
ferramentas que estão aptas ao exercício de análise do historiador do político, e o autor,
com clareza e rigor metodológico, fez um excelente e envolvente trabalho. As revoltas
que explodiram no dia 24 de agosto servem para ilustrar a força da multidão, o poder
simbólico presente dentro de um movimento de massas e, na minha opinião, serve para
identificarmos o poder simbólico da morte no cenário político, poder este gerador de
revolta e de resignação até mesmo de opositores.

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