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Resumo
Introdução
Os embates discursivos da mídia, que harmonizam discursos ideológicos,
dominantes, políticos e hegemônicos, fazem parte do dia-a-dia do cidadão comum,
direcionando, pautando e (re)produzindo suas identidades, ideologias e angústias.
Diversos teóricos, como Douglas Kellner (2001) e Roger Silverstone (2002) têm se
dedicado a estudar os dispositivos comunicacionais e os discursos midiáticos, numa busca
de entender as novas possibilidades da esfera pública.
Diante dos discursos presentes na cultura da mídia, harmonizados por interesses
privados e públicos que se confundem, as noções de moralidade sempre se mostram
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Trabalho apresentado na Divisão Temática Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XII Jornada de
Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação
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Recém-formado no curso de Comunicação Social - Jornalismo da UFPE, email: danlima_@hotmail.com
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Orientador do trabalho. Professor do curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFPE, email:
thikos@gmail.com
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1. 4 De acordo com a perspectiva de Nuno Cesar Abreu em “O olhar pornô” (1996), a obscenidade vem à cena
através de diversos objetos culturais. Obras pornográficas ou eróticas, por exemplo, são abordadas como duas
vertentes das possibilidades obscenas. Assim, a indústria da obscenidade engloba a indústria pornô, obras
eróticas e/ou suas hibridações, dentre outras coisas.
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que é comumente retratado como um ser sedutor que estabelece uma relação bastante
relevante com a morte e com o sexo, vide Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive,
2013), Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987) e a saga adolescente Crepúsculo (The
Twilight Saga, 2008 - 2012).
Em meio a produções vampirescas do universo pop mais recentes, True Blood
(2008-2014), da HBO, é uma série que ficou bastante popular por abordar o vampirismo
frente relações de violência e sexo extremas, bebendo de fontes como a indústria
pornográfica e filmes gore, ao mesmo tempo em que aborda a repressão sexual da moral
americana e seus grupos fundamentalistas.
Tendo isto em mente, podemos pensar que True Blood, por ser essencialmente
uma “série de vampiro”, surgiu a partir de um panorama midiático que possibilitou a
recriação da figura do monstro, que vem reaparecendo também em outras produções mais
recentes, trazendo, cada uma, um diferente universo que se conecta com a mitologia e
representação dos demais. Baseado nisso, este artigo traz algumas reflexões sobre os
aspectos morfológicos do vampiro de True Blood postos frente sua sexualidade, com o
intuito de criar relações que analisem o vampiro enquanto ser que ora transgride ora se
harmoniza com a moral ideológica.
Enquanto muitos trabalhos se dedicam a estudar a representação do corpo e o
contexto pornográfico da série, podemos pensar que um estudo mitológico da figura
monstruosa do vampiro no universo de True Blood, pode, também, ajudar a iluminar
algumas problematizações sobre a forte eroticidade presente não só no universo desta
narrativa seriada específica, mas também na figura do vampiro que, se atravessa gerações
enquanto um ser desejante e sedutor, é também reinventado regularmente sem, nunca,
perder o seu frisson.
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angústias humanas, principalmente nas relações sexuais, que estabelecem entre si e com
humanos.
Primeiramente, é importante ressaltar que se True Blood, como um todo, se tornou
famosa também por abusar de referências da cultura midiática consideradas
ultrapassadas, como ocorre em filmes de horror antigos, o exagero da estética camp é
visivelmente explorado quando os monstros estão em cena.
Segundo Susan Sontag (1987), a essência do camp existe na predileção pelo
exagero e pelo artifíco; pelo inatural. É uma sensibilidade que não existe na natureza, já
que é “uma maneira de ver o mundo como um fenômeno estético”. (SONTAG, 1987, p.
320). Fenômeno estético este que coloca a imagem tão gritantemente em exagero
estilístico que, quando não ultrapassa o conteúdo, configura por si só um discurso paralelo
ao abordado, já que dá ênfase ao estilo.
Em True Blood, o camp aparece em vários âmbitos (à exemplo da estereotipia do
sul norte-americano e de algumas cenas em boates, a partir de ambientes gay), mas, na
monstruosidade, se dá pelo exagero na estética trash5, que referencia constantemente os
filmes antigos, em que os efeitos especiais não eram ainda digitalizados e, assim, as
produções se utilizam de truques para criar a realidade dos monstros no cinema, o que
muitas vezes expunha muito o dispositivo técnico adotado. Em filmes de lobisomens, por
exemplo, era bastante comum que a transformação de humano para a figura meio-homem-
meio-lobo fosse feita a partir de uma sobreposição de imagens, em que a cada nova
imagem sobreposta o ator aparecia cada vez mais maquiado e montado como o monstro
em questão. Se na época este tipo de recurso podia impressionar, com a passagem do
tempo é quase impossível que o espectador contemporâneo veja cenas do tipo sem
evidenciar os mecanismos técnicos que permitem a transformação, vivenciando a cena
com um certo distanciamento.
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Estética que se refere a filmes, geralmente de terror, de baixo orçamento em que, sem recursos para investir
em bons efeitos especiais, acaba assumindo uma estética vista como mal acabada. Desta forma, as obras
deste tipo acabam colocando em evidência as condições de produção do filme, o que passou a constituir
uma espécie de subgênero do horror: o trash. Hoje, muitos filmes referenciam este tipo de estética de forma
estilística e, às vezes, são acompanhados também por um roteiro non-sense¸ assumidamente mal amarrado
e com pegada cômica.
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True Blood, apesar de ter recursos para criar efeitos digitalizados e no padrão de
grandes produções da TV americana, faz constante referência a este tipo de
transformação, utilizando sobreposição de imagens e brincando com o inusitado, já que
não se espera que este tipo de efeito seja implementado nos dias atuais, à exemplo dos
dentes de vampiro, que não só se transformam em presas por meio da técnica acima
citada, mas aparecem com um som de clique e por meio de próteses colocadas nos dentes
laterais dos atores e não nos caninos, como seria habitual.
Para Sontag, existem dois tipos de camp, o que o pretende ser e o que o é por
ingenuidade. O primeiro é aquele que faz referências a estéticas e obras reconhecidamente
camps, normalmente de outra geração, como é o caso de cineastas como Quentin
Tarantino, que, com sua ultraviolência retrô, referencia filmes de gênero bem específicos
e que não são comumente mais produzidos tecnicamente como eram, a não ser pelas
escolhas específicas do diretor em questão. O segundo tipo é constituído por obras que
são feitas sem que o realizador tenha consciência de que elas podem ser lidas por uma
sensibilidade camp, como é o caso das óperas do período bel cantista, que, em excessos
de dramas, tinham uma clara predileção pela estética, com grandiosidade e riqueza de
detalhes em composições densas que contavam com grandes explosões de agudos a cada
música da partitura.
No que diz respeito aos monstros, True Blood é uma série que escolhe o exagero
e o estilo démodé como formas de reforçar à referência ao cinema de horror antigo, o que
dá um caráter conscientemente jocoso ao seriado, numa pretensão de atingir uma
sensibilidade camp. Uma vez acostumado e ambientado com o universo, conhecidas as
regras da brincadeira, é possível, entretanto, perceber muita seriedade mesmo em aspectos
que antes pareceriam ridículos. O camp, de certa forma, confronta a regra de que o bom
gosto é composto unicamente pelo elitista e requintado, pois traz em si uma sensibilidade
naquilo que, pela inteligenza, seria lido como too much.
Uma vez situado estilisticamente o lugar midiático em que estes monstros estão -
no camp, entre o horror, o erótico e o cômico - podemos refletir mais sobre a
monstruosidade em si.
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A partir daí, podemos pensar que o monstruoso se configura como aquilo que foge
aos padrões normativos sociais, à um ponto tão essencial que passa pela sua constituição
natural-biológica enquanto ser. Esta condição afeta, de alguma forma, a maneira como o
monstro se comporta socialmente e a identidade que cria perante a sociedade.
Calabrese escolheu quatro dentre as categorias de valor da sociedade para ajudar
a localizar monstros a partir de algumas de suas características; são elas: ética, estética,
morfológica e tímica. Segundo o autor, as categorias de valor são facilmente homologadas
no senso comum entre si, isto é, se um ser possui uma ou duas delas negativamente, ou
seja, fugindo da normatividade, é comum que se associe que as outras também sejam
negativas. Se um monstro é morfologicamente disforme, por exemplo, no senso comum
é provável que ele seja lido como esteticamente feio. A interseção e as formas como as
homologações e combinações se dão é o que, na análise de Calabrese, ajuda a criar
ferramentas para refletir sobre a criação de monstros na mídia. Portanto, trago aqui a
tabela desenvolvida por ele para que possamos refletir melhor sobre os vampiros de True
Blood, utilizando algumas de suas ferramentas nas análises que desenvolveremos neste
artigo.
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6Em “O erotismo”, Bataille (2013) dialoga sobre a relação da energia erótica com a transcendência, pontuando que o
ser humano existe por meio da individualidade, sendo limitado por aspectos subjetivos e materiais, como o seu próprio
corpo e mente. Assim, tendemos a buscar a transgressão desses limites, através dos quais deixaríamos de ser seres
descontínuos para nos tornarmos seres contínuos, inteiramente conectados com o universo e dissolutos fisicamente.
Para o autor, a reprodução sexuada traz uma sensação de continuidade no novo ser individual e descontínuo gerado.
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7 À luz de Michel Foucault, o autor Diego Paleólogo (2011), refletiu sobre a passagem da sociedade sanguínea para
uma sociedade do sexo. Entendendo dispositivo como uma noção que “engloba uma série de elementos heterogêneos
que se entrecruzam” em que “o dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos” (PALEÓLOGO,
2011, p. 13), Paleólogo aborda o reconhecimento do dispositivo sanguíneo, que dialoga com todas as metáforas,
símbolos, materiais, usos e práticas possíveis na conexão com o sangue. O sangue, até o final de 1800, era um elemento
essencial para a relação que o poder exercia na sociedade, tanto pela forma como influenciou a valoração de
determinadas famílias, e assim dividia sanguineamente a sociedade europeia, como pela força que exerce na realidade
simbólica; pelo poder representativo com que se relaciona com a guerra, com os suplícios, pela facilidade com a qual
se mistura e, assim, cria novas possibilidades.
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Rose Marie Muraro (2002), ao se utilizar da teoria freudiana para refletir sobre o
processo de formação sexual no indivíduo, explica que o desejo representa uma estrutura
mais básica do que o próprio pensamento, já que pulsões básicas e primitivas (como
comer e beber) surgem a partir de uma carga biologicista. Desde cedo, porém, o ser
humano lida com a frustração da materialidade que não cumpre seus desejos; querer e
realizar são coisas, mesmo na natureza, bastante distantes. Estes corpos, que desde a
infantilidade entram em contato com o mundo social, são esmagados através de diversas
instâncias pelas quais os indivíduos precisam harmonizar e desarmonizar suas pulsões.
Questões como o Eros e o Instinto de morte, que em muito se assemelham com a visão
de Bataille sobre o desejo por continuidade, figuram entre as principais delas.
A criança, que a princípio ainda tenta assimilar a cultura, desenvolve em si uma
espécie de sexualidade polimorfa, em que não diferencia os prazeres entre sexuais e não-
sexuais, tendo um corpo integrado. Para uma criança recém-nascida, comer, beber e
defecar, por exemplo, não passam por um processo de culpa nem de obediência ao mundo
do trabalho, e, assim, evocam um prazer que se direciona para todos os âmbitos de sua
vida. Pouco a pouco, enquanto desenvolve-se e cresce, apreendendo e tendo seu corpo
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um segundo órgão sexual do vampiro, o sangue seria o seu segundo gozo. Não à toa, no
universo da série, o sangue de vampiro tem propriedades de drogas quando ingerido por
humanos: altamente afrodisíaco e excitante, é alucinógeno, viciante e transcendental,
quase como se permitisse ao humano uma vivência tão intensa da sexualidade vampírica
que desejar, gozar e fazer sexo viram um só êxtase.
É bastante comum no seriado que as cenas de sexo entre humanos e vampiros,
principalmente quando o universo ainda estava sendo apresentado ao público, fossem
montadas de forma a dar grande valorização ao momento em que, durante o sexo, o
parceiro humano é mordido. Em diversas cenas, uma vez que o clima já está ambientado
e ambos os personagens aparecem sem roupas, é recorrente que se mostre em plano-
detalhe as presas surgindo na boca do vampiro, sempre antes da penetração. Este tipo de
recurso, que mostra um símbolo fálico crescendo, como uma ereção, remete muito aos
shots de genitália do pornográfico hardcore, em que o pênis é filmado em close logo antes
de dar início à penetração.
Após a penetração peniana, nas cenas da série, o momento da penetração das
presas no corpo do parceiro ou da parceira também surge em extrema ênfase, indicada
pela música que cresce, pelos gemidos que aumentam, pelo enquadramento que fecha.
Nuno Cesar Abreu (1996), ao discutir a estética do pornô hardcore, chama atenção para
o som que, com adição de trilha sonora e gemidos inseridos na pós-produção, ajuda a
potencializar a experiência pornográfica, pois “diferentemente da imagem, o som não
possui enquadramento, irradiando-se por toda a sala, ele envolve o espectador” (ABREU,
2002, p. 99), o que gera uma satisfação auditiva bem particular. Em True Blood, o
crescimento do som com o simbolismo da mordida do vampiro ajuda a criar a sensação
de penetração, aludindo aos shots pornográficos em que o pênis adentra algum orifício.
O sangue que logo em seguida escorre pelo corpo alude, quase imediatamente, às
secreções sexuais e ao gozo.
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Figura 1 Sookie e Bill se beijam enquanto transam e deixam o sangue escorrer pelo corpo da protagonista
Crédito: Divulgação
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Considerações Finais
A morfologia do vampiro, assim, está extremamente associada às suas presas, que
em True Blood são retráteis. Desta forma, a deformidade que apresentam enquanto
monstros é bimodal, além de pequena e extremamente atrativa ao desejo humano (por ser
um símbolo de poder). Logo, podemos pensar que a morfologia bimodal do vampiro
transita entre duas fases facilmente distinguíveis: a que denuncia sua monstruosidade e
evoca toda sua relação com o dispositivo sanguíneo e a que o faz passar por humano; a
que o prepara para o sexo, para a alimentação, para a violência (ou seja, para um estado
erótico) e a que o permite viver um estado social.
Em relação às características tímicas e estéticas, os vampiros do seriado são
retratados sem muitas diferenciações dos humanos. Em relação a ética, porém, podemos
pensar que por terem em sua natureza o desejo por sangue, o que evoca uma relação
própria com o interdito da morte, os vampiros seguem padrões próprios do que é ser bom
ou mau. Isto os leva a criarem códigos sociais únicos, configurando-se em outros tipos de
relacionamento, sexualidade e condutas; como já dito, passeiam facilmente por
comportamentos que, se existem (e muito) na vida humana, são vistas com olhos
julgadores na ideologia da moral.
O vampiro de True Blood se configura como um monstro que leva a humanidade
ao limite, com superforça, supervelocidade, instintos aguçados e uma superestrutura
desejante, sublimada numa hiperssexualização do seu desejo insaciável por sangue. A
bimolidade da sua morfologia e seus padrões éticos próprios deixam claro a relação
dialética que estabelecem entre a monstruosidade e a humanidade, pois se já foram
humanos, agora não o são e, ainda assim, carregam em si a formação de toda uma vida
humana, com seus processos e recalques.
Por ser um fenômeno da cultura da mídia, True Blood e seus vampiros apresentam
um forte apontamento para a afirmação de diversos discursos hegemônicos, como o uso
do símbolo fálico como objeto de poder, da estética patriarcal da pornografia e a
fetichização extrema da sexualidade e dos corpos midiáticos. Mas também,
simultaneamente, expõe este campo de redução do indivíduo ao sexo, problematizando,
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por diversos aspectos, a sexualidade enquanto produto, numa relação dialética que é típica
de produtos midiáticos, atravessados por valores industriais e discursos diversos.
Assim, temos que ressaltar que o vampirismo de True Blood apela para uma
fetichização da fantasia, carregando nos corpos dos personagens vampiros uma potência
sexual que em muito se assemelha a um devaneio erótico em que aquilo que não
conseguimos fazer enquanto humanos se realiza, pois, ao fim de tudo, os vampiros fazem
algo que a individuação humana não permite: concentrar quase todos os seus desejos e
obsessões em um só objeto; o sangue.
Referências Bibliográficas
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