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S O C I A L

EM ISSN 1678 -152 x


REVISTA
ANO 2 Nº 5 março 2004

A MULHER
NO MERCADO DE
TRABALHO
No Brasil, mulheres são discriminadas,
ganham menos e perdem emprego mais facilmente
CONSELHO DIRETOR
PRESIDENTE - Kjeld A. Jakobsen
CUT - João Vaccari Neto
CUT - Rosane da Silva
CUT - Artur Henrique da S. Santos
CUT - Maria Ednalva B. de Lima
CUT - José Celestino Lourenço (Tino)
CUT - Antonio Carlos Spis
CUT - Gilda Almeida
Dieese - Mara Luzia Felter
Dieese - Wagner Firmino Santana
Unitrabalho - Francisco Mazzeu
Unitrabalho - Silvia Araújo
Cedec - Maria Inês Barreto
Cedec - Tullo Vigevani

COORDENAÇÃO TÉCNICA
Arthur Borges Filho - Coordenador Administrativo
Clóvis Scherer - Coordenador Técnico Nacional
Maria José H. Coelho - Coordenadora de Comunicação
Odilon Faccio - Coordenador Institucional
Pieter Sijbrandij - Coordenador de Projetos
Ronaldo Baltar - Coordenador do Sistema de Informação

S O C I A L
EM

REVISTA
CONSELHO EDITORIAL
Kjeld A. Jakobsen
Maria José Coelho
Odilon Luís Faccio
Pieter Sijbrandij

EDITORAS
Maria José H.Coelho (Mtb 930Pr)
Sandra Werle (SC-00515-JP)
REDAÇÃO
Eleonora de Paula e Souza Dias
Marques Casara (RJ 19126)
Sandra Werle
FOTOGRAFIA
Divulgação e Banco Imagens OS:
Rosane Lima, Sérgio Vignes, Marques Casara,
Alberto César Araujo e Yan Boechat
Arquivo SEEB-Fpolis
Marcio Furtado e Valdir Cachoeira
EDITORAÇÃO DE FOTOGRAFIA
Ana Iervolino
REVISÃO
Dauro Veras (SC-00471-JP)
Laura Tuyama (SC-00959-JP)
APOIO COMUNICAÇÃO
Alessandra Pires, Walter André Pires
PROJETO GRÁFICO&DIAGRAMAÇÃO
Coordenação de Comunicação do IOS

ISSN 1678 -152 x


Março 2004 - Ano 3 - Nº 5
Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
3.000 exemplares
Gráfica BANGRAF
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável.
Eu sou. Adélia Prado
6
CONDENADA POR SER MULHER
No mercado de trabalho brasileiro mulheres são discriminadas, ganham
menos que os homens e perdem o emprego com mais facilidade

14
ENTREVISTA - Maria Ednalva Bezerra de Lima
Diretora Executiva da Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora
da CUT fala a respeito da organização das mulheres

18
DEPOIMENTO - Salário da família para uma vida
digna
Carolyn Kazdin - Centro de Solidariedade da AFL-CIO no Brasil
(Central Sindical dos Estados Unidos)

20
DISTRITO INDUSTRIAL DE MANAUS
A presença invisível da mulher indígena na indústria da Zona Franca

28
DEPOIMENTO - Oportunidades iguais?
Astrid Kaag - FNV Mondiaal (Central Sindical da Holanda)

29
ARTIGO - Maria Aparecida Silva Bento
A mulher negra no mercado de trabalho

32
DEPOIMENTO- Em busca de mais aliados e aliadas
Neide Fonseca - CNB-CUT (Confederação Nacional dos Bancários)

34
ENTREVISTA - Ministra Matilde Ribeiro
Ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção para a
Igualdade Racial fala sobre a luta contra racismo e discriminação

38
DEPOIMENTO - Educação: uma chave para a
igualdade
Merja Leskinen - Federação Educativa dos Trabalhadores (Finlândia)

40
A MULHER NA POLÍTICA
Mesmo sendo maioria na população, presença feminina no parlamento
não chega a 10% dos cargos

42
ENTREVISTA - Ministra Nilcéa Freire
À frente da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a
ministra fala sobre a situação das mulheres no Brasil

2
(...)
minha bisavó reclamava
que minha avó era muito tímida
minha avó pressionou minha mãe
a ser menos cética
minha mãe me educou
para ser bem lúcida
e eu espero que minhas filhas
fujam desse cárcere

que é passar a vida


transferindo dívidas
Martha Medeiros

3
45
DEPOIMENTO - Estratégias das mulheres para o
comando corporativo
Liv Torres - Instituto de Pesquisa Social Aplicada - FAFO (Noruega)

46
O SINDICATO DE SAIAS
De cada 100 sindicalizados no Brasil, 36 são mulheres. Nas
diretorias sindicais a ausência feminina é ainda maior

48
DEPOIMENTO - Golpe baixo
Diis Bohn - Central Sindical LO (Noruega)

50
ARTIGO - Solange Sanches
As mulheres no mercado de trabalho brasileiro: desigualdade e
mudança

52
DEPOIMENTO - O olhar sobre a desigualdade
Elizabeth Bruzzone - PIT - CNT (Uruguai)

54
ARTIGO - Susan Mara Zilli
Mulher, discriminação e direito do trabalho

56
PERFIL - A cor da vitória
Edineuza: uma história de sucesso num país marcado pela
discriminação

60
ARTIGO - Linda Chavez-Thompson
Protegendo trabalhadoras imigrantes

62
DEPOIMENTO - O trabalho da OIT para alcançar a
igualdade de gênero no trabalho
Manuela Tomei - Organização Internacional do Trabalho (OIT)

64
ARTIGO - Vanessa Pedro
O feminismo vira pauta

68
ARTIGO - Maria José H. Coelho
Oh! Linda imagem de mulher

4
EM REVISTA
I "Igualdade de oportunidades entre homens e mulheres". A bandeira
levantada pelas mulheres, cada vez mais presentes no mercado de traba-
lho, reflete a organização crescente destas que, ao longo da história, têm
procurado novas formas de estarem inseridas na sociedade.
Para falar no papel da mulher e da discriminação sofrida no mercado
de trabalho, esta edição especial do Observatório Social Em Revista pro-
curou dar voz a elas, principalmente. As entrevistas com as ministras Nil-
céa Freire e Matilde Ribeiro, das secretarias especiais de Política para as
Mulheres e de Políticas de Promoção para a Igualdade Racial, respectiva-
mente, trazem informações sobre as iniciativas governamentais para alte-
rar a situação desigual das mulheres brasileiras. A diretora executiva da
Secretaria Nacional Sobre a Mulher da CUT, Maria Ednalva Bezerra de Lima,
também informa sobre as iniciativas da Central na organização das traba-
lhadoras. E, finalmente, mulheres sindicalistas da Europa, América do Nor-
te e do Brasil, pesquisadoras e especialistas falam, através de artigos e
depoimentos, sobra "a dor e a delícia" de ser mulher em casa, no trabalho
e no sindicato.
A discriminação de gênero e de raça é um dos aspectos estudados
pelo Instituto Observatório Social nas multinacionais. As pesquisas apon-
tam, em geral, mulheres com salários mais baixos, pouco ou nada presen-
tes nos cargos de chefia e mais sujeitas a demissões. Um quadro que já
contém exceções e onde, a depender da disposição e organização, ho-
mens e mulheres terão, sim, tratamento igual com respeito às diferenças.
Para fechar, esta edição nº 5 preparada pelo IOS traz dez grandes
poetisas brasileiras, com imagens femininas captadas pela fotógrafa Ro-
sane Lima, para sublinhar com poesia esta que pretende ser uma homena-
gem às mulheres no Ano Nacional da Mulher e ao 8 de março, Dia Interna-
cional da Mulher.

Conselho Editorial

5
CONDENADA
POR SER MULHER
6
- No Brasil, de cada 10 cargos executivos exis-
tentes nas grandes empresas, apenas um é
ocupado por mulheres.
- No nível de gerência, dois cargos são das mu-
lheres e oito dos homens.
- Nas chefias, as mulheres são três e os ho-
mens, sete.
- As mulheres também estão em menor núme-
ro no chão das fábricas e nos cargos funcio-
nais e administrativos: 3,5 contra 6,5.

Os dados foram coletados pela pesquisa Perfil


Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Em-
presas do Brasil, realizada pelo Instituto Ethos em
parceria com a Organização Internacional do Tra-
balho (OIT), o Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada (IPEA), o Fundo de Desenvolvimento das Na-
ções Unidas para a Mulher (Unifem) e a Fundação
Getúlio Vargas (FGV-SP). A pesquisa foi conduzida
pelo IBOPE entre julho e setembro de 2003.
Por que isso acontece, se a população bra-
sileira tem mais mulheres do que homens?
Porque os homens têm prioridade sobre as
mulheres, e a maioria das empresas faz discrimi-
nação de gênero. A pesquisa do Instituto Ethos rea-
firma essa constatação e mostra que o Brasil en-
trou no século 21 sem dar às mulheres os mesmos
direitos concedidos aos homens.
Estudos realizados pelo Observatório Social
em 23 multinacionais no Brasil (disponíveis no site
de internet www.observatoriosocial.org.br) confir-
mam que praticamente todas apresentam, em mai-
or ou menor grau, algum problema ligado à discri-
minação de gênero. Cabe destacar que diversas
pesquisas não puderam ir a fundo devido à recusa
das empresas em fornecer dados. Foi o caso, por
No Brasil do século 21, as maiores exemplo, da rede de supermercados Wal-Mart. Mes-
empresas adotam um regime de mo assim, foi possível apurar que a cadeia de su-
permercados pratica discriminação de gênero: a mé-
castas em que as mulheres são dia salarial das mulheres é menor que a dos ho-
discriminadas, ganham menos mens (pesquisa disponível em http://www.
observatoriosocial.org.br/download/
que os homens e perdem o ReGewalmartport.pdf).
emprego com mais facilidade. Os homens ocupam 90% dos cargos execu-
tivos nas grandes empresas brasileiras. Com um
detalhe: são brancos, o que também demonstra a
discriminação racial. Tanto as pesquisas do Obser-
vatório Social quanto o estudo conduzido pelo IBOPE
constatam que a presença de mulheres e negros é
bem reduzida se comparada à participação desses
grupos na população economicamente ativa.

7
Convenções da OIT destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou
de tratamento em matéria de emprego ou profis-
são.
As multinacionais instaladas no Brasil e as
É gigantesca a distância entre o que propõe a
empresas de capital nacional não adotam, em sua
OIT e a realidade do ambiente profissional brasilei-
maioria, as convenções da OIT que tratam da igual-
ro. Nesse sentido, é emblemático o depoimento de
dade e da não discriminação no trabalho. As duas
uma funcionária da Embratel:
convenções foram redigidas na década de 1950,
quando a discriminação começou a ser discutida
nos países desenvolvidos. Até hoje, contudo, elas
"A mulher, para entrar na área
ainda não "pegaram" entre o empresariado brasi-
técnica, tem que ter muito saco, mui-
leiro.
ta coragem, ter peito, porque senão
As convenções são as de número 100, sobre
você desiste. Além de ganhar bem
a Igualdade de Remuneração, de 1951, e a de nú-
menos que todo mundo, você tem
mero 111, sobre a Discriminação (emprego e pro-
uma sobrecarga de trabalho enorme
fissão), de 1958.
para testar até a sua capacidade.
Além de ser extremamente cobrada,
A Convenção nº 100 dispõe sobre a "igualda-
você nunca atinge .... Se a meta da
de de remuneração entre a mão-de-obra masculi-
empresa é atingir 100% e você atin-
na e a mão-de-obra feminina por um trabalho de
giu 120%, você é avaliada como regu-
igual valor", determinando que os países membros
lar. Então você não consegue entender
promovam ou garantam meios compatíveis e mé-
nesse métier o que é excepcionalida-
todos que assegurem tal igualdade.
de. Entendeu? Você é mulher... Agora
A Convenção nº 111 define a discriminação
pro homem não tem esse problema
em relação ao emprego e trabalho como sendo toda
não."
a distinção, exclusão ou preferência fundamentada (http://www.observatoriosocial.org.br/downlo-
na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascen- ad/ReGeembratelport.pdf)
dência nacional ou origem social que tenha por efeito

Fonte: Instituto Ethos/IBOPE

8
CONDENADAPORSERMULHER
“As mulheres
também estão atrás no
chão das fábricas e nos
cargos funcionais e
administrativos: 3,5
mulheres para 6,5
homens.”

Ainda mais grave é a situação no ABN AMRO, mais precária que a do homem: baixos salários,
o segundo maior banco estrangeiro em atuação no ocupação de postos precários, discriminação na
Brasil, com 22.500 funcionários. A pesquisa do contratação e na ascensão profissional. Sem falar
Observatório Social apurou que o banco discrimina que muitas mulheres ainda têm que cuidar dos fi-
as mulheres (disponível em http://www. lhos e da casa, tarefas que lhes são tradicionalmen-
observatoriosocial.org.br/download/ te atribuídas.
ReGeabnport.pdf). Elas deixam de ser promovidas,
sofrem assédio moral e trabalham muitas vezes em O depoimento de uma funcionária da Honda
um ambiente inadequado à sua condição. Além dis- ilustra a afirmação acima:
so, as mulheres ocupam funções de menor remu-
neração. O ABN AMRO reconheceu e demonstrou "Na empresa, a maioria dos
preocupação com esse quadro, tendo criado um cargos mais altos são exercidos por
programa específico para combatê-lo, denominado homens e não por mulheres. Como
“Programa Diversidade”. a empresa é muito grande, existem
muitos cargos de gerente geral, ge-
rente, supervisor, coordenador e
chefe. Pelo que a gente sabe são
Dupla jornada mais de 150 cargos desses, só que
não tem nem dez mulheres exercen-
do essas funções".
No Brasil, é notório que a inserção da mulher (http://www.observatoriosocial.org.br/downlo-
no mercado de trabalho acontece de maneira bem ad/ReGehondaport.pdf)

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DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DE HOMENS E MULHERES
POR ALGUNS SETORES DE TRABALHO

SETORES MULHERES HOMENS


Bens de Capital 13,6 86,4
Alimentos 31,4 68,8
Calçados 47,2 52,8
Couro 17,9 82,1
Informática 30,8 69,2
Telecomunicações 34,2 65,8
Têxtil 46,8 53,2
Vestuário 76,1 23,9
Fonte: PNAD/IBGE - 1998 Extraído de: Guimarães e Consoni, 2000: “As desigualdades reestruturadas” Pesquisa CUT-Finep

Por que a discriminação acontece? O que precisa ser feito?


Por três motivos, segundo as pesquisadoras Segundo as pesquisadoras, um dos espaços
Solange Sanches e Vera Lucia Mattar Gebrim, au- mais importantes para a conquista de garantias ao
toras de "O Trabalho da mulher e as negociações trabalho da mulher, sem discriminação de gênero,
coletivas" (estudo publicado pelo Instituto de Estu- é a negociação coletiva de trabalho. "É preciso au-
dos Avançados da Universidade de São Paulo): mentar a negociação de garantias relativas à eqüi-
dade de gênero", afirmam as pesquisadoras.
As mulheres brasileiras conquistaram espa-
- Dificuldades de inserção no mercado ços importantes após a promulgação da Constitui-
de trabalho: a mulher tem mais dificuldade do ção de 1988, principalmente no que diz respeito às
que o homem para arrumar emprego. Quan- políticas públicas. Em relação ao trabalho, contudo,
do são demitidas, costumam ficar longos pe- os avanços esbarram no preconceito, na discrimi-
ríodos sem ter uma colocação. nação e no machismo que impera nas grandes
empresas. A maioria delas, inclusive, tem um dis-
- Vulnerabilidade na inserção: as dificul- curso muito bem fundamentado sobre práticas de
dades que elas encontram para entrar no mer- responsabilidade social. O desafio é transformar as
cado de trabalho refletem na qualidade do metas em ações reais. Nesse caso, como aponta
emprego obtido, muitas vezes sem carteira o presidente do Observatório Social Kjeld Jakobsen,
assinada. é preciso buscar uma maior convergência entre a
agenda sindical e as empresas socialmente respon-
- Desigualdade na remuneração: os ren- sáveis no campo da discriminação de gênero e raça,
dimentos da mulher no mercado de trabalho de maneira que seja cumprido o que a OIT escre-
sempre é menor que o do homem. veu há meio século.

10
TRATAMENTO DESIGUAL

CONDENADAPORSERMULHER
Pesquisas nas empresas
holandesas confirmam tendência
O Instituto Observatório Social (IOS) concluiu, em venção 111 (Discriminação no emprego e profissão), am-
2003, pesquisas em três empresas holandesas que atu- bas da OIT, são usadas como referência na análise dos
am no Brasil: Unilever, Philips e Akzo Nobel. Nas três pesquisadores do IOS.
empresas, em maior ou menor grau, foi confirmada a ten- Os estudos realizados nas empresas alemãs fa-
dência apontada por outros estudos sobre o mercado de zem parte do projeto Monitor de Empresas desenvolvido
trabalho brasileiro, como o tratamento desigual de traba- pela FNV (Federatie Nederlandse Vakbeweging, central
lhadores e trabalhadoras, em relação a salários, presen- sindical holandesa). O objetivo é gerar um conjunto de
ça nos cargos de chefia e emprego. informações atualizadas sobre as empresas, envolver os
Os pesquisadores também não registraram a exis- trabalhadores e suas organizações sindicais na observa-
tência de programas de caráter afirmativo que se propo- ção e estimular o intercâmbio de informações entre enti-
nham a promover os preceitos das Convenções que tra- dades sindicais.
tam da igualdade e da não discriminação no trabalho. A Acompanhe alguns resultados das pesquisas em
Convenções nº 100 (Igualdade de Remuneração) e a Con- relação à discriminação de gênero nas três empresas:

Philips
- Há predomínio de homens nos cargos de gerente e maioria dos mesmos nos cargos de chefia
- A média de escolaridade das mulheres é superior
- As mulheres que atuam na Philips representam 35,65% da força de trabalho da empresa, desse total
90,22% estão nas funções operacionais e, portanto, nas faixas salariais mais baixas
- Observa-se através das rescisões de contrato que a média do salário dos homens é 2,6 vezes maior que
o das mulheres
- Os homens ocupam 89,47% dos cargos do nível executivo e 73,91% do nível intermediário
- Embora não se tenha tido acesso a dados para uma comparação de funções iguais entre homens e
mulheres terceirizados e suas respectivas remunerações, foi possível depreender, a partir das informa-
ções pesquisadas, que boa parte das mulheres que prestam serviço na Philips da Amazônia Indústria
Eletrônica Ltda. encontra-se dentre as faixas salariais mais baixas

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Akzo Nobel
- Os dados relativos às listas de contribuição sindical compulsória (imposto sindical) fornecidas pelos
sindicatos apontam que, na Organon, unidade da Akzo Nobel, em 1999, o salário médio feminino
correspondia a 44% da remuneração masculina; e o tempo médio de emprego da mão-de-obra masculina
era de 6,6 anos e das mulheres era de 7,4 anos
- Na divisão de revestimentos, em 2001, os trabalhadores da unidade "Tintas Decorativas", de São Paulo/
SP, dos quais foi recolhido o imposto sindical para o Sindicato dos Químicos de São Paulo, o salário dos
homens correspondia, em média, à 94% da remuneração feminina
- na AKzo Nobel, 1/5 da mão-de-obra é de mulheres, mas somente 3% conseguem alcançar cargos gerenciais
(entre os homens esse percentual é de 14%). Na Organon, mais de 1/3 dos trabalhadores é do sexo
feminino, e apenas 4% desempenha atividades gerenciais (entre os homens esse percentual é de 17%).
Na Proquímio, as mulheres representam 17% da força de trabalho, mas não há mulheres em atividades
gerenciais. Na Eka, 1/4 do contingente empregado é de mulheres, mas apenas 1% delas está alocado em
cargo gerencial (entre os homens há 11%). Na Repintura Automotiva, 14% da mão-de-obra são compostas
por mulheres, mas somente 4% delas possuem cargo gerencial (entre os homens há 17%)

Unilever:
- Diferentemente do que ocorre em muitas empresas brasileiras, na Unilever as mulheres não recebem
menos do que os homens pelo exercício de funções equivalentes, de acordo com os próprios trabalhadores
(a pesquisa não teve acesso à estrutura salarial da empresa)
- Em algumas unidades não há mulheres no setor de produção e o alegado pelos trabalhadores é que o
tipo de função exige força física; esse ponto de vista poderia limitar as oportunidades de promoção e a
possibilidade das mulheres em obter melhores salários
- Em Vinhedo (SP), a maioria das mulheres está concentrada na área administrativa, dos 54 gerentes da
fábrica, 18 são do sexo feminino, o que representa 33% do total
- Em reunião com sindicalistas de várias unidades no Brasil, foi apontado que mulheres dificilmente chegam
ao cargo de coordenadoras
- A baixa presença de mulheres negras em funções importantes da empresa é percebida por grande parte
dos trabalhadores

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Para realizar as pesquisas nas multi-
nacionais que atuam no Brasil, o Instituto Ob-
servatório Social (IOS) desenvolve, desde sua

CONDENADAPORSERMULHER
fundação, uma metodologia de pesquisa que
está em constante aperfeiçoamento. A obser-
vação realizada considera aspectos da liber-
dade sindical, negociação coletiva, trabalho
forçado, trabalho infantil, discriminação de
gênero e de raça, segurança e saúde do tra-
balho, meio ambiente e responsabilidade so-
cial empresarial.
Verificar se uma multinacional discri-
mina ou não as mulheres, por exemplo, não
é uma tarefa fácil, nem uma questão mate-
mática. Empregar cem mulheres e cem ho-
mens não significa tratá-los de forma igual,
remunerá-los da mesma forma ou propiciar
Instituto Observatório Social conta as mesmas condições de crescimento na car-

com Termo de Referência para reira. Assim, para a verificação da discrimi-


nação de gênero e também os outros aspec-
pesquisar discriminação de gênero tos, são desenvolvidos Termos de Referência,
em que a contextualização histórica, as refe-
rências bibliográficas e de pesquisas e a le-
gislação existente são colocadas, para con-
solidar a metodologia e propiciar uma pa-
dronização dos relatórios produzidos nas di-
versas empresas.
"Atingir a igualdade de remuneração
e promover a igualdade de oportunidades en-
tre mulheres e homens nos locais de traba-
lho" é o título do Termo de Referência pre-
parado pela professora doutora Paolla Ca-
pellin, consultora do Instituto para o tema gê-
nero. O documento apresenta a contextuali-
zação dos direitos das mulheres na OIT (Or-
ganização Internacional do Trabalho); refe-
rências históricas da igualdade salarial e de
promoção da igualdade de oportunidades, as
definições metodológicas a partir das conven-
ções 100 e 111 da OIT; a legislação brasilei-
ra que trata do tema e os indicadores dispo-
níveis para as pesquisas do IOS.
O Termo de Referência sobre gênero,
além de indicar referências nacionais e in-
ternacionais que permitem distinguir a exis-
tência da discriminação, busca identificar
também as ações de promoção da igualdade
de tratamento entre homens e mulheres. É
ressaltada a importância da interação com
os sindicatos dos trabalhadores nacionais e
internacionais, para fomentar ações propo-
sitivas na conquista desta igualdade de re-
muneração e de oportunidades para traba-
lhadores e trabalhadoras.

13
CUT cria Secretaria
da Mulher
Atenta às questões de gênero, O que muda no movimento sindical a partir da
em fevereiro de 2004 a CUT criação da Secretaria Nacional sobre a Mulher
Trabalhadora, no 8º Congresso Nacional da
criou a Secretaria Nacional CUT?
A criação da Secretaria Nacional sobre a Mu-
Sobre a Mulher lher Trabalhadora da CUT (SNMT/CUT) consolida 17
Trabalhadora, estruturada anos de organização das mulheres no âmbito sindi-
cal cutista. A Secretaria significa um salto de quali-
nos mesmos moldes das dade e o reconhecimento da importância da contri-
demais secretarias que buição das mulheres enquanto sujeito social e políti-
co, na estrutura sindical.
compõem as direções A política de gênero desenvolvida pela CUT,
executivas da entidade desde 1986, através da Comissão Nacional sobre a
Mulher Trabalhadora (CNMT) e agora pela SNMT, tem
como principal objetivo organizar as mulheres e sen-
Compete a essa secretaria: sibilizar trabalhadores e trabalhadoras, dirigentes sin-
- elaborar, coordenar e desenvolver dicais da Central, para a superação das desigualda-
políticas no interior da CUT para a des entre homens e mulheres no mundo do trabalho
promoção das mulheres trabalhadoras na e na sociedade em geral.
perspectiva das relações sociais de gênero, Nossas estratégias para superar a discrimina-
raça e classe, subsidiando as instâncias ção e a exclusão social passam por identificar temas
importantes e prioritários que contribuam para a igual-
horizontais e verticais e as entidades dade de oportunidades no mundo do trabalho e sindi-
filiadas nos seus respectivos âmbitos; cal. As demandas de trabalhadoras e trabalhadores
- organizar as mulheres trabalhadoras são diferenciadas dada a divisão sexual do trabalho e
para intervir no mundo do trabalho e as relações de poder. Por isso é fundamental consi-
sindical sobre as questões que interferem derar a situação concreta das mulheres para a for-
na vida destas mulheres enquanto mulação do conjunto das políticas e da intervenção
trabalhadoras. sindical.

A diretora executiva da Secretaria, Maria Quais são as principais formas de


Ednalva Bezerra de Lima, conversou com discriminação à mulher no mercado de
o Observatório Social Em Revista sobre a trabalho?
As mulheres representam a maioria da força
organização das mulheres na Central,
de trabalho. No entanto, continuam a receber salá-
sobre a discriminação sofrida pelas rios inferiores aos dos homens. Pesquisas revelam
mulheres no mercado de trabalho, política que elas têm mais oportunidades de empregos (RAIS/
de cotas e sobre sua própria trajetória de 2002). Porém, a remuneração da mulher é, em mé-
mulher trabalhadora e sindicalista: dia, 82,3% da remuneração do homem. As mulheres

14
com nível escolar superior completo só conseguem
receber 58% do salário dos homens com igual esco-
laridade.
As mulheres deparam-se com as velhas e no-
vas formas de discriminação. Além das diferenças
salariais, há os obstáculos ao seu acesso aos car-
gos mais elevados e qualificados do ponto de vista
da valorização do trabalho e/ou cargos de chefia, onde
estão presentes a concentração do poder e os me-
lhores salários. Muitas vezes, quando as mulheres
ocupam esses cargos, o posto de trabalho tende a
ser menos valorizado. Além disso, existem as discri-
minações diretas e indiretas, como o estabelecimento
de critérios para contratação que eliminam mulheres
casadas e com filhos. O acesso e a permanência no

ENTREVISTA
emprego continuam vinculados a comprovação de
não gravidez, limite de idade, experiência profissional
e, em muitos casos, à religião, nacionalidade, etnia. “As mulheres deparam-se
No emprego, o assédio sexual e assédio moral no com as velhas e novas formas de
ambiente de trabalho se intensificam. E, de forma discriminação. Além das
generalizada, nota-se as limitações para conciliar o diferenças salariais, há os
trabalho com as responsabilidades com a família e a obstáculos ao seu acesso aos
casa, devido à permanência da divisão desigual en- cargos mais elevados e
tre os gêneros. qualificados do ponto de vista da
valorização do trabalho e/ou
Um dos eixos de atuação da SNMT é a cargos de chefia, onde estão
intervenção nas políticas públicas. Como se presentes a concentração do
dará esta ação? poder e os melhores salários.”
Pretendemos continuar atuando de forma de-
cidida para que a especificidade da situação vivida
pelas mulheres seja incorporada na elaboração e na
implementação das políticas públicas, através da di-
vulgação e mobilização em torno de bandeiras cen-
trais e do diálogo com o governo, nos diferentes es-
paços existentes.

Na organização sindical, a presença da mulher


afirmou-se, inclusive, a partir da política de
cotas. A Comissão Nacional sobre a Mulher
Trabalhadora evoluiu com a criação da
Secretaria Nacional sobre a Mulher
Trabalhadora. Quais os próximos passos?
Como incluir as mulheres trabalhadoras no
movimento sindical?
A CNMT, em um primeiro momento, difundiu a
política de gênero na CUT estabelecendo trabalhos e
interface com outras políticas da Central. Ao longo
desses 17 anos de desenvolvimento desta política vol-
tada para as trabalhadoras com a perspectiva de gê-
nero, sem dúvida, a implementação de cotas (míni-
mo de 30% e máximo de 70% para ambos os sexos
de participação nas instâncias de direção) foi um dos
grandes êxitos da nossa luta. Esta estratégia ainda é
uma prioridade. Consideramos necessária a conti-
nuidade deste debate para o fortalecimento das polí-
ticas afirmativas e a busca da eqüidade de gênero

15
nas instâncias da CUT e em suas estruturas hori- Mulheres da CIOSL (Confederação Internacional das
zontais e verticais. A discussão em torno da partici- Organizações Sindicais Livres).
pação das mulheres requer um debate franco e claro
no que se refere ao poder. Requer a adoção de me-
didas compensatórias que estimulem, garantam A SNMT faz parte do Conselho Diretor do
condições práticas, preparem e produzam mudan- Observatório Social. Como as pesquisas
realizadas pelo Observatório nas
ças mais radicais nas estruturas de poder e que multinacionais que atuam no Brasil podem
busquem desafiar os modelos já dados de repre- fortalecer a atuação da Secretaria, no âmbito
sentação e participação, já que o reconhecimento nacional e internacional?
das diferenças é fundamental para a conquista da Através dos resultados das pesquisas pode-
igualdade entre homens e mulheres. Garantir a pre- mos orientar nossas ações e atuações sindicais,
sença e a participação das mulheres requer o esta- qualificando o desenvolvimento da política de gêne-
belecimento de condições favoráveis como creche ro da Central, nos diferentes níveis. Quanto maior
nos eventos sindicais, horários de reuniões com- for o nível de análise e cruzamento de dados das
patíveis com a existência da dupla jornada de traba- pesquisas com a ótica de gênero, maior é a possi-
lho e as responsabilidades familiares. bilidade de identificação da realidade vivida pelas
Percebemos que a participação efetiva das mulheres. Conseqüentemente, nossas interven-
mulheres no poder tem permitido um crescimento ções, principalmente, nas negociações coletivas
coletivo enquanto sujeitos políticos, bem como pos- alcançam um outro patamar.
sibilitado a construção coletiva do discurso da clas-
se trabalhadora sexuada, que vai além dos traba-
lhadores homens como representação do masculi- Como mulher e dirigente sindical da CUT, fale
no e do feminino. É necessário ampliar a capacita- um pouco sobre sua trajetória profissional e
política.
ção de dirigentes para que as reivindicações das
Sou da Paraíba, professora e participava da
mulheres ganhem maior prioridade no exercício do
AMPEP (Associação do Magistério Público do Es-
poder e na mudança da convivência.
tado da Paraíba). Naquela época, como funcionária
Como a SNMT vê a ação das multinacionais pública não podia me associar em sindicato. Em 84
no Brasil, em relação às mulheres organizamos uma greve de 100 dias naquele Esta-
trabalhadoras? O movimento sindical do por melhores salários e condições nas escolas
brasileiro pretende se articular com o públicas. Esta greve contou com a solidariedade e
movimento internacional, também nas apoio dos outros sindicatos e da CUT. Minha mili-
negociações em relação às temáticas de
gênero? tância se intensificou. Após a criação do sindicato,
A articulação da CUT com o movimento sin- onde fui do conselho diretor, coordenei a comissão
dical internacional já existe há muitos anos. Esta estadual de mulheres da CUT/PB e fui integrante
construção de relações com as entidades sindicais da comissão nacional sobre a mulher trabalhadora
de outros países e regiões vem num crescente. Atu- da CUT Nacional. Estive à frente da secretaria de
almente, como dirigente nacional representante da políticas sociais da CUT/PB. Desde 2000, faço par-
CUT Brasil, sou responsável pela comissão de te da Executiva Nacional da CUT. De 97 a 2003 fui
mulheres da CCSCS (Coordenadora de Centrais coordenadora da CNMT e hoje secretária nacional
Sindicais do Cone Sul), vice presidenta do Comitê sobre a mulher trabalhadora da CUT. Pela CUT, co-
de Mulheres da ORIT, membro do conselho Execu- ordeno a comissão de mulheres da CCSCS, sou
tivo/ORIT (Organização Regional Interamericana de vice presidenta da comissão de mulheres da ORIT e
Trabalhadores) e integrante do Comitê Mundial de integrante do comitê mundial de mulheres da CIOSL.

16
Aviso da Lua
que Menst
Menstrrua
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta
gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às
avessas:
cada ato que faz, o corpo
confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece
hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia
Barriga cresce, explode
humanidades
e ainda volta pro lugar
que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:

cada palavra dita,


antes de dizer,
homem, reflita...
(...)

Elisa Lucinda

17
Carolyn Kazdin.
Representante do
Centro de
Solidariedade da
central sindical
norte-americana

T
AFL-CIO no Brasil.

Todos(as) nós sabemos das disparidades


salariais entre homens e mulheres. Tudo fica ainda mais
grave quando inserimos a variável raça. Ou seja, uma
mulher branca ganha menos que um homem branco,
um homem negro ganha menos que uma mulher branca
e uma mulher negra ganha ainda menos que um
homem negro. Porém, o que fazer para mudar quadro
tão vil? Cientes de que é mais eficaz trabalhar em
conjunto (mulheres e homens) do que fazer essa
jornada sozinhas, vamos aos fatos:
- de acordo com um estudo da AFL-CIO feito nos
Estados Unidos, famílias de trabalhadoras(es)
pagam um alto preço devido à discriminação
salarial de gênero;
- existe uma perda de aproximadamente US$ 200
bilhões anuais, que significa uma perda média de
US$ 4.000 por ano em função das diferenças
(discriminação) salariais;
- caso as mulheres casadas ganhassem o mesmo
que seus colegas homens, sua renda familiar
cresceria em torno de 6% e a taxa de pobreza
decresceria de 2.1% para 0.8 %;
- caso as mães solteiras ganhassem o mesmo que
seus colegas homens, sua renda familiar
cresceria em torno de 17% e a taxa de pobreza
decresceria a metade, ou seja, de 25.3% para
12.6%;
- caso as mulheres solteiras ganhassem o mesmo

18
Salário da
família para
uma vida
digna

DEPOIMENTO
que seus colegas homens, sua renda cresceria raça/cor/etnia. Quando se desagrega por etnia os
13.4% e a taxa de pobreza decresceria de 63% dados tendem a ser bem piores para mulheres não-
para 1%. brancas.
Podemos estar certos de que se tal estudo fosse Todos(as) nós perdemos quando as mulheres
realizado no Brasil, as conclusões seriam muito ganham menos, em especial as mulheres negras no
parecidas, ou seja, mulheres ganhando menos implica Brasil. As mesmas representam um enorme contigente
em homens ganhando menos. Desigualdade salarial aqui, diferentemente dos Estados Unidos, onde a
afeta os homens negativamente, também. Igualdade população afro-americana não ultrapassa 15% da
salarial ajuda os homens, também. população.
O Instituto ETHOS, em parceria com a FGV- O lugar da mulher é também no seu sindicato!
SP, o IPEA, a OIT e a Unifem, divulgou em dezembro Com as transformações no mercado de trabalho, os
último uma pesquisa executada pelo Ibope, intitulada sindicatos também têm que se transformar. Nós,
Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores mulheres, temos que ocupar o nosso espaço nos
empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas. De sindicatos. Como 45 % da força de trabalho que
acordo com os dados de tal pesquisa, as empresas em somos, temos que nos sentir a vontade no sindicato
sua maioria esmagadora continuam sendo masculinas e em busca de nossa integração. Precisamos estar
brancas. Quando divididos por gênero, conforme os prontas para assumir posições de liderança.
níveis hierárquicos, encontramos 91% de homens e É sobre poder que estamos falando: poder na
9% de mulheres, e quanto à raça, 96,5% de brancos, mesa de negociação; poder para conquistar uma vida
1,8% de negros e 1,7% de amarelos. de qualidade, com trabalho digno, salário igual, e a
Para o Solidarity Center, AFL-CIO, tem sido possibilidade de educar nossos filhos e cuidar de
um privilégio trabalhar junto ao Observatório Social e nossas famílias numa sociedade justa, sem
à CUT na organização das mulheres trabalhadoras discriminação. Sim! Um outro mundo é possível. E
negras e brancas. Representamos hoje 45% da mão- está sendo construído aqui no Brasil com a busca de
de-obra mundial; ainda somos 70% da população justiça social e econômica para a nação, capacitando
mundial que vive na pobreza. No mundo, ganhamos as pessoas a terem voz no trabalho, junto aos seus
75% do que ganha um homem, sem desagregar por governos e em suas comunidades.

19
DISTRITO INDUSTRIAL DE MANAUS

A presença (in)visível

20
da mulher indígena Eleonora de Paula e Souza Dias

Na década de 1980,
um grupo de professores
das Universidades do
Amazonas e Pará
participou de um estudo
sobre "A Mobilidade do
Trabalho Feminino nas
Indústrias de Belém e
Manaus". Nele, foi
analisado o conceito de
mobilidade, não apenas
como deslocamento, mas
na concepção marxista
que diz respeito a como a
mão-de-obra é atraída e
recrutada para
determinados tipos de
atividades produtivas;
como ela é utilizada e
esgotada no processo; e
como é dispensada. Com
isso foi possível esclarecer
por que 75% da mão de
obra era feminina; por
que era tão jovem e por
que a tipologia da seleção
preferia pessoas de traços
mais asiáticos, traços
mais finos.

21
Parte dessa pesquisa associava a habilidade manu- Nas indústrias esse dado também não existe. Então
al e também o fato de essa população não ter sido agri- no Amazonas as mulheres indígenas não estão inseridas no
cultora - portanto não tinha mãos grossas e calejadas pe- Parque Industrial da Zona Franca de Manaus? Essa poderia
los trabalhos agrícolas manuais - como um dos pré-requi- ser a constatação pelos dados apurados, porém a realidade
sitos para a contratação. Por isso contratavam mais mu- é outra. As mulheres indígenas estão realmente inseridas no
lheres. As indústrias de montagem àquela época necessi- Pólo Industrial, basta acompanhar a chegada dos ônibus ao
tavam de destreza manual e, principalmente, mãos extre- Distrito às seis horas da manhã. Não se ouve ninguém falan-
mamente finas para serem mais sensíveis ao manuseio dos do a língua materna de seu povo, ou mesmo o Nhengatu
componentes. Em algumas empresas se aplicava um teste (variação da língua Tupi adaptada pelos Jesuítas e usada para
em que as jovens manuseavam e jogavam para cima bo- unificar a comunicação em todo o país, utilizada ainda hoje
las de isopor para ver se elas tinham as mãos longas e em muitas regiões amazônicas por índios e não-índios), mas
finas e leveza suficiente para o aperfeiçoamento da mon- a tez morena, os olhos amendoados e os cabelos negros evi-
tagem e do acabamento. Esse era um dos motivos pelos denciam a presença indígena.
quais as indústrias queriam mulheres jovens, fenotipica-
mente mais asiáticas e pessoas do interior que vinham para A não identificação, então, seria receio do precon-
Manaus. ceito? A doutora em Sociologia e secretária de Estado de
Ciência e Tecnologia Marilene Corrêa da Silva Freitas,
Na análise desse estudo, percebe-se a presença uma das participantes do estudo sobre Mobilidade do
invisível da mulher indígena no que foi considerado fenóti- Trabalho Feminino, discorda e justifica: "A população média
po asiático. São as índias com destreza manual e tantos e as pessoas que formam a opinião pública não sabem
outros requisitos tais como: concentradas, assíduas, re- que é uma ideologia de nacionalização brasileira ignorar
servadas e pouco falantes. O perfil da operária ideal, se- as nacionalidades e as nações indígenas. Existem dados e
gundo o tecnólogo Raimundo Pinto. Ele trabalhou duran- pesquisas sobre esse processo de destribalização na ci-
te 24 anos no Distrito Industrial em três grandes empresas dade, os grupos e nações foram destribalizados, desterri-
onde, nas linhas de produção, no auge da Zona Franca, torializados, eles moram na cidade mas continuam com
apenas dois operários se identificaram como indígenas. suas identidades no âmbito privado e da comunidade. No
âmbito da sociedade eles concorrem como todo ser hu-
Não há nenhum levantamento específico da pre- mano ao mercado de empregos, a uma vida de controle
sença de mulheres indígenas no Distrito Industrial de Ma- social difuso, a um padrão mais ocidental de organização
naus; nem no Departamento Feminino do Sindicato dos social. A própria ideologia nacionalizante fala que a po-
Metalúrgicos esse dado é conhecido no entanto, os tra- pulação majoritária já é cabocla, não fala que ela é de
ços indígenas marcam as feições das mulheres sindica- várias nacionalidades indígenas. Assim, busca-se com isso
listas. Adede Maria Farias da Silva, assessora do Sindi- fazer desaparecer as diferenças e dizer que nós temos
cato pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos, pós- uma participação na composição nacional como des-
graduada em Gestão, Planejamento e Qualidade, diz que cendentes de índios, e não como índios propriamente di-
a presença da mulher indígena não está invisível, mas "ca- tos. Nesse sentido ninguém fazia discriminação com as
muflada" nas diversas nacionalidades nativas diluídas na mulheres porque elas eram índias, ou descendentes; pelo
população não-indígena. contrário, queria até porque elas têm a pele mais fina, as
mãos finas e leves."

22
A revelação
da identidade

TRABALHADORAINDÍGENA
A identidade é uma coisa muito mais complexa
do que simplesmente ser discriminado e ocultar o nome,
destaca a socióloga Marilene Corrêa. "A identidade se
revela na comida, no comportamento, na postura cor-
poral, na etiqueta, na preservação da tradição, na pre-
servação da língua, na transmissão dos hábitos e do
conhecimento tradicional para os filhos". E assim se
revelaram indígenas as operárias da Philips, todas ama-
zônidas com ascendência indígena muito próxima.

"Eu nunca falei 'sou índia', mas as pessoas falam


e não fico chateada. Sou do Pará e sei que tanto aqui
como lá é terra de índio. Sei que sou uma índia, que
tenho sangue de índio e tenho orgulho por isso" declara
a operadora de montagem Ângela Maria Meira, 30
anos, paraense de Santarém, trabalhando na empresa
há seis anos.

Suellen Lima Bezerra, 20 anos, operadora de


produção, é de Parintins, a terra do Boi Bumbá e da
Cunhã-Poranga (moça bonita em Tupi e personagem
do Boi Bumbá de Parintins). Ela também se reconhece
como índia: "A minha própria aparência mostra isso.
Minha avó era índia e quando dizem que pareço com
índio fico feliz".

Missilene Lima, estagiária de engenharia, e Te-


reza Cruz, operadora de produção, seguem na mesma
linha, destacando que só recebem elogios pelos traços
indígenas marcantes e que nunca se sentiram discrimi-
nadas na empresa, pelo contrário, sentem-se valoriza-
das pelo seu potencial, revelando ainda que mulheres
com as mesmas características ocupam cargos de che-
fia. Portanto, concluem que a presença da mulher in-
dígena no Distrito Industrial de Manaus é só motivo de
orgulho.

"Eu nunca falei 'sou índia', mas as pessoas falam e não fico chateada.
Sou do Pará e sei que tanto aqui como lá é terra de índio. Sei que sou uma
índia, que tenho sangue de índio e tenho orgulho por isso" declara a
operadora de montagem Ângela Maria Meira, 30 anos, paraense de Santarém.

23
A reinvenção da identidade estão adaptando a identidade ancestral ao momento his-
tórico em que vivem".
Dados do censo sobre a população indígena mos- A índia Dessana (povo indígena que habita a re-
tram um aumento significativo, não só pela taxa de cres- gião do Rio Negro, município de São Gabriel da Ca-
cimento, maior que da população não-índia, mas pelo choeira/AM) Zelinda Saldanha da Silva, 31 anos, ope-
reconhecimento de novos povos indígenas pela Funda- radora da Showa há três anos, sabe que é índia. Mas foi
ção Nacional do Índio (Funai). Há poucos anos se dizia criada pensando que índio era aquele de tanga, e não se
que no município de Barcelos (cidade localizada às mar- apercebia que entendendo a língua dos seus parentes
gens do Rio Negro/AM) não havia índios. Agora, vive- mais próximos, que falavam o Tukano - índios do Rio
se um processo de redescoberta da identidade. Um Negro, considerados como grupo hegemônico da re-
exemplo disso é o professor desconhecido que se ele- gião -, estava afirmando sua identidade indígena.
geu presidente da Federação das Organizações do Alto
Rio Negro - FOARN, uma das maiores organizações Hoje, técnica de enfermagem, cursando Serviço
indígenas brasileiras. O ilustre desconhecido se reco- Social e trabalhando como operadora, continua sendo
nhece pertencente ao povo Baré. índia, só que numa outra realidade, distante da que vive-
ram seus avós e até mesmo seus pais. "Aqui na empresa
Esse é um processo de re-etnização, ou "reinven- temos outras índias, só que elas não dizem 'eu sou índia',
ção identitária", conforme Marilene Corrêa: "Não se pode eu também não falo, todo mundo já vê que sou índia,
dizer que estão recuperando a identidade ancestral, pois mas não sou tratada de maneira diferente por isso".

A índia Dessana Zelinda é operadora da Showa

24
Cultura tradicional & tecnologia A Nokia, unidade de Manaus, é um exemplo da
convivência, no cotidiano, do conhecimento tradicional
Os colonizadores em sua época tinham convic- com a alta tecnologia, como mostraram em seus relatos
ção de que não poderiam interiorizar o Estado Nacional as operárias Estelita Mota, Alexsandra Dantas e Mar-

TRABALHADORAINDÍGENA
Brasileiro, nem poderiam dar um passo a cerca do apro- cilene Oliveira. As três são amazonenses de regiões
veitamento produtivo dos recursos naturais sem a mão- díspares, porém, unificam-se contando as práticas de
de-obra Tapuia (eram todos os índios genéricos). O pró- cura que utilizam com plantas em forma de chás, ba-
prio Estado Nacional já sabia que era à força de traba- nhos e xaropes.
lho local, a força da população indígena, transformada Estelita é a que tem traços indígenas mais fortes.
em mão-de-obra, que seria capaz de interiorizar o Esta- Na reconstrução de sua identidade descobre-se que o
do Nação. tom da pele, mais acentuado, vem do avô, um grego
Trazendo essa concepção para a realidade do Pólo que fugiu da guerra e aqui casou com uma índia. Ela
Industrial da Zona Franca, possivelmente, pode ter sido conta que sua mãe, mesmo morando em Manaus, quan-
esse o mesmo pensamento dos empresários, ao instala- do chegava a hora de ter criança, ia para o interior em
rem suas indústrias em Manaus. Eles reconheceram a busca da avó, que era índia, para ter os filhos de forma
força da mão-de-obra feminina e indígena e, ainda, que natural, ou seja, como os índios. Técnica em eletrônica
os índios são perfeitamente adaptáveis às formas pro- e cursando Fisioterapia, ela confessa que os traços
dutivas não exploratórias e modernas. indígenas só lhe dão prazer.

"Só a mão-de-obra Tapuia


é capaz de dominar a
Amazônia"
(relato de colonizadores)

25
Ângela Maria, Suellen e Missilene, operárias da Philips Estelita, da Nokia: traços indígenas fortes

Indígenas e trabalho
Alexsandra é uma incorporação da Cunhã-Po-
ranga, confirmando sem modéstia que se acha boni- A polêmica sobre a demarcação da Terra Indíge-
ta, justamente pelos traços indígenas. Em sua casa, na Raposa Serra do Sol trouxe de volta a pecha discri-
conta, é passada uma tradição de pais para filhos do minadora do índio preguiçoso, disseminada no Brasil
uso e preparo de remédios naturais. Marcilene se através da história. Essa não é a mesma forma de pen-
considera uma Sateré-Mawé (povo indígena que ha- sar dos gestores do Pólo Industrial de Manaus, que re-
bita a região do Baixo Amazonas, são considerados conhecem a potencialidade da força de trabalho local
Filhos do Guaraná), sua família morava numa locali- amazônica, onde estão inseridos os índios. Um dado que
não é novo para a socióloga Marilene Corrêa: "As
dade chamada Maloca e recorda-se de, quando cri-
pessoas que lidam diretamente com o processo de adap-
ança, ter participado de danças tradicionais dos ín- tação da produção à mão-de-obra do Distrito Industrial
dios da região. O uso de ervas está tão arraigado no sempre a consideraram como uma das mais produtivas
seu dia-a-dia que ela chega a medicar alguns colegas do mundo, tendo um padrão de produtividade maior do
da empresa. que em outras cento e poucas zonas francas que exis-
tem, e essa é uma das variáveis por que as empresas
vêm para cá. Não é só pelo salário barato, é pela qua-
A glamourização lidade do acabamento do trabalho e pelo grau de pro-
dutividade que essas indústrias têm."
da mulher amazônica
O que se percebe é ignorância em alguns discur-
"Estamos vivendo uma redescoberta da pre- sos de políticos que consideram os índios como empe-
sença da mulher indígena, esse é um bom momento cilho ao desenvolvimento, privilegiando o grande capital
em detrimento aos direitos dos povos indígenas, dei-
não só para elas, mas para toda a problemática étni-
xando no seu rastro o caos ambiental. “Quem é que lu-
ca. Antes não era assim. Essa presença é mais mar- cra com isso, desqualificando o índio dessa forma?”,
cante por conta das bases sociais do trabalho", afir- questiona a secretária de Ciência e Tecnologia. "São
ma Marilene Corrêa, enfatizando que essa desco- exatamente migrantes que pensam que a Amazônia não
berta valoriza os traços fenotípicos não só pelo exo- tem ordenamento territorial. Os mesmos que invadem
tismo, que às vezes se torna pejorativo, mas de Apuí, Roraima, Sul de Lábrea. Eles vêm com um pro-
forma positiva em função da beleza, da graça, da pósito só - ‘aquele povo de lá é preguiçoso, não sabe
diferença, um lado valorizado que é reconhecido em trabalhar a terra’”, finaliza. E ao considerarem as mu-
passarelas de moda, na Cunhã-Poranga - é a gla- lheres indígenas incapazes de lidar com alta tecnologia,
mourização da reinvenção étnica. procuram recriar e redefinir suas identidades.

26
Assim eu vejo a vida
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande
sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão
desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
Cora Coralina

27
Oportunidades
iguais?

S Sempre achei óbvio que iria estudar e trabalhar. Minha mãe


tinha sua própria loja. Minhas irmãs e eu fomos estimuladas para fazer
carreira. Juíza, piloto ou cirurgiã, essas seriam carreiras para mim,
segundo meu pai. Muita discussão sobre feminismo ou emancipação
na realidade não teve. Quando comecei, em 1980, a estudar
sociologia, vivi os anos finais da segunda onda feminista. O período de
DEPOIMENTO

ação verdadeira já tinha passado, mas participei empolgada da última


greve de mulheres e visitava de vez em quando a Casa da Mulher.
Mas, honestamente, não me sentia realmente em casa. Tinha o tempo
todo o sentimento de que não estava tratando da minha situação.
Porém, ao mesmo tempo aprendia que estudar não era algo tão óbvio
quanto eu pensava. Que mulheres, sim, têm menos oportunidades, e
que homens dominam a política, as empresas e os sindicatos. Comecei
o meu trabalho sindical na juventude da FNV (Central Sindical
holandesa). Lá, naquele tempo, tinha um razoável número de mulheres

Astrid Kaag
Coordenadora do
jovens. Então, pensava: aqui tudo acontece com igualdade. Para
depois notar que o presidente era bastante machista. E falando dos
sindicatos e da Central: basicamente homens de idade com um estilo
de liderança e discussão meio bruscos. A FNV Mondiaal
Projeto Monitor de
(Departamento de Cooperação Internacional da Central), onde
Empresas - FNV
trabalho atualmente, é formada majoritariamente por mulheres. Dentro
Mondiaal (Holanda)
da FNV e dos sindicatos tem muito mais mulheres que há 15 anos.
Conseguimos mais mulheres filiadas e conquistamos muito para a
mulher trabalhadora nos últimos anos. Não obstante, o movimento
sindical não consegue forçar um verdadeiro rompimento na
representação da mulher. Por exemplo: no momento não temos
nenhum sindicato com uma presidente mulher.
Eu dedico meu tempo ao tema da responsabilidade social
empresarial e o comportamento das multinacionais em países em
desenvolvimento. Embora em empresas como a Philips e a Ahold
trabalhem muitas mulheres, o alto escalão é principalmente masculino.
E também nos sindicatos eu estou vendo muito mais homens que
mulheres. No Brasil encontro mais mulheres que nos nossos
sindicatos. Em cooperação com o Instituto Observatório Social
pesquisamos, entre outros, até que ponto empresas discriminam. O
que se nota em quase todas as situações é que mulheres ganham
menos para trabalhos similares e quase não são representadas no alto
escalão. Ao mesmo tempo, as mulheres entrevistadas nas pesquisas
dizem que têm oportunidades iguais.
Mas oportunidades iguais não é a mesma coisa que tratamento
igual. Mesmo quando nós mesmas pensamos assim.

28
A mulher negra
no mercado de

TRABALHADORANEGRA
trabalho
Dentre os debates que colocaram as
relações raciais e de gênero na agenda de
importantes setores do movimento sindical
nos últimos dois anos está a III Conferência
Mundial Contra o Racismo. Diagnósticos
contundentes ganharam visibilidade na
imprensa, reafirmando informações que
deixam nítida a permanência da mulher
negra no patamar da sociedade brasileira, e
em particular no mercado de trabalho,
mesmo diante da melhoria (relativa) da
inserção e mobilidade das mulheres em
geral. Dos diagnósticos preparados pelo
DIEESE/SEADE, IBGE e IPEA,
destacamos:

- O salário médio da trabalhadora negra continua sendo a metade do salário


da trabalhadora branca

- A trabalhadora negra continua sendo aquela que se insere mais cedo e é a última a
sair do mercado de trabalho

- Mesmo quando sua escolaridade é similar à escolaridade da companheira branca, a


diferença salarial gira em torno de 40% a mais para a branca

- Mulheres negras têm um índice maior de desemprego em qualquer lugar do país. A taxa
de desemprego das jovens negras chega a 25% - uma entre quatro jovens negras está
desempregada

- Mulheres negras estão em maior número nos empregos mais precários. 71% das mulheres
negras estão nas ocupações precárias e informais; contra 54% das mulheres brancas e
48% dos homens brancos

- Os rendimentos das mulheres negras em comparação com os homens brancos nas mesmas
faixas de escolaridade em nenhum caso ultrapassa os 53% mesmo entre aqueles que
têm 15 anos ou mais de escolaridade

29
A despeito da situação caó- No território das empresas
tica dessas trabalhadoras, parece onde a realidade das relações ra-
haver um acordo tácito de omis- ciais é dramática, por pressão dos
são e silêncio entre o Estado, lide- movimentos sociais, amplia-se,
ranças em geral, o patronato e ainda que timidamente, a discus-
seus representantes (que avaliam são sobre políticas de diversidade,
e cuidam da mobilidade do traba- mas os resultados são ainda pro-
lhador dentro das organizações), fícuos.
e dos acadêmicos que pesquisam
O Perfil Social, Racial e de
a área do trabalho. Quando se ma-
Gênero das 500 Maiores Empre-
nifestam, as lideranças ainda
sas do Brasil e suas Ações Afir-
insistem em apontar como solução
mativas revela que 40% das em-
para a situação da mulher negra
presas pesquisadas dizem ter
as políticas universais, mesmo in-
ações de promoção da diversida-
formadas por inúmeros estudos de
de, sendo a mais comum os pro-
que as políticas universais não di-
gramas de contratação de pesso-
minuem os diferenciais entre ne-
as com deficiência - 32%. No en-
gros e brancos. Um estudo recen-
tanto, apenas 1% conta com pro-
te revela como as políticas univer-
gramas de capacitação profissio-
sais mantêm paralela a situação
nal de negros. O estudo revela ain-
de negros e brancos ao longo de
da que nas maiores empresas do
décadas:
País, apenas 1,8% dos cargos de
diretoria são ocupados por negros,
9% por mulheres e 1% por pesso-
as com deficiência.
Esta situação de intensa
desigualdade que se perpetua ao
longo do tempo mereceu especi-
al atenção do Movimento de Mu-
lheres Negras e de dirigentes sin-
dicais negras que atuaram, nos
últimos três anos, no contexto da
Conferência Mundial Contra o
Racismo. Imbuído da certeza de
que, se não houvesse uma ação
específica de combate ao racis-
O que se observa aqui é que mo e um plano de políticas de
melhoraram as situações de ne- ação afirmativa, a situação de
gros e brancos, mas a diferença relações raciais no Brasil não
entre os dois grupos não se alte- mudaria, o movimento de mulhe-
rou, continua intocável e os gráfi- res negras foi à Durban. E de-
cos seguem como linhas parale- flagrou uma série de ações, tan-
las. Desta forma, as chamadas po- to junto ao movimento feminista
líticas universais não alteram o qua- quanto ao sindical, sendo consi-
dro das desigualdades raciais, ape- derado o mais importante ator no
nas garantem sua perpetuação. contexto da Conferência.

FONTES:
Articulação de Mulheres Negras Brasileiras. Contribuição para a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. 2001.
Articulação de Mulheres Negras Brasileiras. Um retrato da discriminação racial no Brasil. Brasília: 2001.
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos - DIEESE. Negociação coletiva e eqüidade de gênero
no Brasil: cláusulas relativas ao trabalho da mulher no Brasil - 1996-2000. Pesquisa DIEESE N º 17. São Paulo: DIEESE, 2003.

30
O Documento final da III vela falta de informação, reflexão
Conferência Mundial Contra o Ra- e defesa de interesses e privilégi-
cismo, Discriminação Racial, Xe- os. Ou seja, o combate às desi-
nofobia e Intolerância Correlata gualdades é ainda um elemento de
explicita, para o governo brasilei- discurso. Na prática, persiste uma
ro, as recomendações para priori- grande resistência a repensar lu-
zar trabalho, saúde e educação. gares de poder e de privilégio, hoje

TRABALHADORANEGRA
Entre as principais metas, desta- ocupados apenas pelos brancos e
cam-se: brancas, em qualquer instituição

- A inclusão do quesito raça/cor nos formulários oficiais


- A implementação efetiva da Convenção 111
- O desenvolvimento de programas destinados a afro-descendentes que
promovam a igualdade de oportunidades no emprego e outras iniciativas
de ações afirmativas ou positivas
- Medidas para a remoção dos obstáculos e para a promoção do acesso
igual e a presença eqüitativa de afro-descendentes em todos os níveis do
setor público
Dessas recomendações, que seja foco dessa discussão.
merece destaque o fato de que a Observando esta resistência e o
idéia de ações afirmativas provo- posicionamento tímido das mulhe-
cou um acalorado debate público. res no movimento sindical frente
às violações dos direitos das tra-
Observando os argumen-
balhadoras negras, cabe pergun-
tos contrários às ações afirmati-
tar: as mulheres no movimento sin-
vas podemos constatar que esses
dical lutam por igualdade de trata-
não estão só no discurso dos rea-
mento e oportunidade para todas
cionários ou dos alienados, mas
as mulheres, ou gênero é um as-
também de lideranças que se di-
sunto somente para mulheres
zem progressistas e preocupadas
brancas? Há uma indignação com
com as desigualdades em nosso
relação à violação dos direitos de
país. Embora esses programas
todas as trabalhadoras, incluindo
estejam necessitando de uma ava-
as negras? Os movimentos de
liação crítica, em particular do Mo-
mulher e sindical podem investir
vimento Negro, chama a atenção
concretamente, ou apoiar ações
o fato de que os argumentos colo-
concretas no combate às desigual-
cados não se sustentam, revelam
dades raciais no trabalho? É pos-
falta de informação básica, falta de
sível lutar contra a opressão de gê-
reflexão e uma grande resistência
nero sem destacar explicitamente
à implementação de ações concre-
o segmento que há 20 anos vem
tas contra as desigualdades.
sendo apontado pelos órgãos de
Ações afirmativas são vistas pesquisa como o mais discrimina-
como assistencialistas, "privilegi- do do mercado de trabalho: as
ando negros", discriminando bran- mulheres negras?
cos, inconstitucionais - o que re-

Maria Aparecida Silva Bento


Doutora em Psicologia Social
Diretora do CEERT - Centro de Estudos das
Relações do Trabalho e Desigualdades

31
R Rousseau, considerado um pensador
progressista, dizia que a mulher era "dotada de
características físicas e morais, como a passividade e
a subordinação, condizentes com as funções
maternas e a vida doméstica", e em relação aos
homens que "seriam mais aptos à vida pública, ao
trabalho e às atividades intelectuais". A ironia maior
era que Rousseau afirmava que, se a natureza
feminina não desse conta da função para a qual
estava destinada, "era preciso criar o hábito da
obediência, através da disciplina e do
constrangimento constantes", ou seja, ele era
favorável à violência contra a mulher, com a
justificativa de domesticá-la.
Começo assim meu depoimento, porque de
Rousseau aos dias atuais muitas coisas mudaram,
muitas revoluções, principalmente tecnológicas,
contribuíram para o avanço da humanidade,
entretanto, a essência do "pensamento
rousseauniano" ainda está viva, latente entre nós, em
pleno século XXI.
Esses valores atribuídos a homens e mulheres
estão expressos tanto nas relações familiares, os
espaços privados, quanto nas relações laborais, ou
espaços públicos. As diferenças tomam maiores

Neide Fonseca.. dimensões ao agregarmos o recorte racial ao recorte


de gênero.
O aumento da inserção da mulher não veio
acompanhado de uma política de valorização do
Secretária de Políticas Sociais trabalho por ela exercido. Nem o cuidado com os
da CNB-CUT (Confederação Nacional filhos passou a ser compartilhado, criando-se assim a
dos Bancários) dupla jornada.
Formada em Serviço Social pela FMU
Formada em Direito pela USF
Especialista em Direito Constitucional e
Político pela UniFMU

32
Em busca de
mais aliados e aliadas

DEPOIMENTO
Mas foi com a retomada da ação sindical no Foram anos de lutas, lágrimas, brigas,
final da década de 70, quando as negociações acertos e desacertos, mas que valeram a pena.
coletivas ganharam força, que as mulheres se Mesmo porque tudo vale a pena quando é para
organizaram em seus sindicatos, criando uma pauta transformar o mundo em um espaço de inclusão,
de reivindicações específicas, o que não foi e não eqüidade e igualdade, respeitando-se as diferenças
tem sido uma luta fácil, pois muitas vezes tem-se que que temos.
confrontar idéias e princípios com os próprios
companheiros sindicalistas. De Rousseau aos nossos dias, muitas
mulheres tombaram em nome da luta por igualdade,
As reivindicações das mulheres não dividiam a e a todas elas meu tributo, meu respeito. Sei que
luta como diziam, pois eram, e ainda são visíveis as sem as pioneiras, hoje muitas não estariam
diferenças de oportunidades e de tratamento dado ocupando os espaços que ocupam.
aos homens e às mulheres, negros e brancos, pelo
mercado de trabalho. Entretanto, o contexto atual está cada vez
mais adverso para os trabalhadores e as
Embora com o nível educacional em média trabalhadoras. A mulher é sem dúvida uma
acima dos homens, as mulheres tanto brancas quanto competidora no mercado de trabalho, e uma
negras estão em pior situação, enfrentam toda sorte competidora à altura, bem preparada. No entanto,
de discriminação desde o ingresso até a mobilidade os talentos adquiridos aliados aos talentos natos
ocupacional. não têm se traduzido em maiores e melhores
oportunidades. Destacar algumas mulheres como
A categoria bancária sempre foi muito executivas bem sucedidas é uma estratégia que não
organizada e pioneira. As mulheres não perderam engana, pois a realidade está dada.
tempo, já há alguns anos existem comissões,
secretarias e departamentos que discutem o tema. O Além do disciplinamento proposto pelo
interessante tem sido trazer os bancários para esses progressista Rousseau, traduzido em violência
grupos de discussão. A CNB - Confederação doméstica, ainda enfrentamos o assédio sexual,
Nacional dos Bancários através da Secretaria de assédio moral, discriminação racial, remunerações
Políticas Sociais, coordena a articulação, com inferiores e uma mobilidade profissional bastante
autonomia dos sindicatos para trabalharem o tema. restrita.
Conseguimos uma organização tão forte e O velho chavão de que a luta continua é cada
sólida nacionalmente, que conquistamos uma cláusula dia mais atual. As mulheres, todos os dias, ao
de igualdade de oportunidades em nossa Convenção levantarem-se, talvez pensem como eu: “Hoje é
Coletiva. mais um dia de batalha na luta sem trégua pela
busca da humanidade das mulheres e dos negros e
negras, e preciso ganhar mais aliados e aliadas”.

33
"Penso que é urgente a
implementação de políticas
públicas que melhorem as
condições de vida das mulheres "Como é bom saber que se pode furar
cercos e vencer barreiras neste Brasil tão
na cidade e no campo, de acesso desigual, isso torna ainda mais saboroso e
a terra, reforme agrária, um responsável o caminho da ministra de coordenar
a Secretaria." A afirmação é da Ministra Matilde
melhor uso e conservação do Ribeiro, que assumiu a Secretaria Especial de
meio ambiente. Para que elas Políticas de Promoção para a Igualdade Racial
(SEPPIR), criada pelo governo Lula em 21 de
não mais sofram com o descaso e março de 2003 (Dia Internacional da Eliminação
a violência sexista, para que da Discriminação Racial).

possam trabalhar sem temer Matilde Ribeiro nasceu em 29 de julho de


1960 em Flórida Paulista (SP). É graduada e
violações de seus diretos." doutoranda na Faculdade de Serviço Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP).
Exerceu o cargo de assessora do Centro de
Estudos sobre Trabalho e Desigualdades
(CEERT) e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
nas questões de gênero e raça. De 1995 a 1997,
coordenou o Programa Relações Sociais de
Gênero no Instituto Cajamar. Foi professora da
Faculdade de Serviço Social das Faculdades
Metropolitanas Unidas (FMU) e coordenadora da
Assessoria dos Direitos da Mulher da Prefeitura
de Santo André no mesmo período. Fez parte da

34
Matilde Ribeiro
Mulher, negra, ministra de governo

ENTREVISTA
coordenação do Programa de Governo Lula e da de vida e nas percepções das mulheres, saber
equipe de transição em 2002, sendo responsável quem são elas, onde e como vivem, sem perder o
pela questão racial. foco na real situação da população e da mulher
negra brasileira.
Em entrevista para o Observatório Social Em
Revista, ela fala sobre o papel de sua Secretaria de No caso das mulheres negras e das
Governo na luta contra o racismo, o preconceito e a mulheres pobres, a sua vasta capacidade de
discriminação racial no país, a política de cotas trabalho e produção não é proporcional às
para negros nas universidades e as políticas que condições de vida: elas são chefes de família que
pretende implementar em relação às mulheres começam a trabalhar cedo: no horário e na idade
negras: com dupla jornada de trabalho que alcança, às
vezes, entre 10 a 18 horas. Além disso, sofrem
com as condições de trabalho, estudo e
As questões racial e de gênero são assistência, e com a displicência dos
intercruzados no Brasil?
empregadores, que nem sempre garantem seus
Sim. A política pública de inclusão social é o direitos com a carteira assinada.
eixo que estrutura o nosso trabalho, tanto em Em nossa sociedade, por intermédio da
relação à população negra quanto em relação às perpetuação do machismo, são muitos os estigmas
mulheres negras. Nesse sentido, surgem no Brasil, em relação à mulher, seja de objeto sexual ou de
como pontos importantes que se cruzam, a subserviência. Tais estigmas interferem, na
promoção da igualdade racial e os direitos das construção da identidade, nos direitos reprodutivos,
mulheres. A criação de organismos que combatam na sexualidade, na anticoncepção, na maternidade,
a desigualdade une a vontade política do governo às na posição que ocupa na família, união ou
possibilidades concretas de superação dessas casamento. São acentuados pelo preconceito, seja
desigualdades. Para que isso se transforme em da região de onde vem essa mulher, seja pela cor
realidade é preciso centrar atenção nas condições de sua pele, seja pela sua idade.

35
Portanto, a questão racial e étnica está daquelas pessoas que estão abaixo da linha de
profundamente intercruzada com a questão de pobreza. Certamente, o impacto será possível
gênero, seja pela violência da opressão de desde que sejam indicadas metas diferenciadas
gênero, seja pelas especificidades que envolvem que permitam produzir a visibilidade, o
a vida e as lutas das mulheres negras e monitoramento e avaliação das ações
indígenas, das trabalhadoras rurais e das implementadas para reduzir as desigualdades
migrantes. Penso que é urgente a implementação raciais.
de políticas públicas que melhorem as condições
Se adotarmos tal estratégia na
de vida das mulheres na cidade e no campo, de
implementação das políticas sociais, creio que as
acesso a terra, reforma agrária, um melhor uso e
mudanças serão profundamente significativas nos
conservação do meio ambiente. Para que elas
próximos quatro anos. Se conseguirmos reverter
não mais sofram com o descaso e a violência
ao menos parte desse quadro, após quatro anos
sexista, para que possam trabalhar sem temer
de governo, já podemos nos sentir vitoriosos. Este
violações de seus diretos.
é o nosso desafio, do governo e da sociedade
brasileira.
Quais são os principais desafios na luta
contra o racismo, o preconceito e a
discriminação racial no Brasil? Que políticas a sua Secretaria pretende
implementar em relação às mulheres negras?
Sabemos da profunda disparidade sócio-
econômica existente entre negros e brancos na A violação dos direitos humanos combina
sociedade brasileira. O principal desafio diante da com a opressão de raça e gênero e afeta
realidade do racismo, do preconceito e da diretamente as mulheres negras, demarcando um
discriminação racial vivida pela população negra cenário de desagregação social e de redução da
está em fazer com que o Estado brasileiro tenha qualidade de vida. A articulação da temática de
uma atuação coerente na formulação e execução raça e gênero é um princípio orientador da Política
de políticas sociais que priorizem programas que Nacional de Promoção da Igualdade Racial da
contribuam para reduzir os índices das SEPPIR. Nesse sentido, entre as diretrizes e as
desigualdades raciais entre a população negra e ações a serem desenvolvidas pelos programas de
a população branca. promoção da igualdade racial, destacamos o
desafio presente nas áreas da saúde, educação e
O desafio do Estado e da sociedade em trabalho. Como exemplo, cito o Programa de
garantir os direitos fundamentais a todos os Fortalecimento Institucional GRPE - Gênero,
cidadãos implica o reconhecimento de que Raça, Pobreza e Emprego, uma parceria entre a
vivemos num país marcado historicamente por SEPPIR e a OIT, que envolve articulação e uma
desigualdades raciais, responsáveis pela gestão compartilhada entre diversos Ministérios,
existência de graves desequilíbrios em termos de Governos Estaduais e Municipais e a sociedade
oportunidade e tratamento; ou seja, implica civil com a finalidade de desenvolver um conjunto
reconhecer que o fator racial e étnico constitui de ações voltadas para as mulheres negras no
elemento importante na distribuição de campo da capacitação, geração de emprego,
oportunidades de emprego, serviços trabalho e renda.
educacionais e outros benefícios públicos e
privados.
A política de cotas é o caminho para colocar
Nesse sentido, minha opinião é favorável à negros e negras na universidade?
adoção de políticas de ações afirmativas voltadas
para a população negra. No entanto, não se trata É uma medida emergencial. Para superar o
de excluir as políticas universalistas na medida racismo é preciso políticas públicas e ações
em que tais políticas focalizem a questão racial. afirmativas concretas, as quais já estão sendo
Isso significa dizer que adoção do recorte racial e trabalhadas pela SEPPIR.
de gênero, por exemplo, por um Programa de
A adoção de cotas para acesso e
Combate a Pobreza, poderá ter um impacto
permanência da população negra nas instituições
significativo na redução dos índices das
de ensino superior e do ensino profissional e
desigualdades raciais no Brasil, considerando
técnico de nível médio são realmente necessárias
que a população negra constitui quase 70%
como medidas que contribuam para reduzir

36
desigualdade de oportunidades
educacionais existentes entre os
estudantes negros e brancos.
As cotas são necessárias para
favorecer um equilíbrio mais justo das
oportunidades entre alunos negros e
brancos, não se tratando, portanto, de um
privilégio, mas da ação afirmativa de um
direito, na medida em que apenas cerca de
2% dos universitários brasileiros são
negros.
Devemos considerar que, até a
década de 1930, tínhamos instrumentos
legais proibindo o acesso da população
negra a educação em geral, como por
exemplo, as exigências que eram feitas aos
ex-escravos - portanto, homens e mulheres
livres - através de diversas leis que os
proibiam de freqüentar a escola, que
vigoraram entre 1888/1889 até a
Constituição de 1934. Por isso, parece
natural que nos últimos 70 anos de
educação superior no Brasil, os negros e
negras continuem sendo excluídos e
barrados às portas das universidades.
Imaginem que, anualmente, dos 1milhão e
200 mil alunos que se inscrevem nos
vestibulares, apenas 123 mil ingressam
nas universidades e destes, somente 2%
são negros. Então, se aplicarmos uma cota
de 20%, em quatro anos - média de
duração dos cursos - nós teremos mais de
100 mil alunos negros se formando a cada
quatro anos, apenas nas 53 universidades
públicas federais. Imaginem o impacto
deste fato na população negra brasileira e o
talento deste contingente populacional a
serviço da sociedade brasileira.
Entretanto, o ideal é transformarmos
essa escola de hoje em escola pública de
qualidade, com acesso irrestrito a todos os
brasileiros, independentemente de cor,
credo ou posição social, inibindo, dessa
forma, esse grande comércio que virou a
educação brasileira. Nesse sentido, a
implementação da Lei 10.639, que torna
obrigatório o ensino da Cultura Afro-
Brasileira, da História do Negro no Brasil e
da África no ensino fundamental e médio, é
uma medida importante para melhorar a
qualidade da nossa escola e a igualdade de
direitos que queremos respeitados pelas
nossas crianças e jovens no futuro.

37
Educação:
uma chave para a
igualdade

O Os educadores de adultos acreditam que a


DEPOIMENTO

alfabetização é uma chave para um outro mundo. A


pobreza é um obstáculo para a aprendizagem. Quase um
bilhão de pessoas no mundo não podem ler ou escrever ou
têm dificuldades com essas habilidades. A abolição da
pobreza é o nosso desafio comum. Nós precisamos da
cooperação global.

A Finlândia se desenvolveu, em algumas décadas, de


um estado agrícola pobre para um estado de bem-estar. O
movimento trabalhista finlandês e o trabalhismo forte das
mulheres caminharam à frente dos construtores de bem-
estar. A participação feminina no mercado de trabalho é
muito alta. Desde a década de 1980, as mulheres têm
educação mais elevada que os homens em todas as faixas
etárias. As mulheres finlandesas ganharam o direito ao
sufrágio nas eleições parlamentares em 1906 e nas eleições
municipais em 1917. Hoje há 37,5% de mulheres no
Parlamento e 34,4% como conselheiras municipais. O
Presidente da República é uma mulher. Há quase 50% de
ministras no gabinete.

No entanto, construir o bem-estar e a igualdade não


foi fácil e está se tornando mais difícil. A globalização está
colocando novos desafios no Sul e no Norte. Em vez de
uma competição mútua ou do medo e da amargura de
perder os empregos, precisamos mais do que nunca de
solidariedade. Além de fraternidade1 , precisamos de
irmandade global.1

Merja Leskinen.
Secretária internacional da
Federação Educativa dos
1 Besides brotherhood we need global sisterhood.
Trabalhadores, Educadora de Nota da tradução: a autora faz um jogo entre brotherhood, fraternidade, com sisterhood,
Adultos, Jornalista que seria a versão feminina da palavra (brother = irmão, sister = irmã). O jogo de
gêneros não se mantém na tradução direta das palavras.
Finlândia

38
Às seis da tarde
Às seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.
Agora

às seis da tarde
as mulheres
regressam do ttrabalho
rabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução

Marina Colasanti

39
A mulher na
política
O ano de 2004 é o Ano
Voto feminino da Mulher, conforme a Lei
A abertura do voto para as mulheres aconteceu pela 10.745, sancionada pelo
primeira vez em 1928, no Rio Grande do Norte. presidente Luiz Inácio Lula
Mas o sufrágio feminino só foi oficializado quatro
da Silva, com o objetivo de
anos depois, por meio de um decreto-lei assinado por "estabelecer condições de
Getúlio Vargas. A partir de 1932, as mulheres casadas e igualdade e justiça na
devidamente autorizadas pelos maridos puderam votar. inserção da mulher na
Quatorze anos depois, em 1946, caíram as restrições sociedade".
ao voto da mulher, que passou, finalmente, a ser A presença feminina
universal. no governo atual foi
assegurada pela criação da
Primeira mulher Secretaria Especial de
A primeira mulher eleita para uma prefeitura no Políticas para as Mulheres,
Brasil foi a fazendeira Alzira Soriano, em 1928, na cidade comandada pela ministra
de Lajes, no Rio Grande do Norte. Mas ela não exerceu o Emília Fernandes e, em
mandato, pois a Comissão de Poderes do Senado impediu seguida, pela ministra Nilcéa
que Alzira tomasse posse e anulou os votos de todas as
Freire. Em 21 de março de
mulheres da cidade.
2003, "Dia Internacional Pela
Primeira deputada Eliminação da
A paulista Carlota Pereira de Queiroz foi a primeira Discriminação Racial", foi
mulher eleita deputada federal, em 1933, por São Paulo. instituída a Secretaria
Especial de Políticas de
Senadora Promoção para a Igualdade
A primeira senadora brasileira foi Eunice Michilles, Racial, cuja titular é a
do Amazonas; ela era suplente e assumiu o cargo em ministra Matilde Ribeiro.
1979, após a morte do senador João Bosco Ramos de No dia 17 de fevereiro
Lima. deste ano foi realizado o
lançamento oficial do Ano da
Senadora negra
Mulher, no Senado Federal.
O Acre foi o primeiro Estado do país que elegeu A ministra Nilcéa Freire
uma senadora negra, a médica Laélia Alcântara. A
disse que a sua pasta quer
segunda foi a governadora do Rio Benedita da Silva, do
compartilhar os trabalhos
PT.
com a Câmara e o Senado
Governadora para construir um futuro
Em 1994, Roseana Sarney foi a primeira mulher a diferenciado para a mulher.
ser eleita governadora no Brasil, no Maranhão. Mas a "Temos que trazer o
primeira a governar um Estado foi Iolanda Fleming, em significado da trajetória da
1986, no Acre, para completar o mandato de Nabor Júnior. mulher e de suas
conquistas, muitas vezes
ainda no papel, para o
(Fonte: Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/
folha/especial/2002/eleicoes/curiosidades.shtml) cotidiano", afirmou.

40
Poder Legislativo mas, desde então, continuam
votando mais nos homens.
mínimo 20% de mulheres nas
chapas proporcionais.
No Brasil, as mulheres
Mesmo assim, 8,2% de Embora ainda pequena, a
constituem mais de 50% da
deputadas e 12,3% de presença das mulheres no
população. Entretanto, no
senadoras já representam um parlamento coloca em pauta
Parlamento (Câmara de
crescimento da presença temas importantes como a
Deputados e Senado), elas são
feminina no poder Legislativo, proteção da mulher no trabalho,
menos de 10% do total. As
talvez como efeito da "lei de leis que combatem a violência
mulheres tiveram assegurado
cotas", aprovada em 1995. Pelo doméstica, o cuidado infantil, a
na Constituição o direito de votar
sistema de cotas, os partidos criação de mecanismos para
e de ser votadas há 72 anos
são obrigados a inscrever no aleitamento materno e outros.

DEPUTADOS E SENADORES DO BRASIL EM 2002

MULHERES HOMENS TOTAL

53 541 594

DATAS IMPORTANTES NA LUTA PELA IGUALDADE


24 de fevereiro 8 de março 21 de março
Dia da conquista do voto Dia internacional Dia internacional
feminino no Brasil da mulher pela eliminação da
discriminação racial

30 de abril 18 de maio 28 de maio


Dia nacional Dia nacional de luta contra Dia internacional
da mulher a exploração sexual de de luta pela saúde
crianças e adolescentes da mulher

28 de maio 25 de julho 23 de setembro


Dia de combate Dia Internacional da Dia Internacional contra a
à mortalidade materna Mulher Negra Exploração Sexual e o Tráfico
Latino-americana e Caribenha de Mulheres e Crianças

28 de setembro 10 de outubro 20 de novembro


Dia pela descriminalização Dia nacional de luta contra Dia nacional
do aborto na América a violência à mulher da consciência negra
e Caribe

25 de novembro 1º de dezembro 10 de dezembro


Dia internacional pela Dia mundial Dia mundial
eliminação da violência de combate à AIDS dos Direitos Humanos
contra a mulher

41
A Ministra Nilcéa Freire encara a
Secretaria Especial de Políticas para
as Mulheres como uma escolha, "a de
estar num governo onde eu acredito
que possa realizar". Seu cargo
permanente é ser professora de
universidade pública, completa. Ela
foi a primeira mulher a assumir a
reitoria da Universidade do estado do
Rio de Janeiro (UERJ), eleita para a
gestão 2000/2003. No período de 1996
a 1999, ocupou a vice-reitoria da
Universidade.

Políticas públicas para


mudar o cotidiano da
mulher brasileira
Hoje, aos 51 anos de Universitário Pedro Ernesto federal e sobre a situação das
idade, seu currículo retrata uma (HUPE). Em 1984, realizou mulheres no Brasil:
trajetória de profundo estágio de pesquisa no Museu
envolvimento com a de História Natural de Paris. É Qual é a situação atual da
Universidade, onde se graduou mestra em Zoologia pelo Museu mulher no mercado de
trabalho?
na Faculdade de Ciências Nacional/UFRJ e trabalhou no
Médicas em 1978. O curso foi Laboratório de - Ainda é uma situação
interrompido por um ano de Esquistossomose da Fundação desigual. O mercado de
exílio no México, devido à sua Oswaldo Cruz, em projetos trabalho, de certa forma, não
participação no movimento financiados pela Organização privilegia a competência. Muitas
estudantil contra a ditadura Mundial de Saúde. vezes as escolhas discriminam
militar. as mulheres, pagam salários
Para o Observatório
Nilcéa foi residente em Social Em Revista, falou sobre inferiores a elas para atividades
Parasitologia no Hospital o cargo que assumiu no governo iguais as dos homens e, em

42
muitos casos, as mulheres são
preteridas mesmo quando têm o
mesmo nível de escolaridade
dos homens. O rendimento
médio das mulheres ocupadas
continua sendo cerca de 35%
inferior ao dos homens.
Se não houvesse mais As mulheres
desigualdade entre homens e correspondem a pouco mais da
mulheres no País, se o mercado metade da população brasileira
e constituem, aproximadamente,
de trabalho absorvesse de 42% do mercado de trabalho e
maneira equânime homens e são responsáveis pelo sustento
mulheres com igual nível de de aproximadamente 1/3 das
escolaridade, se as mulheres não famílias no Brasil. No entanto,
essas são as mais atingidas
sofressem, no âmbito doméstico, pelo desemprego e pelo
tanta violência quanto ainda crescimento do setor informal
sofrem, não seria necessária a da economia. Entre as que
existência de uma Secretaria estão inseridas no mercado de
trabalho formal, o maior
Especial de Políticas para as contingente se concentra nos
Mulheres. postos de trabalho mais
desqualificados, nas funções de
menor prestígio social e com
menor remuneração.
As desigualdades sociais,
marcadas pelo viés de gênero,
tornam-se mais graves quando
se inclui o componente racial:
44% da população feminina é
composta de mulheres negras e
as famílias chefiadas por essa
população são as mais pobres
do país (muitas, abaixo da linha
de pobreza).

A mulher avançou
socialmente, mas o
preconceito não acabou.
Diversos estudos apontam a
desigualdade de
oportunidades das mulheres
no Brasil...

- Por isso, nós estamos


aqui. Se não houvesse mais
desigualdade entre homens e
mulheres no País, se o mercado
de trabalho absorvesse de
maneira equânime homens e
mulheres com igual nível de
escolaridade, se as mulheres
não sofressem, no âmbito
doméstico, tanta violência
quanto ainda sofrem não seria

43
necessária a existência de uma Eu entendo que a política melhorar o acesso das
Secretaria Especial de Políticas de cotas é um instrumento de mulheres ao mercado formal,
para as Mulheres. Houve muitas ação afirmativa importante. Em por meio de ações em parcerias
conquistas ao longo dos anos. determinados momentos da nos âmbitos federal, estaduais e
No entanto, há ainda um longo história, e eu acredito que no municipais. Para tanto,
caminho a ser percorrido. Neste Brasil estamos num momento incluímos em nosso Plano
governo nós temos a desses, é preciso acelerar o Plurianual o programa Igualdade
expectativa de que essas processo de inclusão e as de gênero nas relações de
conquistas sejam cotas, portanto, são um trabalho, que visa garantir a
transformadas em políticas instrumento legítimo e válido inclusão das mulheres no
públicas que efetivamente para acelerar esse processo. mundo do trabalho, com
mudem o cotidiano das acesso, ascensão, salários e
mulheres no nosso país. O presidente Lula instituiu demais direitos trabalhistas, em
Recentes pesquisas 2004 como o "Ano da condições de igualdade entre
Mulher". O que está sendo
mostram a crescente programado para este ano? homens e mulheres, através de
participação das mulheres no apoio a projetos que contribuíam
mercado de trabalho, o aumento A 1ª Conferência Nacional para a melhoria das condições
de sua importância econômica, de Políticas para as Mulheres de trabalho das mulheres. Em
bem como sua responsabilidade ocorrerá nos dias 15, 16 e 17 parceria com outras Secretarias
pelo sustento da família e, de julho é uma das principais e Ministérios estamos
também, o seu destaque atividades. Na verdade ela já participando do Programa de
profissional em vários setores. está acontecendo em nível de Fortalecimento da OIT: Gênero,
Porém, a sociedade brasileira municípios e dos estados. A Raça, Pobreza e Emprego
ainda deixa transparecer fortes Conferência definirá um plano (GRPE), que promove a
traços do modelo patriarcal. São de políticas para as mulheres, capacitação de gestores
comuns as situações de ou seja, um conjunto de públicos nas temáticas de
discriminação e de opressão às diretrizes que os movimentos gênero, raça, pobreza e
mulheres, entre elas os sociais e feministas e de emprego, visando a formação,
crescentes registros de mulheres, toda a sociedade e desenvolvimento de projetos,
violência doméstica. Na esfera esferas governamentais federal, assistência técnica e
do trabalho, ao mesmo tempo estadual e municipal passarão a monitoramento das ações
que reflete valores sociais que ter como um guia de definição implementadas e da Comissão
atribuem um papel secundário de suas políticas. Tripartite para Igualdade de
às mulheres, contribui para a Oportunidades entre homens e
reprodução das chamadas Quais são seus objetivos mulheres no emprego, no
"imagens de gênero", o que como ministra de uma âmbito dos países do Cone Sul,
pode ser observado através da Secretaria Especial para em conjunto com a OIT,
Mulheres?
divisão sexual do trabalho, da objetivando promover uma
segmentação ocupacional, das Nossa missão, enquanto política pública de igualdade de
barreiras ao acesso, secretaria, é ser uma oportunidade e tratamento;
permanência e promoção no assessoria especializada à incorporar as questões de
emprego, das menores Presidência da República no gênero na programação,
possibilidades de acesso à sentido de propor políticas, execução, supervisão e
qualificação profissional e de projetos e ações, além de avaliação das atividades
ascensão nos postos mais promover através do trabalho levadas a cabo pelos
elevados nas empresas. conjunto com os diferentes Ministérios do Trabalho da
ministérios a garantia de ações região; incentivar e apoiar as
A senhora esteve à frente da iniciativas adotadas pelas
sobre a questão da mulher em
UERJ, como reitora, quando entidades da sociedade civil;
esta foi pioneira no país na todas as políticas
adoção de uma política de governamentais. oferecer assessoria técnica a
cotas para negros. A política Nosso trabalho consiste iniciativas parlamentares sobre
de cotas é o caminho para em promover a diminuição o tema e implementar
colocar os negros e as formas de difundir a legislação
dessas desigualdades salariais
mulheres negras na laboral.
universidade? entre homens e mulheres, de

44
Estratégias das
mulheres para o
comando corporativo

O O mercado de trabalho é o mais importante canal


para a independência e a liberação das mulheres. No

DEPOIMENTO
entanto, conhecemos a história. As mulheres têm pouca
presença nas posições mais altas e estão excessivamente
presentes nos cargos não-especializados. Estamos sub-
representadas nos cargos bem pagos e excessivamente
presentes nos mal pagos. Apesar dos acordos e diretrizes
internacionais, a discriminação parece ser um dos poucos
fenômenos internacionais que atravessa fronteiras
geográficas, culturais e regionais. Nossos estudos, tanto na
Noruega como na África do Sul, mostram que os
sindicatos infelizmente não são diferentes de outros
organismos, quando se trata da baixa representatividade
das mulheres nas posições influentes.
A legislação e a obrigatoriedade nacional contra a
discriminação são essenciais. A passagem das jovens pelo
sistema educacional é importante para encaminhar a
questão da discriminação no mercado de trabalho, mas
esperar por isso para resolver nossos problemas é, na
melhor das hipóteses, um teste de paciência. Comitês de
mulheres em sindicatos e no trabalho são importantes, mas
carregam o risco de marginalizar as questões das mulheres
e a sua representação. Cotas para mulheres ou uma
legislação nacional, atual, com essa finalidade, parecem
estar entre nossos poucos expedientes de sucesso. De
modo similar, os sistemas de "discrimação positiva"
implementados em diversos municípios para obter uma
representatividade melhor em posições elevadas parece
ser um caminho produtivo. A luta por remuneração
igualitária em cargos iguais deveria ser colocada como
prioridade na agenda dos sindicatos em todo o mundo. É
Liv Torres. igualmente importante, para a luta das mulheres e para o
recrutamento e influência sindical, assegurar que tenhamos
Diretora de pesquisa, uma representação igualitária de mulheres e homens nas
Instituto de Pesquisa Social altas posições e o quanto antes, melhor.
Aplicada FAFO
Noruega

45
As faces que pediram as "diretas já!" no Brasil e as caras
pintadas que provocaram o impeachment de Collor eram de
homens e mulheres. As imagens das passeatas e das greves
registram cidadãos e cidadãs que constróem a história de luta
dos trabalhadores. As mulheres estão cada vez mais presentes
nas fábricas e nas ruas. Mas, da mesma forma que nas
empresas as mulheres estão ausentes das chefias, nas diretorias
dos sindicatos e nos espaços de poder elas também são minoria.
O poder não gosta muito de vestir saias.

O Sindicato de
saias
As mulheres constituem a
maioria da população brasileira.
Se as mulheres são maioria
numérica mas estão em menor
esta baixa participação acontece
tanto na composição do quadro de
De acordo com o IBGE, dos número no mercado de trabalho, associados quanto nas diretorias
169.799.170 brasileiros, 50,78% estes índices ficam ainda mais dís-
sindicais. Mesmo quando estão
são mulheres e 49,22% são ho- pares quando se trata da presen-presentes nas diretorias, as mulhe-
mens. Vários estudos têm busca- ça feminina nos sindicatos: de res geralmente não estão nos car-
do traçar o perfil destes brasileiros cada 100 brasileiros sindicaliza-
gos considerados mais importan-
quanto à sua condição social, à dos, pouco mais de 36 são mulhe-tes, que são: a presidência, a se-
educação ou ao mercado de tra- res. cretaria geral e a tesouraria.
balho. Eles apontam várias carac- O Censo Sindical do IBGE, Em publicação lançada pela
terísticas, como: realizado em 2001, indicou que CUT, organizada pela então Co-
missão Nacional sobre a
- os dados do IBGE sobre a PEA (População Economicamente Ativa) apontam Mulher Trabalhadora (hoje
que as mulheres são minoria no mercado de trabalho (41,9% de participação transformada em Secreta-
feminina e 58,1% de participação masculina); ria na estrutura da Central),
as mulheres apelam por
- estudos do Dieese constatam que as mulheres encontram dificuldades para
uma reflexão sobre a vivên-
entrar e atuar no mercado de trabalho, há proporcionalmente menos
cia dos sindicatos pois, se-
mulheres nos postos de trabalho mais protegidos por lei e de melhor
qualidade; gundo o texto, "para se ocu-
par este lugar com um olhar
- ainda de acordo com o Dieese, as mulheres são mais escolarizadas (85,4% voltado para a democracia,
delas, contra o índice masculino de 85,1%); paga-se um preço muito
alto devido à forma como
- a Fundação Perseu Abramo estima que a mulher gaste semanalmente 40 está organizado o espaço
horas desempenhando trabalhos domésticos, independentemente de ser só público; um lugar pensado
dona-de-casa ou não, enquanto a média dos homens ficou em torno de seis para os homens e constru-
horas por semana.
ído com base na ideologia
patriarcal".

46
46
MULHERSINDICALISTA
Mãe, esposa, trabalhadora, e no máximo 70% para ambos os
sexos. Conforme avaliação de Ma-
Para a jornalista Maria Rita Kehl,
que analisou a participação das
sindicalista... ria Ednalva de Lima, diretora exe- mulheres nos sindicatos em arti-
Publicações feministas de cutiva da Secretaria Nacional So- go para a revista Teoria e Debate
diversos sindicatos e entrevistas bre a Mulher Trabalhadora da CUT, nº 23, "apesar das disputas, dos
com sindicalistas apontam, ainda, em entrevista nesta edição receios, da grosseria de alguns
a grande dificuldade das mulheres (pág.14), "ao longo desses 17 anos companheiros de militância, que
em viver a militância sindical. A ter- de desenvolvimento desta política ainda tentam minimizar a partici-
ceira jornada, somada à do traba- voltada para as trabalhadoras com pação das mulheres e reduzi-las
lho e à doméstica, é uma das prin- a perspectiva de gênero a imple- à posição de 'gostosonas', que não
cipais, pois ela implica no reconhe- mentação de cotas foi um dos deveriam estar nas assembléias e
cimento das desigualdades. Pro- grandes êxitos da nossa luta". portas de fábricas, o fato é que a
piciar a participação da mulher no A partir do final da década de crescente participação das mulhe-
sindicato significa criar condições 1980, começam a surgir nas cen- res na vida sindical - inclusive em
como a presença de creches nos trais sindicais as comissões ou se- posições de poder - só traz cres-
eventos sindicais ou horários de cretarias de mulheres, onde os cimento para ambos os sexos. Se,
reunião compatíveis etc. Outra di- debates geram propostas de de um lado, os homens vão apren-
ficuldade que pode ser citada é his- ações sindicais e trazem a possi- dendo que o relacionamento com
tórica: a herança do distanciamen- bilidade das mulheres de se orga- uma feminista - ou seja, uma mu-
to das mulheres da política e da nizar e influir nas políticas e práti- lher que se sente em pé de igual-
vida pública. cas sindicais. dade com eles - é muito mais enri-
Para vencer esta barreira, Há uma questão cultural a quecedor do que com uma mulher
uma das iniciativas é a adoção da ser vencida, a de que "sindicato é submissa, dependente e chora-
política de cotas para a participa- lugar para homem". Mesmo com mingas, por outro, as mulheres re-
ção das mulheres. A Central Úni- as resistências, a estratégia geral conhecem estar rompendo com
ca dos Trabalhadores possui uma tem sido a de fomentar e manter a uma alienação secular e conquis-
política de participação nas instân- participação das mulheres em to- tando cidadania, autonomia e com-
cias de direção de no mínimo 30% das as instâncias da vida sindical. petência."

47
Golpe baixo

E
DEPOIMENTO

Ela era uma presidente sindical valorosa e


destacada. O trabalho árduo com colegas, a
maioria do sexo masculino, a tinha deixado
resistente e forte. Muitas vezes era foco das
atenções. Ressentia-se com o fato de os homens
falarem horas a fio, sem irem ao ponto do
debate.
Um deles ficava no encalço do seu
trabalho como líder sindical e tentava enfrentá-la
em todas as discussões. Mas ela era lúcida e
apresentava suas posições de um modo que
todo mundo entendia.
Um dia eles tiveram uma briga dura e
amarga. Discutiram por horas. Ela expôs muito
bem suas posições. Os outros acabaram
aceitando o ponto de vista dela e lhe deram o
apoio de que precisava. Com exceção do Rival.
Ele estava extremamente amargo e bravo por
não ter sido capaz de vencê-la.
À noite eles tiveram uma reunião social
num restaurante. Quando faziam fila para a
comida, o Rival se aproximou por trás dela. Se
pôs muito perto, sobressaindo-se sobre ela -
com a mão em seu traseiro e uma expressão
zombeteira no rosto.
Ela chorou amargamente naquela noite.

Diis Bohn. Ele a venceu no final, com um único,


condescendente toque de mão.

Diretora da Central
Sindical
LO Noruega

48
Direitos conquistados tudo "Negociação Coletiva e Eqüidade de Gênero
no Brasil - Cláusulas relativas ao trabalho da mu-
A emancipação feminina, a opção pessoal por
lher 1996-2000", onde apresenta dados compilados
um projeto profissional, o desemprego, a respon-
de 94 documentos entre convenções e acordos co-
sabilidade de chefiar a família, enfim, vários são os
letivos, abrangendo 30 categorias profissionais, com
motivos que têm levado as mulheres ao mercado
o objetivo de localizar, sistematizar e analisar as clá-
de trabalho. A maioria delas, entretanto, atua nos
usulas que abordam o trabalho da mulher e as rela-
cargos menos remunerados e menos protegidos
ções de gênero no trabalho.
por lei.
As negociações coletivas têm se mostrado

MULHERSINDICALISTA
No mercado de trabalho, as negociações co-
importantes para introduzir garantias ausentes na
letivas tornaram-se significativas na definição de
legislação e mesmo ampliar os direitos já previs-
regras e condicionantes das relações de traba-
tos. Mesmo restritas a algumas categorias, estas
lho. É através delas que as mulheres conquista-
cláusulas abrem espaço para a negociação em
ram garantias ao trabalho e buscam a eqüidade
outras frentes. Veja alguns dos temas abordados
de gênero.
nestas negociações:
O Dieese publicou, em agosto de 2003, o es-

TEMA TIPO DE CLÁUSULA


Gestação Estabilidade gestante
Função compatível à gestante
Liberação de gestante antes do término jornada de trabalho
Exame pré-natal
Atestado médico de gravidez
Primeiros socorros para parto
Informações sobre riscos à gestante
Maternidade/Paternidade Licença maternidade
Licença paternidade
Estabilidade do pai
Garantias à lactante
Creche
Acompanhamento de filhos
Dependentes portadores de deficiência
Auxílio natalidade
Garantias na adoção
Responsabilidades familiares Acompanhamento de cônjuges e/ou familiares
Auxílio educação
Assistência à saúde
Auxílio dependentes
Condições de trabalho Direito de trabalhar sentada
Revista de pessoal
Assédio sexual
Fornecimento de absorventes
Fornecimento de sapatos e meias
Exercício do trabalho Qualificação e treinamento
Saúde da mulher Prevenção do câncer ginecológico
AIDS
Licença aborto
Estabilidade aborto
Retorno de licença maternidade
Eqüidade de gênero Garantias contra a discriminação

49
Fazer parte de um grande contingente de
trabalhadoras, com escolaridade crescente e experiência
de trabalho, não garantiu, até este momento, tratamento
igualitário para as mulheres no mercado de trabalho,
embora essas condições venham lentamente se
modificando. As mulheres ganham menos e estão
desempregadas em maior proporção do que os homens.
Além disso, continuam sendo majoritárias nas atividades
classicamente consideradas femininas nos setores ligados
às atividades sociais e esmagadoramente presentes no
emprego doméstico. No que se refere às condições em que
exercem seu trabalho, as mulheres são também aquelas
que apresentam maior vulnerabilidade na sua inserção
no mercado de trabalho, ocupando os postos mais
precários em maior proporção.

AS MULHERES NO MERCADO DE
TRABALHO BRASILEIRO:
Na comparação entre homens e mulheres, a vulnerabilidade em todas as regiões, que se deve, em
grande maioria da população feminina é a assalari- grande parte, ao emprego doméstico para este grupo.
ada com carteira assinada e está ocupada no setor
público nas regiões metropolitanas analisadas pela As mulheres ganham menos que os homens
PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego, abran- em todas as regiões da pesquisa. As diferenças de
gendo Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salva- rendimentos não dependem do grau de formalização
dor, São Paulo e Distrito Federal - enquanto aos da atividade, função ou cargo exercido, ou do nível de
homens são reservados os empregos no setor pri- escolaridade. Uma das explicações para a desigual-
vado, com e sem carteira de trabalho. dade está no fato de que as mulheres ocupam mais
freqüentemente setores de atividade econômica que
O Brasil se caracteriza por um mercado em tradicionalmente pagam salários menores: prestação
que grande parte dos trabalhadores ocupa postos de serviços domésticos, pessoais e outros serviços
de trabalho precários, sem acesso aos direitos so- não especializados, com fortes restrições a sua as-
ciais e trabalhistas, com jornadas extensas, além censão aos melhores postos de trabalho na estrutu-
dos limites legais. Essa situação atinge homens e ra ocupacional.
mulheres. As mulheres apresentam maior grau de

50
Melhores níveis de escolaridade têm como con- todas as formas de discriminação. É necessário lem-
trapartida rendimentos mais elevados, como regra brar que, dentre todas, as mulheres negras sofrem a
geral. No entanto, não significam igualdade de remu- mais pesada carga de discriminação, vivendo uma
neração no caso das mulheres. Enquanto para os situação de dupla diferenciação: de sexo e racial.
homens atingir o grau superior significa aumentar Dentre todos, são aquelas que vivenciam as piores
seus rendimentos 4,2 vezes, para as mulheres, o condições de vida, trabalho e remuneração. No estu-
mesmo esforço eleva 3,6 vezes sua remuneração. do "Mulher Negra: dupla discriminação nos merca-
Esses dados demonstram não somente diferencia- dos de trabalho metropolitanos", o DIEESE mostra
ção de remuneração para os mesmos níveis de es- que as mulheres negras recebiam, no biênio 2001-
colaridade. Mostram também que a disparidade tende 2003, somente 53% dos rendimentos dos homens
a tornar-se maior conforme a escolaridade cresce. não negros na região metropolitana de Belo Horizon-
te e apenas 35,% na mesma comparação, em Sal-
Assim, pode-se concluir que os atributos con-
vador.
siderados essenciais para a ascensão no mercado
de trabalho não produzem efeitos sobre a discrimi- É por essa razão que as organizações das
nação praticada contra a mulher, que mantém pata- mulheres, especialmente no movimento sindical, sem-
mares salariais inferiores aos dos homens seja qual pre se reuniram em torno da idéia da igualdade para
for seu nível de instrução ou ocupação. todos.
O desemprego, fenômeno que penaliza a to- É preciso investir na negociação coletiva para
dos e se constituiu no problema central do país na assegurar melhores condições de trabalho para to-
última década, adquiriu feições femininas. Historica- dos e criar mecanismos para impedir a discrimina-
mente, as taxas de desemprego sempre foram mais ção. Para isso, é de suma importância que as mu-
elevadas entre as mulheres, em comparação com lheres conheçam seus direitos, estejam presentes e
as verificadas entre os homens, independentemente atuantes nas organizações sindicais e se preparem
do ritmo de crescimento da economia. No entanto, para participar na negociação coletiva, desde os lo-
foi durante os anos 90, em situação que permanece cais de trabalho até as mesas de negociação, não
até hoje, que as mulheres ultrapassaram a marca dos somente entre trabalhadores e empresários, mas
50% do contingente de desempregados em grande também nos espaços institucionais para discussão
parte das regiões metropolitanas estudadas pela das políticas públicas.
PED. As mulheres têm taxas de desemprego superio-
No capítulo dos direitos do trabalho, o reconhe-
res às dos homens em até sete pontos percentuais.
cimento do vínculo de trabalhadores e trabalhadoras,
O caminho em busca da igualdade mostra-se expresso na carteira de trabalho assinada, tem im-
bastante longo: há vários obstáculos a vencer até que pactos diretos para o acesso aos benefícios sociais
as mesmas oportunidades, condições e reconheci- (como FGTS, garantia de 13º salário, férias e abono
mento estejam assegurados a todos, desaparecidas de férias, auxílio doença, licença maternidade, por
exemplo), à aposentadoria e até mesmo ao crédito.

DESIGUALDADE
Acima de tudo, é preciso que o país tome o
caminho para o crescimento com distribuição de ren-
da, para que sejam gerados os postos de trabalho
necessários para resolver o desemprego e a renda

E MUDANÇA
para melhorar a qualidade de vida da população e
realimentar a expansão da economia. Aumentar a ri-
queza do país e melhor dividi-la dará a todos, homens
e mulheres, melhores oportunidades para construir a
igualdade e assegurar condições de vida e trabalho
dignas para todos.

Solange Sanches
Socióloga, especialista em Economia
e Gestão das Relações de Trabalho
Coordenadora das Pesquisas de Emprego e
Desemprego do DIEESE
51
O olhar sobre a
desigualdade

M Meu nome é Elizabeth Bruzzone, 45 anos, bancária


por profissão e sindicalista por convicção.
Minha atividade sindical começou faz 23 anos no
sindicato da AEBU (Associação de Empregados
Bancários do Uruguai), um sindicato totalmente masculino
DEPOIMENTO

e com profundas raízes machistas.


O primeiro passo foi fazer parte da representação
do próprio Banco ao qual ainda pertenço (era ainda
época da ditadura), e o objetivo maior era somar
companheiros e companheiras ao trabalho sindical que
seria retomado com o primeiro governo democrático.
Logo depois, ingressei no Conselho do Setor
Bancário Oficial, que reúne todos os bancos estatais do
país e onde se tratam dos temas dos quatro Bancos
Oficiais.
É aí onde ficam para mim mais visíveis as
desigualdades de gênero e começa meu trabalho mais
específico, buscando promover a igualdade entre homens
e mulheres em todos os níveis dos projetos que são
gerados no sindicato.
A maior dificuldade foi demonstrar e conscientizar
às companheiras e aos companheiros da existência dessas
desigualdades, inclusive em nossa organização sindical
desde sua conformação, seus ritmos, horários, linguagem,
plataformas, planos de trabalho etc.
Sou delegada da AEBU no Departamento de
Gênero e Eqüidade da Central PITCNT, onde minha
maior responsabilidade é a Secretaria Técnica da
Comissão de Mulheres da Coordenadoria de Centrais
Sindicais do Cone Sul e, logicamente, também, o trabalho
Elizab
Elizabeth Bruzzone.
abeth e compromisso com as companheiras dos diversos
sindicatos que constituem o Departamento.
Departamento de Romper as barreiras culturais “machistas” de
Gênero e Eqüidade da nossas sociedades é tarefa árdua e lenta, que requer um
Central Sindical PIT-CNT trabalho em conjunto entre homens e mulheres e que
(Uruguai) implica em evoluir a estágios superiores da civilização que
conduzam à igualdade, o respeito e à melhoria na
qualidade de vida de todos os seres humanos.

52
Modelagem / Mulher
Assim foi modelado o
objeto:
para subserviência.
Tem olhos de ver e apenas
entrevê. Não vai longe
seu pensamento cortado
ao meio pela ferrugem
das tesouras. É um mito
sem asas, condicionado
às fainas da lareira
Seria uma cântaro de
barro afeito
a movimentos incipientes
sob tutela.
Ergue a cabeça por
instantes
e logo esmorece por força
de séculos pendentes.
Ao remover entulhos
leva espinhos na carne.
Será talvez escasso um
milênio
para que de justiça
Pois o modelo tenha vida integral.

deve ser indefectível


segundo
as leis da própria
modelagem.
Henriqueta Lisboa

53
As mulheres formam um
grupo social explorado em proces-
sos sociais de transferência de
energia e poder. É evidente que a
opressão não se combate apenas
através de normas jurídicas, uma
vez que não decorre só de uma
condição legal. Porém, não se
nega a importância de normas,
convenções e tratados internacio-
nais para coibir condutas de opres-
são. O enfoque deste artigo é a dis-
criminação sofrida pelas mulheres
no trabalho e a dificuldade na rea-
lização da prova perante o judiciá- É evidente que a opressão não se
rio.
combate apenas através de normas
O artigo 5º da Constituição
de 1988 assegura a igualdade de jurídicas, uma vez que não decorre só
todos perante a lei, "sem distinção de uma condição legal. Porém, não se
de qualquer natureza (...)". Entre-
tanto, a liberdade de escolha en- nega a importância de normas,
contra limites na realidade cotidia-
na. As diferenças fisiológicas são
convenções e tratados internacionais
utilizadas para justificar a divisão para coibir condutas de opressão.
sexual do trabalho. A partir delas
se formam as construções cultu-
rais que assinalam determinados
atributos às pessoas ou grupos

Mulher,
sociais. Assim se estabelece a
base que regula o direito ao aces-
so de recursos, transmissão des-
ses e apropriação do trabalho pe-
los demais.

discriminação e
A Constituição reconhece os
tratados e convenções internacio-
nais ratificados pelo governo bra-
sileiro. Entre os destaques, cita-

direito do
mos a Convenção sobre a Elimi-
nação de Todas as Formas de Dis-
criminação Contra a Mulher (1979),
da OIT. Ela compromete os Esta-
dos partes a adotar todas as me-
didas apropriadas para eliminar a

trabalho
discriminação contra a mulher no
emprego, a fim de assegurar as
mesmas oportunidades de empre-
go, o direito de escolha da profis-
são e emprego, a igualdade de re-
muneração para trabalhos de igual

54
valor, a seguridade social e a pro- formação profissional e oportunida- O governo brasileiro sancio-
teção à saúde. Determina a proibi- des de ascensão profissional; im- nou a Lei nº 10.778 que entrará em
ção de despedida por gravidez ou pedir o acesso ou adotar critérios vigor no prazo de 120 dias a con-
licença maternidade e a discrimi- subjetivos para inscrição em con- tar de sua publicação, ocorrida em
nação por casamento ou estado cursos em empresas privadas, em 24 de novembro de 2003. Ela es-
civil. Manda, ainda, investir em razão de sexo, idade, cor, situação tabelece "notificação compulsória,
serviços sociais para permitir que familiar ou estado de gravidez; pro- no território nacional, do caso de
os pais combinem as obrigações ceder revistas íntimas nas funcio- violência contra a mulher que for
familiares com as do trabalho e da nárias. atendida em serviços de saúde
vida pública, especialmente medi- públicos ou privados". As informa-
Os tribunais têm coibido
ante o fomento de creches. ções devem ser sigilosas para pre-
despedidas arbitrárias dos(as)
servar a identidade da vítima.
A Convenção nº 111 da Or- portadores(as) do vírus do HIV,
ganização Internacional do Traba- desde que o(a) empregado(a) A prova judicial cabe à vítima,
lho também trata da discriminação comprove a discriminação. Isso o que se torna difícil, pois geralmen-
de emprego e ocupação, enquan- representa uma dificuldade, pois te o agressor age sem testemu-
to a Convenção nº 100 é mais es- nem sempre há pessoas dispos- nhas. É necessário que o enfoque
pecífica quanto à promoção da tas a testemunhar sobre o fato. da discussão não ocorra apenas
igualdade de oportunidades no Ademais, no direito brasileiro, o quando houver o rompimento do
emprego. Todos esses temas se empregador tem o poder de demi- contrato de trabalho. Deve-se evi-
relacionam aos direitos humanos tir sem qualquer motivo. Felizmen- tar que essas condutas ilícitas
e não podem ser pensados de for- te, alguns tribunais têm entendido aconteçam e buscar que as mu-
ma hierarquizada, com prevalên- que a despedida logo após a em- lheres possam assegurar sua liber-
cia de alguns sobre os outros. presa tomar conhecimento de que dade sexual e de trabalho.
a pessoa é soropositiva faz presu-
O artigo 461 da Consolida- A apreciação da prova
mir a discriminação.
ção das Leis Trabalhistas (CLT) pelo judiciário
proíbe a distinção de remuneração A Portaria Ministerial nº 869/
Na distribuição do ônus da
entre os que exercem idêntica fun- 92 do Ministério da Saúde e do Tra-
prova - quem deverá provar a afir-
ção, na mesma localidade e para balho proíbe, no Serviço Público
mação de fato - deverá o (a) julga-
o mesmo empregador. A Lei nº Federal, a exigência de teste para
dor (a) presumir que houve discri-
9.029/1995 elenca práticas discri- detecção do vírus da aids, tanto
minação quando estiver social-
minatórias que constituem crimes. nos exames pré-admissionais
mente comprovado que as pesso-
Por exemplo, a exigência, pelo em- quanto nos exames periódicos de
as pertencentes àquele grupo so-
pregador, de testes relativos à es- saúde. Esta exigência também
cial são vítimas de discriminação.
terilização ou estado de gravidez. pode ser compreendida para as
O princípio da inversão do ônus da
Ou ainda, a adoção de medidas trabalhadoras em empresas priva-
prova é previsto no Código do Con-
que induzam à esterilização gené- das.
sumidor, que determina ser do réu
tica.
Violência contra a mulher a prova da ausência de culpa, dolo
A CLT também proíbe anún- e assédio sexual: ou dano.
cios de emprego que façam refe-
A Lei nº 10.224/2001 define O mesmo princípio pode ser
rência ao sexo, salvo quando a
assédio sexual como a conduta de aplicado em algumas situações
natureza da atividade o exigir; a
"constranger alguém com o intuito em que há alegação de discrimi-
recusa de empregar, promover ou
de obter vantagem ou favoreci- nação, tal como vem acontecen-
motivar a dispensa do trabalho em
mento sexual, prevalecendo-se o do com indivíduos soropositivos
razão de sexo, idade, cor, situação
agente da sua condição de empre- demitidos tão logo a empresa tome
familiar ou estado de gravidez; con-
go, cargo ou função". O crime en- conhecimento desta situação. Nes-
siderar o sexo, a idade, a cor ou
volve relação de poder, sujeição da ta hipótese, há presunção que a
situação familiar como determi-
vítima, ofensa a sua dignidade, e despedida foi discriminatória.
nante para fins de remuneração,
por fim, afeta a liberdade sexual.

Susan Mara Zilli


Doutoranda em Direitos Humanos pela
Universidade Pablo de Olavide
e diretora do Instituto DECLATRA
55
Conhece alguém que ocu-
pa cargo de chefia em uma em-
presa?
Se conhece, esse chefe
provavelmente é homem.

A COR DA
Esse homem, com toda a
certeza, não é negro, pois a mai-
oria das grandes empresas bra-
sileiras prefere os brancos aos

VITÓRIA
negros e os homens às mulheres.
Sendo assim, Edineuza
Aparecida Cândido tinha tudo para
dar errado: ensino fundamental in-
completo, mulher, negra, mãe,
Chefe de uma equipe pobre. Em resumo: uma pessoa
formada por oito homens e uma com grandes chances de ser ex-
mulher, Edineuza é uma cluída do mercado de trabalho for-
exceção no mercado de trabalho mal. "Se vai fazer uma entrevista
brasileiro, marcado pelo e tem um branco e um negro, con-
tratam o branco", diz ela.
preconceito e pela discriminação As coisas começaram a
racial mudar em 1997, quando foi con-
tratada para trabalhar na linha de
produção da Fersol, uma das pou-
cas empresas brasileiras onde

56
raça e sexo não são considera- nildo Cândido, 29 anos, seu pró- ção privilegiar a diversidade na
dos na seleção dos funcionários. prio marido. hora da contratação. "Aqui não
A Fersol produz defensivos agrí- Ao mesmo tempo que es- tem discriminação e não importa
colas e está localizada em Mai- tudava à noite e trabalhava duran- se o funcionário é homem ou
rinque, a 80 quilômetros de São te o dia, encontrou tempo para, mulher, pois todos são tratados
Paulo. junto com Leonildo, construir a com igualdade", garante Edineu-
própria casa em um terreno doa- za.
Em sete anos, Edineuza do por seu pai. "Ainda faltam os Ela só não conseguiu esca-
protagonizou uma impressionan- ladrilhos, a pintura, mas devagar- par de um destino comum a qua-
te ascensão profissional e pesso- zinho a gente vai fazendo", expli- se toda mulher brasileira: além de
al: terminou o ensino fundamen- ca ela. trabalhar, tem que cuidar da casa.
tal na escola da própria empresa, O marido bem que se esforça e
cursou o ensino médio e em mar-
ço deste ano assistiu sua primei-
Dupla jornada ajuda quando pode, mas é ela que
lava a louça, limpa a casa, dá ba-
ra aula na faculdade de gestão nho na filha de três anos, prepara
ambiental da Universidade de So- Edineuza é uma vencedora a comida.
rocaba. e representa uma exceção no Onde arruma tempo? "Cada
Ao mesmo tempo que pro- mercado de trabalho brasileiro, minuto da vida é importante e a
gredia nos estudos, crescia tam- caracterizado por enxugamentos gente está sempre correndo para
bém na fábrica. Hoje, tem um car- e achatamentos salariais, em que conseguir fazer tudo o que preci-
go de chefia na área de seguran- conquistar uma promoção é tão sa", diz ela.
ça e meio ambiente e coordena raro quanto acertar na loteria. A Alegre, comunicativa, paci-
uma equipe de nove funcionários, seu favor pesa a política de recur- ente e perseverante. Assim Edi-
dos quais oito são homens. Um sos humanos da empresa onde neuza é definida pelos colegas de
deles é o líder de jardinagem Leo- trabalha, que tem como orienta- trabalho. Na empresa, é contagi-

57
Não é um conto de
fadas, mas uma
história de luta e
perseverança...

ante a maneira como ela se rela- ser seu subordinado na empresa. pensam em vôos mais altos. Vão
ciona com os subordinados, que "Tenho grande admiração e res- terminar a casa e colocar a pro-
tratam ela com alegria e uma cer- peito pela minha mulher", revela. priedade à venda, pois querem
ta reverência. Leonildo ajuda nos trabalhos mudar para um lugar melhor. O
Por trabalhar em uma indús- domésticos principalmente aos bairro onde vivem em Mairinque
tria que lida com produtos alta- sábados, dia da faxina geral e de não tem saneamento básico e as
mente tóxicos, Edineuza ocupa fazer as coisas que a correria da ruas não são pavimentadas. Leo-
um cargo estratégico e não pode semana não permitiu: limpar o nildo, por outro lado, tem seu so-
errar. "É preciso estar atento, um quintal, lavar a roupa acumulada nho particular: terminar o ensino
cuidando da segurança do outro", no tanque, fazer compras no su- fundamental na escola da Fersol.
explica ela. permercado, tocar a obra da Quer seguir os passos da espo-
Aos 24 anos de idade e com casa. Aos domingos, nada de sa, cursar o ensino médio, ser
um salário de R$ 1.600, Edineu- descanso, pois é dia de chamar promovido na empresa.
za ganha quase três vezes mais os amigos para um churrasco. Edineuza, Leonildo e a filha
que o marido, o que representa "Aos domingos a casa está sem- Vanessa vivem sua história de
uma outra peculiaridade em sua pre cheia. É o nosso momento de sucesso, uma grande vitória em
vida, pois na maioria dos lares lazer, de curtir a vida", conta Edi- um país ainda marcado pela dis-
brasileiros a situação é a inversa. neuza. criminação e pela desigualdade.
"Se tudo der certo, posso até che- Não é um conto de fadas, mas
gar a um salário em torno de R$
4.000. Basta continuar os estu-
Planos futuros uma história de luta e perseveran-
ça, um exemplo principalmente
Já que o casamento vai
dos e seguir firme na empresa". para empresas que ainda se pre-
bem e o trabalho ainda melhor,
O marido não se importa ocupam com a cor e o sexo dos
Edineuza, o marido e a filha já
em ganhar menos do que ela e seus trabalhadores.

58
Aflição de ser eu e
não ser out ra.
outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha


Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.

E sendo água, amor,


querer ser terra
terra.. Hilda Hilst

59
Protegendo As mulheres imigrantes

Trabalhadoras
que fazem parte da força
de trabalho são muitas
vezes as pessoas mais
prejudicadas no mercado

Imigrantes
de trabalho, em razão das
barreiras étnicas, de
gênero e idioma.

O Rio Suite Hotel é um esta-


belecimento turístico caro e luxu-
oso em Las Vegas. Até dois anos
atrás, porém, seus empregados,
incluindo muitas mulheres imi-
grantes, recebiam salários tão
baixos que ficavam sem seguro-
saúde para si próprios e seus fa-
miliares. Quando uma funcionária
ficava doente, não conseguia pa-
gar os 200 dólares das receitas de
antibióticos - restando-lhe apenas
"dizer a si mesma que já estava
se sentindo melhor", como diz a
funcionária do Rio Hotel, Maria Po-
sada. Em 2001, Posada e seus
colegas criaram um sindicato em
conjunto com os Empregados em
Hotéis & Restaurantes - e hoje des corporações. Nelas, os em- mais duras dos problemas no
conseguem pagar seguros-saúde pregadores competem por lu- ambiente de trabalho que afetam
e até mesmo participar de um pla- cros, instalando-se em locais a todos os empregados, imigran-
no de aposentadoria. onde a força de trabalho é bara- tes ou não: a interferência dos
Para muitos habitantes dos ta e os trabalhadores podem ser empregadores em nosso direito
países em desenvolvimento que explorados. de melhorar salários e condições
sofrem perseguição política ou re- Muitos dos imigrantes re- de trabalho através da sindicali-
ligiosa, guerra civil ou fome - ou cém-chegados, porém, assu- zação. Diante da discriminação
que não conseguem sustentar mem os empregos que os nor- e dos abusos nas mãos de pa-
suas famílias com os ínfimos sa- te-americanos não querem: trões inescrupulosos, os traba-
lários disponíveis - trocar seus la- aqueles que são mais sujos, lhadores travam uma persisten-
res pelos Estados Unidos parece mal-pagos e perigosos. te luta por dignidade e respeito,
ser a única forma de escapar ao tanto como trabalhadores quan-
Além disso, os imigrantes
ciclo de pobreza criado pela eco- to como seres humanos.
nos Estados Unidos freqüente-
nomia global movida pelas gran- mente enfrentam as formas As mulheres imigrantes

60
que fazem parte da força de tra- assédio sexual entre as trabalha- xos salários, por exemplo, as mu-
balho - especialmente aquelas doras declinou nos últimos anos. lheres ocupam cerca de 55% dos
que não possuem documentos - empregos, de acordo com o U.S.
são muitas vezes as pessoas Os empregadores dos Es- Bureau of Labor Statistics. Nas
mais prejudicadas no mercado tados Unidos têm uma longa his- lojas Wal-Mart, 72 % dos traba-
de trabalho, em razão das barrei- tória de exploração dos medos e lhadores temporários são mulhe-
ras étnicas, de gênero e idioma. das diferenças para criar desu- res, de acordo com o sindicato
Elas tendem desproporcional- nião entre os trabalhadores. Hoje, United Food and Commercial
mente mais a encontrar-se em eles ameaçam denunciar os tra- Workers. Os baixos salários e o
situações de pobreza e dificulda- balhadores não legalizados e en- alto preço dos seguros de saúde
des, que atingem a elas, a seus viá-los de volta a seus países de fazem com que 46% dos traba-
filhos e demais familiares. origem, para forçá-los a trabalhar lhadores da Wal-Mart não tenham
horas-extra, muitas vezes por condições de pagar por previdên-
- As mulheres imigrantes recebem
baixos salários e em condições cia de saúde, de acordo com um
salários muito menores do que
precárias. novo estudo da AFL-CIO.
os homens nascidos nos Estados
Unidos. Uma brecha nas regula- Nesse contexto, os traba-
mentações da imigração nos Es- lhadores em todas as nações
- As mulheres estrangeiras recebem
tados Unidos facilita a violação são vítimas da ganância das
60 centavos para cada dólar re-
dos direitos dos trabalhadores grandes corporações.
cebido por um homem nascido
por parte dos patrões. A lei pune Os sindicatos nos Estados
nos Estados Unidos.
apenas os empregadores que Unidos estão resistindo com fir-
- As trabalhadoras imigrantes ten- 'sabidamente' contratam trabalha- meza na exigência de proteção
dem muito mais a realizar os tra- dores sem documentos. No mun- aos direitos dos trabalhadores
balhos que pagam menos. Entre do real, especialmente em um imigrantes, buscando frustrar as
as trabalhadoras estrangeiras, mercado de trabalho em que os tentativas dos empregadores de
55,5 % recebiam menos de empregos de baixos salários são explorar os imigrantes e de jogar
25,000 dólares anuais, em com- disputados, os empregadores os trabalhadores uns contra os
paração com 44,1% das traba- contratam trabalhadores em situ- outros.
lhadoras nascidas nos Estados ação irregular com a maior facili-
Unidos. dade e nada dizem - enquanto os Na defesa da justiça social
trabalhadores não reclamam. e econômica para todas as pes-
- As trabalhadoras imigrantes têm
Mas quando estes afirmam seus soas, o movimento sindical de-
menos acesso a benefícios como
direitos trabalhistas, os emprega- clarou que a liberdade de esco-
assistência médica. Entre as mu-
dores ameaçam denunciá-los ao lher um sindicato é a questão dos
lheres de baixa renda, apenas
governo federal. direitos humanos do século 21.
32% das imigrantes com cidada-
Os sindicatos têm a responsabi-
nia e 23% das imigrantes sem ci- Neste país, a reestrutura- lidade de lutar por bons empre-
dadania contam com assistência ção da economia mundial tem gos para todos os trabalhadores,
médica vinculada ao emprego. causado um declínio nos empre- porque os sindicatos proporcio-
- As trabalhadoras imigrantes ten- gos ligados à manufatura e um nam uma vida digna para os tra-
dem mais a sofrer assédio sexu- enorme aumento nos serviços balhadores e ajudam a construir
al no local de trabalho. O núme- de baixa remuneração. À me- melhores comunidades. Através
ro de trabalhadoras imigrantes dida que as grandes empresas de sua união em sindicatos, as
que cadastraram denúncias de deslocam seus empregos para mulheres trabalhadoras, sejam
assédio sexual junto à Comissão fora dos Estados Unidos em imigrantes ou nativas, ajudam a
Federal de Igualdade de Opor- busca dos salários mais baixos superar as barreiras criadas pela
tunidades de Emprego (Equal e de menor regulamentação, os discriminação, a equilibrar as exi-
Employment Opportunity Com- padrões trabalhistas caem, tan- gências profissionais e familiares
mission) aumentou em 143% na to aqui como no exterior. e a terem voz em seu local de tra-
última década, enquanto os ín- Na indústria de varejo nos balho - assim como fez Maria
dices gerais de denúncias por Estados Unidos, que oferece bai- Posada.

Linda Chavez-Thompson, Vice-


Presidente Executiva da AFL-CIO
e Presidente da Organização
Regional Interamericana de
Trabalhadores - ORIT
61
O trabalho da OIT para
alcançar a igualdade de

A
gênero no trabalho
As mulheres ingressaram no mercado de trabalho
remunerado em enorme quantidade desde o início da década de
1990 e tiveram ganhos importantes no local de trabalho. Todavia,
em nenhuma parte a igualdade de gênero foi alcançada: em todos
os lugares as mulheres ganham menos que os homens, mesmo
quando elas são tão qualificadas ou até mesmo mais qualificadas
DEPOIMENTO

do que eles; as mulheres estão sub-representadas nos empregos


de alta remuneração e excessivamente representadas em
trabalhos de baixa remuneração; as mulheres são as primeiras a
serem demitidas e são mais prováveis no trabalho informal do
que os homens. Essa brecha tem que ser fechada se se quer falar
seriamente em justiça social, direitos humanos e eficiência, e a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) está comprometida
a alcançar essas metas.
A eliminação da discriminação e a promoção da igualdade
de gênero no mundo do trabalho está no coração do programa
de trabalho da OIT. A OIT promove e monitora a
implementação de padrões de trabalho relacionados à igualdade
de gênero; fornece conselho técnico para os governos para
assegurar que os sistemas estatísticos nacionais computem o
trabalho que as mulheres fazem e que as reformas às leis
Manuela Tomei. trabalhistas e aos sistemas de relações industriais não ampliem as
desigualdades de gênero; ajuda as organizações de trabalhadores
e de empregadores a fazer suas estruturas mais equilibradas em
Organização Internacional
termos de gênero e ajuda os sindicatos a alcançar os
do Trabalho - OIT
trabalhadores desorganizados, dos quais a maioria é de mulheres.
(Genebra)
Responsável pelo Relatório A OIT reforçou seu trabalho para a igualdade de gênero,
Global sobre Discriminação inclusive em suas próprias estruturas, em 1999, com a adoção do
plano de ação do Diretor-Geral acerca da dominação de gênero.
O plano de ação identifica os passos requeridos para assegurar
que a OIT encaminhe a igualdade de gênero em todo o seu
trabalho e seus programas. De outubro de 2001 a abril de 2002
a Organização levou a cabo a primeira Auditoria de Gênero no
sistema da ONU, que revisou a implementação da política. O
DRH colocou em movimento várias estratégias para assegurar
um maior equilíbrio de sexos entre o pessoal, especialmente nos
níveis mais altos. Houve um crescimento constante, embora lento,
no número e na proporção de mulheres em todos os níveis e
algumas medidas “tímidas” de reconciliação entre trabalho/família
foram adotadas. Há muito para ser feito, mas nós estamos indo
em frente, na direção certa.

62
(...)

Somo
Somoss Marias Bonitas,
carinhosas, sofridas,
carinhosas,
projetistas de um tempo novo,
seguindo as curvas de batalhas infinitas,
andando sobre os próprios pés,
conjugando nosso próprio verbo,
e erguendo com as próprias mãos
um cotidiano antes programado
para bordar casar e cozinhar.

Agora o mundo nos anuncia e


anunciamos o mundo.
Sem protocolos ou marcações de
tempo.
Não é uma vida fácil.
Ela arde o sufoco das horas,
das decepções... dos medos...
dos sustos e da fome.

No sufoco das cobranças


amargas e traiçoeiras.
Na competitividade
animalesca.

Mas estamos de pé
na arte e no estilo.
Revelando intimidades e descobertas.
Rasgamos as indumentárias dos nobres
e preferimos o conforto
da modelagem perfeita
do abraço de quem abre-se em concha
para acolher
a criação de Deus
e do homem.
(...)

Leda Maria

63
"O feminismo
vira pauta"
Uma análise da presença
do feminismo na cobertura
do jornal Folha de S. Paulo
sobre a Guerra no
Afeganistão

64
Os atentados de 11 de e de mostrar o rosto. É comum muçulmanas simplesmente
setembro de 2001 recolocaram encontrar matérias denunciando como "vítimas" do "barbarismo
em cena diversos temas. Entre as más condições de vida da islâmico".
eles o feminismo. população feminina no
Freqüentemente ouviu-se falar no Afeganistão em contraponto com A cobertura da mídia em
tema mulher e guerra. Esta é as diversas conquistas das geral tem estado também em
uma breve reflexão sobre esse mulheres ocidentais. sintonia com o uso do que as
interesse renovado pelo autoras chamam de "discursos
Feministas da academia terapêuticos", especialmente na
feminismo na imprensa após os
escreveram sobre os motivos e TV, que trata os atentados
atentados, principalmente durante
conseqüências da guerra no apenas como traumas
a invasão dos Estados Unidos ao
Afeganistão. Apesar de esses individuais e excluem leituras
Afeganistão. Por que o feminismo
textos alcançarem menos políticas e históricas. Ainda que
volta a ocupar as páginas dos
leitores do que os publicados nos muitos dos textos jornalísticos
jornais? Em alguns momentos as
jornais, a produção feminista tratem de tais temas com
reflexões feministas são usadas
pode criar bases para abalar o tamanha simplificação, a
para justificar a guerra e, em
senso comum. Um grupo dos presença de debates sobre o
outros, aparecem explodindo
Estados Unidos aponta, em feminismo e de depoimentos e
esses mesmos interesses.
artigo, o discurso salvador das reflexões de feministas começa
As páginas dos jornais mulheres afegãs pelo Ocidente a minar o discurso simplificador.
brasileiros trouxeram em sua como uma forma de legitimar não Nas entrelinhas e nas pequenas
cobertura pós-atentados apenas o ataque a grupos brechas, as feministas
reportagens, artigos, entrevistas extremistas como a instituições trouxeram de volta algum
e editoriais sobre religião, tortura, culturais e religiosas islâmicas. discurso mais crítico,
antiamericanismo, nacionalismo, Esse texto é um manifesto a contestador, não-hegemônico e
terrorismo e também o respeito dos atentados de 11 de político em relação a um tom
feminismo. Num momento em setembro, escrito em outubro. O uníssono sobre a guerra contra o
que a política internacional ponto principal do texto é: não Afeganistão. Os discursos
passou a ser o foco dos debates façam a guerra em nome das feministas de certo modo
nas TVs, nos círculos mulheres ou do feminismo. O subvertem o discurso simplista
acadêmicos, nos bares, o artigo termina com um pedido a dentro da própria imprensa. Há
feminismo voltou à cena nos outras feministas: "A mobilização textos que tratam das condições
meios de comunicação. Por que nacional e internacional pela de vida das afegãs, mas tentam
as discussões sobre os guerra não está autorizada a não apenas reproduzir o senso
atentados e a guerra no prosseguir em nosso nome e comum e passam a relativizar
Afeganistão incentivaram que se nem de ser taxada como também a maneira como as
falasse sobre feminismo no 'interesse das mulheres'." mulheres vivem no Ocidente.
cotidiano das editorias, numa
O texto das feministas A Folha de S. Paulo
época em que o conceito parecia
coloca a análise crítica da mídia publicou duas páginas no
desgastado?
no centro da discussão sobre o caderno "mundo" de 27 de
O feminismo reaparece tema. As autoras propõem uma janeiro de 2002 sobre mulheres
para discutir as condições de análise que mostre os efeitos e feminismo, comparando e
vida das mulheres do repressivos dos discursos discutindo as muçulmanas e as
Afeganistão, a proibição de nacionalistas. Elas avaliavam que ocidentais. Uma das matérias é
estudar, a proibição de trabalhar a mídia tem tratado as mulheres uma entrevista com a feminista

65
egípcia Nawal Saadawi, que tem
no título uma opinião da
entrevistada: "'Problema é
político, não religioso', diz
feminista". Na entrevista de meia
página a feminista tentar
desmistificar o "avanço" das
mulheres no Ocidente em
detrimento das pequenas
conquistas das mulheres A questão é que o
orientais. Saadawi critica todas
as religiões afirmando que de
feminismo está em pauta como
uma forma ou de outra elas jamais esteve na última década
colocam os homens acima das e ganhou uma outra estatura,
mulheres. Ela critica todos os diferente das acusações de senso
sistemas de poder sobre os
quais é questionada, do governo comum de outros tempos.
à religião e até mesmo a
democracia da maneira como é
construída: "Meus pais eram
muçulmanos. Eu sou uma livre
pensadora".
A questão é que o guerra, aos poucos o país foi
reivindicações e discussões
feminismo está em pauta como saindo da pauta dos jornais. E
feministas para legitimar uma
jamais esteve na última década e junto com ele o feminismo, que
presença e um controle
ganhou uma outra estatura, parece ter recebido menos
ocidentais no país, foi minado por
diferente das acusações de manchetes após a investida sobre
declarações, entrevistas e
senso comum de outros tempos. o Afeganistão, ainda que as afegãs
depoimentos de feministas, que
Nos textos, as feministas têm não tenham voltado à escola.
mostraram que a história e a
autoridade para tratar de
cultura são menos simples do
questões que digam respeito aos Por que então o
que uma notícia de guerra pode
direitos das mulheres, à análise feminismo voltou a ocupar as
querer mostrar. Publicações
das relações de poder entre os páginas de jornal durante a
como a Folha de S. Paulo e
gêneros, como isso acontece guerra e por que mais se falou
outros jornais foram qualificadas
dentro dos Estados e das em feminismo e não em relações
e desnorteadas pela presença
religiões. E nas colocações de gênero? Arrisco dizer que a
das feministas acadêmicas e
sobre feminismo estiveram as política está no cerne das
militantes do Brasil e de outros
propostas de vanguarda para questões que sempre
países, que há muito não eram
tratar dos eventos relacionados envolveram os movimentos
autoridades e fontes da
aos atentados e às guerras que feministas. Desta maneira, tratar
imprensa.
aconteceram depois. Neste de questões políticas, não
sentido, o discurso dos governos A guerra foi um tema que apenas de políticas de governo, e
e da imprensa que tentaram levou a imprensa a tratar de tratar politicamente as questões
justificar uma invasão no feminismo e das condições sociais sociais e culturais aproximaram o
Afeganistão, usando das mulheres. Acabada aquela feminismo do debate.

Vanessa Pedro
Jornalista e doutoranda em Literatura
(Universidade Federal de Santa Catarina)

66
Vã filosofia...
filosofia...
Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...

Leila Míccolis

67
Oh! linda imagem
de mulher
Em 1808 surgiu o primeiro jor- copéia brasileira. A exploração e ex-
nal do Brasil, Gazeta do Rio de Janei- posição extenuante da imagem da
ro, e junto com ele o primeiro anúncio mulher levantam questões como:
registrado: "Quem quiser comprar uma Por que a imagem feminina?
morada de casas de sobrado com fren- Ela é o público-alvo?
te para Santa Rita, fale com Joaquina Ela representa o objeto de de-
da Silva, que mora nas mesmas ca- sejo?
sas..." É ela quem define o destino do
Este anúncio inaugura no Brasil orçamento doméstico?
os "classificados", pequenos textos Refletir sobre essas indagações
sem ilustrações, alguns até sem títu- e avançar sobre a condição da mulher
lo. Anos mais tarde, em meados de contemporânea não é um assunto res-
1860, outros meios passaram a fazer trito ao mundo feminino/feminista, pois
parte do cotidiano do brasileiro, como tudo que diz respeito à mulher tem
painéis de rua, bulas de remédios e impacto direto no mundo capitalista.
panfletos de propaganda. Em 1875 os Convivemos há anos com a ima-
jornais Mequetrefe e O Mosquito sur- gem da camponesa com um balde de
giram com a novidade dos reclames madeira na cabeça estampada nas la-
ilustrados. tas de Leite Moça ou, mais recente-
Seja na venda de "Bicycletas" mente, com as partes expostas das
ou no reclame da "Loja da Índia", a fi- dançarinas de pagode (axé, samba,
gura feminina era amplamente utiliza- rumba...) vendendo toda sorte de obje-
da, ora como usuária do produto, ora tos. Às vezes elas não têm nada, ou
encarnando alguma "Deusa" que ilus- quase nada a ver com os produtos ofer-
trava um anúncio de água de colônia tados, mas nos acostumamos a es-
ou de algum produto exótico da farma- sas imagens e apelos.

68
A fogueira do preconceito:
a mulher e o trabalho
A situação da mulher no mer-
cado de trabalho, a mulher e o traba-
lho, o trabalho e a mulher, o ovo e a
galinha. No começo era o verbo? Não.
No começo era a mãe.
Não há espaço para detalhar a
tese (não minha, mas da qual sou uma
entusiasta) de que a invenção do tra-
balho passa por mãos femininas - a
obrigação de alimentar a prole estava
ao encargo das mulheres. Todo o ins-
trumental daquela época era destina-
do ao processamento de alimentos.
Cortar, triturar, esmagar e descascar
Ao longo dos anos a propagan-
eram algumas das funções dos pe-
da vem apresentando a mulher ao sa-
quenos instrumentos feitos de pedra,
bor dos interesses vigentes, e na bus-
em geral machados de pedra lasca-
ca da correspondência entre a vida
da ou pequenos seixos rolados. As-
real e a figura apresentada pelos "re- qual os operários eram submetidos
sim, acredito que as primeiras facas
clames" publicitários, já usamos RU- separa gradualmente o homem do pro-
guinzo e os primeiros tupperwares da
GOL e às 20, 30 ou 40 primaveras con- duto do seu trabalho, desencadean-
história da humanidade possam ter
quistamos corações, nos banhamos do um processo de divisão que en-
sido elaborados por mulheres.
com LUX, que já foi LEVER, pois nove volve os mais diferentes aspectos: o
Avançando no tempo, já na era
em cada dez estrelas de cinema tam- pai dos filhos e da mulher, o público
industrial, a mulher foi usada nos pe-
bém usam, lavamos a roupa com do privado, a infância da fase adulta,
ríodos de crise da humanidade, como
OMO, o que sem dúvida lava mais a vontade da emoção, o corpo da
as guerras e as pestes, de acordo
branco, saboreamos DORIANA por- mente, a sexualidade do afeto.
com os interesses da classe domi-
que nossa família merece o melhor, Em 1911 o número de mulhe-
nante, para ser marginalizada a se-
fumamos CHARM, cozinhamos com res que trabalhava fora de casa esta-
guir, quando não interessava mais sua
SAZON e com amor, apesar de não va próximo de oito milhões. Em mea-
participação. O amor materno, a mãe
ser CICA que bons produtos indica, dos de 1920 o direito ao voto é conce-
que "sofre no paraíso", aparece no iní-
atingimos o auge de nossa liberdade dido à mulher na maioria dos países
cio do capitalismo, junto com a fabri-
usando TAMPAX e por fim estamos industrializados, esvaziando assim o
cação da domesticidade e da nova fe-
vencendo a maior de todas as bata- movimento sufragista, que se resumiu
minilidade. O capitalismo precisava de
lhas com P-STOCK da Vichy reduzin- ao movimento pelo voto feminino.
mão-de-obra farta e barata. Esta épo-
do de 1 a 4 centímetros do culote e Aproveitando a onda conservadora
ca é marcada pela masculinização da
eliminando completamente a celulite. que marca o fim da Primeira Guerra
sociedade, na busca de maior produ-
Seria injusto acharmos que é Mundial, Freud dá uma base científi-
tividade. O controle exacerbado ao
a propaganda a única responsável ca ao culto da domesticidade. Desta
pela consolidação da imagem da mu- forma, retrocede a manifestação que
lher ideal, ou melhor, idealizada - jo- nos anos 20 alterara a figura da mu-
vem, magra, bonita, sensual e, no lher: saias e cabelos mais curtos, ros-
máximo esperta, nunca inteligente, to pintado e jazz.
cabelos com brilho, sem celulite e A Grande Depressão, nos anos
nunca de mau humor. A publicidade é 30, coloca a mulher trabalhadora
um poderoso instrumento, uma arma como o primeiro elemento a ser des-
que brinca, pisoteia e atinge por fim cartado, com o aval da sociedade e
o coração do nosso ponto mais frágil das próprias mulheres. Elas eram as
- a vaidade. primeiras a ser despedidas para dar

69
lugar aos homens. Este comportamen- os postos de trabalho. Mas a falta de trabalho. É cada vez maior a presença
to é reacionário pois, ao invés de pro- qualificação - resultado de anos de da mulher no mundo acadêmico e nos
por diferentes soluções para a crise, afastamento do processo produtivo - mais diversos setores. Mas neste iní-
questionando o capitalismo e seus efei- reserva para a mulher os menores sa- cio de século ainda nos deparamos com
tos, aprofunda a distância entre traba- lários (metade do salário do homem, as mais diferentes expectativas em re-
lhador e trabalhadora. nos Estados Unidos e Europa). A or- lação à mulher: em que momento de-
Certamente não é a publicidade ganização das mulheres começa a vemos deixar de ser a filha recatada
a responsável por este movimento de desenhar-se a partir desta constata- para sermos a fêmea sensual? Quan-
absorver e descartar a mulher no mer- ção, discutindo seus direitos, traçan- do sair da cozinha para assumir a dire-
cado de trabalho, mas ela foi um dos do as primeiras linhas para a emanci- ção de uma empresa? Por que deixar
mecanismos que colaboraram profun- pação. de desfrutar as delícias de ser mãe
damente para atender aos interesses Ao discorrer a respeito da cons- para encarar um trânsito caótico?
deste mercado. trução da imagem da mulher, não se Esta reflexão sobre o assunto
O período que compreende a pode deixar de citar as pin-ups que não tem a pretensão de dar respos-
Segunda Guerra Mundial consagra na marcam os anos 50, na esteira da cul- tas. Talvez a grande 'sacada' seja en-
Alemanha Nazista "a mulher feminina" tura ocidental imposta pelos Estados contrar as perguntas - o que somos?
e o "homem masculino", cabendo à Unidos a partir da guerra fria. O ameri- Quem somos? O que realmente que-
mulher o papel de reprodutora da raça can-way-of-life estabelece as normas remos ser? A mulher da imagem, per-
pura. Era a ideologia do Kinde, Kirche, para a felicidade perfeita - a casinha feita, construída no imaginário mascu-
Küche - crianças, igreja, cozinha. Em com cercas brancas, o liquidificador, o lino (e feminino) que nos massacra di-
1943, no auge da guerra, com a maio- Chevrolet (ou Ford) na garagem, filhos ariamente em todas as mídias do pla-
ria dos homens envolvidos na linha de loirinhos, a mulher dona-de-casa, o neta, com a bunda empinada, sem ru-
frente, as mulheres entram novamente cachorro brincalhão, os vizinhos amis- gas, sempre sorridente e pronta para o
para a produção e passam a realizar tosos. Nesta ordem. A mulher como sexo (com as unhas feitas); ou a ima-
trabalhos nas fábricas, em áreas de ris- objeto, não como sujeito do mundo ide- gem da mulher - corpo, cabeça e
co, incentivadas e obrigadas a atuar al. Ela mesma se enxergando neste membros, que trabalha, estuda, con-
em setores onde a presença masculi- cenário como parte do elenco de sua cebe, grita, ri, alisa o cabelo, encres-
na antes imperava. própria vida. pa o cabelo, faz ginástica e lasanha,
Nos anos 50, com a consolida- Enfim, terminamos o século XX brinca de boneca e dirige caminhão,
ção da sociedade de consumo, a mu- com a mulher ocupando um número mas sabe, como ninguém, a "delícia
lher é requisitada em massa a ocupar expressivo de postos no mercado de de ser o que é".

Maria José Coelho


Jornalista.
Coordenadora de Comunicação do
Instituto Observatorio Social.

70
É preciso não esquecer nada
É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova


borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,


o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do
nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia


carregado de ato s,
atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não
fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles

71
72
Avenida Mauro Ramos, 1624 sala 202
Centro Florianópolis - SC
BRASIL CEP: 88020-302
Fone/Fax: +55 (48) 3028-4400
e-mail: observatorio@observatoriosocial.org.br
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