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A esquizofrenia é um dos mais comuns dos transtornos mentais graves, mas sua
natureza essencial ainda não foi esclarecida; portanto, às vezes, ela é referida como
uma síndrome, como o grupo de esquizofrenias ou, como na quinta edição do Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5), o espectro da esquizofrenia.
Os médicos devem entender que o diagnóstico de esquizofrenia tem base inteiramente
na história psiquiátrica e no exame do estado mental. Não existe um exame
laboratorial para esse transtorno. (SADOCK et al.; 2016; p.300).
Diante de casos como o supracitado, Foucault, a partir dos métodos clássicos de “cura” de
Pinel e Maison Cox, que a pressuposição básica da loucura é “uma falsa crença, uma ilusão ou um
erro”, portanto, “bastará reduzir esse erro para que a doença desapareça”. No entanto, “o erro de um
louco não é o erro de um qualquer”. Então o que é o erro de um louco? O que o diferencia de um
“não louco”? Certamente, para Foucault essa diferença não reside fundamentalmente na
extravagância da ideia. O que determina precisamente o erro de um louco é, entretanto, a maneira
como se pode superar ou reduzir esse erro: “O louco é aquele cujo erro não pode ser reduzido por
uma demonstração; é alguém para qual a demonstração não produz a verdade”. Desse modo, para
reduzir o erro de um louco não adianta demonstrar que o pensamento dele não condiz com a
realidade, mas, por outro lado, deixar-se “valer como verdadeiro esse juízo que é falso e, em
contrapartida, transforma-se a realidade de maneira que ela venha se ajustar ao juízo louco, ao juízo
errôneo”. (FOUCAULT; 2016; p. 161-2).
“Art. 26: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardo era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”.
Um caso icônico que aconteceu a não muito tempo e suscitou dúvidas ao procedimento
penal de imputabilidade foi o caso Carlos Sundfeld, o “Cadu”, famoso por assassinar o cartunista
Glauco e seu filho em 2010. Sundfeld disparou contra Glauco e seu filho numa tentativa de
sequestro em que afirmava ser Jesus Cristo, sendo os motivos ainda não esclarecidos. Depois de
detido, foi considerado inimputável por possuir esquizofrenia. Foi compulsoriamente internado
numa clínica psiquiátrica até 2013, quando a Justiça de Goiás decidiu que ele poderia voltar a viver
em sociedade. Um ano depois, Cadu foi preso novamente; dessa vez por dois latrocínios e porte
ilegal de arma de fogo. No entanto, dessa vez, após novos exames que concluíram que ele poderia
responder judicialmente por seus, foi condenado a 61 anos de reclusão em regime fechado. A
conclusão dos psiquiatras nesse último caso foi que não houve indícios de doença mental que
provocasse alienação da realidade.
A ironia e a confusão da Justiça nesse caso corroboram com a tese do poder psiquiátrico ser
um resquício de um antigo modelo de poder soberano pré-moderno. A fragilidade da justiça em
determinar a imputabilidade ou inimputabilidade do sujeito no caso é semelhante e coaduna com a
fraqueza objetiva da psiquiatria, moldada principalmente por um modelo discursivo de poder. Desse
modo, a questão da imputabilidade penal e sua relação com a alienação da realidade e o delírio
esquizofrênico não pode ser tão facilmente resolvida, mas nos proporciona importantes insights para
uma rica discussão a respeito do poder e dos métodos diagnósticos da psiquiatria. Aliás, seria a
afirmação ou negação da realidade apenas um discurso, um dispositivo de poder? A depender da
resposta a essa indagação, os parâmetros pelos quais se julgam a imputabilidade deverão ser
completamente revistos.
Bibliografia
FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
FOUCAULT, M. O poder psiquiátrico. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006
LIMA, Ethiene G; TANAJURA Higor R; FREITAS, Hugo H. L; SOUZA Marcos V. B; A
esquizofrenia e discussão sobre inimputabilidade e semi-imputabilidade; disponível em
<https://hugohlf.jusbrasil.com.br/artigos/129735831/a-esquizofrenia-e-discussao-sobre-
inimputabilidade-e-semi-imputabilidade>; acessado em 30 de abril de 2019.
SADOCK, Benjamin J.; SADOCK, Virginia A.; RUIZ, Pedro. Compêndio de Psiquiatria-: Ciência
do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Artmed Editora, 2016.