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VIDA
Resumo
O presente artigo é um diálogo referente à educação para a vida, elaborado entre dois
pedagogos (do ensino fundamental) a fim de aproximar as dimensões teóricas educacionais
dos pensadores: EDGAR MORIN e PAULO FREIRE. Objetiva discutir conceitos utilizados
por esses dois pensadores que valorizam a educação humanística, a fim de traçar conexões
entre as suas obras por meio da abordagem qualitativa a partir da revisão bibliográfica dos
livros desses pensadores. O procedimento bibliográfico amplia a cobertura de conceitos na
dispersão de informações entre as obras dos autores, permitindo a sistematização destas
informações pelo objetivo oferecido. Assim, os conceitos foram elencados a partir de sua
similaridade semântica entre as obras dos dois pensadores, conjuminando uma inferência de
dez itens, a saber: consciência, inacabamento, humanização, autonomia, posicionamento,
dialogicidade, ética, política, curiosidade e ação. A partir da localização destes conceitos nas
obras de Paulo Freire e Edgar Morin, os autores do artigo tecem qualitativamente a descrição
de sentidos com a correlação entre suas obras. Da produção estes dois pensadores da
educação, extraímos fundamentos de uma ‘educação para a vida’, que considera a
pessoalidade do sujeito e sua expansão política num sistema autônomo de aprimoramento de
si, do outro e do mundo. O resultado é uma descrição rigorosa das relações entre os
pensadores que promovem a compreensão de que a sociedade se organiza de modo complexo
e implica a conscientização humana das suas possibilidades de ação para transformação e
humanização planetária. São ações que prezam pela generosidade, equidade, visão e ação
sistêmica em detrimento do individualismo intermitente.
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Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Pedagogo especializado em Psicopedagogia
Institucional e Clínica e em Filosofia Contemporânea. Professor do Ensino Fundamental (PMC) e Orientador de
Estágio em Curso de Formação Docente (SEED). E-mail: prof_jerry@hotmail.com
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Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Psicopedagogia Institucional e
Clínica e em Educação Especial com ênfase em Educação Inclusiva e Gestão Escolar. Atua como pedagoga na
SMEC, na área de Educação Especial com enfoque na Formação de Docentes. E-mail:
fabiana.educacao@gmail.com
ISSN 2176-1396
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Introdução
Desenvolvimento
Quadro 1: Conceitos e referências elencados por proximidade semântica entre os teóricos Freire e Morin
Ação Ação para libertação, relacionada à práxis Toda ação escapa à vontade de seu autor”,
transformadora: autêntica união da ação e assim alerta sobre a inter-retro-ação, pois a
da reflexão (FREIRE, 1979, p. 47). ação implica estratégia para não retornar
contra os seus autores (MORIN, 2000, p. 85).
Autonomia É com ela, a autonomia, penosamente Para manter sua autonomia, qualquer
construindo-se, que a liberdade vai organização necessita da abertura ao
preenchendo o “espaço” antes “habitado” ecossistema do qual se nutre e ao qual
por sua dependência. Sua autonomia que se transforma (MORIN, 2003, p. 36).
funda na responsabilidade que vai sendo
assumida (FREIRE, 1996, p. 37).
Consciência Superação da apreensão espontânea da [...] a consciência de habitar, com todos os
realidade por uma consciência crítica seres mortais, a mesma esfera viva (biosfera):
através do posicionamento epistemológico reconhecer nossa união consubstancial com a
(FREIRE, 1979). biosfera conduz ao abandono do sonho
prometeico do domínio do universo para nutrir
a aspiração de convivibilidade sobre a Terra
(MORIN, 2000, p. 73).
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Curiosidade Chama de “curiosidade epistemológicas”, Este uso total pede o livre exercício da
é o estímulo da capacidade de se arriscar, curiosidade, a faculdade mais expandida e a
de aventurar-se; a força criadora do mais viva durante a infância e a adolescência,
aprender (FREIRE, 1996, p. 13). que com frequência a instrução extingue e que,
ao contrário, se trata de estimular ou, caso
esteja adormecida, de despertar (MORIN,
2000, p. 40).
Dialogicidade Não há inteligibilidade que não seja O princípio dialógico pode ser definido como
comunicação e intercomunicação e que não a associação complexa [...] de instâncias
se funde na dialogicidade. O pensar certo necessárias, conjuntamente necessárias à
por isso é dialógico e não polêmico existência, ao funcionamento e ao
(FREIRE, 1996, p. 17). desenvolvimento de um fenômeno organizado.
(MORIN, 2003, p. 37)
Ética Ética universal do ser humano, nos [...] a ética propriamente humana, ou seja, a
sentidos de justiça, esperança, franqueza, antropo-ética, deve ser considerada como a
moralidade, honestidade e luta (FREIRE, ética da cadeia de três termos indivíduo/
1996). sociedade/espécie, de onde emerge nossa
consciência e nosso espírito propriamente
humano (MORIN, 2000, p. 106).
Humanização [...] para assumir responsavelmente sua Se soubermos compreender antes de condenar,
missão de homem, há de aprender a dizer a estaremos no caminho da humanização das
sua palavra, pois, com ela, constitui a si relações humanas (MORIN, 2000, p. 100).
mesmo e a comunhão humana em que se
constitui; instaura o mundo em que
humaniza, humanizando-o (FREIRE,
1987, p. 7).
Inacabamento A educação crítica considera os homens O pensamento complexo está animado por
como seres em devir, como seres uma tensão permanente entre a aspiração a um
inacabados, incompletos em uma realidade saber não parcelado, não dividido, não
igualmente inacabada e juntamente com ela reducionista e o reconhecimento do
(FREIRE, 1979, p. 42). inacabado e incompleto de todo
conhecimento (MORIN, 2003, p. 54).
Política Se a direção racional de tal processo já é A política da complexidade não se limita ao
política, então conscientizar é politizar. E a “pensamento global, ação local”; expressa-se
cultura popular se traduz por política pelo duplo par: pensar global/agir local.
popular; não há cultura do Povo, sem (MORIN, 2003, p. 103).
política do Povo (FREIRE, 1987, p. 11).
Posicionamento O fato de me perceber no mundo, com o Interrogar a nossa condição humana implica
mundo e com os outros me põe numa questionar primeiro nossa posição no mundo
posição em face do mundo que não é de (MORIN, 2000, p. 47).
quem nada tem a ver com ele. Afinal,
minha presença no mundo não é a de quem
a ele se adapta mas a de quem nele se
insere (FREIRE, 1996, p. 23).
*grifos dos autores
Fonte: Elaborado pelos autores.
Consciência
Inacabamento
dos oprimidos - movidos por coragem de externar seus pensamentos, almejando o resgate da
dignidade.
Freire (1987) provoca a reflexão sobre os avanços de humanização, que podem ser
desenvolvidos e construídos pelos oprimidos. A eles é disponibilizado o exercício da reflexão
sobre a sua existência; a partir da opressão o oprimido é impulsionado a buscar sua dignidade,
resgatar seu valor como pessoa e de lutar pelos seus direitos, caso contrário, sempre será
preso e fadado à marginalização. Nesta perspectiva, tem-se um impasse, é preciso resgatar o
sentido de humanidade conduzindo em direção à construção de civilização, cuidando para não
cair numa ação hostil, culminando na barbárie.
A humanização é “a vocação ontológica do ser humano” de ser mais. Segundo Freire
(1992, p. 51), o homem não está determinado, há na essência humana o devir, o projeto. Neste
sentido, Morin (2000, p. 14) utiliza o conceito de condição humana, que segundo ele
encontra-se “desintegrada na educação por meio de disciplinas, tendo-se tornado impossível
aprender o que significa ser humano”. A educação encontra a demanda de restaurar o
ligamento dos indivíduos com a sua “identidade comum a todos os outros humanos”.
Isso nos remete ao papel de empoderamento exercido pela linguagem. Por meio da
fala expressamos nossas ideias, nos socializamos e nos humanizamos; no entanto, um saber
para ter credibilidade precisa de registros escritos, pesquisa, embasamento teórico, logo se o
povo não sabe escrever, redigir textos formais e nem interpretar, tais documentos serão
elaborados por quem detém este conhecimento e os manipula, em benefício próprio. Neste
sentido educacional, a ética está intrinsicamente ligada ao processo de humanização do
sujeito.
O conhecimento simplificado, diz Morin (2005), determinista e opressor é mutilante,
capaz de deformar o homem e a consciência de pertencimento a sua própria espécie. Este
conhecimento dado como “completo” é o desafio da complexidade dita por Morin (2005), que
se empenha em desmistificar este conhecimento em prol do pensamento complexo. O saber
da incompletude do conhecimento é o mesmo da incompletude do homem, que não estagna o
seu desenvolvimento, pelo contrário, afirma a possibilidade de ser mais, de potencialidade da
ampliação da própria existência e cultura.
Assim, o homem está inserido num contexto complexo, que havendo diversas
influências criadas pelo próprio homem, se constrói a partir desta cultura, sem mesmo ter
consciência disso. A ‘educação para a vida’ pensa a ação a fim de inverter este quadro
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Autonomia
Posicionamento
reconhece a si mesmo; é presença que se pensa e intervém no mundo, que fala, faz e que se
posiciona.
As dimensões tecnológicas, culturais, sociais e científicas estão mais complexas no
século XXI. O avanço da eletrônica, a ampliação do conhecimento, a interconectividade
mundial pela internet e a manutenção da vida pela ciência são alguns dos sinais que apontam
para um homem que se posiciona duma maneira jamais vista no mundo.
Sobre esta nova postura humana, Morin (2000) aponta a necessidade de reforma do
pensamento. Afirma que enquanto sujeitos da própria história e corresponsáveis da condição
planetária é preciso considerar as incertezas, no sentido que o mundo por sua dinamicidade
oferece conhecimentos possíveis de transformação e reconceituação, o que somente é possível
devido ao poder de reflexão, ação, interpretação e modificação do mundo, inerentes ao ser
humano.
Neste aspecto, Morin (2014, p. 21) explica que o significado de uma “cabeça bem-
feita” está associado não a uma cabeça onde o saber é acumulado/depositado, mas sim a uma
capacidade intrinsecamente humana de organizar informações, conectá-las e resolver
problemas, a ponto de significar e ressignificar as aprendizagens vividas. Dessa forma a
educação formal necessita propiciar espaços para o diálogo, a crítica, a dúvida e a curiosidade
em resolver os problemas fundamentais de nossa condição humana.
A curiosidade, para Freire (1996, p. 13), é o estímulo da capacidade de se arriscar, de
aventurar-se. “É a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a
constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos
negativos do falso ensinar”, por isso a chama de “curiosidade epistemológica”. Morin (2000,
p. 40) atribui no sentido similar, enfatizando que a curiosidade é “a faculdade mais expandida
e mais viva durante a infância e a adolescência, que com frequência a instrução extingue”,
como Freire (1996) afirma que deve ser estimulada e despertada.
O sujeito se faz nas relações com o outro, se constrói a partir das tessituras que
estabelece entre os saberes, reflete as suas ações e experiências possibilitando assim a
mobilização frente ao processo ensino-aprendizagem. De acordo com Freire (1967, p. 51), ser
dominado por mitos e pela publicidade organizada é a grande tragédia do homem moderno,
que faz o homem renunciar cada vez mais a sua capacidade de decidir por si.
Freire (1996) e Morin (2000) implicaram uma educação que esteja além da
informação para valorizar a humanização. Por meio da reforma do pensamento o ser humano
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deve ocupar sua posição transformadora no mundo, para tecer sentido na complexidade de sua
constituição.
Portanto, o ser que reconhece a sua história de transformação é aquele capaz de
perceber a complexidade da vida, que ao refletir sobre sua própria existência interroga sobre o
lugar que ocupa e ‘no que fazer’, nesta posição. O homem no espaço e tempo se encontra e se
faz sujeito da ação, capaz de pensar as relações complexas desta existência e, portanto, não
lhe serve a detenção da informação, mais que isso, o homem necessita da sua ‘cabeça bem
feita’ que percebendo o mundo o interpreta para uma nova ação – com fins de transformação
e protagonismo, a partir de uma atitude dialógica.
Dialogicidade
Para Freire (1996, p. 17), “não há inteligibilidade que não seja comunicação e
intercomunicação e que não se funde na dialogicidade”. O autor descreve várias formas de
diálogo como: diálogo na dimensão igualitária, cultural, transformadora, instrumental,
solidária, significativa e equânime; estes compõem a dialogicidade mencionada. Em Morin
(2003, p. 37), dialógico tem o sentido de associação complexa que promove o sentido do
funcionamento do fenômeno.
Para Freire (1967, p. 7), o fundamental é que os homens se reconheçam a si próprios
como criadores de cultura. Os homens particulares e concretos percebem uns aos outros não
apenas pelo contato objetivo da realidade, senão como relação. Relação objetiva enquanto
contato com a realidade e relação de consciência social enquanto ato de linguagem que
comunica a intencionalidade subjetiva existencial. Assim, a relação humana produz a
sociedade e descobre na dialogicidade a sua capacidade de transformar o mundo, contribui
Freire (1967). A linguagem, alega Freire (1996), é uma criação humana que surgiu com a
possibilidade do homem inteligir o mundo.
Nesse aspecto, a linguagem é recursiva. Morin (2005) explica que a recursividade
são efeitos que se tornam causas. Assim, a linguagem que historicamente é uma criação do
homem para transformar a natureza (efeito), se torna, também, uma criação que transforma
(causa) o próprio homem.
Dialógico não significa conversar somente, senão, dialógico está para a capacidade
do homem compreender o mundo e comunicá-lo com fins de transformação. Portanto,
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O presente texto descreve um diálogo entre dois pedagogos sobre a teoria de Edgar
Morin e Paulo Freire, que dão sentido a valorização humanística que neste texto é chamada de
‘educação para a vida’. A investigação buscou traçar as principais conexões da obra destes
autores, para isso foram elencados dez conceitos pelo critério de similaridade semântica, a
saber: posicionamento, dialogicidade, consciência, autonomia, inacabamento, humanização,
ética, política, curiosidade e ação.
‘Educação para a vida’, em uma abordagem inicial, extrapola os muros de onde o
sujeito mora, dos grupos sociais que frequenta e da escola que participa. Trata-se de olhar o
sujeito na sua incompletude, no seu sentido de existência e valorar o seu desenvolvimento
biopsicossocial. É um olhar preciso, que vê mais do que o óbvio, o externo, e que
redimensiona o sujeito para trazer à tona a sua humanidade. Educação para a vida está na
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REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Conscientização. 3.ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Editora: Paz e Terra, 1987.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. ed. 6. São Paulo: Atlas, 2008.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília,
DF: UNESCO, 2000.
MORIN, Edgar. Ciência e consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio
Dória. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá
Jacobina, 21. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.