You are on page 1of 24

Estruturas

Algébricas
Material Teórico
História da Álgebra Abstrata e Corpo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Ana Paula Teles de Oliveira

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
História da Álgebra Abstrata e Corpo

• História da Álgebra Abstrata e Corpo


• Domínio de Integridade
• Corpo
• Exemplos

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Nesta Unidade, estudaremos alguns aspectos históricos da álgebra
abstrata e o corpo. Na parte histórica, iremos nos aprofundar em
equações, discorrendo sobre sua representação na álgebra clássica,
até o momento em que se inicia a utilização de letras nas equações,
como utilizamos atualmente. Apresentaremos alguns exemplos em
que o conceito de corpo foi formalizado, antes da formalização do
conceito abstrato. Antes de estudarmos o corpo, discorreremos sobre
domínio de integridade. Ao término deste estudo, esperamos que
você consiga distinguir corpos e domínio de integridade.

ORIENTAÇÕES
Para um bom aproveitamento da aula, realize a leitura integral do conteúdo
teórico, acompanhando e refazendo os exemplos resolvidos. Quando
aparecer alguma dúvida, entre em contato com seu(sua) tutor(a) utilizando a
ferramenta Mensagens ou o Fórum de Dúvidas.
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

Contextualização
A História do Corpo
Muitos matemáticos, durante muito tempo, dedicaram-se aos estudos sobre
equações algébricas. Um dos que se dedicou a esse estudo foi Evariste Galois.

Galois, apesar de ter morrido aos 20 anos, em 1832, com uma bala no estômago
em consequência de um duelo com Pescheux d’Herbinville, deixou muito material
escrito relacionado às suas ideias sobre equações algébricas. Na verdade, alguns
materiais foram publicados ainda em vida, enquanto outra parte, sempre que era
submetida à publicação, era impedida por algum evento a ser publicada.

Em uma noite anterior ao duelo, escreveu toda a sua teoria em cartas para seu
amigo Chevalier, sendo esse material publicado depois.

O interessante em sua teoria é que é possível encontrar o conceito de corpos em


seu trabalho se considerarmos corpo como um conjunto fechado com as operações
de adição e multiplicação em que todo elemento possui o elemento oposto, e que
todo elemento diferente de zero possui elemento inverso. Porém, o termo utilizado
para essa estrutura não é corpo e sim domínio de racionalidade. Todas essas
estruturas contêm o corpo dos números racionais, sendo, assim, corpos infinitos.

Galois publicou, em 1830, um artigo em que constrói grupos finitos, hoje


conhecidos como corpos de Galois.

Gauss trabalhou com outra linha de pesquisa que leva o estudo de corpos à
teoria dos números. Em seus estudos, introduziu os números complexos da forma:

a + bi, a, b ∈ Z

Atualmente conhecidos como inteiros de Gauss, muitos resultados dos inteiros


podem ser estendidos aos inteiros de Gauss. A teoria dos inteiros de Gauss
direcionou o estudo da teoria dos números algébricos.

Vários matemáticos tentaram provar o Teorema de Fermat. Esse teorema afirma


que em uma equação da forma

xn + yn = zn, n ≥ 2

não existem soluções inteiras. Foram resolvidos casos particulares, porém a


primeira tentativa para o caso geral foi de Ernst Eduard Kummer. Ele considerou

xp + yp = zp, p primo

E utilizou a fatoração

xp + yp = (x + y) (x + δy) ... (x + δp-1 y)

em que δ é uma raiz da equação

6
Xp-1 + Xp−2 + · · · + X + 1 = 0

Isso o levou a estender a ideia de inteiros de Gauss, considerando os números


da forma:

α = a0 + a1 δ + · · · + ap−2δp−2

Contudo, cometeu um erro ao considerar a unicidade de decomposição em


fatores primos e, com isso, provou o teorema de Fermat. Após descobrir o
erro, criou a teoria dos números ideais com a intenção de conseguir a unicidade
da decomposição.

Richard Dedekind, com o objetivo de conseguir a fatoração única, resolveu


proceder de maneira diferente, estendendo ainda mais a ideia dos inteiros de
Gauss. Para ele, um número complexo é algébrico se esse número for raiz de uma
equação da forma

anXn + an−1Xn−1 + · · · + a1X + a0 = 0

em que a0, a1, . . . , an−1, an ∈ Z. Nesse contexto, Dedekind deu a definição de


corpo e anel, em que anel era denominado ordem.

Alguns matemáticos continuam estudando corpos, mas foram os trabalhos de


Ernst Steinitz e Emmy Noether que trouxeram resultados importantes relacionados
à teoria abstrata de corpos.

7
7
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

História da Álgebra Abstrata e Corpo


Ao estudarmos a álgebra clássica, percebemos que ela focalizava resolução de
equações. Ao relembrarmos nossa vida estudantil, é fácil notar que esse foi um
tema trabalhado durante muito tempo – lembra-se como resolvíamos as equações
de primeiro grau? Aquelas que eram representadas desta forma:

ax+b =0, com a, b ∈ R, a ≠ 0

Nelas, os coeficientes a, b são as constantes e x a variável.

E as equações do segundo grau? São aquelas representadas desta maneira:

ax2 + bx + c =0, com a, b, c ∈ R, a ≠ 0

Em que os coeficientes a, b e c são as constantes e x a variável. Para resolvermos


uma equação quadrática aprendemos alguns métodos, tente relembrar alguns. Já
pensou quantos conteúdos sobre equações estudamos no ensino fundamental e
médio? Chegamos ao curso de licenciatura em Matemática com a capacidade de
definir uma estrutura algébrica, como grupo e anel, somente utilizando expressões.
Podemos imaginar que tudo isso foi formalizado de forma simples e rápida, da
mesma maneira que algumas vezes foi apresentado, tanto na escola, como nos
livros. Porém, a realidade é bem diferente, como discorreremos a seguir.

Os babilônios e gregos tinham métodos para resolver equações de primeiro


e segundo grau, mas não tinham notações e nem fórmulas gerais. Somente no
sec. IV d. C. encontraremos uma letra para a representação de uma incógnita da
equação, na obra intitulada Aritmética, escrita pelo matemático grego Diophanto
(Figura 1), em que ele denominava a incógnita como o número do problema.
Também utilizou nomes para a representação de potências de incógnita, como
quadrado, cubo, quadrado-quadrado (para a quarta potência), quadrado-cubo (para
a quinta potência) – imagine como seria representada uma equação. Com o passar
do tempo, a notação de Diophanto foi se modificando lentamente.

Figura 1: Diophanto de Alexandria


Fonte: cdn.timerime.com

8
Explor
Para detalhes sobre a bibliografia de Diophanto, acesse o material complementar.

Outro exemplo relacionado à notação são os símbolos das operações de adição


e subtração, muitos matemáticos utilizavam as letras p (para adição) e m (para
subtração) por serem as iniciais das palavras latinas plus e minus. Para a igualdade,
utilizavam variadas palavras, o símbolo = só foi utilizado por Robert Recorde em
1557, aparecendo em obra impressa, contudo, só em 1618.

Em 1591, é impresso o livro In Artem Analyticam Isagoge - Introdução à


Arte Analítica, do matemático francês François Viète (Figura 2). Nessa obra,
são utilizadas letras para representar tanto a incógnita como os coeficientes e as
quantidades conhecidas. Para tanto, fazia-se a seguinte distinção: as consonantes
representavam quantidades conhecidas e as vogais, as incógnitas.

De acordo com Milies (2004, p. 8), Viéte representaria bx2 + cx = d da


seguinte maneira:

B in A quadratum plus C plano in A aequalia D sólido

O que você achou da representação de Viéte? Imagine como seriam as nossas aulas de
Explor

matemática se não existissem os símbolos para representar equações, expressões, conjuntos


numéricos, operações. Como seria um livro didático de Matemática? Como seria resolver
uma equação de segundo grau?

Figura 2: François Viète


Fonte: apprendre-math.info

Mas mesmo com o trabalho de Viéte publicado, a utilização de letras para


representação de uma equação foi lentamente aceita. Em 1637, René Descartes (1596-
1650) publica um apêndice onde existem algumas modificações, como a utilização
das primeiras letras do alfabeto para representar quantidades conhecidas e as últimas,
como x, y, z, para as incógnitas – utilizamos essa convenção em nossos dias.

9
9
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

Uma limitação que aparece tanto nos trabalhos de Viéte, como no de Descarte
é que as letras representavam somente os números positivos. O primeiro a utilizar
letras para representar coeficientes formados tanto por números positivos quanto
por negativos foi John Hudde, em 1657.

Aos poucos também se inicia uma modificação relacionada ao grau de uma


equação. A maneira que representamos expoentes com números fracionários e
negativos já é encontrada em uma carta de Isaac Newton, em 1676.

Com o passar do tempo, lentamente, a álgebra foi se modificando. Um trabalho


aqui, outro ali e assim foi se formalizando a ciência que hoje conhecemos. Lembra-se
de Evariste Galois? Aquele matemático francês que estudamos ao falar sobre a estrutura
grupo? Em seus trabalhos sobre resolução de equações polinomiais, encontramos o
conceito de corpo, que foi denominada como estruturas de domínios de racionalidade.

Outra linha de pesquisa que levou ao estudo sobre corpo foi a teoria dos números,
com trabalhos de Gauss. E foi a partir de trabalhos sobre teoria dos números que
Richard Dedekind (1831-1916) formalizou o conceito de corpo.

A teoria abstrata sobre corpo tem início em 1903, tendo vários matemáticos
envolvidos. Com tantas variedades de corpos definidos, surge uma motivação para
estudos dessa teoria, como os desenvolvidos pelo alemão Ernst Steinitz (Figura 3),
em 1910, e pela matemática alemã Emmy Noether (Figura 4), em 1929.

Figura 3: Ernst Steinitz Figura 4: Emmy Noether


Fonte: uni-kiel.de Fonte: Wikimedia Commons

É possível observar que foi percorrido um longo caminho até se chegar à álgebra que
conhecemos hoje. O processo para a formalização e aceitação de todos os símbolos
universais que usamos com tanta facilidade em nosso cotidiano foi realmente lento.
A abstração, ou ainda, a formalização do conceito abstrato surgiu após exemplos
concretos e aplicações, como ocorreu com as estruturas de grupos e corpos.

Para aprofundar o conhecimento sobre a história da álgebra abstrata, acesse o artigo de


Explor

Milies no Material Complementar

A partir daqui, estudaremos a última das estruturas proposta em nossa disciplina,


denominada corpo.

10
Domínio de Integridade
Para estudarmos a estrutura corpo, teremos que nos aprofundar um pouco mais
na estrutura anel. Isso ocorre porque todo corpo é um anel.

Um dos exemplos de anel que vimos é o conjunto dos números reais com a
operação de adição e multiplicação. Apesar de ser exemplo, vimos que existem
várias diferenças, muitas estão relacionadas à operação de multiplicação. Vamos
relembrar algumas diferenças:
• A operação de multiplicação não é necessariamente comutativa, mas os anéis
que possuem essa operação são denominados comutativos;
• O anel não tem necessariamente o elemento neutro em relação à operação
multiplicação denominado unidade; o anel com essa característica é denominado
anel com unidade.

Vamos relembrar outras diferenças entre a estrutura anel e o anel dos conjuntos
numéricos.

Por exemplo, suponhamos que o anel A não possua divisores de zero, ou seja,
existe a, b ∈ A tal que a . b = 0, então a =0 ou b = 0. Quando o anel não possui
divisores de zero, dizemos que A é um anel sem divisores de zero.

Vejamos alguns exemplos de anéis sem divisores de zero:


• O anel dos números inteiros: (Z, +, .). Z é o conjunto dos números inteiros,
com as operações + e . usuais.
• O anel dos números racionais: (Q, +, .). Q é o conjunto dos números racionais,
com as operações + e . usuais.
• O anel dos números reais: (R, +, .). R é o conjunto dos números reais, com as
operações + e . usuais.
• O anel dos números complexos: (C, +, .). C é o conjunto dos números
complexos, com as operações + e . usuais.

Ao nos restringirmos a esses exemplos, podemos acreditar que não existem


anéis sem divisores de zero. Porém, isso não é verdade, como mostraremos nos
próximos exemplos:
• Consideremos F = { f | f: R → R}, sejam f, g ∈ F, definimos a adição f + g por

(f+g)(x) = f(x) + g(x), para todo x ∈ R

E a operação multiplicação f . g por

(f.g) (x) = f(x).g(x), para todo x ∈ R

11
11
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

Sabemos que F é um anel comutativo com unidade. Sejam f, g ∈ F, tal que

f(x) , representada na Figura 5.

Figura 5: Representação gráfica de f

e g(x) , Figura 6.

Figura 6: Representação gráfica de g

Representamos a função constante zero por 0F. Observamos que f ≠ 0F e g ≠


0F. Porém, f . g = 0F. Explique o motivo a partir das representações gráficas das
funções f e g, Figura 7.

Figura 7: Representação gráfica de f e g

12
Portanto, F é um anel com divisores de zero.

Como mostrar algebricamente que f. g = 0F?


• Outro exemplo é o anel das matrizes M2(R) com as operações de adição e
multiplicação usuais. Sejam B, D ∈ M2 (R), tais que

B= eD=

Observemos que tanto B como D não são matrizes nulas, mas a multiplicação
entre as mesmas resulta em uma matriz nula, como podemos ver:

B.D = =

Portanto, M2(R) é um anel com unidade não comutativo e possui divisores


de zero.

O anel Mn(R), n > 2, com as operações de adição e multiplicação usuais,


possui divisores de zero?

Vejam quantos anéis diferentes são formalizados a partir das condições da


operação multiplicação – e não acaba por aí, estudaremos outras. Porém,
quando há um anel A com unidade, comutativo e sem divisores de zero, dizemos
que A é um domínio de integridade.

Como exemplos de domínio de integridade, vimos os conjuntos dos


números inteiros, racionais, reais e complexos, com as operações de adição e
multiplicação usuais.

Vimos também que é possível fazer cálculos com a estrutura de anel, como
nos conjuntos numéricos, levando em consideração as diferenças. Temos a lei do
cancelamento em relação à adição. Será que é válida a lei do cancelamento com
respeito à multiplicação? A próxima propriedade falará sobre esse assunto.

Propriedade 1: seja A um domínio de integridade, para todo a, b, c ∈ A, tal que


e a≠0, a.b = a.c, então b = c.

Demonstração: sejam a, b, c ∈ A, tal que

a.b = a.c

Como A é um anel, temos:

a.b+(-a.c) = a.c + (-a.c)


a.b + a.(-c) = 0A
a(b +(-c)) = 0A

Como A é um domínio de integridade, temos b+(-c) = 0A. Assim,

13
13
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

(b+(-c)) + c = 0A + c
b+((-c) + c) = c
b+ 0A = c
b= c

Portanto, b = c.

Então, podemos utilizar a lei do cancelamento em relação à multiplicação nos


domínios de integridade, como os anéis numéricos Z, Q, R e C. Porém, não será
válido se os anéis não forem domínios de integridades, como o anel das matrizes
ou o anel de funções.

Após falarmos sobre domínio de integridade, estamos preparados para estudar


a última estrutura proposta em nosso curso, assunto da próxima seção.

Corpo
As próximas linhas estão dedicadas a estudar a estrutura corpo. Para tanto,
continuaremos fazendo uso de resultados anteriores.

Seja K um domínio de integridade, consideramos K em relação à operação


multiplicação. Suponhamos que todo elemento não nulo de K possui um elemento
inverso em K, ou seja, para todo k ∈ K-{0} existe k-1 ∈ K-{0}, tal que k.k-1 = 1.
Dizemos que K é um corpo.

Podemos citar como exemplos de corpo os conjuntos dos números racionais,


reais e complexos, com as operações de adição e multiplicação usuais. Vale a pena
destacar que o anel dos inteiros não é um corpo.

Por que o anel dos inteiros não é um corpo?

Nesse momento, vejamos outro exemplo de corpo. Consideremos o seguinte


conjunto:

Q[ 2 ] = {a +b 2 | a, b ∈ Q}
Sejam x, y ∈ Q[ 2 ], tal que x= a +b 2 , y = c +d 2 , a operação adição é
definida por

x + y = (a +b 2 ) +(c +d 2 ) = (a+c) +(b+d) 2

E a operação multiplicação por:

x.y = (a +b 2 ) (c +d 2 ) = (ac + 2bd) +(ad+bc) 2


Como as operações adição e multiplicação são fechadas, mostraremos que Q[
2 ] é um anel.

14
• A operação adição é associativa. Sejam x, y, z ∈ Q[ 2 ], tal que x= a + b 2 ,
y = c +d 2 , z = h + j 2 .

(x + y) + z = ((a +b 2 ) + (c +d 2 )) + (h + j 2 ) =
= ((a +c) + (b +d) 2 ) + (h + j 2 ) =
= ((a +c) + h ) + ((b +d) + j) 2 =
= (a + (c + h )) + (b + (d + j)) 2 =
= (a + b 2 )+ ((c + h ) + (d + j)) 2 =
= (a + b 2 )+ ((c + d 2 ) + ( h + j 2 )) =
= x + (y + z).

Portanto, (x + y) + z = x + (y + z).
• A operação adição é comutativa. Sejam x, y ∈ Q[ 2 ], tal que x= a + b 2 ,
y = c +d 2 .

x + y = (a +b 2 ) + (c +d 2 ) =
= (a + c) + (b + d) 2 =
= (c + a) +(d + b) 2 =
= (c + d 2 ) + (a + b 2 ) =
= y+x.

Logo, x+y = y+x.


• O zero de Q[ 2 ] é 0 = 0 + 0 2 . Sejam x ∈ Q[ 2 ], tal que x= a + b 2 , temos:

0 + x = (0 + 0 2 ) + (a + b 2 ) =
= (0 + a) + (0 + b) 2 =
= a + b 2 = x.

Portanto, 0 + x = x, para qualquer x ∈ Q[ 2 ].


• Para todo x ∈ Q[ 2 ], tal que x= a + b 2 , o elemento oposto é -x= -a + (-b) 2 .
De fato, temos:

x+(-x) = (a + b 2 ) +(-a + (-b) 2 ) =


= (a + (-a)) + (b + (-b)) 2 =
= 0 + 0 2 = 0.

Logo, x+(-x) = 0.

15
15
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

• A operação multiplicação é associativa. Sejam x, y, z ∈ Q[ 2 ], tal que x= a +


b 2 , y = c +d 2 , z = h + j 2 .

(x . y). z = ((a +b 2 ) (c +d 2 )) (h + j 2)=

= ((ac + 2bd) + (ad+bc) 2 ) (h + j 2 ) =

= ((ac+2bd).h + 2(ad + bc)j) + ((ac+2bd)j + (ad+bc)h) 2 =

= ((ac)h+2(bd)h + 2(ad)j + 2(bc)j) + ((ac)j+ 2(bd)j + (ad)h + (bc)h) 2 =

= (a(ch) + 2a(dj) +2b(dh) + 2b(cj)) + (a(dh)+a(cj) + b(ch)+ 2b(dj)) 2 =

= (a(ch + 2dj) +2b(dh + cj)) + (a(dh+ cj) + b(ch + 2dj)) 2 =

= (a + b 2 ) ((ch + 2dj) +(dh + cj) 2 )=

= (a + b 2 ) ((c + d 2 ) (h + j) 2 ) =
= x . (y . z).

Portanto, (x . y) . z = x . (y . z).
• A operação multiplicação é distributiva em relação à adição. Sejam x, y, z ∈
Q[ 2 ], tal que x= a + b 2 , y = c +d 2 , z = h + j 2 .

x .( y+ z) = (a +b 2 ) ((c +d 2 )) + (h + j 2 )) =

= (a +b 2 ) ((c + h) + (d + j) 2 ) =

= (a(c + h) + 2 b(d + j)) + (a(d + j) + b(c + h)) 2 =

= (ac + ah + 2 bd + 2bj) + (ad 2 + aj 2 + bc 2 + bh 2 ) =

= (ac + 2 bd) + (ad 2 + bc 2 ) + (ah + 2bj) + (aj 2 + bh 2 ) =

= ((ac + 2 bd) + (ad + bc) 2 ) + ((ah + 2bj) + (aj + bh) 2 ) =

=(a +b 2 ) (c +d 2 ) + (a +b 2 )(h + j 2)=

=xy +xz.

Portanto, x(y+ z) = xy + xz.

Deixamos para você resolver o caso em que (y+z)x= yz+zx.

Portanto, Q[ 2 ] é um anel.

16
Dizemos que Q[ 2 ] é um corpo. Para tanto, é necessário que seja um domínio
de integridade. Será que Q[ 2 ] é um domínio de integridade? Para responder a
essa questão, é necessário verificarmos se o anel Q[ 2 ] tem unidade, é comutativo
e não possui divisores de zero. Esse será o nosso próximo objetivo:
• Q[ 2 ] é um anel com unidade. De fato, ao considerarmos 1= 1+0 2 ∈ Q[
2 ], para todo x ∈ Q[ 2 ], tal que x=a+b 2 , temos:

1.x = (1+0 2 )(a+b 2 )=

= (1a + 2.0.b) + (1b + 0.a) 2 =

= (a+0) + (b +0) 2=

=a+b 2 = x.

Logo, 1.x = x, para todo x ∈ Q[ 2 ], deixamos para resolver o caso em que x.1
= x. Portanto, Q[ 2 ] é um anel com unidade.
• Q[ 2 ] é um anel comutativo: sejam x, y ∈ Q[ 2 ], tal que x= a + b 2 , y = c
+d 2.

xy = (a +b 2 ) (c +d 2)=

= (ac + 2bd) + (bc + ad) 2 =

= (ca + 2db) + (cb + da) 2 =

= (c + d 2 ) (a + b 2 ) = yx

Logo, xy = yx.

Portanto, Q[ 2 ] é um anel comutativo.

Se soubéssemos que a operação multiplicação é comutativa em Q[ 2 ], poderíamos


Explor

omitir algumas demonstrações. Por quê? Quais as demonstrações que poderiam ser
omitidas?

• Q[ 2 ] é um anel sem divisores de zero, sejam x, y ∈ Q[ 2 ], tal que x= a + b


2 , y = c +d 2 e xy = 0.

Como,

xy = (a +b 2 ) (c +d 2 )= (ac + 2bd) + (bc + ad) 2

17
17
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

temos,

(ac + 2bd) + (bc + ad) 2 =0+0 2

ou seja,

(1) ac + 2bd = 0

(2) bc + ad= 0

Suponhamos que x ≠ 0, então a ≠ 0 ou b ≠ 0. Seja a ≠ 0. Por (2), temos:

ad = -bc

(3) d = - a-1bc

Ao substituirmos (3) em (1), temos:

ac +2b(-a-1bc)=0
ac - 2a-1b2c = 0
(a - 2a-1b2) c = 0

Como Q não tem divisores de zero, temos:

a - 2a-1b2 = 0 ou c = 0

Se a - 2a-1b2 = 0, temos:

a = 2a-1b2
a2 = 2b2

b 1 b 1
= ou −
a 2 a 2

Como a e b são racionais, essas soluções são impossíveis. Portanto, a - 2a-1b2 ≠


0. Logo, c =0.

Como c = 0 por (3), temos d=0, logo, y=0.

Portanto, se xy = 0 e x ≠ 0, então y = 0. Assim, Q[ 2 ] é um anel sem divisores


de zero.

Então, Q[ 2 ] é um domínio de integridade.

Foram muitos cálculos e concluímos que Q[ 2 ] é um domínio de integridade,


mas será que Q[ 2 ] realmente é um corpo? Para respondermos a essa questão
precisamos saber se todo o elemento não nulo de Q[ 2 ] possui um elemento
inverso em Q[ 2 ].

18
Sejam x ∈ Q[ 2 ]-{0}, tal que x = a + b 2 , sabemos que x(1/x) =1. Se
mostrarmos que 1/x ∈ Q[ 2 ], então o elemento inverso de x pertence a Q[ 2 ].
Temos:

1/x = =

= =

= =

= +

Logo,

1/x = + .

Agora é necessário verificar se essa solução é válida. Para isso, precisamos que
a – 2b2 ≠ 0. Vejamos o que acontece quando a2 – 2b2 = 0.
2

a
a Como x ≠ 0, sabemos que a ≠ 0 ou b ≠ 0. Se b ≠ 0, obtemos que b = 2 ou
b = - 2 . Porém, essa solução é impossível visto que a e b são números racionais.
Se a ≠ 0, o raciocínio é parecido. Logo, é a2 – 2b2 ≠ 0.

Como e são números racionais, então 1/x ∈ Q[ 2 ].

Portanto, Q[ 2 ] é um corpo.

Com um raciocínio análogo podemos encontrar infinitos exemplos de corpos.


Para tanto, basta considerarmos os seguintes conjuntos:

Q[ p ] = {a +b p | a, b ∈ Q e p primo}

E as operações definidas de adição e multiplicação definidas em Q[ 2 ].

O conjunto Z[ 2 ] = {a +b 2 | a, b ∈ Z}, com as operações de adição e multiplicação


Explor

definidas em Q[ 2 ], é um corpo?

O estudo relacionado a corpos é extenso e importante. Muitos resultados interessantes


estão relacionados à Teoria dos Números, mas não podemos esquecer que ela engloba
resultados da teoria das equações. Lembra-se que, ao estudarmos a história da álgebra
abstrata, falamos sobre o matemático francês Evariste Galois, que em seus trabalhos
sobre resolução de equações polinomiais aparece o conceito de corpo? Suas ideias são
estudadas, atualmente, por alguns matemáticos e, embora não seja objeto de nosso
estudo, vale a pena efetuar uma pesquisa nos livros indicados na bibliografia.

19
19
UNIDADE História da Álgebra Abstrata e Corpo

Exemplos
1) Seja A um domínio de integridade, encontre as soluções da equação x2 = x,
para todo x ∈ A.

Resolução:

Seja A um domínio de integridade e x ∈ A, tal que x2 = x, temos

x2 – x = x.x -1.x = (x-1)x =0

Como A é um domínio, temos que x-1 = 0 ou x = 0. Assim, x=1 ou x=0.


Portanto, o conjunto das soluções da equação x2 = x é {0,1}.

2) Considere o anel M2(R) e A ∈ M2(R), tal que A = . A é divisor de zero?

Resolução:

Sim, A é um divisor de zero. De fato,

A2 = =

3) Considere os seguintes anéis, Z, nZ, Q, R, C, Z[ 2 ], Q[ 2 ], M2(R) e


F = { f | f: R → R}.

a) Quais são os anéis que contêm divisores de zero?

b) Quais anéis são domínios de integridade?

c) Quais são os anéis que são corpos?

Resolução:

a) Os anéis que possuem divisores de zero são F = { f | f: R → R} e M2(R).

b) Os anéis que são domínios de integridade são Z, nZ, Q, R,C, Z[ 2 ], Q[ 2 ].

c) Os anéis que são corpos são Q, R, C, Q[ 2 ].

20
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Nesta unidade, estudamos a história da álgebra abstrata e a estrutura algébrica corpo. Para
que você possa ampliar e aprofundar seus conhecimentos sobre como se desenvolveu
esses assuntos, indicamos algumas leituras.

Livros
Elementos de álgebra abstrata.
ALENCAR FILHO, Edgard de. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1988.
Álgebra Moderna
DOMINGUES, H.H.; IEZZI, G. São Paulo: Atual, 2003.
Elementos de Álgebra
GARCIA, A.; LEQUAIN, Y. Rio de Janeiro: Associação Instituto Nacional de
Matemática Pura e Aplicada, 2002.
Introdução à Álgebra
GONÇALVES, A. Rio de Janeiro: Associação Instituto Nacional de Matemática
Pura e Aplicada, 2003.
Tópicos de Álgebra
HEIRSTEIN, I, N.São Paulo: Universidade e Polígono, 1970.
Iniciação às estruturas algébricas
MONTEIRO, L. H. Jacy. 6. ed. São Paulo: Nobel , 1973.

Sites
Aritmética de Diophanto:
ALEJANDRIA, D. Diophanti Alexandrini Arithmeticorum libri sex et De numeris
multangulis liber unus: nunc primùm Graecè & Latinè editi, atque absolutisimis
commentariis illustrat. Ed. sumptibus Hieronymi Drouart, 1621.
Disponível em: https://goo.gl/1Vsz2U

Bibliografia Diophanto:
Disponível em: http://www.somatematica.com.br/biograf/diofanto.php
Acesso em: 20 ago. 2015.

Leitura
Breve história da Álgebra Abstrata.
MILIES, C. P. In: II Bienal da Sociedade Brasileira da Matemática. Salvador. 2004.
Disponível em: http://www.bienasbm.ufba.br/M18.pdf
Acesso em: 11 jun. 2015.

21
21
Referências
ALENCAR FILHO, Edgard de. Elementos de Álgebra Abstrata. 3. ed. São Paulo:
Nobel, 1982.

DOMINGUES, H.H.; IEZZI, G. Álgebra Moderna. São Paulo: Atual, 2003.

GARCIA, A.; LEQUAIN, Y. Elementos de Álgebra. Rio de Janeiro: Associação


Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, 2002.

GONÇALVES, A. Introdução à Álgebra. Rio de Janeiro: Associação Instituto


Nacional de Matemática Pura e Aplicada, 2003.

HEIRSTEIN, I. N. Tópicos de Álgebra. São Paulo: Editora da Universidade e


Polígono, 1970.

MONTEIRO, L. H. Jacy. Iniciação às estruturas algébricas. 6. ed. São Paulo:


Nobel , 1973.

Webgrafia
MILIES, C. P. Breve história da Álgebra Abstrata. In: II Bienal da Sociedade
Brasileira da Matemática. Salvador. 2004. Disponível em: < http://www.bienasbm.
ufba.br/M18.pdf> Acesso em: 11 jun. 2015.

22

You might also like