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Resumo: Este trabalho, caracterizado como um ensaio busca refletir sobre a relação
entre a Educação Popular e os movimentos educativos e de cultura popular da década de
1960. Esta reflexão é parte de uma pesquisa em andamento, no âmbito de um curso de
Pós Graduação em Educação. Um dos objetivos da pesquisa é identificar a formulação
do conceito de Educação Popular ao longo da história e sua relação com os movimentos
educativos da década de 1960, principalmente com a contribuição dos trabalhos de
Paulo Freire.
Palavras chave: Educação Popular, Movimentos de Cultura Popular, Paulo Freire.
Introdução
Dos anos 1940 até o início da década de 1960 “a ideia força do desenvolvimento
nacional aliada à política populista incitava à mobilização das massas, de cujo apoio os
dirigentes políticos dependiam para obter êxito no processo eleitoral” (SAVIANI, 2013,
p.316), mas como o direito do voto estava dependente da alfabetização, muitas foram as
iniciativas governamentais (programas, campanhas, movimentos) voltadas para a
alfabetização de jovens e adultos com vistas a aumentar o eleitorado.
Paiva (1973) aponta o ano de 1958 como marco do início de uma nova fase da
educação de adultos devido à realização do II Congresso Nacional de Educação de Adultos.
Segundo a autora, o Congresso é um acontecimento que nos oferece a oportunidade de
observar o início da transformação do pensamento pedagógico brasileiro, com a reintrodução
da reflexão sobre o social na elaboração das ideias pedagógicas, além de ter servido como
estímulo para o desenvolvimento de ideias e novos métodos educativos para adultos. Para
Góes, “1958 foi o pórtico por onde passaram os movimentos de educação popular dos anos
60” (GÓES, 1980, p.46).
3Segundo Oscar Jara (2009), o termo Povo é compreendido dentro de duas perspectivas: de ‗povo social‟
como os que sofrem na sociedade as assimetrias de qualquer tipo: opressão, discriminação, exclusão,
inclusão perversa, exploração; e a de ―povo político, na dimensão de classe popular, no momento que se
articulam,se organizam e se põem em movimento contra a interdição, a opressão e a segregação, porque
sabem ser segregados – e possuem, como diz Paulo Freire ( 2014), potencial de (re)fundação social.
do poder político e das estruturas sociais fora dos pressupostos da ordem vigente são,
portanto, movimentos comprometidos explicitamente com escolhas político-ideológicas.
Os Centros Populares de Cultura (CPCs) que despontaram em todo o país entre 1962
e 1964 tiveram como ponto de partida o CPC criado pela União Nacional dos Estudantes
(UNE) em 1961 no Rio de janeiro. Sua base de atuação era o teatro de rua, mas a partir de
1963 passou a tratar também da questão da alfabetização. O CPC
Teve um papel decisivo no envolvimento dos estudantes no movimento
estudantil e no movimento de cultura e de alfabetização que por meio das
UNEs Volantes criaram centros de cultura, teatro, grupos de alfabetização em
várias partes do Brasil e contribuíram com o surgimento de um grande
número de compositores comprometidos com a renovação da música popular
brasileira, do cinema, das artes plásticas e da crítica literária.(SILVA, p. 71-
72)
Gonzales (2014) apresenta o ISEB juntamente com a Igreja Católica e o PCB como
as instituições-base que forjaram concepções e sustentaram ações dos movimentos de cultura
e educação popular que despontam na primeira metade da década de 1960. Góes (1980)
aponta a participação do Governo, da esquerda marxista e da Igreja Católica como as forças
mais expressivas na gestação dos movimentos dos anos 60, principalmente, em termos de
educação adultos.
Segundo Saviani (2013), a expressão mais acabada da orientação seguida por esses
movimentos é dada pelo pensamento de Paulo Freire. Neste sentido, pensar a Educação
Popular aponta para pensar o legado de Paulo Freire e sua insistência na construção de uma
educação do povo e para o povo, que permita uma leitura da realidade na ótica do oprimido.
Uma educação que proporcione a conscientização e a libertação do oprimido valorizando a
cultura popular.
Reconhecido mundialmente por sua práxis pedagógica, Paulo Freire foi um educador
brasileiro que, de acordo com Schönardie (2015), contribuiu significativamente para
revolucionar a teoria e a prática da educação popular e consequentemente de todo o contexto
educacional. Para Streck (2009), uma das características deste pensador é que ele soube
reinventar a si mesmo e reinventar a pedagogia em meio ao movimento da sociedade.
Nos anos 1950, enquanto ainda se pensava na educação de adultos como uma pura
reposição dos conteúdos transmitidos às crianças e jovens, Freire propunha uma pedagogia
específica, associando estudo, experiência vivida, trabalho, pedagogia e política. Paulo Freire,
atento à categoria do saber que é aprendido existencialmente, pelo conhecimento vivo de seus
problemas e os de sua comunidade local, já explicitava no relatório apresentado aoII
Congresso Nacional de Educação de Adultos (julho de 1958) o seu respeito ao conhecimento
popular.
4 No Método de alfabetização de adultos criado pelo educador Paulo Freire, e que leva seu nome, a
prática educativa é comprometida com a formação de uma consciência crítica e democrática. A intenção é
criticizar o homem através do debate de situações desafiadoras postas diante do grupo, situações essas
que teriam de ser existenciais para os grupos, por isso, faz-se preciso um estudo dos modos de vida na
localidade então escolhida para o desenvolvimento dos trabalhos, e assim, fazer um levantamento do
“universo vocabular” para a posterior seleção das “palavras geradoras”, estas relacionadas a situações
existenciais típicas do grupo serviam como ponto de partida da discussão. Os mecanismos da linguagem e
escrita são estudados por meio do progressivo desdobramento das “palavras geradoras” em sílabas e,
quando necessário, em vogais que, reunidas depois, pelos próprios educandos, em novas associações,
possibilitavam a formação de novas palavras. Em Educação como Prática da Liberdade (1967), Paulo
Freire expõe o Método contextualizando historicamente a proposta e expondo seus pressupostos
filosóficos e políticos.
Nesse relatório intitulado A educação de adultos e as populações marginais: o
problema dos mocambos, ele propunha que “a educação de adultos das Zonas dos Mocambos
existentes no estado de Pernambuco teria de se fundamentar na consciência da realidade da
cotidianidade vivida pelos alfabetizandos para jamais reduzir-se num simples conhecer de
letras, palavras e frases” (GADOTTI, 1996, p.35). Até aquele momento todas as ações
desenvolvidas no campo da alfabetização de adultos, principalmente por meio de campanhas,
tinham um olhar muito negativo sobre esses adultos. Com esse relatório, Paulo Freire
desconstruía essa visão negativa dos adultos analfabetos, mostrando que eles apesar de não
saberem ler e escrever, são sujeitos detentores de conhecimentos, e a questão do fracasso no
seu processo de escolarização decorre da inadequação das propostas pedagógicas dirigidas a
eles.
que tem de ser forjada com ele (o oprimido) e não para ele, enquanto homens
ou povos na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia
que faça da opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de
que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação em que
essa pedagogia se fará e refará. (FREIRE, 2014, p. 43)
5Paulo Freire foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife, criado pelo
prefeito Miguel Arraes em maio de 1960, onde assumiu a direção da Divisão de Pesquisas; assumiu a
direção do recém-criado Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife (fevereiro de
1962); influenciou a campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler (fevereiro de 1961) e dirigiu a
campanha de alfabetização de Angicos (janeiro de 1963), ambas no Rio Grande do Norte. Inspirou,
igualmente, a Campanha de Educação Popular da Paraíba - CEPLAR (1961); e coordenou o Programa
Nacional de Alfabetização (oficializado em janeiro de 1964 e extinto pelo Governo Militar em abril do
mesmo ano) que tinha a intenção de alfabetizar 5 milhões de adultos pelo “Método Paulo Freire”.
institucionalizada e constituída oficialmente, seja como sistema escolar
seriado, seja como educação não-formal de adultos. Emergia como proposta
de re-escrever a prática pedagógica do ato de ensinar-e-aprender, e surgia
para repensar o sentido político do lugar da educação. (BRANDÃO, 1984
p.69)
Ainda de acordo com esse autor, surgia aí uma nova concepção de Educação
Popular, que já não era uma educação dirigida aos “excluídos”, e sim uma educação através
da qual as classes populares se educam com a sua própria prática, assume, portanto, uma
feição de “classe” vinculada à criação de um saber popular.
Dessa forma, a obra de Paulo Freire torna-se uma das referências em sua concepção
antropológica, epistemológica, política e ética, com premissas que oportunizam a construção
teórica e prática dos movimentos a partir da realidade concreta das classes populares.
Considerações
Essas diferentes iniciativas políticas e educativas vão ser o celeiro para a formulação
de uma nova concepção de Educação Popular, reforçando a afirmação de João Francisco de
SOUZA (1999), no sentido de que os movimentos sociais populares que surgiram neste
período representam um encontro cultural entre intelectuais e populares, à medida que são
resultados dos processos de dominação existentes na sociedade e a organização de grupos de
reflexão, da ação cultural, de ajuda mútua, de reinvidicação, construindo, assim, uma
concepção que é política e pedagógica da Educação Popular, como uma prática educativa
vinculada aos movimentos sociais na perspectiva da transformação social.
A concepção da educação como emancipação humana, de uma educação do povo e
não para o povo, o resgate dos valores culturais, a comunicação, a criatividade, o estímulo à
participação e criticidade foram princípios construídos com essas diferentes práticas
educativas, e que constituíram as sementes da concepção da Educação Popular.
Portanto, a Educação Popular se constrói na relação com os movimentos sociais,
realizados por setores mobilizados da sociedade civil, tendo como sujeitos mulheres e
homens, jovens e adultos, das classes populares, é impulsionadora e resultante da luta destes
movimentos por vida digna e justiça social.
Referências