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Webster Santos E quem disse que a gente não pode?

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Ano 2 - Número 9 - Maio 2016
www.violaomais.com.br
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E mais:
Exercícios de aquecimento
A vihuela dos mariachis
As novidades da MusikMesse
“Eight Days a Week”, dos Beatles
Rasgueo e escalas duetadas

Filó
Machado
A mistura de tudo
Paráfrases, citações e afins Por onde começo meu solo?
editorial
Nove meses depois...
Chegamos à nona edição de nossa revista, com muito carinho. Modéstia à parte, está
ótima! Nossa capa estampa, orgulhosamente, a foto de um dos maiores músicos em
atividade no mundo: Filó Machado, um cara simples, a serviço da música. Com diversos
talentos, é um dos poucos no Brasil a dominar o scat, improviso vocal imortalizado por
Louis Armstrong. Só que faz isso com uma rítmica absolutamente fantástica no violão,
além de harmonizações incríveis e originais. Provavelmente, cada música executada por
Filó seja uma obra única. Nas páginas da entrevista, você poderá perceber que nada disso
veio de graça. E poderá rir dos acasos que quase transformaram esse gênio da música
em talento do futebol! A seção Retrato traz outro grande talento, que se mostra múltiplo
no palco, com a quantidade de instrumentos de cordas que toca: Webster Santos,
disputado por artistas do porte de Zélia Duncan e Zizi Possi, só para citar alguns, pois a
lista é gigante! Ele nos conta como consegue atingir esse nível de excelência, seja como
músico, diretor musical ou produtor. Também fala dos seus projetos pessoais. Tudo com
alegria e simpatia contagiantes. A seção História volta nesta edição, trazendo muitas
informações e curiosidades sobre música
e a escrita musical do passado. A seção
Mundo fala da vihuela dos mariachis, uma
tradição mexicana apreciada pelo mundo
inteiro. A seção Academia fala sobre como
construir um solo, em uma contribuição
fantástica de nosso colaborador Walter
Nery. Não deixe de prestar atenção,
também, na qualidade do trabalho de
Andrea Perrone, escolhida do mês na
seção Você na V+. Falando em colunas,
estão cada vez melhores. Se a gente
contar tudo aqui, perde a graça. Abra a
revista e se delicie!

Luis Stelzer
Editor-técnico

VIOLAO Ano 2 - N° 09 - Maio 2016


+
Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus
autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui
Editor-técnico
Luis Stelzer
editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição


Alex Lameira, Breno Chaves, Cleber Assumpção,
Eduardo Padovan, Fabio Miranda,
Flavio Rodrigues, Luisa Fernanda Hinojosa Streber,
desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado Reinaldo Garrido Russo, Ricardo Luccas,
para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo Valéria Diniz, Walter Nery e Thales Maestre
dos anúncios publicados.
índice

4 54
Você na V+ Siderurgia

6 56
No Player Em grupo

61
Iniciantes

66
Flamenco

8 26 68
Retrato Filó Machado Viola caipira
18
Conexão 38 51 72
Internacional História Como estudar De ouvido

42 76
Mundo Academia

46 82
Sete Cordas Coda

Publisher e jornalista responsável Foto de capa


Nilton Corazza (MTb 43.958) Gal Oppido
publisher@violaomais.com.br
Publicidade/anúncios
Gerente Financeiro comercial@violaomais.com.br
Regina Sobral
financeiro@violaomais.com.br Contato
contato@violaomais.com.br Rua Nossa Senhora da Saúde, 287/34
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arte@violaomais.com.br redacao@violaomais.com.br Telefone: +55 (11) 3807-0626
você na violão+
Maria Lívia São Marcos
Muito boa entrevista com a grande Maria
Lívia. Importantíssimo para entender um
pouco mais da história do violão no Brasil.
Parabéns a toda equipe! (Fernando Alves,
em nossa página no Facebook)
Assinatura
Parabéns pelo magnífico trabalho que
vocês estão fazendo. A cada edição me
surpreendo com a qualidade dos conteúdos.
(Diego Luciano Duarte, por e-mail)
7 Cordas
Meus parabéns! Acabo de assistir todos
os seus vídeos relacionados ao 7 cordas
e estou muito interessado no material
para desenvolver minha técnica e também
conhecimento. (Evandro Santos, em
nosso canal do Youtube sobre os vídeos
de Cleber Assumpção)

Mostre todo seu talento!


Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista.
Como participar:
1. Grave um vídeo de sua performance.
2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de
transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt.
3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço editor@violaomais.com.br
4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com
direito a entrevista e publicação de release e contato.

Violão+ quer conhecer melhor você, saber sua


opinião e manter comunicação constante, trocando
experiências e informações. E suas mensagens
podem ser publicadas aqui! Para isso, acesse,
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preferir, envie críticas, comentários e sugestões para o e-mail contato@violaomais.com.br

4 • VIOLÃO+
você na violão+

Moça Tinhosa
A gaúcha Andrea Perrone tem um violão muito ousado, cheio de percussões
e contrapontos. Porto-alegrense, também é cantora e compositora, mas
o trabalho como violonista é o que impressiona. Autodidata, tem fluência
em vários gêneros musicais, desde MPB, samba e choro a flamenco,
jazz e outros. Usa afinações alternativas em seu instrumento, buscando
texturas e coloridos diferentes. Também gosta de aplicar técnicas de
outros instrumentos ao violão. Nos últimos anos, Andrea conquistou
importantes prêmios da música instrumental no Brasil, como o famoso
Festival de Música Instrumental para Viola, Violão e Guitarra de Vinhedo,
em São Paulo, ficando, na categoria Violão, em segundo lugar, em 2011,
com “Tinhosidade”, e em terceiro lugar, em 2012, com “Ontonte do Infinito”,
ambas de sua autoria. Em 2015, “Tinhosidade” foi eleita a melhor música
instrumental do maior festival de música no Brasil, o FAMPOP de Avaré,
também em São Paulo. Sentindo a necessidade de novos desafios, bem
como muita vontade de mostrar seu trabalho autoral como instrumentista
e compositora, Andrea entrou em estúdio no primeiro semestre de 2013
para gravar Page One, seu primeiro EP de violão-solo autoral. Por conta
da qualidade do seu trabalho, já realizou apresentações na Itália e no
México. Vale muito a pena ouvir Andrea Perrone.

VIOLÃO+ • 5
NO PLAYER Por Ricardo Luccas

Referências
fora do violão
Recentemente, me deparei indiretamente com a
pergunta provocada por esta mesma revista, ao refletir,
durante a leitura da coluna “No Player”, sobre qual
LP havia me influenciado, transformado minha visão
sobre música. Tive e tenho dificuldade de localizar
um, apenas um. Depois, fui diretamente provocado
por Luis Stelzer, editor da revista, a contar pelo menos
uma experiência de escuta de LPs. Então, vamos lá!

Sou da época dos LPs e das fitas Pablo Milanés, Quilapayun (e tantos
cassete, em que gravávamos e outros que vou parar de citar para não
difundíamos os poucos LPs que ser injusto); também se ouvia música
chegavam até nós. Cresci em uma clássica, jazz e muita música brasileira.
casa onde se ouvia música a todo Como iniciei o estudo musical desde
momento, música variada: os latinos pequeno e pela escola clássica, logo
Atahualpa Yupanqui, Mercedes Sosa, comecei a montar meu acervo: Andrés

6 • VIOLÃO+
NO PLAYER

Segóvia, Julian Bream, Pepe Romero e o colorido e a sonoridade e tirar de


outros violonistas de diferentes estilos, ouvido as melodias e os improvisos. O
como Paco de Lucia e Baden Powell. som? Mistura de rock com ritmos bem
Poderia citar também e, em outra brasileiros como choro, baião e frevo.
oportunidade, posso voltar a discos de Na formação da banda nesses dois LPs
pessoas que conheci nos Seminários estão Dadi Carvalho (ex-Novos baianos
de Violão, promovidos pelo professor e Jorge Ben) no baixo; seu irmão Mú
Henrique Pinto na década de 1980: Carvalho (ex-A Banda do Zé Pretinho)
Claudio Menandro, Cristina Azuma, nos teclados; Gustavo Schroeter (ex-
Orlando Fraga, entre outros, que A Bolha) na bateria e Armandinho
mostraram, com a riqueza de seus Macêdo (Trio Elétrico Armandinho,
trabalhos, que a música era um Dodô & Osmar) na guitarra, bandolim
caminho possível. Não posso deixar de e guitarra baiana. É engraçado refletir,
mencionar também minha professora porque falo de discos em que não se
Angela Muner, no LP em que interpreta encontra o violão, mas foram álbuns
música espanhola. que mudaram minha maneira de
Tudo isso fez parte e teve grande entender as possibilidades da música
influência em minha formação como instrumental. Os ritmos brasileiros com
violonista e músico, mas os discos essa roupagem e esses arranjos foram
que gostaria de trazer e compartilhar um divisor de águas. Tentei durante
nesta edição são os da banda A Cor do muito tempo reproduzir o que ouvia ali
Som: LPs de 1977 “A COR DO SOM” no violão, até gastar a agulha e o disco.
e de 1979 “FRUTIFICAR”. A esses, Hoje, com o a universalização via
tive acesso por volta de 1979. Iniciei internet, fica mais fácil encontrar e
a década de 1980 ouvindo esses ouvir, sem ter que baixar a agulha da
discos sem parar, tentando decifrar pickup nos sulcos do LP.
VIOLÃO+ • 7
RETRATO Por Luis Stelzer

Webster Santos

8 • VIOLÃO+
RETRATO

Webster Santos é uma simpatia.


Conversa tranquilamente, como
bom baiano que é. No palco,
exala essa tranquilidade com uma
excelência musical invejável. É o
cara das cordas: caiu na mão dele,
ele toca. E muito bem! Não é à
toa que Zélia Duncan e Zizi Possi,
entre outros, fazem questão do
seu passe. E não fica por aí: há os
trabalhos próprios, um mais legal
que o outro. E, muito em breve,
lançará um trabalho diferente, com
pesquisa de afinações, chakras,
sensações... Entre neste universo
de um cara que parece que faz tudo.
E tudo bem!

E quem disse
que a gente
não pode?
VIOLÃO+ • 9
RETRATO
Violão+: Começando de trás para vórtices de energia no corpo. Cada
frente, quais são seus projetos atuais ponto desse no corpo é relacionado com
e para o futuro? um tom, com um a nota. Eles são sete,
Webster Santos: O projeto atual é o como as notas musicais. Construindo
disco novo, chamado Música Cura. em cima de tudo isso, o disco está
Ele já está na parte de diagramação, e dividido em sete faixas, se relacionando
indo para a fábrica. Esse projeto é uma com essa frequência do corpo. Quando
parceria com o amigo Alê Siqueira, um se toca, promove sensações, aberturas
dos maiores produtores do Brasil e do para outras coisas, para sintonizar e
mundo. É um estudo de frequências, ter um bem-estar nessa história. Abro
usando a afinação dos violões e dos parcerias com pessoas que tem esse
outros instrumentos em 432 e 444 (Hz) lado holístico. Por exemplo, tenho uma
que é, na verdade... Tudo isso é matéria parceria com uma professora de ioga,
e frequência. Quando você toca com a Wal Nunes. Quando ela faz a prática de
afinação padrão, 440 Hz, essa vibração ioga dela, de olhos vendados, que é a
atinge as pessoas de determinada especialidade dela, toco. Então, além da
maneira. A proposta é trazer para uma condução dela do corpo, com as posições,
afinação que atinja o ser humano de também estou energizando com o som,
outra maneira, partindo de uma visão provocando sensações. Porque, com a
dos indianos, os chakras, que são como música, você se concentra melhor, ela te

10 • VIOLÃO+
RETRATO
traz essa conexão. Fora o trabalho com
outros artistas, cantores, como a Zélia
Duncan, a Zizi Possi, a Luciana Melo. E
também tem as gravações de estúdio...

Uma cantora me falou que adora


trabalhar com você, mas há um
pequeno problema: você só toca com
duas pessoas. Deus e todo mundo!
É, tem essa coisa de ser muito requisitado.
Acho que conta muito o lado profissional.
Encaro como um ofício, trabalho com
música. Há o cuidado técnico, é preciso
estar atualizado, ser educado, ter
higiene pessoal, todas essas coisas
que qualquer profissional, de qualquer
área, deve ter. Tenho essa consciência.
Além disso, é preciso oferecer muita têm essa capacidade. Eu chamo isso
coisa. Toco muitos instrumentos de de expansão de consciência. Se faço
diferentes características, e é preciso feijão com alho, no outro dia faço feijão
ter conexão com o tipo de música com alho e cebola. Opa! Aí, bota um
que se vai trabalhar. Por exemplo, se pouquinho de sal. Opa! Mas, se eu
alguém quer um samba, você mostra, botar quiabo? Opa! Quer dizer, cada
“tá aqui”. Precisa de um cavaquinho, vez mais você vai expandindo aquela
ok. Você presta serviços. Acaba que possibilidade. Tem que ter a disciplina,
as pessoas vão te requisitando. Faço o entendimento de cada ingrediente,
pintura, funilaria, higienização de banco e aí, se vai expandido isso. Cria-se
(risos). Se quiser, troco pneu, monto o essa facilidade. Se você está aberto
som... Acho que é isso. Se você carrega para que aconteça, não tem por que
essa quantidade de coisas, fazendo não acontecer. A primeira coisa é tirar
bem feito, as pessoas vão te chamando a negação da situação. “Poxa, eu não
mais. É por isso que trabalho bastante. consigo...”. Já não vai conseguir! Então,
experimente, porque você aprende por
Como você consegue tocar tantos observação, também. Você observa,
instrumentos? pode pegar o instrumento e criar. E tem
E quem disse que a gente não pode? outra coisa, que acho muito legal: o
Parto do princípio de que, quando instrumento está ali parado, sozinho, ele
você tem interesse por alguma coisa, não faz nada. É você que vai pegá-lo e
vai estudando, ganhando facilidade, fazer o som, criar, não copiar. Você pode
ampliando. Aí, você vê que consegue. pegar o instrumento e desenvolver com
Hoje, acredito que não é uma qualidade ele uma forma de tocar completamente
de poucos. Todo mundo pode. Todos diferente da de qualquer outra pessoa.
VIOLÃO+ • 11
RETRATO

E você vai estar tocando. Se aparece um Carminho, que hoje é bem famosa, era
instrumento diferente aqui, eu pego e uma cantora de casas de fado. Eu sentei
começo a identificar o que ele tem, o que na frente de um incrível instrumentista,
eu posso manusear e, aí, desenvolvo. chamado Luis Guerreiro, um grande
Um amigo comprou uma guitarra na guitarra portuguesa. Passou a noite
portuguesa. Eu não tenho guitarra inteira, ele tocando bem na minha frente,
portuguesa. A primeira coisa que vi foi sem saber que também sou músico. E
a afinação. Pelo meu conhecimento eu, admirado, absorvendo tudo. Aquilo
técnico e teórico, sei como montar as fica em você. Quando a gente pega o
coisas. Já vou criando. Depois, vejo os instrumento, naturalmente cria-se uma
especialistas. Eles fazem assim. Opa! relação com as referências que a gente
Você já incorpora alguma coisa. Daqui a tem. Acho que isso é para todo mundo,
pouco, você está tocando o instrumento. não só para mim.
E descobre referências. Uma vez, eu
estava em Portugal, acompanhando Lendo seu release, fiquei cansado
a Zélia Duncan e a Simone. Fomos só de ver o tanto de coisa que você
convidados para jantar na casa de faz: muita gente, muitos trabalhos
uma mulher que cantava fado. Que diferentes. De onde vem essa sua
legal! E tinha essa coisa do rodízio, a formação tão ampla, tão aberta?
cada momento, era um novo cantor. A Família de músicos. Minha mãe,
12 • VIOLÃO+
RETRATO
formada em piano, teve escola de piano, aos dezoito anos. Havia um professor
depois foi dar aula de pedagogia. Na de vôlei que tocava violão e teclados.
Bahia, havia uma grande quantidade de E outro guitarrista também, que
bandas que tocavam em trios elétricos. estudava na minha classe, o Jurandir
E uma grande diversidade de músicas. Santana, que mora hoje em Barcelona.
Sempre gostei de tudo. Estava tocando Tinha sempre essa coisa da música
violão, meus primos também tocavam. permeando a minha vida. Esse professor
O Vicente Sales, guitarrista da banda de educação física era o Rui Braga,
Cheiro de Amor, jogava buraco com que tocava teclado no Olodum e com
o meu pai. Ele dava aulas e meu pai o Edson Gomes, o famoso reggaero.
sugeriu que eu fizesse aulas com ele. Ele me levou para tocar com o Edson
Fui para tocar violão e meu irmão para Gomes, com dezessete anos. Eles
bandolim. Ele não conseguiu aprender eram rastas, e eu, estudava em colégio
a tocar, aí eu disse: “deixa que eu militar! Já viu que confusão, né? (risos)
aprendo!”. Isso porque o Vicente achou Peguei pela primeira vez uma guitarra
que eu ia estudar baixo, pois me viu importada e pude usar dois pedais, o
tocando esse instrumento em uma Overdrive e o Chorus. Veio dessa época
bandinha. Daí, entrei no curso técnico o ecletismo. Eu tocava bandolim, que
da Universidade Católica de Salvador. tinha o Armandinho como referência,
Estudei em colégio militar dos sete tocando em uma banda de reggae, como

VIOLÃO+ • 13
RETRATO
o pessoal puxando a minha orelha, foi muito presente. Na música, a parte
porque tinha que tocar para trás. E tinha rítmica é que determina a coisa, o pulso
que fazer base e solos. O reggae tem das coisas. Quando se pensa em valsa,
outro comportamento. Porque música é não vem um 4 por 4, mas em 3 por 4.
comportamento. O tipo de música que é Igual à música cubana: se pensa em
feita na Jamaica, o reggae, se comporta clave! Não dá para acompanhar ou tocar
daquela forma porque eles comem música cubana sem entender a clave.
daquela forma, eles bebem daquela Se pegar isso e trouxer para o Brasil,
forma... Então a música vai ser o produto vai ver que as claves estão lá. Só que
daquilo que eles vivem, assim como aqui ninguém parte delas para entender
qualquer outro tipo de música. Sempre as músicas. Se eu faço um “tum-pá-tum-
digo que se você quer tocar a música de pá”, você fala que isso é o que?
algum lugar, é bom que você vá a esse
lugar, respirar aquilo, ter a pulsação, o Rock.
sotaque, porque isso constrói. Então, Eu não precisei cantar nada, só fiz o
vim desse caldeirão que é a Bahia, que ritmo. Então, quando entendi isso,
tinha essa coisa de tocar de tudo. E tudo clareou. É isso que Cuba faz! O
uma coisa africana muito forte, mesmo. Alê Siqueira, que produziu a Omara
Mas uma coisa solta, nada realizado Portuondo, estava lá, perto de uma
formalmente. A coisa do ritmo sempre escola. As crianças estavam brincando

14 • VIOLÃO+
RETRATO

algo parecido com aquela brincadeira arranjo, re-harmonização, e por aí vou


de tirar a cadeira, e elas não cantavam caminhando. Quanto mais informação
músicas, faziam as claves. De repente, tiver por aí, mais eu vou catando.
invertia a clave. Qualquer cubano
reconhece isso muito bem, te mostra Você passa uma felicidade incrível
quando se inverte uma clave, ou por estar no palco, tocando. Sempre!
seja, uma ordem rítmica. Eles têm Quem é de formação clássica aprende
isso internamente. Nós, não. (ouça o a tocar e demora a se soltar, parece
áudio). Voltando à formação: entrei tudo meio preso...
na Faculdade Católica. Sou professor O que sempre falo quando me dizem isso
de música formado, fiz Licenciatura. é que você tem que ter conhecimento
Quando falei para minha mãe que ia técnico e teórico para se expressar. Não
viver de música, ela falou: meu filho, existe álgebra se você não sabe contar
tenha pelo menos um diploma, que 2 mais 2. Se estudei o suficiente para
assim, se não der certo, você tem um aplicar alguma coisa naquele momento,
diploma e vai ser professor. Fiz isso e tenho tranquilidade de estar ali, naquele
estudei muito em paralelo, guitarra, com lugar. Estou feliz em estar fazendo o que
vídeo-aulas, livros, Scott Henderson, escolhi para minha vida. É um sentimento
Malmsteen, Satriani... Também essa maior do que qualquer outra coisa, não
coisa do violão de aço, Don Ross. Vim dá para explicar. Sorrio porque estou
para São Paulo. O cara aqui era o feliz, é uma conexão. Me perguntaram
Mozart Melo, mas ele não tinha horário. porque danço enquanto toco. E eu
Eu queria estudar! Também procurei o pergunto: “o que é que faço entre um
Edu Ardanuy, mas nunca consegui. Aí, acorde e outro, cara?”. (risos) O que
cai com o Joe Moghrabi, para estudar a vou fazer, ficar parado? Não. Aproveito
coisa mais do rock. Fiquei com o Joe, e danço um pouquinho, rio, olho para
que é um grande amigo, uma pessoa o lado, vejo um amigo na plateia, me
queridíssima. Também tive aulas com relaciono com a música e com aquilo
o Zé Valter, e, finalmente, consegui que ela me oferece. Mas é preciso ter
estudar com o Mozart. Estudo com preparação. Não é tão fácil. Houve um
o Claudio Leal até hoje, harmonia, trabalho grande até chegar ali sorrindo.
VIOLÃO+ • 15
RETRATO

Parece que a tensão passa longe... impregnada uma coisa da competição,


Dá para explicar. Psicologicamente que está no ensino. Há uma rigidez
falando, nossa profissão é um negócio que tem a ver com o que eu falei do
que exige 100%. Quando você está comportamento. De onde vem? Vem da
tocando, não pode errar! Então, há uma Europa, região fria, onde as pessoas
tensão aí. Há uma coisa subliminar que se enclausuram para estudar. Então,
é muito forte. Se isso te dominar, você naturalmente, é uma coisa mais tensa.
não faz mais nada, entra na zona do Já a música flamenca é solar. Barcelona,
medo e trava. Aí não se expressa, não Madrid! É forte, pulsante. Tem muito
rola. Então, tem o sorriso, tem a dança, disso. Então, se você quiser entender
mas tem o foco ali. Dá para aproveitar o tipo de música que você faz, olhe o
os momentos tranquilos, mas se vem comportamento e compreenda porque
uma coisa mais complicada, você tem aquela música é daquela forma. Venho
que estar ligado para resolver. Na de um lugar que é solar, que é receptivo.
escola clássica, de que você falou, há Minha música tende a ser baseada
16 • VIOLÃO+
RETRATO
nisso. Tem uma amiga minha, madrinha mil pessoas. Ou toca com um amigo,
de casamento, também produtora, que fazendo parte de um grupo: vira o músico
do lado, o sideman. Daí, pega uma
diz: “não tem jeito, até em música triste
você sorri!”. (risos) música e vê que tem a capacidade de
arrumá-la de outro jeito: vira arranjador.
Há algo que queira falar sobre o seu Se você tem facilidade em lidar com as
trabalho que nunca te perguntam? pessoas, e extrair delas o que elas têm
Sim... Há um grupo que só lançou disco de melhor, vira diretor musical. Você
na Europa e no Japão, com Chris Wells, começa a dirigir as coisas. Se tem esse
Walmir Gil e Cherlie Woods. Um quarteto conhecimento de direção e começa
que tem um disco, que saiu pelo selo uma expansão maior e conhecimento
do Chris, que ninguém conhece! (risos) de técnicas de gravação, começa a
produzir, a fazer música para fins, aí
E esse negócio de ser produtor e vem a publicidade. Você começa a ser
diretor musical? produtor, porque tem um conhecimento
Uma coisa que as pessoas precisam maior sobre a concepção do que se
ter é gerenciamento de carreira. O que está fazendo. Então, existe uma escala,
você quer fazer? Quais são os passos? mas que acontece no “tudo ao mesmo
Você inicia como estudante, começa a tempo agora”. Mas tudo tem que ter um
tocar. As pessoas começam a te chamar, objetivo, não o de simplesmente mostrar
para tocar ou acompanhar. Ou você vai como você toca, porque isso vira uma
para um trabalho solo. Tem que fazer coisa egóica. E o ego não é um “cara
sua música “virar”, agradar dez, cem, legal” de se cultivar.

VIOLÃO+ • 17
CONEXÃO INTERNACIONAL Por Alex Lameira

A MusikMesse, uma das maiores feiras


de instrumentos musicais do mundo, é
realizada no mês de abril na cidade de
Frankfurt, na Alemanha, e expõe a nata dos
instrumentos de cordas acústicos

A MusikMesse Frankfurt é realizada muitos ícones, desde João Gilberto e


no Fest Halle, local que possui mais de João Bosco a Yamandu Costa.
dez pavilhões que recebem duas feiras Nesta matéria, apresento instrumen-
simultaneamente: além da MusikMesse tos, marcas e curiosidades que, geral-
(instrumentos musicais), ocorre a Pro mente, não são encontrados no mercado
Light + Sound (equipamentos de áudio, brasileiro.
vídeo e iluminação).
Por conta da tradição mui-
to forte em música clássi-
ca na Europa - diferente-
mente da NAMM Show,
nos Estados Unidos -, a
MusikMesse possui uma
gama muito grande de
fabricantes e luthiers de
violões de cordas de ny-
lon, que para o mercado
internacional são chama-
dos de classic guitar. Para
nós, brasileiros, é o instru-
mento principal de nossa
cultura, da bossa nova, do
samba e do choro, com
18 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL

A jornada pela feira se iniciou em


um pavilhão fechado para lojistas e
profissionais da área. Em busca de
instrumentos acústicos, fui parar no
estande de uma marca muito conhecida
por seus contrabaixos, a alemã Hofner,
contrabaixo eternizado nas mãos de
Paul McCartney, dos Beatles. Para
minha surpresa, a Hofner possui
violões de corda de nylon desde a
linha concertista (Meister Series), até
para estudantes e músicos de nível
intermediário, todos extremamente
refinados, com acabamento muito
diferenciado e madeiras nobres. O
destaque da Hofner vai para o modelo
HF-14, que possui tampo de pinho sueco
de cor clara, com cedro canadense,
mais escuro, criando um acabamento
muito diferente para nós, brasileiros.

No mesmo pavilhão, estive no estande


dos famosos violões espanhóis Alhambra,
marca que possui distribuição global via
Estados Unidos. O estande, cheio de
lojistas e distribuidores fazendo negócios,
tinha como destaques o cutway modelo
3 F CT (aqui no Brasil, chamado de flat)
- que possui lateral menor que a dos
violões acústicos normais, trazendo um
conforto maior e se aproximando a uma
lateral de uma guitarra semiacústica -
além, é claro, da linha concertista da
Alhambra, tão desejada pelos violonistas
do mundo inteiro.
VIOLÃO+ • 19
CONEXÃO INTERNACIONAL

Nesse mesmo pavilhão fechado,havia Um instrumento


o estande da Future Shop, destacando que, segundo seus
violões das linhas Yamaha FG, de distribuidores, vai
cordas de aço, e o Guitalele, que é ser a “flauta doce
um violão de nylon afinado uma quarta dos instrumentos
acima dos violões convencionais para de corda”, é
criar um timbre próximo ao do Ukulele. o modelo M4
da fabricante
c a n a d e n s e
Seagull. É um
instrumento de
quatro cordas,
diatônico e muito
simples para
tocar melodias,
ideal para crianças e jovens iniciantes.
Segundo o fabricante, já existem
escolas no Canadá utilizando o M4
para a musicalização infantil no lugar
da flauta doce.

Mesmo tendo visitado muitas vezes


a NAMM Show dos EUA, nunca havia
visto em feiras instrumentos como os do
estande da marca SAZ, da Turquia. A
empresa produz alaúdes fantásticos,
principalmente para aqueles que
trabalham com música antiga.

20 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL

Outra fabricante que não encontramos de


maneira fácil no Brasil - e que tem uma reputação
muito boa, principalmente na Europa - é a
italiana Eko. Fundada em 1959, a Eko estava
expondo seu novo violão da série Ranger,
modelo “5”. Também chamou a atenção para
seu ukulele de tamanho supercompacto e um
modelo muito similar aos violões utilizados por
Django Reinhardt.

Voltando aos violões de cordas


de nylon, estive no estande
do luthier Juan Fernandez,
de Valência (Espanha), que
fabrica violões artesanais de
primeiríssima qualidade, para
concertistas e para Flamenco.
Em destaque, um modelo
com tampo de cedro, modelo
“Profesor”.

A marca alemã Lakewood possui um


portfólio de violões de cordas de aço
fantástico, que lembra muito a refinada
marca americana Taylor, porém indo ainda
mais além nos quesitos acabamento,
construção, uso demadeiras nobres e
parte elétrica. Destaque para o modelo
D-35 custom.

VIOLÃO+ • 21
CONEXÃO INTERNACIONAL

Ninguém nos deu um atendimento melhor


e mais diferenciado do que o pessoal
do estande da marca Espanhola Esteve.
Primeiramente, fui atendido pelo violonista
espanhol Toni Cotoli, que mostrou a linha
de violões e me apresentou ao luthier-chefe
da marca, Manuel Analid, que estava com
uma linha muito interessante de violões,
com extensões e tessituras diferentes.
Começamos pelo Requinto (Alto Guitar),
que possui a sexta corda afinada em Sol,
ou seja, mais agudo que o violão tradicional
(por isso esse nome). Além dele, vimos um
violão de cordas de nylon muito interessante,
afinado uma oitava acima do convencional,
chamado oitavino. E para fechar com chave
de outro, o baixo de seis cordas, um violão
afinado uma oitava abaixo do convencional,
que soa impressionantemente melhor e
com muito mais volume acústico do que os
“baixolões” que conhecemos no Brasil. Um
instrumento muito interessante produzido
pela Esteve é o chamado “ Tres Cubano”, que possui três cordas duplas de aço,
geralmente afinadas iguais às três primeiras cordas do violão (Mi, Si, Sol). Manuel
Analid deixou fotografá-lo com a sua obra-prima: um violão concertista série
custom, que custa, na Europa, em torno de 18.000 Euros. Tive a oportunidade de
tocar: vale cada centavo, por conta do refinamento na qualidade de madeiras, da
construção, do acabamento e, principalmente, da sonoridade.

22 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL

Os violões espanhóis da marca Manuel Rodriguez


são muito conhecidos no Brasil - Djavan utiliza um
desses. No violão elétrico, as iniciais características
ficam recostadas na boca, trazendo um visual
muito peculiar. Também não possuem braço muito
característico dos violões clássicos e flamencos,
pois a medida da largura é levemente menor,
agradando aqueles que tocam violões de aço ou
guitarras. A linha de violões concertista da Manuel
Rodriguez estava em
destaque, principalmente o
modelo Flamenco custom,
com case luxuoso.

VIOLÃO+ • 23
CONEXÃO INTERNACIONAL

24 • VIOLÃO+
CONEXÃO INTERNACIONAL

VIOLÃO+ • 25
matéria de capa

A mistura
de tudo
Filó Machado é do interior de São Paulo
e desde os dez anos de idade toca
profissionalmente. Teve épocas, no Bixiga,
em que chegava a fazer doze entradas como
músico, três em cada bar, em uma mesma
noite. Seu trabalho é respeitado por todos,
uma rara unanimidade no meio musical,
dentro e fora do Brasil. Sua postura de
aprendiz da música, que colhe frutos em
todas as vertentes musicais, é comovente.
Seus scats de improviso são uma coisa
rara em nossas terras. Poderia ser um
cara chato. Mas é uma pessoa simples, de
conversa franca, com a tranquilidade de
quem já deu muito à nossa música. E ainda
vai dar muito mais...
Por Luis Stelzer
Filó Machado

Violão+: Fale sobre seus projetos Cantando Um Samba, que foi concebido
atuais. O que você está fazendo? em vários pontos aqui de São Paulo,
Filó Machado: Recentemente gravei em vários estúdios. Costumo muito
um novo CD, chamado Quando fazer isso, o trabalho artesanal... Uma,
Se Quer Amar, que foi concebido porque sou muito livre, mesmo! Fico
praticamente só por mulheres. São 15 muito feliz fazendo assim. E, também,
músicas inéditas, 15 diferentes letristas por causa de minha situação. Me tornei
mulheres, com produção de minha filha independente, não estava mais a fim
Camila Machado. É um CD somente de de ficar em uma companhia de discos.
voz e violão. E está muito bacana. Há Eu não via resultados... Se é para não
várias parcerias maravilhosas, com Badi ter resultados, é melhor que eu mesmo
Assad, Sílvia Góes, Cibele Codonho, faça! Se não tiver saída, tudo bem,
Judith de Souza, que é minha parceira sou pequeno. O que não dá é alguém
bem assídua, e outras... Acabei de saber fazer no teu lugar, dizer que você está
que cópias dele estão sendo levadas vendendo muito no Nordeste, e ser
para uma comissão julgadora que vai tudo mentira. Não vou compactuar com
fazer a indicação para o Grammy Latino. nada disso. Prefiro fazer uma coisa pé-
Já fui indicado uma vez. Fiquei entre os no-chão, artesanal. É um trabalho que
40 indicados, na categoria Latin Jazz, vem sendo feito já há uns bons anos
no ano de 2000, com um CD chamado dessa forma, dando bons resultados.
28 • VIOLÃO+
Filó Machado
Consegui fazer coisas legais, como Comecei a fazer viagens que duravam
gravar em Paris com Michel Legrand. pouco tempo. Uma semana, 10 dias,
Ele participou do meu CD Milagre no máximo, 20. Lugares que fui com
Da Canção e foi uma coisa muito frequência: Rússia, Ucrânia, Hungria,
legal. Depois, nos Estados Unidos, a Dinamarca, a própria França, Itália,
participação de Cesar Camargo Mariano, Inglaterra, depois China, Japão. Essas
Kenny Burrel, Romero Lubambo, Paulo viagens me deram a possibilidade de
Braga, Teco Cardoso, Gabriel Grossi, tomar conhecimento de outras culturas,
Daniel Santiago, Daniel Alcântara, vivenciando, uma coisa muito legal. Em
foi uma coisa muito bacana. Em cada todas as viagens, procuro participar da
disco que faço há parcerias legais, uma cultura do lugar, do país onde eu esteja.
colaboração muito bacana. Arismar do
Espírito Santo, Vinícius Dorin... Isso chega a influenciar seu som?
Muito! Porque volta-e-meia estou
Como esses trabalhos circulam? No compondo, criando, então penso em
Brasil e no exterior? alguma coisa que aconteceu comigo
Há as viagens. Em 1985, comecei a na Rússia, ou em Tóquio, em alguns
viajar para fora. Em 1989, mudei para a lugares no interior da Ucrânia. Conheço
França. Fiquei 5 anos morando em Paris a Ucrânia inteira, viajo muito para lá.
e voltei para o Brasil, para São Paulo. Recebo muito carinho por parte das

VIOLÃO+ • 29
Filó Machado
pessoas, e correspondo sempre. É uma Logo depois, passamos a fazer alguns
coisa maravilhosa, realmente. Além trabalhos juntos. Também havia várias
da interação com os músicos locais. orquestras, muitos improvisadores e
Às vezes, faço masterclasses nesses improvisadoras, e sempre fiquei ali,
países, com crianças, adultos, cantores atento... As maravilhosas composições
e instrumentistas. É muito legal. de Stravinski, Bartok, Berg, Shcoenberg.
Há também o outro lado, de ficar ligado
De onde vem essa facilidade rítmica, na turma da Motown. Depois, ouvir o
que sugere que há três violões e quatro pessoal do jazz, o Wes Montgomery. Eu
vozes, mas é só você e o violão... Como tirava coisas dele e colocava harmonias
é isso? minhas. Influências de Petrushka, de
Essa condição de fazer a rítmica vem Stravinski, que tiro e vou explorando.
das influências que aconteceram desde Tive muita influência, inclusive, dos
criança, com o lorde do ritmo do Brasil, indígenas, dos africanos, uma influência
Jackson do Pandeiro. Na mesma época maravilhosa. Depois que mudei para
do Jackson, tinha o Caco Velho, que Paris, tive como conhecer melhor o
era uma espécie de scat brasileiro, trabalho musical africano: Papa Wemba,
dentro do samba. Depois, passei a ouvir Salif Keita, vários, que pude conhecer
vários cantores maravilhosos, como Jon o trabalho antes de despontarem como
Hendricks, um grande improvisador. sucesso mundial, quando eles estavam

© Sonia Parma

30 • VIOLÃO+
Filó Machado

ainda gravando em fita cassete. Tive Onde você se encontra mais no meio
acesso a essas coisas e esse contato me de tudo isso?
emocionou muito, me influenciou, com O meu lado é mais do harmonizador.
certeza. E aqui, tenho os meus ídolos Sou compositor, então, gosto desse
maravilhosos, como Milton Nascimento, negócio de harmonizar. Fico ouvindo
Dori Caymmi, Toninho Horta, Guinga, esse mestres da harmonização, uma
o próprio Jobim. Descobri uma fórmula, coisa maravilhosa. Trechos, cores dos
que é mais ou menos assim: você ouve motivos deles. É maravilhoso com um
um trecho, e depois que ouviu, vai cara como Dori Caymmi consegue
estudar, assim como a gente estuda os harmonizar. A forma que ele dá, a forma
pequenos arquétipos das Fugas de Bach. que um Egberto Gismonti trabalha, que
O professor Koellreutter me deu aulas em um Hermeto Pascoal trabalha. Estudo
um curso de 30 dias. Eu ficava 12 horas muito essa gente. Muito mesmo!
por dia com ele, então pude entender Paralelamente, sou uma pessoa que
muita coisa sobre música contemporânea. não reclamo de nada. Muita gente vive
Com todas essas informações, quase dizendo por aí: “ah, como a música
não conseguia sair de casa. Ainda hoje, brasileira está acabada, agora tem uma
fico trabalhando, buscando, fazendo, música que não sei o que...”. Olha, isso
colocando uma coisa ou outra, ouvindo, é uma coisa que se você pesquisar lá
selecionando, prestando atenção a um atrás, nos anos 1940, as pessoas mais
trecho... Gravo, coloco ali, pego meu velhas falavam: “ninguém quer ouvir
instrumento, faço alguma coisa junto. um Zequinha de Abreu ou um Nazareth,
VIOLÃO+ • 31
Filó Machado

© Giselle Ventura
todo mundo quer ouvir Charleston, Como você seleciona o que ouve?
essa dança, essa coisa de momento...”. Dá para ouvir os novos atentamente,
Mas a vida é isso aí mesmo. Tem essa também?
renovação, que é melhor para alguns Sim, mas não vou ser desonesto com
e pior para outros. Algo totalmente você: se estou ouvindo, seja na televisão,
normal. Agora, o que vale é que acredito rádio, teatro ou em algum outro lugar, e
muito na minha música, então, nem não sinto algo de interessante naquele
tenho tempo de me preocupar se vou som, não perco meu tempo. Se ele não
ou não ter espaço. E sempre tive o meu tem uma boa estrutura harmônica, se
espaço. Também não me importo se há não tem uma boa estrutura musical,
vários cantores de outras linguagens, de alguma coisa maravilhosa para jogar
outros estilos. Que eles façam sucesso, para mim e eu aprender alguma coisa,
vendam milhões! Que fiquem ricos, que não vou perder o meu tempo. Fico vendo
tenham muito sucesso. Agora, acredito Miles Davis, fico vendo os grandes. Às
que posso fazer meu trabalho bem legal, vezes, paro para ouvir alguma obra
da maneira mais caprichada possível, de Chico Buarque. Que coisa linda
sobreviver, vender meu disco de mão aquilo! O Chico lá no palco, com o
em mão... O importante é que com grupo dele, é maravilhoso, é lindo. A
cada pessoa com que eu tenha contato, única coisa que não faço na música é
cada pessoa que eu me aproxime, seja perder tempo. Ah, deixa eu ver se vou
aqui ou no exterior, eu possa selar uma analisar esse cara... Se ele é um fraco,
coisa carinhosa, de amizade. Isso é o na minha forma de ver, não perco meu
mais importante. tempo com ele. Para mim, interessa se
32 • VIOLÃO+
Filó Machado
ele toca bem, se tem uma harmonia, Isso se passou num lugar chamado
se tem algo bom ali, vou parar e ouvir, Dom Casmurro, na rua Major Sertório.
independentemente de onde estiver. Depois disso, fui fazer um trabalho
Pode ser no meio da rua, tudo bem. no Carinhoso. Toquei um pouquinho
Depois, vou tecer o meu comentário: ali, com um pessoal muito legal, no
que lindo, isso é maravilhoso. Faço a começo de 1972. No mesmo momento,
minha comunicação, é uma forma de o Bebeto - grande amigo, maravilhoso
não perder tempo. Sou muito honesto, cantor e compositor, que era comparado
musicalmente falando. Acredito que a ao Jorge Benjor - já muito enraizado
música mudou muito e estou aceitando aqui em São Paulo, gravava jingles
essa mudança. no Estúdio Eldorado, inclusive tendo
gravado o jingle do jornal Popular da
Você ganhou uma notoriedade muito Tarde, que fez muito sucesso. Enfim, a
grande na época de ouro dos bares gente fez uma amizade muito bacana
do Bixiga. Me contaram, ou eu vi, que e ele arrumou um emprego para mim,
você corria de um bar para o outro, na rua Pamplona, num bar chamado
para dar conta das entradas. Vi você Samba Nostro. Cantei nesse bar por uns
contar isso no programa Ensaio, do oito meses. Voltei para o Bixiga, ainda
já saudoso Fernando Faro... nos anos 70, para o Carinhoso. E vários
É verdade. A morte do Faro dói no bares estavam precisando de cantores
coração da gente. Ainda bem que deu a todo momento. Então, começaram
tempo de fazer um programa maravilhoso as minhas dobras. Eu fazia uma dobra
com ele. Essa história é verdadeira. Em no Carinhoso, depois fazia outra no
1971, quando cheguei nesta cidade, a
primeira coisa que consegui fazer foi
com um amigo do meu pai, que era um
grande músico da minha cidade natal,
Ribeirão Preto. Esse violonista foi aluno
do meu pai, então, quando me viu,
conversamos um pouco, e ele falou: “
venha tocar um pouco comigo!”. A gente
tocava de mesa em mesa. Quando
ele viu que eu tinha muita facilidade
para harmonizar, propôs: “você fica
harmonizando e eu canto”. Beleza, tá
bom! E todo mundo gostava. Eu era
um jovem de 20 anos fazendo aquilo.
As pessoas iam enfiando as gorjetas
dentro do violão! Tocávamos durante
40 minutos. Quando dava o intervalo,
a gente chacoalhava o violão para cair
o dinheiro, que a gente dividia. (risos)
VIOLÃO+ • 33
Filó Machado
E depois? Durou muito esse negócio
dos quatro bares?
Depois, fiquei no Igrejinha, acom-
panhando a Simone, que estava
começando a carreira. Também tinha
um duo de violões com a Rosinha de
Valença. Catedral, Igrejinha, um pouco
mais tarde, fui trabalhar no Cartola,
onde estavam a Alaíde Costa e o Zé Luiz
Mazziotti, a Ana Maria Brandão, Dora e
Walter. Um pouco depois, de 1972 para
Jogral, que ficava na rua Avanhandava, 1973, conheci o Arismar do Espírito
em seguida vinha para o Zibuca, que Santo, bem menino, tocando na noite
ficava na Consolação, ainda fazia uma com o irmão dele. Johnny Alf... De vez
outra entrada no Bar do QG, que ficava em quando aparecia Milton Nascimento.
na Álvaro de Carvalho. Lenny Andrade, que cantava na Catedral
do Samba. Tempo muito bom! O Bixiga
Tudo na mesma noite? era um lugar de efervescência. Nos anos
Tudo na mesma noite. Eu subia no 80, trabalhei no Boca da Noite, durante
palco 12 vezes por noite com meu oito anos. Paralelamente, trabalhei em
violão! Faltando 2 minutos para acabar três ocasiões no Jogral. Na última vez
a entrada, o porteiro do bar parava um em que trabalhei lá compus a música
taxi, eu ainda estava cantando. O povo “Jogral”. Três anos depois, o Djavan fez
do bar ficava gritando mais um, eu a letra. Eu e o José Neto compusemos
saindo correndo, pulava no taxi e em essa música no intervalo de subir
três minutos já estava tocando no outro ao palco. No intervalo, acontecia um
bar. Eram 12 entradas, três em cada bar! campeonato de botão. A gente ficava
jogando botão, tinha hora que o palco
Haja preparo físico! até ficava vazio (risos). O dono da
Para mim isso não era problema, eu tinha casa ia lá e esculhambava a gente,
um preparo físico muito legal! (risos) porque todo mundo estava ligado no
Além de ter me preparado tecnicamente campeonato de botão, que tinha nos
para a música, eu também me preparei bastidores do bar! Como ele proibiu a
fisicamente. Eu vim pra São Paulo, no gente de jogar, compus a música com
fim de 1971, na verdade, para fazer um o José Neto. Foram muitas coisas
teste no time de futebol do meu coração, lindas, maravilhosas, que aconteceram
que é a Portuguesa. Roxo, fanático. Eu para mim na cidade de São Paulo. Eu
já estava jogando profissionalmente no agradeço muito! São Paulo me deu a
interior. Eu fazia música, fazia baile e possibilidade de abrir as portas do
jogava futebol. Um dos meus colegas mundo inteiro. Me sinto bem e feliz aqui.
de jogar bola na rua em Ribeirão Preto Daqui há alguns dias tenho que ir para o
era o Doutor Sócrates! Canadá, depois para a Rússia de novo,
34 • VIOLÃO+
Filó Machado
para um festival de jazz. E assim, fico artista. Compõe muito bem e tem o faro
indo e vindo. comercial da música.

E as participações? E como a música começou para você?


Participei de vários trabalhos de outros Com cinco anos de idade, meu pai
artistas. Um dos mais recentes é um tocava violão. Eu gostava de ficar entre
CD do Jorge Vercilo, chamado DNA. o violão e o corpo dele, via todos os
Compusemos juntos uma música movimentos da sua mão esquerda,
chamada “Arco-Íris”, que tocou muito me encantava. Meu pai era um grande
no rádio. Fiz umas apresentações com músico, que morreu muito cedo, aos
ele pelo interior de São Paulo. Também 40 anos. Aos sete, comecei a montar
tocamos juntos em Paris. As pessoas o meu repertório. Aos dez, minha mãe
não acreditam quando falo que canto me liberou. Comecei a fazer baile com
essa música com o Jorge Vercilo. Falo dez anos. Já tinha um repertório bem
para eles prestarem atenção que a minha grande. Minha mãe me ajudava muito,
voz está lá. Esse trabalho enriqueceu mostrava músicas. Fiz baile dos dez
ainda mais a minha carreira. O Jorge é aos 14 anos, em Ribeirão Preto, depois
um cara sensacional, além de grande comecei a ir para outras cidades. Toquei

VIOLÃO+ • 35
Filó Machado
muito em Marília e Tupã. Também acompanhantes de um lado, 25 de
toquei em bandas, grupos de música outro e, no meio, vários solistas.
jovem. Toquei muito também em São
José do Rio Preto, que era um grande Isso é muito interessante. Vocês se
centro da região. Era uma infinidade de apresentavam? Qual o repertório?
bandas de baile e algumas orquestras. Nossas apresentações eram um
Tínhamos até um ponto de encontro tremendo sucesso. Saíamos de ônibus
na cidade. Em Fernandópolis, toquei e pela região. Nosso repertório era muito
comecei a jogar futebol. refinado. O pessoal fazia cara de que
não ia ser bom, só música fácil. Eu era
Que posição você era? o regente e tocava baixo. Saía ótimo,
Na época do 4-3-3, eu era meia- porque a gente ensaiava todo dia. Um
direita. Joguei muito, fiz muito gol. padre de lá me ensinou uma coisa muito
Fiz isso durante três anos. Depois, fui importante: “Filó, se você quiser crescer
para Monte Aprazível, estudar em um no mundo artístico, sabe o que você
colégio interno, o Colégio Dom Bosco. faz? Estuda e ensaia todo dia. Porque
Ao mesmo tempo, cuidava da música aí, um dia você vai chegar onde quiser.
do colégio. Eu tinha liberdade para ir E, em cada lugar que você estiver, não
para a rua, os outros não, pois eu era vai sentir intimidação nenhuma. Porque
assistente. Lá, montei uma orquestra você vai estar seguro. Porque você
de violões. Tinha 80 componentes trabalhou”. Fiz isso com essa orquestra.
e 15 alunos menores, que faziam Deu muito certo. Fiz isso a minha vida
o coro e tocavam flautas. Mais 25 musical inteira. Não me arrependi.

36 • VIOLÃO+
história Por Rosimary Parra

A arte da canção
acompanhada Parte II
Partindo de obras dos vihuelistas do século 16, serão abordadas
aqui questões relacionadas à elaboração da parte instrumental em
gêneros próprios do canto acompanhado

Dentre todos os vihuelistas, Miguel


de Fuenllana e Diego Pisador são
referências de grande destaque para
a tradição do canto acompanhado,
considerando a quantidade de peças
dedicadas para tal gênero em suas
publicações: Orphenica Lyra (1554)
e Livro de Musica de Vihuela (1552),
respectivamente.
O Libro de Musica para Vihuela
“Orphenica Lyra”, de Miguel de
Fuenllana, está dividido em seis
partes ou livros. As peças para canto
acompanhado são, em sua maioria,
entabulações (transcrições) de polifonia
vocal de gêneros, tais como madrigais
italianos, canções, vilancicos, ensaladas
e romances. Estão presentes obras
de compositores representativos da
tradição contrapontística europeia do
período, destacando-se nomes como
Josquin, Gombert, Arcadelt, Francisco
Guerrero, Verdelot, Juan Vásquez e
Cristobal Morales dentre outros.
No prólogo de sua publicação, Fuenllana
Libro de Musica para Vihuela “Orphenica Lyra” de faz uma observação sobre suas
Miguel de Fuenllana transcrições, ressaltando que prefere
38 • VIOLÃO+
história

“De Antequera sale el moro” (Romance) – “Quiero dormir y no puedo” (villancico a 3 vozes)
Cristobal Morales / Libro de Musica para Vihuela – Juan Vásquez / Orphénica Lyra (1554) de
Orphénica Lyra (1554) de Miguel de Fuenllana. Miguel de Fuenllana

manter a integridade e clareza das vozes de Milan (veja edição 7 de Violão+).


do modelo vocal. Sendo assim, opta Os exemplos 1 e 2 são transcrições de
por não utilizar glosas (diminuições) ou obras de Cristobal de Morales e Juan
ornamentos, para que seja possível uma Vásquez, dois dos compositores mais
interpretação em andamento próximo presentes no livro Orphenica Lyra.
ao do modelo vocal. No entanto, admite O Libro de Musica de Vihuela de Diego
o uso de glosas principalmente para as Pisador divide-se em sete partes. Em
cadências. Quanto à notação, em suas todas as seções, encontramos peças
peças para canto acompanhado, a parte para canto acompanhado: no livro I, há
vocal está inserida na tablatura: os cinco romances; no livro II, villancicos a
números em vermelho indicam a melodia três e quatro vozes; no livro IV, partes de
que deve ser entoada pelo cantor. O missas de Josquin; no livro VI, motetos;
texto é colocado abaixo da tablatura e no livro VII, villanescas e canções a
sob os números, sistema semelhante três e quatro vozes.
ao apresentado para as obras de Luys Nessa publicação, Pisador utiliza duas
VIOLÃO+ • 39
história
formas de notação para as peças com um pentagrama acima da tablatura,
canto. Para os romances, missas e em notação próxima a que utilizamos
motetos, a parte que deve ser cantada atualmente no que diz respeito à clave
está inserida na tablatura e destacada e figuras rítmicas. Segue a explicação
em vermelho, como explica o autor: de Pisador: “Tabla del segundo libro em
“Libro quarto que tracta de quatro q ay villancicos a três bozes y a quatro
missas de Josquin las dos va señalada bozes, y delas va la boz cantada por de
la boz que se canta de colorada y las fuera, y las otras três tañidas” e “Libro
otras dos van sin cantarse” e “Libro septimo que ay villanescas y canciones
sexto que tracta de motetes a quatro y a três, y a quatro bozes, y otras tañidas
a cinco, y a ocho bozes,y la letra que va las três, y cantada la outra por de fuera”.
señalada de colorado se a de cantar”. Assim como Fuenllana, Pisador, no
Já para os vilancicos e canções, a linha prólogo de seu livro, fala algo sobre a
vocal está escrita separadamente em não utilização de glosas (diminuições)

“Si la noche haze escura” (villancico) – Libro de


Libro de Musica de Vihuela de Diego Pisador Musica de Vihuela (1552) de Diego Pisador

40 • VIOLÃO+
história

“Si te vas a bañar Juanica” (villancico) – Libro de Musica de Vihuela (1552) de Diego Pisador

em suas transcrições: “(...) quiero que


sepa el lector que en esto y en todo el que
contine enel libro puse muy gran diligencia
y trabajo para que suelle verdadero y con
gran claridad sin confusion de glosas
para que el que tañe: pueda conocer
mas facilmente las bozes como van em
la vihuela y las pueda cantar (...)”.

Referências bibliográficas
COELHO, Victor Anand. Performance on Lute, Guitar and Vihuela.
Cambridge University Press, 1977.
GRIFFITHS, John. La vihuela en la época de Felipe II. Ed. J.Griffiths e
J. Suárez-Pajares. Música Hispana. Madrid: Instituto Complutense de
Ciencias Musicales, 2004. Rosimary Parra
MOODY, Ivan. Texto do encarte do CD: Miguel de Fuenllana - Orphénica Violonista com mestrado em Música pela Universidade
Lyra, 1554 / José Miguel Moreno (GlOSSAcabinet) Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na
PISADOR, Diego. Libro de Musica de Vihuela. Salamanca, 1552. Facsimile. Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).

VIOLÃO+ • 41
mundo Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

A vihuela dos
mariachis
Além da pimenta e das pirâmides, os maricahis
e seus instrumentos são um grande símbolo do
México e de seu povo

No centro da Cidade do México, fica a de Dezembro), em que se cantam à


praça Garibaldi (em honra a Peppino padroeira os tradicionais parabéns
Garibaldi, que esteve nas filas do exército mexicanos, chamados “Las Mañanitas”.
Maderista em 1911). Nela, desde as E assim, no meio de cheiro de certas
tardes e por toda a noite, os grupos de comidas como pão doce, tacos,
mariachis perambulam tocando coplas pamonhas, luzes lânguidas que se
e animando os transeuntes, a fim de refletem sobre as pedras da praça, que
serem contratados para uma serenata tem como fundo o conhecido Salão
de amor, alguma festa de 15 anos, um Tenampa, se desenvolve uma atividade
casamento ou aniversário. As noites da arte popular mexicana, que vem desde
mais agitadas são o “Dia das Mães”, a época da Colônia, em que se destaca
em que tipicamente se dá serenata, e o belo trabalho dos instrumentos de
o “Dia da Virgem de Guadalupe” (12 corda típicos dessa agrupação musical:
o guitarrón, a vihuela, o violão, o violino
e as diversas jaranas.

Um pouco de história
Como já foi comentado, não havia
instrumentos de corda na América antes
da chegada dos europeus. A vihuela
espanhola teve seu esplendor no século
16, quando era tocada, principalmente,
em conjunto com alaúdes. Ela cruzou o
Atlântico e, no Novo Mundo, tomou novas
identidade e morfologia, sobrevivendo
na ativa até os dias de hoje em terras
mexicanas.
42 • VIOLÃO+
mundo

Conta a lenda que, em 1852, o termo regiões de Jalisco, Michoacan e Colima,


“mariachi” foi citado pela primeira vez, usando harpa, vihuelas espanholas,
quando o sacerdote Cosme de Santa Ana, violinos e, às vezes, flauta. Com o
pároco de Rosamorada (hoje Nayarit), passar dos anos, a harpa foi substituída
se queixou amargamente em uma pelo guitarrón, se incorporou o violão,
carta dirigida ao Bispo Diego Arando y se manteve os violinos e a vihuela
Carpinteiro, sobre a desordem provocada mudou seu formato, apresentando o
por músicos - chamados de mariachis - fundo arredondado. Nos mariachis
sempre depois do Santo Oficio. de formação moderna, se incorpora o
Se diz que a origem da palavra “mariachi” trompete e se mantém todos os outros
vem da palavra francesa Mariage instrumentos.
(casamento), pois, durante a ocupação
francesa no estado de Jalisco, no México,
os franceses gostaram das moças
mexicanas e começaram a se casar. Os
músicos, sempre nas praças em frente
às igrejas, pediam para tocar nas festas
de matrimônio, gritando “marriage”, e
por um problema de pronúncia, a palavra
derivou em “mariachi”.
Mas há outras hipóteses mais factíveis,
como o vocábulo vir da palavra maia
“mariamchi”, que significa “os do mesmo
sangue”; ou na língua Otomí (do povo
indígena da zona central do México), em
que a palavra significa “dia de festa”.
O mariachi tradicional começa nas
VIOLÃO+ • 43
mundo

Afinação
A vihuela mexicana é mais aguda que o violão e, por causa de seu fundo
avultado, apresenta um retardo no som. Esse formato peculiar é chamado
“Peito de Galo”. Possui cinco cordas e se afina como o violão, sendo Lá, Ré,
Sol (oitava acima), Si e Mi. Se deve cuidar que as cordas que se coloquem
estejam na ordem correta:

Primeira corda: Mi – igual ao violão


Segunda corda: Si – igual ao violão
Terceira corda: Sol – oitava acima em relação ao violão
Quarta corda: Ré – oitava acima em relação ao violão
Quinta corda: Lá – oitava acima em relação ao violão

A vihuela dificilmente é a voz cantante no mariachi. Ela é usada mais para


acompanhamento, reforço harmônico e rítmico. A forma de executá-la é
dedilhando as cordas (na linguagem dos mariachi ,“manear”).

44 • VIOLÃO+
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VIOLÃO+ • 45
sete cordas

Preparação para Cleber Assumpção

acordes
cleberassumpcao@gmail.com

diatônicos em
tonalidades maiores
Bem-vindos a mais uma edição! Até o momento,
apresentamos um conteúdo considerável, e tenho certeza de
que quem está acompanhando nossa coluna, tem bastante
material para desenvolver durante algum tempo, certo?
Por isso, nesta edição, a ideia é verificar como podemos
aplicar os elementos estudados dentro de cadências de
preparação para acordes do campo harmônico maior.
Mais uma vez, gostaria de frisar que minha intenção, aqui,
não é aprofundar os assuntos teóricos, mas é extremamente
importante que busquem estudar, principalmente, os
conteúdos relacionados à harmonia - campos harmônicos,
funções harmônicas, cadências - para que possam
compreender e desenvolver as ideias apresentadas no
decorrer de nossas lições.

Acordes Diatônicos em Tonalidades Maiores


Pensando nas tríades como a formação básica dos acordes,
dentro de uma tonalidade maior, as tríades geradas em
cada um dos graus da escala diatônica são:

I – Maior
II – Menor
III – Menor
IV – Maior
V – Maior
VI – Menor
VII – Diminuta
46 • VIOLÃO+
sete cordas
Entrando um pouquinho na teoria, existe uma “regrinha” da
harmonia que diz que qualquer acorde de estrutura perfeita
(que tem o intervalo de quinta justa em sua formação) pode
ser precedido (preparado) pelo seu dominante, que, por sua
vez, é um acorde maior com sétima menor, cuja fundamental
está uma quinta justa acima (ou quarta justa abaixo) da
fundamental do acorde de resolução. Tal movimento
harmônico é chamado de “cadência autêntica”. É importante
observar que, dentro de uma tonalidade maior, apenas o VII
grau não poderia ser precedido pelo seu dominante, por
que possui uma quinta diminuta em sua formação.
O acorde dominante que prepara para o I grau é chamado de
dominante primário, e os acordes dominantes que preparam
para os demais graus diatônicos (com exceção do VII grau)
recebem o nome de dominantes secundários.
Verifiquem o exemplo em Dó Maior:

Obs.: os acordes que estão entre parênteses são os dominantes dos


acordes diatônicos que aparecem nos compassos seguintes.

A primeira sugestão de estudo é transpor o exemplo acima


para todas as tonalidades maiores. Com certeza, vocês
perceberão como é comum encontrar esses elementos
dentro das progressões harmônicas de grandes clássicos
da música popular brasileira (pesquisem, por exemplo, a
harmonia da música “Sampa”, de Caetano Veloso).
Com essa parte entendida, vamos às aplicações dos
elementos estudados.
VIOLÃO+ • 47
sete cordas
Sugestão de estudo
1 – Criar caminhos de baixarias através das notas de
acordes;
2 – Criar frases de baixaria utilizando a escala da tonalidade
principal sobre os acordes diatônicos;
3 – Quando o acorde dominante secundário resolver em
um acorde maior, aplicar a escala diatônica maior do
acorde de resolução;
4 – Quando o acorde dominante secundário resolver em
um acorde menor, aplicar a escala menor harmônica do
acorde de resolução.
Na tonalidade de Dó maior, considerando seus dominantes
secundários, podemos aplicar as seguintes escalas:

Exercícios de Aplicação
Exercício 1: Condução dos baixos aplicando as “notas de
acorde”.

48 • VIOLÃO+
sete cordas

Exercício 2: Aplicação da escala de Dó maior sobre os


acordes diatônicos do campo harmônico de Dó maior.

VIOLÃO+ • 49
sete cordas
Exercício 3: Aplicação das escalas maiores e menores
harmônicas sobre os “dominantes secundários”.

Bons estudos e até a próxima!

50 • VIOLÃO+
como estudar

Digitação:
prelúdios de
Breno Chaves
brechaves@gmail.com

Villa-Lobos Parte 3
Quando Villa-Lobos esteve em Paris pela primeira vez, em
1923, o pianista Arthur Rubinstein apresentou-o ao editor
Max Eschig, que, posteriormente, publicou e divulgou a
obra do compositor brasileiro na Europa. No processo de
edição, os manuscritos entregues por Villa-Lobos continham
algumas informações (em português) que os editores
ignoraram. Em obras polifônicas, Villa-Lobos utilizava a
notação proporcional: o uso de diferentes tamanhos de notas
para ajudar a visualizar a textura com mais clareza. Na obra
editada, digitações importantes não foram especificadas,
há andamentos e marcas de expressão que divergem do
original e sinais de repetição não aparecem em alguns
trechos, além de seções serem simplesmente omitidas.
Portanto, vamos dedicar as próximas edições de Violão+
aos “Cinco Prelúdios” de Villa-Lobos para passar algumas
dicas no que se refere as digitações e demais elementos
musicais que possam gerar dúvidas.
Vamos ao Preludio Nº 3, que dividiremos em duas
edições por conta das diversas informações que essa
obra contém.

Preludio Nº 3
Curiosamente, no Preludio Nº 3, é muito comum observar
que, no início da música, o compasso, que é anacrúsico,
soa, na maioria das interpretações que, como se fosse
tético. Costuma-se acentuar a sexta inicial fazendo que
o resto da frase pulse em colcheias em vez da semínima
que está escrita pelo compositor. O mesmo acontece nos
compassos 5 e 6.
VIOLÃO+ • 51
como estudar

Linha de baixos
Outra impropriedade bastante comum é tocar a linha dos
baixos deixando as notas soarem uma por cima das outras.
O correto seria cada nota soar em seu tempo específico, o
que se consegue abafando o baixo após a nota ser tocada.
Na versão para piano de Vieira Brandão, esse Prelúdio está
em compasso quaternário e cada nota do baixo no violão
corresponde a um acorde na mão esquerda do piano,
reforçando a ideia de notas independentes.
É importante lembrar que essa transcrição para piano foi
trabalhada por Brandão com o próprio Villa- Lobos e nela
se pode observar diversas diferenças (importantes) nas
dinâmicas, andamentos e fraseados do original para violão.

52 • VIOLÃO+
como estudar
Sugestão de digitação (M.D.) para os compasso 5 e 6
Essa digitação é interessante pois facilita a execução
desse trecho e, além de não comprometer musicalmente,
favorece a ressonância, pois as sétimas e sextas são
tocadas com cordas soltas. Bons estudos!

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VIOLÃO+ • 53
siderurgia

Aquecimento
Eduardo Padovan
Olá amigos da Violão+! Durante o mês que passou estive
assistindo vídeos de masterclasses de alguns músicos
que admiro. Para minha surpresa, o assunto que mais
me chamou atenção foi a importância dada por eles ao
momento do aquecimento. Por isso, decidi trazer esse
tema para nossa coluna e sugerir uma possibilidade de
aquecimento que une sugestões dadas por dois artistas
que me influenciam muito: o clarinetista Alexandre Ribeiro
e o guitarrista Kurt Rosenwinkel.
Nesse aquecimento que estou sugerindo, vamos tocar a
escala de Dó maior em grau conjunto por todo o braço
do violão (acompanhem a tablatura para o entendimento
da digitação), seguindo o ritmo de quatro semicolcheias
por tempo, sem nenhuma interrupção na transição de
uma região do braço para a outra. Isso, por si só, já é
uma prática que considero ótima para aquecimento. No
entanto, eu gostaria de acrescentar mais um desafio a
ela: junto ao ritmo constante de semicolcheias, iremos
acrescentar acentuações de padrões rítmicos brasileiros
de livre escolha. No nosso caso, escolhi o padrão rítmico
do samba.

Outros padrões rítmicos podem e devem ser trabalhados


conforme o interesse e a necessidade de cada um. Sugiro,
como outra boa possibilidade de estudo, o padrão rítmico
do baião. Experimente!
Para a prática, é interessante observar alguns pontos.
Perceba as digitações escolhidas. Veja que, para cada
movimento de descida ou subida, utilizo uma região
diferente do braço do violão para executar a escala. Se
54 • VIOLÃO+
siderurgia
for preciso, pratique cada uma delas separadamente.
Outro ponto importante nesse aquecimento é a atenção
com a articulação, para que suas acentuações rítmicas
fiquem o mais evidentes possível.
Nos exemplos em vídeo, estou tocando em andamentos
diferentes para ilustrar um pouco dos processos de
aquecimento. Começo tocando sobre 90 BPM, na metade
da velocidade escrita, para me habituar com a figura
rítmica escolhida por mim. Depois, toco da maneira como
está escrito na partitura. Por fim, toco em um andamento
um pouco mais rápido.
Espero que aproveitem. Grande abraço!

VIOLÃO+ • 55
em grupo

Concepção dos
Arranjos
Thales Maestre

Como vimos na edição anterior de Viol, as notações têm


relação direta com a produção dos arranjos e figuram entre
os elementos que os constituem, pois complementam e
influenciam o processo criativo, uma vez que um determinado
fraseado, como o contracanto de um naipe, muitas vezes
é definido mais pela “cor” do que pela simples escolha
de altura. Meu trabalho de produção de arranjos para
cameratas não está dissociado da definição das notações.
Assim, reforço que estou apresentando aqui apenas alguns
dos procedimentos de trabalho que adoto.
Conduzir a camerata de violões do programa Guri Santa
Marcelina permitiu que eu estivesse envolvido diretamente
com todas as etapas de realização, da produção de
arranjos à execução dos mesmos. Procedimentos como
a padronização de notações visavam facilitar a condução
dos ensaios, pois auxiliavam os alunos na compreensão
global do arranjo, considerando os diversos elementos
envolvidos, entre eles, a distribuição de vozes (naipes) e os
direcionamentos interpretativos que poderíamos obter com
o rigor na execução das notações.
Agora, são sempre muito bem-vindos trabalhos de
arranjadores ou compositores que não estejam diretamente
envolvidos com as atividades de um grupo como esse.
Muito do que julgamos pertinente anotar nas partituras pode
ser desconsiderado pelo compositor ou arranjador, ainda
mais quando estão acostumados com músicos experientes
executando suas obras, e estes, claro, cientes dos
encaminhamentos necessários para uma boa interpretação.
Existem, também, situações em que o compositor pode
não ter tanta familiaridade com o instrumento, ou entender
que tais anotações devem ficar a cargo do regente. Assim,
todo o trabalho de interpretação e finalização das possíveis
indicações técnicas das obras poderá ser construído
56 • VIOLÃO+
em grupo
por aqueles que conduzem o grupo, ou seja, o principal
responsável por aplicar ou direcionar todos esses elementos
que julgamos necessários será o condutor do grupo.
O nosso maior foco foi produzir repertório especialmente para
a camerata Guri, por meio de arranjos cujas orquestrações
explorassem a diversidade das possibilidades do violão,
instrumento rico em timbres, e da massa sonora propiciada
pelo grupo tal como foi estruturado. A produção de arranjos
é alternativa viável para esse tipo de agrupamento, inclusive
pelo propósito de promover o crescimento da produção de
repertório. Nesse sentido, a preocupação com a construção
da identidade do grupo não se perde: a maior parte dos
arranjos que elaborei se baseiam em peças solos que são
“orquestradas” para a formação, não tendo outras referências
orquestrais. Quando nos propomos a trabalhar com obras
com referência orquestral existente, a busca nunca esteve
na imitação, naturalmente impossível, mas na valorização
das características violonísticas, fazendo que as obras
assumissem novos coloridos.
Diante dessas considerações, abordo aqui algumas
informações que nortearam a confecção dos arranjos no
que diz respeito, especificamente, à distribuição de vozes,
concepções sobre como obter melhor aproveitamento da
massa sonora de um grupo como esse - sempre com o
propósito de oferecer referências e com a certeza de que
tais concepções não representam modelos acabados, o que
permite abertura para novas ideias que colaborem para a
continuidade dessa construção.

Tutti
Os arranjos para o grupo completo, formação tutti, são
construídos para cinco naipes, para os quais, geralmente,
são explorados:
Naipe A: tem a região aguda mais explorada;
Naipe B: transita entre médios e agudos nos contracantos
e nas melodias;
Naipe C: explora mais a região média-grave nos contracantos
e nas melodias e acompanhamentos agudos;
Naipe D: trabalha, principalmente, com as linhas de
acompanhamento (acordes);
Naipe E: trabalha com as linhas mais graves – baixos de
sustentação – baixarias de contracanto.
VIOLÃO+ • 57
em grupo
Essa descrição revela a estrutura básica de um arranjo.
Cada item não significa atribuição fixa de um determinado
naipe, embora a disposição espacial do grupo traga padrões
referentes, principalmente, às distribuições das alturas. Da
esquerda para a direita tem-se, normalmente, gradações do
agudo para o grave, como ocorre com um quinteto de cordas.
Aliás, este, por corresponder a uma formação tradicional,
é um exemplo pertinente para ilustrar o funcionamento da
camerata.
Um quinteto de cordas, normalmente, trabalha com primeiro
e segundo violino, viola, violoncelo e contrabaixo. Dois
naipes capazes de explorar regiões agudas, outro passando
pela região média, e os demais caminhando para os graves.
Na camerata de violões, o naipe A tem a região aguda mais
explorada. O naipe B transita entre médios e agudos. O naipe
C explora mais a região média e acompanhamentos agudos.
O naipe D trabalha com as linhas de acompanhamento, e o
naipe E com os baixos. Não se pretende imitar a configuração
das vozes do quinteto. O exemplo é só para perceber que
temos uma estruturação parecida, porém as especificidades
do violão são consideradas.
Essas características estão presentes na maioria dos
arranjos, porém não as tomamos como regras definitivas, a
ponto de engessar possibilidades. Os naipes podem assumir

Configuração da temporada 2014, com 30 integrantes

58 • VIOLÃO+
em grupo
novos papéis a partir dessa estrutura básica descrita,
conforme veremos a seguir. Em face dessas considerações,
que apresentaram procedimentos elementares, listamos
algumas características presentes nos arranjos:
• A voz principal pode ser fixa em um determinado naipe ou
transitar pelos naipes, explorando diálogos, diferenças
espaciais e diferentes alturas.
• O naipe de acompanhamento deve ser rigorosamente
escrito para que o bloco de naipe soe homogêneo e
equilibrado. Toda indicação que torne a execução mais
clara é bem-vinda, pois, assim, consegue-se evitar
situações como a prolongação de uma determinada
nota, que pode se “chocar” com as notas de um acorde
seguinte. Essa situação traz prejuízo para o resultado,
gerando ao ouvinte a sensação de que algo está
“embolado”.
• Quando há necessidade de mais vozes no decorrer de
um arranjo, recorremos aos divisis dentro do bloco de
naipe (em certos momentos, alguns arranjos chegam a
abrir até dez vozes).
• Dobras de oitavas são utilizadas como recurso para obter
maior intensidade de determinados fraseados.
• Explorar o uso de solistas, ou poucos executantes por
naipe, para obter nuances de intensidade; maior segurança
e sincronia na execução de trechos, com maior liberdade
rítmica e finais refinados, como rallentandos e pianos.
• É preciso que as características do instrumento sejam
preservadas e valorizadas. A escrita é para violão,
portanto, vale lembrar que devemos utilizar os recursos do
instrumento respeitando suas limitações. Não se trata de
um coral ou uma orquestra de cordas, mas, sim, violões.
Assim, é importante, em um arranjo, não explorar notas
de longa duração por longos trechos apenas visando à
complementação da harmonia. O violão tem limitações
relacionadas a notas de longa duração. Então, é importante
recorrer a linhas com sentido fraseológico. O resultado
musical fica mais interessante e, para o naipe, fica tudo
mais estimulante.
• Explorando outras sonoridades: nos arranjos,
procuramos explorar as diversas possibilidades sonoras
do instrumento. Além das mencionadas até aqui, é
importante considerar as características essencialmente
VIOLÃO+ • 59
em grupo
violonísticas: rasgueios, dedilhados em arpejos, técnicas
de acompanhamento e recursos comuns aos violonistas –
como os pizzicatos e harmônicos. Também é interessante
explorar as possibilidades percussivas do instrumento
ou outros efeitos sonoros – usos não tradicionais do
violão –, criando sonoridades capazes de iludir o ouvinte.
Muitos compositores contemporâneos, quando exploram
sonoridades não tradicionais, precisam descrever em uma
folha extra como o executante deve proceder nos trechos
em que as mesmas aparecem. Criam-se símbolos e, ao
lado destes, a devida explicação de como executá-los; às
vezes, uma breve explicação sobre a pauta já é suficiente.
Poderá ser conferido, em alguns arranjos, o uso da
percussão (golpes no cavalete, no tampo, na faixa), sons
oriundos de golpes antes da primeira pestana, cordas
cruzadas, acordes executados esfregando os dedos
sobre as cordas, e os comuns glissandos, harmônicos e
pizzicatos. Os trabalhos realizados por meio do “violão
preparado”, ou “técnica expandida”, também são bem-
vindos, podendo utilizar objetos como recursos para
obtenção de novos sons.
• Embora a maior parte do repertório seja para cinco
naipes, também adotamos peças para quatro ou seis
naipes. Por vezes, temos a abertura de até dez vozes,
e para tanto recorremos aos divisis dentro de cada
bloco de naipe. Desse modo, é possível trabalhar com o
grupo a partir de uma redistribuição dos blocos de naipe
ou desenvolver trabalhos com agrupamentos menores
dentro do próprio grupo. Isso representa uma boa
diferença de colorido durante o concerto, “quebrando”
a referência constante do tutti.
Termino aqui mais uma coluna, com o propósito
de compartilhar experiências. Pretendo, sempre,
disseminar o que foi desenvolvido, postando arranjos
e vídeos ilustrativos. Na edição anterior, o leitor pôde
acessar uma peça de Américo Jacomino. Nesta,
compartilho mais um arranjo completo. Trata-se do
“Xodó da Baiana”, de Dilermando Reis. Pego carona
na citação desses dois grandes do violão brasileiro
para selar o próximo compromisso desta coluna: a
importância das bases culturais no direcionamento de
trabalhos artísticos pedagógicos.
60 • VIOLÃO+
iniciantes

“Eight Days A Ricardo Luccas

Week”
rnluccas@gmail.com

Dando continuidade ao desenvolvimento técnico da mão


esquerda, trabalharemos exercícios de ligados. Ligados
são sons gerados pela articulação da mão esquerda sobre
nota gerada pela mão direita sobre corda solta – ou mesmo já
apertada em alguma casa. Temos, basicamente, dois tipos
de ligados: os ascendentes e os descendentes. Também
veremos, nas próximas edições, os ligados mistos, que
combinam movimentos ascendentes com descendentes
e vice-versa. Os ligados são popularmente conhecidos
pela nomenclatura utilizada nas tablaturas e na guitarra
como H e P (Hammer On e Pull Off – “martelar” e “puxar”,
respectivamente), sendo o “h” o ligado ascendente, e o “p”
o ligado descendente. Aqui, trabalharemos com o ligado
representado por uma linha curva unindo duas notas de
alturas diferentes. Só mostraremos o exercício na partitura,
mas vocês também podem acompanhar a videoaula, na
qual poderemos executar juntos.

Exercícios de ligados ascendentes e descendentes

VIOLÃO+ • 61
iniciantes

Para ajudar a encontrar as notas na partitura, segue uma


escala cromática da primeira região do braço do violão.
Na subida da escala, aparecem as notas alteradas com
sustenidos e, na descida, as notas alteradas com os
bemóis. O sustenido “♯” eleva a nota em um semitom
(uma casa), e o bemol “ b ” desce a nota em um semitom
(uma casa). Na pauta aparecem também o bequadro “ n ”,
símbolo que anula a alteração do sustenido ou do bemol,
tornando a nota natural.
62 • VIOLÃO+
iniciantes
Tessitura cromática - 1ª região do braço do violão

Nesta edição, vamos aprender e tocar a música “Eight Days


A Week”, composta por John Lennon e Paul McCartney,
gravada pelos Beatles no álbum Beatles For Sale, de
1964. Vamos aprender a tocar a melodia, os acordes e
executaremos a música com o playback. Vejam os vídeos
que acompanham a explicação deste exercício.
VIOLÃO+ • 63
iniciantes

“Eight Days A Week”


Lennon/McCartney

64 • VIOLÃO+
iniciantes
Vamos começar com um vídeo explicativo sobre como
entender a partitura em relação à sequência que devemos
tocar e os sinais de repetição, como ritornelo, casa 1,
casa 2, segno (seção ou parte da música) e coda (parte
final da música).

Acordes para “Eight Days a Week

Batidas para “Eight Days a Week”

VIOLÃO+ • 65
f lamenco

Rasgueo Flavio Rodrigues


www.flaviorodrigues-flamenco.eu

Olá amigos leitores! Neste nono número da revista Violão+,


referente à técnica, vamos retomar o rasgueo de dedos, com
um foco um pouco diferente do que fizemos originalmente,
nos primeiros números da nossa revista. Neste caso, vamos
utilizar quatro dedos, em vez de três, incluindo o mindinho
(MI no esquema abaixo), e executando cinco toques (notas)
por tempo, em forma de cinqüina. Consequentemente, a
ordem dos dedos ao tocar seria essa:

MI A M I I

Obs: Reparem nas flechas, que indicam o sentido dos


dedos ao tocar (para cima/baixo). Se houver dúvidas em
quanto ao ritmo, procure o quadro rítmico que publicamos
em números anteriores (5 e 6).
Referente ao nosso repertório por Alegrias, seguiremos
aplicando o novo rasgueo que aprendemos na parte técnica,
com a sequência de acordes cifrados a seguir, unidos a um
arpejo simples com polegar (P, I, M, A) e um rasgueo de
pulso para finalizar:

E B7/F# E7 A

66 • VIOLÃO+
f lamenco

#FicaAdica
Rosas del Amor
(1987)
Tomatito

Primeiro disco como


solista de um dos gui-
tarristas mais influentes
nas décadas de 1980 e
1990, especialmente no
que se refere à forma de
acompanhar ao cante
flamenco. Foi habitual acompanhante da maior lenda
do cante de todos os tempos, Camarón de la Isla (que
colabora no tema que dá nome ao disco). Podemos
destacar uma técnica muito apurada – com especial
menção ao uso do polegar e arpejos -, uma sonoridade
muito flamenca e um domínio magistral nos toques rít-
micos, em que sua personalidade e maestria ficam em
total evidência. Também é importante destacar o fato
de que se trata de um disco essencialmente flamenco,
tanto no que se refere às composições, instrumenta-
ções e arranjos, como no contexto geral da obra. To-
dos os temas do disco são composições próprias.

Destaques: “La Chanca”, “La Andonda”, “Barrio


Santiago”, “Alejandria” e “Soledad ”.

VIOLÃO+ • 67
VIOLA caipira

Voando com os
duetos Fábio Miranda
www.fabiomirandavioleiro.com

Como já visto em edições anteriores, as escalas duetadas


são sequências de pares de notas que percorrem as
cordas da viola por toda a extensão de seu braço. Esses
pares de notas, tocadas ao mesmo tempo, estão a uma
distância (ou intervalo, falando em “musiquês”) de terças
ou sextas. Os ponteados feitos nas escalas duetadas
fazem parte da técnica do idioma da viola caipira. De Zé
Côco do Riachão e Seu Minervino, até Almir Sater e Tião
Carreiro, passando por Gedeão da Viola e Zé Mulato,
todos ponteiam em dueto, o que seria praticamente
evocar uma ancestralidade sonora da viola caipira.
Nesta edição, vamos aprender mais uma das fatias de
duetos no braço da viola. Lembrando que essas fatias são
feitas de partes das escalas duetadas lineares, tocadas
transversalmente, ou seja, pulando de um par para o
outro par. Vamos continuar a pensar transversalmente
o braço da viola e encontrar mais uma fatia para se
alimentar desses ponteados! Na edição 8 de Violão+,
aprendemos a primeira fatia. Nesta, aprenderemos a
segunda, que vem logo depois daquela.

68 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
As fatias são pensadas por meio do exercício da
imaginação. O recorte é feito baseado na necessidade do
tocador. Eu, por exemplo, imaginei essas fatias baseado
na proximidade entre os graus, facilitando o trabalho de
deslocamento da mão.
Olhem só, de perto, essa segunda fatia:

ÓIA BEM! Por enquanto, estamos ponteando com o 1º grau


posicionado nas casas 4 e 5 da viola.

Vamos trabalhar uma melodia bem conhecida do


cancioneiro caipira, chamada “Chitãozinho e Xororó”, de
Athos Campos e Serrinha.

VIOLÃO+ • 69
VIOLA caipira
1 1 1 1 1 7 2 2 2 2 2 2 2 1 3
Eu não troco-o meu ranchinho marradinho de cipó
3 3 22 1 1 7 7 6 6 5 5 4 4 3
Pruma casa na cidade, nem que seja bangaló
3 3 3 3 3 4 4 4 6 66 6 5 4 3
Eu moro lá no deserto, sem vizinho-eu vivo só
1 1 1 1 1 7 2 1 7 6 7 6 5 4 3
Só me-alegra quando pia lá praqueles cafundó
1 1 3 b3 2 7 7 2 2 1 (repete)
É o-Inhambú-xintã e o Xororó

ÓIA BEM! Repare que, apesar de estarmos tocando só as notas


dessa fatia, a melodia ainda extrapola no grau 3 para o agudo (...
cipó), e no grau 7 para o grave (...e o Xóroro).

ÓIÁ BEM! O grau “b3” significa que o 3º grau está bemol, ou seja,
meio tom mais grave do que é. Para fazer isso, basta arrastar só
uma casa o 3º grau para o grave.

Tentem tocar exatamente onde estão indicados os graus


nessa fatia. Daí, quando estiverem conseguindo tocar
com mais folga, experimentem mudar a posição da tônica,
ou seja, mudar a posição do I grau. Isso vai fazer com
que toda a fatia a acompanhe. O resultado é que vocês
vão tocar exatamente as mesmas posições de dedos
nos duetos, só que em outro lugar do braço da viola. A
melodia será a mesma, mas a altura será diferente, mais
aguda (se for para perto do bojo) ou mais grave (se for
para perto da pestana). Assim, vocês estarão mudando
de tom, ou seja, modulando.

70 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
E que tom seria esse? O nome do tom depende da
posição da tônica. Descubram qual é a nota que está
sendo apertada no I grau – vocês descobrirão qual é o
tom da escala. Se a nota for Ré, a escala a partir dali
será Ré maior; se a nota for Mi, a escala a partir dela
será Mi maior, e assim por diante.

Trocando em miúdos: podemos tocar a toada “Chitãozinho


e Xororó” em várias tonalidades! Experimentem!
De tanto pontear a viola, vai que algum passarinho responde
lá de longe.

VIOLÃO+ • 71
de ouvido

Ouvir
tonalmente Parte 3
Reinaldo Garrido Russo
www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br

O aspirante a músico experiente e com domínio da


linguagem deve pensar em bater sempre na mesma
tecla. A condição de obstinação é imprescindível. Não
tenho outro conselho tão importante quanto este, que
insisto em dizer: o treinamento diário, inteligente,
orientado, para qualquer habilidade, é o mais importante
de todos. Se acontecer sempre no mesmo horário, é a
verdadeira maravilha!
Em meus cursos, dou um exemplo muito esclarecedor.
Alguém já deve ter tido um auxiliar, uma secretária do
lar. É interessante como não conseguimos pedir um
mero copo d’água a essa pessoa cinco minutos antes
da novela tão esperada e que está na programação de
todos os dias. A mente se abre para absorver 100% de
todos os episódios e detalhes que são apresentados.
O motivo disso? Condicionamento diário e no mesmo
horário. Experimente fazer que seu filho, ou um sobrinho,
estude matemática todos os dias na mesma hora. Você
vai perceber, a cada dia, que sua atenção aumenta
vertiginosamente. É obvio que, se não houver traumas
no aprendizado, se as condições cognitivas forem boas,
se houver ambiente propício ao estudo, silencioso, tudo
terá chance de dar certo. Use esse conhecimento sábio
em seu favor.
Se o leitor já conferiu o gabarito anterior e o índice
de acerto foi superior a 90%, eu o parabenizo. Se for
inferior, não deixe passar. Refaça-o. Um dos truques
pedagógicos mais eficientes dos bons apps e programas
de treinamento auditivo (ear training) é o de alertar o
índice abaixo do esperado e pressionar o aluno para que
refaça o exercício. As lacunas deixadas pelo treinamento
ineficiente, pelos tópicos não compreendidos, vão se
acumulando até chegar a estagnação do aprendizado.
72 • VIOLÃO+
de ouvido
Voltando ao treinamento da audição tonal
Vimos na edição anteior que três sons, na escala, têm
função importante:
1 – A tônica (I ou VIII graus), que nos dá a sensação de
repouso, às vezes aparecendo muito sorrateiramente no
meio de uma sequência de notas, como nota de passagem
ou de apoio, por exemplo;
2 – A mediante (III grau), com sua personalidade especial
de ser repouso e, ao mesmo tempo, dar o sabor de algo
que está por vir.
3 – A dominante, a mais especial, na minha opinião, que
nos traz a sensação de leveza, levitação, repouso no éter.
Se esses três sons, muito bem definidos, forem treinados
para serem reconhecidos, não haverá problemas maiores
quanto aos outros.
Vamos fazer um teste. Você deve ter em sua memória
a célebre e curta peça musical denominada “Toque de
Silêncio”. Geralmente a ouvimos nos filmes americanos,
quando um militar homenageia, em funeral, o herói
morto. O “Toque de Silêncio” contém apenas as notas de
repouso; assim, não gera movimento musical, sugere a
introspecção.
A seguir, damos as primeiras notas para que você se
recorde dessa pequena peça. As notas restantes farão
parte do primeiro de muitos exercícios que proporemos com
canções muito conhecidas. Esses exercícios chamam-se
solfejo cantado, e requerem o reconhecimento de cada
nota da escala conforme vamos cantando a melodia em
análise. Não use o instrumento.


42     
   

 


  

  

 

  


   
No final desta matéria, o leitor encontrará a partitura
completa da peça, e poderá constatar o que acertou. O
exercício é muito simples, mas é necessário concentração.
O segundo exercício que proporemos é reconhecer cada
nota de “Capelinha de Melão”. Não escreva: simplesmente
cante e não confira com o instrumento. O ponto principal
de conferência é a nota tônica. Cante as primeiras notas
VIOLÃO+ • 73
de ouvido
com nomes que suponha estarem corretos. Confira com a
primeira nota da escala. Certifique-se de que o intervalo
que compõe a última nota cantada e a tônica está correto.
Tenha em mente que a nota inicial dessas canções não
é a tônica obrigatoriamente. Pode ser qualquer grau da
escala. Geralmente, as notas 1, 3 e 5 são mais usadas
para iniciar a melodia:

Ca – pe – li – nha de me – lão
sol sol sol lá sol fá mi
5 5 5 6 5 4 3

Repare que a canção infantil tem início na 5 da escala, e


a parte apresentada da frase termina na 3.
O leitor pode associar esse exercício ao reconhecimento
de células rítmicas, mas vamos deixar isso para o futuro.
Como último exercício, crie melodias simples com as
notas da escala e tente estacionar em notas que não
sejam as de repouso (1, 3, 5 ou 8). Se escolher a 6, siga
para resolver na 5 e, depois, volte para a 6. Compare a
sensação que tem com os nomes dados pelos teóricos.
Faça isso muitas vezes, com outros sons da escala. Até
a próxima.

DÓ RÉ MI FÁ SOL LÁ SI DÓ
I II III IV V VI VII VIII
tônica sobretônica mediante subdominante dominante sobredominante sensível tônica

TOQUE DE SILÊNCIO 1

“Toque de Silêncio”

42  
lento
  
   

 


  

  

 

  


   
       

  
 
 

  

 
 

  

 

  
 
 

      

  
  

  


 

  
74 • VIOLÃO+
VIOLÃO+ • 75
academia Por Walter Nery

Por onde
começo meu
solo?
A despeito do tom informal do início do título, este artigo
procura discutir e analisar a questão da incorporação
dos elementos musicais contidos em um determinado
tema como fonte de informação e inspiração para a
elaboração de um improviso idiomático sobre sua
base harmônica. Ao final, concluímos ser esta uma
possibilidade que outorga importante teor de coerência
e unidade ao discurso musical.

Uma questão que aflige boa parte dos algum tipo de relação com elementos
músicos profissionais e alunos que do tema, sejam eles intervalares,
estudam improvisação diz respeito ao motívicos, essencialmente rítmicos ou
seguinte: o solo deve estabelecer uma de natureza harmônica.
relação de continuidade com o tema Em todas as épocas e culturas, a
sobre o qual se vai improvisar ou pode questão da improvisação musical é
ser um discurso musical totalmente muito bem estabelecida e propagada
original, destituído das características nos meios musicais. Compositores
e propriedades intrínsecas deste sempre foram admirados e agraciados
tema? De fato, estas alternativas não por suas habilidades de improvisar. No
são excludentes e de modo algum jazz, em especial com o advento do
desobrigam ao envolvimento com um Be-bop na década de 40 nos Estados
tipo ou outro destes procedimentos. Unidos, a improvisação se tornou um
Para todos os efeitos, no entanto, ao ideal de aprimoramento musical que
longo deste texto lançaremos um olhar transpôs sobremaneira os limites de
apenas sobre os improvisos que mantêm espaço e tempo impostos pelas Big
76 • VIOLÃO+
academia
Bands das décadas de 20 e 30. A partir algumas situações em que existe uma
daí grandes nomes da improvisação clara assimilação de elementos contidos
estabeleceram suas bases e alçaram no tema e sua consequente utilização na
voos cada vez mais longos e profundos elaboração do improviso sobre a base
sob a perspectiva do conteúdo musical. harmônica do mesmo.
Técnicas modernas começaram a ser
absorvidas, muitas advindas da própria Paráfrases, citações e afins
música erudita: elaboração melódica, Um dos conceitos musicais mais
sobreposição harmônica, polirritmia, conhecidos e que conduzem conteúdo
além da incorporação de elementos temático ao improviso é o de Paráfrase.
dissonantes e cada vez mais associados Neste caso uma parcela considerável
ao ruído. O free jazz de Ornette Coleman do próprio tema é exposta em um
e Pharoah Sanders são exemplos deste determinado trecho do solo, às vezes
último caso. com algumas alterações, outras de
Este panorama de complexidade e modo quase literal. O solo de Stan Getz
evolução não necessariamente serviu em “Desafinado” (Tom Jobim) no disco
como garantia de um discurso musical Getz/Gilberto de 1963 gravado pela
coerente e unificado, mas certamente Verve é um clássico exemplo. Aqui o
revolucionou e ampliou o âmbito das saxofonista, logo na abertura do solo,
possibilidades a respeito da improvisação reprisa quase que literalmente a frase
idiomática. Neste texto exemplificaremos inicial do tema:

Exemplo 1: melodia de “Desafinado” e abertura do solo de Stan Getz com a frase inicial (cc. 1 – 8).

VIOLÃO+ • 77
academia
Perceba-se que as linhas A e A’ são trajetória do solo, como é o caso deste
mais próximas no quesito contorno, a improviso específico.
primeira ritmicamente mais alongada Outra ocorrência de Paráfrase recai
que a segunda. As linhas B e B’ são mais no solo sobre a canção “How Deep is
distantes, porém possuem terminação the Ocean” (Irving Berlin) executado
idêntica que incide sobre o par Sib- por Kurt Rosenwinkel no disco Intuit de
Réb. É interessante observar que este 1998. O guitarrista encerra o improviso
procedimento inicial pode nortear toda a parafraseando a frase final do tema:

Exemplo 2: paráfrase no final do solo de Kurt Rosenwinkel (cc. 125 – 129) sobre a canção “How Deep is the Ocean” (cc. 29 – 32).

Uma relação um pouco mais subjetiva no improvisador utiliza entre uma frase e ou-
tocante a utilização de elementos temáti- tra. Ainda no início do solo de Rosenwinkel,
cos ao longo da improvisação diz respeito encontramos a ocorrência desta possibili-
à questão da respiração, também conhe- dade, utilizada como um fator contiguidade
cida por pacing (CROOK, 1990, p. 17). entre o tema e o improviso. O guitarrista
Efetivamente esta é uma característica di- enuncia frases com extensões compatíveis
retamente ligada ao espaçamento que o com aquelas existentes no tema.

78 • VIOLÃO+
academia

Exemplo 3: frases com extensões compatíveis entre a melodia de “How Deep is the Ocean” (cc. 1 – 12) e o início do improviso
de Rosenwinkel (cc. 1 – 9).

Uma outra possibilidade interessante álbum Kind of Blue (1959) baseado em


repousa na incorporação de pequenas fragmentos existentes na melodia. “So
células (intervalos, motivos, pequenos What” é uma composição de natureza
gestos característicos) que são modal com apenas dois acordes, um
extraídas do tema pelo solista. Grande ambiente harmônico apropriado para
mestre nesta arte, Miles Davis elabora a aplicação do recurso. O quadro que
seu famoso solo de “So What” do segue exemplifica:

Exemplo 4: pequenos fragmentos incorporados por Miles Davis e utilizados na elaboração do solo de “So What” (cc. 1 – 7).

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academia
Alguns símbolos geométricos foram solo, Miles “respira” em conformidade
utilizados para facilitar a identificação com o espaçamento das frases do
e comparação: o quadrado tracejado tema, tocando frases curtas por sobre
identifica os pequenos gestos de Quinta os compassos iniciais.
Justa da melodia e reproduzidos no Voltando ao solo de Rosenwinkel
solo. Os pequenos círculos enfatizam sobre “How Deep is the Ocean”,
as terminações rítmicas que fecham as percebemos que o guitarrista recicla
frases tanto do solo quanto da melodia. algumas “bordaduras”, pequenos
Os triângulos delimitam uma espécie gestos componentes do próprio tema.
de “bordadura dupla” da melodia que Esta é uma forma bastante sutil de
surge de modo retrogradado no solo. se manter conectado a elementos
Perceba-se também que, no começo do característicos da melodia original:

Exemplo 5: “Bordaduras” de “How Deep is the Ocean” usadas por Kurt Rosenwinkel (cc. 1-2 e 6-7).

(The Complete Dial Sessions, 1947).


Para finalizar, gostaríamos de comentar Nesta versão o saxofonista consegue
um exemplo muito particular deste estabelecer magistralmente o limiar
tipo de procedimento em que tema e entre exposição e improviso, uma
improviso são mesclados, unificados experiência musical inusitada. Vamos
em um mesmo momento da música. expor apenas um trecho do tema original
É o caso da “exposição improvisada” e a correspondente versão de Parker a
de “All the Things You Are” (Jerome título de comparação.
Kern) executada por Charlie Parker

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academia

Exemplo 6: comparação entre a melodia de “All the Things You Are” e sua exposição improvisada por Charlie Parker (cc. 1 – 15).

Considerações treino do desenvolvimento das ideias


Expusemos alguns exemplos dentre as musicais e sua elaboração ao longo do
inúmeras possibilidades de se trabalhar tempo. Acreditamos ser este um modo
a prática do improviso musical sob efetivo de se estabelecer relações de
o ponto de vista da análise, coleta e coerência entre o que é proposto pelo
aplicação das informações contidas no tema e o que vai ser exposto ao longo
tema. Este é um suporte efetivo para o do improviso.

Bibliografia
COKER, Jerry. Jerry Coker’s Complete Method for Improvisation.
California: Alfred Music, 1997.
CROOK, Hal. How to Improvise – An Approach to Practicing
Improvisation. Rottenburg: Advance Music, 2002.
LARSON, Steve. Composition versus Improvisation?. Journal of
Music Theory, Vol. 49, No. 2 (Fall, 2005), pp. 241-275
LEVINE, Mark. The Jazz Theory Book. Pentaluna, CA: Sher Music
CO., 1996.
MURPHY, John P. Jazz Improvisation: the Joy of Influence. The Black
Perspective in Music, Vol. 18, No. 1/2 (1990), pp. 7-19.
NETTL, Bruno. Thoughts on Improvisation: a Comparative Approach.
The Musical Quarterly, Vol. 60, No. 1 (Jan., 1974), pp. 1-19.
TIRRO, Frank. Constructive Elements in Jazz Improvisation. Journal
of the American Musicological Society, Vol. 27, No. 2 (Summer,
1974), pp. 285-305.

Walter Nery
Compositor, guitarrista e violonista natural de São Paulo, é doutorando em música pela Universidade
de São Paulo, com foco em composição. Como guitarrista desenvolve um trabalho autoral com o
grupo “RdT” com o qual lançou três Cd’s contendo músicas autorais. Como violonista, é integrante do
“Cássio Poleto Acoustic Strings”, que recria o repertório do lendário “Hot Club de France” de Django
Reinhardt e Stèphane Grapelli. Produziu e arranjou os dois CDs da Cantora de blues e jazz Ruthe
London. Como docente, foi professor de guitarra do Conservatório de Tatuí e de matérias teóricas
da Faculdade Mozarteum de São Paulo. Atualmente é professor do Conservatório Souza Lima e da
Pós-Graduação da Faculdade de Música Souza Lima.

VIOLÃO+ • 81
coda

Três horas?
Como assim?
Luis Stelzer

Sou professor de violão há mais de trinta anos. Tenho uma orquestra de violões
há mais de vinte e cinco. Dei aula em conservatório grande e faculdade de
música. Toquei em barzinho e em sala de concerto. Escrevi colunas em revistas
especializadas (hoje, até edito uma revista especializada, essa que você lê!).
Fiz métodos de ensino. Digamos que levei a sério o meu sonho. É, sim, um
sentimento muito bom, olhar para o que se fez e perceber que você não fugiu
da raia, lutou muito e conseguiu, pelo menos até hoje, viver do que gosta e
acredita. E que isso se expandiu, até, do que se imaginou lá para trás.

Sempre há um calcanhar de Aquiles. Sempre fui um professor dedicado.


Sempre existe aquela coisa que você não Apesar de ter um jeito meio solto,
fez, ou porque não acredita, ou porque brincalhão, procurei, nesses anos todos,
tem medo mesmo de fazer. A minha tratar os alunos muito bem, com respeito,
diferença com a pedagogia musical, o acreditando no potencial de cada um.
que eu achava que não funcionava bem Confesso que me orgulho em dizer que
ou que não era para mim, eram as tais a grande maioria, quase cem por cento
aulas para grandes grupos, de mais de mesmo, das pessoas que quiseram tocar
dez participantes, menina dos olhos violão e me procuraram, conseguiram
dos projetos sociais. evoluir. Esse é o
Eu já tinha tido duas
Por que será que não deu meu maior tesouro.
experiências com certo? Desculpas são fáceis Metido, eu? Talvez.
essa prática, uma de arranjar. Consegui as Orgulhoso, acho que
razoável, outra ruim. é uma boa palavra.
Em nenhuma delas, minhas e segui em frente. Um belo dia, quando
me senti confortável. Como a segunda já me aproximava dos 50 anos de idade,
foi bem pior que a primeira, coloquei na surgiu uma nova oportunidade. Gelei, é
cabeça que aquilo não era realmente claro. Pensei em não tentar? Obviamente!
para mim. Não seria um fracasso tão Mas o toque sobre o processo seletivo
difícil assim de carregar, afinal, tenho veio de um grande amigo, que me
um monte de sucessos no curriculum. convenceu a tentar. Lá fomos, eu e
Mas sempre fica uma interrogação, minhas dúvidas. Conseguimos passar
uma dúvida: por que será que não deu no processo seletivo. O local: a periferia
certo? Desculpas são fáceis de arranjar. de São Paulo. O desafio: aulas de violão
Consegui as minhas e segui em frente. para grupos de vinte e cinco aprendizes.
82 • VIOLÃO+
coda
Uau. Vai ter violão para todo mundo? Vai. que tocar com palheta é bom para
Vai ter espaço, material? Também. As comandar turmas tão grandes. E tive que
aulas são de três horas de duração. Tudo estudar bastante, pois não usava a dita
bem... Pera aí! O que foi que você disse? cuja antes! Aprendi a prestar atenção em
Três horas? Seguidas? Como assim? detalhes que, antes, nem via. É incrível
Voltei para casa certo de que tinha feito como você tem que estar ligado nos
a coisa mais errada da minha vida. Como detalhes, mesmo as turmas sendo tão
pude aceitar isso? Como terei assunto numerosas. Aprendi que você tem que
para tanto tempo? Como conseguirei confiar, senão, não tem jeito de dar certo.
prender a atenção de vinte e cinco Aprendi que, confiando, você recebe
jovens, simultaneamente? Estava feliz confiança de volta. Aprendi a escutar,
por ter conseguido a vaga, mas não a perceber turmas dentro das turmas.
dormi naquela noite. E nas noites que Aprendi a lidar com as “panelinhas”.
antecederam ao começo das aulas. Aprendi a colocar 40, 50, 60 pessoas
Fui buscar literatura a respeito. Da outra para tocar juntas. Aprendi a brigar por
vez, com quinze alunos e com uma hora elas, pela corda de violão que falta, pela
e meia por turma, me perdia facilmente, palheta que não chega. Aprendi que estou
não tinha assunto para todo o tempo. com pessoas, que tem seus sonhos como
Então, poderia estudar mais. Achei muito eu. E que o sonho é sagrado.
pouco, quase nada escrito a respeito. O que tirar de tudo isso? Não sei. Não sei
Descobri que estava desbravando uma se essa história te tocou. Ela é a minha
mata praticamente virgem. Teria que abrir história. Obrigado por ter lido. Espero
a minha própria picada, cuidar dos meus que ela tenha trazido algo de bom a você.
machucados, seguir em frente do jeito que Que eu tenha conseguido passar um
desse. Fiquei com muito medo, mesmo. pouquinho da felicidade que eu sinto por
Bom, isso foi há três anos e meio, quase. fazer o que faço. Pode ser o que for: faça
Aprendi tanta coisa, mais tanta coisa, que bem, faça com amor. É difícil, às vezes.
nem sei dizer todas. Aprendi Mas não tem preço. Mesmo!

VIOLÃO+ • 83

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