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EAD

Noção de Experiência
Religiosa

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1. OBJETIVOS
• Compreender o que é experiência religiosa.
• Reconhecer que experiências religiosas podem ser indivi-
duais ou grupais e que sempre estarão ligadas à vivência
do sagrado.
• Reconhecer que experiências religiosas fazem parte do
caminho para o amadurecimento espiritual.
• Compreender que toda experiência está inserida na cul-
tura.

2. CONTEÚDOS
• Dimensões da experiência religiosa.
• Núcleos experienciais.
• Outras experiências.
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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Amplie seu conhecimento sobre a História das Religiões,
leia: USARSKI, F. (Org.). O espectro disciplinar da Ciência
da Religião. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 43-44.
2) Para aprofundar sobre as dimensões da experiência reli-
giosa, leia a obra: VALLE, E. Psicologia e experiência reli-
giosa. São Paulo: Loyola, 1998.
3) Para compreender melhor o tema desta unidade, su-
gerimos que você consulte a obra: REVER. N. 3, Revista
de Estudos da Religião. 2006, p. 77-93. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/rever/>. Acesso em: 23 jan. 2012.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, você perceberá que a experiência religiosa
comporta sempre uma emoção. Emoção gerada por um desejo de
sentido, de pertença, por um desejo de Deus. Perceberá, ainda,
que a experiência religiosa faz separar o sagrado (tudo o que gera
sentido) do profano (aquilo que não tem sentido). Essa delimita-
ção foi explicitada mais claramente somente no século 20 com os
escritos de Mircea Eliade, que define religião com base nas expe-
riências vividas por indivíduos ou grupos.
Toda experiência humana comporta uma ou mais emoções.
Emoção na experiência psicológica não quer dizer, no entanto,
emoção religiosa. Podemos experimentar fortes emoções em um
show de rock ou diante de um discurso político. Entretanto, o que
define a experiência religiosa é sua vinculação com o sagrado.
Para iniciar o estudo desta unidade, convido você a refletir
sobre os seguintes questionamentos: o que é sagrado para você?
Em nossa sociedade de consumo, em que o funcional e o econô-
mico superam o transcendente e o atemporal, como se vivencia o
sagrado?
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O "vivido" e experimentado por alguém em certo contexto é


que dará o estatuto de sagrado e a experiência religiosa configura
um tipo de relacionamento com o divino, com a divindade. Como
conceituar essa experiência? Esta é uma das principais tarefas da
Psicologia da Religião: representar o “vivido religioso" de modo
que se torne aceito pela comunidade científica.
Desse modo, procuraremos fazer algumas associações e
questionamentos:
1) Quais atos e vivências podem ser considerados religio-
sos?
2) Que tipo de emoção eles comportam? Qual a ligação
dessas emoções com o sagrado e com o profano?
3) O que delimita o sagrado do profano?
4) Qual a característica essencial desses atos?
5) Que tipo de emoção eles comportam?
O certo é que mesmo se tiver se iniciado com alguma emoção
considerada ruim, como o medo e a raiva, a experiência religiosa
deve levar a um bem-estar no final. Assim, diante de uma situa-
ção-limite como a iminência da morte (em si geradora de medo)
pode surgir uma vivência reparadora (bem-estar e entrega, supe-
ração do risco e reversão da situação etc.), que será considerada
religiosa por quem a vivencia. Portanto, se nada foi concluído ou
elaborado, então não se trata de experiência religiosa, já que essa
opera uma mudança no estado de alma e geralmente equilibra —
ao menos por um certo período — aquele que vive a experiência.
Assim, vale destacar que algumas dessas experiências reli-
giosas podem levar a mudanças mais permanentes parecidas com
conversão. E ainda, assemelham-se a um bem-estar vivido pelos
santos (na experiência cristã) ou por quaisquer outras experiências
espirituais diferentes das ocidentais.
A experiência religiosa de uma pessoa é sempre e necessa-
riamente uma vivência psicológica do tipo relacional, já que supõe
dois polos em tensão:

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1) O ser humano concreto com todas as circunstâncias que


o constitui.
2) O Outro que chamamos de Deus e de tantos outros no-
mes e que, embora permanecendo em seu mistério,
apresenta-se e revela-se por meio de sinais que nascem
da própria realidade do mundo.
Como exemplo para os possíveis modos de revelação de
Deus, há a experiência judaico-cristã, em que Deus se curva sobre
os homens e fala pelos seus profetas e por seu Filho Jesus. Em ou-
tras religiões algo análogo se dá, mas em linguagens, concepções
e modos distintos.
O homem religioso não percebe sua relação com a divinda-
de como se fosse um apêndice estranho a ele ou, então, como
se fosse um mero produto de seu próprio psiquismo, e sim como
uma totalidade com a qual está em comunicação e que o interpe-
la, dando um sentido.
Desse modo, o ser humano tem consciência de que essa
experiência do divino é complexa, considerando que se refere a
sentimentos, atitudes e processos de compreensão que escapam
à racionalidade, ancorando-se no intuitivo e no inconsciente, além
de radicar-se no somático. Intui, assim, serem profundas suas raí-
zes últimas, tanto as psicomentais quanto as biopsíquicas.
Como você pôde notar, na experiência religiosa há uma di-
mensão inconsciente, densamente afetiva e não isenta de confli-
tos. Nota-se, também, que ela traz um sentido que exerce influên-
cia sobre o agir, sobre o pensar e sobre o querer, moldando a vida
de acordo com Alguém com quem se vê em relação.
Vamos observar a afirmação de Jung, que complementa nos-
sa visão de experiência religiosa:
Devo observar que não se trata de uma questão de fé, mas de ex-
periência. A experiência religiosa é algo de absoluto. Não é possível
discutir acerca disso. Uma pessoa poderá dizer que nunca teve uma
experiência desse gênero, ao que o oponente replicará: "lamento
muito, mas eu a tive". E com isso se porá termo a qualquer discus-
são (1978, p. 111).
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Desse modo, vale ressaltar que construir um embasamento


sobre tais conhecimentos será uma tarefa importante para a con-
tinuação dos estudos de Ciências da Religião e Teologia.
Desejamos sucesso nesta estrada.

5. DIMENSÕES DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA


Com base na psicologia social, Glock e Stark (1998 p. 67-70)
fazem a leitura do vivido religioso em cinco dimensões. Portanto,
não se trata de intuições dos autores, mas sim de fruto de pesqui-
sas científicas. Tais resultados confirmam-se sempre que estuda-
mos pessoas ou grupos.
Observe as cinco dimensões:
1) Experiencial: é idiossincrática e fortemente colorida
pela emoção. É intransferível. Geralmente está associa-
da a um fato repentino que faz com que a pessoa tenha
que lidar com a situação estressora. Desse modo, subi-
tamente, algo se dá em seu sistema neuropsicológico.
2) Ritual: implica práticas religiosas distintivas do grupo do
qual faz parte quem vive a experiência. Os ritos impli-
cados variam de religião para religião e de grupos para
grupos na mesma religião. Assemelha-se às experiências
primeiras de fundadores de congregações.
3) Ideológica: refere-se a crenças e convicções doutrinárias
de quem vive a experiência. Sempre haverá uma ideo-
logia por trás da experiência, mesmo que ela esteja in-
consciente para aquele que a vive.
4) Consequencial: abrange a conduta moral e comporta-
mental tipicamente proposta e exigida pela adesão ao
grupo.
5) Intelectual: a pessoa religiosa será informada e intro-
duzida nos princípios básicos de sua fé e das estruturas
sagradas.

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6. NÚCLEOS EXPERIENCIAIS
A experiência religiosa é um conjunto de todos os sentimen-
tos, percepções e sensações que são experienciados por um su-
jeito ou definidos por um grupo ou sociedade como sendo rela-
cionados a algum tipo de comunicação, mesmo que precária, com
a essência divina, isto é, com Deus, com a realidade última, com
a autoridade transcendente. Algumas experiências repetem-se no
contexto da religião em que se dão, mostrando a importância do
fator cultural no modo como o ser humano atualiza seus poten-
ciais de ser e sentir.
Assim, observamos certos núcleos que se repetem nas pes-
quisas realizadas com adeptos da religião católica, permitindo uma
divisão em tipos:
Experiência responsiva: envolve compreensão e aceita-
ção empática do vivido e do experimentado. Portanto,
aquele que a experimenta tem certeza de seus efeitos na
vida prática e a entende como um marco na história de
sua crença em um mundo divino.
Os subtipos são:
1) Salvação: o sujeito sente-se de novo unido com a divin-
dade após período de desunião ou descrença. Anterior-
mente em estado de pecado, vê-se liberto e salvo após a
vivência restauradora.
2) Poder milagroso ou poder taumatúrgico: o crente as-
socia com segurança e certeza os fatos externos à reali-
zação de seus pedidos, vendo, assim, suas necessidades
satisfeitas de modo mágico.
3) Sanção (ou castigo, perda, medo, insegurança, culpa):
semelhante ao anterior, mas envolve considerações mo-
rais e éticas relacionadas ao vivido e praticado.
4) Experiência de confirmação: o vivido tornam mais se-
guras as crenças, corrobora, remove dúvidas pela via da
autoridade ou pela evidência inquestionável dos fatos
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enquanto tais. Há um súbito sentimento, conhecimento,


intuição, da veracidade de tudo o que foi vivido.
5) Experiência de êxtase: comunhão e arrebatamento com
Deus. É uma elevação física e psicológica de proporções
gigantescas, semelhante ao orgasmo, com o embebe-
damento, que tem os sentidos tomados pela pegada do
poder divino.
6) Experiência de revelação: é encontrada com menor fre-
quência. Nela a divindade assume a pessoa e a torna
confidente direta. As revelações dão-se por meio de vi-
sões, de vozes, de iluminações, de missões que assumem
caráter de obrigatoriedade. As revelações foram comuns
nas grandes religiões e atualmente ocorrem com muito
menos frequência.

7. OUTRAS EXPERIÊNCIAS
Baseada nos estudos de Greeley, a psicossocióloga norte-
-americana Margaret Poloma (1998, p. 70-72) realizou uma grande
pesquisa, na qual estudou as seguintes experiências:
1) Fenômenos paranormais: pessoas com talentos ou sen-
sibilidades hoje explicáveis pelas inteligências múltiplas
eram genericamente denominadas de paranormais.
Hoje em dia, os avanços das neurociências trouxeram
novas respostas a esses fenômenos, mas ainda nada
que os explique totalmente. Tomemos como exemplo o
médium que recebe guias e faz previsões comprováveis
com certa regularidade, segundo os relatos de seus se-
guidores.
2) Experiência de culminação ou peak experience referi-
das por Maslow: nessas experiências, o sujeito vive um
clímax de autorrealização e bem-estar consigo mesmo e
com o mundo.
3) Dejà vu: estado em que o sujeito julga já ter vivido em
outro tempo a experiência do presente. A neuropsico-
logia já tem explicações para essas vivências, mas não
para o conteúdo delas, pois, como diz Damásio, mente

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é o que o cérebro produz para falar de realidades intan-


gíveis.
4) Mediunidades: experiências muito comuns no Brasil,
talvez devido às raízes reprimidas de nosso povo. Segun-
do Neto (2004, p. 305), essa palavra "se refere a uma
situação em que cliente ou curador, ou ambos viven-
ciam estados alterados de consciência sob a forma de
dissociação ou possessão. No xamanismo, o feiticeiro é
possuído por um ser sobrenatural que o torna capaz de
realizar curas".
5) Glossolalias: experiências presentes em cultos da RCC
e igrejas neopentecostais, em que o “crente” se expres-
sa por meio de uma língua desconhecida a ele próprio
e frequentemente também aos demais. Há estudiosos
que confirmam a criatividade da manifestação, embora
na maioria das vezes se perceba a artificialidade da atua-
ção.
6) Oração profunda e misticismo: aquele que a experi-
menta relata a posteriori – uma sensação de perda de
identidade e/ou comunicação com a divindade.
Essas experiências não procedem do intelecto, mas de pro-
cessos de amadurecimento do si mesmo que, ao expandir-se, ge-
ram respostas adaptativas de aceitação do novo.
Valle (2008, p. 91) define ainda:
• Experiência anômala (EA): uma experiência incomum de
alucinação ou anestesia, às vezes interpretadas como te-
lepáticas, que não têm relação necessária com qualquer
patologia ou anormalidade.
• Estados alterados de consciência (EAC): o indivíduo sen-
te-se ou experimenta um modo qualitativamente diferen-
te de seu modo habitual de ser, como se funcionassem
dois programas diferentes em um mesmo computador.
Muitas das chamadas conversões devem-se a esses proces-
sos, inicialmente inconscientes. A psicologia clínica tem explorado
esses modos de amadurecimento humano que se dão com base
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nas vivências ligadas à religiosidade e à religião, superando a visão


reducionista de Freud.
A esse respeito, quem desejar aprofundar o tema pode con-
sultar o artigo de Gilberto Safra, elencado na bibliografia no final
da unidade.
Apresentamos, a seguir, um fluxograma denominado A cons-
tituição da pessoa religiosa hoje.

Fonte: Psicologia e Experiência Religiosa, Edênio Valle, 1998, Loyola/Eliana Massih

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Fonte:Profª Eliana Massih, para uso em sala de aula

O objetivo desse fluxograma é trazer uma visualização do


que se dá no âmbito da Igreja Católica em sua aplicação dos co-
nhecimentos em Psicologia da Religião. Pode, porém, ser adapta-
do para qualquer outra denominação religiosa que tenha como
ética o cuidar.
O indivíduo que vive a experiência religiosa se vê interpelado
a dar continuidade ao sentimento suscitado, transformando-o em
serviços e maior participação na comunidade. De outro lado, essa
atuação o realimenta, ampliando sua consciência e facilitando o
amadurecimento do si mesmo (self).
Para outras religiões, deverá adaptar-se à nomenclatura,
embora o conceito de que as experiências religiosas interfiram na
constituição do si mesmo (self) se mantenha. Entendo self como o
define William James (BEZERRA; ORTEGA, 2007, p. 138), ou seja,
como a soma de tudo que um indivíduo sente como seu e que
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didaticamente se divide em self corporal (que vive a experiência


religiosa), self social (que reconhece a existência do outro e pode
solidarizar-se com ele) e self espiritual (a parte mais central, que se
apresenta introspectivamente quando o pensamento se volta para
si mesmo em autorreflexão). Tratam-se de várias possibilidades do
self que vão se robustecendo com base em experiências religiosas
vividas e trabalhadas em contextos ou comunidades religiosas es-
pecíficas.
Hoje em dia, a pessoa humana é concebida como alguém
que vive experiências que configuram sua biografia e sua pertença
a uma comunidade específica. Assim, o torcedor de determina-
do time de futebol faz questão de ir ao estádio quando seu time
joga e, quando isso não é possível, procura assistir ao jogo junto a
pessoas que partilham do mesmo prazer. Muitas vezes se reúnem
em casa de alguém. Com frequência marcam em um lugar público
acessível a todos. O que importa mesmo é partilhar emoções, tro-
car energia, vibrar.
Com a experiência religiosa não é diferente. Ela é carregada
de emoções e quem a vive quer repetir e partilhar o vivido. Não há
experiência religiosa que não tenha transformado quem a viveu.
De modo que autores especializados em Psicologia da Religião
afirmam que a experiência religiosa causa uma metamorfose do
self (SAFRA, 2007, p. 81). Segundo esse autor, o indivíduo concebe
a dimensão do sagrado a partir de experiências que trazem uma
metamorfose (ou mudança) do self através da vivência de encan-
tamento. Ninguém é o mesmo após ter vivenciado o sagrado.
Sendo a experiência religiosa um ingrediente de crucial im-
portância na evolução do self individual, transformando-o para
melhor, os educadores religiosos veem aí a principal porta de en-
trada para a evangelização. Ensinar a valorizar a experiência reli-
giosa, fomentá-la articulando com as demais áreas de saber e re-
fletir sobre o seu impacto na vida das pessoas é tarefa pedagógica
que pretendemos ampliar nesta aula.

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Em 1990, pela primeira vez, a CNBB tocou de maneira direta


na questão da subjetividade como um dado a ser encarado com
extrema seriedade pela pastoral (CNBB, 1990). É o momento em
que a Igreja percebe que não basta afirmar os valores e a doutri-
na; é preciso considerar a maneira como cada um, subjetivamente,
os recebe ou rejeita. É preciso, também, prestar mais atenção ao
itinerário biográfico da religiosidade das pessoas, como condição
para a formação de uma identidade cristã de convicções sólidas.
Essa percepção levou a Igreja, em torno do ano 2000, a falar de
“catequese com adultos” e não de adultos.
Nas diretrizes de 1991-1994, aparecem entre as mudanças
significativas da sociedade "o individualismo e a emergência da
subjetividade", considerados no contexto de um crescente "plura-
lismo cultural e religioso" (cf. cap. III do Documento 45). Em con-
sequência, entre as novas acentuações na evangelização (cap. IV),
surgem dois outros pontos presentes também nas Diretrizes de
2003-2006: a "valorização da pessoa e da experiência subjetiva" e
a da "vivência comunitária e diversificação das formas de expres-
são eclesial". Contrastando com uma ênfase que atravessou os
anos 70 e 80, "a presença mais significativa da Igreja na sociedade
brasileira" aparece só em terceiro lugar.
A subjetividade é descrita como uma consequência do pro-
cesso de modernização que foi atingindo "gradativamente as vá-
rias áreas da sociedade (ciência, técnica, economia, religião...) e
transformou a própria concepção de vida das pessoas, primeiro
entre as elites, depois em todos os níveis" (Documento 45, p. 59).
A subjetividade emerge como direito à expressão do pessoal e é
defendida como forma essencial de autonomia (cf. Documento 45,
p. 60, n. 116):
• a recusa de sacrificar a felicidade pessoal a ideais coletivos que
se tornaram incertos;
• a busca de realização no plano afetivo, com uma conseqüen-
te valorização (às vezes excessiva e frustrante) da vida sexual,
com rejeição dos padrões de comportamento até há pouco
socialmente aceitos;
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• a busca de liberação de papéis impostos pela sociedade tradi-


cional, em favor de maior liberdade de escolha subjetiva;
• a reivindicação de uma efetiva igualdade de direitos para todas
as pessoas, o que aparece mais vivamente nas reivindicações
das mulheres, dos jovens e das minorias culturais;
• a procura de uma espiritualidade mais pessoal, menos padro-
nizada por esquemas exteriores e menos diluída nas práticas
coletivas e comunitárias;
• a diminuição da família e o aumento do número de pessoas
que vivem sós.

Essa forma de subjetividade tem a ver com o novo mapa re-


ligioso que se desenhou no Brasil contemporâneo. O catolicismo
há muito deixou de ser a religião de referência. O Brasil católico
de decênios atrás foi substituído por um Brasil desordenadamente
plurirreligioso. Essa nova contextualização sociocultural favorece o
subjetivismo, entendido como uma subjetividade não muito cons-
ciente. É fundamental considerá-lo em nossa prática evangelizado-
ra. Ao insistir na acolhida, a Igreja demonstra que tomou consciên-
cia dessa exigência evangélica, mas também que está percebendo
as mudanças socioculturais em curso.
De fato, temos um novo mapa religioso no Brasil. Basta ver
o resultado do Censo de 2000. A urbanização típica do neocapita-
lismo brasileiro reúne multidões solitárias amontoadas em peque-
nos espaços anônimos. Desenraizados de suas culturas de origem,
milhões de brasileiros se perdem em meio a metrópoles caóticas.
Eis alguns exemplos: em São Paulo, 48,54 % das mulheres com
mais de 12 anos de estudo vivem sozinhas; em Belo Horizonte, o
mesmo acontece com 39,16% dos homens. O Distrito Federal e o
Rio de Janeiro são os campeões da solidão urbana (Centro de Polí-
ticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, S. Paulo, 2005).
Para não estender demasiado o texto, citamos os lugares
do Documento 45 nos quais se enumeram, de maneira didática e
clara, alguns aspectos importantes da situação cultural de nossas
cidades inchadas:

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• desenvolvimento autêntico da pessoa no contexto da so-


ciedade concreta em que vivemos é cada vez mais essen-
cial e mais difícil (cf. n. 118-121 )
• não existe mais a sociedade tradicional (cf. n. 125);
• a pessoa desligada da comunidade se torna "individualis-
ta", nas classe médias mais que nas populares (cf. n. 126
e 127);
• o pluralismo agrava o quadro (n. 128-130);
• e atinge a pessoa especialmente no campo das crenças e
convicções de valor: religião, política, ética. (n. 131-133).
"Ai de mim se não evangelizar”. A ciência de hoje nada faz
senão confirmar as palavras de Paulo. Aquele que vive a experiên-
cia religiosa precisa passá-la adiante, dar seu testemunho, espa-
lhar a emoção vivida, semear o caminho por onde passa. Essa di-
mensão narrativa do ser humano é cada vez mais levada em conta
na pastoral. As histórias dos grupos e dos indivíduos participantes
dos grupos são contadas e repetidas de modo a construir monu-
mentos sólidos de fé e esperança.

8. EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E RELIGIOSIDADE


Para finalizar esta unidade, convém enfatizar que as expe-
riências religiosas refletem nossa própria natureza. Estudos bas-
tante atuais, como os de Jorge Cláudio Ribeiro (2009), teólogo e
professor do Departamento de Teologia da PUC de São Paulo, mos-
tram a importância de se estudar a religiosidade para a Educação
em geral e a pastoral em particular. Em suas palavras:
Sendo a religiosidade uma energia humana, ela é educável e pode
ser uma poderosa aliada no processo educativo, seja este laico ou
formalmente religioso, tanto faz. Às vezes vivenciada de modo não
consciente, a religiosidade é decisiva para o jovem mergulhar em
seu presente e abrir-se para o além de si (a sociedade, seu futuro,
o transcendente).
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Educadores contemporâneos, em especial aqueles com for-


mação em psicologia, sabem da importância do ensinar a trans-
cender e são muito criativos na elaboração de material didático
para formar outros educadores.
É no contato com o que se produz hoje em Educação e Reli-
gião que você aprofundará os conhecimentos deste curso.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Existe experiência religiosa que não contenha emoção?

2) Toda experiência que contém emoção é uma experiência religiosa?

3) A experiência religiosa comporta sempre dois polos em relação. Quais são


eles?

4) Quais são as dimensões da experiência religiosa elencadas pelos pesquisa-


dores Glock e Stark?

5) Quais são os núcleos experienciais elencados pelos mesmos pesquisadores?

6) O que são as EA e as EAC?

7) Você considera possível alguém viver uma experiência religiosa e não ser
transformado por ela?

8) Como você aproveita tudo o que aprendeu nesta unidade para orientar
agentes pastorais? Que ideias surgem na mente para que você atue direta-
mente com os fiéis?

9) Tente recordar uma experiência religiosa vivida em primeira pessoa (eu sen-
ti; eu vi; eu percebi) e faça o relato por escrito. Observe como as emoções
retornam e também se transformam à medida que você realiza a tarefa.

10) Se você tivesse nascido na China e não tivesse tido contato com a doutrina
cristã, suas experiências seriam semelhantes às experiências religiosas vivi-
das por aquela cultura?

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10. CONSIDERAÇÕES
Com o estudo desta unidade, você pôde compreender as di-
ferentes modalidades de experiência religiosa e/ou mística através
de vários relatos de pesquisas. Você pôde ainda entender que ex-
periência religiosa e emoção caminham juntas. Eu mesma vivi uma
experiência religiosa com base em um sonho relacionado à minha
história de vida. Por esse motivo, incluí a referência na bibliografia
(MASSIH, 2004).
Finalmente, vimos que experiências religiosas podem ser in-
dividuais ou grupais, sempre estarão ligadas à vivência do sagrado,
fazem parte do caminho para o amadurecimento espiritual e sem-
pre terão correspondência com a cultura na qual se dão.
Na Unidade 3, estudaremos alguns teóricos da Psicologia da
Religião. Não será possível abarcar toda a diversidade de escolas
e visões, principalmente no início deste século 21, em que a Psi-
cologia da Religião está em franca evolução. Esperamos por você!

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


JUNG, C. G. Psicologia e religião. São Paulo: Vozes, 1978.
LOTUFO NETO, F. Influências religiosas sobre a psicoterapia. In. PAIVA, G. J.; ZANGARI, W.
A representação na religião: perspectivas psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004.
MASSIH, E. Emoção e experiência religiosa. In. Espaços. v. 12, n. 1, p. 71-77, mar., 2004.
PAIVA, G. J.; ZANGARI, W. A representação na religião: perspectivas psicológicas. São
Paulo: Loyola, 2004.
ORTEGA, F. Self e continuidades: entre Winnicott e William James. In: BEZERRA, J. B.;
ORTEGA, F. Winnicott e seus interlocutores. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007, p.
126-165.
OTTO, R. O sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o
racional. São Leopoldo: Sinodal, 1992.
SAFRA, G. Perspectivas do manejo clínico da experiência religiosa. In. ARCURI, I. G.;
ANCONA-LOPEZ, M. (Orgs.). Temas em psicologia da religião. São Paulo: Vetor, 2007, p.
77-90.
VALLE, E. Psicologia e experiência religiosa. São Paulo: Loyola, 1998.
________. Estados alterados de consciência, experiências anômalas e psicoterapia. In.
SAVIO, A. et ali. Religiosidade e psicoterapia. São Paulo: Roca, 2008, p. 81-100.

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