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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de História

ALEXSANDRO ANDRÉ PEREIRA DE LIMA

DITADURA MILITAR E IMPRENSA ALTERNATIVA:

O Pasquim como instrumento de resistência ao Regime

Recife

2015
ALEXSANDRO ANDRÉ PEREIRA DE LIMA

DITADURA MILITAR E IMPRENSA ALTERNATIVA:

O Pasquim como instrumento de resistência ao Regime

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


pelo aluno Alexsandro André Pereira de
Lima, como requisito para obtenção do título
de Bacharel em História pela UNIVERSIDADE
FEDERAL DE PERNAMBUCO no período
letivo 2015.1, sob a orientação da Profª. Drª.
Ana Maria Barros dos Santos.

Recife
2015
ALEXSANDRO ANDRÉ PEREIRA DE LIMA

DITADURA MILITAR E IMPRENSA ALTERNATIVA:

O Pasquim como instrumento de resistência ao Regime

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de


Bacharel em História pela Universidade Federal de Pernambuco,
submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes
membros:

_______________________________________________________
Professora Orientadora

____________________________________________________
Professor (a) Examinador (a)

______________________________________________________
Professor (a) Examinador (a)

Recife

2015
A Deus, por suprir todas as minhas
necessidades. Sou grato a Ele por tudo.

A minha esposa, Uérica, leal companheira


e por mim muito amada! Grato sou pela
sua imensa e constante colaboração.
AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Profª. Drª. Ana Maria Barros dos Santos, pelo constante apoio,
pela grande paciência, pela confiança, pela amizade, pelo constante incentivo, por
contribuir de forma valorosa em minha formação acadêmica, para mim é uma honra.

A minha mãe, Estelita, que tanto lutou para eu tivesse uma boa base educacional, a
ela, que me ensinou a escrever as primeiras letras, a ela, que me ensinou a ser uma
pessoa de bem. Aos meus demais familiares, que se orgulharam de mim, por este
momento que vivo.

A minha sogra, Iracema, e a minha cunhada, Edineia, por acreditarem que eu era
capaz de chegar até aqui.

Aos meus amigos José Senyr e Weydson, pelo incentivo e apoio.

A coordenação do curso de História, pela tão grande tolerância, no momento em que


mais necessitei.
RESUMO

Tivemos a oportunidade de analisar o jornal O Pasquim como órgão da imprensa


alternativa, examinando alguns exemplares do período que compreende os anos de
1969 a 1975, e com o apoio bibliográfico, investigamos a presença de um jornal
satírico em momento de censura à Imprensa. Analisamos o contexto de surgimento
de O Pasquim e tivemos uma melhor compreensão de como este semanário fazia
oposição ao Regime Militar imposto no Brasil, transmitindo aos seus leitores, uma
informação baseada na sátira e no humor.

Palavras-chaves: O Pasquim, Regime Militar, Ditadura, Censura, Imprensa


Alternativa.
ABSTRACT

We had the opportunity to analyze the newspaper O Pasquim as of the alternative


press organ, examining some copies of the period which comprises years 1969 to
1975, and bibliographic support, we investigated the presence of a satirical
newspaper in time to censure the press. We analyze the context in which emerged
O Pasquim and we had a better understanding of how this weekly newspaper was
opposed to the Military Regime imposed in Brazil, transmitting to your readers,
information in the satire and mood.

Keywords: O Pasquim, Military Regime, Dictatorship, Censure, Alternative Press.


“Porque, quando estou fraco, então, sou forte.”

(Apóstolo São Paulo)


LISTA DE SIGLAS

AI-2 – Ato Institucional 2

AI-5 – Ato Institucional 5

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

CEB – Confederação Evangélica do Brasil

CNV – Comissão Nacional da Verdade

DCDP - Divisão de Censura de Diversões Públicas

DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de


Defesa Interna

DPF – Departamento de Polícia Federal

EUA – Estados Unidos da América

IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

PCB – Partido Comunista Brasileiro

SNI – Serviço Nacional de Informações

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

URSS – União das Republicas Socialistas Soviéticas

USA – United States of America


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Sigmund: pasquinize-se...........................................................................35

Figura 2 – Atenção Topo Gigio..................................................................................37

Figura 3 – “Aqui Não!”................................................................................................38

Figura 4 – Millôr e a autocensura II............................................................................39

Figura 5 – Millôr e a autocensura III...........................................................................40

Figura 6 – O lobo e o cordeiro....................................................................................43

Figura 7 – Deu no jornal.............................................................................................44

Figura 8 – Zombando da censura prévia...................................................................48

Figura 9 – Artigo: “Faz 25 anos..................................................................................49

Figura 10 – O presidente, o intérprete e o visitante...................................................51

Figura 10A – Diálogo entre o presidente, o intérprete e o visitante...........................52

Figura 11 – Dica de Mulher........................................................................................54

Figura 12 – Capa Aqui PE 25/03/2000.......................................................................55

Figura 13 – Satirizando o Capitão América................................................................57

Figura 14 – Satirizando o Homem de Ferro...............................................................58

Figura 15 – Jogo dos 11 erros do Apolo 11...............................................................59


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

1.Anos de Chumbo...................................................................................................19

1.1. Uma Revisão Necessária....................................................................................19

1.2. Ditadura, Imprensa e Censura: precisa-se de uma alternativa...........................23

2. O Pasquim: um hebdomadário anarquista........................................................29

2.1. Da Criação à Prisão: as desventuras de um “nanico”.........................................29

2.2. David x Golias: a censura ao Pasquim!..............................................................32

3. O PASQUIM: afinal, como criticava o jornal?...................................................34

3.1. É preciso “pasquinizar-se”!..................................................................................34

3.2.O Pasquim: sátira, humor e irreverência como símbolo de resistência..............47

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................60

REFERÊNCIAS..........................................................................................................63

ANEXOS....................................................................................................................66
12

INTRODUÇÃO

Com a instauração da chamada Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelo


Governo Federal, a temática “Regime Militar no Brasil”, tomou um novo impulso com
a leva de pesquisadores dispostos a abordarem esse tema. A referida Comissão, ao
longo de três anos, ficou responsável, pela pesquisa, análise e apuração dos fatos
ocorridos no período ditatorial brasileiro (1964-1985), tendo como foco as denúncias
de desrespeito aos direitos humanos. Ao final dos trabalhos, foi redigido um
documento, esclarecendo a opinião pública a respeito da verdade desse período
sombrio da história do Brasil.
O que aconteceu com os perseguidos pelo Regime e posteriormente
desaparecidos? A prática da tortura era um dos expedientes utilizados nos
interrogatórios dos presos políticos? Onde ocorriam tais práticas? Quem eram os
torturadores? Questões como essas, a Comissão Nacional da Verdade, após
exaustivo trabalho, respondeu, não só aos parentes dos presos e desaparecidos,
como também à sociedade, através do seu Relatório final1.
Ao longo dos últimos anos, uma série de livros e artigos sobre o período em
tela, tem trazido os resultados de novas pesquisas realizadas em todo o território
nacional. Assim, discutindo esses novos autores, em sala de aula, tomamos
conhecimento de um tipo de Imprensa que, durante o período militar, teve uma
importante atuação: a chamada Imprensa Alternativa.
Sabe-se que a censura à Imprensa escrita e falada; à liberdade de expressão;
às artes; etc. foi uma prática do regime ditatorial no Brasil. A censura, no entanto,
apesar de muito forte, foi desafiada pelos jornais que fizeram parte da Imprensa
Alternativa, que, apesar de serem pequenos (“nanicos”), conseguiram, com
criatividade, discutir problemas que, naquele momento se passavam, tanto no Brasil,
como também no mundo. Esses jornais conseguiram, através de um grande esforço

1
A CNV foi instituída mediante a Lei Federal 12.528/2011, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 18
de novembro de 2011. Enquanto realizávamos as atividades pertinentes ao desenvolvimento deste trabalho, o
relatório final da Comissão Nacional da Verdade foi entregue à presidente Dilma Rousseff no dia 10 de
dezembro de 2014, no entanto, resolvemos manter o texto original do trabalho não incluindo as novas
informações advindas do resultado final do relatório elaborado pela CNV. Nosso objetivo foi evitar a ocorrência
de um longo discurso sobre a CNV e seu relatório final que não são o objeto de estudo da pesquisa apresentada
aqui neste trabalho, a CNV foi apenas mencionada como forma de introduzir a atualidade do tema proposto por
este trabalho. O relatório final da CNV está disponível em <http:// http://www.cnv.gov.br/>.
13

– e com os seus colaboradores correndo um grande risco – encontrar uma maneira


de denunciar as arbitrariedades praticadas pelo regime. De que forma isso era feito?
Como era entendido pelo seu público leitor? Haveria algum código para denunciar
aos leitores a censura sofrida? Qual a reação das autoridades do regime e da
sociedade, diante do propósito da imprensa, dita alternativa? Foi dentro desse
contexto que se desenvolveu nossa pesquisa.
Os jornais alternativos nos chamaram a atenção, pela sua versatilidade de
propósitos, sendo todos merecedores de ser objeto do historiador, preocupado com
a história recente do país. No entanto, entre os vários jornais, optamos por
desenvolver nossa pesquisa no Pasquim, jornal satírico, que marcou forte presença
em um período de censura à Imprensa. Com esse propósito, faremos uma análise
do contexto histórico em que surgiu o referido jornal; examinando, em seguida, a
gama de temas abordados nas charges do jornal, em suas entrevistas, em seus
editoriais, nas cartas dos leitores e outras sessões, que serão de grande valia na
nossa análise. Temos certeza que o presente estudo será enriquecedor para a
historiografia do período.
Sabe-se que a Imprensa exerce um papel de grande importância como meio
de comunicação na sociedade, divulgando e analisando os fatos que ela precisa
saber. O problema é que, nem sempre a imprensa é livre, no sentido amplo do
termo. Uma imprensa totalmente livre ainda é um sonho, um conjunto de palavras
fantásticas que serve para dar uma expectativa de credibilidade com relação às
notícias divulgadas pelos meios de comunicação. Na realidade, na história, nos
diferentes meios culturais em que estão inseridos os povos, a Imprensa, em algum
momento, serviu para atender os interesses de determinado grupo, ou a interesses
particulares. Em outros momentos, que não foram poucos, ela esteve controlada
pelo poder do Estado, não podendo se colocar contra os interesses do mesmo ao
qual estava subalterna. Foi nas amarras da censura que muitos profissionais de
Imprensa, sentiram o que era não ter liberdade de falar, de criar, de escrever ou
publicar.
Este trabalho, então, traz à tona, um momento da história do Brasil, que vai
de 1964 a 1975, quando estava em vigor o Regime Militar, que teve como
característica, uma forte censura do Estado aos os meios de comunicação. Neste
momento, nem a chamada grande Imprensa, poderia divulgar notícias que não
fossem de acordo com os interesses dos militares. Diante dessa situação, alguns
14

jornalistas vão criar periódicos, cuja proposta seria a de denunciar o Regime,


divulgando as notícias, em um grande esforço no sentido de driblar a censura.
Analisar essa imprensa alternativa, como já salientamos, especificamente o
PASQUIM, jornal satírico que se destacou no período, é o objetivo do nosso
trabalho. As suas charges, entrevistas, os artigos dos seus colaboradores, assim
como algumas sessões, presentes em alguns números do jornal, constituem uma
fonte riquíssima para o pesquisador.
Diante do exposto, algumas questões surgiram e que serviram de ponto de
partida para este trabalho: como se deu o surgimento da Imprensa alternativa?
Quais as formas de reação do governo a essa forma de jornal? Neste mesmo
momento, como se comportava a chamada grande imprensa (O Estadão, A Folha de
São Paulo, O Globo, etc.)? Qual a reação da citada imprensa, diante dos
alternativos? Como reagia a sociedade diante da proposta de “O Pasquim”? Quem
fazia “O Pasquim”? Qual a importância da existência de “O Pasquim” na história da
imprensa brasileira? Com estas questões norteadoras, empreendemos a nossa
pesquisa e que agora apresentamos na forma de Monografia.
O surgimento da Imprensa Alternativa, no período ditatorial Brasileiro (1964-
1985), está atrelado à associação de profissionais da imprensa e de grupos
políticos, que se recusaram a se submeter aos caprichos da censura imposta pelo
Regime; assim criaram os chamados jornais alternativos, como forma de oposição
ao Governo, numa tentativa de denunciar as arbitrariedades praticadas pelos seus
agentes. Sendo assim, evidentemente, tais jornais não foram bem quistos pelo
Governo, que agiu sempre no sentido de reprimi-los. Diante da censura à Imprensa,
os jornais alternativos tiveram que se utilizar do gênio criativo de seus
colaboradores. No caso de O Pasquim, por exemplo, essa criatividade foi traduzida
em charges de um humor satírico, que influenciaram toda uma geração de
cartunistas. Atualmente, só é possível entender o código proposto pelas charges
contidas no referido jornal, compreendendo o contexto histórico em que as mesmas
foram criadas por seus autores. Neste contexto histórico, certamente, está inserida
uma sociedade, onde os indivíduos receberam a proposta de O Pasquim de forma
diferenciada, ora aprovando, ora desaprovando o seu conteúdo.
O Pasquim não ficaria sem registrar em suas páginas a existência de um dos
instrumentos mais repugnantes utilizados pela Ditadura Militar que foi o AI-5 (Ato
institucional 5) e que deu o poder total à execução da censura prévia. As notícias
15

dadas seriam como oposição ao ato autoritário governamental, evidente que o


Governo tomou medidas para reprimir todos os atos de oposição a ele, a posição de
O Pasquim não foi agradável ao Regime que confiscaria uma quantidade
significativa de exemplares do referido jornal. Por trás de tamanha criatividade
exposta nas suas charges, estavam homens dispostos a não silenciarem diante da
censura imposta pelo Regime Militar aos órgãos da Imprensa. Esses chargistas
deixaram sua marca na História do Brasil por meio das páginas de O Pasquim, onde
suas charges debochadas, suas frases satíricas, registraram a oposição ao Regime
Militar, procurando transmitir aos seus leitores, que a possibilidade da democracia
como regime de governo, ainda era o melhor caminho para o Brasil.
No que diz respeito à historiografia, o tema Imprensa Alternativa, ainda está
longe de ser devidamente explorado pelos historiadores que se ocupam da história
recente. No entanto, alguns livros já foram escritos e, pela importância do tema, não
podem ficar de fora de qualquer estudo que se queira fazer sobre o tema. O primeiro
é o livro Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da imprensa alternativa,
escrito por Bernardo Kucinski, jornalista atuante no OPINIÃO, o jornal mais
representativo desse tipo de imprensa2. Kucinski mostra, na sua obra, como ficou a
situação da Imprensa no período ditatorial, não desviando do foco do que propõe em
seu trabalho que é apresentar, com a responsabilidade de alguém que viveu o
período, uma história da imprensa alternativa, com seus precursores e
protagonistas, além das motivações que levaram o grupo a ter a ideia da criação
desse tipo de periódico. Kucinski oferece ao leitor o que ele entende como um início
sem deixar de chegar no que ele chama de “O Fim do Ciclo Alternativo” (KUCINSKI,
1991, p. 117), procurando apresentar a trajetória da dita imprensa, e não a história
de um periódico especifico, daí a sua importância para o nosso trabalho.

2
“Opinião foi um semanário que circulou entre 23 de outubro de 1972 e 8 de abril de 1977. Chegou a atingir a
tiragem de 38 mil exemplares semanais em seu primeiro ano, aproximando-se à tiragem da revista Veja, tamanha
sua repercussão no cenário nacional. Destacou-se, ao lado dos jornais O Pasquim e Movimento, como um jornal
ligado à imprensa alternativa concentrando-se na veiculação de artigos escritos por jornalistas e intelectuais de
oposição ao Regime Militar. Opinião resistiu a quatro anos e meio de pressões: 221 edições foram feitas sob
censura prévia. Contam os envolvidos que em alguns casos, mais da metade do jornal era censurada, obrigando-
os a escreverem sempre mais matérias do que o necessário. Em sua penúltima edição, o jornal anunciava que o
próximo número só seria lançado se estivesse livre de censura. Desta forma, a edição 231 foi lançada sem ter
sido submetida à avaliação prévia pela censura federal, em Brasília, como ocorria normalmente. Na sequência,
os exemplares foram apreendidos nas bancas, e o jornal encerrou suas atividades.” (Texto adaptado. Original em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Opinião_(jornal), acesso em 09/08/2015.)
16

Outra obra que destacamos como primordial é Imprensa Alternativa –


Jornalismo de oposição e inovação, de Rivaldo Chinem. Em sua obra, Chinem
analisa a história da imprensa alternativa no Brasil de uma forma bem mais concisa
que Kucinski. O seu trabalho, todavia, não perde sua importância historiográfica. Na
sua obra, o autor conclui que os alternativos inovaram a maneira de fazer imprensa3,
e, referindo-se ao Pasquim, diz que “O Pasquim modificou a linguagem jornalística
ao escrever como se falava, e isso influenciou até a propaganda no Brasil. Liberou
todo mundo; usou palavrões que daí em diante podiam ser falados e publicados [...]”
(CHINEM, 1995, p. 49)4.
No que diz respeito a trabalhos específicos sobre O Pasquim, existe a tese de
Márcia Neme Buzalaf sob o título de A Censura no Pasquim (1969 –1975): as
vozes não silenciadas de uma geração, que dá ênfase à censura feita ao jornal
durante os governos militares. Segundo a autora
A imprensa alternativa, fortalecida pela atenção dada pelos militares aos
jornais comerciais, pela intensificação dos novos grupos culturais e pela
forma menos empresarial de sua gestão, criou um importante espaço de
resistência e expressão de uma geração no final dos anos 60 e começo dos
anos 70. (BUZALAF, 2009, págs. 15-16)

Buzalaf salienta o que outros autores já haviam concluído que a Imprensa


Alternativa representava uma forma de resistência ao Estado autoritário e,
neste contexto, o Pasquim mostrava essa resistência pelo exercício da sátira
e do humor e, com essa linguagem, conseguiu sobreviver à censura imposta
pelo regime por vários anos quando diz que “o jornal só sobreviveu porque fazia
parte de um grupo cultural forte e disposto a ajudar em sua produção, e porque
dispunha de uma linguagem fundamentada no humor” (BUZALAF, 2009, p. 14).
Outra pesquisa que traz ainda O Pasquim como tema é a dissertação de
Natali Gisele de Oliveira, que tem por título Entre o Engajamento e o Desbunde5:

3
Propomos que fazer imprensa seria a forma de gestão das redações dos jornais, a maneira de organização do
conteúdo deles, a relação entre os colaboradores, a linguagem jornalística, entre outras questões.
4
Sobre isso Buzalaf também expõe que “além de conseguir sobreviver muito mais do que qualquer periódico da
imprensa alternativa, e de ter ido além do seu ambiente de origem, o Pasquim mudou alguns preceitos de
produção jornalística. Ignorou as técnicas tradicionais, tirou o formalismo do texto jornalístico utilizando o
humor como linha editorial. E não poderia ser diferente, já que grande parte dos jornalistas que se juntaram para
produzir o semanário já vinha de experiências com o jornalismo humorístico” (BUZALAF, 2009, p. 16).
5
Em nota de rodapé exposta em sua dissertação, a autora expõe que “as primeiras aparições dos tropicalistas
Caetano Veloso e Gilberto Gil com a inserção de instrumentos elétricos e uma linguagem musical que mesclava
ousadia e inovação, foram tratadas como antinacionalistas e descoladas da realidade social, daí o próprio termo
‘desbunde’ [grifo do autora], que, segundo parte da mídia, retratava um deboche cru, sem intenções políticas”
(OLIVEIRA, Natali. 2007, p. 73)
17

resistência e deboche no Pasquim (1969-1979), que se preocupa em analisar a


cultura e a contracultura, propostas pela geração apresentada pelo jornal. Seguindo
esse conceito a autora faz uma análise da linguagem irreverente e debochada
defendida pelo jornal. Oliveira analisa também a atuação do jornalismo contracultural
e da imprensa alternativa, sem deixar de lado uma discussão sobre a cultura política
dos anos 1970, representada no Pasquim, defendendo ainda “o uso do humor como
alternativa ao desgaste das formas tradicionais de participação e intervenção social
e política” (OLIVEIRA, Natali. 2007. p. 11).
Outro trabalho que nos serviu de referência foi o de João Henrique de
Castro de Oliveira que aborda também a contracultura: Do underground brotam
flores do mal – Anarquismo e contracultura na imprensa alternativa brasileira
(1969-1992), analisando o conceito de contracultura, presente nas páginas do
hebdomadário. A leitura desta obra foi importante para uma melhor compreensão da
proposta do referido jornal. Já a obra Gêneros Discursivos Iconográficos de
Humor no Jornal O Pasquim: uma janela para a liberdade de expressão, de
Paulo Petrini, analisa o estilo de linguagem presente no Pasquim e a maneira de
como era transmitida essa linguagem por meio de símbolos iconográficos, ou seja,
as imagens presentes no jornal e seus significados para os leitores. Embora Petrini
não tenha deixado de fazer uma abordagem histórica do tema, seu trabalho é mais
voltado para o campo da Comunicação Social. O que tornou a leitura do seu
trabalho significativa para nossa análise foi à exposição feita pelo autor, com relação
à interpretação dos códigos, presentes na linguagem iconográfica do jornal, o que
nos permitiu uma melhor leitura das charges e demais imagens presentes nas
páginas de O Pasquim.
Na elaboração do nosso trabalho, seguimos o procedimento metodológico
usual da escrita de um trabalho monográfico. Em primeiro lugar, tivemos a
preocupação de fazer a leitura de uma bibliografia que aprofundasse o nosso
conhecimento do período, já estudado na disciplina Brasil República, situando nele,
o surgimento da Impressa Alternativa. Isso nos permitiu contextualizar,
consequentemente, o aparecimento d’O PASQUIM, objeto da nossa pesquisa. No
sentido de aprofundar a prática da pesquisa histórica, nos debruçamos nos originais
do jornal, esse contato com os exemplares d’ O Pasquim, gentilmente cedidos pela
professora Ana Maria Barros, de seu acervo pessoal; foi deveras emocionante e
gratificante. Foi como estar presente aos acontecimentos do período, objeto do
18

nosso estudo. Dessa pesquisa, nos utilizamos de artigos e imagens trazidas pelo
Jornal na construção da nossa análise.
Neste trabalho, em seu primeiro capítulo, detivemo-nos em fazer um
panorama do período ditatorial no Brasil, que teve como característica o
autoritarismo do Estado e a Censura imposta aos órgãos de Imprensa, incluindo aí,
o surgimento da Imprensa Alternativa. No segundo capítulo, fizemos um breve
histórico de O Pasquim, órgão da Imprensa Alternativa, procurando identificar a linha
e corpo editorial, a sua estrutura; seus cartunistas; os colaboradores, a relação do
jornal com a censura. No terceiro capítulo, fizemos a análise dos temas abordados e
sua forma satírica de apresentação, em artigos, entrevistas, charges e cartuns,
contidos nas seções do jornal – inclusive a seção cartas ao leitor – material deveras
importante para o historiador da nossa história recente.
Com este trabalho, procuramos dar uma contribuição, para um melhor
conhecimento do período autoritário, vivido pela sociedade brasileira, nos anos que
vão de 1964 a 1985. Foi nossa intenção, salientar no mesmo que é possível,
utilizando as armas do humor e da sátira, como fez O Pasquim, registrar os fatos da
história do Brasil.
19

1. ANOS DE CHUMBO

1.1. Uma Revisão Necessária

Neste capítulo analisamos o contexto histórico do surgimento de “O Pasquim”,


como jornal da imprensa alternativa. Não é nossa proposta a explanação dos fatos
que antecederam e consolidaram o Golpe de 1964, que culminou com a deposição –
ato executado pelos militares sendo apoiados por segmentos da sociedade civil – do
então presidente João Goulart6; no entanto, recomendamos a leitura da obra
1964: A Conquista do Estado – ação, poder e golpe de classe de René Armand
Dreifuss, que analisa, como a elite orgânica7 se organizou em um bloco comum a
fim de desestabilizar as estruturas do Governo Goulart, por meio de uma verdadeira
guerra ideológica, onde a atuação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

6
João Belchior Marques Goulart nasceu em São Borja (RS), no dia 1º. de março de 1919, filho de Vicente
Rodrigues Goulart e de Vicentina Marques Goulart. Desde criança recebeu o apelido de Jango, comum no sul do
país. Formado em direito em 1939, não quis exercer a advocacia, regressando logo a São Borja para dedicar-se a
atividades agropecuárias. Em 1943, com a morte do pai, assumiu definitivamente a responsabilidade de gerir os
negócios da família. [...] Em 5 de julho (1961), a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que autorizava a
viagem de Goulart na delegação econômica que seria enviada ao Leste Europeu e ao Oriente. Em Paris, ele se
juntou aos demais integrantes da missão. Em 25 de agosto, chegaram a Cingapura, onde receberam um telegrama
informando sobre a renúncia do presidente Jânio Quadros na manhã daquele dia e solicitando a volta do vice-
presidente ao Brasil. Entretanto, a perspectiva da volta de Goulart abriu uma profunda crise no país, pois os
ministros militares formaram uma junta e, contando com o apoio de importante parcela das forças armadas e de
um grupo de civis visceralmente antigetulistas, vetaram a posse do vice-presidente sob a alegação de que ela
significaria grande ameaça à ordem e às instituições, colocando o país no rumo de uma guerra civil. No dia 29 de
agosto (1961), o Congresso Nacional rejeitou o pedido de impedimento apresentado contra a posse do vice-
presidente e começou a discutir uma solução conciliatória. Em 1º. de setembro Jango desembarcou em Porto
Alegre, sendo recebido com enorme manifestação popular. No dia seguinte, o Congresso aprovou a Emenda
Constitucional que instalou o parlamentarismo, limitando os poderes presidenciais. Nesse mesmo dia Goulart
embarcou para a capital federal, cercado de um rigoroso esquema de segurança. Finalmente, no dia 7 de
setembro de 1961 foi empossado na presidência da República [...] No dia 6 de janeiro de 1963, cerca de
11.500.000 dos 18 milhões de brasileiros aptos a votar compareceram às urnas para decidir sobre o tipo de
regime político que o país deveria adotar. O resultado favoreceu o presidencialismo por larga margem. Investido
dos poderes atribuídos ao presidente pela Constituição de 1946, Goulart nomeou um novo ministério [...] No dia
20 de março (1964) Castelo Branco lançou uma circular reservada aos oficiais do estado-maior e das suas
organizações dependentes, alertando a oficialidade para as ameaças que as recentes medidas de Goulart traziam.
Na madrugada de 31 de março (1964) o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar,
sediada em Juiz de Fora (MG), iniciou a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro. Assim, na noite
do dia 1º de abril (1964) – grifos nossos –, Jango viajou para o Rio Grande do Sul com o objetivo de organizar a
resistência e defender o poder legal. Contudo, em Porto Alegre, decidiu-se por deixar o país, ao reconhecer que
lutar para manter o governo significaria desencadear uma guerra civil. No dia 4 de março de 1964 desembarcou
no Uruguai em busca de asilo político. Estas são algumas informações sobre João Belchior Marques Goulart.
Disponível em: <http:// cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/joao_goulart>. Acesso em: 06 de
setembro de 2015.
7
Termo utilizado por Dreifuss referindo-se à elite politicamente instruída e capaz de mobilizar uma ação política
frente ao governo por meio de organizações detentoras de uma ideologia liberal e de direita. Essas organizações
eram a própria elite orgânica em ação.
20

(IPES)8 foi decisiva para a divulgação da ideologia da dita elite e, por conseguinte,
da doutrinação de parcela significativa da sociedade brasileira naquele momento.
Essa elite orgânica representava os interesses multinacionais e associados, tendo
como objetivo comum modelar as forças sociais burguesas em uma classe, ou seja,
unir a burguesia em um único grupo, o mais homogêneo possível, com idéias
formuladas, que justificassem uma ideologia própria do grupo e, como objetivo final
desse processo, transpor o poder privado dos interesses multinacionais e
associados para o Brasil. Esses objetivos, se efetivariam com a implantação do
Estado autoritário que se deu concretamente com o Golpe de 649. Para tanto foi com
a mobilização das classes médias, que o IPES conseguiu a sua mais significativa
conquista, pois, a mobilização das classes médias era sobre tudo uma campanha
ofensiva, projetada para acentuar o clima de inquietação e insegurança e dar a
aparência de um apelo popular às Forças Armadas (DREIFUSS, 1981, p.291). Com
esse fato, seguiu-se um período de instabilidade, nas relações políticas.
O modelo golpista brasileiro teve suas peculiaridades históricas. Diferente de
um golpe de Estado clássico, onde o ditador assume o poder totalmente, no Brasil,
ao contrário, com a ditadura, ocorreu uma “partilha” de poder, como veremos mais
adiante. O Golpe de 1964 foi dado com a justificativa de “estabilização política”,
diante da possibilidade da realização de um golpe da esquerda. Efetivado o Golpe,
veio a grande surpresa para a sociedade: os militares, com o argumento de manter a
segurança nacional, se recusaram a sair do poder de imediato. Castelo Branco, que
assumira o poder como Presidente, quis apenas terminar o mandato do presidente
deposto. Em seu governo foi instituído o AI-2 (Ato Institucional 2), que daria as
características básicas do modelo golpista brasileiro. Segundo SKIDMORE, o
principal propósito do AI-2, com duração prevista até 15 de março de 1967 (fim do
mandato de Castelo), era tornar difícil qualquer vitória eleitoral da oposição

8
O IPES foi criado por um grupo contrário às propostas governistas; esse grupo precisou criar uma estrutura
capaz de minar a base em que se consolidava o Governo Goulart. Com esse intuito o IPES tinha como objetivo o
estudo das chamadas reformas de base propostas pelo Presidente da República e pela Esquerda, segundo
Dreifuss, a partir do ponto de vista de um tecnoempresário liberal. Para o público em geral, o IPES professava
promover a educação cultural, moral e cívica dos indivíduos, desenvolver e coordenar estudos com o objetivo de
promover o bem estar social e progresso econômico por meio de pesquisa objetiva, “o lado encoberto”, segundo
Dreifuss, coordenava uma campanha política, ideológica e militar. O IPES reunia associações de classe,
sindicatos comerciais e industriais, grupos de pressão, escritórios de consultoria, ativistas militares e facções
políticas de centrodireita.
9
Ver: DREIFUSS, René Armand. A Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 3ª ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1981.
21

(SKIDMORE, 1988, p. 101). O Presidente, o Vice-Presidente e todos os


Governadores, seriam eleitos indiretamente. Os primeiros, pelo Congresso e os
Governadores pelas Assembleias Legislativas (SKIDMORE, 1988, p. 101). Nesse
período também foi instituído o sistema bipartidário, onde a ARENA (Aliança
Renovadora Nacional) era o partido do governo e o MDB (Movimento Democrático
Brasileiro) era o partido que englobava os oposicionistas dispostos a fazer uma
oposição bem comportada. A existência desses partidos daria a aparência de
democracia ao Regime.
A Ditadura Militar que se estabeleceu no Brasil, não foi uma ditadura de um
homem só, ela foi “compartilhada”. A função do Congresso, nesse sistema, era
confirmar a indicação do “Presidente da República”, militar, escolhido pelos
Comandos Militares das diversas regiões do país. Isso se devia ao fato dos militares
brasileiros valorizarem o legalismo, na tentativa de legitimar o ilegítimo. A concepção
ideológica dos militares compreendia que; para que a Ditadura não ficasse com cara
de uma ditadura, e sim, de um regime político normal (daí o termo Regime Militar), o
“presidente” – na verdade, o ditador – seria escolhido dentre aqueles que tinham
como responsabilidade, garantir a segurança nacional (os militares); este escolhido
seria indicado ao Congresso – que, sem direito de escolha – iria confirmar a
indicação. Visto que o Congresso era composto pelos representantes do povo
brasileiro, pois as eleições diretas para as legislaturas foram mantidas, com essa
“manobra política”, os militares visavam legitimar o processo de eleição indireta para
os outros cargos, principalmente o de Presidente da República, indicado pelos
militares, mas, “consagrado” pelos representantes do povo. Essa “eleição” para
“presidente” deveria ocorrer com certa periodicidade. Esgotando-se o “mandato
presidencial”, um sucessor, militar, evidentemente, deveria ser novamente escolhido,
passando pelo mesmo processo.10 Sendo assim, no Brasil não houve a ditadura de
apenas um ditador, houve uma ditadura militar, ou seja, uma ditadura das Forças
Armadas.
O período que se segue, após o Golpe é tenebroso e cheio de incertezas para
os cidadãos brasileiros. Os militares estabeleceram uma política baseada na
Doutrina de Segurança Nacional, visando banir qualquer tentativa oposicionista que

10
Uma vez sacramentado o Golpe, era necessário legitimar o regime; para tanto se estabeleceu um modelo
golpista com “cara de democrático” e popular, mas em sua essência, se não fascista, seria no mínimo autoritário,
nunca, jamais, democrático.
22

colocasse em risco a estabilidade do Regime. Assim, nesse sentido, de acordo com


a referida doutrina, estabeleceu-se uma verdadeira “caça as bruxas”, pela qual
qualquer integrante e/ou simpatizante da esquerda, era considerado comunista, e,
portanto, um inimigo da Pátria. O mesmo equivaleria para qualquer um que se
opusesse à política dos militares, mesmo que não fosse acusado de comunista,
seriam, no mínimo, chamados de subversivos11. Tendo em vista que, nomes como o
do então Governador de Pernambuco, Miguel Arraes, do economista Celso Furtado,
superintendente da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste),
do professor Paulo Freire, de Francisco Julião, advogado e líder das Ligas
Camponesas, dentre outros, se concentravam no Nordeste, foi nesta Região que a
repressão foi mais severa. Evidentemente, a repressão política não se limitou
somente ao Nordeste, tendo se dado em todo o país. A tortura aos presos políticos,
passa a ser utilizada, com o argumento de se obter informações vitais para a
segurança nacional. Com referência aos militantes de esquerda, Skidmore relata:
Vitoriosa a Revolução, os militares prenderam centenas deles, trazendo
muitos para o Recife, onde fica o quartel general do Quarto Exército. Alguns
foram submetidos a torturas, como o “telefone” (tapa que se aplica
simultaneamente, com as mãos em concha, nos dois ouvidos da vítima,
muitas vezes lhe estourando os tímpanos), o pau de arara (pau roliço que,
depois de passado entre ambos os joelhos e cotovelos flexionados, é
suspenso em dois suportes, ficando a vítima de cabeça para baixo e como
que de cócoras, sujeita a pancadas e choques elétricos) e o “banho chinês”
(mergulhar a cabeça da vítima em uma tina de água fervida ou de óleo até
virtualmente sufoca-la). (SKIDMORE, 1988, p. 57)

Jornais como o Correio da Manhã, que anteriormente havia apoiado o Golpe,


denunciaram esses abusos por meio de matérias que colocavam explicitamente e
em evidência o que ocorria com os presos políticos. Isso foi um choque para a
sociedade. Com a tortura, os militares conseguiram a oposição da imprensa, que
agora procurava denunciar a face autoritária do governo e os abusos praticados pela
chamada linha dura dos militares.
Era o período do arroxo salarial, dos protestos dos trabalhadores; era o tempo
dos protestos estudantis exigindo a volta da democracia e contra as reformas
institucionais do governo. Foi o momento em que Dom Helder Câmara, surgiu como
líder dos católicos progressistas, atacando a política do governo, que, segundo, eles,

11
Neste período artistas, políticos, professores e outras personalidades de destaque foram “convidadas” a saírem
do Brasil. Era a política do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, instituída com rigor logo após o AI-5 e utilizada com
intensidade, principalmente, durante o governo Médici. Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico
Buarque foram exilados, juntamente com intelectuais como Fernando Henrique Cardoso, Paulo Freire e
políticos, como o então governador de Pernambuco Miguel Arraes.
23

aprofundavam ainda mais as injustiças sociais existentes (SKIDMORE, 1988, p.


159). As notícias desses fatos veiculadas na imprensa aguçava o pensamento crítico
da sociedade em relação à legitimidade do regime imposto pelos militares, estes
entenderam a necessidade de manter o controle dos meios midiáticos. Para isso, o
instrumento utilizado foi a censura, que castrou a liberdade de imprensa que existia
no Brasil.

1.2 – Ditadura, Imprensa e Censura: precisa-se de uma alternativa.

No início do governo ditatorial, não houve de imediato uma censura aos


órgãos da imprensa. Isso vai ocorrer, a partir de dezembro de 1968, quando o
General Costa e Silva, ocupando a Presidência da República, emitiu o Ato
Institucional Nº 05 (AI-05), introduzindo a censura à imprensa. Os militares foram
intolerantes com a reação da mídia no exercício da crítica ao governo, daí que,
precisavam manter o controle da situação. Era natural que um governo de exceção
não precisasse de uma mídia que, com suas notícias e análises, instigasse o povo a
ter um pensamento crítico. Com o AI-05 se inicia a censura à imprensa:
[...] A censura foi introduzida, visando especialmente a televisão e ao rádio.
Importantes órgãos da imprensa, como o jornal O Estado de São Paulo e o
semanário Veja [grifos do autor], ficaram sujeitos à censura prévia (o que
significava que seus textos deveriam passar por um censor do Exército)
(SKIDMORE, 2003, Uma História do Brasil, p. 232).

Diante desta realidade, a imprensa brasileira estava em meio a um dilema: se


submeter ou não ao autoritarismo imposto pela ditadura militar. Evidentemente que,
para alguns veículos de comunicação como o Jornal do Brasil, O Globo, Correio da
Manhã e a Última Hora, essa imposição não foi tão difícil de aceitar visto que, antes
do Golpe, esses veículos de mídia foram essenciais para divulgação da ideologia
contrária ao governo do então presidente João Goulart. Neste tempo, a imprensa
dita oficial (grande imprensa), subordinada ao governo, fazia ecoar o discurso
triunfalista dos militares. É, neste contexto, que vai surgir a imprensa alternativa ou
“nanica”, sobre a qual KUNCINSKI dá o seu depoimento:
Em contraste com a complacência da grande imprensa para com a ditadura
militar, os jornais alternativos denunciavam sistematicamente as torturas e
violações dos direitos humanos e faziam a crítica do modelo econômico.
Inclusive nos anos de seu aparente sucesso, durante o chamado “milagre
econômico”, de 1968 a 1973, destoando, assim, do discurso triunfalista do
governo ecoado pela grande imprensa, gerando todo um discurso
alternativo. Opunham-se por princípio ao discurso oficial. (KUCINSKI, 1991,
p. XIII)
24

Contudo, os olhares do governo ditatorial estavam voltados principalmente


para a chamada mídia de massa (televisão e rádio), através da qual promoviam a
propaganda governista, a fim de legitimar o regime a todo custo; e, embora “o Brasil
não fosse conhecido como um país de leitores de jornais” (SKIDMORE, 2003, p.
242), essa mídia alternativa impressa, serviu para expor a crítica a um governo
ilegítimo, que chegou ao poder através de um golpe de Estado e não, através de
uma revolução, como os favoráveis ao Regime apregoavam na época.
A primeira geração de jornais alternativos surgiu pouco tempo depois do
golpe, por setores da esquerda, colocados na clandestinidade pelo novo regime.
Fariam parte desta geração de jornais “Piquete”, “Amanhã”, “Poder Jovem”,
entre outros, que tinham como inspiração o imaginário da guerrilha. Essa geração de
alternativos encerra sua participação, quando ocorre o acirramento nas
contestações ao regime, nas manifestações de rua e através da imprensa, quando
ocorrem as grandes greves operárias e o início da guerrilha urbana (1967-1968).
Diante da situação de descontrole, o Governo toma uma decisão que daria início a
um dos períodos mais sombrios da história do Brasil, com a edição e publicação do
Ato Institucional Número 5, (AI-5), já citado por nós acima.
A edição do Ato Institucional nº 5, o AI-5, às 18 horas do dia 13 de
dezembro de 1968, deu início ao período mais duro e arbitrário do regime
militar. Mesmo depois de extinto, em 31 de dezembro de 1978, no final do
governo Geisel, o AI-5 permaneceu como uma espécie de símbolo da
época. Avesso de uma carta de direitos, ele extinguiu garantias individuais
clássicas e depositou poderes extraordinários nas mãos do presidente da
República. (CHINEM, 1995, p. 12)

Foi com o AI-5, que se instalou a censura prévia à imprensa, no sentido de


amordaçá-la. Dentre os assuntos que seriam censurados estavam qualquer
reivindicação pela revogação dos Atos Institucionais; notícias sensacionalistas que
prejudicassem a imagem do Brasil no Exterior; notícias que tendessem a desnaturar
as vitórias conquistadas pelo país; referências à tensão entre a Igreja Católica e o
Estado e à agitação nos meios sindicais e estudantis, etc.
Evidentemente, para que um governo autoritário obtenha sucesso, o controle
da mídia é de essencial importância. Finalmente, o Regime mostrava a sua
verdadeira face. Não era do interesse dos militares que uma “horda” revoltada com a
“Revolução de 31 de março”, colocasse em risco a segurança nacional. Era,
portanto, imprescindível que, as mais variadas publicações estivessem sob o
controle do aparelho do Estado. Não era aceitável a publicação de um livro que
25

questionasse os princípios da dita “Revolução”, ou a publicação em um jornal ou


revista de qualquer artigo que quisesse contestar o regime.
A censura prévia instituída pelos militares, dentro da política de segurança
nacional, tinha também como ponto estratégico, obviamente, não dar destaque às
ações realizadas pelos grupos militantes da esquerda. A ideia era manter esses
ativistas, não apenas na clandestinidade, mas também, na obscuridade diante da
sociedade. Por isso as ações desses grupos, como assaltos a bancos, sequestros
entre outras, não eram divulgadas sem a censura estatal. Quando divulgadas, os
casos eram associados ao terrorismo para que desse a entender à população, que
“comunista é terrorista”.
Em um regime com essas características, o controle da mídia também
repercutia nas propagandas. Fazer apologia ao comunismo ou a dogmas de
esquerda; enaltecer personalidades do mundo comunista, ou fazer qualquer alusão
positiva às publicações reconhecidamente de esquerda, era terminantemente
impossível. Era necessário também, manter as aparências, para tanto notícias que
viessem denegrir a imagem do Brasil, eram preliminarmente proibidas de serem
divulgadas; conflitos entre a Igreja Católica e o Governo, por causas diversas (entre
tais a tortura e a miséria dos pobres), era “pecado mortal”, se chegasse uma
informação dessas ao público. Para a imprensa, segundo Chinem
A censura, de repente, inovou de modo nefasto seu método de trabalho.
Além de cortar ou suprimir reportagens, passou também a editá-las. Numa
das edições do jornal Movimento, o censor em vários trechos acrescentou à
mão, a palavra “proscrito”, “clandestino” e “extinto” sempre que aparecia a
sigla PCB (Partido Comunista Brasileiro). O censor também riscou várias
vezes a palavra “não”, transformando frases negativas em afirmativas.
(CHINEM, 1995, p. 16)

Neste depoimento podemos ver a conduta dos censores12. Evidente que,


vários jornalistas não aceitaram tamanha imposição, seja por ideologia de vida, ou
por princípios pessoais. Evidente que por não se curvarem ao regime, daí, terem
sido expurgados pela grande imprensa. Assim, tiveram que buscar um novo espaço

12
Os censores poderiam ser militares, ou civis a serviço do Governo. Em sua pesquisa, Beatriz Kushnir, diz que
“alguns dos censores, por outro lado, haviam sido jornalistas ou o jornalismo era a única atividade permitida de
ser exercida concomitantemente ao de Técnico da Censura. Além desse traço, ao concorrerem nos concursos do
DPF (Departamento de Polícia Federal) – grifo nosso – tornavam-se policiais exercendo uma atividade vista
como de cunho intelectual [grifo da autora]” (KUSHNIR, 2001, p. 35). Kushnir diz em sua pesquisa, que buscou
mapear os jornalistas de formação e atuação, que trocaram as redações pela burocracia e fizeram parte do DCDP
(Divisão de Censura de Diversões Públicas), órgão vinculado ao DPF e subordinado ao Ministério da Justiça,
como Técnicos de Censura; e os policiais de carreira que atuaram como jornalistas, colaborando com o sistema
repressivo e censor do pós-1964 (KUSHNIR, 2001, p. 26).
26

para que pudessem difundir seu trabalho, numa resistência admirável à opressão
que, não somente lhes era imposta, mas também à sociedade. Era preciso resistir,
era necessário buscar uma alternativa13.
Foi na busca dessa alternativa que esses jornalistas, “exilados da
imprensa”14, propuseram à sociedade outra possibilidade de ver o cotidiano: uma
imprensa alternativa, disposta a fazer oposição ao autoritarismo do regime. Mas,
seria um tanto enganoso achar que a imprensa alternativa foi fruto do autoritarismo
do regime, sobre isso Márcia Neme Buzalaf argumenta que,

A imprensa alternativa não nasce apenas como um resultado da repressão


política; a direta pressão econômica dos empresários de comunicação
ajudou na formação de um grupo de jornalistas (entre redatores, escritores,
ilustradores e fotógrafos) com enorme capacidade produtiva que,
lentamente, foi sendo desvinculado da grande imprensa e concebendo uma
outra forma de trabalho jornalístico. (BUZALAF, 2009, p. 124)

Basicamente, havia duas classes de jornais alternativos: aqueles


predominantemente políticos: Opinião, Movimento15, Assuntos, Amanhã,
Em Tempo; e, os voltados à crítica dos costumes e à ruptura cultural, tendo como
base ideológica os movimentos de contracultura norte americanos. Essa divisão,
proposta por Kucinski, foi mais tarde ratificada por João Henrique de Castro de

13
Sobre isso Skidmore afirma que “a censura ad hoc – do latim: como e quando necessário [grifo nosso]– que
sugira mal coordenada em dezembro de 1968, foi regularizada em março de 1969 por um decreto que tornava
ilegal qualquer crítica aos atos institucionais, às autoridades governamentais ou às forças armadas. Como se
quisessem indicar de onde achavam que se originava a oposição, os arquitetos da censura também proibiram a
publicação de noticias sobre movimentos de trabalhadores ou de estudantes. Toda a mídia foi colocada sob a
supervisão dos tribunais militares” (SKIDMORE, 1988, Brasil: de Castelo a Tancredo, p. 167).
14
Utilizamos este termo, exilados da imprensa, pois, assim como, mais tarde muitos oposicionistas do regime
seriam expulsos do Brasil exilando-se em outros países, os jornalistas que fizeram a imprensa alternativa nela
encontraram a opção do “exilio” quando muitos foram expulsos da chamada grande imprensa. Segundo Buzalaf
“a grande imprensa tinha uma particularidade em relação aos jornais ‘nanicos’ [grifo do autor]: o relacionamento
com a censura passava, necessariamente, pela postura do jornal e/ou do dono do jornal. Alguns empresários
delataram funcionários potencialmente subversivos ou ligados aos grupos de orientação comunista. Outros
antecipavam-se e demitiam jornalistas que pudessem ter problemas com a ditadura, alegando que não poderiam
correr o risco de mantê-los. ” (BUZALAF, 2009, p. 125). Ainda nesta temática, Kucinsk afirma que “surgiu uma
espécie de exílio profissional da geração engajada da SENHOR, PANFLETO, BRASIL URGENTE e outros
veículos extintos, de onde viriam muitos dos principais protagonistas das primeiras fases da imprensa alternativa
dos anos 70” (KUCINSKI, 1991, p. 10)
15
Movimento teve seu primeiro exemplar lançado no dia 7 de julho de 1975, época que coincide com a
presidência do general Ernesto Geisel. Juntamente com os jornais Opinião e O Pasquim, foi uma das mais
importantes publicações da imprensa alternativa durante a ditadura militar, reunindo colaborações de importantes
intelectuais brasileiros de oposição ao regime. Apoiado em movimentos populares, Movimento seguiu sendo
publicado até 1981. Com suas reportagens, frequentemente tinha seu material censurado e enviado para
o Ministério da Justiça e Serviço Nacional de Informações (SNI). O jornal circulou regularmente até 1980,
quando começaram a ocorrer ameaças e atentados, por parte de setores da extrema direita, contra bancas de
jornal [...] Movimento deixou de circular em 1981. (Texto adaptado. Original em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_(jornal), acesso em 27/08/2015).
27

Oliveira em sua dissertação de mestrado, que caracterizou esse segundo grupo de


jornais, de existencialistas, porque, segundo Kucinski (conforme dito
anteriormente), esses jornais alternativos “tinham suas raízes nos movimentos de
contracultura norte-americanos e, através deles, no orientalismo, no anarquismo e
no existencialismo de Jean Paul Sartre”16 (KUCINSKI,1991,p.XV); daí o conceito
de jornais alternativos existencialistas proposto por Oliveira.
O mais importante jornal dessa classe de alternativos existencialistas foi
também o mais duradouro dos alternativos, O Pasquim. Por sua irreverência, foi alvo
constante da censura e repressão imposta pelo governo ditatorial, sendo seus
editores em determinadas ocasiões presos. A partir dessas prisões, O Pasquim toma
um rumo mais político em suas edições17. Segundo Chinem:
O Pasquim não era um jornal político, era apenas um jornal debochado, de
contestação, indignado, que queria sair do sufoco, um jornal que não
suportava mais ver os outros jornais como a primeira página do Jornal do
Brasil, cheia de insinuações e legendas, e o censor dentro da redação
(CHINEM, 1995, p.43)

Editores de vários jornais alternativos foram presos, edições foram


apreendidas e até bancas de revistas que vendiam esse tipo de jornal sofreram
ataques por parte de grupos pró-regime18. Essa foi uma oportunidade que os
jornalistas tiveram de apresentar, inclusive, uma nova maneira de gestão, sendo
eles, os próprios proprietários ou sócios, não tendo muitos deles o interesse do
lucro. Não tinham interesses comerciais e sim, editoriais. Muitos, até limitavam a
quantidade de propagandas em suas paginas; o que importava mesmo era como a
informação seria repassada ao público leitor.

16
Sobre o conceito de Existencialismo proposto pelo filósofo francês Jean Paul Sartre se diz que “sua filosofia
dizia que no caso humano (e só no caso humano) a existência precede a essência, pois o homem primeiro existe
depois se define, enquanto todas as outras coisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma "essência"
que suceda à existência” e “o existencialismo sartriano procura explicar todos os aspectos da experiência
humana”. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/JeanPaul_Sartre, acesso em: 23/01/2015).
17
Essas prisões dos jornalistas de “O Pasquim” serviriam como um “estopim” para provocar a politização do
jornal, foi uma provocação ao ímpeto daqueles jornalistas pois “do mesmo modo como foi presa, a turma do
Pasquim foi solta: sem nenhuma explicação. A partir daí, que o jornal começou a ficar político” (CHINEM,
1995, p.48).
18
“[...] foi o AI-5 que permitiu uma atividade censória mais sistemática por parte da ditadura militar. O Ato foi
usado, imediatamente, para a censura da imprensa [...] alguns jornais e revistas sofreram, inclusive, com a
presença cotidiana de um censor in loco” (Fico, Carlos. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os
pilares básicos da repressão in Ferreira, Jorge; Delgado, Lucilia de Almeida Neves (org.), 2007, O Brasil
Republicano: o tempo da ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX, p. 189).
28

‘O que era comum a todos que faziam a imprensa alternativa era a resistência
ao Regime. Segundo KUCINSKI,
Nesse período, de 1970 até o colapso do milagre econômico e o surgimento
da política de distensão no interior do aparelho militar 19, em 1975, os jornais
alternativos se constituíram não em meros símbolos de resistência da
sociedade civil ao autoritarismo, ou expressão de um movimento ou uma
articulação de resistência: eles eram a própria resistência. (KUCINSKI,
1991, p. 54)

Assim foi como se deu o surgimento de “O Pasquim”, como órgão da


imprensa alternativa, recheado de humor satírico nas suas páginas. Mesmo tendo
sido alvo da censura e perseguição do sistema, seus criadores e jornalistas não
desistiram diante da opressão do Regime, contribuindo de forma positiva e deixando
um grande legado à História do Brasil. KUCINSKI dá o seu testemunho a respeito do
jornal:
O Pasquim ao lado de suas raízes no nacional-popular instituiu o culto da
cultura underground20 [grifo do autor] norteamericana, e ainda detonou um
movimento próprio de contracultura, transformando as linguagens do
jornalismo e da publicidade, e até a linguagem coloquial. O Pasquim mudou
hábitos e valores empolgando jovens e adolescentes nos anos 70, em
especial nas cidades interioranas que haviam florescido durante o milagre
econômico, encapsuladas numa moral provinciana. (KUCINSKI, 1991, p.
XV)

Essa proposta contracultural d’ O Pasquim, evidenciada nas suas charges,


nos seus editoriais, nas entrevistas e propagandas vai influenciar toda uma geração,
com o seu modo alternativo de transmitir a informação.

19
Essa política de distensão consistia em liberalizar o regime autoritário, tendo seu inicio com a ascensão de
Geisel ao poder e culminando no Governo de Figueiredo. O objetivo era a contensão da chamada “linha dura”
dos militares e a transição “lenta, gradual e segura” para o poder público civil.
20
A palavra underground do inglês significa “subterrâneo”; quando se fala em “movimento underground”,
“cultura underground”, se tem a ideia de uma maneira de viver cuja proposta cultural é o oposto do modo de vida
da cultura ocidental baseada em princípios conservadores judaico-cristãos. Com relação aos periódicos
alternativos brasileiros, João Henrique de Castro de Oliveira, propõe que “a imprensa underground era feita de
uma forma espontânea, sem a lógica quantitativista dos grandes empreendimentos de comunicação que visam ao
lucro” (OLIVEIRA, 2007, p. 6).
29

2. O Pasquim: um hebdomadário anarquista.

2.1 – Da Criação à Prisão: as desventuras de um “nanico”

O projeto d’O Pasquim era não ter ideologia; ser definindo como um jornal de
humor, que por si só, não deve e nem pode ter posição política, ou seja, podia ter
uma posição política contrária às ideologias, ou contrária à determinadas posturas
reacionárias. A função do humor, primeira era denunciar as injustiças. O jornal fez
isso muito bem, ao não aceitar a política do regime. Basta folhear as páginas do
jornal para notar-se que o seu conteúdo expressa uma pura resistência ao regime,
que não deixa de ser política, sendo possível verificar em cada página, um pedaço
da história política do Brasil, registrado com muito humor, apesar da censura
imposta pelo sistema
A história do periódico começa com a necessidade da criação de um projeto
substituto para a revista Carapuça21, encabeçada por Sérgio Porto (Stanislaw Ponte
Preta), que, com a morte deste, em 1968, ficou impedida de continuar a ser editada.
Daí deu--se a necessidade de se fazer um jornal, mas, que tivesse um projeto
inovador, diferente. Assim,
Sobrevivendo entre as brechas do sistema, procurando a liberdade de
expressão que o regime negava, da necessidade por um espaço onde
pudessem manifestar sua indignação com a ditadura e todo um modus
vivendi que legitimava o autoritarismo na cultura brasileira, o grupo formado
por Jaguar, Fortuna, Claudius, Millôr Fernandes, Ziraldo, Prósperi, Sérgio
Cabral, Luís Carlos Maciel e Tarso de Castro decide fundar o Pasquim. Daí
em diante, a irreverência daria o tom da crítica ácida que o jornal assumiria
em suas páginas. (OLIVEIRA, Natali. 2007 p. 12).

O grupo fundador, conhecidos intelectuais, se reúne então, com o intuito de


criar um meio pelo qual pudessem expressar sua insatisfação com o sistema, mas,
além disso, que pudessem criar um meio pelo qual, o senso crítico do público leitor,
não fosse extinto pela dura opressão à liberdade de expressão imposta pelo
Regime.
A primeira decisão a ser tomada pelo grupo girava em torno do nome do novo
periódico. O nome O Pasquim22 surgiu em meio ao calor do momento. Jaguar afirma
que sugeriu o nome Pasquim, uma vez que, certamente ia ser definido por todo o

21
Semanário humorístico criando no ano de 1968, dirigido por Sérgio Porto, após a morte deste, Jaguar e Tarso
de Castro foram convidados para dar continuidade ao jornal, mas recusaram a proposta.
22
Pasquim: do italiano paschino. Jornal ou panfleto difamador.
30

mundo, como sendo um “pasquim”. Conforme palavras de Jaguar, o que se queria


era “cortar a onda dos caras”23. Como acusar de difamador um jornal que, a si
próprio se denominava assim? Era o início da “sátira”, o grupo fundador oferecia
uma amostra do estava por vir.
O jornal foi criando com o objetivo de circular no bairro de Ipanema, no Rio de
Janeiro, no entanto, o sucesso veio já com o primeiro número, em 26 de junho de
1969, que vai às bancas com tiragem de 20 mil exemplares. As vendas estouraram
até estabilizar em 225 mil exemplares, a partir da edição de número 32, em janeiro
de 1970, com apenas sete meses de existência (KUCINSKI, 1991, p. 155). Mas foi
com a edição de número 22, que trazia uma polêmica entrevista com a atriz Leila
Diniz24 que, os editores do periódico sentiram a fúria da sociedade conservadora25. A
razão de existir do Pasquim foi a censura e desta ele foi vítima, quando atraiu para si
os olhares do aparelho repressivo do governo, pois, devido ao seu sucesso, e por
consolidar-se junto aos jovens da classe média, seus fundadores foram acusados de
fazerem parte de um grupo de subversivos, que tinham o intuito de destruir os
valores da família brasileira.
Sob censura, a alternativa dos editores de O Pasquim, foi de se adaptar a ela,
sem, todavia, se render aos seus caprichos, mas, astuciosamente, encontrando uma
forma de driblar os olhares críticos dos censores. Isso até que deu certo por um
23
O Pasquim – A Subversão do Humor. Vídeo Documentário. Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/internet/midias/tv/2004/08/o%20pasquim.avi>. Acesso em: 28/01/2015.
24
Leila Roque Diniz nasceu em 25 de março de 1945, em Niterói, Rio de Janeiro. Formou-se em magistério e foi
ser professora do jardim de infância no subúrbio carioca. Aos dezessete anos, conheceu seu primeiro marido, o
cineasta Domingos de Oliveira e casou-se com ele. O relacionamento durou apenas três anos. Foi nesse
momento que surgiu a oportunidade de trabalhar como atriz. Primeiro estreou no teatro e logo depois passou a
trabalhar na TV Globo, atuando em telenovelas. Mais tarde, casou-se com o cineasta moçambicano Ruy Guerra,
com quem teve uma filha, Janaína. Participou, ao todo, de quatorze filmes, doze telenovelas e várias peças
teatrais. Morreu num acidente aéreo, voo JAL471, da Japan Airlines, no dia 14 de junho de 1972, aos 27 anos,
no auge da fama, quando voltava de uma viagem à Austrália. (Texto adaptado. Original em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Leila_Diniz, acesso em 08/09/2015).
A breve história de Leila Diniz foi como um terremoto a sacudir os usos e costumes da sociedade brasileira –
especialmente nos anos 60, quando ela se transformou no maior ícone da liberdade feminina. O mundo ouvia
rock’n’roll, o Brasil irradiava a bossa nova e Leila desafiava, enfrentava, estimulava e divertia os brasileiros com
atitudes e simbolismo. Como atriz, tornou-se musa do embrionário cinema novo, movimento que propunha o
rompimento dos padrões estéticos adotados até então – com base forte no modelo hollywoodiano. No plano
pessoal, desafiava regras que julgava impostas: era capaz de dizer palavrões em público, dar entrevistas em que
revelava preferências sexuais ou trocar de namorado sem dar satisfações a ninguém. Em 1969, em entrevista ao
jornal alternativo Pasquim, motivou a lei de censura prévia, apelidada de Decreto Leila Diniz, produzida pelo
ministro da Justiça, Alfredo Buzaid [...]. (Mais informações sobre Leila roque Diniz disponível em:
http://www.terra.com.br/istoegente/100mulheres/comportamento/leila.htm, acesso em 24/09/2015).
25
Segundo Kucinski “apesar de superficial ou até por isso, a entrevista de Leila funcionou como uma bofetada
na hipocrisia e duplicidade de valores das elites. Aumentam de tal forma as pressões do governo contra O
Pasquim que, no número 25, Rubem Fonseca escreveu um artigo explicando que palavrão não é pornografia”
(KUCINSKI, 2003, p. 109).
31

tempo, segundo relato de Sérgio de Souza, enquanto o censor foi o Gal.Juarez Paz
Pinto que, todas as quartas-feiras “jogava biriba com os coroas de lá; a gente
contratou uma secretária boazuda que ia lá de biquíni [...] os outros coroas ficavam
morrendo de inveja, porque ela se esfregava, acariciava o General. Ele ficava todo
prosa. Era uma coisa sórdida”. (KUCINSKI, 1991: 163)
Esse tipo de relação flexível com os censores do governo acabou em 1º de
novembro de 1970. Os policiais do DOI-CODI26 invadiram a redação do Pasquim e
levaram presos os jornalistas que lá estavam, com exceção de Tarso de Castro, que
conseguiu escapulir pelo muro dos fundos (KUCINSKI, 1991, p. 163) 27. Antes
dessas prisões, o jornal havia sofrido dois atentados à bomba, quando, uma chegou
a explodir causando enorme prejuízo, não só às instalações do hebdomadário,
quanto nas vidraças da vizinhança, no bairro do Botafogo. O segundo artefato, não
detonou devido ao rompimento do pavio.
O motivo da prisão do grupo teria sido uma charge de Ziraldo, tendo por base
o quadro de Pedro Américo - O Grito do Ipiranga – no qual, D. Pedro gritava: “eu
quero é mocotó”28 (CHINEM, 1995, p. 47). O aparelho repressor do governo
entendeu que se tratava de uma ameaça à segurança nacional. A irreverência
trouxe como resultado, a prisão dos redatores do jornal por 61 dias. Enquanto os
editores do jornal estavam presos, houve uma verdadeira comoção, surgiram

26
DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) era a base
da estrutura da repressão política no Brasil, tendo no Conselho de Segurança Nacional, ligado ao Estado Maior
das Forças Armadas, o órgão centralizador das ações repressivas. Cada ministério militar tinha o seu CODI, que
coordenava a repressão nos CODIs regionais. Cada um poderia ter quantos DOIs julgasse necessário
(KUSHNIR, 2001, p. 371).
27
Os principais editores do jornal que foram presos naquela ocasião foram Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos
Maciel, Tarso de Castro, Paulo Francis, Sérgio Cabral e Fortuna. Segundo Buzalaf: “Para justificar, de
alguma maneira, os motivos dos jornalistas do Pasquim não estarem na redação, na edição de número 72, a capa
anunciava um ‘surto de gripe na redação do Pasquim’ [grifos da autora], em evidente ironia à não-presença de
Ziraldo, Jaguar, Luiz Carlos Maciel, Tarso de Castro, Paulo Francis, Sérgio Cabral e Fortuna. Mesmo assim,
Paiva foi responsável por imitar o traço dos ilustradores presos. Além de Miguel Paiva, Millô e Henfil, que não
haviam sido presos, incumbiram-se de produzir material suficiente para conseguir publicar o jornal
semanalmente” (BUZALAF, 2009, p. 152).
28
Enquanto a minissaia escandalizava em seu sucesso, descobrindo a perna feminina, o joelho feminino ganhava
um apelido: mocotó. Surgiu o Trio Mocotó, composto por Fritz "Escovão", João "Parahyba" e Nereu Gargalo. O
trio estava sempre brincando com a gíria nova e comentando as belas moças de "mocotós" expostos que
frequentavam a boate paulistana Jogral, ponto de encontro da música brasileira. O mocotó, para eles, podia
designar tanto o joelho, quanto partes íntimas femininas. A partir daí, Jorge Ben compôs “Eu também quero
mocotó” com título de duplo sentido. No mesmo ano o nome do grupo teve de ser oficializado por causa da
participação no V Festival Internacional da Canção. "Eu Também Quero Mocotó", foi defendida no mesmo
festival por Erlon Chaves e a Banda Veneno com Jorge e o Trio Mocotó como convidados. (Texto adaptado.
Original em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Trio_Mocot%C3%B3>, acesso em 23/09/2015.
32

colaboradores que não deixaram O Pasquim parar. Continuaram os trabalhos, Millôr


Fernandes, Henfil, Miguel Paiva, Martha Alencar e outros intelectuais e artistas
que não faziam parte da redação do periódico. A partir desse fato, a geração 60
realmente vai mostrar a sua cara, nas páginas do jornal.

2.2 – David x Golias: a censura ao Pasquim!

A prisão dos redatores do Pasquim, constituiu um verdadeiro abalo ao jornal.


Mesmo após a soltura dos editores, as vendas não seriam como antes. Os leitores
passam a ter medo de comprar e as bancas, de vender o periódico. A censura era
feita diretamente em Brasília, o que complicava o processo de edição. Mas não
seria apenas estas, as causas dos problemas financeiros do jornal, que o colocaria
em uma fase de decadência. O modelo anti-empresarial de gerenciamento – que
consistia em não ceder aos princípios capitalistas de obtenção do lucro – não ajudou
no processo de estabilização financeira do semanário. No início da fase de
organização estrutural, os editores não chegaram de imediato a um consenso sobre
a forma de gerenciamento. Isso veio somente após uma longa série de discussões,
e mesmo assim, nem todos apoiaram o modelo29, que ficou conhecido como patota.
A patota, uma forma original e criativa, de organização de pauta, realizada em mesa
de bar, onde, espontaneamente, discutiam como ia ser cada edição. Nesses locais,
se dava um processo de realimentação de idéias e informações, sem que qualquer
hierarquia ou burocracia estivesse presente.
Uma das oportunidades de progredir com o negócio, não foi devidamente
aproveitada. Os dirigentes recuaram da compra do parque gráfico da Gráfica Feitler.
O Pasquim poderia dar lucro30 porém, mal administrado, deixava a desejar em
requisitos básicos de gestão empresarial. Questões como, controle financeiro e de
estoque, não eram levadas em conta, pois o grupo – a patota – não se via como
uma empresa, mas como um grupo de amigos que tinham o objetivo de expressar

29
Alguns dos principais nomes que fizeram O Pasquim, como Ziraldo, Millôr, Henrique Filho (Henfil), no
princípio da organização não quiseram apoiar a patota, – embora depois tornaram-se leais colaboradores – pois
não concordaram com a repartição inicial das cotas, onde 50%, ficava com o empresário, que era dono da
distribuidora, e cinco humoristas ficavam com 10% cada (Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Carlos
Prosperi e Cláudio Ceccon). Henfil rebelou-se acusando os cinco de “velhos reacionários” (KUCINSKI, 2001, p.
106)
30
O Pasquim era um periódico de circulação nacional e com tiragem de exemples superior a chegando marca
superior de 200.000 exemplares. Isso fez com que anunciantes se interessassem em efetuar propagandas nas
páginas do jornal afim de atingir uma grande quantidade do público leitor e a este apresentarem suas marcas.
33

suas ideias nas páginas do jornal. Mais tarde essa negligência administrativa foi o
motivo para a crise financeira que se estabeleceu no jornal.
Na fase áurea, do lançamento, em junho de 1969, até outubro do ano
seguinte, sob a direção de Tarso de Castro, a receita era gasta de maneira caótica e
perdulária (KUCINSKI, 1991, p. 167). Ajuda de investidores externos31 e cortes nas
despesas não foram suficientes para evitar o declínio do jornal. O espaço alternativo
já não era mais “monopólio” do Pasquim. O surgimento de outros alternativos como
Opinião, Ex e Política, proporcionaram uma atmosfera de concorrência no mercado
da imprensa alternativa e, como resultado, a venda do Pasquim caiu. O periódico, no
entanto, seguiu sua épica jornada que começara em 1969, chegando em 1992, com
uma história impressionante de resistência.32

31
Fernando Gasparian que foi proprietário da Editora Paz e Terra, investiu no Pasquim para tentar sanar as
dívidas do periódico. Era uma oportunidade de obter conhecimento sobre o jornal alternativo, mas acima disso,
prevalecia o desejo de ajudar o único jornal de resistência ao regime, que circulava em todo o Brasil naquele
momento.
32
Como observado no início do nosso estudo, nos propomos em estudar do Pasquim o período que compreende
os anos de 1969 a 1975, período em que a censura prévia foi atuante no semanário; por esse motivo fizemos uma
referência suscita do período posteriori ao que propomos neste trabalho.
34

3. O PASQUIM: afinal, como criticava o jornal?

3.1 – É preciso “pasquinizar-se”!

É da essência contida nas páginas de O Pasquim, que tinha como alvos


principais “a ditadura militar, contra a qual se opunha de maneira visceral, a classe
média moralista e a grande imprensa” (KUCINSKI, 1991, p. 155), que extraímos a
seiva da história política do Brasil no período em estudo. A censura imposta pelo
Regime limitava as informações que deveriam ser repassadas para a população.
Ações de grupos da esquerda, notícias sobre personalidades consideradas como
esquerdistas, e de eventuais indivíduos que tinham a ousadia de denunciar as
atrocidades cometidas pelos capachos do governo, não tinham espaço na grande
imprensa. Foi esse espaço que O Pasquim preencheu, oferecendo uma alternativa
de notícia e informação aos seus leitores. Realizava entrevistas com antipáticos ao
governo – e também por quem o governo não sentia nenhuma simpatia – na
verdade era uma forma de provocação, tanto ao governo, mas também para instigar
o censo critico dos leitores. Nos artigos e entrevistas do Pasquim encontramos a
crítica à censura existente nos meios culturais, verificamos evidências do intuito que
se tinha em transmitir conhecimento cultural, e notamos a propaganda da
contracultura, impregnada nas páginas do semanário. Era proposta de O Pasquim
oferecer uma alternativa cultural sem deixar de oferecer outra possibilidade à
sociedade, diferente daquilo que era imposto pelo Regime.
Na Figura 1 (página 35), o ratinho Sigmund33, mascote do Pasquim, faz a
“campanha” de adesão ao hebdomadário. As palavras “pasquinizar-se”,
“pasquinizamento” foram utilizadas pelo humorista Chico Anísio em um dos muitos
artigos que escreveu como colaborador de O Pasquim. O objetivo era expor as
características de um humorista de acordo com o padrão Pasquim. Era um convite a
fazer humor à maneira proposta pelo jornal, ou seja, pasquinizar-se. Segundo Chico
Anísio “o humorista despasquinizado é um pobre humorista fora de órbita e entrar na
órbita dos acontecimentos é nosso dever”34.

33
Segundo Natali Gisele “o ratinho Sig, criado por Jaguar (que será verde quando o jornal passa a ter impressão
em cores) cujo nome completo era Sigmund, numa referência a Freud e ao ‘psicanalisar’ da intelectualidade
brasileira depois de 1968” (OLIVEIRA, Natali Giseli de. 2007, p 41)
34
Chico Anísio in O Pasquim, Nº 07, AGO/1969
35

Figura 1

Sigmund: pasquinize-se35

35
O Pasquim, Nº 07, AGO/1969
36

Essa era a proposta do Pasquim, não está alienado, e não deixar que seus
leitores fossem vítimas da alienação resultante da censura prévia dos meios
culturais pelo governo ditatorial. O ultimato do humorista não se restringia somente
aos seus colegas, mas era uma forma de conclamar a sociedade à resistência, não
se submetendo a metodologia alienante, presente nos meios ditos oficiais. Havia
certa mágoa por parte de redatores do Pasquim com relação a grande imprensa,
visto que alguns deles – Ziraldo, Millôr, por exemplo – participaram de grandes
redações, mas foi no Pasquim que encontraram o espaço que lhes foi negado na
grande imprensa quando ocorreu a censura e as grandes empresas de comunicação
recusaram se opor ao que fora instituído pelo governo. Os ataques à grande
imprensa estão nas páginas do jornal nas mais variadas formas, afinal estamos
falando de um grupo de jornalistas, que foi expurgado das grandes redações
jornalísticas por acreditar num ideal contrário a ideologia proposta pelo sistema;
debochar dessa grande imprensa seria mais que uma simples brincadeira para os
editores de O Pasquim: tinha sabor de vingança.
Havia um mal-estar entre aqueles que faziam a imprensa “nanica” – onde se
incluía O Pasquim – e os representes da grande imprensa. Segundo Buzalaf
A grande imprensa tinha uma particularidade em relação aos jornais
“nanicos”: o relacionamento com a censura passava, necessariamente, pela
postura do jornal e/ou do dono do jornal. Alguns empresários delataram
funcionários potencialmente subversivos ou ligados aos grupos de
orientação comunista. Outros, antecipavam-se e demitiam jornalistas que
pudessem ter problemas com a ditadura, alegando que não poderiam correr
o risco de mantê-los. (BUZALAF, 2009, p. 125)
Esse tipo de atitude por parte dos “donos da imprensa” não ficaria sem uma
“represália” expressada no humor sarcástico presente nas páginas do nosso jornal
em estudo.
Evidente que na Figura 2 (página 37), o aviso não é para o Topo Gigio36,
quando lemos o texto disponível nela, observa-se os nomes das grandes empresas
detentoras dos direitos autorais da referida personagem. Para O Pasquim, não se
tratava de brigar para ter o direito de utilizar o Topo Gigio, até porque, diante da
criatividade dos cartunistas do jornal, esse não fazia a menor falta.

36
A informação contida na Figura 2 retrata um pouco da história da televisão brasileira no período em estudo.
Topo Gigio era uma personagem, um ratinho, de programa infantil criada na Itália e que fez muito sucesso na
televisão brasileira nos anos 1970 e 1980, foi exibido por Globo e Bandeirantes. (fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Topo_Gigio> acesso em 29/01/2015; <http://omelete.uol.com.br/series-
tv/noticia/topo-gigio-vai-retornar-tv/> acesso em 29/01/2015).
37

Figura 2

Atenção Topo Gigio37

37
O Pasquim, Nº 09, AGO/1969
38

O interesse era mostrar ao público leitor quem de fato estava se beneficiando


com o Regime, tirando proveito de uma situação que era desagradável para o
restante da sociedade brasileira. Denunciar as arbitrariedades cometidas pelo
aparelho repressor do governo era a motivação que existia na redação do jornal,
explicita publicamente nas páginas do periódico. Era necessária uma reação diante
da censura aos órgãos de imprensa, foi contra a censura que O Pasquim ironizou,
mas tarde seria vítima dela, mas não se deixou castrar as suas propostas e ideais.
As Figuras 3, 4 e 5 (páginas 38, 39 e 40, respectivamente), exemplificam a
maneira de como a censura era exposta nas páginas de O Pasquim. A censura
prévia aos meios culturais tomou maior impulso após o AI-5, no entanto a prática da
autocensura38 era comum nos meios midiáticos da grande imprensa.

Figura 3

“Aqui Não!”39

38
A autocensura consiste em alguém aplicar censura a si próprio, em comportamento, em sua produção
intelectual, etc. Referente à imprensa no período em estudo, a maioria dos veículos de comunicação cedeu a
pratica da autocensura de suas produções, “censurando” essas ainda nas redações em conformidade com os
desígnios do governo. O censor oficial quando executava a censura prévia do material que lhe era entregue, na
verdade censurava um produto que já havia sido previamente autocensurado.
39
O Pasquim, Nº 37, MAR/1970
39

Figura 4

Millôr e a autocensura II40

40
O Pasquim, Nº 40, MAR-ABR/1970
40

Figura 5

Millôr e a autocensura III41

41
O Pasquim, Nº 41, ABR/1970.
41

Era uma forma de se evitar um grande material censurado, o que ocasionaria


em perda de conteúdo, o material censurado era inutilizado, acarretando prejuízo
para os seus autores – quando esse prejuízo se reservava apenas ao financeiro,
ainda era suportável, no entanto quando ocorria em desgravo a política de
segurança nacional42 instituída pelos militares, as consequências não eram
agradáveis para os transgressores dessa política. A autocensura valeu aos
periódicos da grande imprensa as críticas dos redatores que faziam O Pasquim,
muitos dos quais, como visto anteriormente, expurgados das grandes empresas de
comunicação – o que valeu uma crítica satírica e provocativa conforme está explicito
nas três últimas figuras demonstradas acima – A autocensura era como aceitar a
derrota, isso era inadmissível para os editores do periódico em estudo. A censura
que advinha do Estado visava destruir quaisquer resquícios de liberdade de
expressão e pensamento; a autocensura age como parte da repressão aceitando a
restrição da liberdade, corrompendo a integridade daqueles que a ela se submetem
sem qualquer senso crítico. No entanto, embora fossem críticos à autocensura
praticada pelos meios de comunicação da grande impressa, a os editores do
Pasquim de certa maneira também praticava a autocensura, quando, segundo
Buzalaf,
É possível ver que o Pasquim, além do material censurado
exogenamente43, fez concessões à censura no sentido de previamente
evitar assuntos e formas proibidas pelos censores. Um bom exemplo é a
regra, devidamente obedecida entre os redatores do Pasquim sobre a
proibição da publicação de qualquer caricatura dos militares. Este tipo de
representação humorística tende a somar elementos físicos aos traços da
personalidade do ser representado, transpondo, para o desenho, uma
crítica quase verbal (BUZALAF, 2009, p. 128).44

Mas a censura não era a própria repressão, era apenas uma parte dela. A
tortura, a perseguição política, a restrição dos direitos civis, também consolidavam o

42
Essa política de segurança nacional tinha com base ideológica a Doutrina de Segurança Nacional que “é a
manifestação de uma ideologia que repousa sobre uma concepção de guerra permanente e total entre o
comunismo e os países ocidentais” (BORGES, Nilson, in FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida
Neves. 2007, p. 24). Baseava-se na ameaça constante do inimigo interno, daí a “necessidade” de reprimir
quaisquer possibilidades de sucesso por parte dos supostos inimigos da pátria. Tinha como marco legal a
Decreto-Lei 314/67 – Lei de Segurança Nacional.
43
A censura exógena refere-se a praticada pelo Estado repressor.
44
Sobre a caricatura a autora expõe que “[...] a caricatura é uma forma grotesca de representação de alguém, e
considerando o enraizamento no humor dos ilustradores do Pasquim, é possível ver que a saída encontrada para
os traços de humor foi investir na caricatura de artistas [...]” (BUZALAF, 2009, págs. 128-129). Dessa forma,
para os editores do jornal, não era convenente utilizar caricaturas dos militares, que podiam considerar tal atitude
como um ato contra a segurança nacional; verificamos assim que embora audacioso, O Pasquim não deixou a
ponderação de lado.
42

aparelho repressor do Estado. Essa repressão institucionalizada era


consideravelmente organizada e essencial para manutenção do Regime45. Esse
Estado repressor não passou desapercebido nas páginas de O Pasquim, que sem
deixar o bom humor, aproveitava a oportunidade de aguçar o censo critico dos seus
leitores com relação aos acontecimentos do momento histórico em que estavam
inseridos.
Na Figura 6 (página 43), o agente repressor do Estado é tratado como um
lobo dominado pela ferocidade típica de um governo repressor, o cordeiro
representaria os oprimidos pelo Regime Militar46. Evidente que os destinos das
personagens na historinha contada por Claudius47 não significam de fato a realidade,
mas uma possibilidade de ironizar os acontecimentos. O final humorístico servia
para disfarçar a verdadeira intenção que era denunciar os abusos cometidos pelos
agentes do Regime autoritário, sempre apelando para o censo crítico do leitor. Os
editores do periódico utilizaram essa estratégia durante todo o tempo em que
perdurou a censura prévia. Audaciosamente, essa mensagem vinha de forma um
pouco explicita, todavia a sem deixar a sátira de lado, conforme expresso na Figura
7 (página 44).

45
Sobre essa organização do aparelho repressor do Estado, Borges afirma que “dentre os diversos papéis
exercidos pelo aparelho militar, o que mais sobressaiu foi o aparelho repressivo, organizado e implementado
pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), com base no escopo teórico da Doutrina de Segurança Nacional.”
(BORGES, Nilson, in FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. 2007, p. 23)
46
A história expressa na Figura 6 é uma sátira da fábula “O lobo e o cordeiro”, de Esopo, contador de histórias
que viveu na Grécia Antiga, mais tarde selecionada por Jean de La Fontaine. Na história original o cordeiro é
ferozmente devorado pelo lobo.
47
Claudius Sylvius Petrus Ceccon (Garibaldi, RS, 1937). Arquiteto, designer, jornalista, desenhista, ilustrador e
cartunista. Trabalha no jornal O Cruzeiro como auxiliar de paginador, em 1954. Três anos mais tarde, faz
caricaturas para o Jornal do Brasil. No início década de 1960, cursa desenho industrial na Escola Superior de
Desenho Industrial (Esdi), no Rio de Janeiro. Na mesma cidade, trabalha na revista Pif Paf. Passa a integrar, em
1969, a equipe do jornal O Pasquim, no qual também trabalham os desenhistas e humoristas Millôr Fernandes
(1923-2012), Jaguar (1932), Ziraldo (1932) e Fortuna (1931-1994). Após ser preso pelo regime militar brasileiro,
em 1971, exila-se em Genebra [...] Ao voltar para o Brasil, em 1978, trabalha com alfabetização em bairros
carentes de São Paulo, também pelo Idac, junto ao arcebispo dom Paulo Evaristo Arns (1921) [...] Atualmente,
realiza charges, faz ilustrações para livros infantis e é diretor do Cecip, que realiza campanhas de interesse
público e desenvolve projetos de inclusão digital com alunos de escolas pública. (Mais informações sobre
Claudius Sylvius Petrus Ceccon disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa14876/claudius>, acesso em 07/09/2015). Segundo Márcio
Ananias Ferreira Vilela, Claudius foi o responsável por fazer um cartaz para a Conferência do Nordeste, Cristo e
o Processo Revolucionário Brasileiro, realizada no Salão Nobre do Colégio Agnes Erskine, no Recife, em julho
de 1962, esse cartaz provocou uma série de questionamentos por parte da Confederação Evangélica do Brasil
(CEB), pois o desenho continha uma cruz, ferramentas agrícolas – uma foice inclusa – e o vermelho
predominava (Ver: VILELA, Márcio Ananias Ferreira. Discursos e práticas da Igreja Presbiteriana do Brasil
durante as décadas de 1960 e 1960: diálogos entre religião e política. Recife: UFPE, págs. 90 e 91 – Tese).
43

Figura 6

O lobo e o cordeiro48

48
O Pasquim, Nº 08, AGO/1969.
44

Figura 7

Deu no jornal49

49
O Pasquim, Nº 16, OUT/1969
45

Como pode ser observado na Figura 7, embora haja uma variedade de


informações, o que se destaca na página do jornal são três desenhos em especial,
cujo foco em negrito chama a atenção para o destaque que o editor lhes deseja dar.
No primeiro desenho um grupo de pessoas sendo detidos pelos agentes do governo,
possivelmente a polícia política, o destaque é que todos do grupo possuem a “cara
de Leni”, a figura representa não somente a perseguição política que era imposta
aos partidários da Esquerda, mas também a forma generalizante que muitos
agentes da repressão tratavam alguns cidadãos como supostos subversivos, como
sendo esquerdistas ou comunistas, quando na verdade nem sempre o eram. O outro
desenho retrata propriamente um protesto contra a censura imposta aos meios
culturais, a “Lei do Silêncio”50, satirizada de forma irreverente. O terceiro desenho
contido na figura expõe a questão da liberdade sexual, tema da contracultura,
presente no Pasquim, que trataremos a seguir.
As entrevistas publicadas no Pasquim não eram realizadas com pessoas que
previamente não tenham sido escolhidas, não era uma escolha aleatória. Quando se
entrevistavam pessoas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Leila Diniz, Dom Helder
Câmara, no período da ditadura militar no Brasil, era um desafio. Era entrevistar um
grupo de pessoas que não eram bem quistas por aqueles que faziam o Regime, pois
alertavam a sociedade com relação ao caráter arbitrário do governo ditatorial,
desafiavam o perfil da classe média moralista e denunciavam a injustiça social,
negligenciada pelo governo. Segundo Kucinski “Dom Helder Câmara, nome proibido
nos meios de comunicação, foi capa do número 40” (KUCINSKI, 1991, p. 157).
Esse tipo de atitude dos editores de O Pasquim servia para expor a censura que
estava impregnada nos meios de informação da grande imprensa que, de certa
forma, não tinham a audácia de desafiar o Regime e, em vários momentos, era
conivente com o mesmo, no egoísmo de atender os seus próprios interesses.

50
Em nossa pesquisa, encontramos o Decreto Lei Nº112 de 10 de agosto de 1969, Lei vigente no extinto Estado
da Guanabara, e que foi estendida para todo o Estado do Rio de Janeiro pela Lei 126 de 10 de maio de 1977, que
dispõe sobre a proteção contra a poluição sonora. Não podemos deixar de levar em consideração que o desenho
contido na Figura 7 possa estar fazendo referência a essa Lei, e não a censura propriamente dita.
46

As entrevistas eram de cunho polêmico e levavam aos leitores ao


pensamento crítico da situação, vejamos um exemplo disso no trecho extraído da
entrevista com D.Helder Câmara:

[...] O PASQUIM: o senhor aceitaria se Chico (Buarque) – grifo nosso –


quisesse musicar as suas meditações?
DOM HELDER: Chico não precisa de letra de ninguém. Chico é poesia viva.
Chico não é só música. É poesia no olhar, nos gestos.
O PASQUIM: então nota 10 pra Chico. E para Caetano Veloso?
DOM HELDER: você já está me pedindo notas. E eu tenho muito medo de
cair neste julgamento dos homens.
O PASQUIM: mas, não se trata de julgamento moral. Mas, da arte deles.
DOM HELDER: digo a você, eu tenho uma tal simpatia humana por tudo
que é criatividade [...]51

Evidente que, o trecho de entrevista citado é provocativo. A começar pelo


entrevistado, Dom Helder Câmara, repudiado pelos grandes jornais, por sua opção
pelos pobres, denunciando muitas vezes as arbitrariedades dos militares, para o
governo, isso era “comunismo”. Que jornal faria uma entrevista com alguém assim,
sujeito a uma possível retaliação? Pode-se observar que, quem deu “nota 10” para
Chico Buarque, e de certa maneira, para Caetano Veloso, foi O Pasquim; com toda
sua irreverência exaltou esses dois artistas, cujas composições, abordavam o perfil
cruel da ditadura, além disso, incentivavam a resistência ao Regime. Será que a
entrevista era tendenciosa, ou não? Além disso, o tipo de discurso presente,
inaugura uma nova era na imprensa brasileira. Era a linguagem escrita como se fala,
sem arranjos típicos do jornalismo, era a linguagem coloquial, transcrita e impressa.
Contra a censura, para “escorregar” dos dedos opressores da repressão, era
necessário pasquinizar-se. Entender a forma sutil com que eram transmitidas as
informações em O Pasquim, que passavam de forma imperceptível para alguns
censores, que não conseguiam entender a linguagem utilizada pelo jornal No
entanto, essa linquagem era assimilada pelo seu público leitor, que, entrava na
“órbita dos acontecimentos”.

51
O Pasquim, N° 40, MAR-ABR/1970
47

3.2 – O Pasquim: sátira, humor e irreverência como símbolo de resistência

Como já vimos, como forma de resistência, O Pasquim utilizou o humor para


atrair a preferência dos leitores e para transmitir-lhes suas ideias e concepções
ideológicas. Essa forma de comunicar, também serviu para driblar a censura. Não
poucas vezes, os censores, por falta de informação ou mesmo baixo nível cultural,
não compreendiam a mensagem que o jornal queria repassar. Eram transmitidas de
forma imperceptível ao aparelho repressor (Ver Figura 8, página 48)
Essa técnica de elaboração editorial foi eficiente, durante um certo tempo. No
entanto, quando a linguagem foi assimilada pelos censores, a censura torna-se mais
rígida no Pasquim. Após a prisão dos editores do jornal, o material começou a ser
censurado diretamente em Brasília, devido à importância de abrangência nacional
que O Pasquim possuía. Na verdade, eram os temas abordados pelos redatores do
jornal que, como visto anteriormente, chamaram a atenção dos órgãos repressores.
A Figura 9 (página 49), ilustrativa do artigo Sabe? Faz 25 anos, foi elaborado
em comemoração aos 25 anos da vitória das forças aliadas sobre o nazifascismo, no
final da Segunda Guerra Mundial. Neste artigo, Ferreira Gullar, audaciosamente,
expõe as características básicas do fascismo, que por “coincidência”, retratava bem
o regime imposto pelas autoridades militares à sociedade brasileira. Era uma forma
sutil de acusar o Regime e os seus apoiadores, de fascistas, antidemocráticos, que
não estavam fazendo muito diferente do que Mussolini e seus seguidores fizeram na
Itália. Constituía-se uma ironia que, as Forças Armadas, que outrora enviaram
homens para combater o autoritarismo na Europa, estivessem utilizando das
mesmas práticas que haviam sido características de regimes outrora inimigos. Era
uma forma “indireta” de atingir o senso crítico dos leitores, a classe média moralista
que anteriormente apoiara o Golpe e os próprios militares, que não se consideravam
golpistas, mas revolucionários.52

52
Os idealizadores do Regime golpista brasileiro usurparam o tema da “Revolução” – empregado por
comunistas e esquerdistas que pregavam a Revolução mundial para se estabelecer o socialismo-comunismo –
não querendo admitir que o que houve de fato foi um golpe de Estado. Para tanto, tentaram manter em
funcionamento algumas instituições tidas como democráticas, para tentar se diferenciar dos Estados fascistas
europeus, que implementaram regimes absolutamente autoritários. Os militares brasileiros eram muito arraigados
ao legalismo. Tinham interesse em legitimar o Regime por vias democráticas, por isso, mesmo em um primeiro
momento tendo fechado o Congresso Nacional e cassado os direitos políticos de vários parlamentares e outros
cidadãos tidos como subversivos, sentiram a necessidade de reabri-lo, para legislar – ainda que sobre
monitoramento do governo – e, o principal, legitimar a escolha dos militares para o cargo de Presidente da
República.
48

Figura 8

Zombando da censura prévia53

53
O Pasquim, Nº 36, FER-MAR/1970
49

Figura 9

Artigo: “Faz 25 anos”54

54
O Pasquim, Nº 47, MAI/1970
50

Havia sempre a sátira ao Regime, tema constante que permeou toda a


existência do Pasquim. A Figura 10 (página 51) é uma charge que faz alusão ao
encontro de um ditador militar que governa um certo país e um visitante estrangeiro.
Cordialmente se tratam de Vossa Excelência em seus discursos, no entanto o que
chama a atenção é a fala do intérprete que não faz a tradução entre os dois líderes
como devia, antes, expunha um discurso totalmente irreverente, o que acaba
causando um conflito diplomático entre as partes (Ver Figura 10A, página 52). Na
verdade, enquanto o ditador procurar transmitir certa tranquilidade ao seu visitante, o
intérprete em sua tradução distorcida do diálogo, expõe a veracidade da situação.
Evidente que no momento da criação da charge, o Brasil passava por uma
situação de extremos, em termos de política. De um lado, uma ditadura opressora,
que procurava destruir todas as formas possíveis de subversão e subversivos e, do
outro lado, os oposicionistas; os mais moderados aceitaram a proposta bipartidária
do governo e faziam oposição por vias políticas; os mais radicais, com posições de
esquerda, partiram para uma oposição armada, sendo colocados na ilegalidade pelo
Regime55. O que a referida charge procura denunciar é a falsa expectativa de
segurança, que o Governo Militar brasileiro procurava difundir para o exterior. Uma
falsa imagem de tranquilidade social e aceitação, pela população, de um total apoio
ao Regime. Em um momento de instabilidade política, polarizada ao extremo, os
militares procuravam esconder da comunidade internacional, a verdade dos fatos
que ocorriam no Brasil. Para tanto, a censura dos meios midiáticos era de suma
importância.

55
No período da Ditadura, a oposição armada foi praticada por grupos que agiam em guerrilhas urbanas, na
Guerrilha do Araguaia, na prática de sequestros de autoridades estrangeiras que tinham como objetivo trocar o
sequestrado por colegas presos políticos, – como foi o caso do sequestro do embaixador norteamericano Charles
Burke Elbrick pelo grupo de extrema esquerda MR-8 encabeçado por Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Fernando
Gabeira, entre outros – além da realização de roubos à bancos e assaltos a supermercados.
51

Figura 1056

O presidente, o interprete e o visitante57

56
Na Figura 10, na charge, o desenho do homem que está em traje militar a rigor, é, possivelmente o ditador
anfitrião numa alusão ousada ao então ditador, o general Emílio Garrastazu Médici, que ocupava o cargo de
Presidente da República. Não deixamos de levar em consideração que o fato de que o intérprete possa
representar O Pasquim, na sua atitude de “traduzir” a veracidade dos fatos aos seus leitores de uma forma muitas
vezes incompreensível ao sistema repressivo da Ditadura.
57
O Pasquim, Nº 42, ABR/1970
52

Figura 10A

Diálogo entre o presidente, o interprete e o visitante 58

58
O Pasquim, Nº 42, ABR/1970
53

Outro tema presente nas páginas do Pasquim era a liberdade sexual (Ver
Figura 11, página 54). O tema esteve presente na maioria das edições do periódico,
porém, logo após o fim da censura prévia, o jornal tomou um rumo mais político;
suas páginas, antes repletas de desenhos, charges e outros meios ilustrativos na
transmissão das informações, passaram a apresentar textos, em artigos mais
elaborados, na transmissão da visão de mundo dos seus editores e colaboradores.59
Longe de vulgarizar a sensualidade feminina, O Pasquim tinha como objetivo
fundamental, ao divulgar fotos de mulheres expondo sua sensualidade, constranger
setores da sociedade que primavam por um comportamento moralista – a classe
média, em especial que, se arraigava a um conservadorismo hipócrita, quando se
fazia cúmplice do Regime imposto. Condenavam muitas vezes, as arbitrariedades
praticadas pelos agentes da repressão, mas não recusavam as benesses que
usufruíam junto ao sistema. Era evidente, de certo modo, que os leitores mais jovens
do periódico se sentissem atraídos em comprar edições, que traziam o atrativo
sensual de uma mulher seminua, todavia, isso era a propaganda da liberdade sexual
e, quem sabe, do nascente feminismo, explícito em O Pasquim.
Na atualidade, existem certos jornais que exploram a sensualidade feminina
em fotos, mas aquele objetivo de fazer a propaganda da liberdade sexual já passou,
e também não há o interesse em constranger a sociedade atual com esse tipo
edição. A situação é voltada para o mercado consumidor, onde o objetivo é executar
uma forma de atrair leitores – heterossexuais, homens – que comprem os seus
jornais, ás vezes apenas por causa da foto de uma mulher seminua, conforme
exposto na Figura 12 (página 55)

59
Em nossa pesquisa observamos que os exemplares do Pasquim pós censura prévia tinham como novo objetivo
a campanha pela Lei Anistia (Lei 6.683 de 28 de agosto de 1979), que consiste basicamente, no perdão de todos
acusados de praticarem crimes políticos ou relacionados a política no período da Ditadura Militar. Nem mesmo
essa Lei escapou de ser alvo do humor satírico nas páginas do hebdomadário.
54

Figura 11

Dica de Mulher60

60
A sessão dica de mulher vinha geralmente com fotos de mulheres expondo sua sensualidade, na foto da Figura
11 está Mariluce Carvalhaes.
55

Figura 12

Capa Aqui PE 25/03/200061

61
Disponível em: < https://soteroblog.wordpress.com/2010/04/05/aqui-pe>, acesso em 10/08/2015.
56

Numa época em que, a mídia cedia seu espaço para as produções norte-
americanas, O Pasquim procurou valorizar o que era do Brasil, satirizando de forma
bem humorada personagens que seriam os “heróis” que a indústria cultural
estadunidense propunha para o mundo (Ver Figuras 13 e 14, páginas 57 e 58,
respectivamente).
Os próprios Estados Unidos não escaparam de serem satirizados nas páginas
do Pasquim. Na edição Nº 05, por exemplo, satiriza a ida do homem à lua. No
Jogo dos 11 erros do Apolo 11 (Ver Figura 15, página 59), o que chama mais a
atenção é o desenho daquilo que aparenta ser um foguete norte americano. A parte
do foguete que aponta para cima está escrita a sigla “USA”62; ao seu lado, o
desenho daquilo que poderia ser outro foguete, apontando para baixo, com as
iniciais “URSS”, sigla da extinta União das Republicas Socialistas Soviéticas. Vê-se
que o foguete está mais para um míssil – uma bomba atômica. Em destaque, na
figura do míssil soviético, está desenhada a bandeira brasileira, como uma afronta
aos militares brasileiros e aos Estados Unidos que apoiaram o Golpe .
Era a forma que o jornal tinham de alertar aos seus leitores da “invasão”
cultural norte americana e seus efeitos danosos â cultura nacional, onde o produto
nacional era menos valorizado do que os produtos culturais que vinham de fora. De
sorte que, embora houvesse essa “ameaça”, o público brasileiro, não desprezou a
produção artística nacional63, todavia, sem que deixasse de valorizar a produção
cultural que vinha de fora.
Em uma época de restrição à liberdade de expressão, os leitores do
Pasquim tinham um espaço onde podiam comunicar suas opiniões e participar do
jornal. Era um espaço que dava a característica de interatividade ao periódico. A
comunicação não partia apenas de um lado, interagir com o público leitor também
era interesse de O Pasquim. A importância da seção Cartas, e que, em alguns
casos chamava-se Cartas ao leitor, além de ser um espaço de interação com o
público, servia para instigar o leitor a expressar uma opinião crítica, que o Regime
queria a todo custo castrar sem muitas delongas.

62
A sigla em inglês para United States of America, em português, Estados Unidos da América (EUA).
63
O período em estudo era a época dos grandes festivais musicais, produzidos pela grande mídia que foram
registrados nas páginas de O Pasquim.
57

Figura 13

Satirizando o Capitão América64

64
O Pasquim, Nº 05, JUL/1969.
58

Figura 14

Satirizando o Homem de Ferro65

65
O Pasquim, Nº 07, AGO/1969.
59

Figura 15

Jogo dos 11 erros do Apolo 1166

66
O Pasquim, Nº 05, JUL/1969.
60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o pretexto de manter a democracia, diante da possibilidade de uma


investida comunista, os militares, com apoio de vários setores da sociedade civil,
executaram um golpe cívico-militar67 contra o governo do então Presidente João
Goulart logo deposto. Após Golpe, seguiu-se um período de práticas de extremismo
político que permeou a História do Brasil por 21 anos. Durante todo esse período os
representantes das Forças Armadas defenderam o discurso de que ocorrera uma
“Revolução”, em favor dos ideais democráticos e contra a ameaça comunista. Era
apenas uma maneira de tentar legitimar e/ou justificar as arbitrariedades praticadas
elo governo que defendia um regime de exceção. No entanto, foi com a implantação
do AI-5 que a face mais dura da Ditadura instaurada no Brasil, se revelou, dando
poderes autoritários e amplos ao ditador que ocupava o cargo de Presidente da
República. Na tentativa de legitimar o Regime, os militares deram a “opção” ao
Congresso Nacional de fazer uma eleição indireta para “presidente”, todavia, não
permitindo que um civil fosse indicado a ocupar o cargo. Em meio à privação política
posta em prática pelos militares, com expurgos e exílios, o que mais chocou a
sociedade foram as denúncias de torturas, praticadas pelos agentes do Regime,
contra grupos e indivíduos tidos como subversivos.
A reação contra o regime imposto pelos militares, foi realizada através de
denuncias publicadas na imprensa, o que fortalecia a oposição contra o Governo,
na sociedade. Com isso, os militares enrijecem a repressão contra a oposição
política ao governo. A esquerda militante partiu para a luta armada contra o Regime,
não obtendo, no entanto, o êxito desejado, haja visto a maior eficiência dos
militares. Estes, entendem que era preciso “fechar” todas as lacunas que dessem
espaço para aos opositores do Regime. A única oposição legal ao governo seria
advinda de uma aglutinação política no partido de oposição, existente no sistema
bipartidário, implantado ainda no governo Castelo Branco, com o objetivo de dar
aparências democráticas e legalistas ao um regime autoritário. Nesse sentido, a
repressão chegou com fúria aos meios midiáticos e culturais, por meio da censura

67
Termo utilizado por alguns autores.
61

prévia, praticada pelos agentes do aparelho repressor, e que tinha por objetivo
mutilar e restringir o direito à liberdade de expressão68.

Em um momento da história do Brasil onde as relações políticas eram


instáveis, era necessário manter os ideais de democracia vivos e atuantes. Era
necessário criar mecanismos de resistência ao Regime que, de forma eficiente,
fossem capazes de conscientizar a sociedade do autoritarismo praticado pelo
governo militar, não deixando que o senso crítico dos brasileiros fosse obscurecido
pelo “eclipse” da censura prévia. A grande imprensa sofreu e cedeu à imposição
repressora do Regime, não somente acatando a censura prévia das informações,
mas também praticando a autocensura em suas redações, o desespero chegou ao
ponto do expurgo de profissionais jornalistas que se opuseram às novas exigências
estabelecidas. A imprensa alternativa surge como uma oposição ao governo dos
militares, e mais especificamente, como uma forma de resistência ao Regime por
eles imposto, tendo em vista que os primeiros jornais alternativos que circularam no
período tiveram suas origens de grupos oriundo da Esquerda política, colocada na
ilegalidade após o Golpe de 64. Os grupos mais radicais de esquerda, abandonaram
a “oposição literária” e partiram para a luta armada, tentando concretizar na
realidade, o imaginário da Revolução. No período que se segue a lutar armada
contra o Regime, os jornais alternativos que surgem, são formados por jornalistas
que foram expurgados da grande imprensa, e “exilados” na imprensa “nanica”,
encontraram uma alternativa para expor suas ideias de resistência e propagá-las
para seus leitores.
Nesse espaço alternativo, O Pasquim, veio com uma proposta inovadora,
chamativa, capaz de seduzir um público leitor e, neste, instigar o senso crítico de
resistência contra a Ditadura. O Pasquim, era amado por uns, odiado por outros, e
comprado por ambos, o que garantiu o seu sucesso de vendas por exemplares.

68
A censura previa foi rígida também no meio da produção cultural. Consideradas como subversivas ao Regime
obras cinematográficas como Iracema – uma Transa Amazônica de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, foi
proibida por cinco anos, sendo liberada apenas em 1980, por fazer críticas ao projeto da rodovia
Transamazônica (Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/noticias/?p=14699, acesso
em 17/09/2015); a música Pra não dizer que não falei de flores, foi censurada e teve sua execução proibida, por
conter conteúdo considerado como subversivo pelo Regime. Seu autor, Geraldo Vandré, foi exilado (Fonte:
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quais-obras-foram-censuradas-na-ditadura, acesso em
17/09/2015). De certo, O Pasquim, não deixou de registrar de forma irreverente a censura imposta às produções
culturais e não deixou de fazer a propaganda de eventos produzidos pela grande mídia, como os grandes festivais
de música, tendo o objetivo de não deixar que seus leitores se tornassem em pessoas aculturadas. Era uma forma
de resistir a um regime que tinha como finalidade castrar os cidadãos culturalmente e aliena-los da realidade da
situação.
62

Suas técnicas jornalísticas inovadoras lhe garantiu um pioneirismo na imprensa


brasileira, garantindo um legado para os jornais da atualidade. A maneira de
transmitir a informação de forma compreensível aos leitores e, capaz de driblar os
instrumentos da censura com todo seu rigor, fez de O Pasquim, o símbolo de
resistência de toda uma geração. O humor satírico em O Pasquim tinha como
objetivo transmitir a informação de modo que os leitores pudessem ser atingidos
pelos ideais que eram defendidos pelos seus editores. A gama de temas incluía
também o futebol e a rivalidade que existia entre cariocas e paulistanos; todavia a
temática principal incluía o deboche contra a censura prévia; a sátira e a denúncia
do autoritarismo praticado pelo Regime; a repulsa a infiltração e influência cultural
norteamericana (isso devido ao apoio e reconhecimento dados pelos Estados
Unidos ao Governo ilegítimo dos militares brasileiros); e, o escandalizar de forma
explícita a sociedade moralista, em especial, a classe média. O Pasquim atingiu seu
objetivo como instrumento de resistência contra a censura, mesmo sendo vítima
dela; não se rendeu diante da violência do Regime, sendo “testemunha” do final
deste, estando ainda “vivo” durante a redemocratização do Brasil, tendo contribuído
com a conscientização política de uma geração inteira que não se opôs em
“pasquinizar-se” .
63

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66

ANEXOS
67

Fonte : O Pasquim – A Subversão do Humor. Vídeo Documentário(Captura de tela). Disponível


em: <http://imagem.camara.gov.br/internet/midias/tv/2004/08/o%20pasquim.avi>, acesso em:
28/01/2015.
68

Fonte : O Pasquim – A Subversão do Humor. Vídeo Documentário(Captura de tela). Disponível


em: <http://imagem.camara.gov.br/internet/midias/tv/2004/08/o%20pasquim.avi>, acesso em:
28/01/2015.
69

Fonte : O Pasquim – A Subversão do Humor. Vídeo Documentário(Captura de tela). Disponível


em: <http://imagem.camara.gov.br/internet/midias/tv/2004/08/o%20pasquim.avi>, acesso em:
28/01/2015.
70

Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 40, MAR-
ABR/1970.
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Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 17, OUT/1969.
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Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 05, JUL/1969.
73

Leila Diniz

Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 37, MAR/1970.
74

Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 40, MAR-
ABR/1970.
75

Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 07, AGO/1969
76

.
Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 20, NOV/1969
77

Fonte: SANTOS, Ana Maria Barros dos. O Pasquim. Acervo Pessoal. O Pasquim, Nº 15, OUT/1969
78

Leila Diniz Gestante: foto polêmica na época.

Fonte: <http://www.terra.com.br/istoegente/100mulheres/fotos/leila_1.jpg>, acesso em


24/09/2015.

Topo Gigio no Brasil


79

Fonte: <http://discotecapublica.blogspot.com.br/2012/01/topo-gigio-no-brasil-1987.html>,
acesso em 29/01/2015.
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