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CRONICAOS

Escrito por Celso Galindo

Inspirado numa prosa de


José Carlos do Amaral
“Alucinações de um Enfermo”

Outubro
2007
CRONICAOS

Cena 1 – Praça / Externa / Dia

Em Plano médio dois garotos alternam subindo e descendo num


escorregador. Depois de uma panorâmica pelo parque, um dos
garotos cai, se machuca e sai correndo aos prantos. Close no rosto do
que fica assustado (cabelos vermelhos).
Corte

Cena 2 – Hospital / Interna / Dia

Em plano médio, o garoto machucado sentado no corredor do


hospital, espera seus pais que conversam com o médico no balcão de
entrada. O outro garoto observa de longe seu amigo com o braço
engessado. Para evitar o contato com os pais dele, se esconde ao lado
de uma enfermeira e se aproxima lentamente do garoto de cabeça
baixa. Ele toca no gesso para chamar atenção. O menino levanta a
cabeça, abre um sorriso ao vê-lo e desaparece aos poucos. Ele tenta
segurá-lo sem sucesso, levanta e ao virar percebe que os pais do
garoto também sumiram e finalmente, o hospital some.
Chicote

Cena 3 – Cidade / Externa / Dia

Ele se vê sentado no alto de um prédio. Close invertido lento até um


long. Panorâmica da cidade. Tomada invertida num lixão cheio de
pessoas enquanto um caminhão descarrega quadros, pôsteres e
fotografias. Close na foto do garoto que desapareceu no hospital.
Corte

Cena 4 – Prédio / Interna / Dia

Tomada em seqüência. Plano médio do garoto agora adulto,


caminhando. Painel de fundo (Lixão). Sobe para uma tomada
aérea dele no elevador. Painel no piso de fundo (Caçamba de
caminhão vazia). Close no rosto dele suando. Long no final do
corredor do andar. Ele caminha até entrar na terceira porta a sua
esquerda. A tomada aproxima em quick até o final oposto do
corredor. Close no texto pintado na parede de azul.
“ O sonho deixa de existir quando se torna real ”.
Corte

Cena 5 – Clínica / Interna / Dia

Tomada em long aéreo. Ele está deitado num sofá cama. Desce
lentamente a tomada até um plano médio do rosto dele de cima pra
baixo com seus pés trêmulos em perspectiva. Depois de alguns
minutos de silêncio absoluto, a tomada desce até o perfil do seu rosto.
Ele olha pra câmera. Long do médico do outro lado da sala (cabelos
brancos).

Doutor - E ai Heitor?
Heitor - E ai... E ai? Aqui nada e ai? (ironiza)
Doutor - O que...
Heitor - Não consigo dormir. Não lembro de sonhos... Se é que sonhei algum
dia! Nada faz sentido sabe?
Doutor - Não, não sei... O que você acha?
Heitor - Se eu soubesse não estaria aqui né ô... Zé...
Doutor - O que te deixaria feliz hoje?
Heitor - Não sei... Tornar concreto coisas abstratas...
Doutor - Quebrar regras?
Heitor - Regras? (ironiza) Pra mim, as regras são a Face Ditadora do Tempo!
Doutor - Será...
Heitor - Sabe Doutor, o tempo passa e deixa suas marcas... As marcas criam
medos e... e esses medos as Regras! Filho da puta esse tempo! Se eu
pudesse mataria essa vagabunda!
Doutor - Vagabunda?
Heitor - É. A Puta que pôs o Tempo em nossas vidas!

O Doutor sorri, se levanta e vai até uma estante de livros.


Corte

Cena 6 – Rua / Externa / Dia

Em plano médio, Heitor sai do prédio. A tomada vai abrindo até um


long enquanto ele vai saindo. Três passos depois de sair, o prédio
some e tudo que fica pra trás vai desaparecendo e se convertendo em
trevas.
Fade

Cena 7 – Lixão / Externa / Noite

Long. Heitor está sentado no lixão. No monte mais alto ele lê um


livro sob a luz de uma lâmpada (de baixo pra cima) presa na caçamba
de um caminhão de brinquedo. Ele fecha os olhos.
Corte

Cena 8 – Bar / Interna / Noite

Em subjetiva ele entra num bar, observa as pessoas e vai até o balcão.
Uma garota estonteante se aproxima (Cabelos verdes). Surgem três
balões animados sobre sua cabeça (desgraça; destruição; cacos
jogados ao chão).

Garota - Oi! Posso ajudar?


Heitor - Melhor não... (Gagueja enquanto os balões explodem)
Garota - como?
Heitor - Uma cerveja, por favor.
Garota - Ok!
Heitor - Estou sonhando... (Pensa)
Garota - Sua cerveja!
Heitor - Valeu! Qual o seu nome?
Garota - Celine, e o seu?
Heitor - Heitor.
Os dois ficam sorrindo um pro outro em silêncio.
Celine - Heitor... Gostei!
Heitor - Que bom, eu...
Celine - Olha... Eu saio as duas. Espero te ver na saída!

Heitor fica mudo e levanta o copo em brinde, enquanto ela sai pra
atender outros clientes. Close no corpo dela de lado inclinado sobre o
balcão. Close no relógio em quick-motion até as 02:00h. Ela se
despede dos amigos e pára na porta. Subjetiva do lado de fora, em
panorâmica. Heitor havia sumido. Ela sai e a porta do bar se fecha.
Corte

Cena 9 – Lixão / Externa / Dia

Heitor se levanta sobre o lixão desesperado. Um Velho se aproxima


(Careca).

Velho -Bom dia menino!


Heitor - Parece que tive um sonho... Meu primeiro sonho...
Velho -Se você diz.
Heitor - Eu preciso dar um jeito de voltar àquele sonho...
Velho -O problema em procurar algo é que às vezes a gente encontra!
Heitor - O que quer dizer?
Velho -Coisas de um velho que já esteve em muitos sonhos... (sorriso)
Heitor - Velho, tudo que sei é que preciso voltar!
Velho -Se você diz. Boa sorte!

O velho sai e Heitor procura posições confortáveis para dormir.


Aérea. Depois de algumas horas de frustração, ele sai irritado.
Enquanto ele caminha, a cidade vai se formando. Ele avista o bar do
sonho e entra.
Chicote

Cena 10 – Bar / Interna / Dia

Plano médio de Heitor pedindo uma cerveja ao barman. No primeiro


gole avista um quadro na parede oposta. Ele se levanta, passa pela
garçonete em subjetiva e pára em frente ao quadro. Close no rosto
dele. Close no quadro com a foto de Celine Gorda com um texto no
rodapé: “Preciso acordar o tempo”. Ele volta ao balcão confuso.

Heitor - O que quer dizer o texto da foto?


Barman - O pai dela... O dono desse bar sabe? Ele escreveu aquilo.
Heitor - E você sabe o que significa?
Barman - Não faço a menor idéia!
Close. Heitor dá mais um gole, fecha os olhos e encosta a cabeça no
balcão. Plano médio dele enquanto o barman sai.
Corte

Cena 11 – Bar / Interna / Noite

Heitor levanta a cabeça do balcão assustado.

Celine - Hei furão! Acorda! Você está bem?


Heitor - Você...
Celine - Eu mesma! (sorriso)
Heitor - De volta ao sonho... (pensa)
Celine - Aqui está sua cerveja.
Heitor - Obrigado.

Plano médio. Os dois brindam e continuam conversando em áudio


mudo. Subjetiva. Celine vira pra pegar alguma coisa e quando volta
pra falar algo a Heitor, ele havia sumido de novo.
Corte

Cena 12 – Lixão / Externa / Dia

Subjetiva do velho olhando Heitor acordando. Subjetiva de Heitor


vendo o velho com expressão de pena.

Velho -Sonhando de novo menino?


Heitor - Parece que sim... Não entendo. Quando começa a ficar bom, eu
acordo!
Velho -Parece que você ainda não entendeu!
Heitor - Velho, o que você sabe que eu não sei?
Velho - Desculpe filho... Você vai ter que descobrir sozinho!
Heitor - Do que está falando? Hei! Hei!...

O velho vai saindo em long sem responder e some. Ele começa a


observar o lixão onde está e começa a procurar algo com afinco.
Encontra um jornal velho e um toco de lápis. Começa a escrever
pensando em voz alta. Tomada flutua nas fotos e quadros do lixão
enquanto ele escreve.

Heitor (off) - Meu primeiro sonho. Morena, olhos castanhos escuros, longos
cabelos verdes e cacheados, boca... Que boca! Boca que proporciona
a mais bela das melodias, sua voz. Doce, sedutora... Corpo... Corpo
estonteantemente delicioso... Que pernas!...

Long aéreo dele escrevendo em áudio mudo, enquanto pessoas


passam correndo desesperadas por todos os lados. O branco do dia se
transforma em trevas. O caminhãozinho volta a acender. Close nos
olhos fechados dele. Plano médio do velho observando ele.
Fade
Cena 13 – Bar / Interna / Noite

Close de uma porta se abrindo e surgindo o rosto de Heitor. Ele se


olha no espelho. A tomada abre até um plano médio. Ele vê Celine no
reflexo e vira. Esboça falar algo, mas é impedido por um gesto de
silêncio de Celine. Ela o leva ao banheiro das mulheres após uma
garota sair e entra num Box. Eles transam lentamente.
Fade

Cena 14 – Rua / Externa / Noite

Long. Os dois saem do bar abraçados, quando Heitor avista o Velho


de longe, sob a luz de um poste. Ele olha pra Celine e some. Ela sorri
e vai embora.
Corte

Cena 15 – Rua / Externa / Dia

P.M. Heitor corre pela cidade se formando a procura do Velho, até


encontrá-lo numa praça conversando com uma garotinha de cabelos
azuis. Ele o chama que pede pra esperar um pouco. O velho beija a
testa da menina e se aproxima.

Heitor - O que o senhor fazia no meu sonho?


Velho -Heitor... Menino quando vai entender?
Heitor - O que eu preciso entender? Fala de uma vez Velho!
Velho -Você sabe que não posso dizer nada...
Heitor - Sei, sei... Tudo isso é muito esquisito!...
Velho -Lembre-se que o tempo deixa suas marcas, seus sinais...
Heitor - Já procurei esses malditos sinais, mas é tudo tão abstrato...
Velho -Há regras que não podem ser quebradas... e nada é eterno! Procure os
sinais Heitor!

Heitor sai correndo e entra no bar novamente. Caminha até o quadro.


Close na foto.
Fusão

Cena 16 – Praça / Externa / Noite

Close no rosto de Celine sorrindo. Plano médio dela nua sobre Heitor
na praça. Ela vê o Velho, põe a roupa às pressas e sai correndo com
Heitor em slow. Eles entram numa estação de metrô. Close na placa.
“ Estação Central ”.

Corte
Cena 17 – Metrô / Interna / Noite

Long dos dois abraçados no fim do vagão. Celine está tensa. Plano
médio deles sentados.

Heitor - Não queria acordar nunca mais...


Celine - Precisamos conversar...
Heitor - Eu te amo Celine!
Celine - Não está certo!
Heitor - O que não está certo?
Celine - Como sou egoísta!
Heitor - Celine, do que está falando?
Celine - Lembra-se da foto no bar?
Heitor - Sim lembro...
Celine - Pois é, aquela sou eu de verdade!
Heitor - E quem é essa que está comigo? (sorrindo)
Celine - Um desejo... um sonho.
Heitor - Eu sei, você é meu sonho! É tudo que...
Celine - Heitor, não o seu sonho, o meu. Você não entendeu ainda?
Heitor - Não... Não faz sentido!
Celine - Você é um sonho! Aqui eu sou do jeito que sempre sonhei; linda e
perfeita. Eu estou sonhando Heitor!
Heitor - Mas...
Celine - Você é o meu sonho! Você não está dormindo e muito menos
sonhando! Eu estou dentro de você e não o contrário!
Heitor - Que viagem é essa?

O velho aparece e senta-se ao lado de Heitor.

Velho -Por que acha que as coisas se formam quando chega e somem quando
sai?
Heitor - Achei que era assim com todos...
Velho -Não menino. Você é o sonho das pessoas!
Celine - Por isso eu disse que estava sendo egoísta! Outras pessoas precisam
de você!
Velho - E você quebrou a regra dos sonhos! Tornou concreta uma coisa
abstrata! Celine se tornou real!
Heitor - Quando um sonho se torna real...
Velho -Ele deixa de existir! Se permanecer aqui, Celine não poderá acordar
nunca mais, e todas as pessoas...
Celine - Deixarão de sonhar! (interrompe)
Heitor - Então eu sou o sonho das pessoas... Não sou uma pessoa!
Velho -Não. Você é parte da essência delas...
Heitor - Se eu permitir que ela vá...
Celine - Poderei continuar minha vida... Viverei outros sonhos...
Heitor - E as coisas voltarão ao normal.
Velho -Isso.

Heitor se levanta vai até Celine, aperta suas mãos e sorri tristemente.
Ela começa a desaparecer.
Celine - O tempo e suas marcas... (ela some)
Heitor - Ela conhece esse texto?
Velho -É o sonho dela... (sorri)

Heitor vai até a porta de saída do vagão. Close no seu rosto refletido
no vidro. Close no mapa do metrô: “Linha Vermelha”.
Corte

Cena 18 – Lixão / Externa / Dia

Long. Heitor está de pé sobre o Lixão observando as pessoas.


Panorâmica de todos ao seu redor. A tomada flutua pelas fotos no
lixão mostrando os registros dos sonhos. Ele se ajoelha olhando as
fotos em plano médio.

Heitor - As marcas do tempo sempre estiveram aqui... os sinais... (Pensa)

Long. Ele se levanta e vê o velho em destaque.

Heitor - Velho! Se eu sou o Sonho, quem são vocês?


Velho -Eu sou o contra-regra, Maria ali é a figurinista, Marcelo iluminação,
Bíu coloca as cores ou trabalha os tons de cinza quando você se torna
P/B...

As pessoas vão aparecendo à medida que o velho os anuncia (Cada


um com cabelo de cor diferente). Ele continua falando em áudio
mudo.
Fade

Cena 19 – Bar / Interna / Dia

Plano médio. Heitor está no balcão do bar tomando uma cerveja.

Heitor - Você deve ser o Bíu! (bêbado)


Barman - Isso mesmo senhor!
Heitor - Sempre por perto né?
Barman - Isso senhor!
Heitor - De quem é esse sonho mesmo?
Barman - Daquele homem ali. (aponta)
Heitor - Aquele com três mulheres...
Barman - Isso mesmo senhor! O velho sonho do Harém. (sorri)

Plano médio. Heitor sorri e vê o quadro na parede oposta. Long do


bar. Ele se levanta cambaleando, vai até o quadro e percebe que a
foto agora era do dono do sonho. O texto no rodapé chama sua
atenção.
“Por favor, não me acordem! Minha vida é um pesadelo!”.
Heitor dá um longo gole na cerveja e fala em voz alta.

Heitor - Uns tem medo de dormir... Outros têm medo de acordar... Eu devia
me chamar, Ilusão! (gargalhada) Quer saber, chega de sonhos!!!
O cenário muda, em cenas oníricas, para uma casa caindo aos
pedaços. As garotas do sonhador se tornam travecos horripilantes e o
coitado volta a ser o magrelo feio da foto.

Barman - Heitor! Pare com isso! Você não pode...


Heitor - Já fiz! (gargalhadas)
Barman - Não pode descontar nas pessoas...
Heitor - A partir de agora não realizo mais sonhos de ninguém! Só
pesadelos! (grita)
Já era Bíu!

Heitor fala a última frase saindo do bar. Quando ele passa pela porta,
desmaia. Close na sua mão segurando a garrafa de cerveja.
Fusão

Cena 20 – Frente de casa / Externa / Dia

Close na mão de Heitor segurando uma barra de metal. Ele vai


saindo amarrado numa maca, de uma casa Azul. Uma mulher está de
cabeça baixa sentada no batente da entrada.

Heitor - Me acordem! Por favor, me acordem!... (grita repetidamente)

Aérea. Depois de colocado dentro da ambulância, percebe que os


médicos são o Velho, Bíu e Maria (garçonete). Volta a gritar
desesperadamente até escutar uma voz. Uma mulher entra.

Mulher - Calma meu amor! Você vai voltar a ser o Heitor dos meus sonhos...

Close no rosto da mulher. Quando Heitor percebe que a voz era de


Celine volta a gritar.

Heitor - O que é isso?! Meu Deus... Soltem-me! Eu preciso voltar! Me


soltem!...

Long. Celine sai da ambulância, fecha a porta e caminha sorridente


em direção da câmera.
Corte

Cena 21 – Insert / Interna / Noite

Em quick onírico, alternam tomadas de seis pessoas acordando


desesperadas, caindo da cama e, finalmente, aéreo de um bebê
chorando.
Corte

Cena 22 – Cozinha / Interna / Noite

Plano médio. Celine está na cozinha cantarolando algo. Close na faca


cortando cenouras.
Celine (off)- Heitorzinho, Heitorzinho... (cantarola)

Close na boca do fogão aceso.


Corte

Cena 23 – Cela no Lixão / Interna / Noite

A câmera flutua em quick-motion pelo corredor de um hospital, entra


na cozinha, no banheiro e no ralo de um vaso sanitário em
descarga. Depois de viajar pelo encanamento, sai no ralo de um
esgoto, entra num lixão até uma cela isolada com Heitor amarrado
numa maca. Aéreo dele apático olhando fixamente para frente. A
tomada vira para o teto e fecha em close no texto pichado.

“ Agora só pesadelos! ”
Celine

Tomada aérea dele catatônico.

Corte

FIM

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