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POR UMA EVANGELIZAÇÃO NÃO-ALIENANTE DA JUVENTUDE

Não pretendo fazer aqui nenhum texto teológico, muito menos um tratado filosófico ou
uma análise de conjuntura social, as palavras que seguirão buscam representar um incômodo,
um desconfortou recheado de questionamentos e dúvidas, que gostaria de compartilhar com os
leitores e também ter a opinião destes sobre tais inquietações.
Em tempos onde sensos e pesquisas relatam a diminuição de católicos no Brasil, ficam
evidentes duas situações ambíguas: de um lado o aumento de Igrejas neopentecostais e do
movimento católico carismático e de outro, o crescimento do ateísmo e gnosticismo1. Nesse
contexto conturbado, a palavra “Evangelização” é comum quando se fala de juventude cristã
independentemente da denominação, igreja ou movimento eclesial.
De fato o cristianismo tem a evangelização como princípio e fundamento. A vida de
Cristo foi o início e é a inspiração para o anúncio da Palavra de Deus, da chamada Boa Nova
ou mesmo do Reino de Deus onde a justiça, a verdade e a liberdade imperam. Nos chamados
Evangelhos (livros que narram a vida e os atos de Jesus) podemos observar o próprio Deus que
se faz carne e anda pelas vilas, está com o povo, dá a estes dignidade, protagonismo e coragem
para seguir as suas vidas com a esperança de um mundo melhor.
Com o passar do tempo, os discípulos, ou como também podemos chamar, os seguidores
de Jesus, foram adaptando o evangelizar de acordo com os tempos, os lugares e as pessoas.
Buscando serem fieis aos ensinamentos de Cristo, que ao longo do tempo foram organizados,
estruturados e registrados pelas comunidades cristãs (pois não temos nenhum documento
escrito pelo próprio Jesus), os cristãos levaram a boa nova a todos os cantos do mundo, de modo
que hoje o cristianismo é considerado uma religião universal.
A Igreja Católica nos últimos anos tem buscado renovar-se em seu múnus de
evangelizar. O século XX foi de fundamental importância para se criar e implantar um projeto
de abertura, de adaptação, de inculturação aos novos paradigmas e realidades da
contemporaneidade. Nesse sentido, o Concílio do Vaticano II trouxe novos horizontes e pistas
para que a evangelização se tornasse mais eficaz e concernente com os dias atuais.
Desta forma, a Igreja busca rever a sua forma de atuar e estar. Papa Francisco diz que
“Um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova

1
Cf. NOVAES, Regina. Os jovens "sem religião": ventos secularizantes, "espírito de época" e novos sincretismos.
Notas preliminares. Estud. av. vol.18 no.52 São Paulo Sept./Dec. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n52/a20v1852.pdf>. Acesso em: 09.fev.2017.
alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. ”2 Mas o questionamento que faço é: Quanto
avançamos? Realmente estamos conseguindo dialogar com o mundo atual? Como os valores
ensinados por Cristo podem ser realidade no mundo de hoje? Como o cristão pode ajudar a
construir o Reino de Deus, a continuar o plano de redenção iniciado por Jesus há dois mil anos?
Quando observo a atuação da Igreja com juventude de uma forma geral, nasce em mim
dois sentimentos contraditórios: esperança e desilusão. Tenho esperança, pois grande parte dos
jovens da sociedade em geral, e daqueles que se dizem de tradição cristã, tem sede de vida, tem
desejos de uma existência melhor, tem energia e vontade de lutar por um mundo novo. Todavia,
sinto-me desiludido, quando percebo como a Instituição Igreja (esta representada por religiosos
e pessoas - homens e mulheres, jovens e adultos) atuam na evangelização dessas juventudes.
“Temos que trazer os jovens para a Igreja! Temos que tirar os jovens da marginalidade!
Vamos evangelizar, levar a palavra de Deus para esses jovens que não querem saber de nada”.
Esses são comentários comuns dos “mais velhos” e muitas vezes de jovens que atuam nas
comunidades eclesiais quando o assunto é juventude. De fato essas são necessidades que
existem, em um mundo secularizado os valores religiosos, especialmente os cristãos estão cada
vez mais esquecidos, assim a inquietação é real e verdadeira. Contudo o problema está no como
realizar tais imperativos.
Em um mundo onde a palavra “Jesus” é clichê e fórmula mágica para ganhar dinheiro;
em um ambiente em que muitas vezes a religião é distante da realidade do povo, está restrita a
guetos e a grupos muitas vezes sectários e preconceituosos. Em um contexto onde os jovens
são bombardeados por ideologias que pregam o individualismo, o consumismo, o hedonismo.
Em uma realidade onde o jovem, principalmente de classe baixa, negro, tem que trabalhar,
estudar e “se matar” para conseguir uma vaga no ensino superior e poder sonhar com uma vida
melhor; somente chamar as juventudes para ir à missa, rezar o terço, participar do
culto/celebração, fazer uma louvação não pode ser chamada de uma evangelização efetiva.
Não estou dizendo que as propostas acima não são válidas, pelo contrário, devem
continuar, mas acredito que o mundo atual oferece desafios que as fórmulas tradicionais não
respondem. O que oferecemos aos jovens que chamamos? Será que somente uma missa de cura
e libertação ou um encontro no grupo de oração vai ajudar efetivamente esse jovem? É preciso
ir além, é preciso acompanhar os jovens por um caminho que lhes dê liberdade, dignidade, que

2
PAPA FRANCISCO. Evanelii Gaudium. §11. Disponível em:<
https://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-
ap_20131124_evangelii-gaudium_po.pdf>. Acesso em 13.fev.2017.
ajude-os a serem protagonistas, que proporcione a eles um senso crítico sobre a realidade, que
os faça perceber a sua força política e a sua capacidade de transformação social.
Não existe uma receita pronta, cada realidade tem suas especificidades, mas somente
ficar na “louvação” pode ajudar, mas não é suficiente. Como então contribuir efetivamente na
formação de valores cristãos a esses jovens? Como ter uma evangelização efetiva que não seja
alienante e que possa ajudar a formar jovens competentes, compassivos, conscientes e
comprometidos com os demais e com a construção de um reino de paz e justiça?
Como disse, não há respostas, trata-se mais de inquietações. Talvez tais perguntas
possam ajudar a uma busca por respostas e propostas de caminhos a serem trilhados. Qual é a
sua sugestão?

A condição juvenil está para além de uma conceituação estritamente psicológica, fisiológica ou
etária. Juventude é uma categoria socialmente produzida e portanto, dinâmica: as formas de
vivenciá-la, os sentidos que são atribuídos a ela, a posição e o tratamento dados aos jovens
variam de acordo com os diferenciados contextos sociais, históricos e culturais.

Em meio a essa realidade os jovens também vivenciam a religião. Para a juventude, a


experiência religiosa, além do aspecto sagrado/transcendental, também se apresenta como um
espaço para constituição de identidade e sociabilidade. Observa-se muitas vezes que essa
vivência, por ser também experimentação, não se prende a uma única espiritualidade ou
denominação religiosa. Por isso um mesmo jovem, por exemplo, pode frequentar a missa e
cultos, trazer em seu corpo tatuagens com símbolos hindus, praticar ioga e reverenciar os orixás.

Por outro lado, verifica-se que nos últimos anos a religião vem perdendo o seu espaço como
referência ética juvenil. A moral religiosa não desaparece, mas divide espaço com outros
discursos advindos de um mundo globalizado e plural. Os jovens contemporâneos de uma
maneira geral são menos dogmáticos e questionam mais as orientações e até mesmo os ritos
religiosos, gerando muitas vezes conflitos internos dentro dos templos e igrejas.

Assim como no campo religioso, a temática da sexualidade também ganha nova roupagem e
tessituras no mundo juvenil. O que antes era tabu, hoje passa a ser, ainda que com restrições,
algo muito mais presente e vivenciado pelos jovens, tal como a temática da virgindade, da
identidade de gênero e da homossexualidade.
A Igreja Católica, atenta a esse movimento, tem tratado o tema da sexualidade, incluindo a
homossexualidade, em diversas publicações e pronunciamentos oficiais. No documento
Persona Humana (1975), as relações homossexuais são condenadas como graves depravações
e como uma consequência triste de uma rejeição de Deus. (§9). Em Carta aos Bispos da Igreja
Católica sobre o atendimento pastoral das pessoas homossexuais (1986), afirma-se que a
condição homossexual constitui uma tendência para um comportamento intrinsecamente mau
do ponto de vista moral e que sua atividade impede a autorealização e a felicidade porque é
contrária à sabedoria criadora de Deus (§7).

No Catecismo da Igreja Católica (1992) os atos homossexuais são apresentados como


intrinsecamente desordenados, contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não
procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira e “em caso algum podem ser
aprovados. ” (§2357). Já no Lexicon: termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e
questões éticas (2002), a homossexualidade é apresentada como um problema psíquico na
organização da vida sexual da pessoa e a homofobia, um argumento de má fé e um produto da
ansiedade da psicologia homossexual.

Embora tenha uma trajetória de falta de diálogo com as pessoas homossexuais e sua condição,
nos últimos anos verifica-se um grande avanço da Igreja no sentido de aproximar-se dessa
realidade fortemente vivenciada por jovens do mundo inteiro. Contudo, tal movimento não se
dá tanto em documentos, mas em ações e posicionamentos tal como aqueles feitos pelos Padres
José Antônio Trasferetti, em São Paulo e Luís Correia Lima, no Rio de Janeiro; em
organizações como Diversidade Católica e, de uma forma mais performática e contundente,
pela postura do próprio Papa Francisco, que tem surpreendido os fiéis devido a sua acolhida às
pessoas LGBTs.

Em viagem de regresso da Jornada Mundial da Juventude em 2013, Francisco disse: “Se uma
pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para a julgar?”. Tal afirmação
teve grande repercussão da imprensa e mostrou um lado desconhecido da Igreja. Essa postura
positiva se reafirmou quando o Pontífice recebeu um grupo de pessoas homossexuais e também
um homem transexual em suas audiências no Vaticano, algo nunca acontecido nos dois milênios
da história da Igreja.
Ainda que se tenha posicionado contra o “casamento gay”, Francisco afirmou em sua exortação
apostólica Amoris Laetitia que independentemente da orientação sexual a pessoa deve ser
respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito (§250). Em 2016 chegou a pedir desculpas
às pessoas homossexuais pelas ofensas realizadas pela Igreja. Em entrevista à revista jesuíta La
Civiltà Cattolica, publicada em agosto de 2013, quando questionado pela realidade de tantos
cristãos excluídos, inclusive os homossexuais, Francisco afirmou que proclamar o amor
redentor de Deus é um dever prioritário, antes do dever moral e religioso.

A postura de Francisco e as iniciativas da chamada pastoral da diversidade, já realizada em


diversos países, tem mostrado uma abertura da Igreja para a realidade das pessoas LGBTs e
consequentemente para tantos jovens que vivem essa condição. Tal abertura tem sido vista
positivamente pela comunidade não heteronormativa que passa a ver a Igreja com outros olhos.
Muitos jovens homossexuais e transexuais têm buscado a Igreja, principalmente agentes de
pastorais e sacerdotes que mostram abertura ao diálogo, o que demonstra que há espaço para
todos e que todos são chamados a vivenciar a sua religiosidade com liberdade e acolhida.

Evidentemente há muito a ser feito, são anos de perseguição e discriminação injusta que ainda
mancham a imagem da Igreja perante essas pessoas muitas vezes marginalizadas e esquecidas
por aquela instituição que se denomina como “mãe”, contudo, uma luz se mostra na escuridão
e certamente os jovens e as jovens homossexuais do futuro poderão ser acolhidos e acolhidas
verdadeiramente como filhos amados e filhas amadas que são.

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