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Departamento de Matemática - MTM

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Por que estudar Cálculo?

Florianópolis - SC
2015/2
2
Sumário

1 Por que estudar cálculo? 3


1.1 Lançamento oblíquo de um projétil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Velocidade instantânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Comprimento de curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Área de uma circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.5 O volume da esfera e o Princípio de Cavalieri . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.6 Volumes de superfícies de revolução e o Teorema de Pappus . . . . . . . . 16
2 SUMÁRIO
Capítulo

1
Por que estudar cálculo?

No que segue apresentamos alguns exemplos que pretendem demonstrar que a matemá-
tica desenvolvida até o final do ensino médio é insuficiente para atacar alguns problemas
importantes com os quais nos deparamos.

1.1 Lançamento oblíquo de um projétil

Problema: Imagine que em uma batalha saibamos que os projéteis lançados pelos nossos
canhões tenham velocidade V0 ao sair do canhão e que o inimigo situa-se a uma distância
d de nossos canhões. Você, como general do exército, precisa saber responder algumas
perguntas, tais como:

(a) Qual é ângulo de disparo para que o alvo seja atingido?

(b) Qual é o alcance máximo de nossos canhões?

Para resolver este problema, é preciso encontrar um modelo matemático para o lan-
çamento oblíquo de um projétil. A física envolvida em tal problema é bem complicada
de se trabalhar, mas para encontrar um primeiro modelo, faremos algumas suposições.
Suponhamos que

∗ a resistência do ar é desprezível,

∗ a aceleração da gravidade é constante,


4 Por que estudar cálculo?

∗ o ângulo de lançamento é θ ∈ (0, π2 ),

∗ a altura do canhão relativemente ao solo é desprezível e que

∗ a altitude seja constante no campo de batalha.

yθ0
Vx

Sendo m a massa do projétil, a velocidade inicial V0 do projétil pode ser decomposta


em velocidade vertical Vv0 = V0 sin θ e velocidade horizontal Vh0 = V0 cos θ iniciais; isto é,

Vv0 V0
3







Vh0

Se g denota a aceleração da gravidade a velocidade vertical depende do tempo através


da relação
Vv (t) = V0 senθ − gt, (1.1.1)

enquanto que a velocidade horizontal é constante ao longo do tempo.


Como obter a altura do projétil como função do tempo? Note que o gráfico da velo-
cidade vertical como função do tempo é
1.1 Lançamento oblíquo de um projétil 5

V
6

V0 sen θ ∆ti = ti − ti−1


gt

-t
t V0
∆ti
g
sen θ = tM
ti−1
) ?
ti

Se t > 0 e t0 < t1 < · · · < tn = t é uma subdivisão do intervalo [0, t] e ∆ti = ti − ti−1 .
Como em cada intervalo [ti−1 , ti ] a velocidade é aproximadamente igual a Vv (ti−1 ) temos
que neste intervalo o deslocamento vertical é aproximadamente igual a

∆yi = y(ti ) − y(ti−1 ) ∼ Vv (ti−1 )∆ti

e o deslocamento vertical correspondente ao intervalo de tempo [0, t] é aproximadamente


igual a
Xn Xn
y= ∆yi ∼ Vv (ti−1 )∆ti ∼ A
i=1 i=1

onde por ∼ queremos espressar o fato que a medida que o comprimento dos intervalos
[ti , ti−1 ] se aproxima de zero y se aproxima mais e mais da área A sob o gráfico da
velocidade no intervalo [0, t]. Como

1
A = V0 senθt − gt2 ,
2
segue que
1
y(t) = V0 senθt − gt2 (1.1.2)
2
é o deslocamento vertical do projétil (altura do projétil depois de decorridos t unidades
de tempo).
O deslocamento horizontal ocorre com velocidade constante Vh = V0 cos θ. Logo

x(t) = V0 cos θ t. (1.1.3)

De posse do modelo matemático para os deslocamentos horizontal e vertical estamos


preparados para resolver o problema proposto:
6 Por que estudar cálculo?

V0
∗ o projétil alcançará altura máxima em t = tM = g
senθ. Logo

yM = y(tM ) = V0 senθ tM − 12 g (tM )2


V2 2
1 V0
= V0 senθ Vg0 senθ − 12 g g02 sen2 θ = 2 g
sen2 θ

e
1 V02
yM = sen2 θ. (1.1.4)
2 g

∗ o projétil atinge o seu alvo quando y(ta ) = 0. Logo ta = 2 Vg0 senθ o que implica

V02
xa = x(ta ) = 2 senθ cos θ
g
e
V02
xa = sen2θ. (1.1.5)
g

∗ o alcance do projétil é máximo quando θ = π/4.

O que voce observa sobre a matemática contida neste exemplo?

1. O procedimento para obtenção do deslocamento vertical é bastante convincente mas


requer uma melhor justificativa. O processo de fazer ∆ti pequeno (tender a zero)
exige uma melhor formulação que é dada pela noção de limite.

2. Se a velocidade depende do tempo de uma forma mais complicada podemos não ser
capazes de encontrar a área sob o gráfico A de forma tão simples. Por exemplo, o
projétil pode ser impulsionado durante o precurso (como ocorre no lançamento de
foguetes). Deparamos então com o problema de calcular a área sob o gráfico de uma
função

V 6

V (s) r
A = deslocamento

-
s t

cuja resposta requer a introdução do conceito de integral.


1.2 Velocidade instantânea 7

3. Quando a massa do projétil depende do tempo a segunda lei de Newton precisa de


uma outra formulação para sermos capazes de equacionar o movimento e mesmo
a velocidade instantânea para ser obtida como função do deslocamento precisa da
introdução do conceito de derivada.

1.2 Velocidade instantânea

Problema: Conhecido o deslocamento como função do tempo determinar a velocidade


instantânea para cada instante de tempo.

deslocamento
6
x(t + h) − x(t)
x(t + h) r VMédia =
r [t , t+h] h
x(t)
= inclinação do segmento
[(t, x(t)), (t + h , x(t + h))]
- tempo
t t+h

x(t+h)−x(t)
A velocidade média Vm no intervalo [t, t+h] é dada por Vm = h
e é a inclinação
do segmento [(t, x(t)), (t + h, x(t + h))]

deslocamento
6

VInstantânea = inclinação da reta


tangente ao gráfico
(t, x(t))
de x(·) em t = s
x(s) r

- tempo
s

x(t+h)−x(t)
A velocidade instantânea Vi no instante t é dada por Vi = limh→0 h
e é a
inclinação da reta tangente ao gráfico de x no instante t.
8 Por que estudar cálculo?

Aqui precisamos da noção de limite para definir a velocidade instantânea. O limite


que define a velocidade instantânea é chamado derivada de x no instante t.
Vamos considerar os casos de Movimento Uniforme e Movimento Uniformemente Va-
riado.

∗ Movimento Uniforme
Se um corpo se move ao longo de uma reta deslocando-se segundo a equação

x(t) = x0 + v0 t

então, a velocidade em cada instante t é obtida fazendo

x(t + h) − x(t)
= v0 , h > 0 pequeno
h
e desta forma a velocidade em cada instante é v0 .

∗ Movimento Uniformemente Variado


Se um corpo se move ao longo de uma reta deslocando-se segundo a equação

1
x(t) = x0 + v0 t + at2
2
então, a velocidade em cada instante t é obtida fazendo

x(t + h) − x(t) a
= v0 + at + h, h > 0 pequeno
h 2
logo, no instante t a velocidade v(t) é

v(t) = v0 + at.

6
x(t + h) r

x(t) r θ(t) tg(θ(t))=v(t)

-
t t+h
1.3 Comprimento de curvas 9

A aceleração é obtida da velocidade da seguinte forma

v(t + h) − v(t)
= a, h > 0 pequeno
h
então a aceleração em cada instante t é a.
Observação: Quando o movimento tem expressões mais complicadas, como determinar
a velocidade e a aceleração? Novamente vamos precisar das noções de limite e derivada.

1.3 Comprimento de curvas

Problema: Calcular o comprimento de uma curva dada como gráfico de uma função.
Considere a curva abaixo

x
6

r r
x = f (t)

-
t

Vamos considerar alguns casos particulares

r
6
L
{ (t, f (t)) : t1 ≤ t ≤ t2 }
r p
ar b L= (t2 − t1 )2 + b2 (t2 − t1 )2
√ √
= 1 + b2 (t2 − t1 ) = 1 + b2 ∆t

-
t1 t2
∆t

Se, por outro lado, f tem uma poligonal por gráfico


10 Por que estudar cálculo?

6
f (ti ) − f (ti−1 )
a2 +b2 t a4 +b4 t bi =
ti − ti−1
q
q q

a1 +b1 t a3 +b3 t

-
t0 t1 t2 t3 t4 p p p t
n q
X
L= 1 + b2i (ti − ti−1 ).
i=1

No caso geral
s
n  2
6 X (f (ti ) − f (ti−1 )
f (t2 ) r L= 1+ (ti − ti−1 )
r i=1
ti − ti−1

f (t1 ) r fornece uma aproximação para


r
o comprimento da curva se
f (t0 ) r
- (ti − ti−1 ) é pequeno 1 ≤ i ≤ n .
t0 =a t1 t2 t3 t4 p p p

Para obter o valor exato vamos precisar introduzir as noções de limite, derivada e
integral, Z bp
L= 1 + f 0 (t)2 dt
a

1.4 Área de uma circunferência

O quociente entre o comprimento de uma circunferência e o diâmetro é um número


real denotado por π.

L = π d = 2π r
r
d r
1.4 Área de uma circunferência 11

Vamos determinar a área da circunferência de raio r. A idéia de Arquimedes (287-212


a.c.) foi dividir a circunferência em setores de igual área e reagrupá-los da seguinte forma

∗ 8 Setores

@
@
@
@
@
@
@

∗ 16 Setores

@
@
@
@
@ r
@
@
πr

quanto maior o número de setores, na divisão acima, mais a área se aproxima de πr.r =
πr2 .
A demonstração deste resultado envolve o conceito de limite. Se dividimos a circun-
ferência em n setores iguais temos

@
@ r p
@ π/n
@
@
@
@

π π 1 senπ/n
A ∼ 2n.rsen .r cos . ∼ πr2 . . cos π/n.
n n 2 π/n

Se n é grande cos π/n ∼ 1 e sen π/n


π/n
∼ 1 (primeiro limite fundamental) e teremos

A = πr2 .
12 Por que estudar cálculo?

Portanto, é fundamental entendermos o processo de passagem ao limite para encon-


trarmos soluções para problemas simples como o cálculo da área de um círculo.

Observação 1.4.1 (Cuidado!). Recorde a fórmula da soma de uma Progressão Geomé-


trica de razão menor que um

1 − rn+1
1 + r + r2 + · · · + rn = , |r| < 1.
1−r

Quanto maior o valor de n menor é o valor de rn+1 e mostraremos que rn+1 tende a zero
quando n tende a infinito. Desta forma a soma

1
1 + r + r2 + · · · + rn + · · · = , |r| < 1. (1.4.1)
1−r

Isto significa que quando tomamos

Sn = 1 + r + r2 + · · · + rn

1
para n grande nos aproximamos do valor S = 1−r
. Uma tentativa de estender a igualdade
(1.4.1) para r = −1 parece conduzir a

1
1 − 1 + 1 − 1 + ··· =
2

e de fato, matemáticos de peso como Euler, Leibniz e Bernoulli chegaram a propor 21


como soma desta série (antes de existir o conceito de série convergente). Bernoulli usava
a seguinte justificativa

S = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + ··· ⇒
S − 1 = −1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · · = −S ⇒
2S = 1 e S = 12 .

No entanto as somas Sn assumem os valores 0 e 1 alternadamente e não se aproximam


de qualquer número real. Logo, as manipulações algébricas acima não fazem sentido.
A interpretação correta de (1.4.1) é dada pela noção de “limite” (noção de série
convergente) que expressa o fato que Sn se aproxima de S.

lim Sn = S, para |r| < 1


n→∞

e tal limite não existe se |r| ≥ 1.


1.5 O volume da esfera e o Princípio de Cavalieri 13

1.5 O volume da esfera e o Princípio de Cavalieri

Problema: Considere os distintos sólidos abaixo. É possível dizer que se todas as seções
cilíndricas têm o mesmo volume, os volumes dos sólidos devem coincidir?

P
V = (volumes das seções cilíndricas)

= ∆h = ∆h

Aqui precisamos do processo de passagem ao limite para mostrar que o volume do


sólido pode ser aproximado pela soma dos volumes das seções. Este resultado é axioma-
tizado no seguite princípio.

Teorema 1.5.1 (Princípio de Cavalieri). São dados dois sólidos e um plano. Se todo
plano paralelo ao plano dado secciona os dois sólidos segundo figuras de mesma área,
então estes sólidos tem o mesmo volume.

Aplicações:
Volume de um prisma triangular

V =A·h
h
A A

A A
14 Por que estudar cálculo?

Volume de uma pirâmide triangular


Observe primeiramente que do Princípio de Cavalieri podemos mover livremente o
vértice de uma pirâmide em um plano paralelo ao plano da base sem alterar o seu volume.

h S1 = S2
S1 S2
A1 A2
H

Lembrando que o volume de um prisma com área da base A e altura h é V = A.h e


aplicando o resultado acima à figura abaixo temos o volume de uma pirâmide triangular.

1 1
VPirâmide = VPrisma = A · h
3 3

Volume de uma pirâmide qualquer


O volume de uma pirâmide qualquer é obtido observando que uma pirâmide qualquer
é a união de pirâmides triangulares. Assim

1 1 1 1
V = A1 h + A2 h + A3 h = A h
3 3 3 3

A3

@ A2
@ A1
1.5 O volume da esfera e o Princípio de Cavalieri 15

Volume de um cone e de um cilindro


Para encontrar o volume de um cilíndro e o volume de um cone basta observar as
figuras abaixo

h A A
V =A·h

A A

1
Vc = A·h
3
1
= π r2 · h
3
A
A q r

Volume da esfera
Para calcular o volume da esfera de raio R construimos um cilindro reto de raio da
base R e altura 2R e retiramos dos mesmo os dois cones centrais formados pela união do
centro do cilindro à borda da base e do topo do cilindro (veja figura abaixo). Se apiamos a
esfera no plano da base do cilindro e seccionamos ambos os sólidos por um plano paralelo
ao plano da base do cilindro (conforme figura) obtemos um anel (ao sectionar o cilindro
sem o cone central) de área A0h e uma circunferência de área Ah .

R A0h q h Ah q r
h h
H=2R q q
R R

q
R
16 Por que estudar cálculo?

Note que r2 = R2 − h2 e portanto

A0h = π(R2 − h2 ) = πr2 = Ah

Segue do Princípio de Cavalieri que o volume VE da esfera é igual ao volume do cilindro


menos os cones centrais. Assim

1 H 2 4
VE = πR2 .H − 2. πR2 = 2πR3 − πR3 = πR3
3 2 3 3
e portanto
4
VE = πR3 .
3

1.6 Volumes de superfícies de revolução e o Teorema de


Pappus

Problema: Quanta borracha é necessária para fazer uma câmara de ar com raio menor
10cm, raio maior 50cm e espessura 0, 1cm?
Para resolver este problema introduzimos a noção de centro de massa de uma poligonal
plana (c denota a densidade linear). Inicialmente definimos o ponto médio de um segmento
como o seu centro de massa. Assim o centro de massa de uma poligonal é dado por:

c · `1 · x1 + · · · + c · `n · xn
y6 `1 xc =
q c · `1 + · · · + c · `n
q
q (x1 ,y1 )
q `1 · x1 + · · · + `n · xn
q =
(x0 ,y0 ) `1 + · · · + `n
q
q (xn ,yn )
q
`n c · `1 · y1 + · · · + c · `n · yn
yc =
- c · `1 + · · · + c · `n
x
`1 · y1 + · · · + `n · yn
=
`1 + · · · + `n

A área lateral de um tronco de cone é obtida da seguinte forma


1.6 Volumes de superfícies de revolução e o Teorema de Pappus 17

AT =?
m

R r R−r
r = =
m+g m g
R+r
x g
x= 2

2π(m +
g) — π(m + g)2
   

m g
q 2πR
 — AE

2πR
2πr
AE = πR(m + g)
AI = πrm

Assim a área lateral AT do tronco de cone é dada por

R+r
AT = πR(m + g) − πrm = πRg + π(R − r)m = π(R + r)m = 2π g
2
e desta forma
AT = 2πxg,

onde x é a coordenada do centro de gravidade do segmento ou a distância do centro de


gravidade do segmento ao eixo de rotação. Note ainda que 2πx é a distância que o centro
de gravidade percorre ao girarmos o segmento em torno do eixo de rotação para produzir
o tronco de cone. Desta forma a área da superfície obtida ao girarmos um segmento em
torno de um eixo de rotação (tronco de cone) é o produto da distância percorrida pelo
centro de massa do segmento pelo comprimento do segmento. Isto se generaliza facilmente
para a superfície gerada pela revolução de uma poligonal plana em torno de um eixo de
rotação pois esta superfície é formada pela justaposição de diversos troncos de cone
18 Por que estudar cálculo?

r r
x1 r `1 A = 2π x1 · `1 + · · · + 2π xn · `n
r r
x2 r `
r r
2
(x1 `1 + x2 `2 + · · · + xn `n )
= 2π · (`1 + · · · + `n )
`1 + · · · + `n
r r
xn r `n = 2π xc · L , L = `1 + · · · + `n
r r r

Um processo de passagem (tomando mais e mais pontos sobre a curva) ao limite resulta
no seguinte resultado

Teorema 1.6.1 (Teorema de Pappus). Se uma linha plana gira em torno de um eixo
de seu plano a área da superfície gerada é igual ao comprimento dessa linha multiplicado
pelo comprimento da circunferência descrita por seu centro de massa.

De volta ao problema da câmara de ar

R

Ac = 2πr · 2πR
1r
 -  = 4π 2 Rr

O volume de borracha necessário para construir tal câmara é, aproximadamente,

V = 4π 2 .50cm3 .

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