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A Filosofia de

Ortega y Gasset

"ORTEGA NÃO FOI APENAS


O MAIOR FILOSOFO ESPANHOL,
MAS IGUALMENTE UM DOS MAIORES ESCRITORES
QUE A LlNGUA ESPANHOLA
CONHECEU EM TODOS OS TEMPOS."

o ESTILO LITERÁRIO entender estas duas antípodas na ção a Ortega y Gasset, pois ver~·
comunicação humana, de um lado mos que o filósofo espanhol, ape-
Todos sabemos bem, por expe- a poesia (e o poeta) que está sem- sar de sê-lo, usará, e em algumas
riência, a distância que vai do pen- pre prestes a criar a forma próxi- passagens até exagerará, de uma fi-
samento à palavra e desta à escri- ma daquilo que quer transmitir, gura de linguagem - a metáfora -
ta. O primeiro é fluido, penetran- porque poesia se faz com palavras. para transmitir suas idéias e torná-
te e instantâneo e não se utiliza de "Para o poeta, mergulhar na vi- Ias acessíveis aos seus leitores e
nenhum tipo de representação. A da e mergulhar na linguagem é ouvintes.
palavra já necessita de uma forma (quase) a mesma coisa. Ele vive o O resultado foi uma filosofia
definida - a linguagem -, caso conflito signo versus coisa. Sabe profunda com uma excelente lite-
contrário seria ininteligível. A es- (isto é, sente o sabor) que a pala- ratura, cada vez mais aprimorada e
crita estratifica-se, torna-se no mo- vra "amor" não é o amor - e não estilizada, própria de um refina-
numento que encerra uma idéia, se conforma ..." (1). Ou ainda: mento interior, capaz de comuni-
isto é, tenta significá-Ia. E a proxi- "Mallarmé falava de uma flor que car com leveza e clareza de uma
midade entre o que se quer dizer e está ausente de todos os buquês. crônica as mais intrincadas investi-
o que é dito reflete a possibilidade Que flor é esta?" (2) gações filosóficas. Fato que não
na qual a palavra vai-se transfor- E no outro lado a prosa e todos raro produz no leitor a sensação
mando no próprio conceito, ou os que dela se servem, inclusive o de ter apreendido (pois tão fácil se
em que significante e significado filósofo, porque sua atividade é es- torna com o mestre condutor) o â-
não sejam mais do que uma só coi- sencialmente ideal. Enquanto o mago da questão com o mínimo
sa. A questão, pois, resume-se em poeta, mergulhado na vida tenta de esforço, e quando nos separa-
como atingir este ponto. Costuma- interpretá-Ia, o pensador distancia- mos, encontramo-nos de súbito,
se dizer, numa terminologia um se para decifrá-Ia. Dois caminhos novamente em completa escuri-
tanto mais técnica, que a lingua- distintos para uma mesma inten- dão. Por isso, a opinião de seus es-
gem poética consuma em si este ção. Daí que muitas vezes usa-se a tudiosos e biógrafos é unânime em
objetivo, e a prosa comum, o dis- oposição raciocínio/sentimento afirmar que Ortega não foi apenas
curso, geralmente explicativo, en- para distinguir prosador ou filóso- o maior filósofo espanhol, mas
contra-se mais alheia. O funda- fo do poeta. Mas a poesia não se a- igualmente um dos maiores escri-
mento é de certa forma simples: limenta somente de impressões, tores que a língua espanhola co-
Trata-se, na linguagem poética, de sensações ou sentimentos, usa nheceu em todos os tempos. As-
carregar a palavra do máximo de também idéias, evidentemente de sim diz José Ferrater Mora sobre
significação que comporta, en- uma forma poética. sua qualidade literária: "A eleição,
quanto que a prosa sempre con- O que se pretendeu com esta por Ortega, de meios de comuni-
duz a um significado fora dela, é introdução sobre poesia e prosa cação pouco usuais na filosofia de
remetente. Nesse sentido podemos foi proporcionar uma aproxima- sua época não se deve somente,

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"A CLARIDADE E A
CORTESIA
DO FILOSOFO",
porém, ao motivo indicado. Orte- DIZIA ORTEGA A enormidade da obra deixada
ga não foi apenas um filósofo; foi A RESPEITO DE SUA mostra-nos a fecundidade do filó-
também, e em medida importante, COPIOSA PRODUÇÃO, sofo e ainda a imensa gama de in-
um escritor. Perfilou no grupo de E E ESTE O OBJETIVO teresses que tinha, pois escreveu
autores espanhóis de nosso século QUE VAI PREVALECER sobre quase tudo. Eis o que diz
que deram à Espanha e, em geral, EM SUA OBRA. José Ferrater Mora sobre isto:
ao mundo hispânico, uma espécie "Um rápido olhar ao índice ono-
de novo Século de Ouro literário." mástico colocado no fim de suas
(3) obras confirma a multiplicidade
Os "meios de comunicação de interesses do filósofo. Renan,
pouco usuais na filosofia de SU{i é- Einstein, Júlio César, Husserl,
poca" a que se refere seu contem- o filósofo em esboçar um novo te- Kant, Goya, Proust, Ibn Khaldun:
porâneo são os periódicos espa- ma logo que terminasse o que es- eis aqui os nomes de algumas figu-
nhóis e argentinos para os quais tava tomando sua atenção. Um ras não somente mencionadas ao
Ortega colaborava com ensaios fi- outro é o dito por Julián Marias acaso, mas também estudadas de-
losóficos. E não fazia isso aleato- "ao mostrar que Ortega teve que moradamente. Alguns dos ensaios
riamente, pois sua intenção era adotar meios de comunicação de- contidos nas obras são inclassificá-
principalmente criar uma atmosfe- masiado públicos" (4), pois, já dis- veis. Um dos ensaios, por exem-
ra filosófica, pelo menos reflexiva semos, intentava elevar o nível re- plo, versa sobre a moldura do qua-
na Espanha. Pretendia elevar seu flexivo de seu povo. Por isso rece- dro; outro é um prefácio a um li-
povo "à altura dos tempos" (Orte- ber o epíteto de nacionalista, po- vro não escrito ... No que toca ao
ga), trazer o homem espanhol ao rém sem nada subtrair da filosofia, número de temas debatidos não
posto de relevo que lhe cabia se- ao contrário, através de uma in- parece haver limite. Ortega escre-
gundo sua tradição. Assim sua ati- tensa literatura, inundar a cultura veu sobre as fontículas de Nurem-
vidade filosófica concentrou-se em espanhola de filosofia, e sabia Or- berg, sobre a língua francesa, so-
ensaios através de jornais, e tal foi tega o quanto era preciso estabele- bre a Gioconda, sobre o balé rus-
sua participação nestes veículos cer um clima propício. so, sobre a etnologia africana e,
que chegou-se a afirmar que Orte- "A claridade é a cortesia do fi- evidentemente, sobre a história, o
ga nascera "sobre uma rotativa." lósofo", dizia Ortega a respeito de amor e a metafísica"(6). E equi-
E ele próprio lamentou-se muitas sua copiosa produção, e é este o voca-se quem concluir que tantos
vezes por não ter um jornal. objetivo que vai prevalecer em sua e tão variados assuntos só pode-
Devemos contudo, outro crédi- obra, composto de uma nítida vi- riam ser tratados superficialmen-
to a este filósofo: o reavivamento são de que "era necessário cativá- te. O que ocorre é que quanto
de um estilo literário pouco utili- los com meios líricos a fim de os mais se lê Ortega, mais se crê que
zado para esse fim. O ensaio sem- levar aos problemas filosóficos." ele próprio se ultrapassa, tal a flui-
pre foi, ou, até então, apenas ti- (5) dez de sua linguagem e coerência
nha sido um modo de transmitir de suas idéias.
uma idéia sem necessitar uma rigo- A OBRA DE ORTEGA Y GASSET Mas podemos entender melhor
rosa argumentação, constituindo- como chegou a este ponto se per-
se desde Montaigne, seu criador, Se grande parte de seus escritos corrermos a trajetória intelectual
na exposição de um ponto de vista foram destinados aos periódicos, de Ortega. Após sua licenciatura
particular ou uma nova opinião, de maneira alguma deixou Ortega em Filosofia e Letras na Universi-
excluído o caráter que tem um de publicar o que ele mesmo de- dade de Madrid, onde se douto-
tratado científico. nominou de "livros formais" e rou com a tese Os Terrores do
Com Ortega o ensaio adquiriu artigos em revistas especializadas. Ano Mil (Crítica de Urrul lenda),
uma dimensão maior tanto em "Rebelião das Massas", seu mais em 1904, viajou para a Alemanha,
forma como em conteúdo, pois conhecido e retumbante livro saiu, estudando nas Universidades de
dele não saía nada menos que filo- antes de condensado, em forma de Leipzig, Berlim e Marburgo, onde
sofia brotada do mais puro veio li- ensaios e alguns outros provindos nesta última "foi díscipulo do
terário. Se houveram motivos para de aulas e cursos, inclusive um e grande neo-kantiano Hermann
a escolha do ensaio pode-se eduzir outro livro póstumo seu teve ori- Cohen" (7). De 1910 até 1936 foi
que, em primeiro lugar servia com gem em conferências que versa- professor e catedrático da Univer-
exatidão para a atração que sentia vam sobre um mesmo tema. sidade de Madrid lecionando Me-

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ORTEGA DIRÃ
QUE O EU EXISTE,
COM EFEITO,
tafísica. Sua atividade literária ini- MAS QUE AS COISAS dela, já absolutamente seguro, pa-
ciou-se em 1902, colaborando para EXISTEM IGUALMENTE, ra compreender o mundo. Con-
revistas e jornais. Em 1914, entre- JA QUE A VIDA, cluiu que o mundo não lhe pro-
tanto, é que as atenções se con- A ISTO QUE CHAMAMOS porcionava esta segurança, pois e-
centrarão em Ortega, quando da VIDA ~ SEMPRE xistem os sonhos, as alucinações,
publicação de "Meditações do O EMBATE DO EU o engano dos sentidos. Assim, não
Quixote", obra que acentuada- COM AS COISAS. poderia confiar no mundo. Mas
mente reflete as preocupações do percebeu que havia um agente em
autor sobre os destinos de seu país tudo isso, quer dizer, ele próprio.
a par de toda a tradição espanho- Se ele cometesse um erro, por ób-
la. Sua obra encontra-se reunida vio que foi ele quem o cometeu.
nas "Obras Completas", em 6 vo- tos de seus seguidores quererão a· "Mas, logo depois, observei que,
lumes, publicados originariamente tribuir-lhe um sistema filosófico, enquanto eu desejava considerar
em Madrid nos anos de 1946/47. mas com o qual, nitidamente, Or- assim tudo como sendo falso, era
Contudo as "Obras Completas" tega jamais se preocupou. O que obrigatório que eu, ao pensar, fos-
não são completas, em virtude de se pode afirmar é que houveram se alguma coisa. Percebi, então,
sua produção posterior, inclusive intenções proeminentes em perío- que a verdade penso, logo existo
as publicações póstumas que tota- dos de sua produção, intenções era tão sólida e tão exata que se-
lizam mais doze livros. Em 1923 bem claras e como que necessárias quer as mais extravagantes suposi-
funda a Revista do Ocidente (que para se ir conformando o arcabou- ções dos céticos conseguiriam aba-
publicou até 1936), que atualmen- ço central de sua cosmovisão. En- lá-Ia. E, assim crendo, concluí que
te está sob a responsabilidade de fim, Ortega bem sabia (como sa- não deveria ter escrúpulo em acei-
um díscipulo seu, Paulino Cara- bem os artistas, antenas da raça, tá-Ia como sendo o primeiro prin-
gorri, editando a obra orteguiana. segundo Ezra Pound), já em 1914, cípio da filosofia que eu procura-
Deixa de escrever, em 1917 para o apesar de sua formação neo-kan- va". (8)
periódico "EI Imparcial"depois de tiana, que nem o idealismo nem o Será especialmente contra esta
haver colaborado durante vários realismo - as duas posições filosó- última posição, o idealismo (pois
anos e começa a ter seus ensaios ficas que perduraram através dos é a que se encontrava em pleno vi-
publicados no "El Sol" e somente séculos -, concluem o enigma hu- gor) que Ortega dirá, peremptoria-
em 1931 terminará sua participação mano. mente, que o eu existe, com efei-
neste periódico, iniciando suas ati- A rigorosa disciplina intelectual to, mas que as coisas existem
vidades no "Crisol" e "Luz". De- que lhe havia propiciado o profun- igualmente, já que a vida, a isto
vido à Revolução Civil Espanhola, do e exaustivo estudo de Kant im- que chamamos vida é sempre o
Ortega reside entre os anos de buirarn-no da perspectiva idealista, embate do eu com as coisas. A
1936 a 1945 na França, Holanda, que, entretanto, logo a seguir, em condição primária e irredutível
Argentina e Portugal, sempre pro- "Meditações do Quixote", ele se que Descartes descobriu ser o eu,
ferindo cursos e conferências. Jun- afirmaria na frase que sintetiza to- em Ortega será o eu e as circuns-
to com Julíán Marías funda, em da a sua filosofia, eu sou eu e mi- tâncias. A tese idealista sustenta
1948, o Instituto de Humanidades, nha circunstância. que eu posso existir sem o mundo,
uma instituição privada de estudos Por um lado, o realismo (a pala- que o eu é independente, e. aí,
e pesquisas. Em 1949 inicia um in- vra latina que designa coisas é res) segundo Ortega é onde erra Des-
tenso ciclo de conferências nos Es- diz que as coisas existem, e o ser cartes, porque eu não posso viver
tados Unidos, Alemanha e Suiça, real, o ser que não se compõe de sem as coisas, sem o mundo, como
retomando em 1955 a Madrid, on- nenhuma outra coisa além de si da mesma forma, não posso falar
de vem a falecer no mês de outu- mesmo, independe do homem, a- das coisas sem um eu. Fundamen-
bro. firmando a realidade das coisas e tado nesta descoberta - a realida-
Apesar da variedade de temas a- do mundo. Em contraposição a is- de radical -, Ortega prosseguirá,
bordados, desde as suas primeiras to, Descartes vai afirmar que a ú- com acentuações específicas nas
publicações (principalmente a par- nica coisa segura sou eu mesmo e fases de seu desenvolvimento, até
tir de "Meditações do Quixote"), não as coisas. A meta deste filóso- atingir a maturidade de seu pensa-
delineará paulatinamente seu mé- fo é reduzir à primeira realidade mento, que foi a razão vital, ápice
todo, ou melhor, sua postura filo- concreta, a uma posição primária e síntese de sua filosofia.
sófica com tal coerência, que mui- e irredutível de evidência e partir

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ABSORVER A TRADiÇÃO,
E NÃO ESQUECE-LA,
FORJAR IDt:IAS E
o OlÜETIVISMO NÃO COPIAR, contexto de seu pensamento, ou
ESTAS DEVERIAM SER dito de outra forma, ela não se a-
Esta expressão, o objetivismo, AS METAS, presenta isolada, mas sim compos-
é de José Ferrater Mora, que a a- NAO SO ESPANHOLAS, ta de elementos como o vitalismo,
dotou para nomear o que se pode- MAS DE TODA A EUROPA. sua tese sobre as impressões sensí-
ria chamar de um primeiro mo- veis e os conceitos, e por último, e
mento da filosofia orteguiana, que sempre, amalgamada às circuns-
intentava antes de mais nada, im- tâncias.
plantar um clima filosófico na Es- O começo de nosso século foi
panha, desbastando todo subjeti- o que fazer, por carecerem de um marcado de maneira indelével por
vismo que acaso encontrasse pe- plano prévio de vida. filósofos pregando o retomo à
la frente. É também nesta fase, em que o concretitude, e uma das mais níti-
Na Alemanha havia se entregado afã da disciplina intelectual o as- das manifestações deste fato em
Ortega à filosofia kantiana, que sediava fortemente, que Ortega vai Ortega, está em que inicia o "Me-
ele próprio declararia depois "ter declarar a necessidade da clareza ditações do Quixote" praticamen-
vivido durante anos dentro de de objetivos e onde pela mesma te declarando guerra ao empenho
uma atmosfera kantiana, um pou- forma discemirá acerca da razão de se fazer da filosofia um univer-
co como o prisioneiro vive em sua na vida (pois chegaram a qualificá- so fechado. Insistiu no sentido de
cela". Entretanto, Ortega difundiu 10 de racionalista e intelectualis- que a filosofia não deveria abster-
muito mais o rigor intelectual que ta): "limitadas a si mesmas, a ra- se de questões frequentemente es-
as proposições do filósofo alemão. zão ou a vida. são mutiladas e que quecidas pelos filósofos, pois O de-
Importava-lhe combater a apatia deve evitar-se tanto interpretar sentranhar a vida é a atividade
reflexiva, deitar por terra, em de- uma sem a outra como reduzir própria da filosofia, quaisquer que
fínitívo, as opiniões disformes e uma à outra". (9) sejam os temas. Para isso adotou
infundadas, alertar - ao estilo de Este é já um vislumbre da sua ra- uma atitude metódica, uma postu-
um cruzado da filosofia, como o zão vital, em que basicamente a ra intelectual sem discriminações
próprio Quixote - para o sonam- razão não é a valência da vida, en- sobre o quê filosofar, daí sua va-
bulismo em que se encontrava o tendido isto pelo "penso, logo e- riedade de interesses, antes propo-
seu povo, elevã-lo, como diz em xisto", mas ao contrário deste ra- sital do que resultado de alguma
uma de suas frases favoritas, "à al- cionalismo, Ortega dirá "penso espécie de instabilidade. E isto,
tura dos tempos". Absorver a tra- porque existo", sendo a razão um devemos convir, está bem de acor-
dicão, e não esquecê-Ia, forjar componente da vida. do com sua afirmação de que o
idéias e não copiar, estas deveriam homem é um ser circunstancial e
ser as metas espanholas. Mas Orte- o PERSPECIIVISMO conseqüentemente a necessidade
ga não se limitará a falar apenas da de uma filosofia aberta, mais pró-
Espanha, e sim de toda a Europa, É ainda em "Meditações do Qui-
e sua mais extensa exposição pare- xote" que Ortega apresentará este
ce encontrar-se no "Rebelião das segundo e importante conceito. -r-s-e: ,
'--=-:-
Massas", em que procede a dura Entretanto somente em 1923, em ~-.....;:~-
crítica ao liberalismo político do o "Tema de Nosso Tempo", vai
séc. XIX, permitindo que o man- dar-lhe forma definitiva. O pers-
do do mundo se esvaisse da Euro- pectivismo desempenharia um pa-
pa e fosse ficar com duas nações pel de ligação entre sua inicia-
imaturas e sem tradição suficiente ção devastadora da época chama-
para abaliza-las de líderes. A Euro- da objetivista até a teoria da razão
pa, cedendo aos impulsos de uma vital. Esta "doutrina do ponto de
clamação de liberdade, clamor de vista" não se constitui em nenhu-
igualdade que teve origem na Re- ma novidade filosófica, uma vez
volução Francesa, havia provoca- que foi tema de inúmeros pensa:
do o desequilíbrio, e ainda pior, dores que o antecederam. Porém
descalabros característicos de jo- - mesmo porque a questão da ori-
vens que se vêem, repentinamente, ginalidade tampouco é de fácil es-
donos de si mesmos, sem saberem clarecimento -, Ortega a insere no

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"O SER DEFINITIVO
DO MUNDO
NÃO E NEM MATERIA
xima e tangível, uma vez que, co- NEM E ALMA, podemos inverter a fórmula de
mo veremos em seguida, Ortega a- NÃO E COISA ALGUMA Descartes, já que não existo por-
firma - algo semelhante à fórmula DETERMINADA, que penso, e sim penso porque vi-
de Kant: as impressões sem con- MAS UMA PERSPECTIVA". vo. Porém a razão vital é também
ceitos são cegas e os conceitos sem um método, do qual seu autor fez
impressões são vazios - que "os amplo uso em suas obras posterio-
conceitos são órgãos da percepção res, quando distingue, a título de
no mesmo sentido que os olhos exemplo, em seu. ensaio sobre
são órgãos da visão". (10) "Idéias e Crenças", o pensar do es-
Entretanto, a percepção enten- Nesta segunda etapa de seu de- tado de fé, e suas múltiplas for-
dida como "conexão de realida- senvolvírnento intelectual, Ortega mas. Julián Marías inclusive tem
des". Caminhando nesta direção, continua a luta contra o distancia- um livro, "Introdução à Filosofia"
Ortega constrói um corpo de mento que existe entre a vida (a feito pelo método da razão vital,
idéias considerável, sendo as cita- vida de agora, circunstancial, que que não se trata, efetivamente, de
das aqui algo como suas principais palpita neste instante) e a filoso- um conjunto de normas e regras
resultantes. Não foi, portanto, por fia. Acentua o caráter temporal da dispostas em determinada ordem,
acaso que alguns de seus seguido- realidade, o ser efêmera é o valor antes obedece à própria conceitua-
res quiseram atribuir-lhe um siste- da vida, sua graça e espontaneida- ção de razão vital feita por Ortega,
ma ao modo de outros filosófos de. Nota-se aqui já uma tangente ou mesmo em seguir as complexas
que o precederam na história. E se do problema da mutabilidade e fi- circunvoluções da vida.
quisermos admitir tal sistema, se- xidez, retomando Herác1ito e rele- A leitura de Ortega nos propor-
ria pelo menos um sistema aberto gando Parmênides. Conseqüente- ciona esta constatação, ao ir fa-
e jamais uni conjunto que encerra- mente, o perspectivismo não quer zendo seu método (que é o "ir fa-
se sobre si mesmo. ser uma visão material, mas ao zendo"), acompanhando o dina-
O perspectivismo é então um contrário, reabsorvendo o que foi mismo desta situação que é o estar
passo que Ortega tem de dar, pois esquecido no 'conceito rígido do e ser no mundo.
é uma conclusão. E suas frases, re- ser do eleatismo, Ortega carrega
sumindo estas idéias, são isto mes- de valor o circunstancial porque
mo, conclusivas, mas não isoladas esta é a vida que nos coube viver,
ou carecendo de um amplo senti- fazendo-a e refazendo-a a todo JOSÉ CAR USO FILHO
do, desde que se acompanhe sua momento.
preparação subjacente. "O ser de- NOTAS
finitivo do mundo não é nem ma- A RAZÃO VITAL
1. Pignatari, D. :"Comunicação Poéti-
téria nem é alma, não é coisa algu-
ca", Cortez e Moraes Ltda., São Paulo,
ma determinada, mas uma pers- Diante de posições filosóficas 1977, p. 5.
pectiva". (11) bem defmidas, como o racionalis- 2. Idem.
Contrapondo-se às opiniões tra- mo, Ortega propõe o vitalismo, 3. Ferrater Mora, J.: "Ensaio Introdu-
dicionais diz que a realidade últi- -que poderíamos entender como tário às Etapas da Filosofia de Ortega y
Gasset", Livro Ibero-Amerícano, Rio
ma não é matéria nem espírito sendo o perspectivismo circuns-
de Janeiro, 1963, p. 29.
mas uma perspectiva, e conforme tancial, onde o homem se encon- 4. Marías, Julián:"História da Filoso-
seu andamento vemos a necessida- tra a si mesmo e com o mundo, e fia", Edições Souza e Almeida, Porto,
de que tem de afirmar o concreto. a razão é "toda ação intelectual 5a. edição, p. 422.
com evidentes vínculos com a que nos põe em contato com a 5. Idem.
6. Ferrater Mora, 1., ob. cit., p.15.
idéia de circunstância. Mais tarde, realidade, por meio da qual topa-
7. Marías, Julián, ob. cit., p. 423.
contudo, o perspectivismo se as- mos com o transcendente".(13) 8. Descartes, R.: "Discurso do Méto-
sentará independentemente. Não propõe desta forma, nenhu- do", Hemus-Liv. Editora Ltda., 4a.
"Cada homem tem uma missão ma teoria da razão, mas um sim- parte, p. 44.
ples reconhecimento do fato de 9. Ferrater Mora, J., ob. cito p. 42.
de verdade. Onde estão os meus
10. Idem, p. 51.
olhos não estão outros. O que os que não temos outra solução - di- 11. Marías, Julián, ob. cit., p. 426.
meus olhos vêem da realidade, zendo o que quisermos dela - se- 12. Idem, p. 427.
mais nenhum outro vê. Somos in- não admitir que temos de conviver 13. Idem, p. 429.
substituíveis, somos necessários". com ela, pois se encontra arraiga-
(12) da à vida. Neste raciocínio é que

THOT 7

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