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A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Marcelo Barroso Mendes


Procurador Federal
Pós-graduado pela UERJ
Mestrando em Direito UNESA

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 A CONSTITUIÇÃO


DIRIGENTE; 3 O TEMPO; 4 O CONTEXTO; 4.1 O
Contexto de Ontem em Portugal; 4.2 O Contexto
de Hoje em Portugal; 5 O NOVO DIREITO E A
CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE; 6 O CONTEXTO
BRASILEIRO; 6. 1 O Contexto de ontem no Brasil;
6. 2 O Contexto de hoje no Brasil; 7 O TEXTO –
AS CONSTITUIÇÕES PORTUGUESA E BRASILEIRA;
8 CONCLUSÃO.

1 INTRODUÇÃO

É notoriamente sabido que a Constituição Portuguesa de 1976 funcionou


como pedra angular da Constituição Brasileira de 1988. O texto normativo não foi o
único a beber em fontes constitucionais portuguesas. Como não poderia deixar de
ser, o nosso constituinte de 1988 também utilizou da fonte doutrinária lusa na
construção das bases teóricas da Constituição brasileira. Neste contexto, dentre
muitos doutrinadores, pelo menos dois se destacaram neste papel norteador
constituinte, Jorge Miranda e Joaquim José Gomes Canotilho. O professor Canotilho
adquiriu notoriedade por aqui com sua Teoria da Constituição Dirigente, ao qual foi
amplamente adotada na Carta de 1988, adquirindo assim um ideal transformador
na dura realidade brasileira. No entanto, depois da virada do século, em Portugal,
para perplexidade geral dos doutrinadores brasileiros, Canotilho anunciou a “morte
da constituição dirigente”.
Diante de tal profecia, no Brasil, era absolutamente necessário explicar uma
colocação tão categórica, a qual atingiria em certo o ideal constituinte de 1988. Por
isso, em 21 e 22 de fevereiro de 2002 foi promovido pelo Programa de Pós-
graduação em Direito da UFPR, um encontro entre os juristas brasileiros e o
professor Canotilho para aclarar tão perplexa constatação, que foi chamado de as
“Jornadas sobre a Constituição dirigente em Canotilho”.
Este encontro, realizado através de uma videoconferência de notáveis juristas
brasileiros com Canotilho, tinha como intuito, de fato, esclarecer o Prefácio da 2ª.
edição de sua obra Constituição Dirigente e Vinculação ao Legislador, participando
também do encontro o seu colega lusitano Antonio José Avelães Nunes. Como
escrito linhas acima, a preocupação dos brasileiros era esclarecer, além da
perplexidade acerca de outros temas expostos no prefácio, principalmente, o
trecho, a seguir enunciado:
Em jeito de conclusão, dir-se-ia que a Constituição dirigente está
morta se o dirigismo constitucional for entendido como
normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si,
operar transformações emancipatórias. (p.XXXIX)
A morte e a vida da Constituição Dirigente serão a seguir debatidas, sendo
necessário realizar diferenciações entre a realidade brasileira e portuguesa.
2 A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE

Antes de adentrar no tema central deste trabalho, ou seja, dos debates e


análises acerca da morte da Constituição Dirigente ou não, importante deitar olhos
sobre o conceito de Constituição dirigente, ainda que de modo breve, tal como
formulado por José Joaquim Gomes Canotilho na festejada obra e mesmo em
artigos publicados posteriormente.
O próprio autor de maneira muito simples explica que:
O tema a abordar na presente investigação é, fundamentalmente, o
problema das relações entre a constituição e a lei. O título –
Constituição dirigente e vinculação do legislador – aponta já para o
núcleo essencial do debate a empreender: o que deve (e pode) uma
constituição ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e
quando deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular,
adequada e oportuna, as imposições constitucionais.1

Mais adiante o mestre de Coimbra complementa:


[...] a constituição [...] tem a função de propor um programa
racional e um plano de realização da sociedade; a lei fundamental
[...] tem a função de garantir os princípios jurídicos ou regras de
jogo da sociedade estabelecida.

O Professor Canotilho resume o raciocínio asseverendo que a idéia de


Constituição dirigente ganha relevo prático no modelo da constituição-programa,
mas é considerada uma “introversão” do pensamento constitucional no modelo de
2
constituição-garantia.
Muito embora exista toda essa influência das normas programáticas na
Constituição, de nada adiantaria sua existência se não fosse reconhecido um valor
jurídico constitucionalmente idêntico àquele dado aos demais preceitos da
Constituição. Neste sentido, afirma o mestre que a positividade jurídico-
constitucional das assim denominadas normas programáticas significa,
fundamentalmente, o seguinte:
1. Vinculação do legislador, de forma permanente, à sua realização
(imposição);
2. Vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores, devendo estes
tomá-las em consideração como diretivas materiais permanentes, em
qualquer dos momentos da atividade concretizadora (legislação,
execução, jurisdição);
3. Vinculação, na qualidade de limites materiais negativos, dos poderes
públicos, justificando a eventual censura, sob a forma de
3
inconstitucionalidade, em relação aos atos que as contrariam.
De todo modo, a Constituição dirigente e vinculação ao legislador são
institutos jurídicos diferentes. Então, em breves palavras, a teoria da Constituição
dirigente procura associar às normas constitucionais as tarefas do Estado, cujo

                                                            
1
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das
normas constitucionais programáticas. Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 11.
2
Ibid., p. 14.
3
CANOTILHO. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 184.
fundamento é a Constituição que pretende decidir vinculativamente sobre as
4
tarefas de todos os órgãos e titulares dos poderes públicos .

Completando o exposto, vale trazer as palavras do próprio autor:


[...] a teoria da constituição assume-se como teoria da constituição
dirigente enquanto problematiza a tendência das leis fundamentais
para: (1) se transformarem em estatutos jurídicos do Estado e da
sociedade; (2) se assumirem como norma (garantia) e tarefa
(direcção) do processo político-social.5

Estas são, basicamente, e muito resumidamente, algumas


linhas da idéia original trazida na tese de doutoramento de Canotilho
produzida na década de oitenta quando Portugal, ainda um país
pobre, recém saíra de uma revolução, em 1974, a chamada
Revolução dos Cravos, ou do 25 de abril.
3 O TEMPO

Como diria o poeta, o tempo não pára, e as realidades também não param
de mudar.
Esta transformação das coisas operada na linha do tempo é patente até
mesmo em curiosa passagem de um trabalho escrito pelo então Professor Eros
Grau. O atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, em 2002 escreveu um
artigo quando foi participante do já citado encontro e que deu origem a um livro
intitulado Canotilho e a Constituição Dirigente, organizada pelo Professor Jacinto
6
Nelson de Miranda Coutinho, e publicada pela Editora Renovar . Segue a passagem
do artigo escrito pelo Professor Grau:
[...] Quem provocou este nosso encontro foi o Advogado Geral da
União, que saiu por aí afirmando que o Canotilho diz que a
Constituição dirigente morreu, a sustentar, nas entrelinhas – ele, o
Advogado Geral- que a Constituição agora carece de força
normativa[...].

O Advogado Geral da União, então citado, era Gilmar Ferreira Mendes,


hoje Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ainda na época, o Professor da USP,
Eros Grau continuou afirmando, em tom de crítica, o que segue:
[...] E agora parece que esse moço irá para o Supremo. Quanto a
este ponto, paradoxalmente, estou e não estou preocupado. O
Advogado Geral aparentemente nutre a aspiração ao cargo de
Ministro do STF como uma idéia fixa. A mim parece indispensável a
distinção entre Estado e Governo. O Estado é permanente, os
Governos são passageiros. Temo que o atual Advogado Geral da
União seja um dedicado servidor não do Estado, mas dos Governos.
Quem o viu defendendo o Collor até os estertores do seu
Governo[...]

                                                            
4
Idem. Rever ou romper com a constituição dirigente? Defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo. São Paulo, Revista
dos Tribunais, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 4, n. 15, abril/junho 1996.
5
Idem. Constituição Dirigente, p. 169-170.
6
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a constituição dirigente. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p
99-100.
O texto foi escrito em início de 2002, hoje em 2008, Eros Roberto Grau e
Gilmar Ferreira Mendes são Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O tempo não pára. O contexto e o Direito também não. Canotilho tem
consciência do tempo, do contexto e do Direito, e parece não querer como o
filósofo Tales de Mileto andar inadvertido a mirar estrelas, e ao descuidar da
realidade que o cerca, ao não olhar para o chão, cair em um buraco. Por este
motivo escreveu o Prefácio ao clássico Constituição Dirigente e Vinculação ao
Legislador.

4 O CONTEXTO

Antes de ser estudado, o Direito, como um conjunto de normas jurídicas


mais ou menos ordenadas, merece ser entendido como um produto da história.
Desde o começo o Direito é fruto das eleições que a história de uma determinada
sociedade escolheu, ele vive na realidade assumindo determinados significados,
porque os que o usam, desde os simples cidadãos até os juristas, o interpretam
7 8
dentro de uma determinada cultura , com uma base histórica ampla e profunda .
Daí importância de se estudar as raízes histórico-culturais dos momentos do
Direito. O que não poderia ser diferente com a Teoria da Constituição Dirigente de
Canotilho.

4.1 O CONTEXTO DE ONTEM EM PORTUGAL

O contexto histórico não pára de mudar. O Professor Canotilho sabe disso,


sabe que é preciso apanhar o bonde da história para não correr o risco de ficar
preso ao passado e avesso ao futuro. Apesar disto, para melhor compreender a
Constituição Dirigente, rapidamente, é preciso ter consciência da realidade
histórico-cultural de Portugal no momento quando foi pensada e escrita a tese de
doutorado do ilustre professor.
Por altura das matrizes do livro, na década de setenta e oitenta, Portugal era
um país eminentemente pobre e agrícola, com grande êxodo demográfico. Quando
da revolução de 25 de abril de 1974, Portugal tinha acumulado cerca de 50 anos de
atraso durante o período salazarista (Antonio de Oliveira Salazar foi o fundador e
principal mentor do Estado Novo (ditadura portuguesa) que foi de 1933 até 1974)
por falta de investimento em infra-estruturas e indústrias para o país, que dispunha
de grandes reservas de ouro provenientes em parte da exploração das ex-colônias.
As atividades tradicionais que predominavam eram a produção agrícola e vinícola, a
extração de cortiça, de pedra e pesca.
A Revolução ocorrida em 25 de abril de 1974, que ficou conhecida como a
Revolução dos Cravos, transformou o rumo da história portuguesa. O movimento
tomou este nome por ser um golpe de estado não violento no qual o povo e as
Forças Armadas tomaram as ruas pacificamente com cravos, flores, às mãos e
cravos às armas. No dia seguinte a 25 de abril, formou-se a Junta de Salvação
Nacional, constituída por militares, e que procedeu a um governo de transição. O
lema do Movimento das Forças Armadas foi resumido no programa dos três D:
Democratizar, Descolonizar, Desenvolver.

                                                            
7
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e “procedimental” da constituição, Tradução Gilmar Ferreira Mendes, Reimpressão, Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2002.
8
FIORAVANTI, Maurizio. Los derechos fundamentales: apuntes de historia de las consticuciones. 5. ed. Madrid: Editorial
Trotta, 2007. p.21.
Os dirigentes do movimento de 25 de abril (os "Capitães de Abril"),
assumiram como prioridades: o fim da polícia política, o restabelecimento da
liberdade de expressão e pensamento, o reconhecimento dos partidos políticos
existentes ou a criar, e iniciaram a negociação com os movimentos de
independência das colônias.
Passado justamente um ano sobre a revolução, no dia 25 de Abril de 1975
realizaram-se as primeiras eleições democráticas, cujo objetivo era formar uma
Assembléia Constituinte que elaborasse uma constituição para o país. Essa
Constituição seria promulgada no dia 2 de Abril de 1976 e é a Constituição que rege
Portugal até hoje, apesar de ter sido revista em várias ocasiões.9

4.2 O CONTEXTO DE HOJE EM PORTUGAL

De lá para cá muita coisa mudou em Portugal. Segundo o Banco Mundial, a


economia portuguesa é a 34ª maior do mundo10. Ao longo dos últimos 40 anos,
Portugal foi o país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Economico, depois da Irlanda, com maior taxa de crescimento do PIB11.
Tendo aderido à União Europeia em 1986, o país iniciou um período de fortes
reformas e de elevados investimentos em infra-estruturas que se refletiram numa
rápida aceleração do crescimento económico. A adesão foi de fato um passo
decisivo no desenvolvimento do país, graças nomeadamente aos apoios
comunitários. Entre 1970 e 2003 o PIB 'per capita' medido em PPP (Paridade do
Poder de Compra) cresceu de pouco mais de 50% para cerca de 70% do mesmo
indicador para a média da União Europeia (fonte: OCDE)12.
A realidade social, econômica e política de Portugal hoje tem muito pouco
em comum com àquela de há quase trinta anos atrás. Hoje em dia, as atividades
tradicionais foram modernizadas e continuam desempenhando um papel
importante, com 13% do emprego. Com uma taxa de desemprego das mais baixas
da União Européia (4,1% em 2001) e sendo um dos primeiros países a ter
cumprido os requisitos para integrar a zona do euro, Portugal tem sido considerado
por alguns como um “pequeno dragão” da Europa13.
Contextualizados historica e culturalmente, importa agora adentrar na
questão da morte e vida da Constituição dirigente, a verificar se o sentido original
da obra Constituição Dirigente de Canotilho ainda se aplica no contexto hodierno da
sociedade portuguesa. De pronto se visualiza que há uma nova fonte normativa na
realidade lusitana advinda de um outro plano, os Tratados da União Européia.
Fazendo-se adiantar, na opinião de Canotilho todo o Título XI do Tratado da União
Européia (Tratado de Amsterdã) referente à política social, à educação, à formação
profissional e à juventude tem normas rasgadamente dirigentes.

5 O NOVO DIREITO E A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE

Da mencionada Jornada acerca de mudança de entendimento do Professor


Canotilho foi produzida uma obra na qual o mestre de Coimbra pôde expor melhor

                                                            
9
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 03 jun. 2008.
10
Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/DATASTATISTICS/Resources/GNI.pdf> Acesso em: 03 jun. 2008.
11
Disponível em: <http:///www.oecd.org>. Acesso em 03 jun. 2008.
12
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 03 jun. 2008.
13
TENGARRINHA, José. (org.). História de Portugal. 2. ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2001.
suas idéias acerca do prefácio da Constituição Dirigente. Seguem então as
14
considerações do Professor Canotilho nela expostas:
Em síntese, a minha resposta é esta: posso estar aberto a outros
modos de concretização e de legalização do dirigismo constitucional,
mas não estou aberto, de forma alguma, à liquidação destas
dimensões existenciais que estão subjacentes à directividade
constitucional. Concordo que devemos ver o que, histórica e
culturalmente, originou este carácter dirigente. Penso que o desafio
da Constituição dirigente não é o de torná-la rígida, devendo
admitir-se que ela pode ser modulada de outra maneira, de acordo
com as evoluções e as inovações. Mas os princípios básicos que
estou a comentar não se discutem, porque eles são inerentes à
nossa própria mundividência subjectiva ( a idéia de realização
histórica da pessoa humana).
De pronto já é possível notar que aquela idéia que foi espalhada aos quatro
ventos da morte e enterro a sete palmos de terra da Constituição dirigente,
segundo o próprio criador da teoria, de fato não ocorreu. Ao contrário, a teoria
15
continua a existir enquanto for útil, enquanto for historicamente necessária , e ela
ainda deve se fazer presente, com alguns temperamentos evolutivos.
Em decorrência deste racionalismo mutante do Professor Canotilho e ainda
não bem compreendido, chegou-se a cogitar de um “Canotilho II”, segundo a
citação de Salo de Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Direito da
16
Unisinos :
[...] Lenio Streck, com sua irreverência peculiar, forjou o termo
Canotilho II, como forma de contrapor os posicionamentos do
mestre de Coimbra: o original, do Prefácio à edição do Constituição
Dirigente e Vinculação do Legislador, e o presente no nosso objeto
de debate (Prefácio à 2ª edição). [...]
Após a teleconferência com Canotilho ficou bem visível que não há um
“Canotilho II”, não há um alfa ou ômega (existência de um ou o outro), mas um
Canotilho diferente da realidade de vinte anos atrás. Não houve uma ruptura com o
passado, apenas uma necessária atualização aos novos tempos. Não existe, pois,
um “Canotilho II”, existe um Canotilho senhor de seu tempo (dentro de sua própria
“mundividência subjectiva”).
O posicionamento acima é corroborado pelos demais participantes do
17
encontro, como é o caso do Professor da UFPR, Luiz Edson Fachin :
De certa maneira, ao escrever o novo prefácio à obra em discussão,
percebeu-se, com clareza, que o Professor Canotilho não estava
exatamente desdizendo o que disse, mas estava, de algum modo,
colocando em questão as suas próprias idéias para avançar, e não
necessariamente, abandoná-las.
Antonio José Avelãs Nunes, também português, Professor da Universidade de
Coimbra, resume a conclusão dos trabalhos:
Havia aqui alguma preocupação resultante do receio de perder um
aliado tão forte e tão prestigiado como tu nesta luta que os nossos
Colegas vêm travando em terras brasileiras. Fui dizendo que não
me parecia que este aliado estivesse perdido e penso que, como eu,
eles também estão muito satisfeitos por terem concluído que,
naquilo que é essencial, continuas junto deles.

                                                            
14
CANOTILHO. Canotilho e a Constituição, p. 41.
15
Ibid., p. 39.
16
Ibid., p. 70.
17
Ibid., p. 59.
Outro que segue a linha dos juristas já citados é o Professor Fernando Facury
Scaff, da UFPA, segundo ele:
Na realidade nós estamos vivenciando uma situação de contrafração
de idéias. O que dizem que o Canotilho disse – a história do
Canotilho 1, do Canotilho 2, do 3 -, não existe. Entendo que ele
apenas retirou da sua dimensão de Constituição Dirigente o aspecto
revolucionário. Acho que este é o grande ponto.
18
Vencido pelos esclarecimentos do Professor Canotilho, Lenio Streck conclui:
Tenho que, ao final, confessar – e por isto corro o risco de ser
chamado de jurássico – que continuo acreditando no papel dirigente
da Constituição, naquele sentido como disse o Fachin, o sentido
original.”, e nas palavras do mestre coimbrano19: “Então eu digo
que a constituição dirigente não morreu.
A Constituição dirigente não morreu em Portugal porque mesmo os Tratados
da União Européia têm caráter dirigente, bem como também não morreu no Brasil,
pois aqui como alhures a teoria ainda se faz necessária (ponto que será analisado
logo após o estudo do contexto histórico brasileiro que norteou a Constituição de
1988).

6 O CONTEXTO BRASILEIRO

Ainda no intuito de melhor compreender a assunção pela Constituição


brasileira dos ensinamentos do mestre de Coimbra, cabe fazer uma análise do
momento histórico-cultural brasileiro.

6. 1 O CONTEXTO DE ONTEM NO BRASIL

Quando da elaboração da Constituição Cidadã (chamada assim por Ulysses


Guimarães presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o “Senhor Diretas”), o
Brasil tal como Portugal saía de uma longa fase ditatorial, os conhecidos “anos de
chumbo”. O Brasil tal como Portugal era um país pobre e eminentemente agrícola,
com uma incipiente industrialização. Desde 1964 estava o Brasil sob o regime da
ditadura militar, e desde 1967 particularmente subjugado às alterações decorrentes
dos Atos Institucionais, em especial o mais feroz deles, o AI 5, que fechou o
Congresso Nacional, recrudesceu a censura, proibiu as reuniões de cunho político,
entre outras supressões de direitos civis e políticos20.
Depois de mais de dez anos, impedida de realizar passeatas ou participar de
comícios, boa parte da população urbana do Brasil saiu às ruas para promover, em
abril de 1984 e em abril do ano seguinte, enormes manifestações populares que
trouxeram a história de volta às praças e avenidas do país, eram as “Diretas Já”.
Uma campanha que agitou o país naquele outono-verão da década de oitenta e que
pretendia a realização de eleições diretas para presidente. Muito embora houvesse
o clamor popular, o Congresso por 22 votos não aprovou a emenda que estabelecia
a volta das eleições para presidente. A redemocratização coube ao Presidente José
Sarney, vice do eleito pelo Colégio Eleitoral Tancredo Neves que falecera antes de
tomar posse vítima de um tumor no intestino.
Sarney acelerou a redemocratização do país, o sistema de exceção fez
crescer, durante o processo de abertura política, o anseio por dotar o Brasil de uma

                                                            
18
CANOTILHO. Canotilho e a Constituição, p. 85.
19
Ibid., p. 31.
20
Disponível e: <http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 03 jun. 2008.
nova Constituição, defensora dos valores democráticos, e em 5 de outubro de 1988
foi promulgada a nova Constituição.21

6. 2 O CONTEXTO DE HOJE NO BRASIL

Na atualidade, o Brasil se consolidou como um Estado Democrático de


Direito. Por outro lado, a desigualdade social ainda continua a ser uma dura
realidade, mas o país tem avançado em várias áreas. Se por um lado os números
são frios, por outro, demonstram que realmente ocorreram melhoras no aspecto
22
social. Dessa forma, tanto o BNDES quanto os indicadores das Nações Unidas
23
acerca da população brasileira de 1950 até 2005 demonstram melhoras
significativas no índice de desenvolvimento social. Entretanto, apesar dos
perceptíveis avanços, o Brasil continua tendo uma grande parte da população com
ainda elevados índices de pobreza.
Ficou fácil perceber que o passado que antes unia a realidade brasileira e
portuguesa não corresponde mais ao presente. Se antes existiam identidades na
realidade dos dois países que saíam de lutas contra ditaduras, e tinham uma
economia fraca, com baixo índice de desenvolvimento humano, estas simplesmente
desapareceram no tempo, contexto e texto.
No contexto histórico cultural e sócio econômico, como visto, Portugal e
Brasil são países, hoje, totalmente distintos. No texto constitucional, as diferenças
também são marcantes.

7 O TEXTO – AS CONSTITUIÇÕES PORTUGUESA E BRASILEIRA

O texto revolucionário socialista da Constituição Portuguesa de 1976, com as


várias reformas constitucionais e mudanças sociais, morreu; o projeto de
24
modernidade cresceu e vive muito bem obrigado. Na dita pós-modernidade, a
Constituição nacional lusa faz parte de uma rede que, com outras Constituições
25
nacionais dos países comunitários, forma a “Constituição Européia” . Entretanto,
no Brasil, de acordo com o Professor Canotilho a situação é diferente:
Bem, é óbvio que as constituições européias estão a resolver
problemas sociais, econômicos e culturais de uma forma diferente
daquela que temos hoje no nosso contexto. Quer queiramos quer
não, os senhores têm milhões de fundos comunitários que foram
auxiliar as vossas políticas sociais, mas o Brasil não tem milhões de
fundos comunitários. No vosso país, os fundos comunitários foram
sedimentando alguma coesão social, mas o Brasil não tem coesão
econômica e social com fundos comunitários ou com outros fundos.
No vosso país, foi-se radicando a idéia de acompanhamento da
qualificação profissional e da promoção do emprego à medida que
se fazem mudanças estruturais no tecido enonómico e no tecido
industrial, mas o Brasil não tem, afinal de contas, essas
possibilidades e não tem havido essas medidas de

                                                            
21
BUENO, Eduardo. Brasil: uma história. 2. ed. Revista, São Paulo: Ática, 2003.
22
FERREIRA, Francisco Marcelo da Rocha; Gisele Costa Norris; Lavinia Barros de Castro. A renda foi um fator de
desenvolvimento em 2006. Rio de Janeiro, Revista Visão do Desenvolvimento BNDES, n. 42 6 dez 2007. Disponível em
<http://www.bndes.gov.br/conhecimento/visao/visao_42.pdf>. Acessi em 05 jun. 2008.
23
Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the United Nations Secretariat, World Population
Prospects: The 2006 Revision and World Urbanization Prospects: The 2005 Revision. Disponível em: <http://esa.un.org/unpp>.
Acesso em: 06 jun. 2008.
24
CANOTILHO. Canotilho e a Constituição p. 14.
25
Ibid., p.23.
acompanhamento de uma política de formação profissional e de
uma política de emprego.

Quanto à manutenção dos ideais programáticos da Constituição dirigente, o


mestre de Coimbra verificou que “o que consideramos programático está agora nos
Tratados da União Européia. Vários aspectos da Constituição portuguesa aparecem
26
hoje ‘copiados’ nas políticas da União Européia.”
Analisando o caso brasileiro, em outro trecho, complementa, asseverando a
importância do papel do Estado como realizador dos programas da Constituição
dirigente:
no Brasil a centralidade é ainda do estado de direito democrático e
social, que a centralidade ainda é do texto constitucional, que é
carta de identidade do próprio país, que são estes direitos, apesar
de pouco realizados, que servem como uma espécie de palavra de
ordem para a própria luta política.27

8 CONCLUSÃO

Apesar da análise do contexto histórico que demonstra as iniciais


semelhanças, e hodiernas diferenças entre Brasil e Portugal, o que se pode
perceber é que as boas idéias possuem a natural tendência de se eternizar e se
auto-adaptar, mesmo nas complexas sociedades pós-modernas com todas as
transformações e particularidades. A Constituição dirigente é uma idéia que
merece permanecer enquanto for útil ao ideal de uma determinada sociedade.
Fazendo uma esdrúxula comparação, seria muito interessante se fosse
possível fazer uma videoconferência com Montesquieu para saber se, na atual
conjuntura, sua teoria da separação de poderes teria morrido. Talvez sua postura
fosse à mesma do Professor Canotilho, ou seja, enquanto necessários ao seu
momento histórico-cultural, os paradigmas continuarão existindo. Quando não
puderem mais responder às novas perguntas, estarão em crise.

                                                            
26
CANOTILHO. Canotilho e a Constituição p. 37.
27
Ibid., p. 35.

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