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Assunto: Tomada de Preços. Julgamento da


habilitação desconsiderando a ausência de
documento exigido em edital.
Legislação: Lei 8.666/93.
Ementa: Tomada de Preços. Julgamento da
habilitação e análise das propostas. Intimação
dos atos. Procedimento a ser observado. Lei
8.666/93, art. 109, §1º. Ata circunstanciada:
deve conter toda e qualquer manifestação por
parte dos licitantes e ocorrências ao longo da
sessão. Análise contígua das manifestações por
parte da Administração: desnecessidade.
Entendimento da Consultoria. Formulação do
julgamento por parte da Administração:
consideração das manifestações constantes em
Ata – inafastabilidade. Julgamento da
habilitação desconsiderando a ausência de
documento exigido em edital. Vício insanável.
Anulação: cabimento. Anulação parcial:
possibilidade. Entendimento do Tribunal de
Contas da União (TCU) e da Consultoria.
Competência: entendimento do TCU.

I Consulta

“A licitação é uma Tomada de Preços, que tem por objeto obras de ampliação das
instalações do prédio da administração do CECAFA1, que constarão basicamente de
construção de uma edificação destinada às instalações no prolongamento do prédio
existente, com estrutura de concreto armado, paredes em alvenaria e cobertura de
fibrocimento sobre laje de concreto.
Na ata de abertura dos envelopes de habilitação foram registradas observações
pelos licitantes sobre documentação não entregue e documentação vencida. Na ata de
resultado de habilitação não foi respondida nenhuma das observações citadas. O resultado
de habilitação foi divulgado por e-mail (não havendo o comprovante de recebimento da 2ª
colocada) e posteriormente foi aberto o prazo para recurso. Findo o prazo recursal foi
realizada uma reunião para abertura das propostas de preços, que foram abertas com a
presença de três licitantes e a ausência de duas, sendo uma delas a 2ª classificada.

1
Trata-se do Centro de Catalogação das Forças Armadas. Disponível em:
<http://www.cecafa.defesa.gov.br/site/>. Acesso em: 19/02/15.

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Após a avaliação foi divulgada a classificação das propostas de preços e


posteriormente foi aberto o prazo para recurso. Neste ato a empresa 2ª classificada
entregou uma carta na Entidade alegando que não recebeu o resultado da habilitação e, a
inexistência no processo da ata de julgamento da habilitação sem as respostas aos
questionamentos lançados pelos licitantes na ata de reunião de abertura dos envelopes de
habilitação. A mesma requer a revogação do processo.
Foi verificado somente na fase de abertura de propostas de preços, conforme a
empresa 2ª classificada alegou em ata, que a empresa 1ª classificada não entregou um
documento referente à habilitação (declaração de disponibilidade). A empresa 1ª
classificada ofertou R$ 400.184,81 e a empresa 2ª classificada ofertou R$ 456.330,31,
sendo a diferença de R$ 56.145,50.
Podemos voltar à fase de habilitação e inabilitar a 1ª classificada ou anular o
processo? Favor fundamentar em lei o que devemos fazer.”

II Resposta

No que tange ao procedimento a ser observado por parte da Administração


Licitadora, em se tratando da instauração de licitação na modalidade Tomada de Preços,
vejamos o que dispõe o art. 43 da Lei 8.666/93:

Art. 43 - A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes


procedimentos:
I - abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos
concorrentes, e sua apreciação;
II - devolução dos envelopes fechados aos concorrentes inabilitados, contendo as
respectivas propostas, desde que não tenha havido recurso ou após sua denegação;
III - abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde
que transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou tenha havido
desistência expressa, ou após o julgamento dos recursos interpostos;
IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o
caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou
ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser
devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das
propostas desconformes ou incompatíveis;
V - julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação
constantes do edital;
VI - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto
da licitação.
§1º A abertura dos envelopes contendo a documentação para habilitação e as propostas
será realizada sempre em ato público previamente designado, do qual se lavrará ata
circunstanciada, assinada pelos licitantes presentes e pela Comissão.
§2º Todos os documentos e propostas serão rubricados pelos licitantes presentes e pela
Comissão (sem grifos no original).

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Diante das disposições legais acima relacionadas, tem-se que o procedimento a


ser adotado na condução dos certames licitatórios na modalidade Tomada de Preços
deverá ser o seguinte: a) abertura do envelope contendo os documentos de habilitação
em sessão pública, b) conferência, c) análise, d) julgamento, e) decisão, f) publicidade e
g) recurso. Sendo que o mesmo ocorrerá no que diz respeito às propostas comerciais.
Destaque-se, ainda, que de acordo com o §1º, supra, deverá ser lavrada ata
circunstanciada relativamente à abertura dos envelopes contendo a documentação para
habilitação e as propostas. Neste sentido, vejam-se os seguintes ensinamentos de Marçal
JUSTEN FILHO: “As atas deverão documentar todas as ocorrências relevantes, inclusive
protestos e outras manifestações dos interessados, que têm direito de exigir que a ata
retrate fielmente o acontecido.”2 Veja-se, por outro lado, que em nenhum momento os
comandos normativos colacionados asseveram a necessidade/obrigatoriedade da
Administração se manifestar face às observações a serem porventura arguidas por parte
dos licitantes para registro em ata (diferentemente se diga com relação à anotação em ata
por parte da Administração de todos os atos que tenham sido por ela editados na figura
da Comissão de Licitação, bem como, toda e qualquer outra ocorrência que julgue
pertinente ao longo da sessão de julgamento). Não havendo, todavia, óbices normativos
para que assim o faça.
Dando continuidade à análise, no que tange especificamente à publicidade que
deverá ser observada relativamente ao julgamento proferido face à análise dos
documentos de habilitação e das propostas comerciais nos certames licitatórios realizados
sob as modalidades Concorrência, Tomada de Preços e Convite (tipo menor preço),
destacamos o seguinte “passo” constante na obra Licitações e Contratos: orientações e
jurisprudência do TCU,3 do Tribunal de Contas da União (TCU): “18. divulgação do
resultado de julgamento na imprensa oficial ou por comunicação direta a todos
os licitantes, de acordo com a ata respectiva” (sem grifos no original). Procedimento
este, em consonância com o que estabelece o §1º, do art. 109, da Lei 8.666/93, in verbis:

Art. 109 - Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:
I - recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da
ata, nos casos de:
a) habilitação ou inabilitação do licitante;
b) julgamento das propostas;
c) anulação ou revogação da licitação;
d) indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou
cancelamento;
e) rescisão do contrato, a que se refere o inciso I do art. 79 desta Lei;
f) aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou de multa;

2
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1.194.
3
Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência
do TCU/Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria Geral da
Presidência, Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 557.

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§1º A intimação dos atos referidos no inciso I, alíneas "a", "b", "c" e "e", deste artigo,
excluídos os relativos a advertência e multa de mora, e no inciso III, será feita mediante
publicação na imprensa oficial, salvo para os casos previstos nas alíneas "a" e
"b", se presentes os prepostos dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão,
quando poderá ser feita por comunicação direta aos interessados e lavrada em
ata (sem grifos no original).

Neste sentido, assim leciona JUSTEN FILHO: “significa que o prazo iniciará seu
curso a partir da data da intimação do ato, seja essa intimação efetivada através da
imprensa, por comunicação pessoal ou por ato público a que os interessados
devam comparecer”4 (sem grifos no original).
Dito em outras palavras, de acordo com o disposto no §1º, do art. 109, da Lei
8.666/93, como regra, a intimação do ato de julgamento tanto dos documentos de
habilitação, quanto das propostas comerciais, ocorrerá por meio da Imprensa Oficial,
ressalvando-se, entretanto, a hipótese de comparecimento de todos os licitantes na
sessão de julgamento, situação na qual poderá ser dispensada a publicação na Imprensa
Oficial, sendo todos intimados da decisão via comunicação direta no momento em que a
mesma for proferida.
Transpondo estas considerações ao caso em tela e, neste sentido, partindo-se do
pressuposto de que nem todos os licitantes estavam presentes na sessão (uma vez que “o
resultado de habilitação foi divulgado por e-mail”), temos que após o julgamento dos
documentos de habilitação pela Comissão de Licitação, sua respectiva decisão deveria
ter sido divulgada via Imprensa Oficial, procedimento este que não fora observado
pela Administração Consulente. O mesmo se diga com relação à divulgação do resultado
da análise das propostas comerciais.
Pois bem. No caso em tela, consoante relatado, após a abertura do prazo para
interposição de recursos ante ao julgamento das propostas comerciais, a empresa 2ª
classificada “entregou uma carta na Entidade”, insurgindo-se em face das seguintes
ocorrências: a) não recebimento do resultado da habilitação; b) “inexistência no processo
da ata de julgamento da habilitação sem as respostas aos questionamentos lançados pelos
licitantes na ata de reunião de abertura dos envelopes de habilitação”; pleiteando, à vista
disso, “a revogação do processo”. Considerando-se isto, relembre-se o que dispõe o caput,
do art. 49, da Lei 8.666/93, verbis:

Art. 49 - A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá


revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato
superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar
tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros,
mediante parecer escrito e devidamente fundamentado (sem grifos no original).

4
JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 1.194.

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Bem como, vejamos a oportuna diferenciação apresentada por JUSTEN FILHO


entre anulação e revogação:

A anulação corresponde ao reconhecimento pela própria Administração do vício do ato


administrativo, desfazendo-o e a seus efeitos (acaso existentes). Já a revogação consiste no
desfazimento do ato porque reputado inconveniente e inadequado à satisfação das funções
atribuídas ao Estado. (...)
Na revogação, o desfazimento do ato administrativo não decorre de vício ou defeito. Aliás,
muito pelo contrário. Somente se alude à revogação se o ato for válido e perfeito; se
defeituoso, a Administração deverá efetivar sua anulação. A revogação se funda em juízo
que apura a conveniência do ato relativamente ao interesse sob tutela do Estado. 5

Desta feita, vê-se que a anulação será o ato necessário quando o ato
administrativo estiver eivado de ilegalidade, sendo que a revogação terá guarida nas
situações que, por motivos de oportunidade e conveniência, entender a Administração que
o ato, embora não viciado, deverá ser extinto.
Dito isso, avaliemos individualmente cada um dos acontecimentos referenciados
pela licitante 2ª classificada, conforme segue.
a) Não recebimento do resultado da habilitação: trata-se de vício de legalidade,
face ao inequívoco descumprimento do disposto no §1º, do art. 109, da Lei 8.666/93.
Neste sentido, aliás, não só a ausência de efetiva intimação de tal licitante se
consubstancia em irregularidade na condução do processo, mas, também, consoante já
pontuado anteriormente, a forma como tal comunicação fora procedida igualmente não
observou os ditames legais. Isto porque, a Administração procedeu à divulgação do
resultado da habilitação via e-mail, enquanto esta deveria ter ocorrido por meio de
publicação na Imprensa Oficial.
À vista disso, terá cabimento, in casu, a anulação parcial do processo licitatório,
retomando-se ao momento da divulgação do resultado da habilitação, devendo esta ser
procedida via Imprensa Oficial; reabrindo-se, após isto, o correspondente prazo para
recurso.
b) “Inexistência no processo da ata de julgamento da habilitação sem as respostas
aos questionamentos lançados pelos licitantes na ata de reunião de abertura dos
envelopes de habilitação”: em nosso entender, consoante já adiantado, se de um lado nas
atas deverão constar todas as manifestações apresentadas por parte dos licitantes; de
outro lado, o §1º, do art. 43, da Lei 8.666/93 em nenhum momento assevera a
necessidade/obrigatoriedade da Administração se manifestar/responder, ato contínuo, e
na própria ata, acerca do conteúdo de tais apontamentos (diferentemente se passa,
conforme já esclarecido, com relação à anotação em ata por parte da Administração de
todos os atos que tenham sido por ela editados na figura da Comissão de Licitação, bem
como, toda e qualquer outra ocorrência que julgue pertinente ao longo da sessão de
julgamento).

5
Ibid., p. 884-885.

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Neste sentido, aliás, considerando-se que as observações que não teriam sido
respondidas/replicadas aludiam à documentação não entregue e documentação vencida,
temos que se a Entidade Licitadora as replicasse, ato contínuo à manifestação por parte
dos licitantes, na própria ata de abertura, esta estaria em verdade adiantando o seu
julgamento no que diz respeito aos documentos de habilitação.
Outrossim, se para além de simplesmente apontar falhas nos documentos de
habilitação (não apresentação/prazo de validade vencido), os licitantes estivessem de fato
formulando questionamentos quanto ao seu conteúdo, ainda assim entendemos que a
Administração não estaria obrigada a respondê-los, ato contínuo, e na própria ata de
abertura. Isto porque, o momento para efetiva insurgência por parte dos competidores
face ao teor dos documentos de habilitação, das propostas comerciais apresentadas, bem
como, dos atos praticados pela Comissão de Licitação no que diz respeito à sua respectiva
apreciação, diz com a interposição de recursos. Neste sentido, se tais indagações tivessem
sido apresentadas por ocasião do momento recursal, daí sim, inexoravelmente, deveria
pronunciar-se a Administração Consulente sobre as mesmas.
Há que se esclarecer, todavia, que o posicionamento ora externado (no sentido de
que a Administração Licitadora não tinha obrigação de se manifestar, ato contínuo, e na
própria ata de abertura da habilitação, relativamente às observações levantadas pelos
licitantes no que tange ao conteúdo da documentação respectiva), não significa que esta
não deveria levar em conta tais manifestações por ocasião da formulação de seu
julgamento acerca dos documentos apresentados. Muito pelo contrário, aliás. O simples
fato de ter-se colocado em xeque o conteúdo de determinado documento, deverá colocar
a Administração em situação de alerta ainda maior no que tange à análise/aceitação de tal
documentação. Neste sentido, in casu, se a Entidade Consulente tivesse considerado as
observações apontadas pela licitante 2ª classificada (veja-se, não se está a falar em
necessariamente responder a tais manifestações na ata de julgamento da habilitação, mas
sim a simplesmente considerá-las) no julgamento dos documentos de habilitação, teria
evitado a indevida habilitação da licitante 1ª classificada que não entregou “documento
referente à habilitação (declaração de disponibilidade)”.
Do que foi dito, em nosso entender, a simples ausência de manifestação
específica por parte da Administração, na ata de julgamento da habilitação, face às
observações levantadas pelos licitantes na ata de abertura da mesma, não se revela fato
que possa ser caracterizado como vício processual. Entendimento este, advirta-se que
teria guarida na hipótese de, a despeito da Entidade Licitadora não ter replicado
especificamente tais observações, tê-las considerado na formulação de seu julgamento – o
que de fato, não ocorreu.
Neste segundo contexto, então, diferentemente do posicionamento ora externado
relativamente à pura e simples ausência de manifestação específica por parte da
Administração, na ata de julgamento da habilitação, face às observações levantadas pelos
licitantes na ata de abertura da mesma, entende-se no que diz respeito à aparente total
desconsideração por parte da Entidade Licitadora quanto ao teor de tais manifestações
quando da formulação de seu julgamento, conforme já enunciado. Neste sentido, ao

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que nos parece, ao desconsiderar o apontamento quanto à ausência de


determinado documento houve, em verdade, falha no próprio julgamento da
Administração, a qual não avaliou de forma adequada os documentos
efetivamente apresentados, face àqueles que haviam sido exigidos em edital.
Por consequência, será altamente recomendável que nos seus próximos certames
licitatórios, ainda que a Administração Licitadora não se manifeste de modo específico
acerca das observações apontadas pelos licitantes e registradas em ata ou, em outras
palavras, não formule uma resposta específica em ata a cada um dos questionamentos
eventualmente por eles aduzidos (posto, conforme se posicionou anteriormente, não estar
obrigada a tanto) deverá, necessariamente, considere o teor de tais manifestações quando
da formulação de seu julgamento; evitando-se assim o cometimento de falhas que
poderiam ter sido facilmente atalhadas, como foi o caso da indevida habilitação de
licitante que deixou de apresentar documentação exigida em edital (e cuja omissão havia
sido apontada por outro competidor).
Dito isso, no caso em tela, se tivesse havido a intimação regular dos licitantes
quanto ao resultado da habilitação (o que, reprise-se, não houve), em nosso entender, a
simples ausência de manifestação específica por parte da Administração, na ata de
julgamento da habilitação, face às observações levantadas pelos licitantes na ata de
abertura da mesma, não produziria maiores reflexos no processo licitatório. Por outro
lado, o julgamento equivocado no que tange à habilitação da primeira colocada deveria
ser necessariamente revisto.
Uma vez analisados os dois aspectos arguidos pela licitante 2ª classificada, por
ocasião do momento recursal face à análise das propostas comerciais, por meio da
apresentação de carta à Administração Licitadora, passa-se, desde logo, ao deslinde do
questionamento apresentado pela Entidade Consulente, qual seja, se após a constatação
de que a licitante classificada em primeiro lugar e considerada habilitada, em verdade,
deixou de apresentar documento exigido em edital, poder-se-ia “voltar à fase de
habilitação e inabilitar a 1ª classificada” ou, então, se seria cabível a anulação do
processo.
Pois bem. Em nosso entender, na situação vivenciada pela Entidade Licitadora,
não há como se falar em tão somente se “voltar à fase de habilitação e inabilitar a 1ª
classificada”, nos moldes questionados pela Consulente. Isto porque, não é possível (no
presente momento) simplesmente se desconsiderar que padeceu de vício o julgamento
anteriormente proferido pela Administração. Neste sentido, temos que se considerou
habilitada determinada licitante que não apresentou todos os documentos exigidos pelo
edital e que, portanto, flagrantemente deveria ter sido considerada inabilitada. Por
consequência, em nosso entender, vislumbrando-se que o julgamento da
habilitação encontra-se inquinado de vício, não restará alternativa à
Administração que não a anulação de tal ato (com a consequente anulação de
todos os atos que o tenham sucedido, a exemplo da análise das propostas
comerciais).

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Deste modo, estar-se-á, em verdade, diante de hipótese de anulação parcial do


processo licitatório, com vistas a restaurar o seu status de legalidade. Para tanto,
retomar-se-á a licitação a partir do exato momento do julgamento da habilitação, sendo
considerada agora, e de modo acertado (com base nas informações fornecidas),
inabilitada a licitante então primeira classificada. Neste sentido, a fim de ratificar o
presente entendimento, deveras oportuno trazer-se à colação os seguintes excertos do
Acórdão 1.904/08 – Plenário, do Tribunal de Contas da União (TCU):

Sumário: MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. LICITAÇÕES DE OUTORGA DE SERVIÇO DE


RADIODIFUSÃO. CONSULTA SOBRE A POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DE ATO OU
FASE DE LICITAÇÃO, INQUINADO DE VÍCIO, QUE NÃO AFETE A TOTALIDADE DO
CERTAME. CONHECIMENTO. ESCLARECIMENTOS AO CONSULENTE.
ARQUIVAMENTO. (...)
Relatório: (...)
JURISPRUDÊNCIA DO TCU E DO JUDICIÁRIO
42. São escassas as decisões em que o TCU se pronunciou explicitamente acerca da
possibilidade de anulação parcial de licitações. (...)
43. Decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) indicou explicitamente a
desnecessidade de se anular todo o certame devido a vício verificado na fase de habilitação
e que não afetou a totalidade do procedimento:
“Processo: AMS 1999.01.00.008602-6/MG
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. ANULAÇÃO. LEGALIDADE. COISA JULGADA E
PRECLUSÃO ADMINISTRATIVAS. INEXISTÊNCIA. AFETAÇÃO DOS ATOS POSTERIORES.
DESNECESSIDADE DE SE ANULAR TODO O PROCEDIMENTO.
- A fase de habilitação no procedimento licitatório não se caracteriza como um
ato discricionário, o que significa dizer que pode ser revisto ou anulado a
qualquer tempo pela Administração, não se operando sobre ele a preclusão ou a coisa
julgada administrativas, conforme se depreende da conjugação dos arts. 43, §5º; e 49 da
Lei n. 8.666/93. A eventual anulação da habilitação não afeta todo o procedimento
licitatório, mas apenas os atos e fases que lhe são posteriores.” (...)
ANÁLISE
47. O art. 49 da Lei nº 8.666/93 é explícito quanto à competência da autoridade responsável
pela aprovação e homologação do certame para que anule a licitação por irregularidade, de
ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente
fundamentado. Resta a questão sobre a possibilidade de que essa mesma
autoridade anule apenas alguns atos irregulares do procedimento, aproveitando-
se os atos corretamente praticados e não afetados pelo vício descoberto, e a
possibilidade de anulação de atos operada pela Comissão de Licitação.
48. Como observado nos itens anteriores, o TCU e o TRF1 já determinaram anulações
parciais, devido a vícios em determinada fase do certame que não o comprometiam em sua
totalidade. Por extensão, mostra-se coerente a interpretação pela possibilidade de que a
autoridade responsável pela homologação, que tem o dever de verificar a regularidade dos
atos praticados durante o procedimento licitatório, possa também determinar a anulação
parcial do certame. Isso decorre do previsto no art. 49 da Lei de Licitações, do
princípio da autotutela e do interesse público, haja vista a inconveniência de se
refazer todos os atos do certame, sem o aproveitamento daqueles que foram
executados com correção e não afetados pelos vícios identificados. Nesse caso, a
anulação total levaria a custos financeiros e de tempo, evitáveis admitindo-se a
anulação parcial.

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49. Naturalmente, a possibilidade de anulação parcial tem como pressuposto que


o vício identificado não afeta a totalidade do certame nem atinge os princípios
basilares da licitação. Devem ser anulados, além do ato originalmente irregular,
todos os outros posteriores e decorrentes deste, pois que também estarão
maculados de vício. Caso o vício atinja todos os atos constantes da licitação,
necessária se faz a anulação completa e o refazimento do procedimento desde o
início, pois não haverá atos regulares aproveitáveis.
50. Entende-se, portanto, ser possível a anulação de ato ou fase da licitação, inquinado de
vício que não afete a totalidade do certame, bem como dos atos e fases subseqüentes,
operada pela autoridade competente para a homologação, a qualquer tempo. Como
conseqüência, o procedimento licitatório deverá ser devolvido para a Comissão de Licitação,
a fim de que refaça os atos anulados, aproveitando-se os atos regulares e não afetados pelo
vício já praticados. (...)
52. Quanto à Comissão de Licitação, não há explícita previsão legal sobre
competência para anulação de atos. No entanto, mostra-se inconveniente e
ilógico que, identificado vício em ato ou fase da licitação, pela Comissão ou por
provocação externa, seja continuado o procedimento licitatório, para que
somente a autoridade responsável pela homologação o anule e determine o
refazimento. Portanto, não se observam óbices para que a própria Comissão de
Licitação, no decorrer do procedimento, atendendo ao princípio da autotutela,
anule parcialmente o certame e o refaça, aproveitando os atos regulares
praticados. (...)
Voto: (...)
9. O MP/TCU, por outro lado, faz um paralelo entre a invalidade dos atos administrativos e
as teorias das nulidades no direito civil e no direito processual civil, discorre sobre as
competências da comissão de licitação para decidir sobre o refazimento de determinados
procedimentos e a continuidade da licitação, à luz dos arts. 6º, inciso XVI, e 51 da Lei n.º
8.666/93, e tece comentários sobre as fases da licitação (interna e externa) e as decisões a
elas afetas, para concluir que a referida comissão, embora possa decidir sobre questões que
causem prejuízo parcial ou total ao certame licitatório, sua competência não alcança o nível
deliberativo da instituição administrativa no sentido de renovar alguma fase ou toda a
licitação, qualquer que seja a etapa dos procedimentos. A seu ver, a comissão de licitação
pode declarar a nulidade dos próprios atos, mas cabe à autoridade superior decidir entre a
continuidade do certame ou a abertura de outro, na hipótese de vícios relevantes. (...)
Acórdão: (...)
9.2. é possível, nos termos do art. 49 da Lei nº 8.666/93, a anulação de ato ou fase da
licitação, inquinado de vício que não afete a totalidade do certame, bem como dos atos e
fases subseqüentes, operada pela autoridade competente para a homologação, a qualquer
tempo. Como conseqüência, o procedimento licitatório deverá ser devolvido para a comissão
de licitação, a fim de que refaça os atos anulados, aproveitando-se os atos regulares e não
afetados pelo vício já praticados; (...)
9.4. não há óbice para que a comissão de licitação, no decorrer do procedimento,
caso possua delegação de competência da autoridade superior, anule
parcialmente o certame e o refaça, aproveitando os atos regularmente
praticados. Inexistindo delegação de competência, caberá à comissão de licitação
declarar a invalidade dos atos eivados de vício e submeter à prévia decisão da
autoridade superior proposta quanto à invalidade parcial do certame e ao
refazimento dos pertinentes procedimentos 6 (sem grifos no original).

6
TCU. Acórdão 1.904/08. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Raimundo Carreiro. DOU:
05/09/08.

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III Síntese conclusiva

Questiona a Consulente se em determinada Tomada de Preços, na hipótese de se


ter considerado habilitada a licitante classificada em primeiro lugar, mas, após isso,
verificar-se que esta deixou de apresentar documento exigido em edital, qual
procedimento deve ser adotado pela Administração: se seria possível “voltar à fase de
habilitação e inabilitar a 1ª classificada” ou, então, se seria cabível a anulação do
processo. Pois bem. De tudo o que foi dito, em nosso entender, na situação em comento,
será cabível, em verdade, a anulação parcial do processo licitatório, retomando-se a
licitação a partir do exato momento do julgamento da habilitação, não havendo que se
falar tão somente em “voltar à fase de habilitação e inabilitar a 1ª classificada”. Sendo
que, em se adotando o entendimento apresentado pelo TCU, temos que a anulação em si
poderá ser procedida pela própria Comissão de Licitação, “caso possua delegação de
competência da autoridade superior” ou, então, na hipótese de inexistência desta, “caberá
à comissão de licitação declarar a invalidade dos atos eivados de vício e submeter à prévia
decisão da autoridade superior proposta quanto à invalidade parcial do certame e ao
refazimento dos pertinentes procedimentos”.

Salvo melhor juízo, considerados os elementos fáticos fornecidos pela Consulente,


esse é o entendimento da Consultoria Negócios Públicos.

Curitiba, 24 de fevereiro de 2015.

Consultoria Negócios Públicos


Rua Lourenço Pinto, 196 – 3º andar – Centro – CEP 80.010-160 – Curitiba-PR

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