Professional Documents
Culture Documents
DESIGUALDADES EM PORTUGAL
Famílias
mais
pobres
sofreram
mais com
a crise
N
retamente afetados pelos cortes nos intermédios ficou entre os 10% e os 12%. rendimentos agravaram-se a partir de
económico sobre as em todos os portugue-
salários e nas pensões não chegou para
compensar esses efeitos. Por outro
O coordenador do estudo e profes-
sor no Instituto Superior de Economia
2009, ao contrário do que tinha acon-
tecido para trás. “O aumento contínuo
consequências da ses foram atingidos lado, as alterações introduzidas nas e Gestão (ISEG), Farinha Rodrigues, do fosso que separa as famílias e os
austeridade durante com a mesma intensi-
dade pelos efeitos da
transferências sociais, em particular
no rendimento social de inserção, no
considera que estes resultados desmen-
tem “dois mitos”: o de que os mais po-
indivíduos mais ricos dos mais pobres
constitui o principal traço da evolução
a crise desmente crise e da austeridade
dos últimos anos. E,
complemento solidário para idosos e no
abono de família, foram determinantes
bres não foram afetados pelas políticas
de austeridade e o de que a crise foi
das desigualdades ao longo destes anos
da crise”, aponta o estudo. Porém, entre
duas teorias: não apesar de os cortes no aumento da pobreza.” particularmente sentida pela classe 2013 e 2014, registou-se uma melhoria
dos salários e das Para chegar a essa conclusão, a escala média. “A diminuição dos rendimentos num dos indicadores que medem a desi-
foi a classe média pensões não terem de rendimentos — nos quais se incluem foi profundamente desigual, em gran- gualdade. “É uma queda, mas é peque-
quem mais perdeu abrangido diretamente as famílias mais
pobres, foram precisamente essas que
salários, pensões e outras prestações
sociais como o subsídio de desemprego
de parte regressiva, e nem as classes
médias foram as que mais sofreram
na e não é suficiente para que possamos
fazer dela uma tendência para agora
e os mais pobres sofreram as consequências mais graves — foi dividida em dez grupos, dos 10% com as políticas seguidas nem os mais ou para os próximos anos”, disse ao
da crise, perdendo um quarto dos seus mais pobres aos 10% mais ricos. Conclui pobres foram poupados no processo de Expresso Michael Förster, economista
não escaparam aos rendimentos entre 2009 e 2014. o estudo que todos esses grupos perde- empobrecimento.” na OCDE (ver entrevista na pág. 27).
duros efeitos A conclusão surge no primeiro gran-
de estudo sobre o impacto da crise e da
ram rendimentos entre 2009 e 2014.
Porém, enquanto os 10% mais pobres
Os mais jovens, as famílias mais alar-
gadas e com crianças, os desemprega- O que mudou desde 2014?
austeridade nas desigualdades econó- perderam um quarto (25%) dos seus dos e as pessoas com menos qualifica-
micas em Portugal entre 2009 e 2014, rendimentos, os 10% mais ricos perde- ções foram também dos mais afetados Os dados mostram que dois milhões
coordenado pelo economista Carlos na perda de rendimentos. E há uma de portugueses se encontravam em
Farinha Rodrigues, com o apoio da componente com um grande peso nes- situação de pobreza em 2014, mais
Fundação Francisco Manuel dos San- sa perda: as remunerações do trabalho, 116 mil do que em 2009. Mas o que
tos (FFMS). O estudo “Desigualdade afetadas em parte pela descida dos salá- mudou desde então? “Agora a situa-
em Portugal: Consequências Sociais do
Programa de Ajustamento”, que será
UM TERÇO DOS rios a partir de 2009. Essa descida afe-
tou o sector público e o sector privado,
ção é menos dramática do que há três
anos. As pessoas nessa altura tiveram
apresentado na próxima segunda-feira PORTUGUESES mas com intensidades diferentes. Os um choque e isso é terrível. Entretanto
numa parceria com o Expresso e a SIC, dados do Banco de Portugal, citados tiveram de se adaptar”, afirma Luís
parte dos últimos dados estatísticos PASSOU POR UMA pelo estudo, mostram que a queda no Barbosa, presidente da Cruz Verme-
disponíveis para analisar o período que
engloba a chegada da troika, o pico
SITUAÇÃO DE sector público foi muito mais acentu-
ada, com as remunerações em 2012 a
lha Portuguesa, que também vê nessa
adaptação um lado mau. “Assim vai-se
da crise e a aplicação das medidas de POBREZA DURANTE recuarem a níveis de 1995. empobrecendo.”
austeridade (as conclusões do estudo Além dos cortes nos salários e nas O presidente da Cáritas, Eugénio da
estarão disponíveis no site www.portu- PELO MENOS UM pensões, também o desemprego e a Fonseca, não encontra “alterações sig-
galdesigual.ffms.pt, a partir de dia 19).
O que explica que as famílias mais
ANO ENTRE 2009 perda de prestações sociais empurra-
ram para a pobreza muitas pessoas que
nificativas” no panorama dos últimos
anos. “Pelo contrário, constatamos
pobres tenham sido as que mais per- E 2012. ALGUNS até então lhe tinham estado imunes. que as famílias estão cada vez mais
deram? “Múltiplos fatores contribuí- Um quarto dos pobres em 2012 estava empobrecidas. Algumas esgotaram as
ram para este resultado”, sublinha o PELA PRIMEIRA VEZ nessa situação pela primeira vez, mos- poupanças ou ficaram sem o subsídio
estudo, apontando por exemplo para
a exclusão de milhares de trabalhado-
NA VIDA, CONCLUI tra o estudo. E entre 2009 e 2012 um
em cada três portugueses passou pela
de desemprego”, argumenta, subli-
nhando a importância que prestações
res do mercado de trabalho. “O facto O ESTUDO pobreza durante pelo menos um ano. como o rendimento social de inserção
Tiragem: 94480 Pág: 25
>>
32,3%
Há quem tenha ganho “EM PORTUGAL, UM MILHÃO DE Rendimentos caem Pobreza das crianças
€1393 desde 2009 desce em 2014
MELHORIA Ainda que o rendi- PESSOAS VIVE COM MENOS DE 250
mento médio dos portugueses EUROS TODOS OS MESES. E DOIS PERDA O rendimento médio das MELHORIA A taxa de pobreza
tenha descido neste período famílias portuguesas passou de Taxa de pobreza das das crianças com menos de
e em todos os decis da escala MILHÕES VIVEM COM MENOS DE 11.389 euros anuais, em 2009, famílias com cinco ou mais 17 anos desceu de 25,6% para
tenha sido registada uma que- 420 EUROS, O QUE EQUIVALE A UM para 9996 euros em 2014 o que pessoas. Entre 2009 e 2014, 24,8% entre 2013 e 2014, a
bra, o estudo mostra que houve equivale a uma diminuição em foram estas famílias que primeira quebra desde 2010.
quem tenha conseguido ver um QUINTO DA POPULAÇÃO” termos reais de 12,2%. A dife- mais viram agravada a Porém, a evolução refletiu
ganho nos seus rendimentos: Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome rença é de menos 1393 euros. incidência de pobreza. Em um agravamento considerável
12,6% dos portugueses tiveram Os rendimentos do trabalho geral, as famílias maiores entre 2011 e 2012, chegando
um aumento dos seus rendimen- tiveram um peso importante: são as que estão claramente ao valor mais elevado desde
tos acima de 30%. caíram 9% no mesmo período. mais vulneráveis. 2006.
1º DECIL 2º DECIL 3º DECIL 4º DECIL 5º DECIL 6º DECIL 7º DECIL 8º DECIL 9º DECIL 10º DECIL
até até até até até até até até até a partir de
€3628 €5139 €6229 €7308 €8434 €9563 €11.172 €13.314 €17.568 €17.582
-10% -10%
-11% -11% -11% -11%
-12% -13%
Os decis intermédios sofreram
67,4% 32,6%
2009 2014
FOTO DANIEL CANDAL/GETTY
TRABALHO PERMANENTE
5%
7,8%
têm na vida de quem deles depende. apontados a dedo por Eugénio da Fon- EVOLUÇÃO DA POBREZA EVOLUÇÃO DAS DESIGUALDADES
“Mas o RSI não substitui o posto de seca, que alerta ainda para o risco da Taxas de pobreza entre 2009 e 2014 Entre 2006 e 2014
trabalho e os rendimentos de trabalho. pobreza estrutural. “Há pessoas com
Não é uma medida para acabar com a 30 ou 40 anos que não conseguem ter TAXA DE POBREZA
28 ANCORADA EM 2009 0,370
pobreza, é uma medida que tenta mi- um trabalho por conta de outrem e
norar a severidade da pobreza.”
Em 2012 e 2013, a Cáritas recebeu
que não têm uma reforma assegurada.
Temos de perguntar: como assegura-
26 A taxa ancorada 24,2% 0,360
parte da fixação da
pedidos de ajuda de pessoas “em picos mos os níveis de subsistência destas
de carência”. “Agora, as pessoas vêm pessoas no futuro?”
24 linha de pobreza num
determinado ano
0,350
0,340
mais vezes quando não têm recursos Uma das conclusões a que se chega 0,340
22 TAXA DE POBREZA OFICIAL
de qualquer espécie. Vemos, por exem- no retrato sobre quem são hoje os po-
plo, os pais de casais desempregados a
pedirem apoio. São as poupanças dos
bres em Portugal é a de que um posto
de trabalho continua a não ser sufici-
20 19,5% 0,330 0,337
avós que estão a conseguir manter os ente para fugir da pobreza. É que se 17,9%
0,320
18
estudos dos netos e para isso os pais 20% dos pobres são desempregados, O índice de Gini varia entre 0 (se todas as
também se privam de bens alimen- 22% têm emprego. A percentagem 17,9% pessoas tivessem rendimento igual) e 1 (caso
16 0,310
tares. Isso significa que temos mais de trabalhadores pobres, tanto em todo o rendimento fosse para a mesma pessoa)
empobrecimento.” postos de trabalho permanente como 0,300
14
As desigualdades no acesso às opor- temporário, também aumentou entre
09 10 11 12 13 14 06 07 08 09 10 11 12 13 14
tunidades de trabalho e a desigualdade 2009 e 2014. “Uma relação mais ténue
“escandalosa” no acesso à justiça são e instável com o mercado de trabalho EVOLUÇÃO DA POBREZA DAS CRIANÇAS E IDOSOS
expressa no trabalho intermitente, Entre 2006 e 2014, em percentagem
precário ou a prazo pode igualmente
constituir um fator gerador de pobre-
za”, conclui o estudo. CRIANÇAS (0-17)
“CONSTATAMOS Ainda que a situação seja “menos
QUE AS FAMÍLIAS
dramática” do que há três anos, a re-
alidade é hoje “mais diversificada”, 25,5 25,6
24,8%
defende Luís Barbosa. “Nos últimos 24,4
ESTÃO CADA anos, os problemas diversificaram-se. 22,8 22,9
22,4 22,4 21,8
VEZ MAIS E talvez estejamos pior agora porque
à medida que nos aproximámos destas 22,3 IDOSOS (+65)
EMPOBRECIDAS. realidades passámos a saber mais sobre 20,9 21
DESIGUALDADES EM PORTUGAL
Construção foi o
sector com maior
aumento de
trabalhadores pobres
QUEDA A percentagem de tra-
“O AGRAVAMENTO DA POBREZA
DAS FAMÍLIAS JOVENS TRADUZ
UMA DIFICULDADE NO ACESSO AO
MERCADO DE TRABALHO. QUANDO
CONSEGUIAM ACEDER AO EMPREGO
910
euros era o ganho médio
mensal líquido dos
Quase um terço dos
trabalhadores ganha
menos de €700
SALÁRIOS A proporção de pes-
soas a ganhar menos de €700
32%
Aumento nas prestações
de subsídio de desemprego
entre 2009 e 2013.
balhadores pobres no sector portugueses em 2014. Está por mês era de 29% em 2014, aci- A subida é justificada pela
da construção passou de 10% VIAM-SE CONFRONTADOS COM 132 euros abaixo do que se ma dos 20% em 2009. “É consis- crise, embora as alterações
em 2009 para 18% em 2014. A SALÁRIOS BAIXOS E COM CONDIÇÕES registava em 2009, segundo tente com o aumento da propor- nos montantes e nas regras
agricultura, floresta e pescas os dados do estudo. Em ção dos trabalhadores por conta de atribuição
surge a seguir com 15,4% de LABORAIS MAIS PRECÁRIAS” termos brutos o ganho era de outrem que auferem o salário tenham penalizado
trabalhadores pobres. Carlos Farinha Rodrigues, economista e coordenador do estudo de 1283 euros mínimo”, explica o estudo. os beneficiários
Enorme
aumento
de impostos
atenuou subida
da desigualdade
O efeito Não foi por acaso que Vítor Gaspar,
quando apresentou o “enorme aumen-
se agravou. Um problema que pode
limitar a atuação do atual Governo
to social de inserção) em três momen-
tos diferentes: 2006, 2009 e 2014. O
sobre os 20% de portugueses com
maiores rendimentos, enquanto que
redistributivo dos to de impostos” no Orçamento do Es- na eliminação de algumas destas me- objetivo é perceber qual o impacto de sobre os 40% mais pobres recaiu 4%
tado para 2013, dedicou alguma aten- didas fiscais — como a sobretaxa de cada um destes instrumentos, usa- do imposto, mostra o estudo.
impostos diretos — ção à questão da desigualdade. Desde IRS. Pensões, apoios sociais e impostos dos para corrigir as desigualdades Se estas três políticas redistributivas
onde está o IRS que o início do programa da troika que o
Governo fez questão de assegurar que
ajudam a corrigir a desigualdade ‘na-
tural’ da distribuição de rendimento
na distribuição de rendimentos. E a
conclusão aponta para que os impos-
— impostos, pensões e transferências
sociais — não existissem, o indicador
deu um salto em as medidas de austeridade deixavam
de fora os rendimentos mais baixos.
mas, nestes anos, não foram sufici-
entes para contrariar o agravamento
tos diretos — mais altos para quem
tem um maior nível de rendimentos e
que mede a desigualdade (o índice de
Gini) teria sido 10,4 pontos percentu-
2013 — aumentou Nesse dia 3 de outubro, ao mesmo que houve. Os impostos contribuíram mais baixos para quem tem menos — ais mais alto em 2014. E nessa redu-
drasticamente tempo que lançava quase 4000 mi-
lhões em impostos adicionais sobre
mais mas, mesmo assim, as diferenças
na distribuição de rendimento alarga-
sejam o fator que mais peso tem tido
na diminuição das desigualdades, com
ção cada um dos três instrumentos
teve um peso diferente: 6,5 pontos
nos anos da os portugueses com destaque para o
IRS (sobretaxa e novos escalões), o
ram-se.
Um dos focos do estudo “Desigual-
um aumento significativo do seu efeito
redutor entre 2009 e 2014.
devem-se à aplicação de impostos, 2,1
pontos às transferências sociais e 1,8
austeridade. Apesar ministro das Finanças não deixava de dade em Portugal: Consequências “Como seria de esperar, os impostos às pensões.
sublinhar a forma equitativa como era Sociais do Programa de Ajustamen- são claramente o instrumento redis- Se por um lado os dados mostram
de a desigualdade feito. Aliás, na apresentação das alte- to” são os efeitos redistributivos dos tributivo mais eficaz na redução das essa maior ‘eficácia’ dos impostos na
se ter agravado rações fiscais, o orçamento começa
precisamente pelo vetor Consolidação
impostos, das pensões e de outras
transferências sociais (que incluem
desigualdades, aumentando a sua efi-
cácia de forma muito significativa em
correção das desigualdades, também
mostram a diminuição do papel das
Orçamental e Equidade o que, trocado prestações como o abono de família, o 2014”, conclui o estudo. “O forte au- pensões e de outras transferências
por miúdos, quer dizer “estamos a subsídio de desemprego ou rendimen- mento dos impostos verificado amor- sociais entre 2006 e 2014. “No caso
aumentar impostos mas estamos a fa- teceu o aumento da desigualdade an-
zê-lo de forma justa”. E, para isso, em tes de impostos devido à sua natureza
EFEITO REDUTOR DOS IMPOSTOS,
particular sobre as alterações no IRS PENSÕES E TRANSFERÊNCIAS predominantemente progressiva”,
que representavam quase dois terços SOCIAIS NA DESIGUALDADE aponta Carlos Farinha Rodrigues, es-
da dose, Gaspar tinha números: a con-
centração do rendimento diminuiu,
Entre 2006 e 2014 pecialista em matéria de desigualda-
des e professor no Instituto Superior
OS DADOS
os decis de rendimento mais elevados Impostos Outras
transferências
Pensões de Economia e Gestão (ISEG). Como MOSTRAM MAIOR
são os mais afetados e o índice de Gini resposta à crise, as alterações no siste-
que mede a desigualdade teve uma ma fiscal traduziram-se num aumento ‘EFICÁCIA’ DOS
redução de 2,5%.
Esta análise é agora partilhada pelo
10
1,8
da carga fiscal em Portugal, passando
de 30% do PIB em 2009 para 34,4%
IMPOSTOS NA
2,9
estudo coordenado por Carlos Fari- 8
2 2,1
em 2014, “enquanto a receita dos im- CORREÇÃO DAS
nha Rodrigues e apoiado pela Fun- postos diretos subiu cerca de 25%”.
dação Francisco Manuel dos Santos 6
3 Em paralelo, as alterações no IRS “ DESIGUALDADES E
(FFMS). Os aumentos de impostos
diretos (onde está o IRS) não só con- 4
2,2 6,5 parecem ter reforçado o carácter pro-
gressivo dos impostos diretos e exerci-
UMA DIMINUIÇÃO
tribuíram para reduzir a desigualda- 4,2
3,8 do um efeito equalizador acrescido na NAS PENSÕES E
de como o seu contributo se reforçou distribuição dos rendimentos”.
TRANSFERÊNCIAS
2
num período em que o impacto dos Esse efeito “equalizador” fica mais
outros instrumentos — pensões ou
transferências sociais — até encolheu
0
2006 2009 2014
claro quando se olha para a distri-
buição dos impostos diretos: 70% do
SOCIAIS ENTRE
e em que, apesar disso, a desigualdade FONTES: INE, ICOR 2007, 2010 E 2015 montante do IRS em 2014 incidiu 2006 E 2014
Tiragem: 94480 Pág: 27
os jovens. Depressa ”
FOTO GONÇALO ROSA DA SILVA
Rodrigues
Economista e coordenador do estudo