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ID: 66113143 17-09-2016 Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 5

DESIGUALDADES EM PORTUGAL

Jovens perdem 29%


dos seus rendimentos
GERAÇÕES Se olharmos para a
perda de rendimentos entre os
vários escalões etários, os mais
novos foram os mais afetados.
“A CAUSA QUE LEVA AS PESSOAS A
PEDIREM AJUDA É, SOBRETUDO, O
DESEMPREGO. DEPOIS HÁ
QUESTÕES DE SAÚDE MENTAL E
CONFLITOS FAMILIARES. ÀS VEZES É
550
pessoas apoiadas todas as
noites pela Comunidade
Mulheres com maior
perda e pobreza
DESEQUILÍBRIO Os rendimentos
das famílias em que as mulheres
são o representante caíram 20%
entre 2009 e 2014, enquanto no
-20%
Perda de rendimento dos
portugueses com ensino
superior, entre 2009 e 2014.
Os jovens com menos de 25 Vida e Paz no concelho de caso em que o homem é o indi- Ainda que um nível de
anos viram os seus rendimen- DIFÍCIL PERCEBER ONDE O Lisboa. Cerca de metade víduo representante da família escolaridade mais alto ainda
tos cair 29% entre 2009 e 2014, PROBLEMA COMEÇOU” são sem-abrigo. O número desceram 8%. A pobreza é supe- assegure um melhor salário,
enquanto os mais velhos, com total não sofreu alteração rior nas famílias representadas ter um curso superior não
Henrique Joaquim, presidente da Comunidade Vida e Paz, associação que
65 anos ou mais, sentiram uma todas as noites faz distribuição de alimentos nas ruas de Lisboa entre 2013 e o dia de hoje, por uma mulher (24,5%) do que bastou para evitar uma perda
perda de 7%. segundo a organização. por um homem (16,5%). de rendimentos.

Famílias
mais
pobres
sofreram
mais com
a crise

Um estudo Raquel Albuquerque


de os mais pobres não terem sido di- ram menos (13%). A perda dos grupos As desigualdades na distribuição dos

N
retamente afetados pelos cortes nos intermédios ficou entre os 10% e os 12%. rendimentos agravaram-se a partir de
económico sobre as em todos os portugue-
salários e nas pensões não chegou para
compensar esses efeitos. Por outro
O coordenador do estudo e profes-
sor no Instituto Superior de Economia
2009, ao contrário do que tinha acon-
tecido para trás. “O aumento contínuo
consequências da ses foram atingidos lado, as alterações introduzidas nas e Gestão (ISEG), Farinha Rodrigues, do fosso que separa as famílias e os
austeridade durante com a mesma intensi-
dade pelos efeitos da
transferências sociais, em particular
no rendimento social de inserção, no
considera que estes resultados desmen-
tem “dois mitos”: o de que os mais po-
indivíduos mais ricos dos mais pobres
constitui o principal traço da evolução
a crise desmente crise e da austeridade
dos últimos anos. E,
complemento solidário para idosos e no
abono de família, foram determinantes
bres não foram afetados pelas políticas
de austeridade e o de que a crise foi
das desigualdades ao longo destes anos
da crise”, aponta o estudo. Porém, entre
duas teorias: não apesar de os cortes no aumento da pobreza.” particularmente sentida pela classe 2013 e 2014, registou-se uma melhoria
dos salários e das Para chegar a essa conclusão, a escala média. “A diminuição dos rendimentos num dos indicadores que medem a desi-
foi a classe média pensões não terem de rendimentos — nos quais se incluem foi profundamente desigual, em gran- gualdade. “É uma queda, mas é peque-
quem mais perdeu abrangido diretamente as famílias mais
pobres, foram precisamente essas que
salários, pensões e outras prestações
sociais como o subsídio de desemprego
de parte regressiva, e nem as classes
médias foram as que mais sofreram
na e não é suficiente para que possamos
fazer dela uma tendência para agora
e os mais pobres sofreram as consequências mais graves — foi dividida em dez grupos, dos 10% com as políticas seguidas nem os mais ou para os próximos anos”, disse ao
da crise, perdendo um quarto dos seus mais pobres aos 10% mais ricos. Conclui pobres foram poupados no processo de Expresso Michael Förster, economista
não escaparam aos rendimentos entre 2009 e 2014. o estudo que todos esses grupos perde- empobrecimento.” na OCDE (ver entrevista na pág. 27).
duros efeitos A conclusão surge no primeiro gran-
de estudo sobre o impacto da crise e da
ram rendimentos entre 2009 e 2014.
Porém, enquanto os 10% mais pobres
Os mais jovens, as famílias mais alar-
gadas e com crianças, os desemprega- O que mudou desde 2014?
austeridade nas desigualdades econó- perderam um quarto (25%) dos seus dos e as pessoas com menos qualifica-
micas em Portugal entre 2009 e 2014, rendimentos, os 10% mais ricos perde- ções foram também dos mais afetados Os dados mostram que dois milhões
coordenado pelo economista Carlos na perda de rendimentos. E há uma de portugueses se encontravam em
Farinha Rodrigues, com o apoio da componente com um grande peso nes- situação de pobreza em 2014, mais
Fundação Francisco Manuel dos San- sa perda: as remunerações do trabalho, 116 mil do que em 2009. Mas o que
tos (FFMS). O estudo “Desigualdade afetadas em parte pela descida dos salá- mudou desde então? “Agora a situa-
em Portugal: Consequências Sociais do
Programa de Ajustamento”, que será
UM TERÇO DOS rios a partir de 2009. Essa descida afe-
tou o sector público e o sector privado,
ção é menos dramática do que há três
anos. As pessoas nessa altura tiveram
apresentado na próxima segunda-feira PORTUGUESES mas com intensidades diferentes. Os um choque e isso é terrível. Entretanto
numa parceria com o Expresso e a SIC, dados do Banco de Portugal, citados tiveram de se adaptar”, afirma Luís
parte dos últimos dados estatísticos PASSOU POR UMA pelo estudo, mostram que a queda no Barbosa, presidente da Cruz Verme-
disponíveis para analisar o período que
engloba a chegada da troika, o pico
SITUAÇÃO DE sector público foi muito mais acentu-
ada, com as remunerações em 2012 a
lha Portuguesa, que também vê nessa
adaptação um lado mau. “Assim vai-se
da crise e a aplicação das medidas de POBREZA DURANTE recuarem a níveis de 1995. empobrecendo.”
austeridade (as conclusões do estudo Além dos cortes nos salários e nas O presidente da Cáritas, Eugénio da
estarão disponíveis no site www.portu- PELO MENOS UM pensões, também o desemprego e a Fonseca, não encontra “alterações sig-
galdesigual.ffms.pt, a partir de dia 19).
O que explica que as famílias mais
ANO ENTRE 2009 perda de prestações sociais empurra-
ram para a pobreza muitas pessoas que
nificativas” no panorama dos últimos
anos. “Pelo contrário, constatamos
pobres tenham sido as que mais per- E 2012. ALGUNS até então lhe tinham estado imunes. que as famílias estão cada vez mais
deram? “Múltiplos fatores contribuí- Um quarto dos pobres em 2012 estava empobrecidas. Algumas esgotaram as
ram para este resultado”, sublinha o PELA PRIMEIRA VEZ nessa situação pela primeira vez, mos- poupanças ou ficaram sem o subsídio
estudo, apontando por exemplo para
a exclusão de milhares de trabalhado-
NA VIDA, CONCLUI tra o estudo. E entre 2009 e 2012 um
em cada três portugueses passou pela
de desemprego”, argumenta, subli-
nhando a importância que prestações
res do mercado de trabalho. “O facto O ESTUDO pobreza durante pelo menos um ano. como o rendimento social de inserção
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32,3%
Há quem tenha ganho “EM PORTUGAL, UM MILHÃO DE Rendimentos caem Pobreza das crianças
€1393 desde 2009 desce em 2014
MELHORIA Ainda que o rendi- PESSOAS VIVE COM MENOS DE 250
mento médio dos portugueses EUROS TODOS OS MESES. E DOIS PERDA O rendimento médio das MELHORIA A taxa de pobreza
tenha descido neste período famílias portuguesas passou de Taxa de pobreza das das crianças com menos de
e em todos os decis da escala MILHÕES VIVEM COM MENOS DE 11.389 euros anuais, em 2009, famílias com cinco ou mais 17 anos desceu de 25,6% para
tenha sido registada uma que- 420 EUROS, O QUE EQUIVALE A UM para 9996 euros em 2014 o que pessoas. Entre 2009 e 2014, 24,8% entre 2013 e 2014, a
bra, o estudo mostra que houve equivale a uma diminuição em foram estas famílias que primeira quebra desde 2010.
quem tenha conseguido ver um QUINTO DA POPULAÇÃO” termos reais de 12,2%. A dife- mais viram agravada a Porém, a evolução refletiu
ganho nos seus rendimentos: Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome rença é de menos 1393 euros. incidência de pobreza. Em um agravamento considerável
12,6% dos portugueses tiveram Os rendimentos do trabalho geral, as famílias maiores entre 2011 e 2012, chegando
um aumento dos seus rendimen- tiveram um peso importante: são as que estão claramente ao valor mais elevado desde
tos acima de 30%. caíram 9% no mesmo período. mais vulneráveis. 2006.

Perda de rendimentos durante o período da crise


Partindo da escala de rendimentos (que incluem as remunerações do trabalho, pensões e outras transferências), é feita uma divisão em dez partes
iguais (decis), desde os 10% mais pobres (o 1º decil) aos 10% mais ricos (10º decil). Os valores usados dizem respeito ao “rendimento disponível por adulto
equivalente”, que é uma medida que divide o rendimento da família pelo número de pessoas que a compõem

1º DECIL 2º DECIL 3º DECIL 4º DECIL 5º DECIL 6º DECIL 7º DECIL 8º DECIL 9º DECIL 10º DECIL
até até até até até até até até até a partir de
€3628 €5139 €6229 €7308 €8434 €9563 €11.172 €13.314 €17.568 €17.582

-10% -10%
-11% -11% -11% -11%
-12% -13%
Os decis intermédios sofreram

-16% perda mais baixas, entre 10% e 12%

TEMPO PASSADO NUMA SITUAÇÃO DE POBREZA


Entre 2009 e 2012

-25% NUNCA ESTEVE


EM SITUAÇÃO DE POBREZA
ESTEVE PELO MENOS
UMA VEZ

67,4% 32,6%

Por 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos


12,6% 5,3% 6,6% 8,2%
TRABALHADORES EM SITUAÇÃO DE POBREZA
Por tipo de trabalho, em %

2009 2014
FOTO DANIEL CANDAL/GETTY

TRABALHO PERMANENTE
5%

7,8%

TRABALHO TEMPORÁRIO A percentagem de trabalhadores


pobres em trabalho temporário
6,2%
registou um aumento
12,7% significativo entre 2009 e 2014

têm na vida de quem deles depende. apontados a dedo por Eugénio da Fon- EVOLUÇÃO DA POBREZA EVOLUÇÃO DAS DESIGUALDADES
“Mas o RSI não substitui o posto de seca, que alerta ainda para o risco da Taxas de pobreza entre 2009 e 2014 Entre 2006 e 2014
trabalho e os rendimentos de trabalho. pobreza estrutural. “Há pessoas com
Não é uma medida para acabar com a 30 ou 40 anos que não conseguem ter TAXA DE POBREZA
28 ANCORADA EM 2009 0,370
pobreza, é uma medida que tenta mi- um trabalho por conta de outrem e
norar a severidade da pobreza.”
Em 2012 e 2013, a Cáritas recebeu
que não têm uma reforma assegurada.
Temos de perguntar: como assegura-
26 A taxa ancorada 24,2% 0,360
parte da fixação da
pedidos de ajuda de pessoas “em picos mos os níveis de subsistência destas
de carência”. “Agora, as pessoas vêm pessoas no futuro?”
24 linha de pobreza num
determinado ano
0,350
0,340
mais vezes quando não têm recursos Uma das conclusões a que se chega 0,340
22 TAXA DE POBREZA OFICIAL
de qualquer espécie. Vemos, por exem- no retrato sobre quem são hoje os po-
plo, os pais de casais desempregados a
pedirem apoio. São as poupanças dos
bres em Portugal é a de que um posto
de trabalho continua a não ser sufici-
20 19,5% 0,330 0,337

avós que estão a conseguir manter os ente para fugir da pobreza. É que se 17,9%
0,320
18
estudos dos netos e para isso os pais 20% dos pobres são desempregados, O índice de Gini varia entre 0 (se todas as
também se privam de bens alimen- 22% têm emprego. A percentagem 17,9% pessoas tivessem rendimento igual) e 1 (caso
16 0,310
tares. Isso significa que temos mais de trabalhadores pobres, tanto em todo o rendimento fosse para a mesma pessoa)
empobrecimento.” postos de trabalho permanente como 0,300
14
As desigualdades no acesso às opor- temporário, também aumentou entre
09 10 11 12 13 14 06 07 08 09 10 11 12 13 14
tunidades de trabalho e a desigualdade 2009 e 2014. “Uma relação mais ténue
“escandalosa” no acesso à justiça são e instável com o mercado de trabalho EVOLUÇÃO DA POBREZA DAS CRIANÇAS E IDOSOS
expressa no trabalho intermitente, Entre 2006 e 2014, em percentagem
precário ou a prazo pode igualmente
constituir um fator gerador de pobre-
za”, conclui o estudo. CRIANÇAS (0-17)
“CONSTATAMOS Ainda que a situação seja “menos

QUE AS FAMÍLIAS
dramática” do que há três anos, a re-
alidade é hoje “mais diversificada”, 25,5 25,6
24,8%
defende Luís Barbosa. “Nos últimos 24,4
ESTÃO CADA anos, os problemas diversificaram-se. 22,8 22,9
22,4 22,4 21,8
VEZ MAIS E talvez estejamos pior agora porque
à medida que nos aproximámos destas 22,3 IDOSOS (+65)
EMPOBRECIDAS. realidades passámos a saber mais sobre 20,9 21

UMAS ESGOTARAM elas. E na área da saúde, por exemplo, 20,1 20 17%


os problemas têm aumentado”, aponta
AS POUPANÇAS, numa referência aos problemas cres-
centes entre os idosos que tenderão a
17,4

OUTRAS FICARAM agravar-se com o envelhecimento da 14,7


15,1
população. “Hoje estamos perante um
SEM SUBSÍDIO”, problema de desigualdades mais com-
DIZ O PRESIDENTE plexo. E problemas diferentes precisam
de respostas diferentes.” 06 07 08 09 10 11 12 13 14
DA CÁRITAS ralbuquerque@expresso.impresa.pt FONTES: INE, ICOR 2010 E 2015 INFOGRAFIA DE ANA SERRA
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DESIGUALDADES EM PORTUGAL

Construção foi o
sector com maior
aumento de
trabalhadores pobres
QUEDA A percentagem de tra-
“O AGRAVAMENTO DA POBREZA
DAS FAMÍLIAS JOVENS TRADUZ
UMA DIFICULDADE NO ACESSO AO
MERCADO DE TRABALHO. QUANDO
CONSEGUIAM ACEDER AO EMPREGO
910
euros era o ganho médio
mensal líquido dos
Quase um terço dos
trabalhadores ganha
menos de €700
SALÁRIOS A proporção de pes-
soas a ganhar menos de €700
32%
Aumento nas prestações
de subsídio de desemprego
entre 2009 e 2013.
balhadores pobres no sector portugueses em 2014. Está por mês era de 29% em 2014, aci- A subida é justificada pela
da construção passou de 10% VIAM-SE CONFRONTADOS COM 132 euros abaixo do que se ma dos 20% em 2009. “É consis- crise, embora as alterações
em 2009 para 18% em 2014. A SALÁRIOS BAIXOS E COM CONDIÇÕES registava em 2009, segundo tente com o aumento da propor- nos montantes e nas regras
agricultura, floresta e pescas os dados do estudo. Em ção dos trabalhadores por conta de atribuição
surge a seguir com 15,4% de LABORAIS MAIS PRECÁRIAS” termos brutos o ganho era de outrem que auferem o salário tenham penalizado
trabalhadores pobres. Carlos Farinha Rodrigues, economista e coordenador do estudo de 1283 euros mínimo”, explica o estudo. os beneficiários

Enorme
aumento
de impostos
atenuou subida
da desigualdade
O efeito Não foi por acaso que Vítor Gaspar,
quando apresentou o “enorme aumen-
se agravou. Um problema que pode
limitar a atuação do atual Governo
to social de inserção) em três momen-
tos diferentes: 2006, 2009 e 2014. O
sobre os 20% de portugueses com
maiores rendimentos, enquanto que
redistributivo dos to de impostos” no Orçamento do Es- na eliminação de algumas destas me- objetivo é perceber qual o impacto de sobre os 40% mais pobres recaiu 4%
tado para 2013, dedicou alguma aten- didas fiscais — como a sobretaxa de cada um destes instrumentos, usa- do imposto, mostra o estudo.
impostos diretos — ção à questão da desigualdade. Desde IRS. Pensões, apoios sociais e impostos dos para corrigir as desigualdades Se estas três políticas redistributivas
onde está o IRS que o início do programa da troika que o
Governo fez questão de assegurar que
ajudam a corrigir a desigualdade ‘na-
tural’ da distribuição de rendimento
na distribuição de rendimentos. E a
conclusão aponta para que os impos-
— impostos, pensões e transferências
sociais — não existissem, o indicador
deu um salto em as medidas de austeridade deixavam
de fora os rendimentos mais baixos.
mas, nestes anos, não foram sufici-
entes para contrariar o agravamento
tos diretos — mais altos para quem
tem um maior nível de rendimentos e
que mede a desigualdade (o índice de
Gini) teria sido 10,4 pontos percentu-
2013 — aumentou Nesse dia 3 de outubro, ao mesmo que houve. Os impostos contribuíram mais baixos para quem tem menos — ais mais alto em 2014. E nessa redu-
drasticamente tempo que lançava quase 4000 mi-
lhões em impostos adicionais sobre
mais mas, mesmo assim, as diferenças
na distribuição de rendimento alarga-
sejam o fator que mais peso tem tido
na diminuição das desigualdades, com
ção cada um dos três instrumentos
teve um peso diferente: 6,5 pontos
nos anos da os portugueses com destaque para o
IRS (sobretaxa e novos escalões), o
ram-se.
Um dos focos do estudo “Desigual-
um aumento significativo do seu efeito
redutor entre 2009 e 2014.
devem-se à aplicação de impostos, 2,1
pontos às transferências sociais e 1,8
austeridade. Apesar ministro das Finanças não deixava de dade em Portugal: Consequências “Como seria de esperar, os impostos às pensões.
sublinhar a forma equitativa como era Sociais do Programa de Ajustamen- são claramente o instrumento redis- Se por um lado os dados mostram
de a desigualdade feito. Aliás, na apresentação das alte- to” são os efeitos redistributivos dos tributivo mais eficaz na redução das essa maior ‘eficácia’ dos impostos na
se ter agravado rações fiscais, o orçamento começa
precisamente pelo vetor Consolidação
impostos, das pensões e de outras
transferências sociais (que incluem
desigualdades, aumentando a sua efi-
cácia de forma muito significativa em
correção das desigualdades, também
mostram a diminuição do papel das
Orçamental e Equidade o que, trocado prestações como o abono de família, o 2014”, conclui o estudo. “O forte au- pensões e de outras transferências
por miúdos, quer dizer “estamos a subsídio de desemprego ou rendimen- mento dos impostos verificado amor- sociais entre 2006 e 2014. “No caso
aumentar impostos mas estamos a fa- teceu o aumento da desigualdade an-
zê-lo de forma justa”. E, para isso, em tes de impostos devido à sua natureza
EFEITO REDUTOR DOS IMPOSTOS,
particular sobre as alterações no IRS PENSÕES E TRANSFERÊNCIAS predominantemente progressiva”,
que representavam quase dois terços SOCIAIS NA DESIGUALDADE aponta Carlos Farinha Rodrigues, es-
da dose, Gaspar tinha números: a con-
centração do rendimento diminuiu,
Entre 2006 e 2014 pecialista em matéria de desigualda-
des e professor no Instituto Superior
OS DADOS
os decis de rendimento mais elevados Impostos Outras
transferências
Pensões de Economia e Gestão (ISEG). Como MOSTRAM MAIOR
são os mais afetados e o índice de Gini resposta à crise, as alterações no siste-
que mede a desigualdade teve uma ma fiscal traduziram-se num aumento ‘EFICÁCIA’ DOS
redução de 2,5%.
Esta análise é agora partilhada pelo
10
1,8
da carga fiscal em Portugal, passando
de 30% do PIB em 2009 para 34,4%
IMPOSTOS NA
2,9
estudo coordenado por Carlos Fari- 8
2 2,1
em 2014, “enquanto a receita dos im- CORREÇÃO DAS
nha Rodrigues e apoiado pela Fun- postos diretos subiu cerca de 25%”.
dação Francisco Manuel dos Santos 6
3 Em paralelo, as alterações no IRS “ DESIGUALDADES E
(FFMS). Os aumentos de impostos
diretos (onde está o IRS) não só con- 4
2,2 6,5 parecem ter reforçado o carácter pro-
gressivo dos impostos diretos e exerci-
UMA DIMINUIÇÃO
tribuíram para reduzir a desigualda- 4,2
3,8 do um efeito equalizador acrescido na NAS PENSÕES E
de como o seu contributo se reforçou distribuição dos rendimentos”.
TRANSFERÊNCIAS
2
num período em que o impacto dos Esse efeito “equalizador” fica mais
outros instrumentos — pensões ou
transferências sociais — até encolheu
0
2006 2009 2014
claro quando se olha para a distri-
buição dos impostos diretos: 70% do
SOCIAIS ENTRE
e em que, apesar disso, a desigualdade FONTES: INE, ICOR 2007, 2010 E 2015 montante do IRS em 2014 incidiu 2006 E 2014
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Ser pobre é ter menos


de €422 por mês
LIMITE A linha de pobreza está
em 422 euros mensais para uma
pessoa que viva sozinha. O va-
lor corresponde sempre a 60%
“CHEGÁMOS A UM MOMENTO
CRÍTICO. A DESIGUALDADE NÃO
PODE SER MAIS TRATADA
A POSTERIORI. PRECISAMOS
DE FOCAR O DEBATE NA FORMA
36,5%
Quebra nos rendimentos
na Grécia durante a crise.
Privação severa
em Portugal acima
da média da UE
IMPACTO A taxa de privação se-
vera, que avalia a dificuldade de

Posição de Portugal
entre os países com
do rendimento mediano do país Foi o caso extremo entre as pessoas terem acesso a uma mais desigualdade
(e por isso vai oscilando). Em COMO OS BENEFÍCIOS os países sob ajustamento. série de necessidades básicas na distribuição dos
2009, era de 434 euros. Para DO CRESCIMENTO Os irlandeses perderam do dia a dia, continua a ser mais rendimentos em 2013,
um casal com dois filhos o limiar 4,3% e os espanhóis 9% alta em Portugal (10,6%) do que segundo o índice de Gini.
passou de 911 para 886 euros, SÃO DISTRIBUÍDOS” dos seus rendimentos a média dos países da União Estónia e Letónia ocupam
entre 2009 e 2014. José Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE entre 2009 e 2013 Europeia (8,9%). os piores lugares

Foi em outubro de 2012


Michael Förster Diretor da divisão de Políticas Sociais da OCDE

“É preciso olhar para


que Vítor Gaspar anunciou QUATRO PERGUNTAS A
o agravamento do IRS
depois de ter deixado
cair a solução TSU
Carlos Farinha

os jovens. Depressa ”
FOTO GONÇALO ROSA DA SILVA
Rodrigues
Economista e coordenador do estudo

P Há quatro anos coordenou o


estudo sobre as desigualdades
económicas entre 1985 e 2009. O
que mudou desde então?
R Foi possível identificar um novo
ciclo, de sentido oposto ao ante- dos jovens o mais depressa possível.
rior, na evolução dos principais
Raquel Albuquerque Quer o facto de os jovens estarem
indicadores sociais. Se entre 1985 fora do mercado de trabalho quer o
e 2009 Portugal registou um ligei- Especialista em desigualdades econó- facto de estarem a receber menos,
ro declínio da desigualdade e uma micas, Michael Förster tem estudado tem efeitos a longo prazo, porque isto
diminuição significativa das várias as causas e os efeitos dessas disparida- acumular-se-á para os próximos 10,
dimensões da pobreza, a partir de des, assim como o impacto de várias 20 ou 30 anos. É preciso portanto dar
2010 assiste-se a uma inversão des- medidas para as combater. Uma das uma atenção específica às políticas do
se ciclo, com o acentuar das desi- formas de atenuar as desigualdades mercado de trabalho em relação aos
gualdades e um forte agravamento passa, por exemplo, por continuar a jovens. E é preciso investir na edu-
da pobreza. assegurar a integração das mulheres cação. Quanto aos apoios sociais e os
na vida económica. E em Portugal é impostos, eles são muito eficazes em
P Que contributo teve a crise? preciso prestar uma “atenção espe- reduzir disparidades na generalidade
R A evolução da desigualdade em cífica” às políticas direcionadas aos dos países europeus, reduzindo até
Portugal, quer no período pré-crise jovens, defende. O economista vai um terço das desigualdades criadas
quer após a crise, tem sido forte- estar em Lisboa na apresentação do pelo mercado. A estas três linhas jun-
mente determinada pelas altera- estudo “Desigualdade em Portugal: ta-se a necessidade de políticas para
ções nos rendimentos das famílias Consequências Sociais do Programa um contínuo aumento da integração
situadas na parte inferior da escala de Ajustamento”, a 23 de setembro, das mulheres na vida económica. Não
de rendimentos. Após 2010, e num no ISEG. é só pelo emprego, é mais do que isso.
contexto de quebra generalizada É mudando a partilha do trabalho
dos rendimentos familiares, foi a P Em termos de desigualdades eco- doméstico ou investindo em creches.
forte descida em termos relativos nómicas, como é que Portugal se posi- Nos últimos 20 ou 30 anos a integra-
do rendimento dos mais pobres ciona entre os países da OCDE? ção das mulheres na vida económica,
que impulsionou o crescimento de R Quando falamos de desigualdades em países da OCDE, conseguiu evitar
alguns indicadores de desigualda- na distribuição de rendimentos, Por- um aumento ainda maior das desi-
de. Também aqui, a conjugação da tugal e outros países do sul da Europa, gualdades.
crise económica com a “desprote- como Espanha ou Grécia, estão entre
ção” social crescente dos indivíduos os países com um nível muito alto de P As famílias mais jovens, as mais
mais vulneráveis assume um papel desigualdades. Nesse contexto eu- alargadas, os desempregados e com
importante na explicação. ropeu, claramente Portugal está no menos habilitações estão entre quem
topo. Se alargarmos ao contexto da mais perdeu com a crise. Onde é que
P Um país desigual é um país OCDE, que inclui países da América isso nos leva?
pobre? Latina e também os Estados Unidos R Em tempos normais, esta popula-
R A evolução destes dois aspetos da América, Portugal ocupa o 10º ção já tem problemas e isso torna-se
não é necessariamente coincidente lugar entre 35 países. Tem um nível ainda mais problemático em tempos
podendo, em teoria, ter compor- elevado de desigualdades, mas não o de recessão. É verdadeiramente um
das pensões, a diminuição da sua efi- tamentos opostos. Na prática, na mais elevado. de aumento na desigualdade possa desafio para o futuro dos países, in-
cácia redistributiva é algo que tem sido União Europeia existe uma forte incluir uma perda entre 0,1 e 0,2 pon- cluindo Portugal, porque pode, por
constante nos últimos anos apesar de associação entre pobreza e desi- P Quais são os riscos a médio e longo tos no crescimento económico. Isto exemplo, levar à emigração de jovens
manter um forte nível de redistribu- gualdade. Por norma, os países prazo para um país com um elevado atraiu a atenção de pessoas que até qualificados, algo que tem efeitos a
ição”, explica Farinha Rodrigues. “A mais desiguais são igualmente os nível de desigualdade? então não estavam preocupadas com médio e longo prazo. Parte da força
explicação reside na diferença entre as que apresentam maiores níveis de R No passado, os economistas olha- a pobreza e a desigualdade, sobretudo de trabalho deixa de existir e sabemos
novas gerações de idosos (com carrei- pobreza. No caso português essa ram tendencialmente para as causas nos vários ministérios das finanças. que só por razões excecionais é que
ras contributivas mais longas, maiores associação é muito clara. O nosso das desigualdades económicas e não E esse era precisamente o ponto: as as pessoas voltam. É também por isso
salários pré-reforma e, consequente- país apresenta níveis de pobreza para as consequências. Só nos últimos desigualdades não são importantes só que é preciso ter uma atenção particu-
mente, maiores pensões) face às gera- tão elevados em termos europeus quatro ou cinco anos, com a crise, a nível social, mas também económico lar às políticas viradas para os jovens,
ções anteriores de pensionistas.” por ter dos mais elevados níveis de começou a haver mais debate sobre e financeiro. questão que está ligada à desigualdade
desigualdade. Desigualdade e po- as consequências. Alguns académicos e ao crescimento económico.
Queda das prestações sociais breza têm, em Portugal, uma raiz e analistas discutiram a possibilidade P Em que áreas é preciso apostar
comum que é um modelo económi- de as elevadas desigualdades na dis- para reduzir as desigualdades? P O índice de Gini mostra uma desci-
O mesmo acontece com as transferên- co ainda fortemente caracterizado tribuição dos rendimentos terem sido R Há quatro linhas: nas políticas do da da desigualdade em 2014. É já uma
cias sociais, uma diminuição “inequi- por baixos salários. uma das razões para a crise econó- mercado de trabalho, na educação, melhoria?
vocamente associada à contenção das mica. Portanto, os riscos estão agora nas prestações sociais e impostos, e R Sim, mas é pequena e não é sufi-
transferências sociais e, em particular, P Que políticas poderiam ate- ligados a três dimensões. Uma, do na integração das mulheres na vida ciente para que possamos fazer dela
das que estão vocacionadas para o nuar as desigualdades em Por- lado político, porque se não houver económica. Pelo lado do mercado de uma tendência para agora ou para os
combate à pobreza e à exclusão soci- tugal? uma preocupação com o aumento trabalho, especialmente na Europa, próximos anos. Desde 2009 regista-
al”, refere o estudo. R Depende do horizonte tempo- das disparidades, perde-se o apoio é importante olhar para a integração -se mais ou menos o mesmo nível de
Em 2014, a despesa da Segurança ral. No curto prazo, o aumento da da maioria dos eleitores e com isso desigualdade de rendimentos. O que
Social com o Rendimento Social de proteção social das famílias mais perde-se a capacidade para levar a é importante é a descida muito signi-
Inserção (RSI) recuou aos níveis de vulneráveis, o acréscimo sustenta- cabo reformas eficazes. Outra, do “QUER O FACTO ficativa entre 2000 e 2009. Em 2004,
2006 (cerca de 300 milhões de euros), do do salário mínimo, o aumento lado social, que tem que ver com as DE OS JOVENS o nível de desigualdade em Portugal
depois de ter atingido um pico em da progressividade e da abrangên- famílias, porque acabam por perder era igual ao dos Estados Unidos da
2009 (cerca de 900 milhões de euros cia do sistema fiscal combatendo a confiança em encontrar soluções. ESTAREM FORA América, que é muito alto. Agora Por-
de despesa). Já os gastos públicos com as situações de fraude e de evasão Mas na OCDE olhamos mais para a DO MERCADO DE tugal tem o mesmo nível de Espanha
o abono de família em 2014 aproxi- poderão atenuar a desigualdade. terceira dimensão, o lado económico. ou Grécia, acima da média da OCDE,
maram-se dos valores de 2007 (600 Mas nenhuma dessas medidas, por Fizemos estudos sobre a ligação entre TRABALHO QUER O mas muito longe de países como os
milhões de euros). Os dados refletem si só, é suficiente. Uma política que desigualdades e crescimento econó- FACTO DE ESTAREM Estados Unidos ou o México.
claramente uma descida significativa reduza as desigualdades económi- mico, que é em si um longo debate.
das despesas com essas duas presta- cas e sociais pressupõe igualmente Até aos anos 80 e 90, os economistas
A RECEBER MENOS P Podemos esperar a médio prazo um
ções a partir de 2010, com ligeiras a valorização do trabalho, rejeitan- tenderam a acreditar que era preciso TEM EFEITOS A recuo das desigualdades?
oscilações depois disso. Já a despesa do um modelo de desenvolvimento ter mais disparidades e desigualdades LONGO PRAZO R É absolutamente possível que haja
com o complemento solidário para assente nos baixos salários e na para impulsionar o crescimento. De- uma segunda queda da desigualda-
idosos estava em 2014 próxima dos subordinação dos direitos dos tra- pois houve uma altura na década de PORQUE ISSO de, como aconteceu em meados dos
200 milhões de euros, tendo regista- balhadores no quadro das relações 1990 e 2000, em que se percebeu que ACUMULAR-SE-Á anos 2000, descendo agora para os
do uma tendência geral de aumento a laborais. Pressupõe igualmente não havia uma só resposta. E concluí- níveis médios de desigualdade a nível
partir de 2009. uma intervenção ativa do Estado mos que, na verdade, a desigualdade NOS PRÓXIMOS 10, europeu. Mas só se houver iniciativas
João Silvestre enquanto elemento corretor das pode dificultar o crescimento porque 20 OU 30 ANOS” e uma atenção específica às políticas
e Raquel Albuquerque insuficiências do mercado em ma- um país não está a usar todo o seu nesse sentido.
ralbuquerque@expresso.impresa.pt téria de equidade. potencial. Estimamos que cada ponto ralbuquerque@expresso.impresa.pt
Tiragem: 94480 Pág: 1

País: Portugal Cores: Preto e Branco

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ID: 66113143 17-09-2016 Âmbito: Informação Geral Corte: 5 de 5

Pobres foram os mais


afetados pela crise
Dossiê Um em cada três
portugueses passou pela pobreza P24

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