EPA ~ Estudos Portugueses e Africanos
Nimero 3, 1984
Paginas 67 - 96
itmo em Poesia
Anaélise Fonética do
Luiz Carlos Cagliari
1. Consideragoes Gerais
Uma maneira simples de se distinguir pro
sa de poesia é dizer que a poesia apresenta uma simetria
de forma, ao passo que a prosa nao. Kayser (1967: 1:121)
diz que essa simetria consiste numa periodicidade de
ocorréncia de silabas longas ou acentuadas. De um modo
geral, todos reconhecem que a poesia se distingue da pro
sa, sobretudo porque a poesia apresenta um ritmo proprio,
repetitivo, nao comum 4 prosa (Paz 1967: 68). Obviamente,
prosa e poesia, como obras de arte, nao sao so forma, so
ritmo, ha muito mais a se considerar.
Apresentaremos neste trabalho algumas ob
servagoes a respeito das relagoes entre o ritmo da fala
do portugués brasileiro (Cagliari 1980) e o ritmo da lin
guagem poética, feito segundo os canones das teorias mé
tricas tradicionais (Kayser 1967, Tavares 1967).
Luiz Carlos Cagliari é professor do Departamento de Lin
gliistica do IEL ~ UNICAMP.A teoria métrica tradicional baseia-se,de
certa forma, nos estudos de textos antigos greco-latinos.
Quanto ao aspecto da forma, a nossa poesia ocidental tra
dicional é calcada nos moldes das poesias greco-latinas,
mais por pressao das teorias, do que por ser a_ maneira
mais adequada de se fazer poesia. A pressao dos tedricos
chegou a tal ponto de repressao, dissociando a lingua fa
lada da linguagem poética, que os poetas modernistas ti
veram que reagir violentamente contra a tradicao, muitas
vezes indo parar no extremo oposto, onde ja nao ha mais
uma poesia que possa ser falada, mas ao contrario, uma
poesia para ser simplesmente olhada, como um quadro con
cretista ou cubista.
As teorias métricas greco-latinas, certa
mente, eram adequadas para os poetas gregos e latinos, e
suas formulagoes mostram a grande sensibilidade fonética
e competéncia descritiva de seus autores. Porém, devemos
lembrar que as linguas se transformam com o passar do
tempo. Por exemplo, comparando o latim, o francés e o
portugués, vamos encontrar trés linguas completamente di
ferentes quanto ao ritmo.
Contrariamente ao que algumas pessoas pen
savam no passado, a restauragao das teorias classicas so
bre as linguas romanicas nao veio em nada favorecer a
criagao de uma forma poética mais perfeita, mas ao con
trario, trouxe um desafio ao poeta: expressar através de
sua lingua um momento de arte aos olhos dos criticos
preocupados com as teorias, e aos ouvidos do povo, num
- 68 -contexto de associagao de elementos quase que completamen
te incompativeis entre si.
A teoria metrica tradicional aplicada ao
Portugués esteve sempre forgando a forma poética a se mol
dar 4s caracteristicas da lingua escrita e nao da lingua
oral. Por isso € que se observa que, embora um poema como
“As Pombas" de Raimundo Correa tenha todos os ingredien
tes métricos, o ritmo por eles previsto desaparece, quan.
do o texto @ reproduzido oralmente. Por outro lado, al
guns poetas como Camoes, Goncalves Dias, etc. conseguiram
fazer versos isossilabicos, sem perder a estrutura de pés
isocrénicos, isto é, conseguiram conciliar as regras da
métrica tradicional com as propriedades ritmicas mais for
tes da linguagem oral. Ainda mais,encontram-se poesias mo
dernistas fortemente estruturadas, com padroes ritmicos
bem definidos, quando analisadas do ponto de vista da fa
la dos textos, embora do ponto de vista da escritae das
normas tradicionais da poética, essas poesias nao teriam
uma forma ritmica fixa, mas completamente livre. 0 presen
te trabalho pretende justamente mostrar evidéncias para
esses fatos apontados acima.
2. 0 Ritmo nas Teorias Métricas Tradicionais:
As teorias métricas tradicionais reconhe
cem que ha trés bases diferentes sobre as quais se monta
uma poesia: a silaba (como em francés),a quantidade (como
em latim) e o acento (como em inglés). Essa unidades se
compoem numa linha chamada verso. Um conjunto de versos
- 69 -